TESE 2022 RIZIA MENDES MARES Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente – FCT/UNESP DEZEMBRO DE 2022 Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente Programa de Pós-Graduação em Geografia Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais - GAsPERR RIZIA MENDES MARES Prof. Dr. ARTHUR MAGON WHITACKER (Orientador) FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL E PRÁTICAS ESPACIAIS DO HABITAR: Experiências Urbanas e Representações em Cidades Médias da Bahia Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Campus de Presidente Prudente/SP, para a obtenção do título de Doutora em Geografia. Orientador, Prof.: Dr.: Arthur Magon Whitaker. Auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Doutorado (2018/12685-1). Presidente Prudente - SP Dezembro, 2022 APOIO FINANCIAMENTO O presente trabalho teve apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Processo 141702/2018-4. O presente trabalho também teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº (2018/12685-1) (Bolsa Regular –Doutorado). As opiniões, hipóteses e conclusões expressas nesta tese são de responsabilidade da autora e não necessariamente refletem a visão da FAPESP. DEDICO Àquela que veio antes, minha avó materna MARIA DA SILVA MENDES (in memoriam), primeira Doutora que conheci, uma doutora pela vida. À filha de MARIA, mainha, NEIDINA MENDES MARES, dedicou a sua vida para tornar uma filha Doutora. À MARIA FLOR OLIVEIRA MOREIRA BITENCOURT, minha afilhada, a música do futuro. Que o mundo a mereça. Aos PROFESSORES que iluminam o meu caminho, representados por: Selêmias Trindade (3ª série do Ensino Fundamental) – projetou-me para a Universidade. Zenaide Viana (4º ano do Normal Médio) – ensinou-me sobre a função social do(a) Professor(a) e da Educação. Janio Laurentino de Jesus Santos (Graduação em Geografia) – ensinou-me sobre Diferença e Representatividade; do existir enquanto intelectual negro no Brasil. Mostrou-me um mundo possível. AGRADEÇO Dentre vários ensinados que a filosofia Ubuntu nos traz, esta, de termos consciência de que somos o que somos através de outras pessoas, que somos um coletivo, solidário, expressa esses anos de vida na pós-graduação em Presidente Prudente-SP. Situo meus agradecimentos neste espaço-tempo porque é esse o ciclo que estou concluindo. Ciclo iniciado em 2013, no mestrado e, por isso, esses agradecimentos se confundem nessas diferentes temporalidades. Tempos freneticamente vividos nesse espaço árido da pós-graduação. Mas, que rendeu bons frutos. Eu acredito nisso. Agradecimentos de modo ampliado para as pessoas que cruzaram meu caminho e, que bom, caminharam comigo desde os seus lugares, os seus pensamentos, as suas boas vibrações, os seus cuidados. Especialmente as que permaneceram nesses últimos dois anos de pandemia, tão pesados, sofridos, adoecedores. Cada um de nós viveu um luto. Luto de vida (morte). Luto de oportunidades. Mas, que bom, permanecemos junta(o)s. Por isso, agradeço: Aos meus pais, Nêidiná Mendes Mares e Eriosvaldo Mares dos Santos, cada um a seu modo, nutriram-me de afeto, atenção e cuidado. É por vocês tudo que eu faço. Aos meus irmãos, Iago, Yuri e Tahis, estivemos próximos ainda que distantes geograficamente, vocês foram força e apoio constantes. Aos bichinhos, Ozíres (que viveu comigo em Prudente em 2013) e Negueba (falecido na conclusão do Doutorado), cães que animam a existência. Ao meu orientador, o prof. Dr. Arthur Magon Whitacker, tenho certeza que esta tese não seria concluída sem seu apoio. Acredito que os desafios foram mútuos, uma eletricidade reinava a cada reunião, a cada debate, a cada confronto de ideias e posições. É do conflito e dos intermináveis questionamentos que esta tese derivou e existe. Para além da orientação desde o mestrado, agradeço pela parceria, pelas experiências compartilhadas, pelo cuidado, afetos e por respeitar cada escolha que fiz. Aqueles que vestem a minha pele, Guilherme dos Santos Claudino e Diego Elias Santana Duarte, sem vocês tudo seria muito mais difícil. Agradeço pelos sorrisos, pelo apoio, pela escuta, por existirem nesse mesmo espaço-tempo e lutarem comigo por nossa Eu sou porque tu és. Porque nós somos. Eu só posso ser pessoa através de outras pessoas. permanência nesse espaço, por cada um/uma que nos trouxeram até aqui e por aqueles e aquelas que abrirmos caminhos. A Silmara Bitencourt, dizer obrigada por tudo parece ainda pouco diante de tua fundamental presença na minha vida. Desde a graduação estabelecemos uma irmandade que extrapola o geográfico, o geracional, as trajetórias individuais. Nossos caminhos se entrecruzam para além do pensado, planejado. Estendo meus agradecimentos a Washington, prestatividade e um bom humor contagiante e, aos dois, pelo grande presente a mim atribuído, uma afilhada linda, Maria Flor. Não há existência sem a amizade e companhia dessa família. Aos “Bafônicos” Guilherme, Jefferson, Larissa, Marcos, Adriano, amizades que Prudente me deu. Compartilhar a vida com vocês a torna mais suave, engordativa e feliz. Continuamos segurando a mão um do outro. Larissa Coutinho, a raposinha, por me acolher em sua família desde o mestrado, pelo compartilhar da vida, dos risos, das dores, das vitórias. Terminar o Doutorado sem Marlizinha doeu demais, mas tenho certeza que os desejos dela para nós, todos eles serão alcançados. Esta tese também é para ela. Marlizinha, Presente! Rita e Antonella Gregório de Andrade, agradeço pela amizade dedicada, as boas gargalhadas, por mostrarem que há vida fora do Lattes. Aprendi com vocês sobre a insustentável leveza do ser. Agradecida a Mateus Facchin (Extraordinário), Hamilton Romero, presença fundamental. Dos rolês aos áudios “faroeste caboclo”, não tem tempo ruim com vocês. Acolhedores e afetuosos, uns queridos, que tiram fácil um sorriso meu. Foram e são a leveza em meu cotidiano. Pela convivência, cafés, risadas, trocas agradeço muito a Eusébio, Carol Dias, Sueli Vieira, Ester, Ângela, Lidiana, Lisbet, Maryna, Bibiana, Bárbara, Ozileide, Paula, Fernanda, Mariana, Miguel, Fredi, Roberta, Gustavo Henrique, Bruno Barcela, Bruno, Franciele. A sala da pós, o nosso ponto de encontro. Um agradecimento especial às companheiras e companheiros de um projeto muito importante para mim, o Grupo de Trabalho e Estudos sobre Relações Raciais, plantar essa sementinha em nosso Programa e poder trabalhar junto ao querido Eusébio, Karina, Ângela, Gustavo Henrique, Lidiana, Júlia, João Paulo Pimenta, Ana, e tantos outros passantes por esse GT, foi uma satisfação e grande aprendizado estar com vocês. Vida longa ao GTERR. Ao Coletivo Mãos Negras, na figura da Profa. Dra. Ivonete Alves e de Fabiana Alves, e ao grupo de Capoeira da Angola, na figura de Lisie, meus imensos agradecimentos pela acolhida e existência de vocês nessa cidade, nessa Universidade. Ao time de futsal feminino da pós-graduação em Geografia, o Ursal Futebol Club. Ainda nos grupos, um agradecimento aos queridos com quem trabalhei nos periódicos Revista Geografia em Atos: Guilherme, Mateus, Fredi, Larissa, Fátima, Marcelo, Colombo, Gustavo, Karina, Gabriel, Lucas, Gabriela, Lidiana, Silmara, Roberta, Wanderson, Yudi. Também, com os colegas da Revista Caderno Prudentino de Geografia. Aos colegas do Gasperr, representados pelo grupo de orientação Karina, Danielle, Yuri, Gustavo, Rodrigo, Wanderson, Ana Laura, Aline, Alisson, Carol, Renan, Letícia, Tais, Mariana, Natália, que bom poder produzir com vocês, festejar com vocês. Ainda, aos professores do Gasperr, pelos profícuos debates seja em disciplinas e eventos ou mesmo nos cafés entre uma atividade e outra, Márcio Catelan, Eliseu Spósito, Nécio Turra Neto, Carminha Sposito, Everaldo Melazzo, Eda Góes. Estar neste Programa, nesta Instituição, permitiu-me acessar outros espaços e professores, com destacada influência no desenvolvimento da pesquisa. Assim, estendo os agradecimentos ao Prof. Dr. Jan Simon Hutta (Universidade de Bayreuth), pela possibilidade de trabalhar em diversas frentes no Programa; na realização de disciplinas com o prof. Pablo Ciccolella (Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad Nacional del Litoral), Prof. Dr. Andrés Claro (Universidade do Chile), Prof.ª. Drª Amélia Damiani (Universidade de São Paulo), Prof. Dr. Elson Pereira (Universidade Federal de Santa Catarina). Nos trabalhos frente ao Departamento de Geografia da FCT-UNESP, na docência em disciplinas no curso de Graduação em Geografia, na gerência de periódicos, na organização de eventos acadêmicos, agradeço ao Prof. Dr. Mariano Gouveia, Prof. Dr. Ricardo de Paula e Prof.ª Drª Terezinha Serafim. Aos professores que avaliaram essa pesquisa, agradeço pela contribuições no Exame Geral de Qualificação à Prof.ª Drª Eda Maria Góes e ao Prof. Dr. Jan Simon Hutta. Na banca de Defesa da Tese à Prof.ª Drª Eda Maria Góes e Prof.ª Drª Maria Encarnação Beltrão Sposito e aos professores Dr. Janio Laurentino de Jesus Santos e Dr. Jan Simon Hutta. Também direciono agradecimentos para a Assessoria da FAPESP que avaliou e acompanhou essa tese desde o projeto de pesquisa inicial. Seus pareceres sempre objetivos, diretos e motivadores deram vitalidade à pesquisa e à pesquisadora. Um agradecimento aos profissionais técnicos e demais trabalhadores que mantêm em funcionamento a FCT-UNESP, direciono esses agradecimentos em nome de Adriano Oliveira, um querido e companheiro do cotidiano. À presteza e cuidado de Aline Muniz e Tamae Otsuka, trabalho exemplar no funcionalismo público. Profissionais essenciais em nossa rotina universitária. Agradecimento aos que hoje estão espalhados, mas que continuam perto, Patrícia Milani, Patrícia de Jesus, Jean Legroux, Elvis Ramos, Tássio Cunha, Cláudio Smalley, Claiton Ferreira, Lidiane Cristina, Miguel Terassi. Nos trabalhos de campo na Bahia, agradecer por toda ajuda na intermediação de Maria Olímpia, Lincoln Cunha, Cristiane Mascarenhas, Ozileide Matos com os sujeitos entrevistados; ao Prof. Dr. Janio Santos e à Profa.ª Drª Nacelice Freitas da UEFS, pelo apoio nos trabalhos de campo em Feira de Santana; à Prof.ª Drª Cristina Rangel pela atenção em Ilhéus; à Prof.ª Drª Mírian Clea Coelho e Prof.ª Drª Aleselma Pereira da UESB e ao Prof. Dr. Edvaldo Oliveira pelas informações prestadas em Vitória da Conquista e Itabuna e material cartográfico disponibilizado. A Beth Alvim, pelos acompanhamentos em trabalhos de campo em Feira de Santana e pelas informações prestadas. Aos sujeitos que colaboraram com esta tese, cedendo entrevistas, seu tempo, informações, contatos, materiais, nas quatro cidades investigadas. Das amizades que o IFBA me deu e que continua a agregar gente boa desde essa Instituição, agradeço enormemente a amizade de Lincoln, Flaviane, Ivanildo, Eliane, Isabel, Maria Olímpia, Keyla, Jean, Delliana, Aldineto, Ciro. Mais recente a Gilma, José Carlos, Filipe, Rômulo, Reginey, Juliano, Mariane, Caê, Jesebel, Cristiane, Leonardo, Júlio. Aos meus afetos Conquistenses, presença constante nessa trajetória, agradeço a aos amigos Camila, Ivo, Eliane, Iara, Sandra, Layza, Valeria, Wanderleia, Leika, Sheila e à Comunidade Cristo Redentor. Aos familiares, os Mendes e os Mares, e que me acompanham em meus projetos. À família Araújo Campineira, à família Moreira de Belo Campo, meu refúgio, à família Cunha, pela recepção em Irecê. Por fim, agradeço às Instituições de Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Brasil (FAPESP) – Código de Financiamento 2018/12685-1; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo PICC nº 141702/2018-4; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. EPÍGRAFE “[...] A Universidade é, ao mesmo tempo, o lugar onde se vive a continuidade sem deixar de buscar a mudança. Por isso, ainda que seja importante olhar o passado, aqueles que se mostram vivos não podem deixar de mirar o futuro. Não há Universidade sem essa música do futuro, pois, ensinar e pensar o presente é muito pouco.” Milton Santos (2002) A academia não é o paraíso, mas o aprendizado, é um lugar onde o paraíso pode ser criado. A sala de aula com todas suas limitações continua sendo ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade…]” bell Hooks (2013) RESUMO A intensificação na implementação de habitats residenciais fechados em cidades médias da Bahia alterou a estrutura espacial dessas cidades e ressignificou o conteúdo da vida, alterando a experiência urbana com uma densificação do processo de diferenciação socioespacial e das condições de desigualdade social. A partir das práticas espaciais do habitar, analisamos a produção do espaço urbano da Bahia, tendo como dimensões empíricas as cidades médias de Feira de Santana e Vitória da Conquista e a aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna, compreendida também como cidade média. Nossa hipótese principal foi a de que a dimensão do habitar pode ser reveladora de um aprofundamento ou superposição de novos processos de apartação, notadamente, a fragmentação socioespacial, frente aos anteriores de autossegregação e segregação imposta, mais assentados às estruturas espaciais centro-periféricas em contrapartida às estruturas espaciais complexas policêntricas, em combinação às anteriores. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa em Geografia, trabalhando com 39 sujeitos entrevistados com os quais nos aproximamos da dimensão do vivido por meio de procedimento metodológico próprio, denominado Conjunto de Instrumentos Metodológicos Representacionais como um modo de compreender e operar o conceito de representação na análise da vida cotidiana. Concluímos que a análise das práticas espaciais pelas representações indica, de fato, uma lógica fragmentária que se justapõe ou sobrepõe a lógicas e estruturas pretéritas. Palavras-chave: Produção do Espaço; Cotidiano; Representações; Fragmentação socioespacial. MARES, Rizia Mendes. Fragmentação socioespacial e práticas espaciais do viver: Experiências e Representações Urbanas em Cidades Medianas da Bahia. 374f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em Geografia - Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente, 2022. RESUMEM La intensificación en la implantación de hábitats residenciales cerrados en ciudades medias de Bahía alteró la estructura espacial de estas ciudades y resignificó el contenido de la vida, cambiando la experiencia urbana con una densificación del proceso de diferenciación socioespacial y de las condiciones de desigualdad social. A partir de las prácticas espaciales del habitar, analizamos la producción del espacio urbano en Bahía, teniendo como dimensiones empíricas las ciudades medias de Feira de Santana y Vitória da Conquista y la aglomeración urbana Ilhéus-Itabuna, también entendida como ciudad media. Nuestra hipótesis principal fue que la dimensión de la vivienda puede ser reveladora de una profundización o superposición de nuevos procesos de apartamiento, en particular, la fragmentación socioespacial, frente a los anteriores de autosegregación y segregación impuesta, más asentada a las estructuras espaciales centro-periféricas en contraste con las estructuras espaciales complejas policéntricas, en combinación con las anteriores. Se trató de una investigación cualitativa en Geografía, trabajando con 39 sujetos entrevistados con los que abordamos la dimensión de lo vivido a través de un procedimiento metodológico propio, denominado Conjunto de Instrumentos Metodológicos Representacionales como forma de comprender y operar el concepto de representación en el análisis de la vida cotidiana. Concluimos que el análisis de las prácticas espaciales a través de representaciones indica, de hecho, una lógica fragmentaria que se yuxtapone o se superpone a lógicas y estructuras anteriores. Palabras clave: Producción del Espacio; Vida Cotidiana; Representaciones; Fragmentación Socioespacial. MARES, Rizia Mendes. Fragmentación socio-espacial y prácticas espaciales de habitar: Experiencias y Representaciones Urbanas en Ciudades Intermedia de Bahia. 374f. Tesis (Doctorado) - Programa de Posgrado en Geografía - Facultad de Ciencias y Tecnología - Campus de Presidente Prudente, 2022. ABSTRACT The intensification in the implementation of closed residential habitats in medium-sized cities of Bahia has altered the spatial structure of these cities and resigned the content of life, changing the urban experience with a densification of the process of socio-spatial differentiation and the conditions of social inequality. Based on the spatial practices of living, we analyzed the production of urban space in Bahia, having as empirical dimensions the medium-sized cities of Feira de Santana and Vitória da Conquista and the urban agglomeration Ilhéus-Itabuna, also understood as a medium-sized city. Our main hypothesis was that the dimension of dwelling may reveal a deepening or superposition of new apartness processes, notably, the socio-spatial fragmentation, in face of the previous ones of self-segregation and imposed segregation, more settled in the center-peripheral spatial structures in contrast to the polycentric complex spatial structures, in combination with the previous ones. This was a qualitative research in Geography, working with 39 interviewed subjects with whom we approached the dimension of the lived through our own methodological procedure, called Set of Representational Methodological Instruments as a way to understand and operate the concept of representation in the analysis of everyday life. We conclude that the analysis of spatial practices through representations indicates, in fact, a fragmentary logic that juxtaposes or overlaps with previous logics and structures. Keywords: Production of Space; Everyday Life; Representations; Socio-spatial Fragmentation. MARES, Rizia Mendes. Socio-spatial fragmentation and spatial practices of living: Experiences and Urban Representations in intermediate cities in Bahia. 374f. Thesis (Doctorate) - Graduate Program in Geography - Faculty of Science and Technology - Campus of Presidente Prudente, 2022. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Localização dos tipos urbanos pesquisados. BAHIA, 2019............... 28 Figura 2 Teoria da Linguagem. Esquema tridimensional da Casa.................. 61 Figura 3 Teoria da Linguagem. Esquema tridimensional do moderno.................................................................................................... 61 Figura 4 Teoria da Linguagem. Esquema tridimensional................................. 62 Figura 5 CROQUI. Conjunto de Instrumentos Metodológicos Representacionais (CIMR)...................................................................... 105 Figura 6 Conjunto de Instrumentos Metodológicos Representacionais [CIMR] Fundamentação teórico-metodológica................................... 129 Figura 7 Município de Feira de Santana-BA, destaque para a área urbana.... 138 Figura 8 Feira de Santana-BA. Panorâmica da área central, 2021.................... 139 Figura 9 Feira de Santana-BA. Área comercial e de serviços, centro da cidade........................................................................................................ 139 Figura 10 Rede Urbana do Território de Identidade Portal do Sertão, Bahia, 2019............................................................................................................ 142 Figura 11 Feira de Santana – BA - Capital Regional B [2b]................................. 142 Figura 12 Município de Feira de Santana. Composição do valor agregado bruto – 2014............................................................................................... 143 Figura 13 BAHIA - Feira de Santana. Centro de Comércio Popular “Feiraguay”, no centro principal........................................................... 145 Figura 14 Feira de Santana. Centro de Comércio Popular “Feiraguay”, no centro principal........................................................................................ 145 Figura 15 Expansão territorial urbana. Feira de Santana – BA, (1767-2003)..... 149 Figura 16 Expansão territorial urbana. Feira de Santana - BA (2005-2020)...... 150 Figura 17 Localização dos habitats residenciais fechados pesquisados, Feira de Santana – BA, 2019............................................................................. 154 Figura 18 Figura 18. Divisão político administrativa do município de Vitória da Conquista – BA...................................................................... 159 Figura 19 Composição do Valor Agregado Bruto (VAB), BAHIA - Vitória da Conquista - BA (2019).............................................................................. 160 Figura 20 Expansão territorial urbana de Vitória da Conquista-BA (1940- 2018)........................................................................................................... 162 Figura 21 Região de Influência de Vitória da Conquista - BA - Capital Regional B (2B)......................................................................................... 163 Figura 22 Expansão territorial urbana, Vitória da Conquista - BA (2005- 2020)............................................................................................................ 166 Figura 23 Localização dos habitats residenciais fechados pesquisados, Vitória da Conquista - BA (2019)........................................................... 167 Figura 24 BAHIA - Ilhéus. Localização do município de Ilhéus-BA.................. 176 Figura 25 BAHIA - Ilhéus. Composição do Valor Agregado (2014)................... 177 Figura 26 BAHIA - Centro tradicional de Ilhéus................................................... 178 Figura 27 BAHIA – centro comercial de Ilhéus..................................................... 178 Figura 28 BAHIA – Entorno da orla de Ilhéus....................................................... 179 Figura 29 BAHIA - Itabuna. Composição do Valor Bruto Agregado (VBA).... 182 Figura 30 BAHIA- Itabuna. Localização do município de Itabuna.................... 183 Figura 31 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação de hospital e conjuntos habitacionais no eixo Ilhéus-Itabuna................. 186 Figura 32 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação indústrias no eixo Ilhéus-Itabuna............................................................................. 186 Figura 33 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação instituições de ensino públicas (IFBaiano) no eixo Ilhéus-Itabuna... 186 Figura 34 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação instituições de ensino públicas (UESC) no eixo Ilhéus-Itabuna........ 186 Figura 35 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação instituições do denominado sistema S (SENAI) no eixo Ilhéus- Itabuna...................................................................................................... 186 Figura 36 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, implementação habitat residencial fechado no eixo Ilhéus-Itabuna.......................................... 186 Figura 37 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, fluxos no eixo Ilhéus- Itabuna...................................................................................................... 187 Figura 38 BAHIA - Ilhéus. Rodovia Jorge Amado, uso do solo para fins agrícolas no eixo Ilhéus-Itabuna........................................................... 187 Figura 39 BAHIA – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Expansão territorial urbana (2005-2020)................................................................. 188 Figura 40 BAHIA – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Localização dos habitats residenciais fechados pesquisados......................................... 190 Figura 41 BAHIA – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Material de divulgação – Localização do Condomínio Parque Universitário...... 192 Figura 42 BAHIA – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Material de divulgação – Localização do Condomínio Jardim das Hortênsias, Itabuna....................................................................................................... 193 Figura 43 Mapa Síntese da aglomeração Ilhéus-Itabuna, Bahia, 2022...... 246 Figura 44 Mapa Síntese de Feira de Santana, Bahia, 2022.......................... 248 Figura 45 Mapa Síntese de Vitória da Conquista, Bahia, 2022.................. 249 Figura 46 BAHIA – Vitória da Conquista. Shopping Boulevard........................ 268 Figura 47 BAHIA – Vitória da Conquista. Av. Olívia Flores no bairro............. 268 Figura 48 BAHIA – Feira de Santana. Estruturação do setor noroeste, área de expansão recente; Av. Fraga Maia, principal vetor de acesso desde o centro principal, para áreas de intensa implementação de habitats residenciais fechados................................................................ 268 Figura 49 BAHIA – Feira de Santana. Estruturação do setor noroeste, área de expansão recente; Av. Fraga Maia, principal vetor de acesso desde o centro principal, para áreas de intensa implementação de habitats residenciais fechados................................................................ 268 Figura 50 BAHIA – Limite entre Ilhéus e Itabuna/ Ilhéus. Estruturação de vias com a implementação de habitats residenciais fechados e estruturas comerciais com acesso exclusivo para HRF. Trabalho de campo, 2021-2022)............................................................................... 268 Figura 51 BAHIA - Ilhéus. Rede local-regional de supermercado. Entorno do Condomínio Vivendas do Atlântico, bairro Nossa Senhora da Vitoria............................................ 287 Figura 52 BAHIA - Ilhéus. Infraestrutura no entorno do Condomínio Vivendas do Atlântico, bairro Nossa Senhora da Vitoria.................. 287 Figura 53 BAHIA - Ilhéus. Infraestrutura no entorno do Condomínio Vivendas do Atlântico, bairro Nossa Senhora da Vitoria.................. 287 Figura 54 BAHIA - Ilhéus. Estruturas comerciais/consumo no entorno do C5ndomínio Vivendas do Atlântico, bairro Nossa Senhora da Vitoria........................................................................................................... 287 Figura 54 BAHIA - Ilhéus. Expansão de habitats residenciais fechados no entorno do Condomínio Vivendas do Atlântico, bairro Nossa Senhora da Vitoria, distante cerca de 1km da orla sul.......................... 287 Figura 50 BAHIA – Limite entre Ilhéus e Itabuna/ Ilhéus. Estruturação de vias com a implementação de habitats residenciais fechados e estruturas comerciais com acesso exclusivo para HRF. Trabalho de campo, 2021-2022)...................................................................................... 264 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Tridimensionalidades da Teoria da Produção do Espaço em Henri Lefebvre.................................................................................. 63 Quadro 2 Blocos de questões das entrevistas................................................. 95 Quadro 3 Trabalho de campo. Bahia. Sujeitos entrevistados...................... 98 Quadro 4 Síntese das entrevistas com citadinos dos habitats residenciais fechados, Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna-BA. (2019- 2021).................................................................................................... 101 Quadro 4 (continuação) Síntese das entrevistas com citadinos dos habitats residenciais fechados, Feira de Santana-BA. (2019-2021)................................. 102 Quadro 4 (continuação) Síntese das entrevistas com citadinos dos habitats residenciais fechados, Vitória da Conquista-BA (2019-2021)........................... 103 Quadro 5 Roteiro de entrevista a morador. Bloco J – Cotidiano e cidade. 106 Quadro 6 Categorização. Terceiro Ato – Sintaxe dos sujeitos..................... 127 Quadro 7 Caracterização dos habitats residenciais fechados pesquisados. Feira de Santana-BA, 2019....................................... 155 Quadro 8 Caracterização dos habitats residenciais fechados pesquisados, Vitória da Conquista – BA, 2019-2021................... 169 Quadro 9 BAHIA – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Caracterização dos habitats residenciais fechados pesquisados.......................... 195 Quadro 10 BAHIA. Cidades estudadas. Mobilidade residencial.................. 215 Quadro 11 BAHIA - Aglomeração Urbana Ilhéus-Itabuna: caracterização dos sujeitos entrevistados e habitats residenciais fechados....... 219 Quadro 12 BAHIA – Motivação para escolha dos Habitats Residenciais Fechados – Aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna........................ 221 Quadro 13 BAHIA – Feira de Santana: caracterização dos sujeitos entrevistados e habitats residenciais fechados............................. 224 Quadro 14 BAHIA. Motivação para escolha dos Habitats Residenciais Fechados.............................................................................................. 225 Quadro 15 BAHIA – Vitória da Conquista: caracterização dos sujeitos entrevistados e habitats residenciais fechados.............................. 227 Quadro 16 BAHIA. Motivação para escolha dos Habitats Residenciais Fechados.............................................................................................. 228 Quadro 17 BAHIA- Cidades investigadas. O que representa o muro?......... 277 Quadro 18 BAHIA – Metaforização Socioespacial – originalidade............... 294 Quadro 19 BHIA – Metaforização Socioespacial – diversidade..................... 299 Quadro 20 BAHIA – Metaforização Socioespacial – distinção....................... 304 Quadro 21 BAHIA – Metaforização Socioespacial – particularidade............ 312 SUMÁRIO I. APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO...................................................... 21 a. Apresentação da trajetória da pesquisadora e maturação do tema da Tese......................................................................................................... 22 b. Os Tipos Urbanos Pesquisados .............................................................. 28 c. Questões de Pesquisa, Hipóteses e Objetivos....................................... 40 d. Habitar e Habitat como Elementos Estruturadores da Tese............... 43 e. Cidades Médias como Recorte Temático e Espacial............................. 48 f. Descrição dos Capítulos Componentes da Tese................................... 51 1. PROBLEMA DE PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................................................................ 52 1.1 Problema de pesquisa, hipóteses e construção metodológica do objeto................................................................................................... 53 1.1.1 A perspectiva da Produção do Espaço................................ 53 1.1.2 Da partícula ao fragmento.................................................... 65 1.1.3 As representações.................................................................. 69 1.2 Operacionalização da Pesquisa....................................................... 80 1.2.1 Entrevista Semiestruturada................................................. 91 1.2.2 Croqui..................................................................................... 104 1.2.3 Categorização e Palavras-síntese........................................ 108 1.2.4 Metáfora.................................................................................. 113 1.2.5 Outros procedimentos associados: cartografia, pesquisa documental e bibliográfica................................................... 116 1.3 Conjunto de Instrumentos Metodológicos Representacionais (CIMR)................................................................................................ 118 1.3.1 Fundamentação em quatro atos.......................................... 123 1.3.1.1 Primeiro Ato: “escuta dos sujeitos”..................... 124 1.3.1.2 Segundo Ato: “expressão gráfica dos sujeitos”.. 125 1.3.1.3 Terceiro Ato: “Sintaxe dos Sujeitos”.................... 126 1.3.1.4 Quarto Ato: “o pensar dos sujeitos”..................... 128 2. URBANIZAÇÃO, CIDADE E COTIDIANO: FEIRA DE SANTANA, VITÓRIA DA CONQUISTA E A AGLOMERAÇÃO URBANA ILHÉUS-ITABUNA............................................................... 131 2.1 Produção do espaço no contexto de três tipos urbanos: duas cidades médias e uma aglomeração urbana com funções de Cidade Média no estado da Bahia................................................... 132 2.1.1 Os habitats residenciais fechados e as cidades................. 135 2.1.1.1 Situação geográfica e estrutura urbana de Feira de Santana..................................................... 135 2.1.1.2 Situação geográfica e estrutura urbana de Vitória da Conquista.............................................. 156 2.1.1.3 Situação geográfica e estrutura urbana da aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna.................... 170 2.2 Lógica imobiliária na produção do espaço urbano ............................................................................................................. 196 3. PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA BAHIA: ENTRE DIFERENÇAS E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS.............. 209 3.1 Reorganização da estrutura urbana e do habitat: o crescimento de habitats residenciais fechados nas cidades médias pesquisadas na Bahia........................................................................ 210 3.2 Condição espacial e redefinição das práticas espaciais do habitar................................................................................................. 238 4. LÓGICA FRAGMENTÁRIA E PRÁTICAS ESPACIAIS DO HABITAR EM CIDADES DA BAHIA................................................. 259 4.1 Habitats residenciais fechados e a cidade: as formas espaciais e a estrutura espacial............................................................................ 260 4.2 Habitats residenciais fechados, percursos e a experiência urbana................................................................................................. 270 4.3 Habitats residenciais fechados e relações de sociabilidade.......... 282 4.4 Habitats residenciais fechados e cotidiano: transformações nas práticas espaciais e no uso da cidade.............................................. 290 CONCLUSÃO..................................................................................................... 316 REFERÊNCIAS................................................................................................... 325 ANEXOS e APÊNDICES.................................................................................. 342 ANEXO I Termo de Compromisso – CEP........................................ 343 ANEXO II Considerações éticas – Modelos de documentos submetidos à avaliação do CEP e usados no trabalho de campo....................... 344 APÊNDICE I Roteiro de entrevista a moradores de habitats residenciais fechados......................................................... 346 APÊNDICE II Roteiro de entrevista a agente bem-informado (ramo privado – setor imobiliário/Associações /entidades de classe)................................................................................... 349 APÊNDICE III Roteiro de entrevista a agente bem-informado (setor público)................................................................................ 350 ANEXO IV Roteiro de entrevista a moradores entorno dos espaços residenciais fechados........................................... 352 APÊNDICE V Roteiro de entrevista a Encarregados dos condomínios 354 APÊNDICE VI Modelo de organização da entrevista transcrita............ 355 “A precisão, tal como sugere o compasso sobre o papel na elaboração de geometrias e círculos, é um alvo que uma tese de doutorado – durante sua realização – necessita perseguir. Dar ao leitor um círculo fechado e preciso, destituído de desvios e anamorfoses, supostamente é o fundamento primeiro de uma tese. Precisar, por seu turno, nem sempre está no plano do possível, notadamente quando a vida é a medida buscada enquanto objeto diante do papel e da caneta. Entendemos, assim, que, por mais retilíneos que sejam os objetivos de uma investigação, lançados ao vento, eles jamais seguirão uma única rota”. (CLAUDINO, 2019, p. 29). I. APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO 22 I. Apresentação e Introdução a. Apresentação da trajetória da pesquisadora e maturação do tema da Tese Apresentação, geralmente, abre e especifica uma obra, norteando a leitura daquelas e daquelas que, por vários motivos, sentiram necessidade de conhecer a pesquisa. Nesta Apresentação, intento mostrar as direções que tomei, os meandros e veredas que percorri e as trilhas que escolhi, conformando um caminho e um percurso investigativo. Assim, tanto quanto apresentar este trabalho de doutoramento, procuro apresentar-me. Começo a direcionar a sua leitura pela trajetória que me levou ao tema principal, que não surgiu agora, no doutoramento, é, antes, uma construção que tem sido feita desde minha iniciação científica. Essa trajetória está centrada na reflexão sobre o direito à cidade através da análise da produção do espaço urbano, notadamente, a urbanização no estado da Bahia. Portanto, para apresentar-lhes a tese de doutoramento, destaco pontos dessa trajetória de pesquisa que justificam o interesse e aprofundamento que desembocaram no tema atual, expresso no título da tese: “Fragmentação Socioespacial e Práticas Espaciais do Habitar: Experiências Urbanas e Representações em Cidades da Bahia”. Em pesquisa anterior, que desenvolvi no âmbito do Grupo de Pesquisa Urbanização e Produção de Cidades na Bahia, no Curso de Geografia, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Vitória da Conquista, analisei as mudanças no processo de urbanização e seu rebatimento no cotidiano urbano pela constituição de processos de periferização e segregação socioespacial em uma cidade média baiana, com foco na reprodução da vida dos moradores do bairro Cruzeiro, na cidade de Vitória da Conquista/BA, face à expansão territorial urbana associada a constituição de áreas periféricas pobres (MARES, 2011a). A 23 I. Apresentação e Introdução O bairro Cruzeiro é um dos bairros mais tradicionais daquela cidade, componente de uma primeira franja periférica pobre, localizado em área pericentral, abarca uma população, majoritariamente, pobre, segregada, com ausência de meios de consumo coletivo elementares à reprodução de uma vida qualificada, indicando aos seus moradores a negação do direto à cidade (MARES, 2011b). Resulta, assim, de uma lógica de produção que fomenta as desigualdades entre os segmentos sociais, seja internamente ao próprio bairro, uma vez que se foi constituindo uma diferenciação interna, resultando em heterogeneidade, uma segregação dentro da segregação, como do mesmo em relação à cidade. Seus moradores passaram a lidar com graves problemas sociais que afligiam mais duramente a população pobre, estigmatizada e pejorativamente vista como violenta, sob influência do sentimento de insegurança urbana (MARES, 2011a; 2013). Com base nos resultados dessa pesquisa monográfica, o debate desdobrou-se em nosso mestrado, ao considerar a lógica de produção do espaço urbano em uma aproximação com a proposta triádica Lefebvreana de homogeneização-fragmentação-hierarquização, considerando o lazer como elemento integrante da dinâmica espacial, elegendo as práticas espaciais de lazer como plano analítico central. Nessa pesquisa (MARES, 2016), desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unesp, Presidente Prudente, Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR), identifiquei que a produção do lazer na cidade de Vitória da Conquista-BA seguiu uma lógica homogeneizadora na produção e gestão dos espaços direcionados ao lazer, já que estes espaços de lazer se relacionam ao processo de reprodução geral das relações de produção, em que todos os elementos são reconhecidos no plano mundial, inclusive os tempos sociais. Contudo, com a reestruturação econômica ocorrida a partir de 1990 em Vitória da Conquista/BA, as demandas das novas atividades produtivas, que se expressaram no comércio e nos serviços, promoveram a expansão e aparente 24 I. Apresentação e Introdução esfacelamento do tecido urbano, implicando num processo de reestruturação da cidade resultando na formação de novas áreas centrais. Nesse processo, o lazer tanto fortaleceu o poder de abrangência de novos eixos comerciais e de serviços, como também, valeu-se dessas, reforçando as práticas espaciais de consumo do lazer específicas a cada centralidade exercida pelos eixos leste (destaque para Avenida Olívia Flores, bairro Candeias – “o lado de lá”), oeste (destaque para a Avenida Frei Benjamim – “o lado de cá”) e o eixo sul (destaque para a Avenida Juracy Magalhães – com o uso do shopping center), distinguindo as práticas de lazer dos diferentes grupos sociais, distinções concebidas pelos agentes econômicos, normatizadas pela legislação municipal e reforçadas nas representações dos citadinos. Uma das conclusões da pesquisa foi que, apesar da produção do lazer pautar-se em uma lógica homogeneizante, em razão de uma relativa popularização ao acesso e ao consumo do lazer, contraditoriamente, reforçava-se a elitização e as cisões socioespaciais, por se restringir a sociabilidade aos espaços onde a oferta do lazer direcionava-se à busca por exclusividade e status, associadas a grupos de maior poder aquisitivo. Assim, a produção dos espaços de lazer em Vitória da Conquista pautou-se no processo de diferenciação socioespacial que, no período atual, associou-se ao aprofundamento das desigualdades, conduzindo a um uso parcelar dos espaços-tempos de lazer, resultando na elitização e reforço das clivagens socioespaciais, de um cotidiano em fragmentos (MARES, 2016; 2017a). Com os resultados dessas duas pesquisas, uma de iniciação científica e outra de mestrado, outras questões foram despertadas e houve a necessidade de aprofundamento da análise da produção do espaço, da busca de outras lentes e pontos de vista, ainda que a inquietação motivadora fosse a mesma de origem, isto é, refletir sobre o direito à cidade, em uma sociedade baseada nas relações de troca, em que o ato de acessar a cidade, de apropriar-se do espaço urbano, ele mesmo uma mercadoria, esbarra nos limites da propriedade privada e da 25 I. Apresentação e Introdução apropriação seletiva, reforçando conflitos, negações e desigualdades expressas, concretamente, na vida cotidiana (MARES, 2017b; 2018). Portanto, oriundas dos resultados alcançados na dissertação de mestrado (MARES, 2016), outras inquietações persistiram sobre as mudanças ocorridas no âmbito do processo de urbanização, haja vista, a identificação de elementos indicativos da intensificação da diferenciação socioespacial como razão e expressão do adensamento das desigualdades socioespaciais. A identificação desses processos tem como pano de fundo o cotidiano, dos elementos que o compõe e modelam a vida do citadino e, logo, não ficaram restritos apenas às práticas do lazer. A pesquisa qualitativa com a(o)s moradores (MARES, 2011a; 2016) revelou que, antes de tudo, a sua condição espacial influenciava, sobremaneira, em como se apropriar do espaço citadino, sobretudo, em se tratando de espaços de lazer. Assim, a dimensão do habitar ficara latente até aquele momento. Foi refletindo sobre o cotidiano, especificamente, sobre a dimensão do habitar, que o objeto de investigação desta tese se desenhou, em função de um crescente número de conjuntos residenciais fechados e distinções que pude observar, ainda preliminarmente, em práticas espaciais de sujeitos neles residentes durante a pesquisa de mestrado. Esses conjuntos de habitação fechados, “conhecidos, segundo os autores e os contextos locais como condomínios fechados, condomínios exclusivos, enclaves fortificados, barrios cerrados, barrios privados etc.” (CHETRY, 2014, p. 63), muito presentes em metrópoles latino-americanas, já vêm sendo objeto de investigação em cidades médias brasileiras (DAL POZZO, 2008; 2015; SPOSITO; GOES, 2013; MILANI, 2016). Esse tipo de padrão e modelo de moradia, com nuances próprias e outras gerais ao Brasil, fez-se presente em cidades da Bahia em tamanha intensidade que nos motivou a investigar a natureza desse fenômeno, partindo da implementação de empreendimentos imobiliários murados com função 26 I. Apresentação e Introdução residencial executados nas cidades médias de Feira de Santana, Vitória da Conquista e na aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna, as quais serão apresentadas em tópico específico. Esse tipo residencial foi precedido e acompanhado de maciça propaganda que intensificou e difundiu o hábito e o desejo em residir em ambientes urbanos murados e vigiados, estandardizados como lócus da tranquilidade, segurança, lazer e distinção social. Essa nova produção habitacional erigiu novas formas espaciais, reorganizou funções e vem alterando a estrutura urbana das cidades pesquisadas nesta tese. Acompanhado a esse processo, houve transformações também nos significados do habitar pelo incremento maciço de habitats. Os habitats residências fechados possuem formas e representações próprias nas cidades estudadas, o que nos levou a avaliar o fenômeno numa relação entre o geral e o particular. Essa possibilidade de estabelecer uma continuidade entre meu mestrado e meu doutoramento liga-se, portanto, à reflexão feita desde a dissertação até a tese. Por exemplo, a reorganização das funções urbanas já vinha sendo investigada e notada (MARES, 2017) ao concluir que a produção da cidade contemporânea, naquele caso estudado, revelou uma conformação territorial em processo de complexificação, descontínua, organizada social e espacialmente com a presença de enclaves; a vida urbana se mostrou, desde aquela pesquisa e sujeitos, priorizando o cotidiano programado que tende a homogeneização, mas que se esfacela em um conjunto de fragmentos hierarquizados sob domínio da lógica do capital. Com base na análise das práticas espaciais do lazer, que foi nosso foco naquela pesquisa, pudemos compreender que a estrutura urbana produzida sob a lógica da homogeneidade revelou contradições de um espaço que é produzido por e a partir das diferenças que se erigem como negatividade (distinto do que trataremos neste trabalho mais adiante). Dessas práticas, pudemos compreender 27 I. Apresentação e Introdução como se foram atribuindo conotações e valorações distintas aos espaços de lazer, de modo mais estrito, e ao uso do espaço citadino, de modo ampliado. Tratou-se de uma produção contraditória, pois, ao passo que indicava uma possível democratização dos usos e acessos aos espaços de lazer na cidade, mostrou-se, na verdade, um processo de hierarquização espacial e, sobretudo, social, desqualificando práticas espaciais que se convertessem em sociabilidade e impedindo a centralidade Lefebvreana, quer seja, a efetiva participação na vida urbana (MARES, 2017). Essa percepção, ainda em meu mestrado, auxiliou-me na preocupação com a avaliação das representações sobre a vida urbana, um dos focos de meu doutoramento, que naquele momento indicou que a relação com os espaços públicos dos sujeitos era tensionada pelas transformações recentes no modo de produzir e se apropriar da cidade, tanto quanto eram essas decorrentes daquelas (MARES; WHITACKER, 2018). Em decorrência, e de modo mais enfático, o estranhamento, se engendra às possíveis relações de sociabilidade e afasta o diferente (MARES, 2018). Portanto, as representações atribuídas ao lazer apreendidas junto aos sujeitos pesquisados em meu mestrado expressaram elitização espacial e social e reforço às cisões sociais, por produzirem um perfil de consumidor que acessa aos espaços produzidos pela iniciativa privada e lhes atribui status de exclusividade, sofisticação e hierarquia caracterização uma cidade em fragmentos. Isso me deu importantes pistas na formulação do problema de pesquisa deste trabalho de doutoramento, quando começamos a desenhar a hipótese de que isso, mutatis mutandis, poderia ocorrer na produção e consumo dos espaços de habitação. Também, da relação espaço-tempo, em Mares e Whitacker (2018), vimos uma dissolução dos referenciais de uma prática ativa reveladora da criatividade e do lúdico como resultado da transformação da cidade para atender à reprodução e circulação capitalista. Os espaços-tempos de lazer se submetem à padronização imposta por essa lógica e passam a constituir os “quadros de 28 I. Apresentação e Introdução referência da ação e delimitam, impedem, permitem o uso” (CARLOS, 2001, p. 47). O cotidiano citadino passa a expressar os condicionantes de um processo maior que subordina os espaços-tempos da vida urbana a um produto a ser consumido e o consumo, em si, em um modo de lazer (SANTOS, N. 1999). Essa relação me indicou, na análise futura das práticas do habitar, foco de meu trabalho doutoral, que os espaços residenciais poderiam passar por processo semelhante de subordinação e valoração. b. Os Tipos Urbanos Pesquisados Feita a justificativa pelo enfoque empírico e espacial, seguimos com a apresentação preliminar dos tipos urbanos pesquisados. A análise se deu, especificamente, sobre os seguintes tipos urbanos do Estado da Bahia, região Nordeste do Brasil: as cidades médias Feira de Santana e Vitória da Conquista e a aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna (Figura 1), que será ora vista como um único objeto, ora como duas cidades, conforme o processo de investigação se desenvolveu. Nessas, identificamos funções de intermediação na dinâmica da rede urbana, constituindo-se como centros regionais, com importante posição geográfica e abrangência de ação e níveis de especialização em termos de comércio, serviços e atividades produtivas. Complementarmente, esses espaços articulam-se de modo relativamente independente de outros centros de decisões. Assim, possuem diversidade e, ao mesmo tempo, unicidade, conformando tipos urbanos com dessemelhanças e similitudes. A escolha de uma aglomeração urbana junto aos dois outros centros urbanos vem trazendo elementos empíricos importantes à análise de tipos urbanos brasileiros e apresentado novos desafios à análise das cidades médias. 29 I. Apresentação e Introdução Figura 1. Localização dos tipos urbanos pesquisados. BAHIA, 2019. Fonte: Trabalho de campo (2019). 30 I. Apresentação e Introdução Temos considerado a tipologia apregoada pelo IBGE (2017) de Regiões Geográficas Intermediárias quando analisamos os tipos urbanos selecionados na rede urbana da Bahia: Feira de Santana, Vitória da Conquista, Ilhéus-Itabuna. Soma-se ao estudo da hierarquia de cidades as informações da REGIC (2018) quando da caracterização e análise das relações estabelecidas nessa rede. Ainda que haja distinção entre as duas publicações oficiais listadas, de origem metodológica, as práticas espaciais dos citadinos de Ilhéus e Itabuna perfilam a coexistência cotidiana em ambos os núcleos urbanos. Para Silva e Fonseca (2007), o extenso território da Bahia resulta de um processo historicamente desigual, expressando-se de modo pouco articulado. Afirma que a organização das cidades carrega a mesma condição no que tange à sua disposição naquele subespaço, além de graus distintos de interação espacial, conformando uma estrutura urbano-regional bastante hierarquizada, apontando um perfil sobre a rede de cidades na Bahia segundo uma estrutura composta por: Universo dos 417 municípios baianos, 28 centros urbanos que concentram, aproximadamente, 80% dos fluxos sociais e econômicos, mais de 50% da população baiana, 100% das matrículas dos cursos superiores, 84% dos médicos e 70% dos rádios licenciados da Bahia. Desses 28 centros, 17 com níveis hierárquicos que variam de metrópole à cidade especial estão localizados entre a BR 166 e o litoral; 08 encontram-se no “miolo” territorial da Bahia, dentro do semiárido sendo que seis deles são considerados cidades comerciais de abrangência local e três, de porte intermediário, estão nas fronteiras do Estado. (SILVA; FONSECA, 2007, p.3). Mesmo reconhecendo a tendência de ocupação que privilegiou inicialmente o litoral, como estratégia locacional, cabe considerar, também, outros elementos para compreensão da dinâmica territorial na Bahia: a) as localizações estratégicas, por exemplo, ao longo de rodovias; b) as cidades que, atualmente, apresentem forte dinamismo comercial e de serviços, mas com abrangência local/regional; c) espaços urbanos que apresentem graves problemas de infraestrutura e acessibilidade; d) cidades de forte centralidade, consideradas 31 I. Apresentação e Introdução estratégicas na gestão e ordenamento do território por sua abrangência regional; e) cidades com foco no turismo, objetivando abrangência territorial ampla do Estado e pelas quais se possa averiguar relações estabelecidas em/na rede. Tomando-se estes elementos provocadores, selecionamos as cidades destacadas na Figura 1, as cidades médias Feira de Santana, Vitória da Conquista e a aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna, e algumas características para introduzir o debate, as quais lidaremos enquanto cidades médias brasileiras, pois, concordamos com Silva e Sposito (2017, p.24), que destacam o seu papel no processo de urbanização do Brasil por conterem condições favoráveis aos padrões do regime de acumulação que busca uma maior flexibilização em seus processos econômico-territoriais, sendo um elemento fundamental nas “intermediações de processos de expansão e do consumo moderno, notadamente organizado em redes e por grandes companhias de capitais nacionais e internacionais.” No tangente às características comuns, verifica-se um acelerado processo de expansão do tecido urbano nas últimas duas décadas, fortemente influenciado pela especulação imobiliária, condição propiciada por um tipo de relação de poder político e econômico, em que pese uma inversão de papéis na produção da cidade, isto é, a diminuição das ações do Estado em favor da crescente intervenção do mercado imobiliário que passa a controlar e planejar o cotidiano urbano. Para o caso da aglomeração Ilhéus-Itabuna, metodologicamente, abordaremos, ora seu conjunto, ora, cada cidade particularmente, porém, objetivando sempre caracterizar o tipo urbano, já que concordamos com Santos, M. (1957, p. 64) ao afirmar que Ilhéus e Itabuna “podem, sem exagero, serem consideradas um único organismo urbano, uma vez que funcionalmente se completam”. O município de Itabuna, distante cerca de 426 quilômetros da capital do estado, Salvador, com população de 2013.685 habitantes, de acordo com a 32 I. Apresentação e Introdução estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2019) e Produto Interno Bruto per capita (PIB) em torno de R$19.184,77 (IBGE,2017), destaca-se como centro regional B (REGIC, 2018), com destaque para o comércio, serviços e indústria. Por esse documento, a cidade de Itabuna exerce centralidade, por exemplo, atraindo deslocamentos para os serviços de saúde de média e alta complexidade, para cursar ensino superior, considerando deslocamento pendulares e, para compras de móveis e eletrodomésticos (REGIC, 2018). O município de Ilhéus, a 446 quilômetros da capital do estado, Salvador, com população de 159.923 habitantes (IBGE,2019), com PIB per capita R$25.829,06 (IBGE,2017), teve sua economia historicamente pautada na monocultura do cacau. Atualmente, volta-se a assistência especializada em cacau, segundo o IBGE (REGIC, 2018) constituindo-se como um centro de ligação entre produtores do sul baiano e municípios vizinhos, como também, com outros estados onde cultiva-se o cacau. Essa característica atribuída a Ilhéus justifica-se pela soma de conhecimento técnico adquirido historicamente através da produção de cacau e dos investimentos em centros de pesquisa para esse fim, os quais tornaram-se referência para além dos limites do município e região cacaueira do sul da Bahia. Acrescenta-se que na cidade de Ilhéus tem sido desenvolvida atividade turística conformando-a como centro funcional geográfico do turismo regional (TRINDADE, 2011). De acordo com esse mesmo autor, a cidade de Ilhéus é o principal ponto regional de entrada e saída de pessoas, informações, mercadorias, por meio dos transportes marítimo e terrestre, destacando-se o direcionamento turístico em aeroportos privados, como em Comandatuba, do aeroporto em Ilhéus, que atende também Itacaré, e do porto em Ilhéus abarcando a exportação, sobretudo, de soja oriunda da região oeste da Bahia. Até a década de 1990, houve um predomínio da cultura cacaueira, sobretudo, com o cultivo da matéria-prima e com a instalação de indústrias para 33 I. Apresentação e Introdução beneficiamento e transformação do cacau, contudo, com a crise do cacau, a atividade turística foi construída como nova fonte de lucros, recebendo infraestrutura que possibilitasse o desenvolvimento dessa atividade. Contudo, a partir de 1990, há um direcionamento maior ao turismo e demais processos que envolvem a produção da cidade para esse fim, abrangendo, além de Ilhéus, as cidades de Itacaré, Comandatuba e Canavieiras (TRINDADE, 2011). A relação entre as cidades de Ilhéus e Itabuna até a década de 1990 baseava-se na monocultura do cacau, sendo Ilhéus lócus dos fixos industriais do beneficiamento e transformação do cacau, enquanto Itabuna detinha as instalações de indústrias multinacionais, como a Nestlé, para a fabricação de leite em pó e derivados, conforme descreve Trindade (2011). Para tanto, durante no decorrer do século XX, sobretudo, décadas de 19980 a 1990, foi possibilitado um conjunto de infraestruturas para desenvolvimento da economia cacaueira ligada a instalação de portos, estradas de ferro, fazendas, armazéns e casas exportadoras (TRINDADE, 2011). Com a mudança de atividade produtiva, a cidade de Ilhéus, abrindo-se ao turismo, e Itabuna, ao comércio e prestação de serviços, houve uma densificação de fluxos na aglomeração e novas articulações escalares na rede urbana. Trindade (2011) afirma que a relação de complementariedade se adensou com a instalação da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), localizada entre ambas as cidades, no quilômetro 16 da BR 415. Especificamente, esse mesmo autor pontua que para a cidade de Itabuna direcionaram-se os serviços de saúde, constituindo-se como um polo regional e responsável por muitas interações espaciais na rede, nesse ponto, sobressaindo-se em relação a Ilhéus. Para lidar com o tipo urbano Ilhéus-Itabuna, temos nos reportado à produções acadêmicas e científicas, discriminadas no decorrer do texto, que se debruçaram sobre o estudo das relações internas estabelecidas nesse arranjo e pudemos avaliar relações de complementariedade entre os dois núcleos urbanos componentes da aglomeração. Já do ponto de vista das ligações externas, temos 34 I. Apresentação e Introdução como suporte estudos oficiais, sobretudo, do IBGE, para a leitura da rede urbana. Nesses, ora há hierarquia dentre eles, ora se vislumbra o comportamento de ambos como um único centro urbano da rede. Em relação aos documentos de referência do IBGE, um deles é a versão atualizada da pesquisa Região de Influência das Cidades (REGIC, 2018). Outro documento do IBGE é uma nova proposta de regionalização, a Divisão Regional do Brasil em Regiões Geográficas Imediatas e Regiões Geográficas Intermediárias, do ano de 2017, que se apoia, dentre outros, na própria REGIC (2008), objetivamente, tem a rede urbana como principal referência. Justificamos o apoio nessas referências para embasar nossa caracterização e justificativa de trabalho com o tipo urbano selecionado (a aglomeração Ilhéus-Itabuna). No caso da aglomeração Ilhéus-Itabuna, apesar dessa relação entre ligações externas, do ponto de vista da rede urbana da Bahia, foram as ligações internas à própria aglomeração as mais constantes, com foco maior nos fluxos internos pela nossa opção em lidar com as práticas espaciais dos sujeitos entrevistados, residentes na cidade de Ilhéus e na cidade de Itabuna, que se realizam não apenas em suas cidades de residência, mas também, na aglomeração. Nesse sentido, apesar das diferenças no plano hierárquico da organização da rede urbana, Itabuna e Ilhéus podem ser vistas enquanto um conjunto urbano, a aglomeração urbana Ilhéus-Itabuna. Portanto, embora se possa avaliar a centralidade de cada uma delas desde a REGIC, por exemplo, é a complementaridade de funções e ações e, como já escrito, as práticas espaciais dos citadinos que nos indicam que, de fato, tem- se uma articulação dada na rede urbana desde a e na aglomeração, com papeis complementares e não concorrentes da escala local à regional e na escala local, da aglomeração. Outro centro urbano avaliado é Feira de Santana. O município de Feira de Santana, distante 108 quilômetros da capital do estado, Salvador, é o segundo município do estado em tamanho populacional, com 619.609 habitantes 35 I. Apresentação e Introdução (IBGE,2019), PIB per capita de R$ 24.074,06 (IBGE, 2017) e economia voltada, sobretudo, ao comércio. Em pesquisa realizada sobre as cem melhores cidades do país para se investir em imóveis, Feira de Santana foi o destaque do estado da Bahia, escolhida por fatores como elevada renda per capita, alto grau de instrução e vínculo empregatício, quantitativo relevante de empresas atuando na cidade e elevado déficit imobiliário. Apesar de ser um estudo para fins estritamente mercadológicos, julgamos ser relevante debatermos sobre esses fatores ao longo da tese, sobretudo, pela observação em campo da intensificação de projetos imobiliários que estão sendo construídos nessa cidade. O que incorpora elementos para analisarmos a relação entre os agentes envolvidos na produção do espaço urbano. Haja vista, ao observar a atuação da iniciativa privada na produção dessa cidade, serem fatores que aumentam o poder do capital monopolista na escala intraurbana, chamando a atenção para as ações estatais enquanto peça fundamental na economia ou antes, nas palavras de Dardot e Laval (2016), de ser um fiador legitimando sua produção e guardando o direito privado. No que se refere a abrangência das funções urbanas, da forte centralidade na rede urbana da Bahia, dos papéis e estrutura que a caracteriza, somados aos padrões demográficos, categorizamos Feira de Santana como uma cidade média, o tipo urbano eleito em nossa análise, como já embasado em outros estudos, à despeito da pouca distância absoluta com a capital do Estado. Uma singularidade desse centro urbano é que, por um projeto de lei, foi criada a Região Metropolitana de Feira de Santana, a Lei Complementar nº35 de 6 de julho de 2011, tendo Feira de Santana como sede da RMFS e população residente estimada de 910.974 habitantes (IBGE, 2017). Apesar desse projeto de lei instituir a Região Metropolitana de Feira de Santana, concordamos com Araújo (2016) de que tal categorização atende prioritariamente interesses políticos. Para essa autora, apesar da importante 36 I. Apresentação e Introdução centralidade na rede urbana da Bahia, Feira de Santana não tem características de uma metrópole, mas a de uma cidade média, ou seja, do ponto de vista legal, é sede de uma região metropolitana, mas não tem papel de metrópole. É um centro urbano não metropolitano, pois, apesar da legislação instituir uma região metropolitana, essa não altera a hierarquia da rede urbana da Bahia. Como último recorte empírico, a cidade de Vitoria da Conquista, terceiro município do estado em população, com 341.128 habitantes (IBGE,2019), encontra-se a 509 quilômetros da capital, Salvador, e possui um PIB per capita de R$ 20.761,05 (IBGE,2017), com destaque para as atividades comerciais e de prestação de serviços em sua economia. Assim como a cidade de Feira de Santana, partimos do entendimento de que Vitória da Conquista se configura como cidade média, argumento consolidado em pesquisas em que fora destacado, entre outros temas, o processo de reestruturação e expansão da cidade (FERRAZ, 2001), da constituição de processos de periferização e segregação socioespacial em uma cidade média (MARES, 2011a), de um maior aprofundamento nos processos socioespaciais no estabelecimento de processos de homogeneização, fragmentação e hierarquização em cidade média (MARES, 2016). Além de pesquisas que vêm se desenvolvendo sobre as relações de intermediação e articulação entre cidades de maior ou menor escala na rede urbana baiana, levando em conta sua complexidade funcional e papéis de intermediação, como exemplo, a proposta de constituição de uma região metropolitana. (SILVA, 2016; SANTOS, J., 2014). As diversas faces de ocorrência da urbanização têm motivado uma produção distinta do espaço, assim como um padrão de organização mais complexo, o que, para Trindade Jr (2011), tem tensionado não apenas as formas da cidade, mas também seu conteúdo, admitindo um processo de diferenciação na produção espacial. 37 I. Apresentação e Introdução Esse caráter diferenciado e desigual de produção do espaço possibilita- nos o reconhecimento de formas espaciais diversas e, sobretudo, dos processos verificados na dinâmica das cidades, especialmente as médias aqui destacadas, tanto no plano regional como, também, de sua importância no contexto nacional. Os processos e formas espaciais resultam de mudanças que ocorrem na atualidade articuladas ao tempo pretérito de constituição destas e se diferem em cada contexto específico, refletindo as desigualdades sociais nesse espaço. Para Vasconcelos (2013), as formas são modificadas mediante a ocorrência de alguns fatores, como mudanças na economia, a globalização, neoliberalismo, migrações (nacionais/internacionais) e atuação dos movimentos sociais, os quais criam, constantemente, novas desigualdades. Ainda que seja feito um debate sobre o direito à diferença, como exporemos em outra seção desta tese, partimos do pressuposto de que não há espaços homogêneos, ainda que haja coexistência de lógicas e dinâmicas que impõem ou interpõem a homogeneidade ou a homogeneização, condição e processo, num movimento constante e contraditório, principalmente, na escala das cidades, e que as diferenças sociais e espaciais são imprescindíveis ao capitalismo, ainda que se intente a imposição da hegemonia. Tais diferenças são, simultaneamente, produto, meio e condição para o funcionamento e reprodução do sistema capitalista (CORRÊA, 2007). Para esse autor, na escala da rede urbana e do espaço intraurbano expressa, cartograficamente entre distintas escalas (pequenas/grandes), a diferenciação socioespacial pode ser verificada numa escala cartográfica intermediária, relacionada à urbanização e a seu desenvolvimento espacial, resultando em extensas e complexas formas e interações espaciais (CORRÊA, 2007). As políticas modernizadoras implementadas no território brasileiro, longe de criar um equilíbrio e integração entre os centros urbanos, motivou um aprofundamento da diferenciação socioespacial e as desigualdades sociais entre os municípios, como no caso do Estado da Bahia. Segundo Silva e Fonseca (2007), 38 I. Apresentação e Introdução a rede de centros urbanos da Bahia é, historicamente, desigual, frágil e pouco integrada. Tais políticas foram implementadas na Bahia a partir de 1950, contudo, sua efetividade começou a ser verificada a partir de 1959, com o Plano de Desenvolvimento da Bahia (PLANDEB), através da Comissão de Planejamento Econômico (CPE). As ações, ainda no plano regional, foram integradas às de nível federal, dando condições para iniciar o processo de modernização pela indústria, via Superintendência para Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), implementação do Centro Industrial de Aratu (CIA) (1966) e o de Subaé – CIS (1970), do Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) (1973). Tais ações alteraram o perfil regional, até então baseado em uma economia agrário- exportadora, passando a desenvolver uma economia urbano-industrial (SILVA; FONSECA, 2007). Essas ações aprofundaram as desigualdades regional e local. Houve concentração de infraestrutura, indústrias, recursos, fluxos, relações etc. no entorno da Região Metropolitana de Salvador, diferentemente do que se via no interior do Estado, com certo grau de desintegração, com um suporte mais tradicional (SILVA; FONSECA, 2007). O modo desigual em que as ações políticas foram pensadas e efetivas na realidade baiana promoveu uma clara diferenciação entre suas regiões com rebatimentos, inclusive, no cotidiano urbano, em razão da distribuição desigual dos meios de consumo coletivo. Modificações foram produzidas no Estado da Bahia a partir de 1990, pautando-se na mesma política modernizadora do território, agora com peso nas ações de ajuste fiscal, programas de concessão de inventivos fiscais a setores como: calçadista, informacional, automotivo, celulose e papel, o que além de promover uma diversificação econômica, tinha como objetivo a desconcentração espacial da indústria nas áreas interioranas. Isso favoreceu o crescimento das cidades médias, contudo, a questão das desigualdades regionais permaneceu latente (SILVA; FONSECA, 2007). Segundo os autores: 39 I. Apresentação e Introdução Quando isso não ocorre, por razões históricas, geográficas, econômicas, sociais, políticas e institucionais específicas, há uma clara tendência para o crescimento da macrocefalia urbana, com uma enorme metrópole, com um pequeno número de cidades médias e com a presença de um grande número de pequenos centros urbanos, economicamente frágeis e socialmente limitados quanto ao acesso a bens e serviços o que contribui negativamente na constituição dos indicadores de desenvolvimento humano e social. Neste caso, os indicadores de eficiência que podem ser apontados na metrópole serão superados pelos de iniquidade social, expressa pela falta de acessibilidade aos bens urbanos e serviços, muitos deles básicos, por grande parte da população. E também, os indicadores de eficiência poder ser afetados pela inexistência de uma forte integração entre a metrópole e toda a sua região, o que contribui para a não constituição de uma dinâmica econômica regional, pouco competitiva, portanto, no contexto nacional e global. Também esta situação leva a um intenso processo migratório das regiões desprovidas do interior para a metrópole, agravando o quadro social na região central. (SILVA; FONSECA, 2007, p.3). Essa realidade despertou-nos para a compreensão de como se articulam, ou não, as cidades baianas, conformando uma rede urbana, complexa, desigual e hierárquico-funcional, articulada às políticas modernizadoras implementadas no território, atuam no crescimento regional/local e a acessibilidade da população aos bens urbanos. Conforme expuseram Silva e Fonseca (2007), a rede urbana precisa ser equilibrada e estruturada para que haja uma eficiente economia espacial e uma coerente distribuição dos indicadores de equidade socioespacial sobre o espaço geográfico, considerando, inclusive, a presença numericamente efetiva de cidades médias. Para Corrêa (2017), a base de inserção das cidades, seja ela pequena, média, grande ou metrópoles, em uma rede urbana diz respeito às suas funções, reflexo da divisão territorial do trabalho nas escalas regional, nacional e global. Com a intensificação da urbanização, a expansão territorial urbana e os novos conteúdos das interações espaciais as cidades médias vivenciam uma dinamização intensa e que tem refletido na forma destas cidades. 40 I. Apresentação e Introdução Pela análise das formas e processos instituídos nesse recorte analítico, é importante desvelar os conteúdos da produção do espaço, da densidade da rede urbana, e compreender as especificidades territoriais, da diferenciação na produção das cidades, e na possibilidade de repensar o sistema urbano. Assim, nesta tese, os tipos urbanos escolhidos são, de modo latente, uma intenção de compreender a dimensão da rede urbana, ainda que não seja esse nosso foco central. Mas, mais do que isso, interessa-nos a possibilidade da comparação dentre tal tipologia. Para Brandão (2012), no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, a comparação contribui de modo preponderante na compreensão das relações erigidas sob tal lógica que se expressam nos diferentes espaços produzidos pelo capital, dos agentes hegemônicos de produção, assim como, de modo enfático em nossa tese, análise da reprodução da vida nesses lugares da acumulação desde a dimensão do habitar. c. Questões de Pesquisa, Hipóteses e Objetivos Essa trajetória, sempre em construção, e, em especial, as reflexões advindas de meu mestrado, neste mesmo Programa de Pós-Graduação, levaram- me à formulação de uma questão central, ao analisar a produção do espaço urbano nos tipos urbanos selecionados no estado da Bahia, quer seja, como a crescente busca por moradias em habitats residenciais fechados pode acentuar os conflitos de interesse resultantes e incidentes do par diferenciação socioespacial e desigualdade social relacionados às lógicas de distribuição, localização e qualidade das habitações, com rebatimentos nas relações de sociabilidade, justamente, por conduzirem a uma clivagem socioespacial mais intensa. Trata-se, portanto, de se pensar como reconfigurações socioeconômicas, políticas e culturais, operadas via processos mais gerais da globalização, refletidas nas diversas escalas, implicam e decorrem em uma divisão social do espaço, produzindo e reproduzindo separações inscritas, objetivamente, nas 41 I. Apresentação e Introdução formas espaciais e na estrutura urbana, como também, nas relações entre os citadinos, indicando um processo de apartação em suas frentes espacial e social. Da questão central, desdobram-se questões corolárias, nos tipos urbanos selecionados, Feira de Santana, Vitória da Conquista e Ilhéus-Itabuna: • Em se tratando dos tipos urbanos baianos selecionados, quais as estratégias de localização que incidem sobre os novos produtos imobiliários de uso residencial fechado, a partir de meados de 1990, período em que notamos seu surgimento, com atuação mais expressiva a partir dos anos 2000? • Frente aos novos habitats residenciais fechados, que caracterizam um padrão de moradia atual a segmentos intermediários e altos de renda nos centros urbanos pesquisados, e entendendo que as práticas espaciais podem expressar a atomização das relações de sociabilidade, quais são os espaços identificados como de uso exclusivo ou concebidos como de uso distintivo para os grupos sociais investigados? • Considerando a ampliação da capacidade de consumo e a relativa facilitação na aquisição de moradias em ambientes murados via, por exemplo, o endividamento dos segmentos intermediários de renda, quais as motivações das escolhas por esse tipo de moradia? • Considerando o pressuposto de que a implantação de habitats residenciais fechados tende a alterar ou a se justapor às estruturas urbanas pretéritas, como se dá a produção dos novos lugares de moradia nas cidades selecionadas? • Considerando a implementação de habitats residenciais fechados e a reorganização da estrutura urbana e das lógicas do habitar, o que se associa a transformações no cotidiano urbano experienciado, pode-se interpretar a ocorrência do processo de fragmentação socioespacial? • O que há, considerando-se as questões acima, de particular às cidades médias baianas selecionadas e como esse particular se relaciona a um quadro mais geral da urbanização contemporânea brasileira? 42 I. Apresentação e Introdução Esse conjunto de questões associa-se ao entendimento de que as práticas espaciais e as lógicas de localização habitacional dos citadinos que apresentam perfil socioeconômico que os insere em segmentos de renda intermediária a alta, tendencialmente, estão reforçando processos de concentração espacial em áreas periféricas sem, com isso, afastarem esses grupos e seus espaços de habitação da proximidade absoluta ou relativa a equipamentos, serviços e comércios outrora geralmente próprios aos centros principais das cidades estudadas. Desse modo, as áreas de concentração espacial desse perfil de população têm sido equipadas com atividades, equipamentos e estabelecimentos que, em condição crescente, têm abarcado necessidades de consumo de bens e serviços, das mais imediatas, às mais complexas. Nesse contexto, portanto, há de céleres e intensas transformações dos modos de habitar, de uma dada reorganização da estrutura urbana e do habitat e podem conduzir a avaliação de processos relacionados de apartação pelo morar e pelo consumir. O conjunto de questões e entendimentos sumariamente exposto acima implica na necessidade de se buscar modos de interpretá-los nos tipos urbanos selecionados, as cidades médias Feira de Santana e Vitória da Conquista e a aglomeração urbana, Ilhéus-Itabuna, a qual avalio pela função e papel desempenhados como também uma cidade média. A hipótese principal debatida neste trabalho de doutoramento é de que essas transformações no período histórico recente não são mais passíveis de serem identificadas nos marcos de processos já balizados, como o de segregação socioespacial, mas, sim, por meio do processo que o engloba e vai além, como o de fragmentação socioespacial. A tese é de que o conceito de fragmentação socioespacial retrata e explica o quadro de transformações do urbano nessa fase de urbanização planetária no contexto do capitalismo atual. A dimensão desse processo se confirma por mostrar suas nuances tanto em espaços metropolitanos, quanto em espaços não 43 I. Apresentação e Introdução metropolitanos, observáveis através de modos contemporâneos de diferenciação e desigualdade, como vem ocorrendo em cidades médias da Bahia, através das práticas espaciais do habitar. O objetivo geral, assim, é o de compreender o processo de diferenciação socioespacial e o incremento de quadros de desigualdade social expressos pelas práticas espaciais do habitar de moradores de habitats residenciais fechados em algumas cidades médias da Bahia, avaliando-os como razão e expressão do processo de fragmentação socioespacial. Desse objetivo geral, desdobram-se os seguintes objetivos específicos: 1. Analisar a dinâmica locacional e a atuação dos agentes econômicos e do poder público na implantação de empreendimentos imobiliários identificando as estratégias espaciais empregadas na localização dos habitats residenciais. 2. Identificar lógicas contemporâneas de estruturação da cidade produtoras e/ou decorrentes de diferenciação socioespacial e de novos conteúdos das práticas espaciais observadas no plano do vivido. 3. Compreender a relação entre diferenciação socioespacial e desigualdade social na produção do habitar e como essa produção redefiniriam as práticas espaciais dos citadinos. 4. Analisar os elementos que caracterizam o processo de fragmentação socioespacial em curso nas cidades médias baianas escolhidas através da experiência urbana de moradores dos habitats residenciais fechados, apreendendo suas especificidades no âmbito da urbanização contemporânea. d. Habitar e Habitat como Elementos Estruturadores da Tese Dada a diversidade de empreendimentos pesquisados, que compreendeu residenciais horizontais e verticais, condominiais e não condominiais (quer seja, de propriedade condominial ou não), foi adotada a expressão “habitats residenciais fechados”, por se entender que habitat agrega 44 I. Apresentação e Introdução diferentes tipos de habitação. Para uso e qualificação dessa expressão e para os objetivos desta pesquisa de doutoramento, considera-se algumas características sobre espaços residenciais fechados descritas por Sposito e Góes (2013) como ponto de partida conceitual. Assim, caracteriza-se como habitats residenciais fechados aqueles empreendimentos residenciais, verticais e horizontais, com propriedade condominial ou não, mas administrados em sistema condominial, murados, controlados por sistemas de segurança, dotados de infraestrutura de lazer, e, eventualmente, de consumo, não restritos à área privativa das unidades, ou à propriedade privada edificada em lote, mas, antes, dispostas na área coletiva condominial, ou na área de uso comum, institucional, sob administração condominial1. Habitat é um conceito amplo e designativo de dimensões mais alargadas que a moradia per se, como aludido no Dicionário do Imobiliário (1996), onde se propõe que tal termo não pode ser entendido apenas em uma função doméstica, mas abarcaria o espaço que abrange a vida urbana no nível do espaço residencial tendo o habitar como moldura da vida urbana. Soma-se, ainda, o entendimento de que se trata de um “quadro e as condições de vida de uma população” (MERLIN; CHOAY, 1988, p. 329). A despeito desses dois exemplos advindos de léxicos, a referência principal para uso do termo habitat neste trabalho doutoral se dá com base em Lefebvre (2001a;2008a). Para esse autor, um dos níveis de compreensão do 1 Essa designação é necessária para se distinguir unidades imóveis em propriedades privadas condominiais de unidades imóveis de propriedade privada unifamiliar em loteamentos fechados. Ambos são, na prática, no entanto, regidas por modelos administrativos condominiais, daí o termo genérico e impreciso adotado no Brasil de “condomínios” para se referir, inclusive, a loteamentos fechados sem propriedade condominial, cujas áreas de uso comum não são todas, de fato, condominiais, sendo, algumas, públicas de uso restrito, como os logradouros, e outras privadas e condominiais de uso coletivo restrito, como, por exemplo, um salão de festas. 45 I. Apresentação e Introdução fenômeno urbano é o habitar, lido como o nível privado (P)2 o do domínio edificado, os imóveis. É nesse nível que Henri Lefebvre coloca em tela a oposição habitar e habitat, haja vista o autor considerar, no nível de análise indicado (P), apenas o que é edificado, e que na compreensão dos níveis do fenômeno urbano, o puramente edificado, do homogêneo, do que foi instaurado pelo alto, em relação contraditória com o habitar como condição humana. Em meu entendimento, habitar é ontológico, já que “O ser humano não pode deixar de edificar e morar, ou seja, ter uma morada onde vive sem algo a mais (ou a menos) que ele próprio: sua relação com o possível como com o imaginado” (LEFEBVRE, 2008a, p. 79). Para o supracitado autor, o habitar é poético (LEFEBVRE, 2008a, p. 79) dada a relação estabelecida entre o “ser humano” com a natureza e com sua própria natureza “com o ‘ser’ e seu próprio ser, reside nele o habitar, nele se realiza, nele se lê”. Sobre o habitat, Lefebvre (2008a) problematiza: Este último termo [habitat] designa um “conceito”, ou melhor, um psdeudoconceito caricatural. No final do século XIX, um pensamento (se é possível dizer) urbanístico, tão forte quanto inconscientemente redutor, pôs de lado e literalmente entre parênteses, o habitar. Ele concebeu o habitat, função simplificada, restringindo o “ser humano” a alguns atos elementares: comer, dormir, reproduzir-se. (LEFEBVRE, 2008a, p. 78 grifos do autor). Tal oposição também é tomada como caminho possível nesta tese, partindo-se do que está sendo instaurado pelo alto para fazer uma “crítica poética” aos habitats residências, tentando uma análise das cidades investigadas reconsiderando o monumental habitat a partir (ou com a retomada) da ideia de 2 No livro “A revolução urbana” (2008), Henri Lefebvre desenvolve seu método de análise do fenômeno urbano indicando, entre outras questões, que tal análise se baseia em níveis e dimensões nos quais, sincronicamente, trata-se do urbano. Estes níveis dizem respeito a: um nível global (G) expressão do poder, tendo o Estado como representação; um nível misto, mediador ou intermediário (M) que é a cidade propriamente dita; e um nível privado (P) os imóveis, mais especificamente, as habitações: grandes prédios de apartamentos, casas, acampamentos e favelas. 46 I. Apresentação e Introdução habitar. Nesse movimento dialético e conflituoso, como afirmou Lefebvre (2008a), concomitantemente, teórico e prático, do habitat e do habitar se sobressaem como primazia. O habitat, para efeito desta pesquisa, seria expressivo de quando a ideologia e a prática chegam ao ponto da repressão daquilo que Lefebvre (2008a) chamou de características elementares da vida urbana, como, por exemplo, a diversidade de modos de vida, padrões, modelos e valores associados ao movimento da cotidianidade. Consideramos que os tipos de espaços de moradia eleitos para esta investigação, bem como, as correspondentes práticas do habitar, estão inseridas numa lógica de programação da vida cotidiana que, nas relações de produção orientadas pelo capital, são direcionadas para o consumo. Os habitats residenciais fechados analisados são, portanto, produzidos por uma racionalidade que faz culto, num campo, à estética e à imagem e noutro campo complementar à padronização de ações e atos e, paradoxalmente, ao individualismo, sendo, assim, marcas da “sociedade burocrática de consumo dirigido” (LEFEBVRE, 1991, p. 79). A escolha por viver em habitats residenciais acima categorizados associa-se a uma condição espacial que, nas cidades pesquisadas, fá-los, além de espaços de uma sociabilidade segmentada, fechados. Tal eleição pode ser vista como uma manifestação decorrente de uma dupla determinação, ou de uma codeterminação, pois decorre tanto de uma maciça atuação de agentes de produção do espaço urbano, sobretudo, promotores imobiliários, fundiários, incorporadores e o próprio Estado, como, também, de representações associadas a tais espaços por distintos agentes que os identificam com uma suposta ou idílica qualidade de vida e determinadas condições de sociabilidade marcadas por algum tipo de homogeneidade interna, por um sentimento de segurança e por um regramento que distingue os “de dentro” e os “de fora”. Tal quadro opõe, ainda que no plano das representações, tais habitats da “cidade aberta”, o que foi identificado pela percepção dos sujeitos 47 I. Apresentação e Introdução pesquisados observável tanto nos relatos do(a)s moradores como dos agentes imobiliários. Uma possibilidade considerada para o contexto das cidades baianas avaliadas neste trabalho é que o espaço produzido com base nos elementos distintivos veiculados à vida intramuros, especialmente pelo marketing imobiliário, têm aprofundado as desigualdades sociais, reforçando a cisão espacial e tendendo a modificar as relações de sociabilidade. Do mesmo modo, retroalimentando o processo desigual em que fora constituído. Trata-se, portanto, da ocorrência de um processo de homogeneização que implica ou decorre de uma padronização idealizada. Assim, em que pese uma aparente igualdade interna, esses espaços definem-se por contraposição ou contraste ao que está fora. Como defende Sposito (2019), é necessário considerar avançar do ponto de vista das formas urbanas para o plano dos processos pela existência de formas espaciais associadas à separação não circunscrita ao espaço residencial, abarcando outras dimensões da vida urbana, quando completa que: Quando se trata de compreender a cidade (e não apenas os ambientes residenciais) é necessário lançar mão de um conceito mais abrangente, como o de fragmentação socioespacial, que não se refere exclusivamente à disposição dos usos sobre o espaço, nem apenas às relações sociais que o engendram, mas também às ações e às práticas que se concretizam e dão novos sentidos aos múltiplos fragmentos que compõem a cidade atual.” (SPOSITO, 2019, p. 21). Mais ainda, quando nos referimos às particularidades desse processo em países como o Brasil, periferia do capitalismo, as formas que dele se originam são derivativas de um histórico social, econômico, étnico-racial, político e cultural que tem a diferenciação e a desigualdade como latentes em sua dimensão constitutiva. 48 I. Apresentação e Introdução e. Cidades Médias, como recorte Temático e Espacial Para a presente tese, ainda que se considere no plano mais amplo a posição do Brasil na divisão social e territorial do trabalho, importa considerar a história de cada tipo urbano selecionado para a investigação pois, indica, segundo Sposito (2019), modos diferentes de diferenciação tanto entre cada um deles como no interior de cada cidade, já que a distribuição de pessoas no espaço não se realiza apenas em função do econômico, mas também envolve dimensões sociais e culturais, como uma história que se espacializa. Portanto, isso impõe cotejar o geral frente ao particular e, eventualmente, o singular e vice-versa. Como salientado noutra obra de referência (SPOSITO, 2017a), é preciso outras e diferentes lentes para se analisar o Brasil urbano. O recorte das cidades escolhido é um ponto de partida para a investigação de processos socioespaciais, sem com isso deixar de se intentar considerar a totalidade. Isto é, a perspectiva de trabalho com os processos de diferenciação e fragmentação socioespaciais e com as manifestações da desigualdade delineados para esta investigação em algumas cidades médias da Bahia é a de que tais processos sejam vistos em sua relação com a realidade brasileira de modo mais imediato e o mundo urbano em um complexo movimento de articulação escalar, ou seja, desde uma concepção de Método que lide com as dimensões do geral, particular e singular e com a relação do todo com as partes. A escolha das cidades médias como nível hierárquico privilegiado foi feita por tratar-se de uma necessária análise para a Geografia brasileira, dado o amplo contexto de produção do espaço de um país histórico e geograficamente heterogêneo, situando o estudo sobre centros urbanos em diferentes dimensões e complexidades que não apenas às metrópoles, à exemplo das cidades médias, como uma contribuição que dimensiona o papel diferenciado desses centros urbanos, seja pensando a estrutura interna das cidades médias, seja do seu papel no sistema urbano e na dinâmica regional. 49 I. Apresentação e Introdução No plano mais específico do estado da Bahia, com um território extenso e, relativamente, pouco articulado que, segundo Silva (2010), além do intenso processo de metropolização conformado em torno da capital, Salvador, teve um forte processo de urbanização no interior do estado, implicando em uma complexificação nas relações estabelecidas entre os centros urbanos que compõem a rede urbana baiana, sobretudo, se se considera o atendimento e provimento à população de condições de reprodução da vida. O que implicou em a considerar relações não apenas hierárquicas, mas também, de complementação e concorrência, observáveis em suas relações em rede, justificando a escolhas dos tipos urbanos pesquisados. A realização desta tese no âmbito do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (Gasperr), ligado à Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias, a ReCiMe, um dos principais centros de investigação sobre cidades médias no Brasil, permitiu-me interlocução privilegiada. É com base na produção científica desses referidos centros que procurei embasar as escolhas metodológicas desde o recorte urbano selecionado, as cidades médias. Sposito (2017a), primeiramente, destaca a necessidade de se pensar o processo de urbanização e a cidade sob vários pontos de vista, ao problematizar que “não importa o que você estuda, mas o ponto de vista a partir do qual podemos olhar os objetos de nosso interesse e o modo como, a partir do método, este objeto articula-se a processos e dinâmicas mais amplas” (SPOSITO, 2017a, p. 186.). As escolhas feitas para se chegar a uma dada interpretação não deve pressupor ser essa a única e possível, por isso, deve-se vislumbrar um conjunto possível de “entradas” para se desvelar o conteúdo urbano ou ler o Brasil urbano. Um segundo ponto sublinhado pela pesquisadora é que os estudos urbanos no Brasil têm uma tradição em pautar suas análises a partir, ou em absoluto, nas cidades grandes e metrópoles. Uma das condições apontadas por Sposito (2017a) é que as escolas que formam esses pesquisadores, tradicionalmente, também estão localizadas nesses centros urbanos e que, talvez, 50 I. Apresentação e Introdução isso venha a influenciar as suas escolhas e posicionamentos. Esse privilegiamento, porém, mostra-se insuficiente frente ao propósito de se ler o Brasil urbano. Para Sposito (2017b) a interpretação do processo de urbanização contemporâneo, refletindo sobre as perspectivas desse a partir do ponto de vista das cidades médias, justifica-se, considerando a posição geográfica, por serem tais centros urbanos fundamentais ao intermediarem processos e relações de consumo moderno. Como aludido por essa autora, as demandas do novo regime de acumulação requerem maior flexibilização nos processos econômico- territoriais e encontram nas cidades médias condições favoráveis para essa mediação dentro de uma rede conectando capitais nacionais e internacionais. Objetivamente, chamar a atenção para outras possibilidades de interpretar as questões urbanas considerando, por exemplo, o recorte das cidades médias não quer dizer que se esteja apegado a um empirismo e distanciando-se da compreensão da totalidade do movimento. Ao contrário, Sposito (2017a) defende essa proposição desde dois pontos principais: grande parte do território brasileiro está, política e economicamente, dependente de núcleos urbanos médios e pequenos e, com relação ao método, a mesma ratifica que não se pode tomar a parte pelo todo, pois acredita ser pouco provável entender o Brasil urbano tomando-se apenas uma parte desse, ainda que a parte equivalha a um centro de grande comando. Por isso, afirma que a parte tem sempre que ser vista em sua relação com a totalidade, exigindo como condição a(o) pesquisador(a) fazer esse movimento escalar e conclui sugerindo que, ao invés de se focar em uma dada oposição entre escolhas de objetos de análise, que pensemos a ideia de complementariedade (SPOSITO, 2017a). Em concordância com a ideia defendida pela autora, nesta pesquisa doutoral reforça-se seu posicionamento metodológico, quer seja, a urbanização lida a partir de vários pontos de vista. 51 I. Apresentação e Introdução f. Descrição dos capítulos componentes da Tese Para além desta seção, que faz as vezes de Apresentação e Introdução, esta tese foi organizada em mais quatro capítulos e uma conclusão. No primeiro capítulo, nossa ênfase está nas questões de método e de metodologias empregadas e desenvolvidas para a consecução de nossos objetivos. O segundo capítulo foi erigido com o fito de expor e avaliar as lógicas de produção da cidade e de produção imobiliária nos tipos urbanos escolhidos, descrever e analisar os habitats residenciais fechados selecionados e apresentar os sujeitos eleitos para a pesquisa qualitativa. No terceiro capítulo expomos como a dupla complementar, e não par dialético, diferenciação socioespacial e desigualdade social combinam-se desde os habitats residenciais fechados nos tipos urbanos eleitos e podem ser avaliados pelo movimento da estrutura urbana e pelas práticas espaciais dos sujeitos. Desse tema decorre o conteúdo do quarto capítulo, onde avaliamos a lógica fragmentária e as práticas espaciais do habitar e que desemboca nas experiências urbanas e representações da fragmentação socioespacial. Cada um dos capítulos é finalizado com uma síntese e a tese é encerrada com nossas conclusões. Desafio alguém a relatar fielmente algo que aconteceu. Entre o acontecido e a narração do fato, alguma coisa se perde e por isso se acrescenta. O real vivido fica comprometido. E, quando se escreve, o comprometido (ou o não comprometido) entre o vivido e o escrito aprofunda mais o fosso. Entretanto, afirmo que, ao registrar estas histórias, continuo no premeditado ato de traçar uma escrevivência. Conceição Evaristo (2016) CAPÍTULO 1.