RESSALVA Atendendo solicitação da autora, o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 28/02/2021. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Pseudoescópula em Ischnothele annulata (Araneae, Mygalomorphae): avaliando estrutura e funcionalidade na comunicação sexual JULIANA PANECZKO JURGILAS Outubro - 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Pseudoescópula em Ischnothele annulata (Araneae, Mygalomorphae): avaliando estrutura e funcionalidade na comunicação sexual JULIANA PANECZKO JURGILAS Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Meste em Zoologia. Orientador: José Paulo Leite Guadanucci Rio Claro - SP Outubro - 2019 J95p Jurgilas, Juliana Paneczko Pseudoescópula em Ischnothele annulata (Araneae, Mygalomorphae): avaliando estrutura e funcionalidade na comunicação sexual / Juliana Paneczko Jurgilas. -- Rio Claro, 2019 66 f. : tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: José Paulo Leite Guadanucci 1. Zoologia. 2. Comunicação na biologia. 3. Feromonas. 4. Animais comportamento. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao meu orientador, Zé Paulo, por aceitar orientar um projeto tão diferente da sua “zona de conforto”, mas fruto de um trabalho contínuo com as migalomorfas desde a graduação. Aos meus pais, Paulo e Claudia, por todo o apoio durante essa jornada, pelo financiamento de parte das viagens de campo, e pela inestimável ajuda em campo. Uma salva de palmas especialmente à minha mãe, que apesar de sua fobia, colocou a mão na massa (mais especificamente na terra, e nas teias) e ajudou a capturar os indivíduos. Ao meu companheiro, Matheus, pela sua valiosa contribuição em campo, e sua infinita paciência ao me ajudar na manutenção dos animais em cativeiro, principalmente no final do mestrado, quando a minha própria estava se esgotando. Agradeço também pela companhia, carinho, amor e incentivo que me dá todos os dias. Te amo! À Mônika Iamonte e ao Antônio Yabuki, técnicos do Laboratório de Microscopia Eletrônica do Departamento de Biologia (Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro), por terem me ensinado muito sobre o mundo da Microscopia Eletrônica. Ao Dr. Peter Michalik, da Universidade de Greifswald. e ao Guilherme Gainett, por todas as dicas para o preparo das amostras e análise em Microscopia Eletrônica de Transmissão. Ao Profº Dr. José Maurício Simões Bento e à técnica Arodi Prado, do Laboratório de Ecologia Química e Comportamento de Insetos da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), pelo empréstimo dos equipamentos e reagentes necessários para a realização dos bioensaios, e pelo auxílio no estabelecimento das metodologias. Ao Renato Salaroli, técnico do Laboratório de Microscopia Eletrônica aplicada à Pesquisa Agropecuária (NAP/MEPA) da ESALQ/USP, pela atenção e auxílio técnico durante as análises com o microscópio eletrônico de transmissão. À Prof. Dra. Daiane Cristina Sass do Departamento de Bioquímica e Microbiologia, pela disponibilização dos reagentes para a realização de alguns dos bioensaios. À Elis Marina Turini, pela atenção e auxílio com durante o processo de análise cromatográfica, se disponibilizando até aos finais de semana para me ajudar a realizar os testes! Ao Vitor Marin, que me ajudou a pensar em alternativas para a extração dos compostos, e por toda ajuda durante as tentativas. A todos os membros do Laboratório de Aracnologia de Rio Claro (LARC): Arthur, Giullia, Júlia, Maria, Rafael, Ton, Victor e Vivinha, pelas conversas, risadas, e pelo companheirismo. Estar acompanhada de pessoas prestativas, atenciosas, divertidas e gentis durante esses anos com certeza foi um fator determinante para realização de mais esta etapa acadêmica. Ao Programa de pós-graduação (Zoologia) pelo despendimento de parte da verba PROAP aos alunos, o que me auxiliou a custear parte das viagens de campo durante o período em que eu ainda não dispunha de reserva técnica. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, processo: nº 2018/00610-7, responsável pelo financiamento dos 9 meses de bolsa restantes e pela reserva técnica. RESUMO As aranhas geralmente são criaturas solitárias, de pouca acuidade visual, agressivas e potenciais predadoras canibais, características que podem ter selecionado formas de comunicação à longa distância, como sinais químicos e/ou vibratórios. Os feromônios são um exemplo de sinal utilizado durante a comunicação intersexual, já tendo sido caracterizado quimicamente para onze espécies de araneomorfas. A emissão dessas substâncias é feita pelas fêmeas por meio da seda ou pela cutícula. Para sua recepção, machos de araneomorfas utilizam cerdas quimiossensoriais presentes no dorso dos palpos. Para migalomorfas, foi reportada a presença de cerdas quimiossensorias em um macho de Idiops pylorus a partir de análises de Microscopia Eletrônica de Transmissão. Além disso, recentemente foi reportada a presença de uma cerda tarsal exclusiva de machos de Mygalomorphae, que por sua similaridade com as encontradas em I. pylorus, e até mesmo com as cerdas quimiossensoriais encontradas em araneomorfas, também foi considerada quimiossensorial, apesar da diferença de disposição entre as duas infraordens. Elas podem estar arranjadas de forma densa (sendo chamadas pseudoescópula), ou estarem esparsamente distribuídas juntamente com outros tipos de cerda. Estas cerdas também diferem de outras sensoriais que são amplamente encontradas em machos e fêmeas de migalomorfas. No presente estudo, as cerdas da pseudoescópula de um representante de Mygalomorphae, Ischnothele annulata, foram investigadas por meio de bioensaios e microscopia eletrônica de transmissão. Os resultados indicam que os machos da espécie em questão se utilizam de sinais químicos presentes na teia das fêmeas (contato) para o reconhecimento intraespecífico, além de não utilizarem sinais de origem volátil (longo alcance) para encontrar as parceiras. As cerdas da pseudoescópula parecem ser as responsáveis pelo reconhecimento, uma vez que a obstrução dessas cerdas impede que os machos realizem movimentos de corte típicos da espécie quando entram em contato com a teia das fêmeas. As análises da cerda a partir de técnicas de Microscopia Eletrônica de Transmissão também parecem indicar um padrão similar ao encontrado em cerdas quimiossensoriais de outros grupos de aranha. Palavras-chave: comunicação química, ultraestrutura, feromônio. ABSTRACT Spiders are generally solitary, aggressive, potential cannibal predators, and have poor visual acuity. These features may have favored a strong selection for long-distance communication, such as chemical and/or vibratory signaling. The pheromone usage is an example of signal used during intersexual communication and have been chemically identified in eleven araneomorph species. To the emission of the pheromones, females can use their cuticle or web, and for the perception of these substances, araneomorph males use chemosensory setae located in the dorsal side of the pedipalps. In mygalomorphs, it was reported the presence of a chemosensory setae in an Idiops pylorus male, identified by Scanning Electron Microscopy micrographies. Besides that, recently it was reported a tarsal setae exclusive of mygalomorph males, that have been considered a chemosensory setae because of it’s similarity with the one’s found in Idiops pylorus, and even with the ones found in araneomorphs, despite the contrast in disposition of the setae between the infraorders. They can be arranged densely on tarsus, similar to those setae found in the scopula (and in this case, named pseudoscopula), or be sparsely distributed on ventral tarsus among other setae types. These male setae also differ from other chemosensory ones that are widespread in both males and females of mygalomorph spiders In the present study, the pseudoscopula of a mygalomorph representative, Ischnothele annulata, was investigated through bioassays and transmission electron microscopy. The results indicate that the males identify the conspecific females by chemical signals present in the female silk (contact recognition), and that they do not use long range (volatile) signals to find a mate. The pseudoscopula setae seems to be accountable for the recognition, since the obstruction of the setae prevent males to react to the silk, failing to perform typical courtship when in contact with female’s web. The transmission electronic microscopy analysis of the pseudoscopula seems to indicate a patter similar to those found in chemosensory setae of other group of spiders. Keywords: chemical communication, ultrastructure, pheromone. SUMÁRIO Introdução......................................................................................................................................... 9 Objetivos gerais .............................................................................................................................. 12 Referências ...................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I........................................................................................................................................ 16 ANÁLISE DE FUNCIONALIDADE DA PSEUDOESCÓPULA POR MEIO DE BIOENSAIOS COM UMA ARANHA Ischnothele annulata (Ischnothelidae) ....................................................... 16 Introdução....................................................................................................................................... 17 Objetivos ......................................................................................................................................... 21 Material e Métodos ......................................................................................................................... 21 Coleta de exemplares e manutenção em cativeiro ........................................................................ 21 Bioensaios .................................................................................................................................... 23 1. Presença/ausência de feromônios de contato (teste de teia/arena) .................................... 23 2. Extração de feromônios .................................................................................................... 24 3. Presença/ausência de feromônios voláteis (Olfatômetro) ................................................. 26 4. Função da pseudoescópula (obstrução/remoção de cerdas) .............................................. 28 Cromatografia gasosa aliada a Espectrometria de massa (GC-MS) .............................................. 30 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) ............................................................................... 31 Resultados ....................................................................................................................................... 32 Discussão ......................................................................................................................................... 45 Referências ...................................................................................................................................... 50 CAPÍTULO II ...................................................................................................................................... 54 ANÁLISE POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO DAS CERDAS DA PSEUDOESCÓPULA EM UMA ARANHA Ischnothele annulata (Ischnothelidae) .................... 54 Introdução....................................................................................................................................... 55 Objetivos ......................................................................................................................................... 57 Material e Métodos ......................................................................................................................... 57 Protocolos para fixação, inclusão e contraste de material para MET ............................................ 57 1) Epon Araldite – glutaraldeído 2,5% em tampão cacodilato de sódio 0,1 M ...................... 57 2) Spurr – glutaraldeído 2,5% em tampão cacodilato de sódio 0,1 M ................................... 58 3) Spurr – Karnovsky modificado ......................................................................................... 59 Receita química – Fixador Karnovsky modificado ....................................................................... 60 Resultados e discussão.................................................................................................................... 61 Referências ...................................................................................................................................... 64 9 Introdução As aranhas compreendem um grupo de animais abundantes e de alta diversidade, sendo a ordem Araneae o segundo grupo mais diverso entre os aracnídeos, perdendo apenas para os Acari (CODDINGTON, 2005). Atualmente, a ordem conta com mais de 48 mil espécies descritas e 117 famílias (WORLD SPIDER CATALOG, 2019), e está dividida em 3 infraordens: Liphistiomorphae, da subordem Mesothelae; e os grupos irmãos Mygalomorphae e Araneomorphae, ambos da subordem Opistothelae (PLATNICK, GERTSCH, 1976). Com relação à sua origem, o exemplar mais antigo de aranha data do Devoniano médio, com cerca de 386 Milhões de anos (SELDEN et al., 1991). Muito provavelmente, todas aranhas “primitivas” do Carbonífero eram Mesothelae por compartilharem traços plesiomórficos como 4 pulmões foliáceos e abdômen segmentado, enquanto as Opistothelae são conhecidas desde o Triássico (FOELIX, 2011). As Mesothelae, portanto, compreendem filogeneticamente o grupo de aranhas mais antigo, possuindo características consideradas primitivas (abdômen segmentado, 4 pulmões foliáceos, fiandeiras ventralmente localizadas e um par de fiandeiras médias anteriores) (CODDINGTON, 2005; FOELIX, 2011); enquanto que as Araneomorphae compreendem o grupo de aranhas mais derivado (CODDINGTON, 2005) e diverso, compreendendo 90% da diversidade da ordem (FOELIX, 2011). Elas possuem quelíceras verticais opostas uma à outra (labidognatha), e uma importante sinapormorfia do grupo é a fusão e redução das fiandeiras médias anteriores em uma estrutura chamada cribelo (CODDINGTON, 2005). Com relação à diversidade do grupo, elas dividem-se em 97 famílias (WORLD SPIDER CATALOG, 2019), e suas formas corporais são altamente modificadas quando comparadas com as Mygalomorphae (GOLOBOFF, 1993), assim como seus modos de vida. Elas podem ser cursoriais, ou viverem em tubos (Dysderidae) e detritos de folhas, ou até mesmo construírem teias elaboradas para captura de presas (Pholcidae) (CODDINGTON, 2005). As Mygalomorphae, por sua vez, são um grupo de aranhas que apresentam características consideradas plesiomórficas como quelíceras “horizontais”, paralelas uma à outra (orthognatha), dois pares de pulmões foliáceos, coxas do palpo pouco diferenciadas e fiandeiras anteriores reduzidas (FOELIX, 2011), assemelhando-se mais às Mesothele do que às Araneomorphae (CODDINGTON, 2005). Elas formam um grupo monofilético sustentado por uma série de características, como redução ou ausência das fiandeiras médias anteriores, redução ou ausência das fiandeiras laterais e presença de sigilas esternais (RAVEN, 1985), e estão distribuídas em 30 famílias, sendo 15 delas estabelecidas por Raven (1985), a 16ª reconhecida por Bond et al. (2012), e as demais reconhecidas recentemente em quatro 10 trabalhos: Godwin et al. (2018), Hedin et al. (2018), Hedin et al. (2019) e Opatova et al. (2019). Suas representantes, também chamadas de caranguejeiras (BATES, 1962) ou tarântulas (FOELIX, 2011), vivem uma vida reclusa em fendas ou “tubos” no substrato, mas outras formas de vida também são possíveis. Algumas espécies são arbóreas, construindo refúgios de teia em cascas de árvores (FOELIX, 2011), enquanto outras são aranhas de alçapão, e construtoras de teia em lençol (BOND et al., 2012). A condição de construtoras de teia em lençol pode ser encontrada em várias espécies de distintas famílias batesde migalomorfas (SHEAR, 1994), como por exemplo em alguns representantes de Nemesiidae e Cyrtaucheniidae (PÉREZ-MILES et al., 2017), e em Mecicobothriidae, Hexathelidae e Dipluridae, famílias em que seus representantes inclusive possuem fiandeiras laterais posteriores bem desenvolvidas (GRISMADO, GOLOBOFF, 2014), sendo um exemplo dessas características as Ischnothele annulata Tullgren, 1905. O gênero está distribuído pelas Antilhas, América Central e do Sul, e até recentemente, as Ischnothele sp. estavam inseridas na subfamília Ischnothelinae, dentro de Dipluridae (COYLE, 1995; BOND, 2012), uma família tida como não monofilética (GOLOBOFF, 1993; HEDIIN, BOND, 2006; WHEELER, 2017). No entanto, este ano foi sugerida uma nova classificação para estes indivíduos com base em dados moleculares, elevando o gênero ao nível de família, intitulada Ischnothelidae (OPATOVA et al., 2019). As Ischnothele sp. são indivíduos que contam com teias grandes, que partem de uma estrutura tubular que se abre à demais camadas superiores, que por sua vez se ancoram em uma grande porção do substrato, formando assim grandes estruturas tridimensionais interconectadas (Coyle, Ketner, 1990; Coyle, 1995). As teias servem à uma grande gama de funções para as aranhas, sendo um exemplo a captura de presas. Nesse caso, a teia funciona retardando o movimento das presas, ou acelerando a movimentação do predador, tanto no caso de teias “aéreas” quanto no caso em que há a deposição da teia no substrato. Ela também permite a localização das presas por meio das vibrações ocasionadas em fios de teia depositados de forma esparsa (SHEAR, 1994; CODDINGTON et al., 2019). As teias também são usadas na dispersão, por meio do balonismo (COYLE, 1983), como forma de proteção, no caso de aranhas de funil e/ou alçapão, e na reprodução desses organismos. Na reprodução, as teias são utilizadas para a construção da teia espermática e deposição do esperma, para a proteção dos ovos por meio da construção da ooteca, além de auxiliar no reconhecimento intraespecífico, ao serem utilizadas como meio de comunicação entre os indivíduos, a partir da transmissão de vibrações típicas da espécie, ou até mesmo por meio de substâncias químicas aderidas à ela. A troca de sinais químicos pode ter sido uma das mais 11 antigas formas de comunicação entre os aracnídeos (WEYGOLDT, 1977 apud FOELIX, 1985), e de fato, várias espécies utilizam as teias como forma de “emissão” de substâncias conhecidas como feromônios, que são nada mais que sinais químicos utilizados para transmitir informações entre indivíduos da mesma espécie (comunicação química), sendo o resultado de uma coevolução entre o receptor e o emissor da informação (GASKETT, 2007; FISCHER, 2019). A percepção dessas substâncias é feita por um tipo de cerda quimiossensorial localizado na região dorsal do pedidpalpo dos machos, no caso de aranhas araneomorfas (TICHY et al., 2001). Em migalomorfas, ainda não foi determinada a cerda responsável para a percepção destas substâncias. Alguns trabalhos sugerem a presença de cerdas quimiossensoriais em uma espécie de migalomorfa (um macho de Idiops pylorus Schwendinger, 1991) e em Liphistius sp., um gênero da infraordem Liphistiomorphae, tidas como sensoriais por apresentarem um poro subterminal na região apical e pela presença de dendritos em seu interior, verificados a partir de análises de Microscopia Eletrônica de Transmissão (FOELIX et al., 2010). Recentemente, Pérez-Miles et al. (2017) reportaram um novo tipo de cerda exclusiva de machos de migalomorfas, localizadas na região ventral do tarso. Elas podem arranjar-se densamente no tarso, de forma similar ao que ocorre com as cerdas da escópula (neste caso, denominadas pseudoescópula), ou estarem distribuídas de forma esparsa na região ventral do tarso entre outros tipos de cerdas. As cerdas da pseudoescópula muito assemelham-se às encontradas por Foelix et al. (2010, 2012) em machos de Liphistius sp. e I. pylorus, e, apesar da diferença de disposição, assemelham-se também com as cerdas quimiossensoriais reportadas para areneomorfas (RAMIRÉZ, 2014; BARTH, 1970, 2013 apud PÉREZ-MILES et al., 2017), e, por isso, foram consideradas pelos autores como uma cerda quimiossensorial (PÉREZ- MILES et al., 2017). Além disso, essas cerdas exclusivas dos machos diferem de outras cerdas quimiossensoriais amplamente distribuídas em ambos machos e fêmeas de migalomorfas, que são mais compridas, finas e mais afuniladas (PÉREZ-MILES et al., 2017), ocorrendo na região ventral e dorsal do tarso, entre outras partes do corpo (GUADANUCCI, 2016). A partir disso, é plausível assumir uma função quimiossensorial para as cerdas da pseudoescópula na biologia reprodutiva do grupo, devido à sua morfologia e presença exclusiva nos machos, sendo uma cerda adicional à comumente encontrada em ambos os sexos. No entanto, para que possamos inferir segurança a função de uma cerda, é necessária uma combinação de evidências oriundas de várias fontes diferentes. Assim, o presente trabalho tem como objetivo estudar a forma de reconhecimento entre os indivíduos co-específicos de Ischnothele annulata, tentando avaliar a função da pseudoescópula neste processo por meio de bioensaios comportamentais, além da análise ultraestrutural desta estrutura (por Microscopia 12 Eletrônica de Transmissão e de Varredura). Esta espécie foi escolhida por ser abundante, por dispor de uma grande quantidade de teia, e possuir os tarsos cobertos majoritariamente por cerdas da pseudoescópula (sem possuir as cerdas adesivas da escópula), o que facilitaria a realização dos experimentos, minimizando a possibilidade de interferência por outros tipos de cerdas. 13 Referências BARTH, F. G. Feinstruktur des Spinneninteguments. II. Die raumliche Anordnung der Mikrofasern in der lamellierten Cuticula und ihre Beziehung zur Gestalt der Porenkanale (Cupiennius salei Keys., adult, hautungsfer, Tarsus). Z Zellforsch Mikrosk Anat, 1970. BARTH, F. G. Sinne und Verhalten: aus dem Leben einer Spinne. Springer-Verlag, 2013. BATES, H. W. The naturalist on the river Amazons, 465 pp., illus. Map. University of California Press, Berkeley. 1962. BERTANI, R. 2001. Revision, cladistic analysis, and zoogeography of Vitalius, Nhandu, and Proshapalopus; with notes on other theraphosine genera (Araneae, Theraphosidae). Arquivos de Zoologia, v. 36, n. 3, p. 265-356, 2001. BOND, J. E. HENDRIXSON, B. E., HAMILTON, C. A. & HEDIN, M. A reconsideration of the classification of the spider infraorder Mygalomorphae (Arachnida: Araneae) based on three nuclear genes and morphology. PLoS One, v. 7, n. 6, p. e38753, 2012. CODDINGTON, J. A. Phylogeny and classification of spiders. Spiders of North America: an identification manual. American Arachnological Society, v. 377, p. 18-24, 2005. CODDINGTON, J.A., AGNARSSON, I., HAMILTON, C. A., BOND, J. E. Spiders did not repeatedly gain, but repeatedly lost, foraging webs. PeerJ, v. 7, p. e6703, 2019. COYLE, F. A. A revision of the funnelweb mygalomorph spider subfamily Ischnothelinae (Araneae, Dipluridae). Bulletin of the American museum of natural history; no. 226, 1995. COYLE, F. A. Aerial dispersal by mygalomorph spiderlings (Araneae, Mygalomorphae). Journal of Arachnology, p. 283-286, 1983. COYLE, F. A., KETNER, N. D. Observations on the prey and prey capture behaviour of the funnelweb mygalomorph spider genus Ischnothele (Araneae, Dipluridae). Bulletin of the British Arachnological Society, v. 8, n. 4, p. 97-104, 1990. FISCHER, A. Chemical communication in spiders–a methodological review. The Journal of Arachnology, v. 47, n. 1, p. 1-27, 2019. FOELIX, R. F. Biology of spiders. Oxford University Press, New York. 2011. FOELIX, R. F. Mechano-and chemoreceptive sensilla. In: Neurobiology of arachnids. Springer Berlin Heidelberg, p. 118-137, 1985. FOELIX, R. F.; ERB, B.; MICHALIK, P. Scopulate hairs in male Liphistius spiders: probable contact chemoreceptors. Journal of Arachnology, v. 38, n. 3, p. 599-603, 2010. FOELIX, R. F.; RAST, B.; PEATTIE, A. M. Silk secretion from tarantula feet revisited: alleged spigots are probably chemoreceptors. Journal of Experimental Biology, v. 215, n. 7, p. 1084-1089, 2012. 14 GASKETT, A. C. Spider sex pheromones: emission, reception, structures, and functions. Biological Reviews, v. 82, n. 1, p. 27-48, 2007. GODWIN, R. L., OPATOVA, V., GARRISON, N. L., HAMILTON, C. A., BOND, J. E. Phylogeny of a cosmopolitan family of morphologically conserved trapdoor spiders (Mygalomorphae, Ctenizidae) using Anchored Hybrid Enrichment, with a description of the family, Halonoproctidae Pocock 1901. Molecular phylogenetics and evolution, 126, 303- 313, 2018. GOLOBOFF, P. A. A reanalysis of mygalomorph spider families (Araneae). American Museum novitates; no. 3056. 1993. GRISMADO, C.J., GOLOBOFF, P.A. Mecicobothriidae, Hexathelidae e Dipluridae. In: CLAPS, L. E.; ROIG-JUÑENT, S. A. Biodiversidad de artrópodos argentinos. 1a ed. San Miguel de Tucumán: Universidad Nacional de Tucumán. Facultad de Ciencias Naturales. v. 3, 546p. 2014. GUADANUCCI, J.P.L; JURGILAS, J. P.; INDICATTI, R.P.; MIGLIO, L.T. Evolution of tarsal structures in Mygalomorphae. In: International Congress of Archnology, 20., 2016, Golden. Program & Abstracts. Golden. Denver museum of nature & science reports, 2016. p.100. HEDIN, M., BOND, J. E. Molecular phylogenetics of the spider infraorder Mygalomorphae using nuclear rRNA genes (18S and 28S): conflict and agreement with the current system of classification. Molecular phylogenetics and evolution, v. 41, n. 2, p. 454-471, 2006. HEDIN, M., DERKARABETIAN, S., RAMÍREZ, M. J., VINK, C., BOND, J. E. Phylogenomic reclassification of the world’s most venomous spiders (Mygalomorphae, Atracinae), with implications for venom evolution. Scientific Reports, v. 8, n. 1, p. 1636, 2018. OPATOVA, V., HAMILTON, C. A., HEDIN, M., DE OCA, L. M., KRAL, J., BOND, J. E. Phylogenetic systematics and evolution of the spider infraorder Mygalomorphae using genomic scale data. BioRxiv, 531756, 2019. PÉREZ-MILES, F.; GUADANUCCI, J.P.L.; JURGILAS, J. P.; BECCO, R.; PERAFÁN, C. Morphology and evolution of scopula, pseudoscopula and claw tufts in Mygalomorphae (Araneae). Zoomorphology, v. 136, n. 4, p. 435-459, 2017. PLATNICK, N. I.; GERTSCH, W. J. The suborders of spiders: a cladistic analysis (Arachnida, Araneae). American Museum novitates; no. 2607. 1976. RAMÍREZ, M. J. The morphology and phylogeny of dionychan spiders (Araneae: Araneomorphae). Bulletin of the american Museum of Natural History, v. 2014, n. 390, p. 1-375, 2014. RAVEN, R. J. The spider infraorder Mygalomorphae (Araneae): cladistics and systematics. Bulletin of the American Museum of Natural History; v. 182, article 1, 1985. 15 SELDEN, P. A., SHEAR, W. A., BONAMO, P. M. A spider and other arachnids from the Devonian of New York, and reinterpretations of Devonian Araneae. Palaeontology v. 34, pg. 241–281, 1991. SHEAR, W. A. Untangling the evolution of the web. American Scientist, v. 82, p. 256-256, 1994. TICHY, H.; GINGL, E.; EHN, R.; PAPKE, M.; SHULZ, S. Female sex pheromone of a wandering spider (Cupiennius salei): identification and sensory reception. Journal of Comparative Physiology A, v. 187, n. 1, p. 75-78, 2001. WEYGOLDT, P. Communication in crustaceans and arachnids. How animals communicate. Indiana University Press, Bloomington, p. 303-333, 1977. WHEELER, W. C.; CODDINGTON, J. A.; CROWLEY, L. M.; DIMITROV, D., GOLOBOFF, P. A.; GRISWOLD, C. E.; HORMIGA, G.; PRENDINIA, L.; RAMÍREZ, M. J.; SIERWALDH, P.; ALMEIDA-SILVA, L.; ALVAZER-PADILLA, F.; ARNEDO, M. A.; SILVA, L. R. B.; BENJAMIN, S. P.; BOND, J.E.; GRISMADO, C.J.; HASAND, E.; HEDINN, M.; IZQUIERDO, M. A.; LABARQUE, F. M.; LEDFORD, J.; LOPARDO, L.; MADDISON, W.P.; MILLER, J. A.; PIACENTINI, L. N.; PLATNICK, N. I.; POLOTOW, D.; SILVA-DÁVILA, D.; SCHARFF, N.; SZÜTZ, T.; UBICK, D.; VINK, C.J.; WOOD, H. M.; ZHANG, J. The spider tree of life: phylogeny of Araneae based on target‐gene analyses from an extensive taxon sampling. Cladistics, v. 33, n. 6, p. 574-616, 2017. WORLD SPIDER CATALOG (2019). World Spider Catalog. Versão 20.0. Natural History Museum Bern, online em: http://wsc.nmbe.ch, acessado em 24 de Maio de 2019. doi: 10.24436/2 RESSALVA - texto parcial jurgilas_jp_me_rcla_int.pdf