UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA CAMPUS DE BOTUCATU JOSIANE RAMOS GARCIA RODRIGUES ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL E VALIDAÇÃO DO CHILDREN’S ANXIETY QUESTIONNAIRE PARA O BRASIL BOTUCATU / SP 2023 FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU - UNESP ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL E VALIDAÇÃO DO CHILDREN’S ANXIETY QUESTIONNAIRE PARA O BRASIL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Enfermagem. Discente: Josiane Ramos Garcia Rodrigues Orientadora: Profa. Assoc. Marla Andréia Garcia de Avila Coorientadora: Profa. Dra. Milena Temer Jamas e Profa. Dra. Fernanda Paula Cerântola Siqueira Botucatu 2023 FICHA CATALOGRÁFICA Rodrigues, Josiane Ramos Garcia. Adaptação transcultural e validação do Children's Anxiety Questionnaire para o Brasil / Josiane Ramos Garcia Rodrigues. - Botucatu, 2023 Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina de Botucatu Orientador: Marla Andréia Garcia de Avila Coorientador: Milena Temer Jamas Coorientador: Fernanda Paula Cerântola Siqueira Capes: 40403009 1. Ansiedade. 2. Câncer. 3. Enfermagem pediátrica. 4. Estudos de validação. 5. Quimioterapia. Palavras-chave: Ansiedade; Câncer; Enfermagem pediátrica; Estudos de validação; Quimioterapia. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: MARIA CAROLINA ANDRADE CRUZ E SANTOS-CRB 8/10188 JOSIANE RAMOS GARCIA RODRIGUES ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL E VALIDAÇÃO DO CHILDREN’S PERCEPTIONS OF PICTURES TO MEASURE ANXIETY PARA O BRASIL Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Enfermagem. Orientadora: Profª Assoc. Marla Andréia Garcia de Avila COMISSÃO EXAMINADORA Presidente e Titular 01: Profª Assoc. Marla Andréia Garcia de Avila Instituição: Departamento de Enfermagem - Faculdade de Medicina de Botucatu - FMB/UNESP. Julgamento: Assinatura: Titular 02: Edmara Bazoni Soares Maia Instituição: Departamento de Enfermagem - Escola Paulista de Enfermagem Unifesp Julgamento: Assinatura: Titular 03: Karina Alexandra Batista da Silva Freitas Instituição: Hospital Estadual de Botucatu Julgamento: Assinatura: Titular 04: Profª Drª Fernanda Moerbeck Cardoso Mazzetto Instituição: Departamento de Enfermagem - Faculdade: Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA Julgamento: Assinatura: Titular 05: Profª Drª Juliana Bastoni da Silva Instituição: Departamento: Enfermagem - Faculdade: Universidade Federal do Tocantins Julgamento: Assinatura: DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus, que sempre esteve presente durante todas as decisões da minha vida, principalmente nas horas mais difíceis. Ao meu esposo e filhos, sem os quais isso não seria possível; e às crianças e adolescentes (in memorian) que fizeram parte deste estudo e hoje não estão mais entre nós. AGRADECIMENTOS Ao meu esposo, Alessandro, pela paciência e parceria nestes anos todos. Diante das dificuldades encontradas, sempre esteve presente me incentivando com palavras e gestos. Obrigada por tudo! Aos meus filhos, Luan e Lucca, que às vezes me indagaram “Para que estudar?”, mas de alguma forma entenderam meu objetivo e minha ausência em alguns momentos. Acredito que um dia possam ter orgulho de mim. Gratidão sempre! Amo vocês! Aos meus pais, Keno e Célia, por me ensinarem valores que trago pela vida, sem a educação recebida, hoje eu não seria o que sou. Amo vocês! Aos meus irmãos, Flaviane e Gustavo, que sempre estiveram presentes nos meus momentos de desabafo, estresses mostrando que posso fazer minhas escolhas. Obrigada! À minha sobrinha e afilhada, Loiane, pela participação e colaboração no desenvolvimento do instrumento com seu dom de desenhar; e à Raiane que muitas vezes me acompanhou durante as madrugadas de estudos. Gratidão! À minha orientadora, Profª Dra Marla Andreia Garcia de Ávila, pela oportunidade e confiança em acreditar na minha capacidade, sempre pronta para me auxiliar, com competência e leveza para me conduzir, pegando na minha mão e mostrando o caminho a ser seguido. Muito obrigado pela sua presença. Gratidão eterna e que Deus continue te abençoando sempre! À minha coorientadora, Profª Dra Fernanda Paula Cerântola Siqueira, por ser um exemplo de profissional competente e amiga e por novamente confiar e aceitar participar junto comigo desta jornada tão importante da minha vida; também pelas valiosas contribuições para o meu crescimento. Muito obrigada pelas tardes juntas sempre com palavras de incentivo e confiança. Gratidão! À coorientadora, Profª Dra Milena Temer Jamas, por aceitar participar desta pesquisa e poder contribuir com o meu trabalho e crescimento! Ao Profº Dr. José Eduardo Corrente, pela sua contribuição no desenvolvimento da análise estatística e pela disponibilidade para orientação quando solicitado. À minha chefe e amiga, Ariana, que muitas vezes enxugou minhas lágrimas e sempre me incentivou e apoiou acreditando em meu potencial e no meu profissionalismo. Meu muito obrigada! À minha chefe Cidinha, pelas palavras e força sempre nos momentos de dificuldades. À toda equipe do ambulatório de quimioterapia infantil do Hemocentro de Marília e àqueles que, hoje, dele não fazem mais parte, mas vivenciaram momentos do meu processo (Ivete, Patrícia e Éric). Obrigada pelo apoio de cada um de vocês! A todos os amigos e colegas que me incentivaram de forma direta ou indireta e acreditaram junto comigo no possível. Não citarei nomes para não correr o risco de esquecer algum. Todos foram importantes nesta minha trajetória. Gratidão! Ao Centro Paula Souza e Universidade Estadual de São Paulo pela oportunidade oferecida para o meu crescimento profissional. Ao Hospital Estadual de Botucatu, Hospital das Clínicas de Marília e Santa Casa de Misericórdia de Marília por autorizar a realização desta pesquisa. À Dra Renata e Enfª Carla da Santa Casa e a Enfª Luciana de Botucatu, que auxiliaram para a realização da coleta de dados. À residente Beatriz e à mestranda Graziela, pela parceria durante a coleta de dados em Botucatu. Às bibliotecárias Cláudia e Aline, da Faculdade de Medicina de Marília; e Darcila, Alexandre e Bruna, da Faculdade de Medicina de Botucatu. A vocês, sou grata pelo auxílio com o levantamento bibliográfico e referências bibliográficas. À Maria Derci e Jefferson, professores de português, pela serenidade transmitida durante a sua leitura e finalização do texto. Ao Fernando, pela formatação e ajustes da pesquisa. A todos que, de alguma forma, participaram e fazem parte desta conquista! Muito obrigada a todos vocês! EPÍGRAFE “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar: porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é decidir.” “Cora Coralina” RESUMO Rodrigues, JRG. Adaptação transcultural e validação do Children Anxiety Questionnaire - CAQ para o Brasil [Tese] 2023. 150 fls. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista (Unesp); 2023. Introdução: Pacientes pediátricos exigem flexibilidade, paciência e capacidade para os profissionais da saúde atuarem durante as alterações de comportamento provocadas pela instabilidade emocional vivenciada. Para evitar problemas psicológicos que podem ser desencadeados futuramente, é necessário identificar se a criança e o adolescente estão preparados para receberem informações de acordo com a idade, a fim de amenizar o medo e a ansiedade, proporcionando um cuidado de qualidade. Objetivo: Realizar a adaptação transcultural e analisar as evidências de validade da versão adaptada do CAQ para o português do Brasil em crianças e adolescentes com câncer e em tratamento quimioterápico. Método: O estudo foi realizado de 2019 a 2022 com crianças e adolescentes de 4 a 12 anos do ambulatório de quimioterapia de três instituições do interior do estado de São Paulo. Trata-se de um estudo psicométrico feito em duas etapas: adaptação transcultural do CAQ para o Brasil; e análise das propriedades psicométricas do instrumento adaptado. A etapa de adaptação transcultural foi realizada por um comitê de 13 profissionais da saúde por meio do índice de validade de conteúdo e envolveu as seguintes fases: preparação; tradução; síntese das traduções; retrotradução; revisão e harmonização das traduções. O debriefing cognitivo foi feito em duas etapas: na primeira, participaram 15 crianças de 4 a 10 anos de idade para determinar se as imagens correspondiam a seus significados; na segunda fase, tivemos um total de 17 crianças e adolescentes para verificar se elas conseguiam entender o CAQ. Para a avaliação das propriedades psicométricas, avaliaram-se as evidências de validade com base na associação com outras variáveis, confiabilidade do instrumento e discriminação dos itens. Participaram dessa etapa 48 crianças e adolescentes. Resultados: O processo de adaptação cultural do CAQ para o português brasileiro foi validado com o Índice de Validade de Conteúdo satisfatório de 0,94 entre os profissionais e uma concordância de 95% entre as crianças e adolescentes. Na análise das evidências de validade, a correlação entre o CAQ e a VAS segundo as respostas das crianças e adolescentes sobre si e sobre o personagem foi significantemente fraca; e o grau de concordância do CAQ considerando respostas sobre as emoções do personagem e suas próprias emoções foi considerado razoável nos itens “Feliz/Alegre”; “Calmo/Tranquilo” e “Tenso/Nervoso”. O coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,51 tendo em vista as emoções das crianças e adolescentes após a leitura da história e de 0,53 no tocante às emoções das crianças e adolescentes quanto aos próprios sentimentos. O índice de correlação intraclasse foi abaixo de 0,70 com exceção do item “Preocupado/Com medo”, que apresentou um ICC de 0,8. No índice de discriminação, o item “Feliz/Alegre” apresentou 0,92 seguido do “Calmo/Tranquilo” com 0,83; e, na comparação de idade, houve diferença, com maior média na idade entre as crianças e adolescentes que se afirmaram muito tensas. Conclusão: Foram realizadas todas as fases necessárias para adaptar o instrumento à cultura brasileira. O instrumento tem um único domínio, mas os itens se comportaram de maneiras diferentes. O item "Feliz/Alegre" apresentou melhor discriminação entre as emoções do instrumento, enquanto "Tenso/Nervoso" teve melhor discriminação entre crianças mais velhas. Não houve correlação entre os escores do CAQ e VAS, mas houve associação entre o grau de concordância do CAQ nas respostas das crianças e adolescentes sobre as emoções do personagem e sobre suas próprias emoções. Novos estudos são necessários para avaliar as propriedades psicométricas do instrumento em diferentes contextos. Palavras-chave: Ansiedade, Câncer, Enfermagem Pediátrica, Estudos de Validação, Quimioterapia. ABSTRACT Rodrigues, JRG. Cross-cultural Children Anxiety Questionnaire adaptation and validation - CAQ for Brazil [Thesis] 2023. 150 p. Botucatu: Medical School, São Paulo State University (Unesp); 2023. Introduction: Pediatric patients require flexibility, patience, and capacity for health professionals to act during behavioral changes caused by the emotional instability experienced. To avoid psychological problems that might be triggered in the future, it is necessary to identify whether the child and adolescents are prepared to receive information according to age, in order to soften fear and anxiety, providing quality care. Aim: Accomplish the cross-cultural adaptation and analyze the validity evidence of the adapted version of the CAQ into Brazilian Portuguese in children and adolescents with cancer and undergoing chemotherapy treatment. Method: The study was carried out from 2019 to 2022 with children and adolescents aged 4 to 12 years from the chemotherapy clinic of three institutions in São Paulo upstate. This is a psychometric study done in two stages: cross-cultural adaptation of the CAQ to Brazil; and analysis of the psychometric properties of the adapted instrument. The cross-cultural adaptation stage was performed by a committee of 13 health professionals using the content validity index and involved the following stages: preparation; translation; synthesis of translations; back translation; revision and harmonization of translations. The cognitive debriefing was carried out in two stages: first, 15 children aged 4 to 10 years old participated to determine whether the images corresponded to their meanings; second, we had a total of 17 children and adolescent to see if they could understand the CAQ. For the assessment of psychometric properties, validity evidence was assessed based on the association with other variables, instrument reliability and item discrimination. 48 children and adolescent participated in this stage. Results: The process of cultural adaptation of the CAQ into Brazilian Portuguese was validated with a satisfactory Content Validity Index of 0.94 among professionals and a 95% agreement among children and adolescent. In the analysis of the validity evidence, the correlation between the CAQ and the VAS according to the children and adolescent answers about themselves and about the character was significantly poor; and the degree of agreement of the CAQ considering responses about the character's emotions and their own emotions was considered reasonable in the items “Happy/Cheerful”; “Calm/Peaceful” and “Tense/Nervous”. Cronbach's alpha coefficient was 0.51 considering the child and adolescent's emotions after reading the story and 0.53 regarding the children's emotions in relation to their own feelings. The intraclass correlation index was below 0.70, except for the item “Concerned/Afraid”, which presented an ICC of 0.8. In the discrimination index, the item “Happy/Happy” presented 0.92 followed by “Calm/Peaceful” with 0.83; and, when comparing age, there was a difference, with a higher mean among children and adolescent who firmed they were very tense. Conclusion: All necessary steps were taken to adapt the instrument to the Brazilian culture. The instrument has a single domain, but the items behaved in different ways. The item "Happy/Cheerful" showed better discrimination between the instrument's emotions, while "Tense/Nervous" had a better discrimination among older children. There was no correlation between the CAQ and VAS scores, but there was an association between the degree of agreement on the CAQ in the children and adolescent responses about the character's emotions and about their own emotions. New studies are needed to evaluate the instrument's psychometric properties in different contexts. Keywords: Anxiety, Cancer, Pediatric Nursing, Validation Studies, Chemotherapy. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Instrumento original na língua inglesa................................................... 49 Figura 2 Fluxograma das etapas do processo de adaptação transcultural do CAQ...................................................................................................... 50 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Instrumentos de avaliação de ansiedade autorrelatadas de crianças e adolescentes hospitalizadas ou com câncer, encontrados na literatura traduzidos em português do Brasil............................................................................................... 30 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Distribuição das 48 crianças, segundo idade, sexo e escolaridade — Botucatu, SP, 2022.................................................................... 58 Tabela 2 Distribuição das 48 crianças segundo os dados do tratamento — Botucatu, SP, 2022........................................................................ 59 Tabela 3 Correlação entre os escores (CAQ versus VAS e CAQ crianças/adolescentes versus CAQ personagem)......................... 60 Tabela 4 Grau de concordância do CAQ considerando as respostas das crianças/adolescentes sobre si e sobre o personagem — Fleiss Kappa............................................................................................ 60 Tabela 5 Comparação pareada entre médias para CAQ e VAS.................. 60 Tabela 6 Comparação do CAQ para personagem e criança/adolescente — teste de diferença de proporções.................................................. 61 Tabela 7 Avaliação da consistência interna do CAQ personagem e CAQ crianças/adolescentes................................................................... ........................ 61 Tabela 8 Coeficiente de Correlação Intraclasse segundo o CAQ considerando as emoções das crianças/adolescentes em relação ao personagem e em relação aos próprios sentimentos............... 62 Tabela 9 Índice de discriminação dos itens do CAQ..................................... 62 Tabela 10 Comparação de idade média para cada padrão de resposta positiva ou negativa....................................................................... 63 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABP Associação Brasileira de Psiquiatria AFE Análise fatorial exploratória CAAE Certificado de apresentação de apreciação ética CACON Centros de Alta Complexidade em Oncologia CAQ Children Anxiety Questionnaire CAQ-VB Children Anxiety Questionnaire – Versão Brasileira CCHD Child-Centred Health Dialogue CD:H VB Child Drawing Hospital – Versão Brasileira CD:H Child Drawing: Hospital CDS Children's Depression Scale CEP Comite de Ética em Pesquisa CMAS Children’s Manifest Anxiety Scale C-Ped-PROMIS Chinese Version of Pediatric PROMIS DAS Dental Anxiety Scale ECA Estatuto da Criança e Adolescente EVA Escala Visual Analógica FAMEMA Faculdade de Medicina de Marília FIS Facial Image Scale FMB Faculdade de Medicina de Botucatu FPS Faces Pain Scale FPS-R Faces Pain Scale – Revised IC Intervalo de Confiança ICC Coeficiente de Correlação Intraclasse IDATE Inventário de Ansiedade Traço- Estado IDATE-C Inventário de Ansiedade Traço- Estado para Criança IDATE-E Inventário de Ansiedade Estado IDATE-T Inventário de Ansiedade Traço I-IVC Índice de validade de conteúdo de cada item INCA Instituto Nacional de Câncer IVC Índice de Validade de Conteúdo MASC Multidimensional Anxiety Scale for children MASC–VB Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças-Versão Brasileira MCDAS Modified Child Dental Anxiety Scale MCDASf Faces Version of the Modified Child Dental Anxiety Scale/ Escala de Ansiedade Odontológica Infantil Modificada – Faces MS Ministério da Saúde NRS Numerical Rating Scale OMS Organização Mundial da Saúde ONU Organização das Nações Unidas OQPS O Que Penso e Sinto PedsQL Pediatric Quality of Life Inventory PROMIS Patient-Reported Outcomes Measurement Information System QVRS Qualidade de Vida Relacionado à Saúde RCADS Revised Child Anxiety and Depression Scale RCMAS Revised Children’s Manifest Anxiety Scale RCMAS-2 Revised Children’s Manifest Anxiety Scale, Second Edition SASC Social Anxiety Scale for Children SASC-R Social Anxiety Scale for Children – revised SCARED Child Anxiety Related Emotional Disorders SCAS Spence Children's Anxiety Scale SCAS-P Spence Child Anxiety Scale for Parents SCAS-S Spence Children's Anxiety Scale – Short Version S-IVC Índice de validade de conteúdo da escala global SNC Sistema Nervoso Central STAI State Trait Anxiety Inventory STAI-C State Trait Inventory for Children SUS Sistema Único de Saúde TAI Termo de Anuência Institucional TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TMAS Taylor Manifest Anxiety Scale UNACON Unidades de Alta Complexidade em Oncologia UNESP Universidade Estadual Paulista VAS Visual Analogue Scale VASA Visual Analogue Scale Anxiety VPT Venham Picture Test SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 19 1.1 Câncer infantil.............................................................................................. 19 1.2 Ansiedade infantil......................................................................................... 25 1.3 Instrumentos de Identificação e Avaliação da Ansiedade Infantil................ 28 1.3.1 Escalas criadas para avaliação da dor e utilizadas também na medição da ansiedade..................................................................... 37 1.3.2 Escalas para avaliação dos sinais de transtornos de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes............................................ 39 1.3.3 Escalas para avaliação da QVRS...................................................... 40 1.3.4 Escalas de autorrelato para avaliação da ansiedade no contexto odontológico..................................................................................... 41 1.4 Instrumento Children’s Anxiety Questionnaire (CAQ)................................. 42 2 JUSTIFICATIVA............................................................................................... 46 3 OBJETIVOS...................................................................................................... 47 4 HIPÓTESE........................................................................................................ 48 5 MÉTODO.......................................................................................................... 49 5.1 Adaptação transcultural do CAQ................................................................. 49 5.2 Análise das propriedades psicométricas do CAQ....................................... 53 5.2.1 Tipo e local do estudo........................................................................ 53 5.2.2 Participantes do estudo..................................................................... 54 5.2.3 Procedimentos de coleta de dados................................................... 54 5.2.4 Análise das propriedades psicométricas........................................... 54 6 RESULTADOS................................................................................................. 57 6.1.Artigo – Adaptação transcultural do CHILDREN’S “ANXIETY QUESTIONNAIRE para uso no Brasil”....................................................... 57 6.2. Etapa 2 – Análise das propriedades psicométricas.................................... 58 7 DISCUSSÃO.................................................................................................... 64 8 CONCLUSÃO.................................................................................................. 72 REFERÊNCIAS................................................................................................... 73 APÊNDICES........................................................................................................ 99 ANEXOS............................................................................................................. 121 INTRODUÇÃO Introdução 19 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 1 INTRODUÇÃO O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)1, Lei nº 8.069, de 13 julho de 1990, considera “criança” a pessoa com até 12 anos incompletos e “adolescente” quem tem entre 12 e 18 anos; já o Ministério da Saúde (MS) define “criança” como quem tem de 0 a 9 anos, e primeira infância sendo o período que vai até os 5 anos completos2. Levando em consideração tais definições, entende-se que a criança perpassa, desde o nascimento, um processo de desenvolvimento e de experiências que requer atenção. Os pacientes pediátricos necessitam de cuidado específico em seu processo de saúde, pois exigem mais flexibilidade, paciência e capacidade durante as alterações de comportamentos desencadeados pela instabilidade emocional vivenciada. Para evitar problemas psicológicos que podem ser desencadeados futuramente, é necessário identificar se a criança e o adolescente estão preparados para receberem informações de acordo com a idade, a fim de amenizar o medo e a ansiedade, proporcionando um cuidado de qualidade3. Nos termos do Artigo 12 da Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança, ela tem o direito de expressar suas opiniões livremente em todos os assuntos que a afetam4. No âmbito hospitalar, quando ela experimenta ansiedade severa, o tratamento pode ser atrasado e os procedimentos podem levar mais tempo para serem concluídos, prejudicando toda terapêutica3. A necessidade de hospitalização desperta sentimentos de preocupação por se tratar de problemas relacionados com a saúde. Destaca-se, neste estudo, o câncer infantil, o qual contribui para o distanciamento da família e de atividades rotineiras. Quando o assunto é criança, esse fato se torna mais intenso, podendo levar a consequências sérias, como desencadeamento da ansiedade5. Embora o objeto desta pesquisa seja centrado na criança, é essencial salientar a importância da rede de apoio para a família de crianças hospitalizadas com câncer, cuja função é apoiar e encorajar principalmente a mãe, que está mais presente durante o tratamento de seu ente querido. Essa rede pode ser composta por membros da família, amigos, pessoas sensibilizadas e pelos próprios funcionários que estão presentes durante o processo do cuidado6. 1.1 Jornada da criança e do adolescente com câncer O câncer infantojuvenil é uma doença que pode atingir qualquer órgão ou Introdução 20 Josiane Ramos Garcia Rodrigues região do corpo humano: trata-se de uma proliferação descontrolada de células anormais que geralmente afetam as células sanguíneas e o tecido de sustentação. São predominantemente de natureza embrionária e constituídas de células indiferenciadas7. Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência são as leucemias, de 25% a 30%; tumor do sistema nervoso central, com 20% de incidência; os linfomas, de 10% a 15%; neuroblastoma, 6%; e outros menos comuns, quais sejam tumor de Wilms, retinoblastoma, tumor germinativo, osteossarcoma e sarcomas7,8. O risco estimado de câncer em crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) é de 135 por milhão, sendo as taxas mais altas nas Regiões Sul (152/milhão) e Sudeste (145/milhão)9. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), atualmente o câncer infantil representa a primeira causa de morte (8%) por doença em crianças e adolescentes7. Dados mostram que, durante o triênio de 2023 a 2025, há uma estimativa de quase 8 mil casos novos por ano correspondendo a 4,2 mil casos do sexo masculino e 3,7 mil do sexo feminino10. É importante ressaltar que, quando diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados, existe uma perspectiva de cura de 80%11. O diagnóstico de câncer infantil é mais difícil de ser detectado no início dos sintomas por serem semelhantes às doenças comuns da idade; e quando em estado avançado, torna-se mais difícil de ser tratado. Cabe a equipe médica uma investigação minuciosa principalmente nos casos daquelas crianças que apresentam sintomas recorrentes sem causa definida12. Em 2007 foi desenvolvido o Programa de Diagnóstico Precoce pelo Instituto Ronald McDonald (IRM) com parceria do SOBOPE e o INCA13. Este programa tem como objetivo contribuir para a identificação precoce do câncer em crianças e adolescentes, reduzindo o tempo entre o aparecimento de sinais e sintomas e o diagnóstico em um serviço especializado, o que aumenta a probabilidade de cura.14 Para alcançar esse objetivo, algumas medidas que podem ser tomadas para auxiliar o diagnóstico incluem: a atuação efetiva da atenção básica no acompanhamento infantil, a promoção e vigilância da saúde e a implementação de estratégias de divulgação de informações para profissionais e população10. No Brasil, existem centros de tratamento de câncer infantil de excelência em todas as macrorregiões, de forma gratuita e integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de as taxas de sobrevida variarem de acordo com o tipo de câncer e Introdução 21 Josiane Ramos Garcia Rodrigues de outros fatores, nas últimas décadas houve avanço no tratamento do câncer infantil, aumentando a taxa de sobrevivência8. Para o tratamento, são necessários hospitais de alta complexidade responsáveis pelo cuidado oncológico da população que necessita desse serviço. Esses hospitais, chamados de “Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON)” ou “Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON)”, devem oferecer assistência geral e especializada integral ao paciente com câncer, independentemente de serem estabelecimentos de saúde públicos ou privados. A assistência especializada engloba diagnóstico, cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia (oncologia clínica, hematologia e oncologia pediátrica), medidas de suporte, reabilitação e cuidados paliativos15. Para indicar a escolha do melhor método de terapia, é preciso que o oncologista faça o diagnóstico do tipo, localização e estágio da doença para iniciar o tratamento (cirurgia, quimioterapia, radioterapia e transplante de medula óssea), fatores que podem estar associados a uma melhor resposta16. Diante do diagnóstico realizado e do tratamento proposto, tanto a criança/adolescente quanto a família costumam apresentar ansiedade. Tal afirmação é corroborada por pesquisa conduzida no Brasil incluindo 35 indivíduos diagnosticados com câncer. Foi mostrado que a doença oncológica é um fator desencadeante de transtornos de ansiedade, uma vez que sua descoberta é associada à morte e considerada assunto impróprio para ser tratado com crianças17. Além disso, muitos estudos destacam as repercussões do câncer infantil no âmbito familiar18. Pesquisas sinalizam que os transtornos de ansiedade e depressão provocados nas crianças que receberam diagnóstico de câncer são também relacionados ao fato de terem mudanças bruscas no seu cotidiano, sendo fatores o tempo de tratamento e a idade19. Ao revisitar a literatura, identifica-se que, após o diagnóstico de câncer infantil, ocorre sentimento de tristeza, desespero, impotência e desesperança da família quanto ao prognóstico, devido ao estigma da doença e à possibilidade de perda. Por consequência, ocorre desestruturação e alterações nas atividades do cotidiano familiar, tornando rotina procedimentos invasivos e dolorosos, efeitos colaterais e idas frequentes à oncologia pediátrica20-22. Essa mudança da rotina da criança/adolescente e da família se dá muitas vezes pela terapêutica indicada, como a quimioterapia, muito utilizada para o tratamento do Introdução 22 Josiane Ramos Garcia Rodrigues câncer e cuja função é destruir as células neoplásicas. A via de administração dos quimioterápicos pode ser oral, intravenosa, intramuscular, subcutânea e intratecal. Eles devem ser preparados e infundidos por profissionais capacitados e em unidades especializadas, tanto ambulatorial quanto hospitalar23. O tratamento do câncer é muito nocivo. Por mais que a família compreenda sua importância e necessidade, nunca está apta para enfrentar as alterações previstas devido aos efeitos da quimioterapia, que trazem sofrimento para criança/adolescente e família. A família reconhece a importância do papel do enfermeiro e da equipe ao apoiarem e educarem de forma humanizada, integral, usando comunicação clara para entendimento das orientações18. Os efeitos adversos variam de acordo com o diagnóstico e tratamento realizado, sendo mais frequentes náuseas, vômitos, alopecia, apatia, anorexia, perda de peso, hematomas, sangramento bucal e nasal, indisposição com necessidade de repouso e neutropenia24. Em uma revisão integrativa além dos efeitos colaterais citados foram encontrados também a mucosite, dor, fadiga, diarreia, ansiedade, depressão, problemas cognitivos, distúrbios de aparência e comunicação25. Durante o início do tratamento ambulatorial, criança/adolescente e família se sentem fragilizadas em um local desconhecido. Surge, então, a necessidade de aproximação da equipe de enfermagem para ouvir e esclarecer dúvidas, proporcionando apoio, conforto e carinho26. As práticas de educação em saúde são imprescindíveis para uma condição de vida mais favorável nesse processo em razão da mudança no estilo de vida e da necessidade de combater a doença27. A equipe de enfermagem que atua em ambulatório de oncologia pediátrica deve estar preparada para compreender todo o processo da doença e ter competência técnica e científica atualizada por meio de educação continuada para que possa contribuir com assistência qualificada e planejada, buscando atender às necessidades sociais, físicas e psíquicas28,29. Por causa do sofrimento que as crianças e seus familiares enfrentam diante do estigma do câncer, cabe ao enfermeiro realizar ações educativas para diminuir ou minimizar o sofrimento no decorrer de toda a terapia. Ressalta-se que o tratamento quimioterápico pode ser longo e com frequência semanal, dependendo do tipo de câncer e da resposta terapêutica de cada criança e adolescente. Logo torna-se essencial o cuidado integral ao paciente/família. A enfermeira, para minimizar os efeitos adversos da quimioterapia, utiliza-se de Introdução 23 Josiane Ramos Garcia Rodrigues estratégias não farmacológicas e terapias complementares, como musicoterapia e atividades lúdicas. Além das ações educativas voltadas à família e ao paciente sobre o tratamento, é necessário incentivar a continuidade dele, evitando interrupções nos ciclos previstos. Destaca-se também a importância de fortalecer o vínculo entre o paciente, a família e a equipe multidisciplinar para melhorar a qualidade de vida do paciente oncológico pediátrico25. A literatura reforça que o enfermeiro deve buscar meios, juntamente com a família, para manter a criança e o adolescente ativo nas brincadeiras, impondo limites e responsabilidades, visto que eles ficam restritos por causa dos efeitos colaterais, indisposição e dos dispositivos neles implantados para infusão dos medicamentos30. A família auxilia a equipe multiprofissional no planejamento do cuidado. Os familiares são os responsáveis pelo cuidado com a doença em seu âmbito familiar, atentos para manter o controle de estado de saúde31-32. Assim, a perspectiva de sucesso está interligada com a relação da criança/adolescente e família, que, juntos, enfrentam o câncer33. As orientações sobre a infusão de quimioterapia a que a criança/adolescente será submetida e seus efeitos colaterais, como enjoo e alopecia, não devem ser dadas apenas à família. É preciso incluir a criança, principalmente a de idade escolar, pois ela já tem capacidade de compreensão. Isso facilitará a aceitação da doença e adaptação de adornos para melhorar sua autoimagem, como o uso de lenço, boné e chapéu34. Sarmento et al.35 mostraram a importância de dar orientações na presença da criança e do adolescente antes de iniciar o tratamento, como aquelas sobre cuidados de higiene pessoal e com os alimentos, efeitos colaterais e possibilidade de cura, pois os profissionais da saúde têm conhecimento e usam linguagem adequada, facilitando a compreensão e minimizando os efeitos negativos durante a terapia. A criança, conhecendo como vai ser realizada sua terapêutica, está mais preparada para enfrentar os procedimentos invasivos e desenvolver técnicas pessoais visando minimizar o próprio sofrimento. Porém, pode ter diferentes sentimentos; pode saber da necessidade do tratamento, mas não querer dar continuidade em razão do sofrimento36. Um estudo realizado nos Estados Unidos com 88 enfermeiros especializados em oncologia pediátrica destaca a importância de considerar as crianças como participantes ativos no seu próprio cuidado e de prepará-las psicologicamente por Introdução 24 Josiane Ramos Garcia Rodrigues meio de orientações de como são efetuados os procedimentos. O apoio emocional com a escuta qualificada e atividades lúdicas antes dos procedimentos dolorosos a serem realizados durante a terapia reduzem riscos de elas apresentarem comportamentos desorganizados e patologias psíquicas37. Estudos de revisão integrativa e sistemática — realizados por pesquisadores americanos a fim de avaliar métodos para diminuir a dor e ansiedade nas crianças e adolescentes da faixa etária de 1 a 21 anos em tratamento de câncer — evidenciaram que algumas técnicas de distração, massagens, terapia de arte, terapia de toque, músicas, atividades físicas e hipnose apresentam resultado satisfatório durante os procedimentos dolorosos38-39. Com a hospitalização, a qualidade de vida da criança/adolescente e o seu bem- estar ficam comprometidos. Aquelas que fazem tratamento de câncer com internações longas ou reinternações sofrem distanciamento da família e de amigos e, consequentemente, deixam de brincar. Como essa fase é essencial para seu desenvolvimento, cabe aos profissionais da equipe multidisciplinar, no decorrer do processo de adaptação, inserir o lazer por meio de brinquedo, brincadeiras, leituras e atividades para amenizar o sentimento vivenciado de insegurança e ansiedade40-42. Em estudo realizado para avaliar a atuação do terapeuta ocupacional durante internação de criança com câncer, identificou-se a diminuição da ansiedade devido a recursos lúdicos como jogos e histórias transmitindo acontecimentos hospitalares a fim de romper imaginações das crianças em relação aos procedimentos aos quais seriam submetidas. O brincar durante a hospitalização favorece o desenvolvimento infantil e expressa o sentimento vivido no processo43. O profissional pedagogo tem o papel de auxiliar no desenvolvimento de aprendizagem por parte da criança e do adolescente que fazem tratamento contra o câncer com internações prolongadas, sempre respeitando o quadro clínico e o nível de escolarização. Ele não deve usar apenas orientações pedagógicas, mas também atividades lúdicas que possam diminuir a ansiedade e o sentimento vivenciado no processo de hospitalização, favorecendo, assim, o tratamento e o vínculo com a equipe multidisciplinar44. No plano de cuidados de uma criança com câncer, devem ser incluídas, de acordo com a faixa etária, atividades lúdicas com a participação da família, visando contribuir para uma diminuição do estresse, da dor, de medos e angústias durante os procedimentos a serem executados, o que irá permitir uma terapia menos traumática, Introdução 25 Josiane Ramos Garcia Rodrigues tranquila, facilitando a comunicação e o cuidado bem como amenizando os efeitos indesejados40-41,45. Tal estratégia é fundamental para criar vínculos com a equipe, principalmente com o enfermeiro, a fim de que possam ser supridas as necessidades de saúde da criança, adolescente e família, proporcionando cuidado integral, humanizado e benefícios à terapia46-47. Um estudo realizado com abordagens lúdicas em crianças de 6 a 12 anos de uma casa de apoio para a realização do tratamento quimioterápico constatou que o brincar durante a terapia é imprescindível para esquecerem que estão doentes e proporcionar a elas momentos de alegria e diversão, reduzindo o estresse e a ansiedade acarretados pela doença48. O brinquedo terapêutico pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar as crianças a lidar com seus medos e preocupações durante os procedimentos médicos relacionados ao tratamento do câncer, tornando a experiência no ambulatório menos assustadora e mais tranquila49-50. Em um estudo realizado o brinquedo foi apontado pelos familiares como um instrumento capaz de reduzir sofrimentos em crianças e adolescentes durante os procedimentos invasivos realizados em toda a terapêutica, favorecendo assistência humanizada e qualificada51. O desenho enquanto atividade realizada por crianças em idade escolar sob tratamento contra o câncer mostrou-se como estratégia para lidar melhor com a doença, expressar as experiências vividas durante o tratamento bem como melhorar a compreensão e o poder de decisões para uma qualidade de vida adequada52. Um estudo realizado no Brasil buscou compreender a perspectiva de dez crianças e adolescentes de 8 a 18 anos em tratamento quimioterápico. A pesquisa sinaliza que, mesmo com as mudanças da rotina, restrições de alimentos, isolamento e mudanças na imagem corporal e efeitos colaterais indesejados, os pacientes entenderam a terapia como importante e única maneira de obter a cura da doença24. Diante do exposto, observa-se que cabe à enfermagem proporcionar uma assistência qualificada à criança e ao adolescente, buscando instrumentos para atender às suas necessidades biológicas, psíquicas e sociais. 1.2 Ansiedade infantil No decorrer da infância, a criança vivencia emoções como ansiedade e medo, Introdução 26 Josiane Ramos Garcia Rodrigues as quais são inerentes à fase do desenvolvimento infantil ou às suas próprias características53-54. São comuns entre pacientes em várias situações de saúde, o que exige dos enfermeiros um entendimento claro desses conceitos55. O medo é reconhecido como uma das seis emoções primárias, sendo as demais a tristeza, felicidade, surpresa, raiva, repulsa56. Existem outros tipos de emoções, entre os quais destaca-se a ansiedade57. Tais emoções são reflexo das experiências e reações neurológicas vivenciadas, de forma física e instintiva, a um estímulo externo, que desencadeiam sensações corporais56-57. As emoções são complexas e atingem nossos pensamentos, corpo e comportamento. Segundo a psicologia atual, elas surgem como sensações intensas e conscientes resultantes de nossa avaliação cognitiva de eventos ou situações específicas57. Nesse sentido, a ansiedade e o medo são respostas emocionais que se manifestam em situações de ameaça à integridade física do ser humano, sendo relacionadas às reações de defesa. A ansiedade é a emoção referente ao comportamento de avaliação de risco evocado em situações em que o perigo é incerto. Ela é caracterizada por um estado de humor negativo, no qual a criança se antepõe a situações temíveis que podem acontecer posteriormente, seja porque o contexto é novo, seja porque o estímulo do perigo esteve presente no passado. Ao contrário, o medo está ligado às estratégias defensivas em resposta ao perigo real que está a certa distância, ou seja, em reação a uma ameaça presente58-60. Medo refere-se a um sentimento natural da vida, que vem à tona em momentos singulares de nossa jornada; volta-se para o presente e apresenta-se quando algo real e concreto está acontecendo54-57. Já a ansiedade é uma emoção de resposta prolongada e direcionada para o futuro, podendo surgir sem que tenhamos conhecimentos do motivo específico pelo qual a estamos sentindo ou então em decorrência de dificuldades em lidar com a ameaça que a desencadeia57,61. A ansiedade é apontada como uma emoção natural mesmo quando associada a perdas ou doenças graves. Entretanto, sofrimentos podem ser prevenidos quando são identificados precocemente os sinais de ansiedade e são iniciados os cuidados adequados62-63. Destaca-se que, quando os sintomas mais intensos e incontroláveis começam a aparecer, esse comportamento é conceituado como transtorno de ansiedade57,62-63. Os transtornos de ansiedade são classificados como condições relacionadas Introdução 27 Josiane Ramos Garcia Rodrigues ao neurodesenvolvimento e sofrem influência significativa de fatores genéticos64. De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), existem quatro tipos principais de transtorno de ansiedade: transtorno de pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade social ou fobia social e transtorno de ansiedade generalizada65. Ansiedade e medo fazem parte da infância e adolescência, pois as crianças e adolescentes sofrem mudanças de acordo com o desenvolvimento cognitivo e social. Visto que a ansiedade é comum nessas fases, o diagnóstico de transtorno de ansiedade acaba se tornando mais desafiador58. Até meados de 1980, acreditava-se que as preocupações e os medos durante a fase infantil eram passageiros e normais66. Sabe-se que é na infância e na adolescência que ocorre a fase mais crítica da vida para desenvolver a saúde mental. Portanto, experiências desfavoráveis podem prejudicar o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais, afetando o bem-estar mental por décadas67. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 10% de todas as crianças e adolescentes apresentam algum transtorno mental. Atualmente ele está entre as cinco principais causas de doenças em todo o mundo67. Dados globais da OMS mostram que um a cada sete jovens entre 10 e 19 anos apresentarão problemas de saúde mental. Como o mais frequente entre os distúrbios emocionais, destaca-se o transtorno de ansiedade, o qual se estima presente em 3,6% dos jovens com idades de 10 a 14 anos68. Devido ao aumento de atendimentos na saúde mental pós-pandemia de covid-19, o governo federal lançou estratégias para cuidar dos brasileiros via SUS. Uma delas é a “Estratégia Nacional de Fortalecimento dos Cuidados à Ansiedade e Depressão (Transtornos do Humor)” para as crianças e adolescentes69. Em um estudo epidemiológico com o objetivo de avaliar a depressão e ansiedade, realizado na China com 53.421 crianças e adolescentes em idade escolar com média entre 11 e 13 anos, foi constatado que 20% apresentaram risco de depressão; 6%, risco de ansiedade generalizada; e 68%, risco de pelo menos um tipo de ansiedade70. Já no Brasil, estudos com crianças e adolescentes dos 7 aos 16 anos institucionalizados que analisaram a prevalência de transtornos ansiosos e depressivos apontam elevada prevalência de transtornos de ansiedade, sendo 57%, ansiedade social; 63,1%, ansiedade de separação; e 36,8%, ansiedade Introdução 28 Josiane Ramos Garcia Rodrigues generalizada71. Com o objetivo de minimizar a ansiedade, os serviços de saúde também têm buscado utilizar algumas estratégias para aliviar o sofrimento das crianças e dos adolescentes. Em um estudo realizado no Iraque com 137 crianças de 9 a 13 anos com diagnóstico de câncer, identificou-se o uso da terapia escrita e terapia da história, as quais demonstraram, por meio das escalas de ansiedade Spence Children's Anxiety Scale (SCAS) e de depressão Children's Depression Scale (CDS), a eficácia na utilização de ambas as técnicas com redução significativa dos sintomas dos envolvidos na pesquisa72. Trinta crianças de 8 a 12 anos em tratamento contra o câncer, internadas em um hospital do Irã, foram submetidas à avaliação da eficácia da musicoterapia na ansiedade, com uso da Multidimensional Anxiety Scale for Children (MASC), que constatou a eficácia do recurso para diminuir os problemas psicológicos enfrentados durante o tratamento73. A hospitalização é frequentemente associada a experiências emocionais negativas, incluindo ansiedade e medo, que podem potencializar a dor e outros desfechos adversos para o paciente. Na abordagem dessas respostas emocionais, é importante identificar ferramentas de avaliação confiáveis e clinicamente úteis74. Diante da problemática e da literatura apresentada, torna-se oportuno e relevante que o enfermeiro utilize e desenvolva estratégias de cuidado, principalmente instrumentos que possam contribuir para o rastreio de sinais de ansiedade entre as crianças e adolescentes. Acredita-se que a identificação precoce dos sinais de ansiedade possa prevenir sofrimentos e traumas futuros, uma vez que isso possibilita o encaminhamento e o cuidado efetivo de crianças e adolescentes em tratamento de quimioterapia62-63. 1.3 Instrumentos de identificação e avaliação da ansiedade infantil Por meio do processo de enfermagem e dos diagnósticos de enfermagem, o cuidado é implementado em todos os contextos, incluindo os ambulatórios para infusão de quimioterapia. Desse modo, enfatiza-se a importância de se utilizarem instrumentos, com adequadas propriedades psicométricas, capazes de identificar a ansiedade durante todo o cuidado prestado. No estudo de revisão integrativa realizado por Campos et al.75, após análise de Introdução 29 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 33 instrumentos, foram selecionados 10 para avaliação da ansiedade em crianças e adolescentes hospitalizados. Destes, cinco escalas eram de autorrelato e apresentavam adaptação transcultural para o português brasileiro: Revised Children’s Manifest Anxiety Scale (RCMAS), Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED), MASC, State Trait Inventory for Children (STAIC) e Child Drawing Hospital (CD:H). Em uma revisão sistemática sobre instrumentos de medida de ansiedade utilizados em crianças e adolescentes com câncer ou submetidas a transplante de medula óssea, foram identificados 27 instrumentos diferentes em 78 estudos, dos quais 14 eram multi-itens e 13 eram de único item. Apenas três instrumentos multi- itens (RCMAS, Patient-Reported Outcomes Measurement Information System [PROMIS] e State Trait Inventory [STAI] e dois de único item (Faces Pain Scale - Revised [FPS-R] e Visual Analogue Scale [VAS]) demonstraram adequação em termos de confiabilidade e validade em uma população de câncer pediátrico. Tais instrumentos foram considerados os mais adequados para avaliar a ansiedade nesse contexto específico, de acordo com os critérios de avaliação utilizados76. Ao buscar instrumentos de autorrelato validados e confiáveis para avaliar a ansiedade em crianças e adolescentes hospitalizados com câncer, encontramos uma revisão sistemática que abrangeu 19 estudos envolvendo a faixa etária de 5 a 18 anos. Destes, apenas oito instrumentos apresentavam propriedades psicométricas relatadas, sendo três desses instrumentos com apoio pictórico: VAS; Pediatric Quality of Life Inventory (PedsQL) – 3.0 Cancer Module; e PedsQL™ 3.0 Brain Tumor Module. A presença de apoio pictórico nesses instrumentos é particularmente benéfica para crianças com limitações de comunicação e habilidades de alfabetização comprometidas. Além disso, quando associado à VAS, esse suporte pictórico facilita ainda mais a compreensão em crianças mais jovens77. Na busca literária dos artigos científicos relacionados a instrumentos de autorrelato validados no Brasil, que avaliam a ansiedade em crianças e adolescentes hospitalizadas ou com câncer, foram encontrados seis instrumentos com análise das propriedades psicométricas (Quadro 1). Introdução 30 Josiane Ramos Garcia Rodrigues Quadro 1 – Instrumentos de avaliação de ansiedade autorrelatada de crianças e adolescentes hospitalizados ou com câncer, encontrados na literatura, traduzidos para o português do Brasil Instrumento Autor (ano) País Versão do Instrumento para o Brasil Autor (ano) Forma de avaliação Objetivo Público Domínios, Itens e Classificação Propriedades Psicométricas State Trait Inventory for Children (STAI-C) Spilberger,197378 EUA Inventário de Ansiedade Traço-Estado para Criança (IDATE-C) Biaggio,198079 Escala de autorrelato Avaliar o estado de ansiedade. 9 a 12 anos Consiste em 40 afirmações, 4 alternativas e 1 escolha; 20 delas são sobre traço de ansiedade para relatar como se sentem; e 20 sobre estado de ansiedade. Coeficiente de correlação de Pearson Traço: r = 0,47-0,65 P = 0,01 a 0,001 Estado: r = 0,42-0,45 P = 0,02 a 0,005 Revised Children’s Manifest Anxiety Scale (RCMAS) Reynolds et al. 197980 EUA Escala de Ansiedade Infantil “O Que Penso e Sinto” (OQPS) Gorayeb et al. 200881 Escala de Autorrelato Medir o nível e a natureza da ansiedade em crianças e adolescentes 8 a 13 anos Possui 37 itens: 28 para avaliar a ansiedade, e 9 itens constituem a “escala de mentira”. Os itens possuem duas respostas: sim ou não. - Alfa de Cronbach = 0,85 - ICC = 0,64 a 0,88 - Teste de Kolmogorov-Smirnov (p = 0,1) Multidimensional Anxiety Scale for Children (MASC) March et al. 199782 Canadá e EUA Escala Multidimension al de Ansiedade para Crianças (MASC) Nunes, 200483 Escala de Autorrelato Identificar os sintomas de ansiedade de crianças e adolescentes. 9 a 14 anos Apresenta 39 itens que avaliam os domínios emocionais, cognitivos, físicos e comportamentais. - Alfa de Cronbach = 0,73 a 0,87 - Validade discriminante com exceção no domínio “Prevenção de danos”: perfeccionismo (p < 0,765), enfrentamento ansioso (p < 0,180) e total (p < 0,311) Screen for child anxiety related emotional disorders (SCARED) Birmaher et al.199784 Canadá Triagem para transtornos emocionais relacionados à ansiedade infantil (SCARED) Isolan et al. 201185 Escala de autorrelato Identificar transtornos de ansiedade em crianças e adolescentes. 9 a 18 anos É composto por 41 itens, que podem ser agrupados em cinco subescalas de sintomas de ansiedade. Os itens são avaliados usando uma escala de três pontos. - AFC = 2 = 419.02, df = 10, p < 0,001) - Alfa de Cronbach = 0,90 - ICC = 0,68 e 0,81 Introdução 31 Josiane Ramos Garcia Rodrigues Child Drawing Hospital (CD:H) Clatworthy et al.199986 EUA Child Drawing: Hospital – Versão Brasileira (CD:H VB) Campos, 201887 (Tradução) Antunes, 201888 (Validação) Desenho e um instrumento Avaliar a ansiedade em crianças hospitalizadas. 5 a 11 anos Realizado em três partes: A – 14 itens com escala de 1 a 10; B – 8 itens que podem considerar níveis altos de ansiedade C – impressão geral que vai de “agradável” a “oprimido” - Alfa de Cronbach = 0,7 - AFE testada com KMO = 0,48 a 0,55 - Teste de Bartlett de esfericidade (p ≤ 0,05) - Variância explicada (22,5% a 30,1%) - Cargas fatoriais (≤ 0,4) - Correlações negativas CDH VBa (-0,38 a 0,54) CDH VBb (-0,28 a 0,81) Pediatric Quality of Life Inventory (PedsQL) - 3.0 Cancer Module Varni et al. 199889 EUA Módulo de Câncer PedsQL 3.0 Scarpelli et al. 200890 Autorrelato e heterorrelato dos pais Avaliar impactos da doença e do tratamento de câncer. 2 a 18 anos Possui 27 itens em 8 escalas e são categorizados e avaliados mediante escala tipo Likert com cinco pontos, exceto autorrelato de crianças de 5 a 7 anos, o qual apresenta três pontos, sendo acrescentado apoio pictórico. - Coeficiente Kappa = 0,26-0,85 para as crianças/adolescente s e 0,25-0,87 para os pais - Alfa de Cronbach = acima de 0,70 no total Elaborado pela autora • State Trait Inventory for Children - STAI-C O STAI é um instrumento desenvolvido por Spilberger, Gorsuch e Lushene (1970) para medir ansiedade em adultos, apud Fioravanti et al. 200691. Foi traduzido, adaptado e validado no Brasil por Biaggio et al. (1977)92. O Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) avalia dois tipos de ansiedade: estado e traço. O Inventário de Ansiedade Estado (IDATE-E) considera uma resposta emocional intermitente, descrita por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão tangível, enquanto o Inventário de Ansiedade Traço (IDATE-T) refere-se a uma característica individual da personalidade estável, em que se pode perceber um número maior de situações como ameaçadoras92. O instrumento consiste em 40 afirmações com quatro alternativas de resposta distribuídas em uma escala Likert de três pontos autorreferida: 20 delas são sobre traço de ansiedade para relatar como se sentem, e 20 sobre estado de ansiedade ao Introdução 32 Josiane Ramos Garcia Rodrigues expor seu sentimento em determinada ocasião92. Já o STAI-C foi adaptado e validado por Spielberger78 (1973) para ser utilizado em crianças e adolescentes de 9 a 12 anos com o objetivo de avaliar o estado de ansiedade. Em 1980, Biaggio79 realizou a adaptação da forma infantil do Inventário de Ansiedade Traço-Estado para crianças brasileiras (IDATE-C) de 4ª, 5ª e 6ª séries. Em estudos realizados para identificar instrumentos de medida de autorrelato de ansiedade ou medo, utilizados em crianças e adolescentes hospitalizados com câncer ou submetidas a procedimentos ou tratamentos médicos, foi evidenciado que o STAI-C é um instrumento adequado e com boa propriedade psicométrica, sendo confiáveis e válidos os dados obtidos74-77. Em 1992, na Grã-Bretanha, foi desenvolvida a Escala STAI de forma abreviada, composta por seis itens, e validada para o público adulto93. No Brasil, a escala foi posteriormente desenvolvida e validada em uma ampla amostra de 4.455 participantes, que incluiu estudantes do ensino médio, universitários e funcionários de hospitais públicos e privados94. O primeiro estudo do STAI curto realizado em crianças foi encontrado na literatura em 2011, na Suécia; e teve como objetivo facilitar o entendimento de crianças em idade pré-escolar e melhorar sua capacidade de expressão. Foi validada a Escala STAI-C curta, destinada a crianças e adolescentes de 5 a 16 anos internadas para exames e tratamentos95. Posteriormente essa escala foi associada a um suporte pictórico, resultando na modificação da escala STAI-C curta, que foi aplicada em crianças de 3 a 9 anos no pré-operatório de uma unidade cirúrgica na Suécia. Os resultados desse estudo demonstraram evidências de que tal instrumento é capaz de medir a ansiedade em crianças acima de 7 anos96. Essa escala modificada ainda não foi traduzida para o português do Brasil. Como aspecto positivo, vale ressaltar que tal escala de autoavaliação abrange dois tipos de ansiedade: ansiedade de estado e ansiedade de traço83. Além disso, ela é largamente utilizada e adequada para uma ampla faixa etária, abrangendo crianças de 5 a 18 anos74. Todavia, um ponto negativo é que pode ser desafiadora para as crianças completar a escala em ambientes movimentados74. Além disso, ela não tem estabilidade temporal definida, ou seja, não é capaz de captar variações no nível de ansiedade ao longo do tempo. Isso pode ser uma limitação, pois é possível que a ansiedade flutue em diferentes momentos83. Também é importante Introdução 33 Josiane Ramos Garcia Rodrigues mencionar que o suporte psicométrico dessa escala é limitado, podendo afetar sua confiabilidade e validade. Ademais, seu comprimento pode dificultar a aplicação em crianças hospitalizadas74. • Revised Children´s Manifest Anxiety Scale – RCMAS A Children`s Manifest Anxiety Scale (CMAS) foi adaptada por Castaneda et al.97 em 1956, com base na escala original chamada Taylor Manifest Anxiety Scale (TMAS), desenvolvida por Taylor98 (1953). Consiste em medir o nível e a natureza da ansiedade em crianças e adolescentes. A escala foi revisada e adaptada para testes psicológicos em crianças e adolescentes escolares de 6 a 18 anos, sendo intitulada “What I Think and Feel”: Revised Children`s Manifest Anxiety Scale (RCMAS). Apresenta 37 itens de autorrelato, sendo 28 para avaliar a ansiedade, e 9 constituem a “escala de mentira”. Os itens possuem duas respostas: “sim” ou “não”99. Foi validada para crianças e adolescentes, apresentando construto consistente para a escala de ansiedade80. Em 2008, para melhor compreensão das crianças e adolescentes, o instrumento foi revisado e recebeu o acréscimo de 12 itens relacionados à ansiedade, então passou a ter 49 itens e a ser chamado de Revised Children's Manifest Anxiety Scale, Second Edition (RCMAS-2)100. Foi validado em uma amostra de 370 crianças e adolescentes de 6 a 19 anos de Taiwan com diagnóstico de câncer, apresentando boa confiabilidade101. A RCMAS foi traduzida e adaptada para o Brasil como Escala de Ansiedade Infantil “O Que Penso e Sinto” (OQPS) em um estudo com 374 crianças e adolescentes escolares de 8 a 13 anos. Evidenciou boas qualidades psicométricas, podendo ser disponibilizada para o profissional da área da saúde mental81. Uma das vantagens significativas do RCMAS é a inclusão de uma faixa etária mais ampla, abrangendo crianças e adolescentes dos 6 aos 19 anos. Além disso, o instrumento avalia três fatores distintos: manifestações fisiológicas de ansiedade; angústia e alta sensibilidade; e medo/concentração. Isso o torna capaz de medir a ansiedade estável ou crônica, independentemente das circunstâncias específicas do estado ou da ansiedade83. No entanto, é importante ressaltar que uma desvantagem do RCMAS é o seu comprimento: 49 itens. Esse aspecto pode demandar mais tempo e esforço por parte das crianças e adolescentes durante sua aplicação. Introdução 34 Josiane Ramos Garcia Rodrigues • Multidimensional Anxiety Scale for Children – MASC A MASC é uma escala de autorrelato com 39 itens, desenvolvida em 1997 por March et al.82 com o intuito de avaliar os domínios emocionais, cognitivos, físicos e comportamentais visando identificar os sintomas de ansiedade de crianças e adolescentes entre 8 e 17 anos. Foi utilizada em um estudo com adolescentes de 12 a 18 anos de uma escola de Portugal com o objetivo de validar e efetivar o instrumento em uma versão portuguesa e avaliar suas propriedades psicométricas. Concluiu-se que se trata de uma medida adequada e fidedigna de autoavaliação dos sintomas de ansiedade102. No Brasil, Nunes83 realizou a adaptação transcultural, a validação e a confiabilidade desse instrumento, denominado “Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças – versão brasileira (MASC–VB)” em uma pesquisa com dois grupos comparativos de crianças e adolescentes de 9 a 14 anos: uns apresentavam diagnóstico de transtornos de ansiedade, e outros eram estudantes do ensino fundamental. Ela mostrou consistência interna satisfatória com bom desempenho psicométrico, sendo validada. A escala em questão apresenta pontos positivos, destacando-se por seu bom desempenho psicométrico. Além disso, sua aplicação e contagem dos pontos podem ser realizadas em menos de 25 minutos, o que a torna uma ferramenta prática e útil para a avaliação rápida e rotineira de problemas relacionados à ansiedade em crianças e adolescentes. É amplamente utilizada em ambientes clínicos82-83,103. Entretanto, é importante ressaltar que ela tem uma extensão relativamente longa, 39 itens, o que pode ser cansativo para as crianças e adolescentes durante o processo de preenchimento. • Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders - SCARED SCARED é um instrumento de autorrelato destinado à criança, adolescentes e aos pais para identificar transtornos de ansiedade infantil. Inicialmente apresenta 85 itens, reduzidos para 38, agregados em cinco subescalas: transtorno do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de ansiedade de separação, fobia social e ansiedade escolar84. O SCARED apresentou boa confiabilidade medida pela consistência interna e foi considerado propício para identificar transtornos de ansiedade em crianças e Introdução 35 Josiane Ramos Garcia Rodrigues adolescentes de 9 a 18 anos, para ser utilizado em amostras clínicas84. Embora o SCARED tenha uma medida confiável, válida e sensível para rastrear transtornos de ansiedade pediátricos, a discrepância de informantes pode representar desafios clínicos e de pesquisa. Foram acrescentados, neste estudo, três itens na subescala “fobia social” devido à dificuldade de distingui-la de outras subescalas, ficando o questionário validado com 41 itens104. O instrumento foi validado no Brasil com crianças e adolescentes, estudantes da mesma faixa etária. Os resultados da pesquisa confirmam que ele possui propriedades psicométricas adequadas para medir a ansiedade85. É abrangente e apresenta vantagens ao avaliar múltiplos transtornos, incluindo sintomas de ansiedade, pânico, ansiedade generalizada, fobia simples e ansiedade escolar. Essa abordagem proporciona uma avaliação mais completa e precisa dos diferentes aspectos relacionados a esses transtornos específicos83. No entanto, é importante mencionar que uma possível desvantagem dessa escala é o formato que utiliza respostas de "sim" ou "não" e contém um total de 41 questões83. Isso pode limitar a expressão de nuances e complexidades dos sintomas, restringindo a capacidade de obter informações mais detalhadas sobre a experiência individual. • Child Drawing Hospital – CD:H O CD:H é um instrumento de medida que pode ser considerado de autorrelato não verbal105. Foi validado em 1999 por enfermeiras americanas para medir a ansiedade de crianças hospitalizadas em idade escolar, entre 5 e 11 anos. O CD:H envolve a tarefa de pedir a uma criança para fazer um desenho de uma pessoa no hospital. Ela recebe uma folha de papel e uma caixa de giz de cera contendo oito cores básicas; é instruída a fazer o desenho, e não há limite de tempo para a realização da tarefa. O objetivo é obter insights sobre a percepção e compreensão da criança em relação ao ambiente hospitalar, suas experiências e sentimentos associados a ele. O desenho é analisado e interpretado com base em abordagens padronizadas para obter informações relevantes. Possui um gabarito com escores relacionados aos itens a serem avaliados, divididos em três partes: A – 14 itens com escala de 1 (baixa ansiedade) a 10 (nível alto de ansiedade); B – 8 itens que podem considerar níveis altos de ansiedade; e C – impressão geral do desenho, que vai de Introdução 36 Josiane Ramos Garcia Rodrigues “agradável” a “oprimido”86. No Brasil, Campos87 realizou a tradução e adaptação transcultural do instrumento CD:H, que passou a chamar “Child Drawing Hospital – Versão Brasileira (CD:H - VB)”. Foi considerado de grande potencial para utilização em prática clínica e pesquisa na enfermagem pediátrica. Sua validação foi realizada por Antunes88, que obteve resultado insatisfatório para medir a ansiedade em crianças hospitalizadas devido à baixa evidência de validade de construto e instabilidade na Análise Fatorial Exploratória (AFE) e na confiabilidade, de modo que foram recomendados novos estudos com modelo ajustado para validação. O ponto positivo está no fato de o instrumento ser sensível e adequado para avaliar a influência da hospitalização no bem-estar da criança hospitalizada106. É apropriado para as crianças, agradável e de fácil aplicabilidade pelos enfermeiros, possibilitando diagnosticar informações valiosas que precisam de intervenções específicas86. A desvantagem está no fato de ser um instrumento longo com quadros e textos extensos, podendo trazer desgaste nas leituras e respostas incertas. A falta de rótulos em alguns itens pode induzir o entrevistado a descobrir o significado e levá-lo a determinar a opção mais próxima da sua opinião88. ● Pediatric Quality of Life (Pedsql™) 3.0 Cancer Module O PedsQL 3.0 Cancer Module é um instrumento de medição desenvolvido por Varni et al.89 e traduzido para o Brasil por Scarpelli et al.90. Tem o objetivo de avaliar as percepções de pacientes pediátricos com condições crônicas de saúde, com foco na “qualidade de vida relacionada à saúde” (QVRS)107. Apresenta avaliação breve, padronizada, genérica e modular, sendo composto por dois formulários: um de autorrelato para crianças e adolescentes das faixas etárias 5-7, 8-12, 13-18; e relatório de procuração dos pais de crianças nas faixas etárias 2-4, 5-7, 8-12, 13-18108. O instrumento foi elaborado para crianças e adolescentes de 2 a 18 anos e tem o objetivo de avaliar impactos da doença e do tratamento de câncer107-108. O instrumento é composto por 27 itens, categorizados em 8 subescalas: 1) dor e mágoa (dois itens); 2) náuseas (cinco itens); 3) ansiedade processual (três itens); 4) ansiedade de tratamento (três itens); 5) preocupação (três itens); 6) problemas cognitivos (cinco itens); 7) aparência física percebida (três itens); e 8) comunicação Introdução 37 Josiane Ramos Garcia Rodrigues (três itens). São avaliados pela escala Likert de cinco pontos em crianças e adolescentes de 8 a 18 anos, exceto o autorrelato de crianças de 5 a 7 anos, o qual apresenta três pontos, sendo acrescentado nessa situação apoio pictórico mediante faces felizes, neutras e tristes109. As respostas negativas apresentam pontuações inversas em uma escala de 0 a 100: um escore maior aponta menores problemas enfrentados com a doença e/ou tratamento, indicando uma melhor qualidade de vida108. A escala oferece como vantagem a sua brevidade: permite um preenchimento em apenas 5 minutos por pais e pacientes. Essa característica a torna uma opção ideal para avaliar o impacto de intervenções na QVRS e para realizar avaliações longitudinais repetidas. Além disso, a escala possui a flexibilidade de criar módulos específicos para diferentes doenças, o que aumenta sua utilidade e aplicabilidade. Todavia, é importante mencionar algumas limitações. Ela apresenta restrições na avaliação da QVRS relacionada à saúde social e mental, o que pode levar a uma subestimação da gravidade de certas doenças ou condições de saúde. Logo, é fundamental considerar que aspectos relevantes nessas áreas podem não ser adequadamente capturados pela escala, resultando em uma compreensão limitada do impacto total da saúde sobre a qualidade de vida110. Isto posto, as escalas apresentadas nesta subseção podem ser úteis para profissionais que atuam na área da saúde, permitindo uma avaliação mais completa do estado emocional de crianças e adolescentes hospitalizados e com câncer. Destas, apenas a STAI-C curta não foi adaptada para o português do Brasil. Durante o levantamento bibliográfico, identificamos a existência de algumas escalas de autorrelato que visam avaliar a ansiedade de crianças e adolescentes em outros contextos. No entanto, é importante ressaltar que algumas delas ainda não apresentam tradução nem adaptação validada para o contexto brasileiro. 1.3.1 Escalas criadas para avaliação da dor e utilizadas também na medição da ansiedade Encontramos três escalas que inicialmente foram desenvolvidas para o contexto de dor e atualmente também são utilizadas para avaliação da ansiedade. Porém, não são adaptadas/traduzidas para o português do Brasil. VAS é uma escala autorreferida e unidimensional elaborada para medir a Introdução 38 Josiane Ramos Garcia Rodrigues dor111. É vista com uma das ferramentas mais simples e mais utilizadas para essa avaliação112-114. É reconhecida como uma medida prática e versátil para avaliar a dor em crianças acima de 5 anos, sendo usada em uma variedade de contextos médicos e odontológicos devido à sua aplicabilidade abrangente115. Em uma revisão sistemática com 78 estudos, ela foi considerada o instrumento de item único mais utilizado nas pesquisas76. Entretanto, em um estudo realizado com crianças de 5 a 6 anos em um jardim de infância, apenas 42% foram capazes de responder ao instrumento com exatidão116. Em 1976, na Austrália, essa escala de dor foi adaptada e validada para medição da ansiedade, sendo denominada Visual Analogue Scale for Anxiety (VASA); a população foi de 130 universitários de Medicina e 75 pacientes psiquiátricos117. Além disso, a escala foi validada para uso no pré-operatório, transoperatório e pós-operatório em crianças de 7 a 16 anos. Os resultados mostraram que a VASA se apresentou como método satisfatório, com boas propriedades psicométricas, podendo ser utilizada na prática clínica118. Não encontramos nos artigos científicos que mostrassem a validação desse instrumento no Brasil. Esse instrumento é de fácil aplicabilidade: apresenta uma escala numérica em uma linha horizontal de 10 cm numerada de 0 a 10, em que o extremo esquerdo indica ansiedade nula; e o extremo direito, ansiedade máxima119- 120. Os escores de 0 a 2 foram considerados indicadores de ansiedade leve; 3 a 7, ansiedade moderada; e 8 a 10, ansiedade intensa120. Numerical Rating Scale (NRS) é amplamente empregada na prática clínica como uma ferramenta simples e comumente utilizada para avaliar a intensidade da dor em crianças a partir de 8 anos de idade121. Nessa escala, as crianças são solicitadas a expressar verbalmente a intensidade da dor em uma escala que varia de "0" (ausência de dor) a "10" (dor máxima imaginável); é considerado de fácil administração, e há boas evidências de sua validade de construção122. Em um estudo com 60 crianças e adolescentes de 7 a 13 anos no pré-operatório, foi realizada uma validação inicial da escala numérica para avaliar o estado de ansiedade123. Além disso, ela escala tem sido empregada em outras pesquisas com o objetivo de avaliar a ansiedade. Esses estudos demonstram o potencial dela como uma ferramenta útil e aplicável para medir a ansiedade em diferentes contextos clínicos e de pesquisa, fornecendo insights importantes sobre o estado emocional das crianças124-125. Faces Pain Scale (FPS) é uma escala de autorrelato utilizada para avaliar a Introdução 39 Josiane Ramos Garcia Rodrigues intensidade da dor em crianças menores e apresenta sete faces, sendo pontuada de 0 a 6126. Ela foi revisada para melhorar sua usabilidade e precisão na avaliação da dor em crianças. A necessidade de uma revisão ocorreu devido a algumas limitações da versão original, como a falta de clareza em certas expressões faciais e a ausência de uma escala numérica associada. A revisão resultou na criação da FPS-R, que incorporou mudanças nas expressões faciais representadas, diminuindo de 7 para 6 faces e adicionando uma escala numérica para aumentar a objetividade e melhorar a capacidade de comunicação da intensidade da dor; e foi atribuído um valor para cada face, de 0 a 5 ou de 0 a 10 (0, 2, 4, 6, 8 e 10)127. Foi traduzida para o português do Brasil em um estudo envolvendo a participação de 20 crianças e adolescentes com câncer, entre 7 e 17 anos128. Além disso, foi realizado um processo de validação e confiabilidade da escala, utilizando uma amostra de 214 crianças de 8 escolas do Brasil, entre 6 e 10 anos. Os resultados demonstraram que a FPS tem boas propriedades psicométricas e pode ser considerada um instrumento adequado para medir a intensidade da dor em crianças brasileiras129. Em uma revisão bibliográfica, constatou-se que esse instrumento foi utilizado em um contexto adicional para avaliar a ansiedade. Foi aplicado em um grupo de 14 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos, que estavam sendo atendidos na unidade de oncologia pediátrica do Canadá. O objetivo era avaliar a ansiedade desses indivíduos durante procedimentos invasivos, que envolviam o uso de agulhas e eram realizados sob sedação130. 1.3.2 Escalas para avaliação dos sinais de transtornos de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes Social Anxiety Scale for Children (SASC) foi desenvolvida para avaliar sentimentos de ansiedade social das crianças e adolescentes de 7 a 12 anos e apresenta 10 itens131. Posteriormente a SASC foi revisada – Social Anxiety Scale for Children-Revised (SASC-R) e tem sido utilizada para medir a ansiedade em crianças e adolescentes submetidas a procedimentos dolorosos e cirúrgicos. É composta por 22 itens de autorrelato, sendo 18 relacionados com estados de ansiedade e 4 itens adicionais, avaliados em uma escala Likert de cinco pontos132. Não foi adaptada para o português do Brasil. SCAS foi desenvolvida na Austrália para avaliar sintomas de transtornos de ansiedade específico em crianças de 8 a 12 anos133 e de adolescentes de 13 a 14 Introdução 40 Josiane Ramos Garcia Rodrigues anos134. Possui 44 itens divididos em 6 subescalas que são avaliados por meio de uma escala Likert de quatro pontos, sendo 6 destes de preenchimento positivo133. Foi realizada sua adaptação transcultural no Brasil com crianças e adolescentes de 7 a 12 anos que pertenciam ao programa de transtornos de ansiedade, tendo sido importante e adequada para a avaliação da ansiedade no país135. A SCAS também apresenta uma versão parenteral para que os pais auxiliem na detecção dos sintomas de ansiedade dos seus filhos: a Spence Child Anxiety Scale for Parents (SCAS-P) contém 38 itens e os mesmos critérios da SCAS, com exceção dos 6 itens de preenchimento que foram removidos; foi validada com boa consistência interna para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos136. Para reduzir o tempo de aplicabilidade, foi desenvolvida a Sence Children's Anxiety Scale – Short Version (SCAS-S), reduzida para 19 itens abrangendo todas as escalas, exceto o transtorno de obsessão compulsiva da escala original137. Revised Child Anxiety and Depression Scale (RCADS) é uma escala de autorrelato de 47 itens com objetivo de avaliar sintomas de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes de 8 a 18 anos138-139. É adaptada no Brasil e pode ser uma ferramenta valiosa na triagem inicial para rastrear e identificar sinais de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes, oferecendo um primeiro passo importante para o diagnóstico desses transtornos140. 1.3.3 Escalas para avaliação da QVRS Encontramos também duas escalas que avaliam a QVRS incluindo sinais de ansiedade — ambas não validadas no Brasil. PROMIS é um instrumento de autorrelato desenvolvido para avaliar a QVRS em crianças e adolescentes de 8 a 17 anos com doenças crônicas, incluindo ansiedade e sintomas depressivos141. Hindus et al.142 evidenciaram sua viabilidade e validade em crianças e adolescentes com câncer infantil sob tratamento. A Chinese Version of Pediatric PROMIS (C-Ped-PROMIS), elaborada para avaliar ansiedade e depressão em crianças e adolescentes com câncer de 8 a 17 anos, foi validada e adaptada na China e mostrou ser facilmente aplicável para medir problemas psicológicos em crianças com câncer143. Estudo realizado nos Estados Unidos e Canadá com crianças e adolescentes diagnosticadas com câncer entre as idades de 7 a 18 anos indicaram que as medidas pediátricas da PROMIS foram suficientes para Introdução 41 Josiane Ramos Garcia Rodrigues validade de construto em toda a faixa etária estudada e sugeriram novos estudos para validação com idades inferiores144. No Brasil, a validação da PROMIS em crianças e adolescentes de 8 a 17 anos está disponível apenas para o Banco de Itens Destreza Manual145. Zumpano146 validou a escala de saúde global; e Castro et.al. (2018)147 validou o Banco de Itens de Ansiedade e Depressão para adultos. PedsQL 3.0 Brain Tumor Module, é uma escala de autorrelato de crianças e adolescentes de 5 a 18 anos e de 2 a 18 anos para relatório por procuração dos pais visando avaliar o conhecimento da QVRS dos seus filhos148. O questionário é composto por 24 itens, caracterizado em 6 escalas e com algumas exclusões relacionadas ao relatório de pais de crianças pequenas (2 a 4 anos), de 5 a 7 anos e de autorrelato de todas as crianças e adolescentes. As respostas abrangem cinco opções do tipo Likert, com exceção do autorrelato de crianças de 5 a 7 anos, que é simplificado para três pontos148. Essa escala não foi traduzida para o português do Brasil. 1.3.4 Escalas de autorrelato para avaliação da ansiedade no contexto odontológico Por último identificamos três escalas de autorrelato que avaliam ansiedade no contexto odontológico, sendo uma delas encontrada em um contexto clínico. Venham Picture Test (VPT) é um instrumento de autorrelato desenvolvido para medir ansiedade de crianças de 3 a 11 anos em tratamento odontológico. É confiável e válido para utilização na população infantil. Apresenta oito pares de figuras do sexo masculino, sendo uma figura de ansioso e outro de tranquilo em cada quadrado149. A versão brasileira foi apresentada em 2004 e sofreu alterações nas figuras: antes todas eram de meninos brancos, mas, com a modificação, passaram a ser de meninas e meninos, brancos e negros, para que todo o público pudesse se identificar com o personagem. O teste utiliza oito pares de figuras que devem ser mostrados, um de cada vez, para ser escolhido com qual melhor se identifica no momento da aplicação150. Foi encontrado, em revisão da literatura, um estudo transversal realizado nas Filipinas — com 235 crianças de 3 a 9 anos internadas na enfermaria médico-cirúrgica — cujo objetivo era utilizar esse instrumento para mensurar o nível de ansiedade Introdução 42 Josiane Ramos Garcia Rodrigues durante os procedimentos de enfermagem151. É considerado de fácil aplicação, rápido e desenvolvido para ser utilizado até mesmo em crianças de 3 anos. Modified Child Dental Anxiety Scale (MCDAS) é uma escala de autorrelato curta que contém oito questões para avaliar ansiedade odontológica de crianças e adolescentes (de 8 a 15 anos) em tratamento odontológico152. É uma versão modificada da escala adulto Dental Anxiety Scale (DAS), desenvolvida e validada em 1968153. Foi traduzida e validada para Brasil154. Devido ao difícil entendimento para as crianças menores, foi desenvolvida a Faces Version of the Modified Child Dental Anxiety Scale - MCDASf (Escala de Ansiedade Odontológica Infantil Modificada – Faces) com desenhos faciais para avaliar crianças de 5 anos155. Foi traduzida e adaptada culturalmente ao Brasil com crianças e adolescentes de 5 a 12 anos, e aguardam-se estudos para testar a validade e confiabilidade156. Facial Image Scale (FIS) foi construída para avaliar ansiedade odontológica em crianças e adolescentes de 3 a 18 anos. É um instrumento de autorrelato de fácil aplicação, composto por cinco figuras de face que variam de “muito feliz” a “muito infeliz”, podendo ser aplicado em crianças menores em razão da facilidade de entendimento. A pontuação de 1 a 5 relaciona-se com o sentimento da criança no momento da pergunta157. No Brasil, a forma de aplicação foi adaptada para avaliar a validade do instrumento em crianças e adolescentes de 3 a 12 anos. Foram selecionadas 150 crianças e adolescentes que estavam em tratamento odontológico, porém o estudo não foi capaz de validar a Escala de Imagens Faciais com a população estudada, e novos estudos para validação são aguardados158. 1.4 Instrumento Children’s Anxiety Questionnaire (CAQ) Isto posto, após apresentarmos as vantagens e desvantagens das escalas elencadas no quadro, optamos pelo Children’s Anxiety Questionnaire (CAQ) por ser um instrumento curto, autoadministrado e apresentar imagens de fácil compreensão, com possibilidade de aplicação em crianças menores em fase pré-escolar. A escolha dessa escala baseia-se em diversos fatores que a tornam adequada para a avaliação da ansiedade em crianças. Primeiramente, por causa de sua simplicidade bem como Introdução 43 Josiane Ramos Garcia Rodrigues facilidade de compreensão e aplicação. É instrumento com apenas quatro itens permitindo rápida avaliação. Isso é especialmente relevante quando consideramos a atenção limitada das crianças e a necessidade de tornar o processo de avaliação menos intimidante. Além disso, a escala é de autorrelato, o que significa que as crianças podem responder diretamente, expressando seus sentimentos e emoções. Essa abordagem é importante para obter uma compreensão mais direta da experiência subjetiva da criança e adolescente em relação à ansiedade. Outro aspecto relevante é o suporte pictórico nela presente. As ilustrações ajudam as crianças pequenas a entenderem as afirmações e a expressarem seus sentimentos de forma mais clara. Isso é especialmente benéfico quando se lida com crianças que podem ter dificuldades de articular seus pensamentos e emoções verbalmente. Também levamos em consideração a importância de adotar a perspectiva do cuidado centrado na criança. Ao escolher essa escala, estamos alinhando nosso estudo com uma abordagem que prioriza as necessidades e a compreensão individual da criança, buscando oferecer uma avaliação adaptada e sensível às suas particularidades. Por fim, a brevidade da escala e sua possibilidade de monitoramento durante o tratamento são vantagens adicionais. Com aplicação rápida e capacidade de ser repetida ao longo do tempo, podemos obter informações atualizadas sobre o nível de ansiedade da criança e acompanhar sua evolução no processo de tratamento. Isso difere de escalas longas, que podem ser aplicadas apenas em momentos específicos. Acreditamos que tal abordagem representa uma vantagem significativa em comparação com escalas mais extensas e com aquelas sem suporte pictórico. É um instrumento sueco que foi desenvolvido para avaliação da ansiedade. Os autores tiveram como objetivo desenvolver um questionário que fosse de fácil aplicação, com medidas psicométricas sólidas e que pudesse ser utilizado para avaliação da ansiedade de crianças pequenas e hospitalizadas96,159. O estudo inicial avaliou a eficácia do instrumento STAI em sua forma curta, modificado por meio do método Talking Mats, em 42 crianças de 3 a 9 anos submetidas à cirurgia96. Esse método é especialmente útil para pessoas com dificuldades cognitivas ou de comunicação160. Os resultados indicaram que crianças acima de 7 anos foram capazes de utilizar o instrumento. No entanto, os autores ressaltam a importância de futuras investigações para comprovar sua eficácia e confiabilidade. Os resultados Introdução 44 Josiane Ramos Garcia Rodrigues podem fornecer subsídios para que enfermeiros tenham a possibilidade de usar esse instrumento durante procedimentos médicos ou cirúrgicos envolvendo crianças96. Com base em seu estudo anterior, Nilsson et al. (2019) validaram o instrumento STAI na forma curta modificada, utilizando imagens para avaliar a ansiedade e o entendimento das escalas de qualidade e quantidade pelas crianças da faixa etária de 5 a 8 anos hospitalizadas — idade que é descrita como sendo a faixa etária propícia para usar o autorrelato. Participaram 103 crianças de creches e escolas, divididas em 4 grupos159. O estudo consistiu em uma entrevista dividida em quatro partes principais. Na primeira etapa, foi realizada uma avaliação emocional utilizando 12 imagens coloridas de rostos, que representavam quatro categorias emocionais (Happy/Content, Calm/Relaxed, Tense/Nervous e Afraid/Worried). Solicitou-se que as crianças identificassem o sentimento expresso por cada rosto. Cada categoria continha três fotos, obtidas em três bases de símbolos: Widgit, Picture Communication Symbols e SymbolStix. Na segunda parte, foi apresentada uma história ilustrada com o objetivo de ajudar as crianças a compreenderem o que estava acontecendo e o que aconteceria. A história utilizou uma abordagem baseada em imagens, com sete fotos que retratavam uma narrativa relacionada aos cuidados de saúde — por exemplo, uma criança que precisava ser encaminhada ao hospital após sofrer uma queda e fraturar o membro superior. Essas fotos foram distribuídas sequencialmente em um tapete, juntamente com as imagens escolhidas antes, para que fossem representadas no contexto. Na terceira etapa, foram apresentadas imagens para ajudar as crianças a classificarem emoções. Foram exibidas 12 imagens representando quatro escalas de quantidade (a little/ some/ a lot) e nove imagens simbolizando três escalas de qualidade (good/like, more or less, bad/dislike)159. Este estudo mostra que o uso de suporte pictórico pode ajudar as crianças a expressarem e avaliarem a ansiedade não apenas em cuidados de saúde, mas também em outros contextos sociais. As descobertas desse estudo destacam a importância do uso de imagens e recursos visuais para auxiliar as crianças na comunicação de seus sentimentos e na compreensão da ansiedade em várias situações da vida cotidiana159. A adaptação transcultural do CAQ para o português do Brasil envolveu as seguintes etapas de acordo com Wild et al.161: preparação; tradução; síntese das traduções; retrotradução; e revisão e harmonização das traduções. Isso foi realizado Introdução 45 Josiane Ramos Garcia Rodrigues por um comitê de 13 profissionais da saúde por meio do índice de validade de conteúdo. O debriefing cognitivo ocorreu com crianças entre 4 e 10 anos de idade. Foi realizado por 15 crianças para determinar se as imagens correspondiam aos seus significados e com 17 crianças para verificar se elas conseguiam entender o Global CAQ. O processo de adaptação cultural do CAQ para o português brasileiro foi validado, conforme demonstrado por um índice de validade de conteúdo em nível de escala global (S-IVC) satisfatório (0,94) entre os profissionais e uma concordância de 95% ou mais nas crianças162. O primeiro estudo conduzido no Brasil com o questionário CAQ teve como objetivo avaliar a prevalência de ansiedade e os fatores relacionados ao distanciamento social em decorrência da pandemia. A amostra estudada incluiu crianças e adolescentes escolares entre 6 e 12 anos, juntamente com seus responsáveis, que responderam ao questionário on-line. Dos 289 participantes, 19,4% apresentaram sintomas de ansiedade124. Após um ano da pandemia, uma nova pesquisa com 906 participantes seguindo o mesmo critério do estudo anterior mostrou um aumento significativo dos sintomas para 24,9%, evidenciando a necessidade de ações de saúde pública voltadas para essa população125. Para avaliar a confiabilidade e validade do CAQ, uma pesquisa selecionou 83 crianças em fase pré-operatória e as dividiu em dois grupos, com idades de 6 a 8 anos e 9 a 14 anos. Os resultados obtidos foram consistentes e indicaram a validade do instrumento para ser utilizado por enfermeiros e profissionais da saúde no contexto de ansiedade infantil. Além disso, o alfa de Cronbach, que mede a consistência interna do questionário, foi mais preciso para crianças de faixa etária mais alta. Esses achados sugerem que o CAQ pode ser uma ferramenta útil para a identificação e avaliação da ansiedade infantil em diferentes contextos clínicos163. O CAQ também foi validado no Brasil na forma digital, com 26 enfermeiros e 40 crianças e adolescentes de 5 a 12 anos internadas na unidade de pediatria, sugerindo ser relevante para a prática pediátrica na medição da ansiedade autorreferida por crianças164-165. JUSTIFICATIVA Justificativa 46 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 2 JUSTIFICATIVA Justifica-se a realização do estudo proposto pela ausência de instrumento em língua portuguesa adaptado ao Brasil a ser usado pelo enfermeiro para medir a ansiedade de crianças e adolescentes com câncer. OBJETIVOS Objetivo 47 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 3 OBJETIVOS ● Realizar a adaptação transcultural do CAQ para o português do Brasil. ● Analisar as evidências de validade da versão adaptada do CAQ para o português do Brasil em crianças e adolescentes com câncer e em tratamento quimioterápico. HIPÓTESE Hipótese 48 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 4 HIPÓTESE O CAQ é capaz de avaliar a ansiedade nas crianças e adolescentes brasileiros em tratamento quimioterápico. Existe associação entre CAQ e VAS. MÉTODO Método 49 Josiane Ramos Garcia Rodrigues 5 MÉTODO Para responder aos objetivos propostos, o estudo foi conduzido em duas etapas. 5.1 Adaptação transcultural do CAQ Trata-se de um estudo metodológico de adaptação transcultural do CAQ para o português do Brasil. Foi conduzido entre setembro de 2019 a junho de 2020, no serviço de quimioterapia do Hospital Estadual de Botucatu, da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB); no ambulatório de Onco-Hematologia Infantil do Hemocentro de Marília, da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA); e no ambulatório de oncologia infantil da Santa Casa de Misericórdia de Marília. O CAQ é um instrumento de autorrelato, unidimensional, desenvolvido na Suécia, disponível em inglês e sueco. É aplicado para avaliar ansiedade autorreferida em crianças hospitalizadas de 5 a 8 anos; e baseia-se no Inventário de Ansiedade Traço-Estado96,159. Contém quatro itens com quatro imagens de expressões faciais, com três opções de respostas para cada expressão, e cada opção representa um nível diferente de intensidade emocional. Figura 1 - Instrumento original na língua inglesa Happy/Content a little some a lot Calm/Relaxed a little some a lot Tense/Nervous a little some a lot Worried/Afraid a little some a lot Método 50 Josiane Ramos Garcia Rodrigues As crianças dão suas respostas com base nas quatro expressões faciais, uma de cada vez, e então escolhem entre três intensidades (um pouco [1], mais ou menos [2] e muito [3]). Os rostos de Feliz/Alegre e Calmo/Tranquilo são medidos como 3-2-1, e os rostos de Tenso/Nervoso e Preocupado/Com Medo são medidos como 1-2-3. O intervalo para esse instrumento é de 4 a 12 pontos, com 4 pontos significando nenhuma ansiedade e 12 pontos significando o nível mais alto de ansiedade96. De acordo com a literatura161 realizaram-se as seguintes etapas: Figura elaborada pela autora Figura 2 - Fluxograma das etapas do processo de adaptação transcultural do CAQ. Método 51 Josiane Ramos Garcia Rodrigues Na Etapa 1, o autor principal do instrumento original autorizou o uso do CAQ (Anexo A) e esteve presente durante todo o processo da adaptação transcultural. Na Etapa 2, o instrumento em inglês foi traduzido por um especialista, tradutor autônomo brasileiro, bilíngue e fluente no idioma da versão original, não sendo informado sobre os objetivos do CAQ. A segunda tradução foi realizada por uma professora, doutora em enfermagem, brasileira, com experiência em validação de instrumentos na área da saúde, sendo orientada sobre os objetivos do CAQ. Após o processo, foram obtidas duas traduções (T1 e T2) (Anexo B). Na Etapa 3, as duas traduções foram analisadas pela pesquisadora, pela orientadora e por uma terceira professora que também tem o título de doutora. Foram identificados os termos mais adequados para o questionário e integrados em uma versão que originou a síntese das traduções (T1-2) (Anexo B). Na Etapa 4, a síntese foi retrotraduzida para o idioma original do questionário por dois tradutores brasileiros independentes e bilíngues, ambos sem informações sobre os objetivos do questionário. Duas retrotraduções RT1 e RT2 foram revisadas, e não foram encontradas discrepâncias entre o instrumento original e a versão brasileira (Anexo C). Na Etapa 5, a versão do questionário obtida nas etapas anteriores (T1-2) foi avaliada por um comitê de juízes. Este foi constituído com base na busca na Plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/), utilizando os seguintes critérios: (a) conhecimento na área de pediatria e oncologia, (b) domínio da língua inglesa e (c) experiência nos processos de adaptação transcultural e validação de instrumentos psicométricos. Por meio da busca, foram identificados 61 profissionais de saúde que receberam o convite por meio eletrônico (Apêndice A); e, posteriormente, solicitou-se que respondessem a questões relacionadas à caracterização sociodemográfica (Apêndice B) e realizassem as avaliações (Apêndice C). Consideramos as seguintes equivalências: (1) semântica: uma avaliação baseada na gramática e no vocabulário; (2) idiomática: expressões que podem perder seu significado em outro idioma e podem ser substituídas; (3) conceitual: a avaliação de palavras com diferentes significados conceituais em diferentes culturas; (4) cultural: itens que devem corresponder à vivência de nosso contexto cultural. Para a equivalência de cada item, os especialistas tiveram que selecionar uma opção: "equivalente" (4 pontos), "precisa de revisão menor para ser equivalente" (3 pontos), "precisa de revisão principal para ser equivalente" (2 pontos) e Método 52 Josiane Ramos Garcia Rodrigues "não equivalente” (1 pont