1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Rosemberg Jônatas Gomes de Sousa HABILIDADES SOCIAIS E SOFRIMENTO PSÍQUICO DE JOVENS E SEUS FAMILIARES BAURU - SP 2021 2 ROSEMBERG JÔNATAS GOMES DE SOUSA HABILIDADES SOCIAIS E SOFRIMENTO PSÍQUICO DE JOVENS E SEUS FAMILIARES Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências –, área de concentração Aprendizagem e Ensino, sob orientação da Profa. Dra. Marianne Ramos Feijó. BAURU - SP 2021 3 Sousa, Rosemberg Jônatas Gomes de. Habilidades Sociais e Sofrimento Psíquico de Jovens e seus Familiares / Rosemberg Jônatas Gomes de Sousa, Bauru-SP, 2021. 101 f. : il. Orientadora: Marianne Ramos Feijó. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2021. 1. Habilidades Sociais. 2. Sofrimento Psíquico. 3. Jovens e Família. 4. Covid-19. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. 4 ATA DA DEFESA 5 Dedico a João e Jussara, meus amados pais, por tudo que fizeram e ainda fazem por mim, e pelo incentivo de sempre. 6 AGRADECIMENTOS À Instituição UNESP de Bauru, onde realizei minha graduação e, agora, a pós- graduação, pela oportunidade de eu ter conhecido excelentes docentes, com os quais tive e tenho a chance de aprender sobre esta importante ciência que é a Psicologia. Aos docentes Prof. Dr. Mário Lázaro Camargo e Profa. Dra. Marianne Ramos Feijó e discentes Isabella de Oliveira Pascoal e Natália Leal Vio – integrantes do grupo de pesquisa da Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru, que estuda os impactos da pandemia do COVID-19 em discentes de instituições de ensino superior públicas e privadas, pelo convite a mim realizado para participar dos trabalhos de pesquisa e pela permissão de incluir questões relacionadas ao meu estudo. À colega Jaqueline Crespo, que muito gentilmente e em meio à sua rotina de professora e empreendedora, colaborou com esta pesquisa na fase de transcrição dos registros de áudio. Ao psicólogo e coordenador universitário do curso de Psicologia da Faculdade Católica Paulista de Marília/SP, Sérgio Silva, que se tornou um amigo em meio à pandemia, acreditando neste projeto de mestrando, indicando o aluno Daniel para colaborar com as transcrições dos registros de áudio (a quem também sou muito grato) e apresentando-me desafios como o convite para lecionar a disciplina de Avaliação Psicológica naquela faculdade a partir do primeiro semestre de 2021. À Profa. Dra. Eroy Aparecida da Silva e, novamente, ao Prof. Dr. Mário Lázaro Camargo, pela disponibilidade em participar da banca examinadora nos dos momentos, de qualificação e de defesa, e também pela leitura cuidadosa e precisas contribuições para o trabalho final. À Eroy agradeço principalmente o cuidado com as palavras, conceitos e metodologia, além da sugestão em relação ao título. Ao Mário agradeço especialmente as observações realizadas no corpo do texto e melhorias na redação de alguns dos parágrafos. Agradeço à Prefeitura Municipal de Marília – Secretaria Municipal de Saúde, nas pessoas da Psicóloga e Coordenadora de Saúde Mental, Simone Alves Cotrin Moreira, e a Psicóloga e gerente do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, Sátia Regina Alves de Almeida, pela permissão de coleta de dados naquela instituição, à equipe deste serviço de 7 saúde mental, bem como aos adolescentes e suas mães que participaram como sujeitos deste estudo. Sem vocês nada disso teria sido possível de ser realizado! A todos os meus amigos de longa data, aos colegas de graduação, de pós-graduação e de profissão, que me ajudaram e me ajudam a ser um psicólogo cada vez melhor em servir a população com zelo e acolhimento ao sofrimento humano. 8 SOUSA, R. J. G. Habilidades Sociais e Sofrimento Psíquico de Jovens e seus Familiares, 101 f., 2021. Dissertação (Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem), UNESP, Faculdade de Ciências, Bauru, 2021. RESUMO Estudos nacionais e internacionais mostraram associações entre o uso de Habilidades Sociais por adolescentes, jovens e seus familiares em suas interações sociais e melhores condições de saúde mental. Por outro lado, o reduzido uso de tais habilidades também esteve associado, de maneira circular e recursiva, a situações de vulnerabilidade, violência, aumento de conflitos familiares e sofrimento psíquico, condições essas que recentemente vêm sendo afetadas pela pandemia de COVID-19, que alterou o cotidiano dos jovens e de suas famílias. Devido à relevância de se realizarem ações para a promoção de saúde mental de adolescentes, de jovens e de seus familiares, a presente pesquisa, composta por dois estudos, teve como objetivo geral produzir conhecimento sobre os temas habilidades sociais e sofrimento psíquico em jovens e seus familiares no contexto de serviço especializado em saúde mental e em contexto universitário. Para isso, no primeiro estudo, foram realizadas entrevistas para compreender as demandas de habilidades sociais e possíveis condições de sofrimento psíquico de adolescentes usuários de um CAPSi e seus familiares-cuidadores. No segundo estudo, foram analisadas respostas de universitários a 14 questões aplicadas por meio de formulário online sobre as demandas de desenvolvimento de habilidades sociais dos participantes bem como os possíveis impactos da atual pandemia nas suas relações familiares e socialmente mais amplas. Palavras-chave: Habilidades Sociais. Sofrimento Psíquico. Adolescentes. Jovens. Família. COVID-19. 9 SOUSA, R. J. G. Social Skills and Psychological Suffering of Young People and Their Families, 101 f., 2021. Dissertação (Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem), UNESP, Faculdade de Ciências, Bauru, 2021. ABSTRACT National and international studies have shown associations between the use of Social Skills by adolescents, young people and their families in their social interactions and better mental health conditions. On the other hand, the reduced use of such skills was also associated, in a circular and recursive manner, with situations of vulnerability, violence, increased family conflicts and psychological distress, conditions that have recently been affected by the COVID-19 pandemic, which changed the daily lives of young people and their families. Due to the relevance of carrying out actions to promote the mental health of adolescents, young people and their families, this research, consisting of two studies, aimed to produce knowledge on the themes of Social Skills and psychological distress in young people and their families in the context of a specialized mental health service and in a university context. For this, in the first study, we carried out interviews to understand the demands of Social Skills and possible conditions of psychological distress of adolescents who received treatment at CAPSi and their family-caregivers. In the second study, we analyzed university students' responses to 14 questions which were applied through an online form about the participants' demands for the development of Social Skills, as well as the possible impacts of the current pandemic on their family and socially broader relationships. Keywords: Social skills. Psychic Suffering. Teens. Young. Family. COVID-19. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ASSET Adolescent Social Skills Effectiveness Training CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil CEPEDES Centro de Pesquisa em Direito e Segurança CID Classificação Internacional de Doenças COVID-19 Corona Virus Disease 2019 ECA Estatuto da Criança e do Adolescente GST Grupo de Suporte Terapêutico HS Habilidades Sociais NCD Non Communicable Disease RAPS Rede de Atenção Psicossocial SARS-CoV-2 Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 SUS Sistema Único de Saúde THS Treinamento de Habilidades Sociais WHO World Health Organization WVI World Vision International 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 (Estudo A) - Díades Participantes da Pesquisa………………………………. 38 Quadro 2 (Estudo A) - Principais Demandas Apresentadas pelas Díades……………… 40 Quadro 1 (Estudo B) - Aspectos relacionados ao contexto de Pandemia que afetam relações entre universitários seus familiares…………………………………………… 74 Quadro 2 (Estudo B) - Aspectos relacionados ao contexto de pandemia que afetam relações entre universitários e seus amigos ……………………………………………. 77 12 LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS Tabela 1 (Estudo B) - Características sociodemográficas dos participantes …..………. 70 Tabela 2 (Estudo B) - Adesão às medidas de isolamento social, qualidade dos relacionamentos interpessoais e Habilidades Sociais dos participantes ……….………. 73 Gráfico 1 (Estudo B) - Demandas de Desenvolvimento de Habilidades Sociais por Universitários ………………………………………………………………………..… 80 13 SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO ………………………………………………………………………… 14 2 ESTUDO A – HABILIDADES SOCIAIS E DEMANDAS DE ADOLESCENTES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO E DE SEUS FAMILIARES EM UM CAPSi ……….…… 20 2.1 RESUMO ………………….………………………………………………………… 20 2.2 INTRODUÇÃO …………………………………………………………………..… 21 2.2.1 Fase de desenvolvimento da adolescência .……………………………………… 21 2.2.2 Relação entre pais e filhos adolescentes …………………………………….…… 22 2.2.3 Quadros de adoecimento e sofrimento psíquico em adolescentes ……………..… 23 2.2.4 As Habilidades Sociais e seu papel na vida dos adolescentes ………..……….… 24 2.2.5 Demandas de familiares cuidadores …………………………………………..… 27 2.2.6 Habilidades sociais de familiares cuidadores de adolescentes ………………….. 28 2.2.7 Programas de desenvolvimento de habilidades sociais para adolescentes e seus pais …………………………………………………………………………..….. 29 2.2.8 A importância da avaliação das habilidades sociais …………………..………… 33 2.3 MÉTODO …………………………………………………………………….……… 34 2.3.1 Local …………………………………………………………………………… 34 2.3.2 Participantes …………………………………………………………….…….… 34 2.3.3 Materiais …………………………………………………………………..….… 35 2.3.4 Procedimentos …………………………………………………………..….…… 36 2.4 RESULTADOS ……………………………………………………………….……. 38 2.4.1 Características dos participantes e queixas apresentadas no acolhimento ….… 38 2.4.2 Demandas de sofrimento psíquico e habilidades sociais de adolescentes e suas mães ……………………………………………………….…………….…….… 40 2.5 DISCUSSÃO ……………………………………………………………….…..…… 58 2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………………………….….…. 60 2.7 REFERÊNCIAS …………………………………………………………….….….. 61 3 ESTUDO B – HABILIDADES SOCIAIS E POSSÍVEIS IMPACTOS DA PANDE- MIA NO RELACIONAMENTO FAMILIAR E SAÚDE MENTAL DE UNIVERSI- TÁRIOS ………………………………….…..………………………………. 66 3.1 RESUMO …………………………………….…..…………………………………. 66 3.2 INTRODUÇÃO …………………………….…….………………………………… 66 3.3 MÉTODO ………………………………….….……………………………………. 70 3.3.1 Participantes …………………………….….………………………………….… 70 3.3.2 Instrumentos …………………………….…..……………………..…………….. 72 3.3.3 Procedimentos éticos e divulgação do instrumento de coleta de dados 3.3.4 Procedimentos de tratamento e análise dos dados ……….…..………………..…. 73 3.4 RESULTADOS ……………………………………………….…..…………………. 73 3.5 DISCUSSÃO …………………………………………………………….…..……… 81 3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………….…..……. 83 3.7 REFERÊNCIAS ………………………………………………………….…..…….. 85 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………….… ANEXO 1 - (ESTUDO A) FORMULÁRIO DE ACOLHIMENTO …………….………… 89 ANEXO 2 - (ESTUDO A) PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ……… 90 ANEXO 3 - (ESTUDO B) PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ……… 92 APÊNDICE A - (ESTUDO A) ROTEIRO COM PERGUNTAS ………………………….. 94 APÊNCICE B - (ESTUDO A) TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TALE) ……………………………………………………………………. 95 APÊNDICE C - (ESTUDO A) TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ……………………………………………………………………. 96 APÊNDICE D - (ESTUDO B) TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ……………………………………………………………………. 98 14 1 APRESENTAÇÃO O meu interesse pela pesquisa sobre Sofrimento Psíquico iniciou-se em 2013, ao final do primeiro ano de graduação em Psicologia na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP - Campus de Bauru), após concluir disciplina sobre Metodologia Científica, a qual fora ministrada pelo Prof. Dr. Kester Carrara. Naquela época, por indicação do referido professor, fui auxiliar outros dois docentes Prof. Dr. Edward Goulart Junior e Prof. Dr. Hugo Ferrari Cardoso a aplicar em trabalhadores uma versão preliminar de uma escala para avaliação dos estressores ocupacionais. O objetivo daquele projeto de pesquisa seria a construção e validação de uma escala para este fim. Como resultado deste meu primeiro contato com a pesquisa, apresentei em um congresso nacional os resultados iniciais dos estudos psicométricos da escala, cuja continuidade do trabalho foi dada pelos pesquisadores principais. Devido ao fato de ter ingressado no curso de Psicologia com 30 anos (idade superior à média dos meus colegas de turma), eu tinha em mente o seguinte: “preciso aproveitar ao máximo as oportunidades e recuperar o tempo perdido”. Com este pensamento e desejoso por continuar conhecendo mais sobre a prática de pesquisa, no ano seguinte (2014), inscrevi-me em um projeto de extensão de Orientação Profissional para Jovens Aprendizes, coordenado, à época, pela Profa. Dra. Marianne Ramos Feijó e pelo Prof. Dr. Mário Lázaro Camargo, projeto este no qual pude, durante aquele ano, conduzir junto a outros graduandos e psicólogas, processos de Orientação Profissional em grupo com adolescentes que faziam curso sobre mercado de trabalho e já possuíam seus empregos formais. Essa experiência foi muito importante para minha formação como psicólogo e me despertou também para o estudo sobre a juventude. Como resultado deste projeto, foram escritos alguns resumos para congressos e um artigo para revista, em parceria com os professores coordenadores, além de outros coautores. Àquela época, já pude perceber a importância de intervenções para promoção de saúde mental e planejamento de projetos de vida para jovens, com a participação de suas famílias, como pode ser percebido nesta citação do artigo que produzimos: Os jovens frequentemente apresentam dúvidas e angústias, e muitos deles sentem-se pressionados por necessidades e expectativas das famílias, relacionadas a sua inserção no mercado de trabalho. Alguns podem mostrar-se desanimados diante das 15 perspectivas de desenvolvimento que enxergam para si, e das adversidades que percebem para o seu ingresso em curso superior (SOUSA et al., 2014, p. 3) . 1 Ainda no ano de 2014, pude realizar pesquisa de iniciação científica, orientada pelo Prof. Dr. Hugo Ferrari Cardoso, sobre estressores ocupacionais percebidos por trabalhadores em telesserviços de recuperação de crédito, a qual resultou também em um resumo apresentado em congresso de iniciação científica, que já destacava a importância dos relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho, como também a remuneração justa e a gestão adequada das pressões relativas às atividades naquele ambiente para promover a saúde mental dos trabalhadores. Naquele tempo, eu ainda não tinha consciência, mas meu caminho de formação estava – em conciliação com as atividades obrigatórias da graduação – levando- me a conhecer melhor os fatores relacionados ao sofrimento psíquico dos jovens e as formas de se promover a saúde mental e o bem-estar dos mesmos nos diferentes ambientes, como família, escola e trabalho. Tendo concluído essas duas experiências em pesquisa e mais o projeto de extensão, eu ainda buscava mais oportunidades para colaboração em pesquisas, então inscrevi-me para outro processo de iniciação científica no ano de 2015. Devido ao trabalho satisfatório realizado com a Profa. Dra. Marianne Ramos Feijó, conversei com ela e pedi que me orientasse em uma pesquisa, cujo tema estava relacionado à área de pesquisa da docente devido ao seu processo de pós-doutorado. Então, a professora aceitou-me e eu a auxiliei em entrevistas com pessoas que estavam em situação de tratamento para dependência química, a fim de compreendermos suas experiências conjugais, de violência familiar, de abuso de substâncias e as relações desses fatores com a atividade profissional. A pesquisa que conduzi, sob orientação da referida professora, abordava especificamente o uso de substâncias psicoativas por trabalhadores que se encontravam em tratamento para dependência química. Essa experiência foi muito importante, pois me oportunizou aprender na prática sobre entrevistas e fortaleceu a colaboração acadêmica com o grupo de pesquisas coordenado pela referida professora. Os resultados de ambas pesquisas foram divulgados em congressos e em um artigo submetido à revista científica, além de possibilitarem a execução, por parte de SOUSA, R. J. G.; FEIJÓ, M. R.; CAMARGO, M. L.; CAMPOS, D. C.; GOULART-JUNIOR, E.; CARDOSO, 1 H. F. PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL (OP) PARA JO- VENS: UMA PARCEIRA ENTRE UNIVERSIDADE E INSTITUIÇÃO FORMADORA DE APRENDIZES. RAI. RUM., v. 2, n. 1, Rio de Janeiro, jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 04 abr. 2021. http://seer.unirio.br/index.php/raizeserumos/article/view/5197 http://seer.unirio.br/index.php/raizeserumos/article/view/5197 16 nosso grupo de trabalho, de oficinas para promoção de saúde de trabalhadores em empresas e de reenducandos em unidade prisional. Cabe ressaltar que as atividades científicas mencionadas permitiram observar demandas de desenvolvimento de habilidades sociais de pessoas em sofrimento psíquico, que atrelado a diversos fatores, pode ser reduzido com a comunicação assertiva, o reconhecimento de sentimentos e de desejos, dentre outras habilidades. Vimos também como problema a interrupção dos estudos, pois este evento atuou como enorme fator de vulnerabilidade, gerando, além de exclusão, os trabalhos informais e precários. Em outras palavras, o reduzido tempo de escolarização pode prejudicar o desenvolvimento de habilidades sociais e resultar em uma condição de qualificação que limita a empregabilidade, levando o indivíduo a ingressar em trabalhos mais precários do que eventualmente gostaria. Além disso, a pessoa pode vivenciar com mais frequência dificuldade no enfrentamento de fatores estressores e de conflitos interpessoais, pode abandonar o emprego, brigar, além de vivenciar situações de violência familiar, conforme relatado em inúmeras histórias de vida de pessoas que desenvolveram quadros graves de dependência de substâncias. Em 2016, ainda ávido por novas experiências no campo acadêmico, tive a oportunidade de realizar outra iniciação científica, que se tratou de projeto no campo de ensino e aprendizagem, com a orientação do Prof. Dr. Jair Lopes Junior, e dentro de um projeto maior de sua autoria que versava sobre processos formativos de professores da educação básica e sistemas de avaliação de larga escala. Apesar do aparente desvio do percurso do tema de investigação que vinha trilhando até o momento, consigo perceber, com esta experiência, vários aspectos que me ajudaram na formação enquanto pesquisador, dentre eles, a observação que fizemos em salas de aulas de ensino fundamental (contato com a realidade dos professores e de adolescentes nas escolas públicas), o uso de filmagem e gravação de áudio, a entrevista com participantes, dentre outras atividades relacionadas ao processo de construção do conhecimento. Pudemos, como consequência, também divulgar resultados em dois congressos nacionais sobre educação. Tendo encerrado até aquele momento os três projetos de iniciação científica e a experiência na extensão universitária, já no último ano de graduação (2017), realizei estágios obrigatórios com as seguintes ênfases: (1) Psicologia Clínica (Terapia Comportamental), no qual pude atender crianças, casais e adultos, sendo supervisionado pela Profa. Dra. Alessandra 17 Turini Bolsoni-Silva, a qual nos apresentou, dentre outras técnicas, formas de se trabalhar com as Habilidades Sociais de crianças, jovens, casais e pais, em grupo e individualmente; (2) Psicologia Organizacional e do Trabalho, com supervisão do Prof. Dr. Dinael Corrêa de Campos, tendo como campo de estágio uma indústria de baterias automotivas, na qual pude auxiliar as psicólogas da empresa nas atividades do setor de Gestão de Pessoas, desenvolvendo também processo de Orientação Profissional com jovens aprendizes trabalhadores daquela indústria e evento para as mães trabalhadoras; (3) Psicologia e Educação, com supervisão das Profa. Dra. Flávia S. F. Asbahr e Profa. Me. Silvana G. C. Kamakazi, no qual pude atuar em uma escola pública municipal, conduzindo observações de aulas, acompanhamento de grêmios estudantis, reuniões com equipe gestora e um processo de formação de trabalhadores não-docentes, em grupo; e (4) um trabalho de extensão para Orientação Profissional de alunos do ensino médio de uma escola particular, com supervisão da Profa. Dra. Marianne Ramos Feijó. Esses estágios profissionais e a extensão universitária em muito me auxiliaram na formação, proporcionando-me aprendizados que carrego até hoje em minhas práticas e atendimentos psicológicos. No início do ano de 2018, já graduado como psicólogo, realizei por dois meses, trabalho de Orientação Profissional para estudantes do Ensino Médio e o planejamento de intervenção para Treinamento de Habilidades Sociais com estudantes do Ensino Fundamental, em escola particular na cidade de Itápolis/SP, acompanhado por duas colegas psicólogas. No mesmo ano, fui aprovado em concurso público e convocado para trabalhar como psicólogo na Prefeitura Municipal de Marília/SP, sendo lotado, no mês de maio, no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). Neste ponto, já residindo na cidade de Marília por motivo do novo trabalho, inicia-se uma trajetória profissional marcada por aprendizados e questionamentos acerca do papel do psicólogo em equipe multiprofissional de saúde mental, que atende principalmente crianças e adolescentes em situação de sofrimento psíquico de moderado a grave e suas famílias. Ao iniciar os atendimentos interdisciplinares, geralmente acompanhado por dois ou mais profissionais de diferentes formações no campo da saúde mental (psiquiatria, enfermagem, fonoaudiologia, terapia ocupacional, serviço social e psicopedagogia), passei a perceber, nos grupos terapêuticos que conduzia, a alta frequência dos relatos de crianças e adolescentes acerca das dificuldades enfrentadas pelos mesmos em seus relacionamentos interpessoais nos 18 diversos contextos (familiar, escolar e comunitário), verbalizações essas com indicativos de sofrimento psíquico. Igualmente, no trabalho de atendimento aos familiares cuidadores (geralmente as mães, mas também pais, avós etc.), pude observar, dentre outras demandas, a necessidade de se oportunizar a esses familiares espaço para que falassem sobre suas demandas e sofrimento, além de necessidades acerca de suas habilidades sociais e aquelas relativas às práticas educativas parentais, pois muito se ouvia acerca das dificuldades dos familiares em lidar com o comportamento dos jovens. Após alguns meses de atividade no CAPSi, mantendo meu objetivo pessoal de trabalhar sem deixar os estudos, e ciente, neste momento, de parte das realidades enfrentadas pelo público atendido, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, da Faculdade de Ciências (UNESP - Bauru), com o objetivo de elaborar projeto de pesquisa sobre planejamento, execução e avaliação de treinamento de habilidades sociais para adolescentes e seus familiares cuidadores, em grupo. O atendimento conjunto de familiares e jovens, em grupo, para abordar temas sobre relações interpessoais, família e emoções já vinha sendo uma prática proposta por mim naquela instituição, cujos resultados, clinicamente observados, estavam sendo satisfatórios. Entretanto, a literatura nacional carecia, até o momento, de estudos sobre a temática das habilidades sociais dentro do contexto de CAPSi, principalmente com participação familiar. Orientado pela profa. Dra. Marianne Ramos Feijó, realizei disciplinas obrigatórias e optativas no ano de 2019, e participei de atividades de grupo de estudo com a orientadora e outras estudantes. Nesse período, houve ainda a apresentação de um resumo, em congresso nacional de saúde mental, sobre estudo de caso atendido por equipe multiprofissional no CAPSi, resultando em um capítulo de livro (SOUSA et al., 2021) , e outro capítulo sobre o projeto da 2 presente pesquisa em um livro sobre Diversidade na Universidade (SOUSA; FEIJÓ, 2020) . 3 Com o início do ano de 2020 e a chegada da pandemia do COVID-19, os SOUSA, R. J. G.; VIEIRA, R.; ALMEIDA, S. R. A.; FEIJÓ, M. R. A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO IN2 - TERDISCIPLINAR EM SAÚDE MENTAL NO TRATAMENTO DE SINTOMAS DE ANSIEDADE, DE- PRESSÃO E TDAH EM CRIANÇA. In: BLEICHER, R. et al. (Orgs.). Anais do III Congresso de Saúde Men- tal da UFSCar: artigos completos. São Carlos, SP: Universidade Federal de São Carlos, 2021. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2021. SOUSA, R. J. G.; FEIJÓ, M. R. In: HENRIQUES, F.; XAVIER, J. P.; SOUZA, L. L. (Orgs.). Diversidade na 3 Universidade: [e-book]: pesquisas, práticas e diálogos. Bauru, SP: Gradus Editora, 2020. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2021. http://fai1uploads.s3.amazonaws.com/1/others/f486517b06958624c08f2fc0fd70e84c42f42216.pdf#page=134 https://www.ict.unesp.br/Home/sobreoict/biblioteca/diversidades-na-universidade.pdf 19 atendimentos presenciais no CAPSi foram interrompidos, sendo apenas mantido o monitoramento remoto dos usuários do serviço, atividade esta realizada por ligações telefônicas ou videochamadas. Com a interrupção dos atendimentos presenciais dos grupos, os planos de início de coleta de dados da pesquisa foram também adiados, visto que meu projeto inicial visava o atendimento em grupo de 15 díades adolescente-familiar para Treinamento de Habilidades Sociais, com a participação da equipe multiprofissional. A ideia seria sistematizar o trabalho que já fazíamos, no entanto, desta vez com avaliação pré e pós- teste e a intervenção com roteiro semiestruturado sobre Habilidades Sociais. Aguardamos a retomada integral dos atendimentos presenciais em grupo, mas isso não aconteceu ainda devido às medidas de distanciamento social, o que me causou bastante preocupação pois o prazo estava se encerrando. Em novembro/2020, foram iniciados atendimentos de novos adolescentes com seus cuidadores e a coleta de dados da pesquisa principal em curso – atividade esta que só pode ser iniciada com díades separadamente, mas de maneira presencial, por tratar-se de atendimentos de saúde a pessoas com quadros de sofrimento psíquico moderados ou graves. Conciliar a atividade profissional, os interesses do serviço, os impactos da pandemia e o papel de pesquisador tem sido desafiador. Paralelamente e para ampliação de atividades de pesquisa em campo sobre saúde mental e habilidades sociais, participei, a convite da Profa. Marianne, de outro projeto de pesquisa sobre os efeitos da pandemia do COVID-19 nas relações familiares e Habilidades Sociais de estudantes universitários. Minha colaboração no projeto resultou no planejamento de questões de pesquisa e tratamento de dados sobre saúde mental, sofrimento psíquico, habilidades sociais, família e juventude. Tendo exposto minha trajetória de formação enquanto pesquisador e profissional, apresentarei a seguir dois estudos, em formato de capítulos, sendo o primeiro deles acerca de demandas e necessidades de saúde mental e habilidades sociais apresentadas por adolescentes em sofrimento psíquico (em tratamento no CAPSi) e seus familiares; e o segundo estudo acerca dos impactos da pandemia por COVID-19 nas relações familiares e de amizades de universitários e sobre demandas de desenvolvimento de habilidades sociais. 20 2 ESTUDO A – HABILIDADES SOCIAIS E DEMANDAS DE ADOLESCENTES EM SOFRIMENTO PSÍQUICO E DE SEUS FAMILIARES EM UM CAPSi 2.1 RESUMO Adolescentes em situação de sofrimento psíquico e suas famílias que procuram por atendimento psicossocial em serviços de saúde mental apresentam, geralmente, vulnerabilidades e dificuldades importantes em suas relações interpessoais. Apesar de intervenções para desenvolvimento de habilidades sociais (HS) serem bem descritas na literatura no tocante à sua efetividade em diversos contextos e para diferentes públicos, a literatura nacional aponta para a necessidade de novos estudos que abordem a temática das HS de adolescentes e seus familiares no contexto de serviços de saúde mental. Nesse sentido, a presente pesquisa, de cunho qualitativo descritivo, objetivou compreender as demandas de sofrimento psíquico e de desenvolvimento de HS de adolescentes em tratamento em um CAPSi e de seu familiar-cuidador, com o intuito de se planejar encontros com roteiros temáticos para promoção de HS às díades. Cinco adolescentes de ambos os sexos e com idades entre 15 e 17 anos, admitidos recentemente no serviço, e suas respectivas mães, foram convidados a participar de sessões complementares ao tratamento grupal interdisciplinar e à orientação familiar já habituais do serviço. O psicólogo, membro da equipe multiprofissional, organizou e descreveu dados sociodemográficos das díades, além de informações tais como origem e queixas apresentadas sobre o adolescentes durante seu acolhimento e conduziu uma sessão conjunta com cada uma das cinco duplas mãe-filho, separadamente, com roteiro de perguntas semiestruturado e registro de áudio, para conhecer suas demandas no tocante às relações interpessoais, familiares e dificuldades enfrentadas em suas vidas. Os dados gravados durante as sessões com as díades foram transcritos, lidos e interpretados de acordo com a Análise de Conteúdo. Os resultados alcançados, até o presente momento, apontam para a importância de se legitimar demandas dos adolescentes e seus familiares, no tocante ao sofrimento psíquico e ao desenvolvimento das HS, como também se oferecerem, de maneira complementar aos atendimentos grupais interdisciplinares e orientações parentais já prestados pela equipe, sessões conjuntas a familiar e adolescente para desenvolvimento de HS. Sessões familiares e de desenvolvimento de HS devem ser realizadas, de acordo com a realidade, tempo e condição de cada família, quando houver demanda de cuidado das relações. Palavras-chave: Adolescentes. Saúde Mental. Habilidades Sociais. Família. 21 2.2 INTRODUÇÃO 2.2.1 Fase de desenvolvimento da adolescência A transição da infância para a vida adulta é um período marcado pela puberdade e, para além das transformações corporais, é carregada de expectativas e de significados socialmente construídos, sendo, parte desses, negativos e envoltos em estereótipos (MACEDO; BRUSCAGIN; FEIJÓ, 2019). Autores que estudam a chamada adolescência, aqui delimitada para fins de estudo dos 10 aos 19 anos (WHO, 2020), têm descrito transformações físicas, psíquicas e sociais, tais como o estabelecimento de novas relações com o outro e consigo mesmo, isto é, novas experiências que podem trazer dificuldades (TOLEDO; COSER, 2015), especialmente se há excesso de vulnerabilidade social (SILVA; MOURA; ZUGMAN, 2015). O uso do termo adolescente, apesar de carregado de tais significados e estereótipos, foi adotado no presente capítulo para alinhamento com outras publicações vigentes, como o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1990) e as orientações da World Health Organization (WHO, 2021). O ser humano se relaciona ativamente com o ambiente e o modifica, sendo também modificado por este. As dificuldades no comportamento dos adolescentes podem estar associadas ao aumento de exigências para obter reforços positivos perdidos na infância, atreladas a outras demandas psíquicas e sociais que afetam negativamente a saúde individual e familiar. Um fator positivo para o desenvolvimento dos adolescentes poderia ser um ambiente organizado para receber e coerentemente reforçar seus comportamentos desejados (TOLEDO; COSER, 2015), com garantia de acesso aos direitos, espaços seguros de convivência social e de expressão (SILVA; MOURA; ZUGMAN, 2015). Famílias com excesso de tensão, violência e outros fatores que as fragilizam – em que adultos e adolescentes adoecem e manifestam sintomas de sofrimento psíquico – podem apresentar demanda por desenvolvimento de habilidades sociais e por atendimentos em equipes multidisciplinares. A maioria apresenta também outros fatores de vulnerabilidade social e frequentemente restrição no acesso aos direitos. 22 2.2.2 Relação entre pais e filhos adolescentes Clinicamente, observa-se a existência de uma variedade de conflitos familiares durante o desenvolvimento da família. No entanto, a negociação e a solução de problemas – que são as bases fundamentais de habilidades sociais efetivas – podem ser menos utilizadas nas famílias que estão em contexto de conflito e angústia (NOBLE; ADAMS; OPENSHAW, 1989). Nesse sentido, o relacionamento conflituoso entre pais e filhos é um tema social importante e pode estar associado, frequentemente, ao contexto social da família, ao exercício de papéis familiares, às características pessoais de pais e adolescentes e até mesmo ao estilo de interação pais-adolescente. Outros fatores relacionados são os problemas de saúde mental e sociais dos adolescentes, como aqueles que apresentam dificuldades com seus pares, timidez ou isolamento, sofrimento psíquico e sintomas psiquiátricos (Id., Ibid.). Questões do cotidiano, como a realização de tarefas domésticas, o consumo de substâncias psicoativas e de alimentos, as compras, o desempenho escolar, a vida social e as amizades estão entre as razões dos conflitos entre filhos adolescentes e seus pais, que frequentemente não se sentem atendidos em seus pedidos e orientações. Em relação a tais conflitos, Noble, Adams e Openshaw (Ibid.) ensinam que sua frequência é […] mais alta durante a adolescência intermediária, que esse período é um estágio de risco muito alto para o início do problema social e que a comunicação dos pais e comportamentos mútuos de resolução de problemas são fatores importantes para minimizar o risco indesejável assumido pelos adolescentes durante esse período (p. 485). É importante destacar, ainda, que a fase de desenvolvimento da adolescência é marcada, geralmente, pela busca pelo de autoafirmação da identidade e visão autônoma, muitas vezes, conflitante com o interesse das figuras de autoridade, como pais e mães. Essa pode ser uma das explicações para os conflitos entre adolescentes e seus familiares cuidadores – supostamente inevitáveis nesta fase do ciclo vital, sendo mais frequente em contextos de famílias com baixo repertório de habilidades sociais e em amostras clínicas, quando as relações e interações diádicas tornam-se mais difíceis ou quando associadas a formas de sofrimento psíquico que prejudicam e são prejudicadas pela comunicação e pela forma predominante de resolução de problemas ou negociação entre as partes envolvidas 23 (OPENSHAW et al., 1992). As condições de vida da família, o acesso aos direitos e ao consumo de produtos valorizados socialmente também devem ser levados em conta para a compreensão dos conflitos familiares, em uma sociedade de cunho individualista, imediatista e consumista (MACEDO; BRUSCAGIN; FEIJÓ, 2019). As condições de vida desfavoráveis também afetam as relações, pioram os problemas e são por eles afetadas. 2.2.3 Quadros de adoecimento e sofrimento psíquico em adolescentes Neste estudo utilizaremos o conceito de sofrimento psíquico ou dor psicológica enquanto uma dor mental intolerável e inaceitável, ou seja, um construto que desempenha um papel fundamental no risco de suicídio na adolescência. Segundo Mento, Silvestri, Muscatello et al. (2020), esta é uma condição frequente em adolescentes com depressão e forte fator de vulnerabilidade de ideação e comportamento suicida. Emoções negativas intensas, como culpa, vergonha, desesperança, podem se tornar uma dor psicológica na adolescência, e estudos mostraram uma relação entre o sofrimento psíquico e a capacidade de suicídio. Elder, Eldestein e Narick (1979) já apontaram que adolescentes em situação de sofrimento psíquico moderado a grave, com acentuadas oscilações de humor, geralmente se distinguem como “diferentes” dos seus colegas e de outras pessoas da comunidade, o que lhes confere um lugar de desvantagem social, sendo muitas vezes alvo de bullying e outras formas de violência em diferentes ambientes. Da mesma forma, a vivência de exclusão e outras formas de violência podem contribuir significativamente para o processo de adoecimento. Algumas das questões que têm sido associadas ao sofrimento psíquico em adolescentes são: violência, falta de estímulo para estudar, uso abusivo e dependência de substâncias psicoativas, pressões e desejos relacionados ao consumo e às escolhas futuras, dificuldades familiares e nos vínculos afetivo-sexuais e de amizades (FEIJÓ; VALÉRIO; CHAVES, 2017). Crianças, adolescentes e adultos jovens podem apresentar, em seu processo de desenvolvimento, problemas relacionados a comportamentos agressivos verbais e físicos. Estratégias de autorregulação emocional e de interpretação adequada do contexto podem ajudar o indivíduo na modulação do seu próprio comportamento e a responder de maneira assertiva às dificuldades que enfrenta nas suas relações (ALVARENGA; WEBER; BOLSONI-SILVA, 2016; CAMPOS; BOLSONI-SILVA; ZANINI et al., 2019). Para as autoras, o desenvolvimento de habilidades sociais dos filhos e o desenvolvimento das 24 habilidades sociais parentais podem minimizar tais dificuldades (KANAMOTA; BOLSONI- SILVA, KANAMOTA, 2017). Já para autores com visão sistêmica e integrativa, a mudança de comportamento e o estabelecimento de novos padrões relacionais depende também do cuidado com as pessoas, de mudanças familiares e socialmente mais amplas, uma vez que padrões são herdados de outras gerações e mantidos por meio da cultura (TONDOWSKI; FEIJÓ; SILVA et al., 2014). 2.2.4 As Habilidades Sociais e seu papel na vida dos adolescentes Nas décadas de 1960 e 1970 foram estabelecidas as bases para o desenvolvimento e análise do Campo das Habilidades Sociais, em meados de 1970 houve maior progresso na aplicação e em 1980 foram incluídos elementos de ordem cognitiva com ampliação de resultados de pesquisas. A origem deste campo é atribuída a Salter (1949), um dos pais da terapia comportamental, que ressaltou a expressividade dos indivíduos por meio da expressão verbal e a expressão facial das emoções, o falar em primeira pessoa, a abertura a elogios e atenções, a expressão de desacordo e a improvisação. Num momento posterior, no livro Psychotherapy by Reciprocal Inhibition, Wolpe (1958), baseando-se nas ideias de Salter, usou o termo comportamento assertivo, que passou a ser sinônimo de habilidade social, e referia-se à demonstração moderada da agressividade e de sentimentos diferentes da ansiedade, como amizade e carinho. Wolpe destacou também a expressão de sentimentos negativos (fadiga ou enfado) e a defesa de direitos enquanto dimensões representativas do comportamento assertivo. Wolpe e Lazarus (1966) iniciaram o treinamento assertivo na prática clínica da terapia comportamental, contribuindo para pesquisa sobre comportamento assertivo (WOLPE, 1969; LAZARUS, 1971). Outros autores realizaram pesquisas e programas de treinamento para ampliar habilidades e o seu uso. Zigler e Philips (1960; 1961), nos Estados Unidos, demonstraram que adultos institucionalizados que possuíam melhor repertório de habilidades sociais prévio à internação no hospital tinham menor tempo de internação e taxa de recaída. Na Inglaterra, Argyle e 25 Kendon (1967) realizaram trabalhos consideráveis no campo das habilidades sociais nas interações interpessoais. Neste estudo, utilizaremos o conceito de Habilidades Sociais enquanto classes de comportamentos sociais emitidos pelos indivíduos e que possuem alta probabilidade de produzir consequências reforçadoras para o indivíduo e demais pessoas (CAMPOS; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2014) em situações favoráveis do ponto de vista relacional e de expressão pessoal. A interação de várias habilidades sociais, de modo a produzir melhor efeito para se alcançar objetivos, melhorar a autoestima dos envolvidos, equilibrar reforçadores e promover direitos humanos é considerada competência social, que quando associada à redução de tensões e vulnerabilidades tende a promover saúde. Ainda segundo esses autores, seis classes de habilidades sociais importantes foram identificadas em adolescentes no contexto brasileiro: autocontrole, civilidade, empatia, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social. Adolescentes que possuem tais habilidades em seu repertório comportamental podem apresentar desempenhos socialmente competentes, levando-os a maior satisfação e a relações sociais satisfatórias. As interações interpessoais com colegas do mesmo sexo ou do sexo oposto são necessárias para o desenvolvimento social e podem ser vividas como complexas por alguns adolescentes, demandando mais investimento e habilidades, inclusive para lidar com frustrações. Esses relacionamentos sociais sofrem impacto significativo dos muitos eventos que ocorrem durante período de transição da infância para a vida adulta e do desenvolvimento de habilidades cognitivas, verbais e de raciocínio mais avançadas, as quais são necessárias para lidar com as mudanças físicas e emocionais inerentes ao desenvolvimento. Outras mudanças que afetam as relações interpessoais dos adolescentes são as modificações nos diversos contextos onde eles estão inseridos, como aquelas concernentes às relações e aos papéis desempenhados na família, na escola, no grupo de pares ou mesmo em relação às expectativas da comunidade e da sociedade mais ampla (CHRISTOPHER; NANGLE; HANSEN, 1993; BESSA; BOARATI; SCIVOLETTO, 2011). De acordo com Plienis, Hansen, Ford et al. (1987), o indivíduo que usa habilidades sociais efetivas pode alcançar resultados valorizados socialmente nos seus relacionamentos, como desenvolver amizades, ampliar a sua rede de suporte social e alcançar a aceitação por parte de seus colegas. A história de sucesso de uma pessoa em seus relacionamentos poderá, 26 também, influenciar em sua autoavaliação positiva ou negativa. O comportamento socialmente habilidoso é definido por Caballo (2007) como […] esse conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo, de modo adequado à situação, respeitando esse comportamento nos demais, e que geralmente resolve os problemas imediatos da situação enquanto minimiza a probabilidade de futuros problemas (p. 365). Wilkinson e Manter (1982 apud CABALLO, 2007), por sua vez, ressaltam o caráter heterogêneo das habilidades sociais, no tocante aos aspectos culturais e idiossincráticos. Para esses autores, […] a habilidade social deve ser considerada dentro de um determinado marco cultural, e os padrões de comunicação variam amplamente entre culturas e dentro de uma mesma cultura, dependendo de fatores tais como a idade, o sexo, a classe social e a educação. Além disso, o grau de efetividade da pessoa dependerá do que deseja conseguir na situação particular em que se encontre [...]. O indivíduo traz também, para a situação, suas próprias atitudes, valores, crenças, capacidades cognitivas e um estilo único de interação (p. 364). Em contrapartida, dificuldades associadas às habilidades sociais estão frequentemente presentes em adolescentes em situação de sofrimento psíquico moderado ou grave, que podem apresentar também excessos e dificuldades comportamentais em muitas áreas (PLIENIS; HANSEN; FORD et al., 1987), como em habilidades de comunicação, em resolver problemas interpessoais e ampliar sua participação em atividades de grupos de pares, por exemplo. Além do que, estabelecer relacionamentos gratificantes e participar plenamente de atividades sociais importantes para seu desenvolvimento com outras pessoas podem se tornar ações difíceis para adolescentes com dificuldades no uso das habilidades sociais valorizadas pelos colegas, aumentando a possibilidade de prejuízos em sua competência social nos diferentes contextos sociais e educacionais. Em outras palavras, quanto maior a condição de vulnerabilidade que se apresenta ao adolescente e à sua família, mais intensos podem ser os sofrimentos e as dificuldades de desenvolvimento e de uso das habilidades sociais. De forma circular e recursiva, quanto maiores as dificuldades relacionadas ao uso das habilidades sociais, mais difíceis podem ficar as relações, especialmente entre pais e filhos, uma vez que a prática educativa depende de troca de afetos, apoio e claro estabelecimento de limites e de parâmetros (RONZANI; PAIVA, 2011). 27 No que tange à população adolescente, a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2020) estima que entre 10 e 20% dos adolescentes em todo o mundo experimentam problemas de saúde mental, mas estes permanecem subdiagnosticados e subtratados. Nesse sentido, a fim de se promover o bem-estar nesta fase do ciclo vital, a entidade salienta a importância do desenvolvimento e manutenção de certos hábitos sociais e emocionais por parte dos adolescentes, o que inclui: “[…] adotar padrões de sono saudáveis; fazer exercícios regulares; desenvolver habilidades de enfrentamento, de resolução de problemas, de relacionamentos interpessoais; e aprender a controlar as emoções. Ambientes de apoio na família, na escola e na comunidade em geral também são importantes” (p. 1), além do acesso aos direitos básicos, conforme mencionado. Sem acesso a direitos como moradia e alimentação adequadas, saúde e educação de qualidade, trabalho na vida adulta, cuidadores e filhos podem ter dificuldade de desenvolver e de utilizar suas habilidades sociais. 2.2.5 Demandas de familiares cuidadores Segundo Barroso (2014 apud LIMA, 2019), em se tratando de pacientes psiquiátricos, as atividades de cuidado são assumidas por um cuidador principal, geralmente, a mãe ou outra pessoa de idade mais avançada. Esses cuidadores dedicam muito de seu tempo com o bem- estar do familiar, negligenciando os cuidados com eles próprios (CAQUÉO-URÍZAR et al., 2015 apud LIMA, 2019). As mães são frequentemente as principais cuidadoras de adolescentes e de outras pessoas na família (FEIJÓ; BARBIERI; IKEGAMI et al., 2020). Pesquisas realizadas com esta população também identificaram demandas e dificuldades como transtornos mentais comuns, altos níveis de sobrecarga, perda de oportunidades de crescimento pessoal e profissional, isolamento, sentimentos de estigmatização, sendo a sobrecarga familiar o fenômeno mais estudado na perspectiva dos familiares cuidadores (LIMA 2019; LORET DE MOLA; BLUMENBERG; MARTINS et al., 2021). Ao estudar modelos explicativos de sobrecarga e suporte social, Lima (2019) observou que “há consenso de que a qualidade de relacionamento representa uma variável importante para a diminuição da sobrecarga, bem como a ampliação da rede de suporte social e de estratégias de enfrentamento positivas” (p. 20). Dessa maneira, explica o autor, a atuação 28 junto à família de pacientes em situação de sofrimento psíquico, ajudando-a a desenvolver comportamentos socialmente habilidosos e a servir de modelo desses comportamentos poderá ajudar na autonomia do paciente (LIMA, 2019). Esse autor indica, ainda, que tal direcionamento tem sido pouco explorado pelos serviços de saúde mental. 2.2.6 Habilidades sociais de familiares cuidadores de adolescentes A família pode ser compreendida como um sistema aberto, compostos por subsistemas, que se relaciona com outros sistemas (por exemplo, vizinhos, escola etc.). As tarefas e o desenvolvimento na adolescência poderão ser facilitadas ou dificultadas pelo sistema familiar, que precisa estar preparado para lidar com tais mudanças, no que tange aos estilos e práticas parentais na promoção de valores e condutas (TOLEDO; COSER, 2015). Essas autoras afirmam que “as dificuldades de exercício de papéis familiares não estão necessariamente associadas à sua composição, mas às relações que se estabelecem entre seus membros” (p. 52). Os pais têm papel na aprendizagem e na socialização dos filhos, estabelecendo limites e regras, e atuando na resolução de problemas. Por outro lado, quando se realizam práticas parentais como disciplina inconsistente, pouca interação positiva, monitoramento e supervisão insuficientes, pode ocorrer o estímulo ao comportamento antissocial dos filhos. Outro fator que pode prejudicar o desenvolvimento social dos filhos é a tendência de os pais empregarem frequentemente punições e de não serem contingentes no uso de reforços positivos para comportamentos pró-sociais (ZUQUETTO; OPALEYE; FEIJÓ et al., 2019). Por meio das habilidades dos pais, parte das infrações juvenis e os problemas de comportamento podem ser prevenidos, assim como as dificuldades escolares e de socialização. Nesse sentido, Weber et al. (2004 apud TOLEDO; COSER, 2015) ressaltam que “intervenções com pais vêm a ser um benefício para a sociedade em geral, já que as pessoas teriam possibilidade de se desenvolver […]” (p. 41), e de conviver melhor em família. Ampliando tal visão, autores sistêmicos salientam a necessidade de cuidar das famílias (SILVA, 2011), que quando menos vulneráveis e mais fortalecidas poderão aprender com os adolescentes e também lhes ensinar a conviver. 29 Apesar de que estudos brasileiros e internacionais já atestam a efetividade dos treinamentos com pais de crianças para aquisição de habilidades sociais educativas (TOLEDO; COSER, 2015), essas autoras destacam a necessidade de se realizarem estudos, no Brasil, sobre treinamento de habilidades para pais de adolescentes, devido à sua escassez na literatura nacional. 2.2.7 Programas de desenvolvimento de habilidades sociais para adolescentes e seus pais Acerca dos resultados das pesquisas sobre o comportamento adolescente e o desenvolvimento de intervenções no campo das habilidades sociais, Rosa, Inglês, Olivares et al. (2002) explicam que […] essas descobertas levaram a uma grande proliferação de técnicas de intervenção durante os últimos vinte anos (treinamento em habilidades sociais, treinamento em aprendizagem estruturada, treinamento em habilidades de resolução de problemas sociais, treinamento em autocontrole emocional, etc.) visando corrigir ou prevenir dificuldades interpessoais em adolescentes. O trabalho inicial neste campo se concentrou principalmente em adolescentes com transtornos externalizantes (por exemplo, agressividade, comportamento antissocial) e internalizantes (por exemplo, timidez, fobia social) em contextos residenciais, como internatos, hospitais psiquiátricos, centros juvenis etc. […] (p. 544). Uma das modalidades de atendimento em grupo para adolescentes em situação de sofrimento psíquico é o Grupo de Suporte Terapêutico (GST), realizado com adolescentes encaminhados para tratamento psiquiátrico ambulatorial em hospital canadense. No GST, conforme descrito por Fine, Forth, Gilbert et al. (1991), “[…] os adolescentes compartilharam preocupações comuns, discutiram novas formas de lidar com situações difíceis e forneceram apoio mútuo. Os terapeutas proporcionaram um ambiente seguro para a expressão dessas preocupações e apoio emocional” (p. 80-81). Em outras termos, a lógica e a estrutura do GST visavam explicitamente fornecer experiências de encorajamento, coesão e oportunidades para a autoexpressão. O Treinamento de Habilidades Sociais (THS), por sua vez, é uma opção teórica e metodológica adequada para promoção de saúde na adolescência, e inclui […] comportamentos como fazer e responder perguntas, fazer e receber elogios, pedir e dar feedback nas relações sociais, iniciar e manter conversação, fazer e recusar pedidos, manifestar opinião, desculpar-se, expressar sentimentos, lidar com as críticas e pressão do grupo, entre 30 outros (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2001 apud SILVA; MURTA, 2009, p. 137). No modelo de THS realizado em grupo para adolescentes canadenses, também encaminhados para tratamento psiquiátrico ambulatorial, Fine, Forth, Gilbert et al. (1991) abordaram uma série de habilidades progressivas e divididas em suas etapas componentes. A introdução dos membros do grupo e uma visão geral sobre o processo fizeram parte da primeira sessão. Reconhecer sentimentos em si e nos outros, agir assertivamente, habilidades de conversação, dar e receber feedback positivo e negativo, resolução e negociação de problemas sociais para resolver conflitos foram algumas das habilidades-alvo ensinadas e ensaiadas, sendo divididas nas sessões subsequentes, com uso de estratégias como dramatização de situações da vida real e filmagem. Ao se compararem as duas formas de intervenção (Treinamento de Habilidades Sociais e o Grupo de Suporte Terapêutico), esses pesquisadores descobriram que ambas foram efetivas no tratamento de adolescentes clinicamente deprimidos ao longo do tempo. Nas palavras deles, […] os adolescentes que estavam no GST tiveram reduções significativamente maiores em seus sintomas depressivos e aumento no autoconceito imediatamente após o tratamento em grupo. Nos 9 meses de acompanhamento, eles mantiveram seus ganhos de tratamento. No entanto, os adolescentes do THS nos 9 meses de acompanhamento mostraram melhora equivalente nos sintomas depressivos e no autoconceito (FINE; FORTH; GILBERT et al., 1991, p. 83). Segundo esses autores, uma possível explicação para a surpreendente superioridade do GST no pós-tratamento, principalmente em vista da efetividade das habilidades sociais e do programa de resolução de problemas, seja que os indivíduos que sofrem de uma perturbação do humor possam precisar dessa atmosfera de apoio antes que possam abordar uma tarefa mais cognitiva, como habilidades sociais. O foco do grupo de habilidades sociais, no entanto, estava no desenvolvimento e aplicação de novas habilidades a serem aplicadas fora do ambiente do grupo, o que pode estar além da capacidade imediata dos participantes mais deprimidos. Isso não quer dizer que o componente de habilidades sociais não seja efetivo para esses indivíduos, mas sim que há uma latência na utilização bem- sucedida de tais habilidades e seu impacto no humor (FINE FORTH; GILBERT et al., 1991, p. 83). Os autores sugeriram, ainda, o teste do uso de uma abordagem combinada na terapia de grupo para adolescentes deprimidos, onde se pode começar com uma abordagem de GST 31 nas primeiras sessões e introduzir uma abordagem de habilidades sociais nas sessões posteriores. Nessas, poderiam ser aprimoradas as habilidades insuficientes dos participantes com quadros depressivos, incentivando-os a utilizarem também as habilidades já desenvolvidas. O aumento das habilidades sociais, segundo denotam Lewinsohn e Clarke (1984 apud FINE; FORTH; GILBERT et al., 1991) “permitirá ao paciente obter reforço mais positivo, diminuindo assim os sintomas depressivos” (p. 79). No contexto brasileiro, Murta, Del Prette, Nunes et al. (2007) desenvolveram intervenções para treinamento de habilidades sociais a quatro adolescentes do sexo feminino com idades entre 16 e 18 anos, integrantes de um programa público federal de preparação do adolescente para o primeiro emprego. Foram realizadas 10 intervenções grupais, no formato psicoeducacional, multicomponente e uso de diferentes estratégias, nas quais foram abordados temas relativos à “autoestima e autocuidado com a saúde, processos de mudança, fatores de risco e proteção no desenvolvimento, resolução de problemas, correr riscos para crescer, comunicação assertiva e caminhos de atuar em entrevistas de busca de emprego” (p. 9), assuntos esses escolhidos e acordo com a necessidade do grupo. Ao término das intervenções, houve avaliação positiva do programa no tocante a ter contribuído com o aumento do desempenho socialmente habilidoso das participantes, visto que por meio de “uma avaliação assistemática mostrou que, ao longo das sessões, várias habilidades sociais foram colocadas em prática, como expressar afeto, falar de si, elogiar, concordar e discordar, fazer e responder perguntas, ouvir com empatia” (p. 9). As autoras, contudo, advertem que não é possível afirmar que houve a generalização das habilidades aprendidas para outros contextos. Cabe ressaltar também que, diferente do grupo de participantes da pesquisa aqui relatada, a amostra não era clínica. Quanto à generalização dos resultados de tratamento com adolescentes para outros contextos, Christopher, Nangle e Hansen (1993) informam que a pesquisa continuada sobre intervenção em habilidades sociais com adolescentes deve elucidar ainda mais o seu uso e efetividade “com adolescentes que enfrentam diferentes tipos de problemas e avaliar ainda mais o impacto das intenções de habilidades sociais no funcionamento e ajuste social reais dos adolescentes, inclusive durante o acompanhamento a longo prazo” (p. 334). A título de exemplo de intervenção familiar pais-filhos, Noble, Adams e Openshaw (1989) aplicaram, nos Estados Unidos, um programa de habilidades sociais em grupo para 32 díades pais-adolescentes, que viviam situações carregadas de conflitos, com a finalidade de desenvolver suas habilidades sociais, como também melhorar as relações interpessoais entre pais e adolescentes. As 18 díades do grupo experimental receberam instruções e treinamento sobre habilidades comunicacionais e de resolução de problemas, sendo avaliadas no pré e no pós-teste. Os resultados apoiaram as hipóteses dos pesquisadores, que eram: ao aprimorar um núcleo de habilidades sociais para famílias em conflito, as díades pais-adolescentes perceberiam o desenvolvimento de habilidades e uma melhoria correspondente em suas habilidades interpessoais. Os resultados foram mais fortes, entretanto, para os pais em comparação aos adolescentes. Esses autores defendem, portanto, que este procedimento possa ser aplicado a adolescentes com ideação suicida, àqueles que vivem isolados e às famílias que vivenciam altos níveis de conflito. Por isso, afirmam que […] na maioria das práticas de psicoterapia familiar é importante não apenas identificar e tratar a psicodinâmica subjacente de um problema entre pais e adolescentes, mas também fornecer aos clientes as habilidades necessárias para se engajar em atividades efetivas de comunicação e solução de problemas (Id. Ibid., p. 492). Em outro estudo, também estadunidense, Openshaw et al. (1992) aplicaram um programa de Habilidades Sociais denominado ASSET - Adolescent Social Skills Effectiveness Training (HAZEL et al., 1981 apud OPENSHAW et al., 1992) com temas semelhantes ao utilizado por Fine et al. (1991), no entanto desta vez com uma amostra normativa (não clínica), para desenvolver habilidades sociais e reduzir conflito familiar nas díades pais- adolescentes. Como resultados, houve demonstração de que as díades participantes do grupo experimental adquiriram melhores habilidades sociais devido ao treinamento recebido. Os adolescentes perceberam maior efetividade na resolução de problemas e negociação – muito provavelmente devido à sensação de um ambiente familiar mais seguro para expor suas necessidades, e os pais perceberam uma melhora no calor humano (inglês: warmth) no relacionamento com seus filhos. Mutuamente, pais e adolescentes perceberam melhora na capacidade de fornecer e aceitar feedback negativo. A intervenção, entretanto, mostrou apenas efeitos modestos de que o aprimoramento das habilidades sociais foi capaz de melhorar significativamente os relacionamentos interpessoais na família. Openshaw et al. (1992) enfatizaram, ainda, a importância do processo de negociação nas relações humanas, cujos efeitos benéficos podem ter maior alcance do que os resultados da negociação em si. 33 2.2.8 A importância da avaliação das habilidades sociais A avaliação das habilidades sociais de adolescentes é importante para se conhecerem populações-alvo quanto ao seu desempenho social, como também para o planejamento e a condução de programas de intervenção, paralelos aos cuidados com as pessoas e suas relações. Del Prette e Del Prette (2005 apud MURTA et al., 2007) esclarecem que a baixa competência social tem como efeito negativo o possível indicativo de transtornos psicológicos, cujos efeitos podem incluir problemas em ciclos posteriores de desenvolvimento. Para esses autores, a competência social pode ser definida como “um atributo avaliativo do desempenho, com base na sua funcionalidade e na coerência com os pensamentos e sentimentos do indivíduo, produzindo melhor efeito no sentido de atingir objetivos, manter ou melhorar a qualidade da relação […]” (DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2015, p. 3). Em se tratando de atendimentos terapêuticos a pessoas em situação de sofrimento psíquico, sugere-se que não apenas as habilidades sociais sejam avaliadas, mas também as demandas individuais e relacionais dos adolescentes e de suas famílias. Nesse aspecto, Feijó, Valério e Chaves (2017) ensinam que, de acordo com a epistemologia pós-moderna, o que deve nortear o processo terapêutico é a necessidade apresentada por quem o procura, sempre atrelada às suas relações e aos contextos de vida, uma vez que a construção da visão de si mesmo, de suas necessidades e de suas dificuldades, bem como de melhores possibilidades de vida, se dá em tais relações e contextos. Adolescentes, famílias e seus contextos e condições de vida devem ser cuidados, para que seja potencializada qualquer ação voltada à saúde, ao aprendizado e mudança de comportamento do adolescente e de seus familiares (SILVA, 2011). O objetivo deste estudo foi identificar, a partir de entrevistas realizadas com díades mães-adolescentes, as demandas de tratamento relativas às habilidades sociais dos participantes e ao sofrimento psíquico específico dos adolescentes. Como questão de pesquisa, procuramos investigar se o sofrimento psíquico dos adolescentes em tratamento psicossocial no CAPSi estaria relacionado, dentre outros fatores, a seus repertórios e uso de habilidades sociais, assim como de seu familiar cuidador. Como hipótese desta investigação acreditamos que tais atendimentos poderão auxiliar na construção de roteiros para sessões temáticas acerca das habilidades sociais de adolescentes inseridos em serviços especializados 34 de saúde mental de base comunitária e seus familiares cuidadores, que os acompanham nesse processo, dada a compreensão de que cuidar de adolescentes implica também promover a saúde de seus principais cuidadores (FEIJÓ; VALÉRIO; CHAVES, 2017) e as “evidências demonstram que, em programas de treinamento comportamental, a melhoria nas habilidades sociais pode ser alcançada tanto para os pais quanto para os adolescentes” (OPENSHAW et al., 1992, p. 458). 2.3 MÉTODO 2.3.1 Local Este estudo foi realizado em um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), localizado em uma cidade de médio porte no interior do estado de São Paulo. O CAPSi é um serviço especializado em saúde mental, multiprofissional e de base comunitária, mantido por convênio entre a Prefeitura Municipal e o Ministério da Saúde, e pertencente à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS). 2.3.2 Participantes Foram considerados dados sociodemográficos e clínicos de acompanhamento dos casos, colhidos durante o atendimento dos adolescentes em tratamento no CAPSi, suas famílias e queixas, e realizadas sessões para coletas de demandas de habilidades sociais e sofrimento psíquico desses adolescentes e seus familiares-cuidadores, que os acompanharam durante as sessões, portanto população considerada clínica. Participaram 5 adolescentes (1 do sexo masculino e 4 do sexo feminino), selecionados por conveniência, com idades entre 15 e 17 anos (M=16), e suas respectivas mães, com idades entre 36 e 48 anos (M=43,6). Os adolescentes estavam matriculados na educação básica, sendo a maior parte no ensino médio (uma no 6º ano do ensino fundamental, uma no 1º e três no 2º ano do ensino médio), todos em escolas públicas estaduais, sob sistema de ensino remoto emergencial no momento da pesquisa, devido à pandemia do COVID-19. As mães possuíam diferentes formações escolares, desde o ensino fundamental incompleto até o ensino superior. Quatro delas 35 trabalhavam formal ou informalmente, e uma estava desempregada. Cada família nuclear era composta por 3,8 membros, na média. O critério de inclusão para adolescentes era ter menos de 18 anos de idade, estar alfabetizado, assentir participação na pesquisa e ser acompanhado por um familiar. Este, por sua vez, necessitaria ter 18 anos ou mais, ser o cuidador principal do adolescente e dar consentimento na participação do adolescente na presente pesquisa. Por critério de conveniência, foram contatados para convite e participação na pesquisa os adolescentes e seus cuidadores que chegaram no serviço entre os meses de novembro a dezembro de 2020. Todos os que chegaram ao serviço no período, aceitaram participar da pesquisa e eram acompanhados por suas mães. Neste período não houve adolescente admitido no serviço que estivesse sendo acompanhado por outro familiar-cuidador. Os adolescentes que chegaram ao CAPSi após o início da pesquisa foram incluídos na mesma quando iniciada, sem exclusão de nenhum. Se eventualmente, chegassem adolescentes e familiares admitidos pelo serviço de saúde mental e que não atendessem aos critérios de inclusão ou não quisessem participar da pesquisa, estes seriam atendidos sem prejuízo, o que não ocorreu. 2.3.3 Materiais 2.3.3.1 Formulário de acolhimento (ANEXO 1) Este instrumento foi elaborado pela instituição de saúde mental onde a pesquisa foi realizada. Ele é utilizado no ato do acolhimento para coletar os dados como idade, sexo, escolaridade, endereço do adolescente que busca atendimento, a composição familiar e, principalmente, informações relativas às suas queixas, sintomas e histórico de desenvolvimento / saúde. A partir do momento que o adolescente é admitido no serviço, este formulário passa a ser parte integrante do prontuário do usuário. 2.3.3.2 Roteiro com perguntas Formulário elaborado para este estudo, a fim de se obterem informações sobre as dificuldades e problemas enfrentados pelo adolescente e seu familiar cuidador, como também 36 a qualidade de suas interações sociais e aspectos que gostariam de mudar em si mesmos e na vida de modo geral (Apêndice A). 2.3.3.3 Gravador de voz Aparelho eletrônico utilizado para realização dos registros de áudio das sessões conjuntas mãe-adolescente. 2.3.4 Procedimentos 2.3.4.1 Considerações éticas Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, pelo CAAE nº 27915020.5.0000.5389 e parecer nº 3.816.637 (ANEXO 2). A participação das díades na pesquisa foi voluntária, visto que os adolescentes admitidos no serviço de saúde mental foram convidados, junto a seu familiar cuidador, a participar e, caso aceitassem as condutas previstas no estudo, essas tornar-se-iam parte adicional do tratamento. Adolescentes e suas mães endossaram sua participação voluntária nos procedimentos da pesquisa assinando o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE ) e o Termo de Consentimento Livre e 4 Esclarecido (TCLE ), respectivamente. 5 2.3.4.2 Coleta de dados A coleta foi dividida em duas etapas. Na primeira etapa, realizou-se a análise documental do Formulário de Acolhimento dos adolescentes – parte integrante do prontuário dos usuários do serviço – e identificadas informações como idade, escolaridade e as principais queixas apresentadas pelo adolescente e seu familiar no ato do acolhimento na instituição, Apêndice B.4 Apêndice C.5 37 como também dados provenientes do encaminhamento que deu origem ao atendimento do adolescente. Na segunda etapa, ocorreram as sessões de coleta de dados com as díades, realizadas de maneira presencial, em uma sala de atendimentos da instituição de saúde mental, com registro de áudio, sendo conduzidas por um psicólogo clínico / pesquisador com experiência em saúde mental infantojuvenil, tomando os devidos cuidados de higiene das mãos com uso de álcool em gel (70%), proteção facial com uso de máscaras e distanciamento social entre os participantes, devido ao contexto de pandemia do COVID-19. Eventualmente, por se tratar de uma equipe multidisciplinar, houve a participação de uma enfermeira residente em saúde mental. Os adolescentes – que já haviam sido admitidos no serviço de saúde mental – bem como suas mães, foram contactados por telefone pelo pesquisador, conforme foram sendo admitidos pelo serviço, e convidados a participar de uma sessão conjunta para a díade familiar-adolescente. Há de se ponderar que, antes desta coleta dos dados, alguns adolescentes já haviam participado de grupo terapêutico de suporte emocional, por videochamada, com outros usuários do serviço, conduzidos por equipe interdisciplinar (psicólogo, fonoaudióloga e enfermeira) e por consulta com médico psiquiatra. Alguns dos familiares já haviam recebido, também, ligações para acolhimento de demandas e orientações, feitas por assistente social do serviço e/ou outro profissional da equipe. As díades, em sua maior parte, pertenciam à classe socioeconômica baixa e tinham suas residências localizadas em bairros periféricos da cidade e distantes do local de atendimento. As díades participantes foram compostas por filho/a e sua mãe. 2.3.4.3 Análise dos dados Os dados das díades participantes, provenientes da pesquisa documental, foram lidos, interpretados, organizados em uma tabela e descritos com informações relativas às queixas principais apresentadas pelo adolescente no acolhimento inicial. As falas dos participantes que representavam suas demandas – provenientes dos procedimentos da segunda etapa – foram identificadas a partir da leitura das transcrições dos registros de áudio e, posteriormente, categorizadas segundo a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), por meio de processo de 38 duplo-cego, no qual dois pesquisadores, independentemente, realizaram suas análises e categorizações, depois fizeram comparações entre elas para verificação e adequação das categorias encontradas. Os nomes dos participantes foram omitidos, sendo substituídos por siglas para preservar o sigilo de suas identidades. O processo de Análise de Conteúdo (Id., Ibid.) tem por objetivo compreender, analisar, sintetizar e descrever a comunicação, num processo baseado na inferência e que envolve etapas de registro, transcrição, análise metódica e teorização a partir de um material sobredeterminado de sentido. 2.4 RESULTADOS 2.4.1 Características dos participantes e queixas apresentadas no acolhimento Primeiramente, serão apresentadas as informações obtidas no Formulário de Acolhimento, que é um documento extenso, contendo dados cadastrais, de composição familiar, as queixas e informações sobre o desenvolvimento do adolescente que está em tratamento, além dos objetivos do tratamento. Aqui, no entanto, serão apresentados alguns dos elementos consideradas mais relevantes para este estudo, referentes ao adolescente participante da pesquisa, como a idade, a escolaridade, e às suas mães, como a idade e profissão, conforme Quadro 1. Quadro 1 - Díades Participantes da Pesquisa, (N=5), cidade do interior do estado de São Paulo Fonte: Ficha de Acolhimento (CAPSi). Legenda: EF (Ensino Fundamental); EM (Ensino Médio). 2.4.1.1 Breve descrição das díades Díade Adolescente, sexo, idade Escolaridade Familiar-cuidador, parentesco, idade Ocupação D1 KA, masculino, 17 2º ano EM RO, mãe, 48 cozinheira D2 AR, feminino, 15 6º ano EF AD, mãe, 48 cuidadora de idosos D3 LI, feminino, 15 1º ano EM GI, mãe, 36 professora/pedagoga D4 LA, feminino, 17 2º ano EM RE, mãe, 40 empregada doméstica D5 IS, feminino, 16 2º ano EM LM, mãe, 46 desempregada 39 Conforme verifica-se no Quadro 1, a primeira díade (D1) é formada por um adolescente de 17 anos do sexo masculino (KA), estudante do ensino médio técnico em agropecuária (2º ano), e sua mãe (RO), de 48 anos, que trabalha como cozinheira em uma indústria alimentícia. KA foi encaminhado para o serviço de saúde mental pelo pronto socorro psiquiátrico da cidade, após tentativa de suicídio por autointoxicação exógena (ingestão de medicamentos), apresentando queixas de dificuldades para dormir, tristeza/choro excessivo, timidez excessiva, impulsividade, ansiedade e episódios de automutilação (cortes nos braços). Ele veio para acolhimento no serviço, acompanhado por sua mãe e padrasto. A segunda díade (D2) é composta por uma adolescente de 15 anos do sexo feminino (AR), estudante do ensino fundamental (6º ano), e sua mãe (AD), de 48 anos, que trabalha, informalmente, como cuidadora de idosos. AD trouxe AR para o serviço de saúde mental, apresentando queixas de pensamentos de morte, tentativa de suicídio e automutilação, impulsividade, baixa autoestima, heteroagressividade e dificuldade de aprendizagem. Dois dias após o acolhimento, a adolescente foi internada no pronto socorro psiquiátrico por autointoxicação exógena, onde recebeu hipótese diagnóstica de transtornos mistos de conduta e das emoções (CID 10 F92). Os atendimentos psicossociais foram iniciados três semanas após sua internação e alta por abandono do hospital. A terceira díade (D3) constitui-se de uma adolescente de 15 anos do sexo feminino (LI), estudante do ensino médio (1º ano), e sua mãe (GI), de 36 anos, pedagoga, que trabalha informalmente como professora particular de crianças (reforço escolar). GI, e seu esposo (LU), de 49 anos, motorista de transporte escolar, trouxeram LI para o serviço de saúde mental, com encaminhamento da Unidade Básica de Saúde de seu território. A adolescente apresentou queixas de distúrbios do sono, tristeza e choro excessivos, ideação suicida e pensamentos de morte, automutilação, medos e timidez excessivos, e insegurança, além de dificuldades com a iminente separação dos pais. A quarta díade (D4) é composta de uma adolescente de 17 anos do sexo feminino (LA), estudante do ensino médio (2º ano), e sua mãe (RE), de 40 anos, que trabalha formalmente como empregada doméstica. LA foi trazida ao serviço de saúde mental por sua mãe, a qual apresentou encaminhamento do pronto socorro psiquiátrico do município, onde LA fora avaliada por médico psiquiatra, após tentativa de suicídio por autointoxicação 40 exógena (ingestão de medicamentos), apresentando sintomas de ideação suicida e quadro compatível com transtornos mistos de conduta e das emoções (CID 10 F92). No acolhimento feito no CAPSi, queixou-se de crises de ansiedade, vontade de morrer e conflitos familiares. A quinta, e última díade (D5) deste estudo, é formada por uma adolescente de 16 anos do sexo feminino (IS), estudante do ensino médio (2º ano), e sua mãe (LM), de 46 anos, desempregada. IS e sua mãe chegaram até o CAPSi por encaminhamento realizado pela Unidade Básica de Saúde do local de residência da família, com hipótese diagnóstica de transtornos comportamentais e emocionais não específicos com início na infância ou adolescência (CID 10 F 98.9). No acolhimento, realizado no serviço de saúde mental, foram apresentadas queixas de tristeza e choro excessivos, dificuldade de socialização, baixa autoestima, timidez excessiva, ansiedade, dificuldade de separação dos pais, pensamentos suicidas, bullying, falta de amigos, automutilação e sensação de ouvir vozes de comando para se matar e chamando-a de lixo. 2.4.2 Demandas de sofrimento psíquico e habilidades sociais de adolescentes e suas mães Os adolescentes que chegaram ao CAPSi para acolhimento, no período de convite para participação na pesquisa, vieram acompanhados de suas mães. A segunda etapa do estudo constituiu-se de uma sessão conjunta para cada díade mãe-adolescente, com duração de 30 a 60 minutos, para acolhimento de demandas de sofrimento psíquico e de desenvolvimento de habilidades sociais dos adolescentes e de suas mães, com utilização do Roteiro com Perguntas, elaborado pelo psicólogo-pesquisador e sua orientadora, para identificação de problemas e incômodos vividos pelos participantes, bem como aspectos de suas relações sociais, com a finalidade de planejamento de intervenções diádicas que incluem um roteiro de desenvolvimento de Habilidades Sociais. As demandas dos participantes estão ilustradas nos trechos transcritos e discutidos após o Quadro 2. Demandas de conflitos familiares – muitos deles enfrentados com violência – também apareceram e foram compreendidos e discutidos como aspectos atrelados e relacionados ao sofrimento de maneira recursiva, à comunicação agressiva, às dificuldades de relacionamento na escola, na família, no trabalho e a situações de violência 41 2.4.2.1 Quadro de sofrimento psíquico (adolescente) Nas sessões conjuntas mãe-adolescente, identificaram-se relatos associados a demandas sugestivas de quadros de adoecimento e sofrimento psíquico dos adolescentes, no tocante a sintomas de ansiedade, depressão, instabilidade de humor, ideação suicida, violência, medo, sentimentos de insuficiência, insegurança, baixa autoestima, impulsividade e outros, como podem ser verificados nos exemplos abaixo: 2.4.2.1.1 Relatos - D1 “[…] Quem descobriu que ele estava assim com problemas precisando de ajuda foi a minha mãe (avó de KA), que ele começou a chorar e ele não falava. Ele sempre foi quietinho, sabe? Trancado…” (RO, em relação ao filho KA). […] [Tenho dificuldade] de controlar o meu humor. Tipo, tem dia que acordo bem, mas uns dois minutos depois, eu não quero sair da cama (silêncio). […] [O que eu gostaria de mudar em mim] é a questão dos meus problemas psicológicos, da forma que eu vejo que eu sou, como eu ajo (silêncio), […] tipo depressão, ansiedade” (KA). Acerca desses problemas de comportamento na fase da adolescência, Del Prette e Del Prette (2005) sustentam que sintomas de sofrimento psíquico, como é o caso de problemas internalizantes, como baixa autoestima, depressão, ansiedade, fobia social, comportamento de oposição, isolamento social e comportamento aditivo podem estar associados ao déficit de habilidades sociais. Demandas Quadro de sofrimento psíquico (adolescente) Quadro de sofrimento psíquico (familiar-cuidador) Demandas de desenvolvimento de Habilidades Sociais (adolescente) Demandas de desenvolvimento de Habilidades Sociais (familiar-cuidador) Fonte: Dados da pesquisa. Quadro 2 – Principais Demandas Apresentadas pelas Díades 42 2.4.2.1.2 Relatos - D2 “[O que me fez vir buscar ajuda para minha filha] é, assim, a reação dela né, querer se matar, quando ela tá agitada, ela se corta […]” (AD, em relação à filha AR). [Sobre as dificuldades e problemas que tenho na vida], ah, problema psicológico, tipo, eu começo a pensar um monte de porcaria, tipo assim, um monte de besteiras de querer me matar, porque eu só penso em matar as pessoas, tipo assim eu penso em matar todo mundo, todo mundo eu quero matar (risos), se me faz um pouquinho de mal eu falo 'aquele ali tem que morrer’. Aí, é isso que está acabando comigo (AR). Além das dificuldades de aprendizagem e dos comportamentos impulsivos, os atos de agressão e violência dirigidos a outros e a si mesmo, que podem culminar no suicídio, são fenômenos que têm atraído a atenção de estudiosos do comportamento humano e educadores em geral (PAVARINO; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 2005 apud MURTA et al., 2007). “Essa diversidade de problemas entre os adolescentes é um indicador de que essa população necessita de grande investimento social em ações que favoreçam a prevenção e promoção de sua saúde psicológica” (MURTA et al., 2007, p. 4), o que envolve também ações direcionadas às suas famílias e o envolvimento dessas como componentes ativos da terapêutica (DOMBI- BARBOSA et al., 2009). 2.4.2.1.3 Relatos - D3 “[Sobre o que eu gostaria que fosse diferente na minha vida], o que eu queria era ter o meu cantinho com ela […], porque eu sei que ela fica apreensiva, também, ela fica com medo. Se o pai não chega, ela pensa se aconteceu alguma coisa, se o pai chega ela fica com medo de acontecer alguma coisa” (GI, em relação à filha LI e ao marido LU). […] Às vezes eu vou tentar conversar com o pai e eu vejo que ela já fica com medo, porque não sabe a reação do pai, e às vezes eu quero conversar, eu não posso porque eu tenho medo da reação dela. […] Então, a gente vive num – desculpa a palavra –, mas é um inferno. Tipo, uma respiração parece que já é um válvula, uma bomba que já vai acontecer em casa, se a gente respirar. A gente, às vezes, eu e ela, quando esquece um pouquinho os problemas, a gente sempre riu muito, sempre brincou muito, e às vezes a gente tá rindo, tá brincando, e isso pra ele parece que tá incomodando (GI, em relação à filha LI e ao marido). 43 “[Eu gostaria de mudar em mim] tudo o que sinto, minha aparência que eu não gosto também, […] [eu sinto] medo, insegurança” (LI). É evidente que a explicação do sofrimento psíquico e dos problemas psicológicos na adolescência é multicausal e frequentemente atrelada a condições de vulnerabilidade (SILVA; MOURA; ZUGMAN, 2015). Sua origem pode estar relacionada a um conjunto de fatores individuais (e do seu processo de desenvolvimento), da família (e de suas relações), do ambiente (diferentes contextos), que incluem aspectos programáticos de vulnerabilidade, relacionados aos acessos a direitos, políticas de saúde e de bem-estar mais amplo. Sobre o desenvolvimento de adolescentes e questões de risco ao seu adoecimento, há produção científica de autores como Bolsoni-Silva e Marturano (2002) e Sodelli (2015) que apontam outros fatores estressantes na vida, como a baixa autoestima, a imagem corporal negativa, a baixa autoeficácia, os conflitos nos relacionamentos, os maus-tratos dos pais e a exposição à violência doméstica, que contribuem para o surgimento de diferentes tipos de sofrimento psíquico. 2.4.2.1.4 Relatos - D4 [Em relação aos meus problemas e dificuldades], eu acho que eu tenho muita responsabilidade, entendeu? Então, isso acaba pesando um pouco pra mim, e por conta também de eu me… como é que fala? Tipo, porque eu quero arrumar um serviço, claro, pra poder ajudar em casa, essas coisas, então eu me cobro muito nessa parte, então eu me cobro muito em tudo, tanto em questão pra mim poder trabalhar, pra mim poder cuidar da casa, pra mim poder cuidar dos meus irmãos, pra eu poder fazer um curso, pra eu poder estudar, então eu me cobro muito. […] Então, acho que isso que às vezes acaba afetando um pouco. […] Acho que essa questão de, por conta de eu me cobrar muito, me sinto muito insegura […] em questão de tudo, então isso acaba me afetando e eu fico mal, essas coisas... também por conta do relacionamento que eu tenho em casa com a minha mãe, por conta de eu ter uma responsabilidade, então acho que isso que me trouxe aqui. (LA). [O que eu gostaria de mudar em mim são] as minhas inseguranças e controlar mais a minha ansiedade, eu acho que isso é o que eu preciso mais, ter autocontrole das minhas emoções, meus sentimentos […]. [Me sinto insegura] de me relacionar com as pessoas ou de, às vezes, não ser o suficiente, né, por conta de eu me cobrar muito eu sempre quero dar muito pras pessoas. Então, às vezes eu, eu acho que eu não consigo isso. Às vezes, eu, eu quero ser muito pros outros, mas eu não consigo nem pra mim. Então, eu quero ajudar as pessoas, mas eu não consigo me ajudar. Eu sempre procuro dar apoio pras pessoas, mas enquanto eu, tipo assim, eu tô me perdendo, não me apoio, então isso me deixa muito frustrada (LA). 44 “Então, [busquei ajuda pra minha filha] porque ela tava se cortando, fiquei preocupada entendeu? Eu fiquei preocupada!” (RE em relação à filha LA). 2.4.2.1.5 Relatos - D5 Acerca do bullying sofrido, as suas respostas agressivas, o consequente isolamento, e a mãe enquanto rede de apoio, IS declara: na escola, por causa que sempre rolava alguma coisa em volta e eu não ficava bem, eu meio que estourava com algumas pessoas. […] Aí, ela [mãe] percebeu que eu estava muito estressada, tava me isolando muito, aí quando eu me senti pronta pra falar pra ela, eu contei […]. Foram identificadas questões relativas à sexualidade da adolescente e as implicações em seu humor. Sobre isso, ela diz:“Mas eu tô explosiva […] por causa que eu tô querendo sair da minha casca – digamos assim. Eu quero continuar me assumindo, a minha sexualidade” (IS). [Meus problemas e dificuldades na vida são a] Comunicação, a minha baixa autoestima – que às vezes eu irrito ela com isso, mas não é minha culpa. É porque, de tanto que os outros falaram pra mim, eu comecei a me odiar. Então, às vezes quando eu me isolo, e eu não falo nada pra ela, é porque as minhas inseguranças de lá ainda estão aqui, elas me machucam muito. A minha baixa autoestima, às vezes eu começo a chorar por causa disso, começo a me sentir um lixo, tipo, muito insuficiente por causa disso, porque tipo… (risos) meu namorado foi aquele babaca, até meus amigos meio que... aquele ser humano, que eu achei que, tipo, ia durar a minha vida inteira, tipo, apareceu uma garota uma semana, e ele jogou, tipo, dois anos de amizade fora. Aí, depois que ela deu um pé na bunda dele, ele quis voltar a falar comigo, só que eu esculachei ele, eu falei que não, que não era assim que funcionava. E, tipo, isso fica muito martelando na minha cabeça, como que eu sou tão insuficiente, tipo, por que ninguém nem quer minha amizade? As pessoas que nem me conhecem já, tipo, falam de mim, falam que eu sou esquisita, que eu sou estranha, que o meu cabelo é de um jeito, que ele era melhor de outro jeito, que eu tô muito magra, que eu tenho que emagrecer. Aí, mas, 'teu peito é muito grande', ai, isso, isso e aquilo. Isso machuca muito e não, tipo, faz eu me odiar cada vez mais. Eu já tentei experimentar isso – autoestima – só que não dá, eu sempre, por exemplo, quando eu me maquio e eu vou olhar no espelho, eu choro, às vezes eu começo a chorar, tipo, 'por que que eu ainda existo?'. Não que eu ainda penso em suicídio. […] Às vezes, tipo, 'por que eu ainda tô aqui? Por que tudo isso?', mas eu ainda não desisti por causa dela (mãe) e por causa do meu irmão, porque eu sei que eles iriam sofrer muito, principalmente ela por tá trazendo aqui (CAPSi), correndo atrás de mim. Mas, é claro que às vezes eu ainda penso em desistir de tudo, por causa dessa insuficiência, que eu ainda, quando às vezes eu ainda tô tipo 'hmm', eu abraço ela do nada, porque é quando eu já tô muito mal. E aí, eu vou abraçar ela, aí depois eu vou escutar música que é pra eu melhorar, digamos assim. […] Então, eu ainda penso em, tipo, sumir, eu ainda penso em 'por que eu ainda tô aqui? Eu não tenho amigo, eu... Por que eu ainda tô aqui?'. Então, às vezes, tipo, lá no fundo, no fundo, eu ainda quero morrer, no fundo. Mas, eu ainda não posso desistir por 45 causa dela e do MI (irmão), e eu sei que eu tenho muita coisa ainda pra viver, digamos assim. Mas, lá no fundo eu ainda quero sumir (IS). [O que eu gostaria de mudar em mim] Hmm, hmm… baixa autoestima, insegurança, meus medos, tipo minhas fobias sociais, de ficar em lugar muito lotado e conversar com pessoas que eu não conheço, as pessoas olhando pra mim, isso eu entro em pânico, tipo querendo morrer. Isso pra mim, tipo, 'me mata, mas não me coloca em lugar muito cheio' (IS). Rosa, Inglês, Olivares et al. (2002) estudou características apresentadas por adolescentes com altos níveis de ansiedade, que podem levar a dificuldades de relacionamento com os pais e “[…] dificultar a comunicação, negociação e resolução de conflitos, aumentando o risco de consumo de drogas lícitas e ilegais e a probabilidade de ter transtornos alimentares” (p. 544). Do ponto de vista sistêmico, relações impactam e são impactadas pelo comportamento de membros da família (FEIJÓ; VALÉRIO; CHAVES, 2017) e agregando a visão sistêmico-complexa (MORIN, 2011), além de relações, há processos e contextos que se modificam e são impactados pelo fenômeno humano e social tais como o sofrimento psíquico e as dificuldades de relacionamento familiar (SILVA, 2011). Sobre a relação de sofrimento psíquico e baixo repertório de habilidades sociais, IS verbalizou: […] Tipo, eu sou muito explosiva, eu posso ser grossa, ignorante, dependendo do que fizerem comigo, porque de tanto tempo que eu, tipo, apanhei, digamos assim, na escola, as coisas que me falaram, meio que foi minha defesa: falar tudo na lata e demonstrar minha raiva. Porque, quando eu escondia, eu me cortava, eu me machucava em vez de machucar as pessoas que me machucavam. E eu não quero voltar a me cortar, porque lá no fundo, no fundo ainda, tipo, não sumiu totalmente minha vontade de morrer, de sumir... que às vezes eu me sinto muito insuficiente, tipo, de verdade, é como se [fosse] uma porrada na minha cara isso. Então, eu preferia me cortar do que falar pras pessoas, então, meio que às vezes eu me machucava. Em casa também, tipo, quando meu pai falava alguma coisa, eu também me cortava, então por isso que às vezes eu também explodo em casa pra eu não me machucar. Então, prefiro soltar tudo, ser impulsiva, do que… Se eu não for impulsiva, eu vou ficar sozinha, vou pensar, e eu vou remoer e eu posso me machucar, digamos assim. Eu não quero me machucar de novo (IS). 2.4.2.2 Quadro de sofrimento psíquico (familiar-cuidador) As mães, que foram atendidas em sessões conjuntas com seus filhos adolescentes, também referiram problemas e dificuldades pessoais, que parecem denotar – em associação – demandas de sofrimento psíquico. Foram apresentadas preocupações e sobrecargas no cuidado com os filhos frequentemente relacionadas ao quadro de sofrimento psíquico destes, 46 numa relação de circularidade com eles, debilidades de rede social de apoio e no equilíbrio trabalho-família, dificuldades de relacionamentos interpessoais, questões de divórcio, violência doméstica, relações coercitivas no âmbito familiar, problemas judiciais e financeiros, desemprego, fragilidades físicas, psicossociais e conflitos com marido e filhos. A seguir alguns relatos ilustrativos das mães. 2.4.2.2.1 Relatos - D1 Depois que ele (filho) tentou contra a vida dele, eu (mãe) realmente, meus nervo está na flor da pele (choro). A pessoa olha feio para mim eu já estou chorando. Eu já tenho vontade de ficar sozinha, sabe, trancada dentro do quarto. Sabe assim, eu ando bem esgotada, eu não era assim antes. Alguma coisa dentro de mim, sei lá, quebrou (RO). 2.4.2.2.2 Relatos - D2 Em relação aos problemas e dificuldades da sua vida, AD conta que […] de dois anos pra cá, muita dificuldade, né!? […] Isso, é algo assim que eu converso muito com meus filhos e quero que eles entenda, né, porque na verdade eu tô sozinha, que eu não tenho família. A única pessoa que me acolheu de tudo, essa situação, é a MR, que é minha paciente. Então, assim, eu preciso de um vínculo pra mim trabalhar, dar andamento na minha vida, e isso tá perturbando muito a minha mente. E a situação, né, ver a AR nessa situação, meu filho de vinte e dois anos, a minha filha – que eu tenho uma filha de dezoito anos, que ela tem uma filhinha – é usuária de drogas, pode-se dizer perdida no mundo. Meu filho preso, é coisas que me dói muito, já tem dois anos que eu não consigo vê-lo. Então, é, como que eu posso falar pra você? É algo que assim, eu como mãe, é coisas que cada dia está me afetando. E eu não vou mentir, esses dias mesmo eu fiquei cinco dias – eu não sei se você sabe, né –, eu fiquei em cima de uma cama […]. Eu preciso me cuidar porque eu posso ter um AVC a qualquer momento. […] E é coisas que eu falo assim pra você, eu não tô feliz. Né, é algo assim que está mexendo muito com meu psicológico (AD). AD faz referência ao receio que ela tem em sair de casa para ir trabalhar e deixar a AR com MR (sua “paciente”), por conta dos comportamentos heteroagressivos daquela: “[AR é] agitada, ela fica muito assim agitada, ela enfrenta qualquer um, né. Então, isso aí me chama muito a atenção, porque, assim, eu tenho medo [de] uma hora eu não tá ali no controle e acontecer o pior […], eu ir trabalhar e de repente acontecer o pior”. Sobre seu padrão de relacionamentos interpessoais, AD revelou: “[…] Eu sou uma pessoa muito fechada. Na verdade eu não gosto de muita conversa. […] E na verdade, de uns 47 tempos pra cá, assim, é que nem minha mãe (sua “paciente”, a quem ela trata por “mãe”) falou 'você precisa sair, você precisa se divertir, você precisa viver, cê não tá vivendo’ (AD). 2.4.2.2.3 Relatos - D3 O que mais tá dificultando agora, mais difícil mesmo, é a questão do pai (marido) estar morando no mesmo ambiente que nós (filha e eu). […] Dificulta muitos aspectos: profissional, psicológico, social, tudo… Então, isso tá dificultando muito. Eu me sinto impotente perto dele, ele me coloca pra baixo, ele tipo coloca barreiras, então eu me sinto uma… eu me sinto impotente como mãe, como mulher, como profissional, como tudo (GI). Sobre as dificuldades e problemas que vive no âmbito familiar, o impacto deles na sua filha, e o desejo de resolvê-los, GI explicita: É o que eu mais quero! Eu tô tentando! É que nem eu te falei: eu tô tentando de todas as formas, mas infelizmente a gente tá num país que dificulta tudo pra mulher, tudo… Então, eu me sinto sem saída também, porque eu tento, eu tô fazendo, tô vendo que tá prejudicando minha filha e eu não tô podendo fazer nada. E, ao mesmo tempo, se eu tomar uma atitude muito drástica, eu sei que, mesmo com a dificuldade que ela tem com o pai, isso vai refletir nela. Então, não queria que chegasse ao ponto de, tipo, acionar a polícia, por causa de algumas ameaças. Porque eu sei que se eu chegar numa delegacia hoje, ele vai ser levado e é capaz de ter medida protetiva até dela (filha). “No momento, o que eu mais sonho é viver numa casa só minha filha e eu, sem ter preocupação do portão bater, 'é o pai chegando’. A gente não sabe se ele vai tá bonzinho, se ele vai tá agressivo, a gente não sabe, a gente não espera… A gente fica, tipo, sem saber o que esperar da pessoa” (GI). […] A gente (mãe e filha) tem medo, porque tudo a gente tá rindo dele (marido), ou tá fazendo dele, então a gente não pode nem ser a gente mesmo, ela não é ela, e eu não sou eu (GI). Sobre a possibilidade de mãe e filha terem sofrido algum tipo de agressão praticada pelo pai, GI disse que Fisicamente não, mas verbalmente, demais, demais, e ameaças. Ele fala as coisas absurdas, coisas que tipo – eu vou falar porque ela (filha) já tá acostumada… Quando eu entrei na Defensoria, ele fala, praticamente todos os dias, ele fala pra ela que se… Ele vai embora, só que… Ele pode até ir embora, só que ele vai dar um tiro nele na nossa frente, e nós nunca vamos esquecer isso, que ele vai deixar a nossa vida marcada pra sempre. Então, a gente escuta disso pra pior, então assim é difícil, é difícil. 48 Atrelado ao sofrimento psíquico e às necessidades de desenvolvimento de habilidades sociais, há tensões, violências e necessidades de exercício de parentalidade que fragilizam a família e seus membros. Muitos são os casos em que os adolescentes manifestam a dor pelo afastamento paterno, seja ele físico, emocional, de provento ou de legitimação de paternidade. Diferentes membros da família tendem a ser impactados negativamente quando os pais não conseguem exercer o seu papel de cuidado e de troca de afeto, o que ocorre também em alguns casos com mães. (SUDBRACK, 1992; PENSO; SUDBRACK, 2004). 2.4.2.2.4 Relatos - D4 Sobre os problemas e dificuldades que enfrenta na vida, RE diz que Assim, que eu separei do meu marido, sabe? Aí a gente fica meio assim 'como é que eu vou cuidar dos meus filhos?’, penso nos meus filho, né? Realmente, penso nos meus filhos, de passar necessidade, essas coisas né? […] Aí eu trabalho… [para] dar o melhor pros meus filhos… […] Eu [me] sinto um pouquinho mal né, porque vai sobrar pra mim [a] responsabilidade, vai sobrar pra mim… Vai sobrar pra mim, tem que pagar as conta, pagar aquilo, tem que correr atrás… Entendeu? 2.4.2.2.5 Relatos - D5 LM fala sobre o desconforto que sente nas interações com a filha IS, quando esta apresenta comportamentos agressivos: “Ela é muito grossa. Qualquer coisa que cê fala, ela 'Eh…!' [grita]. Só que vai desanimando. […] Não deveria ter um pouco mais de respeito? Coisa que eu… pra mim é indiferente. Além de eles serem os meus filhos, eu sou amiga deles”. Sobre problemas e dificuldades na vida, LM diz Meu pior momento, o pior momento da minha vida foi quando eu fiquei doente, entendeu? Também não tive ninguém. 'Ah, mas cê não tinha marido?'. Tinha, mas hoje ele joga tudo na minha cara o que fez. Porque você sabe que câncer é sinônimo de morte! Nós que já tivemos essa doença, nós somos muito discriminados, entendeu? Eu sofri preconceito quando eu tava com lenço na cabeça, sofri preconceito. Então se você, as pessoas hoje não sabem que câncer não é uma doença contagiosa, não é que você pegar na minha mão você se contagiou. […] O povo pensa isso, entendeu? Hoje, por exemplo, com essa COVID [-19], eu não fico sem um ar condicionado, um ventilador, mas ao mesmo tempo ele me faz mal, porque eu começo a tossir. Um dia desses eu tava dentro do ônibus, é foi no ônibus, eu tossi. Eu desci do carro e entrei no ônibus,