0 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE ENSINO E APRENDIZAGEM MARIA APARECIDA LAURIS BAURU 2020 1 MARIA APARECIDA LAURIS YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE ENSINO E APRENDIZAGEM Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Profª. Drª. Fernanda Rossi. BAURU 2020 2 LAURIS, Maria Aparecida. Yoga na educação infantil: uma proposta de ensino e aprendizagem / Maria Aparecida Lauris, 2020 105 f. : il. Orientadora: Fernanda Rossi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2020 1. Educação infantil. 2. Práticas pedagógicas. 3. Yoga. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. 3 4 Dedico esta pesquisa a minha mãe Leonor, meu pai Renato, meus filhos Ynaiara, Isadora e Renan, que são incentivos de vida e representam todas as crianças do mundo. 5 LAURIS, Maria Aparecida. Yoga na educação infantil: uma proposta de ensino e aprendizagem. Orientadora: Fernanda Rossi. 2020. 105f. Dissertação (Mestrado em Docência para a Educação Básica). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru – SP, 2020. RESUMO A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como função promover à criança o desenvolvimento em todas as dimensões: física, emocional, cognitiva, social, artística, entre outras. A criança é partícipe e protagonista da sociedade e as descobertas de suas potencialidades (pessoais e sociais) fazem parte do seu desenvolvimento integral e relacionamento consigo mesma, com os outros, com o ambiente que a cerca e com os conhecimentos históricos e sociais. Neste contexto, a manifestação corporal do Yoga, com seus conhecimentos práticos e filosóficos, articulados aos conhecimentos e vivências da Educação Infantil, apresenta-se como uma possibilidade de ação pedagógica que contribui para a formação da criança. Esta pesquisa apresenta como objetivo geral analisar um processo de ensino e aprendizagem de Yoga e o desenvolvimento do conhecimento de si e da autoestima da criança no contexto da Educação Infantil. Os objetivos específicos consistem em analisar as possibilidades de uma proposta de ensino e aprendizagem para a Educação Infantil, com os conhecimentos filosófico-práticos do Yoga, para a formação do conhecimento de si e da autoestima na infância; e subsidiar professores e professoras, mediante proposta de ensino e aprendizagem no formato de produto educacional/livro digital, para a inserção e o desenvolvimento de práticas pedagógicas com Yoga na Educação Infantil. A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi desenvolvida em uma escola de Educação Infantil municipal de Bauru-SP, com 18 crianças da faixa etária entre quatro e cinco anos, durante um semestre letivo. Os dados foram coletados por observação de campo, com registros em diário do processo de ensino e aprendizagem em Yoga, e questionário aplicado às mães das crianças no início e ao final do processo de ensino. Ressalta-se que a vivência do Yoga nesta etapa da educação básica pode proporcionar benefícios afetivos, sociais, cognitivos e físicos para as crianças, sobretudo em relação ao autoconhecimento e à autoestima, além de ampliar qualitativamente o repertório das manifestações corporais e o protagonismo infantil em suas ações cotidianas. Concluímos que o processo de ensino desenvolvido contribuiu para a formação das crianças, possibilitando que explorassem e criassem novas perspectivas, reconhecendo-se integralmente como indissociável do meio em que vivem e capazes de propor melhorias de bem-estar para si e aos outros com consciência e valorização do meio escolar, familiar e de questões desafiadoras como as diferenças encontradas em sociedade, além de aguçar curiosidades sobre outras vivências do Yoga. Palavras-chave: Educação Infantil. Práticas Pedagógicas. Yoga. 6 LAURIS, Maria Aparecida. Yoga in early childhood education: a proposal for teaching and learning. Professor Advisor: Fernanda Rossi. 2020. 105f. Dissertation (Master’s Degree in Teaching in Basic Education). School of Science, UNESP, Bauru – SP, 2020. ABSTRACT Early childhood education, the first stage of basic education, has the function of promoting children's development in all dimensions: physical, emotional, cognitive, social, artistic, among others. The child is a participant and protagonist of society and the discoveries of his potential (personal and social) are part of his integral development and relationship with himself, with others, with the environment that surrounds him and with historical and social knowledge. In this context, the bodily manifestation of Yoga, with its practical and philosophical knowledge, linked to the knowledge and experiences of Early Childhood Education, presents itself as a possibility of pedagogical action that contributes to the formation of the child. This research has as general objective to analyze a teaching and learning process of Yoga and the development of the child's knowledge of self and self-esteem in the context of Early Childhood Education. The specific objectives are to analyze the possibilities of a teaching and learning proposal for Early Childhood Education, with the philosophical- practical knowledge of Yoga, for the formation of self-knowledge and self-esteem in childhood; and subsidize male and female teachers, through a teaching and learning proposal in the format of an educational product / digital book, for the insertion and development of pedagogical practices with Yoga in Early Childhood Education. The research, with a qualitative approach, was developed in a municipal Child Education school in Bauru-SP, with 18 children aged between four and five years old, during an academic semester. The data were collected by field observation, with diary records of the teaching and learning process in Yoga, and a questionnaire applied to the children's mothers at the beginning and at the end of the teaching process. It is emphasized that the experience of Yoga in this stage of basic education can provide affective, social, cognitive and physical benefits for children, especially in relation to self-knowledge and self-esteem, in addition to qualitatively expanding the repertoire of body manifestations and child protagonism in children your everyday actions. We conclude that the teaching process developed contributed to the education of children, enabling them to explore and create new perspectives, fully recognizing themselves as inseparable from the environment in which they live and capable of proposing improvements in well-being for themselves and others with awareness and valuing the school, family and challenging issues such as the differences found in society, in addition to sharpening curiosities about other Yoga experiences. Keywords: Early Childhood Education. Pedagogical practices. Yoga. 7 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 Momento inicial das práticas pedagógicas com Yoga na Educação Infantil................................................................................................ 56 Imagem 2 Alongamento possível, somos capazes de olhar as coisas de cabeça para baixo.............................................................................. 57 Imagem 3 Alongamento possível, somos grandes e fortes como uma cobra...... 58 Imagem 4 Representações de esquema corporal e paisagens………………..... 59 Imagem 5 As representações de esquema corporal a partir do contorno do corpo.................................................................................................. 60 Imagem 6 Brincando de mandala durante a semana de Páscoa........................ 61 Imagem 7 Mural de exposições da festa da família na escola............................. 62 Imagem 8 A participação especial dos responsáveis em uma vivência.............. 62 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Identificação dos participantes da pesquisa................................... 43 Quadro 2 Relações entre os membros do Yoga, os conhecimentos filosófico-práticos e as aprendizagens da criança........................... 64 9 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO............................................................................................. 11 1 INTRODUÇÃO..................................................................................... 15 2 RELAÇÕES ENTRE A FORMAÇÃO INTEGRAL E O YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL....................................................................... 20 2.1 A Educação Infantil, a formação integral da criança e a Cultura Corporal................................................................................................ 20 2.2 Yoga na Educação Infantil……………………………………………...... 27 2.2.1 Yoga: pressupostos............................................................................. 27 2.2.2 Yoga: contexto escolar e formação infantil……………………………………... 31 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS…………………………….... 41 3.1 Abordagem da pesquisa...................................................................... 41 3.2 Contexto da pesquisa e participantes do estudo.................................. 41 3.3 Técnicas de coleta de dados................................................................ 44 3.4 Desenvolvimento da proposta de ensino e aprendizagem com Yoga na Educação Infantil............................................................................ 45 3.5 Análise dos dados gerados.................................................................. 46 4 ENSINO E APRENDIZAGEM EM YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECER-SE E CONVIVER 48 4.1 Inserindo o Yoga na escola: expectativas das mães............................. 48 4.2 Ensino e aprendizagem em Yoga: conhecimento de si e autoestima na Educação Infantil………………......................................................... 53 4.2.1 Ensinando e aprendendo com Yoga na Educação Infantil..................... 53 4.2.2 Yoga na Educação Infantil: conhecer-se e conviver............................... 63 10 5 DESENHO DO PRODUTO EDUCACIONAL...................................... 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………... 87 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 91 APÊNDICE A. Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) – participação responsáveis pelas crianças........................................................ 94 APÊNDICE B. Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) - autorização da participação das crianças....................................................... 96 APÊNDICE C. Termo de assentimento livre e esclarecido para as crianças.. 99 APÊNDICE D. Questionário inicial aplicado às mães das crianças.................. 104 APÊNDICE E. Questionário final aplicado às mães das crianças................... 105 11 APRESENTAÇÃO Nascida em 1978, filha e neta caçula da família paterna e materna. Quando criança, gostava das brincadeiras de rua, de correria, de bolas e jogos, mas, nas brincadeiras com a família, eu era sempre a “café com leite”. Era como se não ocupasse espaço onde estivesse, eu nunca ganhava e nunca perdia nas brincadeiras e nas conversações. Era a década de 80, minha mãe dizia constantemente que as pessoas eram todas constituídas por ossos, carne e pele; como eram todas iguais deveriam ter os mesmos direitos, aprendi muito sobre isso com ela. Na escola, durante os anos iniciais, eu era bolsista em uma escola privada administrada por freiras com descendência alemã. Eu era mais uma vez a mais nova, mas desta vez, eu era também a única bolsista da turma, que usava uniformes reutilizados e tênis comum, era cheirosa e tinha cabelos bem cuidados. Não importava o que eu fazia, era a chacota da professora e das outras crianças. Lembro de poucos momentos desse percurso que perdurou apenas até o início dos meus oito anos, lembro que houve ofensas e risos, e que eu chorei algumas vezes no caminho de ida e de volta da escola, não me lembro do rosto das professoras e quando quero rememorar os nomes delas, pergunto à minha mãe (isso acontece até meus atuais 41 anos de idade). Com muito pesar, minha mãe optou então por desistir da bolsa de estudos e me transferiu para uma escola pública, aí foi quando eu comecei a ser mais feliz. Era ainda a mais nova da turma, mas ninguém se importava com isso, tirava nota baixa e ia para a recuperação, eu nunca estava sozinha nas provas de recuperação. Na sala de aula, o que eu mais queria era acabar logo as atividades e conversar com os colegas ou sair para correr no pátio, queria cair e levantar correndo para continuar brincando. Eu estava sentindo a liberdade de ser eu mesma na escola. Nesta escola pública, onde fui feliz e permaneci até o final do Ensino Fundamental II, comecei a pensar se era possível que eu fizesse a diferença no mundo. Então, entre as opções de seguir o ensino médio, ou cursar contabilidade ou administração, eu escolhi o magistério. Pensava no direito de ser feliz que muitas crianças poderiam não ter. Aprendi muito nos quatro anos de magistério. Em 1996 eu estava me formando e estava grávida. Resolvi ter filhos e educá-los antes de me dispor a fazer parte da história de outrem. Tive três filhos e quando o caçula completou seis anos eu voltei a estudar e, como bolsista em uma faculdade privada, me inscrevi no curso de 12 pedagogia. Quis tanto cursar a pedagogia que estudei muito e simultaneamente fui aprovada no concurso público da cidade em que eu cresci. Em 2009 assumi como Professora Titular de Ensino Fundamental I e sentia muito por ter que limitar as crianças a quatro paredes, eu queria e procurava atividades que as motivassem a valorizar a si, respeitar o outro, a brincar e socializar, queria que a escola fosse prazerosa para elas. Em 2011, me propus a tentar o concurso público da cidade vizinha, desta vez o pensamento era focar nas idades menores, e me inscrevi para Professora Adjunto Substituta de Educação Infantil. Em 2013, a prefeitura do município onde eu inicialmente era efetiva, ofereceu bolsas de estudo na faculdade privada local, para uma pós-graduação em Alfabetização e Letramento, aí eu me identifiquei, eu pensava: posso alfabetizar brincando! Em 2014 fui convocada para efetivação na Educação Infantil e me deparei com escolas de período integral. Eu me sentia perdida, as experiências com estágios na Educação Infantil não davam noções do que era lidar com crianças que ficavam por nove horas dentro da instituição escolar. Tudo parecia tão pouco, todos os recursos pareciam pequenos para aquelas crianças cheias de vida que demonstravam isso a todo momento com tantos movimentos. Todas as buscas que eu fazia sobre brincadeiras e metodologias para letramento pareciam não fazer com que as crianças se sentissem plenas. Comecei então a procurar formação para professores da Educação Infantil e em 2015 encontrei um título ao qual eu nada conhecia, mas que me deixou curiosa e esperançosa: Corporeidade e Ioga na escola - módulo I, divulgado pela Secretaria Municipal da Educação – Bauru/SP e promovido pelo Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, campus de Bauru. O acesso às inscrições esgotou em menos de dois minutos e todas as vagas foram preenchidas. Eu insisti, tentei novamente, e deu certo! Permaneci nesta formação nos três módulos, cada um deles semestral. No primeiro módulo, os professores(as) coordenadores(as) e agentes formativos estavam dispostos a não nos questionar sobre a escola e nem as crianças, a preocupação era a de que compreendêssemos o Yoga na prática pessoal a fim de conhecermos esta ciência milenar e notar se fazia diferença em nossas vidas. Com motivações, mas movimentos que mal conseguíamos realizar, os(as) coordenadores(as) nos inspiravam semanalmente a praticar em casa. 13 No início era engraçado, mal esticávamos uma perna, ou um braço, os alongamentos eram quase-alongamentos, mas logo, com tanta suavidade na voz, sorrisos, elogios e estímulo do professor que era um graduando em Pedagogia da UNESP/Bauru, fomos nos dedicando e introduzindo em nosso dia a dia. Algumas das professoras participantes iniciaram práticas corporais com seus alunos nas escolas da rede municipal, eu fui uma delas que mesmo sem saber direito como lidar, seguia o exemplo do professor da formação. Algumas crianças, da turma de dois e três anos amavam, outras dispersavam em dois minutos, era difícil, eu ainda não tinha a mínima experiência com Educação Infantil e nem com a prática do Yoga e também não tinha o apoio da gestão e equipe escolar. Na tentativa de começar a incentivar as crianças o mais cedo possível sobre o reconhecimento de seu próprio corpo e bem-estar para o dia a dia, resolvi introduzir o Yoga também no Ensino Fundamental, na turma de crianças com idades entre sete e oito anos. Uau, parecia que eu era a rainha do Yoga, as crianças se atentavam àquela novidade como se eu soubesse tudo sobre o tema, facilmente elas faziam os movimentos que faziam perceber a si e ao outro. Parecia estar bem perto do que sempre sonhei para as crianças, uma aprendizagem prazerosa. Tinha a confiança da equipe escolar que já conhecia os resultados obtidos com outras turmas que passaram pelos métodos de alfabetização que incorporei, por meio de estudos e interesse pessoal, então confiavam na minha prática com as 24 crianças da turma no pátio da escola. A proposta do Yoga não trazia controvérsias e não atrapalhava o andamento dos conteúdos curriculares, pois articulava os conteúdos às brincadeiras com o corpo. Nos três anos seguintes pude convidar outras turmas e a média era de 50 crianças que tinham contato com a prática de Yoga, duas horas por semana divididas em dias intercalados, por ano, na escola de Ensino Fundamental. Simultaneamente, a esses três anos, pedi remoção para outra unidade escolar e assumir turmas na Educação Infantil com idades entre quatro e cinco anos, levando em consideração a formação em Alfabetização e Letramento. Também oferecia duas horas das práticas de Yoga divididas em dois dias na semana, para uma média de 50 crianças da Educação Infantil, totalizando cerca de 100 crianças para cada um dos quatro anos que o projeto vem se desenvolvendo. Mesmo finalizado os três semestres da formação de professores, continuei a frequentar grupos de estudos e a fazer pesquisas sobre a teoria e a prática do Yoga. 14 Nas escolas em que atuei até então, com o apoio das equipes das duas escolas públicas, era um sucesso! As crianças pediam pelos momentos de Yoga e as mães me contavam constantemente sobre o avanço que as crianças demonstravam em relação à concentração e autonomia. Então resolvi fundamentar ainda mais meu trabalho e me inscrevi pela primeira vez, em 2017, em uma Universidade púbica em um Programa de Mestrado Profissional: Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica, no qual percorri as três etapas de admissão e iniciei a pesquisa sob orientação acadêmica-científica no ano posterior. O título inicial da pesquisa foi sugerido por uma amiga muito querida que valorizava e reconhecia um diferencial nas crianças da escola de Ensino Fundamental, era: Vida e equilíbrio, o corpo como fonte de aprendizagem, que já teve outros nomes antes de chegar ao atual. Teve início em 2018, mas por questões pessoais, fui convidada a deixar a prática do Yoga no Ensino Fundamental. Contudo, persistindo em meu objetivo, em 2019 reiniciei o processo de ensino na Educação Infantil, onde tive o prazer de assumir uma turma na Educação Infantil com 19 crianças em período integral. Apresento aqui o processo de ensino e aprendizagem, as experiências e os resultados obtidos sobre este percurso, ao qual o Yoga ultrapassou os muros da escola pública como mostram os relatos das famílias e das crianças. Espero que gostem! Namastê! 15 1 INTRODUÇÃO A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como função, dentre outras, promover as diferentes linguagens em suas múltiplas formas de expressão, com uma perspectiva de criança e infância(s) que considere o ser humano na sua totalidade, inserido num dado contexto histórico, social e cultural. Neste contexto, o movimento corporal é uma linguagem que permite à criança perceber e criar o mundo em que vive, efetivando-se como sujeito de suas aprendizagens e de sua vida. Diante disso, a Educação Infantil se constitui como espaço e tempo propícios para este processo de apropriação e transformação de experiências e conhecimentos, promovendo o desenvolvimento das crianças em todos os aspectos humanos: afetivo, motor, cognitivo, social, estético, criativo, expressivo etc. (ROSSI, 2013). A criança se apropria do mundo, se descobre, se relaciona com os outros e com os objetos pelo seu corpo, de corpo inteiro. Assim, enfatizam Nista-Piccolo e Moreira (2012, p. 22): Cada ser humano possui seu esquema de desenvolvimento, o qual define sua individualidade. Nasce dotado de características que determinam sua maneira de ser, de agir e de pensar. Tudo que faz para conhecer, para se relacionar, para aprender, o faz pelo corpo. Suas primeiras experiências vividas são essencialmente corporais, tatuando marcas em seu inconsciente corporal. O corpo é o primeiro objeto que a criança percebe por meio de suas satisfações, de suas dores, das suas sensações visuais e auditivas. É o seu meio de ação para conhecer tudo a sua volta. O meio de ação corporal, ou seja, a linguagem corporal da criança, é potencializado pela vivência das manifestações da Cultura Corporal de Movimento. Ressalta Bracht (2005, p. 100) que: As manifestações da cultura corporal de movimento significam (no sentido de conferir significado) historicamente a corporeidade e a movimentalidade – são expressões concretas, históricas, modos de viver, de experenciar, de entender o corpo e o movimento e as nossas relações com o contexto – nós construímos, conformamos, confirmamos e reformamos sentidos e significados nas práticas corporais. As manifestações da Cultura Corporal consistem nos jogos e brincadeiras, danças, ginásticas, lutas, esportes, práticas de aventura, atividades circenses, 16 práticas de conscientização corporal, dentre outras. Destaca-se neste contexto o Yoga, uma prática e filosofia milenar, de origem indiana, que concebe o ser humano em sua integralidade. É esta manifestação corporal que é tematizada nesta pesquisa, particularmente, as práticas pedagógicas com o Yoga no contexto da Educação Infantil. A vivência do Yoga na escola visa contribuir com o processo de formação da criança, promovendo o autoconhecimento e o convívio social. Tendo como pressuposto a união, a filosofia do Yoga concebe o ser humano como um todo, sem supervalorizar ou desvalorizar qualquer de suas dimensões. O movimento, a atenção e os cuidados consigo necessitam de consciência, de coordenação entre os pensamentos e as ações. Segundo Iyengar (2016), o Yoga sugere este investimento por meio das práticas de respiração associadas às posturas e aos valores, princípios filosóficos desta manifestação. A consciência respiratória é sincronizada a movimentos corporais como, por exemplo, a abertura do tórax, possibilitando, assim, que os pulmões expandam e o ar possa preencher todos os espaços. E ao retrair os pulmões o ar é exalado. Ainda, em outras situações como estender os membros, tronco e pescoço, é importante tornar-se consciente das ações que respeitem os próprios limites para que não haja dor causada por movimentos bruscos ou intensos. Trata-se de promover uma observância do todo corporal, mesmo quando em posturas de relaxamento. Gonçalves (2006, p. 127) enfatiza que nossas ações se dão em nossa corporeidade, compreendendo o corpo como um todo sensível e perceptivo: O cérebro não é o órgão da inteligência, mas o corpo todo é inteligente; nem o coração, a sede dos sentimentos, pois o corpo é inteiro sensível. O homem deixou de ter um corpo e passou a ser um corpo. É no, com e por meio do corpo que ele pode aprender, agir e transformar seu mundo, pode construir e recriar, pode planejar e sonhar. Diante de tais considerações, a questão orientadora desta pesquisa traz o seguinte questionamento: como a prática do Yoga e a reflexão de seus princípios filosóficos podem contribuir para o desenvolvimento do conhecimento de si e da autoestima das crianças? 17 Para responder tal questão, o estudo tem como objetivo geral analisar um processo de ensino e aprendizagem de Yoga e o desenvolvimento do conhecimento de si e da autoestima da criança no contexto da Educação Infantil. Os objetivos específicos consistem em: a) analisar as possibilidades de uma proposta de ensino e aprendizagem para a Educação Infantil, com os conhecimentos filosófico-práticos do Yoga, para a formação do conhecimento de si e da autoestima na infância; e b) subsidiar professores e professoras, mediante proposta de ensino e aprendizagem no formato de produto educacional/livro digital, para a inserção e o desenvolvimento de práticas pedagógicas com Yoga na Educação Infantil. O contexto lúdico é o fio condutor desta proposta de ensino. Considerando a seriedade com que as crianças manifestam o brincar, demonstram nas expressões lúdicas a liberdade e sentimentos, e assim fortalecem as relações interpessoais, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), orienta que a educação básica garanta o desenvolvimento de dez competências gerais. E duas delas focam o reconhecimento de si: 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2017, p. 10) A proposta de ensino e aprendizagem do Yoga na Educação Infantil envolve posturas (ásanas) e pranayamas (técnicas de respiração) que se preocupam com o respeito aos limites de cada criança, porém promovem desafios de maneira lúdica, a fim de explorar a criatividade, a imaginação e a liberdade de movimentação para ampliar a observação do espaço, de formas, do tempo, da lateralidade, da percepção de si. Também complementa a proposta os princípios éticos que integram a filosofia do Yoga, denominados de yamas, que estão relacionados à ética social; e nyamas, os que envolvem a ética pessoal e fomentam a reflexão. Os princípios éticos, que podem ser apresentados com rimas, poemas, história, favorecem à criança reconhecer seus sentimentos e relacioná-los às atitudes de respeito e valorização de si e do outro, refletindo sobre suas ações. 18 O estudo, que consiste em uma pesquisa-participante, foi desenvolvido com crianças de quatro a cinco anos de idade de uma escola municipal da cidade de Bauru/SP, na qual a pesquisadora atua como professora da turma. O trabalho em campo ocorreu durante um semestre letivo, com o desenvolvimento de um processo de ensino e aprendizagem fundamentado nos conhecimentos práticos e filosóficos do Yoga. Buscamos contribuir para a produção de conhecimento relacionado à Cultura Corporal e ao Yoga na Educação Infantil e fomentar a inserção desta manifestação corporal nas escolas de educação básica. As crianças na faixa etária de quatro a cinco anos, por meio das diversas brincadeiras, manifestam seus sentimentos e atitudes, expressam o modo como observam a si e ao seu redor. Diante dessa perspectiva, os docentes podem propor conhecimentos e experiências que se aproximem ao cotidiano infantil: situações objetivas que desenvolvam nas crianças um repertório com olhares diferenciados para as relações intrapessoal e interpessoal, contemplando a percepção de si; que possam nomear sentimentos e reconhecer suas características, com a finalidade de conhecer- se integralmente, possibilitando reflexões sobre tais relações e a importância de si diante a construção de progresso individual e coletivo; e o incentivo para a resolução de problemas particulares e coletivos, fortalecendo situações de autocontrole em tomadas de atitudes. Portanto, acredita-se que a vivência lúdica do Yoga na Educação Infantil pode proporcionar benefícios afetivos, sociais, cognitivos e físicos para as crianças, além de ampliar qualitativamente o repertório das manifestações corporais (acessando e vivenciando uma prática pouco democratizada) e o protagonismo infantil em suas ações. Entretanto, poucas escolas inserem o Yoga em suas propostas pedagógicas e os estudos e pesquisas ainda são incipientes nesta temática. Simões, Mizuno e Rossi (2019) encontraram, em estudo de revisão sistemática da literatura, apenas 16 estudos publicados em um período de 11 anos (2007 a 2017), incluindo artigos, trabalhos de conclusão de curso de graduação e trabalhos publicados em anais de evento (este último em maior número). Ainda, a ausência de teses e dissertações relacionadas ao tema, demonstra que o Yoga para crianças ainda é pouco estudado no campo acadêmico-científico. Esperamos que esta pesquisa, ao analisar e sugerir o desenvolvimento de uma proposta de ensino e aprendizagem em Yoga, possibilite aos professores e 19 professoras empreender ações pedagógicas que potencializem para as crianças o autocontrole corporal e emocional, com práticas do Yoga que fortalecem fisicamente (promovem flexibilidade, resistência muscular e equilíbrio), com práticas de respirações e relaxamento que promovem equilíbrio emocional e o direcionamento da atenção para si e com reflexões sobre princípios que exploram valores éticos pessoais e sociais, contribuindo para o autoconhecimento, a autoestima e o relacionamento com os outros e a natureza. A pesquisa, no que se refere à sua organização, compõe-se da dissertação de mestrado e do produto educacional. Esta dissertação está estruturada em capítulos, sendo que na sequência desta Introdução, o Capítulo dois, “Relações entre a formação integral e o Yoga na Educação Infantil”, traz o referencial teórico que embasa a pesquisa, com o foco nas relações entre a formação integral e o Yoga na Educação Infantil, tematizando as relações do Yoga com o lúdico, o Yoga na escola e as possibilidades de desenvolvimento do conhecimento de si e da autoestima. Em “Procedimentos metodológicos”, no terceiro Capítulo, é apresentada a abordagem e o contexto da pesquisa, os participantes do estudo, as técnicas de coleta de dados e o processo de desenvolvimento da proposta de ensino e aprendizagem com o Yoga na turma da professora-pesquisadora. No quarto Capítulo, “Ensino e aprendizagem em Yoga na educação infantil: conhecer-se e conviver”, são discutidos os dados da pesquisa com a literatura referente à temática da Educação Infantil e do Yoga para crianças. É apresentado no Capítulo cinco o desenho do produto educacional intitulado “Yoga daqui, Yoga dali... Mexe e brinca, remexe e descobre”1. Na sequência, as considerações finais do estudo. As referências que embasam a pesquisa, os apêndices (termos de consentimento e assentimento livre e esclarecido) e os roteiros de entrevistas completam esta dissertação de mestrado profissional. 1 O produto educacional foi sistematizado no formato de livro digital e pode ser acessado na página da Biblioteca Virtual do Programa de Mestrado Profissional em Docência para a Educação Básica, da Faculdade de Ciências da UNESP Bauru: https://www.fc.unesp.br/#!/ensino/pos- graduacao/programas/mestrado-profissional-em-docencia-para-a-educacao-basica/dissertaes-e- produtos/ 20 2 RELAÇÕES ENTRE A FORMAÇÃO INTEGRAL E O YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL A formação integral implica no desenvolvimento do ser humano como um todo, fortalece o desenvolvimento de si ao unir a consciência a ações corporais, pois prioriza a consciência corporal e a autonomia, compreende o corpo em suas atitudes expressas por sentimentos, em uma linguagem corporal. O Yoga, uma manifestação da Cultura Corporal, compreendida como a integração das dimensões humanas ao mediar ações e reflexões corporais e filosóficas, de forma sistematizada em trabalho didático-pedagógico representa possibilidades de contribuir com a formação integral na infância, ao associar expressões corporais a condutas pessoal e social, considerando – como a formação integral orienta – que o todo é o corpo. Nos subcapítulos que seguem são discutidas as relações entre a formação integral, a Educação Infantil e a Cultura Corporal, bem como o Yoga na Educação Infantil, com base em análise bibliográfica. 2.1 A Educação Infantil, a formação integral da criança e a Cultura Corporal Neste subcapítulo são discutidas características da Educação Infantil e sua intencionalidade para uma formação integral nesta etapa da educação básica, bem como a relevância da Cultura Corporal e do lúdico neste processo. Nos anos iniciais da década de 1930, período em que já eram narrados textos sobre o desenvolvimento integral, ocorriam discussões e estabelecia-se um movimento nas escolas públicas com correntes pedagógicas acerca das trajetórias da humanidade, incluindo a preocupação com o corpo. Porém, segundo Gonçalves (2006, p. 89), “As pesquisas sobre a importância da educação pelo movimento e da consciência corporal avolumaram-se a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980”. Surgem, então, reflexões sobre o desenvolvimento do ser como um todo, considerando a sua corporeidade: 21 Toda e qualquer ação do homem implica a utilização de recursos corporais. Eu só existo, penso, falo, amo, odeio, movimento-me etc. porque tenho (ou sou) um corpo. Não existe só educação intelectual, como também não existe só ação física. É por meio do meu corpo que demonstro meus sentimentos, minhas ações e meus pensamentos. Como querer que uma criança fique sem realizar movimento? Este como diz Le Bouch, é a mais pura forma de manifestação humana […]. (GONÇALVES, 2006, p. 91-92) É importante compreender as particularidades da Educação Infantil que até a década de 1980 era apenas um pré-requisito para a escolarização, sendo opcional aos responsáveis pelas crianças de até seis anos. Naquela década, discussões acerca dos compromissos da educação como um todo eram renovadas com votos de liberdade de expressão consciente, valorizando pensamentos críticos, sendo Paulo Freire um dos mais conhecidos pensadores deste movimento e que trouxe à reflexão que “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.” (FREIRE, 1983, p. 96). Recentemente, a Emenda Constitucional n.º 59/2009 determinou a obrigatoriedade da educação básica para a faixa etária de 4 a 17 anos (BRASIL, 2017). O documento normativo, que contribui ao indicar as aprendizagens essenciais ao qual todas as pessoas da educação básica devem ter acesso, tem o objetivo de oferecer na Educação Infantil uma educação integral, conseguinte às definições de Educação e das particularidades da Educação Infantil. A BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral e discorre: Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem - e promover uma educação voltada as suas singularidades e diversidades. (BRASIL, 2017, p. 14) O documento reafirma a importância de ações que valorizem a criança em sua plena atividade e autonomia, com o intuito de que as crianças desde bem pequenas possam resolver situações que condizem com seu aspecto emocional e físico, citando diretamente a disposição de uma educação integral: 22 Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de educação integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea. Isso supõe considerar as diferentes infâncias e juventudes, as diversas culturas juvenis e seu potencial de criar novas formas de existir. (BRASIL, 2017, p. 14) Ancorada a esta proposição de educação básica, a Educação Infantil deve considerar os interesses comuns que as crianças expressam e consolidar um ambiente que coordene e estimule o desenvolvimento: A finalidade da Educação Infantil é proporcionar o desenvolvimento integral da criança em todos os seus aspectos, físico, intelectual, linguístico, afetivo e social, visando complementar a educação recebida na família e em toda a comunidade em que a criança vive, conforme determina o artigo 29 da lei nº 9.394/96. (NISTA-PICCOLO; MOREIRA, 2012, p. 15) A BNCC ressalta que a noção de competência empregada no documento refere-se à “mobilização e aplicação dos conhecimentos escolares, entendidos de forma ampla (conceitos, procedimentos, valores e atitudes)”. Explicita, ainda, o que entende por ser competente: “ser competente significa ser capaz de, ao se defrontar com um problema, ativar e utilizar o conhecimento construído.” (BRASIL, 2017, p. 16). A BNCC adota este enfoque para assegurar os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, visando que as crianças tenham condições de aprender e se desenvolver. Assim, organiza como direitos de aprendizagem e desenvolvimento: o conviver, que inclui a criança em grupos pequenos e grandes para ampliar o conhecimento de linguagem e outras culturas; o brincar, com outras crianças e adultos e envolve criatividade e variações em produções artísticas ao explorar situações, emoções e relações sociais; o participar, que se manifesta ao aproximar a criança de tomadas de decisões, seja em planejar brincadeiras ou na gestão escolar; o explorar, desde o conhecimento de si até as variadas formas da natureza, cores, histórias, objetos; o expressar, em que a criança, reconhecida como ingressante do meio em que vive, deve ser ouvida em questionamentos, hipóteses, descobertas, sejam estas da forma de linguagem que exibir; e o conhecer-se, ao construir sua identidade com percepções positivas sobre si e do ambiente em que se relaciona com outrem, seja dentro ou fora da instituição escolar (BRASIL, 2017). 23 Considerando esses direitos de aprendizagem, as práticas pedagógicas devem perpassar por cinco campos de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações; visando, assim, a formação integral da criança. Em síntese, a BNCC (BRASIL, 2017) indica para os eixos estruturantes: • o eu, o outro e o nós: valoriza as experiências de vida de cada um, na família, na instituição escolar e na coletividade, para que com o conhecimento de outras vivências possa valorizar e respeitar a si, ao outro e desenvolver autonomia e senso de autocuidado; • corpo, gestos e movimentos: por meio dos sentidos, gestos e movimentos corporais as crianças exploram o mundo, o espaço e os objetos. Ao brincar, relacionam-se, expressam sentimentos e produzem conhecimentos sobre si e sobre o outro, sobre o universo social e cultural, construindo sua corporeidade; • traços, sons, cores e formas: elucida a criatividade, o senso estético e crítico, ao proporcionar a participação e a contemplação em artes visuais, música, teatro, audiovisual etc.; • escuta, fala, pensamento e imaginação: ao interpretar o que o outro expressa, é necessário que ocorram experiências como leituras que interessem às crianças e as aproxime de variedades de livros, fomentando a imaginação e o pensar, assim como da escrita e repertório de linguagem; • espaços, tempos, quantidades, relações e transformações: pela diversidade de fenômenos naturais e socioculturais visíveis em espaços e tempos variados, bem como as relações peculiares nas e das famílias e as transformações que ocorrem na natureza e no meio em que vivemos, a criança irá presenciar noções matemáticas que determinam diversas medidas, que podem ser de quantidade, de distância, de localização, peso etc. No sentido de promover uma educação integral, a BNCC indica que o ambiente escolar seja parte da construção de uma formação integral, propondo relações entre o vivenciado na escola e a vida cotidiana, ou seja, “o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida” (BRASIL, 2017, p. 14-15). 24 Não obstante, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento e a contemplação dos campos de experiências devem ser consolidados pelos eixos estruturantes das práticas pedagógicas que são as interações e as brincadeiras. Ainda de acordo com as DCNEI2, em seu Artigo 9º, os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Educação Básica são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem construir e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização (BRASIL, 2017, p. 35). O desenvolvimento integral do ser humano acontece diante aos estímulos oferecidos. Ao se ver no espelho a criança se reconhece como corpo, ao perceber as possibilidades que seu corpo oferece quanto a sensações e emoções, e poder experimentá-las reconhecendo e nomeando, toma consciência de como é. Segundo Gonçalves (2006, p.129), “[...] só o homem é capaz de criar gestos, e é a criação desses gestos que se traduz em cultura corporal.” A autora nos faz refletir sobre a diferença entre os seres humanos e outros seres vivos, a qual nos norteia sobre a Cultura Corporal. Neste sentido, devemos integrar os interesses da Educação Infantil a propostas que ofereçam às crianças a apropriação do conhecimento da Cultura Corporal, incentivando e descobrindo gestos que são capazes de traduzir sua identidade. [...] O trabalho com a linguagem corporal na educação da infância tem como finalidade propiciar oportunidades para que as crianças apreciem diferentes repertórios corporais e elaborem suas experiências pela vivência e experimentação, ampliando a sua sensibilidade e sua cultura corporal. (NEIRA, 2008, p. 93) A Cultura Corporal é expressa em nosso corpo, que nos reveste de marcas traçadas pelo tempo e que nos guia a questionamentos e impulsiona a descoberta sobre quem somos. Também no contexto educacional cabe refletir sobre o lugar ocupado pela corporeidade. Como contribui Nóbrega (2005): Nosso corpo traz marcas sociais e históricas, portanto questões culturais, questões de gênero, de pertencimentos sociais podem ser lidas no corpo. Por que não incluir nessa agenda, para além do controle dos domínios de comportamentos observáveis, a questão dos afetos e desafetos, dos nossos temores, da dor e do medo que nos paralisa ou nos impulsiona, do riso e do choro, da amargura, da solidão e da morte? Note-se que falo em incluir 2 DCNEI são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil que têm como objetivo oferecer subsídios sobre como a criança aprende a fim de garantir o direito de aprender. 25 questões significativas que atravessam nosso corpo, que nos sacodem, que nos revelam e que nos escondem. (NÓBREGA, 2005, p. 610) Portanto, conclui a autora que “Não se trata de incluir o corpo na educação. O corpo já está incluído na educação. Pensar o lugar do corpo na educação significa evidenciar o desafio de nos percebermos como seres corporais” (NÓBREGA, 2005, p. 610). A Cultura Corporal na infância se revela pelo brincar, pela ludicidade. Quando uma criança brinca, suas percepções são levadas a sério e esta expressão transmite muito de si. Para Rau (2007, p. 74) “[...] É o caminho para um mundo de faz- de-conta, que possibilita à criança a realização de sonhos e fantasias, revela conflitos interiores, medos e angústias, aliviando a tensão e as frustrações [...]”. Toda brincadeira permite à criança o desenvolvimento de habilidades, sentimentos e construção de conhecimentos e formas de agir. Rau (2007, p. 100) enfatiza que “Quando imita, a criança organiza o pensamento, utiliza a memória e exercita formas de agir. Ela ressignifica objetos e emoções, transpondo-os para aprendizagens cognitivas mais elaboradas; exercita a linguagem, adquirindo e ampliando o vocabulário.”. Corroborando este pensamento, Nista-Piccolo e Moreira (2012, p. 70) orientam que “A brincadeira pode ser um meio de acionar a memória, a capacidade de se expressar em diferentes linguagens, de promover sensações de prazer e de emoções.”. Na tentativa de viver novas situações, a criança expressa com a ludicidade suas relações sociais e evidencia seu cotidiano pela ação livre e espontânea. O(a) professor(a) da Educação Infantil pode contribuir com a organização de ações lúdicas que garantam o direito das crianças ao acesso, vivência e transformação da Cultura Corporal, sendo que: O grande desafio dos profissionais que atendem a essa faixa etária é criar situações que possam estimular explorações de movimentos, oferecendo meios de sincronizá-los com a música, de incentivar a imaginação por meio das atividades cênicas ou pictóricas. Proporcionar a dança, a música, o desenho, a pintura e a escultura é um meio de enriquecer o vocabulário de manifestações expressivas da criança, mas é importante destacar que nem todas apresentam os mesmos potenciais, assim como gostam mais, ou menos, de fazer determinada tarefa. (NISTA-PICCOLO, 2012, p. 16-17) Ainda, pensar a prática pedagógica consiste em considerar a realidade social das crianças: 26 As possibilidades de reflexão na e sobre a prática pedagógica só fazem sentido se estabelecidas em uma relação estreita com o cotidiano escolar e em articulação com a realidade social na qual os usos do corpo, da brincadeira, do movimentar-se, do lazer e das práticas corporais ganham sentidos e significados culturais, políticos e, portanto, humanos. (DEBORTOLI et al., 2002) Ehrenberg (2014, p. 184) complementa a relevância de compreender a singularidade da criança e da sua relação com o mundo, o que se revela como um desafio para os profissionais da Educação Infantil: As crianças sentem e pensam o mundo de maneira muito peculiar, pois possuem uma natureza singular que se evidencia no momento em que interagem com o meio em sua volta num esforço poético para compreender o mundo. Utilizam as mais diferentes linguagens para se comunicar, para não só entender, mas para criar e para recriar os significados que comporão sua realidade. Esse processo é a mais significante manifestação para a construção do conhecimento na infância. Talvez a compreensão dessas peculiaridades da criança seja o maior desafio da educação infantil e, por consequência, dos profissionais que atuam com esse segmento de ensino. Considerando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, os campos de experiências e as interações e brincadeiras como eixos estruturantes das práticas pedagógicas, propostos pela BNCC (BRASIL, 2017), e as reflexões das produções da literatura aqui empreendidas, destaca-se a relevância da formação integral da criança na Educação Infantil, cabendo pensar propostas pedagógicas que cultivem o ser por completo, com potencialidade para, simultaneamente, aproximar-se de ações conscientes de sua corporeidade e do mundo social e cultural. Um corpo que se manifesta com plenitude de consciência é promotor de desenvolvimento integral, para tanto, o conhecimento de si se torna indispensável também para compreender o redor. A criança, ao vivenciar o Yoga, com sua prática e filosofia, mediada pelas brincadeiras e interações lúdicas, pode refletir sobre as situações da vida, seus sentimentos e o contexto em que está inserida, conscientizando, desde pequenas, sobre sua corporeidade, o ser no mundo, buscando uma vida em liberdade com consciência em ações que respeitam o convívio em sociedade. 27 2.2 Yoga na Educação Infantil Considerando a perspectiva de formação integral da criança, discutida anteriormente, neste subcapítulo e seções que seguem são apresentados os pressupostos do Yoga e reflexões sobre o Yoga na infância e suas possibilidades de diálogo com propostas pedagógicas da Educação Infantil, levando em conta a intensidade com que as crianças se mostram curiosas e desafiadoras quanto a sua corporeidade. 2.2.1 Yoga: pressupostos O Yoga tem origem indiana e caracteriza-se como uma prática e uma filosofia. Propaga uma sincronia de movimentos corporais a movimentos respiratórios de maneira consciente, associados a princípios éticos. O Yoga tem como característica a união: “O termo Yoga deriva da raiz yuj, do sânscrito, que significa atar, reunir, ligar e juntar, focar e concentrar a atenção em algo, usar e por em prática; significa também união e comunhão.” (IYENGAR, 2016, p. 23). No ocidente, o Yoga ficou conhecido por sua combinação de técnicas de alongamento e posturas físicas, chamada de ásana, que combina exercícios isométricos, equilíbrios e alongamentos sustentados que contribuem na melhora de capacidades físicas como flexibilidade, força e resistência muscular. Mas, Yoga não se limita às posturas. A filosofia do Yoga, cujo termo assume com um de seus significados a união, traz como premissa a interação dos ásanas com os princípios éticos: social (yamas) e pessoal (nyamas), estados de relaxamento e autoconhecimento, o que propicia reflexões e o reconhecimento de sentimentos e atitudes (ROSSI; MIZUNO, 2016). Os primeiros escritos sobre o Yoga no oriente são atribuídos ao indiano Patañjali, da tradição hindu, que o compilou em oito passos, fundamentando-o como uma filosofia e associando os princípios a posturas de Yoga, exercícios de respiração, concentração e meditação. Assim, Patañjali ficou conhecido como yogí e gramático, seu nome está presente na autoria de três obras: Tratado de Medicina, Comentários sobre a Gramática Sânscrita de Panini e o Yoga Sutra, em que compreende os princípios que são indispensáveis para a compreensão da filosofia do Yoga (BARBOSA, 2015). 28 Conforme o Yoga Sutra de Patañjali, os oito passos do Yoga são: yama, o primeiro passo, apresenta princípios que se caracterizam como ética social; o segundo passo traz princípios de uma conduta sobre o conhecimento de si, ou seja, ética pessoal: nyama; o terceiro passo é o conhecimento e a prática de ásana, que são as posturas do Yoga e aproximam o corpo de uma postura correta na qual externa autoconfiança e autoestima; o quarto passo, pranayama, revela técnicas de respirações, variações ao inalar e exalar; pratyahara é o quinto passo, significa voltar os sentidos para si, olhar para o interior de si a fim de valorizar-se; o sexto passo, dharana, tem o sentido de desenvolver a concentração e manter foco. Os dois últimos passos, dhyana, que é o aprofundamento em meditação; e samadhi, ao qual Patañjali na tradução de Barbosa (2015, p. 63), descreve “Eis os postulados mais elevados do Yoga”, que traduz a aproximação do ser a sua essência; esse passo expressa uma necessidade de os passos anteriores já serem seguidos. Embora o Yoga seja mencionado por Patañjali como a ciência da meditação, não basta apenas fechar os olhos, é preciso um preparo consciente em ações comportamentais, e para alcançar todos os oito passos pode levar meses e até mesmo anos. Nesse sentido, e também pela especificidade, os dois últimos passos (dhyana e samadhi), não são desenvolvidos na infância. Estes poderão ser investidos na vida adulta, se for de interesse do indivíduo. Sobre este objetivo final do Yoga, a ser alcançado por ações contínuas do praticante, Iyengar reflete: Pela meditação profunda, o conhecedor, o conhecimento e o objeto conhecido se tornam um. O observador, a visão e o que é visto não tem existências apartadas uns dos outros. É como um grande músico que se torna um com seu instrumento e com a música que ele emana. Então o yogí reside em sua própria natureza e alcança a realização do ser (Atman), a parte da Alma Suprema que reside em seu interior. (IYENGAR, 2016, p. 26) Patañjali propôs um conjunto de princípios éticos e morais com a finalidade de que seja mantida a serenidade para assim objetivar uma vida harmoniosa em sociedade. Dentre os oito pilares ou membros do Ashtanga Yoga3, chamamos a atenção para os dois primeiros: os yamas (preceitos morais de conduta) e nyamas (observâncias internas). Tais princípios referem-se ao reconhecimento de sentimentos e de ações que envolvem características humanas (BARBOSA, 2015). De acordo com o autor, os 3 Asthanga Yoga é o nome dado ao conjunto dos oito membros do Yoga compilados por Patañjali. 29 princípios éticos sociais (yamas), que envolvem situações de condutas, a fim de reconhecer atitudes pela harmonia e respeito com o próximo, são definidos como: ahimsa, representa a não violência, seja essa verbal com ofensas ou agressões físicas para si ou para com o outro; satya, estabelece a consciência de ser verdadeiro, viver com veracidade em pensamentos e ações; asteya, discute atitudes sobre o não roubar, não querendo para si o que pertence a outrem; aparigraha que impulsiona a refletir quanto a possessividade, relativa a desapego de qualquer espécie; brahmacharya indica respeitar e a amar a si, não dependendo de relações que estabelecem desejo ou necessidade sobre a forma física. Os princípios éticos pessoais (nyamas) completam com outras cinco palavras do sânscrito, a harmonia e o respeito consigo: shauca envolve higiene corporal e do ambiente de convivência, valoriza a higiene externa como extensão de higiene interna; santosha agrega a observância de como se é e o que se tem, a percepção de ações positivas de desenvolvimento e crescimento; tapas incentiva o autodomínio, a força de vontade, entusiasmo e dedicação em busca de circunstâncias que nos remetam a evoluir integralmente; svadhyaya refere ao autoestudo, aos estudos de si e das teorias escritas por Patañjali, exame das escrituras do Yoga; ishvara-pranidhana é a ética que sugere o sentimento pleno e saciável de si, para tanto, é necessário ser conhecedor e praticar as nove éticas citadas, o que demanda anos de estudo (BARBOSA, 2015). A proposta do Yoga dialoga com a formação integral na Educação Infantil ao possibilitar a expressão em diferentes linguagens (corporal, artística, oral, entre outras), por meio da corporeidade. Cabe ressaltar, especialmente por se tratar de uma manifestação que não tem origem no contexto brasileiro, que não há relação entre esta manifestação da Cultura Corporal com nenhuma expressão religiosa. O que se assegura é que as crianças tenham mais uma oportunidade de se conhecer e, assim, construir uma identidade e as relações com os outros de forma harmoniosa, como pressupõem os documentos educacionais oficiais (BRASIL, 2017). É importante ressaltar […] que o Yoga não é uma religião. [...] Qualquer que seja a sua opção, seja cético, agnóstico, ateu ou seguidor de uma tradição religiosa – do cristianismo (católico, evangélico ou ortodoxo), islamismo, judaísmo, hinduísmo, budismo, entre outras – não importa, pois o Yoga não contesta nenhuma crença, já que tem como pedra fundamental o princípio da tolerância e oferece uma proposta direcionada para quem quer se tornar uma pessoa melhor e pretende viver em estado de constante paz interior e liberdade (BITTENCOURT; PIMENTEL, 2016, p. 17). 30 A cultura do Yoga é encontrada de diversas formas, chamadas de linhas, que pode priorizar a prática de mantras, de meditações, de automassagem, de movimentos acrobáticos, de foco na ação, dentre outros. Na ação com a Educação Infantil convém a linha Hatha Yoga, no qual os movimentos remetem a elementos recorrentes na natureza: pode ser a postura de um animal, independentemente de seu tamanho; pode ser de vegetais; pode-se imaginar fenômenos da natureza e os inserir numa postura. Porém, a tarefa de explorar o Hatha Yoga com crianças não é fácil, não se trata apenas de fazer mímicas; mas compreender os conhecimentos de uma técnica milenar e oriental, e que progrediu com adultos e para adultos. Assim, para tornar possível a sua pratica por crianças de cultura ocidental é preciso que a proposta seja adaptada usando recursos que nem sempre serão compreendidos pelos entusiastas do Yoga mais ortodoxos, segundo Castilho e Bomfim (2006), que atribui ainda uma qualidade específica do Hatha Yoga à infância: Já se sabe que todos somos, quando crianças, “yogues naturais” e que, portanto, a prática do Hatha Yoga pelo público infantil tenderá a evitar que se perca essa “yoguidade” original, mantendo e ampliando as nossas características “yoguicas” inatas. Assim, o Hatha Yoga tende a conversar e intensificar a energia, a vitalidade e a flexibilidade tão comuns entre as crianças […]. (CASTILHO; BOMFIM, 2006, p. 11) Diante das orientações de conduta que buscam por uma vida harmônica, de bem-estar, de saúde e paz, é possível perceber suas próprias características. Os movimentos do Hatha Yoga exigem equilíbrio e força corporal. Para equilibrar-se sobre uma das pernas é preciso canalizar força, atenção e firmeza ao sentir a planta do pé que se apoia ao chão; é preciso também organizar a coluna para que não tombe o corpo para um lado nem para outro; é preciso se sentir. O equilíbrio que a postura propicia irradia os pensamentos e uma respiração que mantenha esse equilíbrio corporal também trará equilíbrio para si como um todo, ou seja, ao perceber o corpo com consciência de seu envolvimento pelo movimento, é possível compreender-se internamente, aquietando-se em um dado equilíbrio, respirando com profundidade. E percebendo o caminho que o ar faz em nosso corpo trazemos a consciência para nosso interior, e isso mostra como pensamos sobre nós mesmos, e assim desenvolvemos o conhecimento de si. Segundo Martins e Cunha (2011, p. 2): 31 A prática de Yoga tem a intenção de canalizar a vitalidade infantil para o desenvolvimento integral e harmonioso da criança, sem forçar nada, apenas incentivando-a a expandir a sua criatividade, alongar os seus músculos, ouvir os seus próprios sons (respiração e batimentos cardíacos), cantar e representar personagens míticas, animais, o sol, a lua, as profissões, entre outros elementos do vasto repertório do Yoga adaptado ao seu universo (criança). Com base no conhecimento de si mesmo e de como o corpo se expressa por circunstâncias conscientes do seu interior, é possível reconhecer o quanto o corpo é pessoal, importante e valioso; perceber que as articulações permitem o andar, correr, pular, pegar, soltar, abraçar, falar, comer, olhar ao redor; elevar a autoestima, pois, reconhecer os “poderes” natos do corpo fortalece a auto-realização e a confiança em si. 2.2.2 Yoga: contexto escolar e formação infantil A infância é palco de envolvimento com pares, tomando como primeiros contatos sociais a família e, logo, a Educação Infantil. A Educação Infantil, que contempla a faixa etária até os cinco anos de idade, é a etapa em que proporciona à criança o contato com o mundo de forma institucionalizada e sistematizada. Para essa idade são propostos desafios constantes que perpassam pela socialização e o ambiente ao qual está inserida. Portanto, é necessário elucidar caminhos para que o trajeto seja de realizações, o que sugere inicialmente que a criança tenha um amplo conhecimento de si, que não limite o desenvolvimento humano e que traga propriedades para a vida em liberdade e em harmonia (BRASIL, 2017). Porém, como se dá a construção do conhecimento de si com tantos acontecimentos ao redor? O Yoga nos direciona a um olhar interno, que traz em seus princípios a valorização do conhecimento de seu interior e exterior. Ao apontar positivamente as características dotadas desde o nascimento e que são permanentes e flexíveis desde que reconhecidas, Iyengar (2016, p. 24) traz uma importante observação: “O Yoga também é descrito como a sabedoria na ação ou a arte de viver com destreza em meio às atividades, com harmonia e moderação.”. A linha denominada Hatha Yoga, com movimentos corporais que imitam a natureza (ásana) aliados a princípios éticos (yamas e nyamas), a exercícios respiratórios (pranayamas) e relaxamentos remetem o praticante à compreensão de seus limites físicos e dispõe de autodesafios constantes, respeitando os valores e 32 percepções de espaço e tempo, além do respeito a seu exterior e interior. Segundo a literatura, é possível obter o controle da atividade mental através da respiração. Assim, de acordo com Bittencourt e Pimentel (2016): O estado mental influencia diretamente a respiração; se estamos nervosos ou agitados, respiramos de forma rápida, superficial e irregular, mas quando há paz e tranquilidade na mente, a respiração é lenta, profunda e regular. (BITTENCOURT; PIMENTEL, 2016, p. 198) Em 1973 o Yoga prosperou pelos corredores de uma instituição escolar na França, mediado por uma professora francesa chamada Micheline Flak, que rapidamente provocou curiosidade sobre como poderia se dar esta prática em uma sala de aula. As primeiras hipóteses eram de descontentamento e apreensão, tanto das pessoas que nada conheciam, como daquelas que praticavam sobre o tapete “apropriado”. Os questionamentos eram compreensíveis, pois tanto a “moda” do Yoga quanto a crise no ensino estavam presentes como fenômenos de civilização da contemporaneidade. Em 1985 na França, Micheline Flak e Jacques de Coulon publicaram sobre as experiências com o Yoga na escola e destacaram como resposta aos questionamentos curiosos sobre a prática: “Para nós o Yoga está no cerne de todas as tecnologias de ponta que ajudam os jovens a se adaptarem à temida virada do século XXI” (FLAK; COULON, 2007, p. 13). Ainda, em busca de um ensino de qualidade, que atenda às expectativas de aprendizagem e de desenvolvimento humano, seguindo orientações sobre qualidade de vida na infância, a ação proposta pelos autores franceses tende a beneficiar gerações ao disseminar os conhecimentos do Yoga, por meio das práticas corporais e da filosofia milenar, a fim de fomentar novos hábitos, além de outras pesquisas sobre o tema. Flak e Coulon (2007) destacam que a prática de Yoga na Educação pode proporcionar melhores resultados na compreensão de integração à unidade “ser”, promovendo concentração e foco, saciando as curiosidades sobre si e promovendo bem-estar e harmonia no meio social, interagindo, assim, com as ações pedagógicas de ensino e aprendizagem que são base para a educação. Pode-se praticar Yoga constantemente em ações e atitudes no dia a dia e em ambientes variados, tanto em ambientes formais como informais. Os autores propõem uma releitura sobre os oito passos do Yoga Sutra de Patañjali (com o foco nos seis primeiros, considerando a especificidade da infância) de modo a aproximá-lo de todas as pessoas, independentemente de idades. Para a Educação Infantil, 33 podemos nos referir aos seis primeiros passos. Segundo Flak e Coulon (2007, p. 20) os princípios e a prática do Yoga resultam em: 1. Viver juntos. 2. Eliminar as toxinas e os pensamentos negativos. 3. Colocar-se numa boa postura. 4. Respirar bem para manter a calma. 5. Saber relaxar para manter um bom nível de energia. 6. Como o raio laser, concentrar suas forças. Concluem Flak e Coulon (2007) que o reconhecimento desta exploração inicial com Yoga na instituição escolar francesa trouxe benefícios aos praticantes em relação a conter o estresse, a melhora da concentração nos estudos e na qualidade do relacionamento com as demais pessoas, tanto no ambiente escolar como em outros contextos. Com colaboração desta experiência que foi publicada na França e, posteriormente, traduzida e disponibilizada para outros países, novas ideias e iniciativas para inserir o Yoga na infância e na escola podem ser observadas, inclusive em escolas públicas, ainda que de forma incipiente. No Brasil, algumas escolas públicas oferecem as práticas de Yoga em aulas de Educação Física. Há, também, profissionais de diferentes áreas da educação que de modo pessoal se interessam pela prática do Yoga e a incluem em suas práticas pedagógicas na educação básica. Um dos pioneiros em aproximar o olhar dos professores para os conhecimentos e práticas do Yoga no Brasil foi o professor Diego Ernesto Marcelo Arenaza. O docente inseriu o Yoga como conteúdos de estudos em nível superior, visando formar profissionais para expandir esta manifestação no contexto escolar e fundamenta a importância do Yoga como complemento no contexto educativo: Uma alternativa metodológica para enfrentar o estresse e a crise do ensino pode ser a utilização de exercícios simples de relaxamento e respiração, próprios do Yoga, na sala de aula. Através de exercícios de relaxamento o aluno aprenderá a controlar o estresse e a ouvir melhor, assim como despertará a sua criatividade e recuperará a confiança em si próprio. (ARENZA, 2003, p. 1) Ao abordar os estudos de Flak e Coulon indica, concluindo sua análise, que: A associação “Pesquisa sobre o Yoga na Educação" (RYE: Recherche sur le Yoga dans l'Education) introduz a aplicação de técnicas do Yoga nos centros de ensino como uma proposta pedagógica alternativa que favorece os processos de aprendizagem e pode ser aplicada pelos próprios docentes (ARENAZA, 2003, p. 1). 34 Outra iniciativa para levar o Yoga para as escolas é reconhecida nos estudos de Maria Ester Massola (2008). Em 2002 a professora de Educação Física iniciou seu trabalho com Yoga com crianças e adolescentes, em uma cidade do estado de São Paulo, na qual as aulas foram inseridas no currículo do Ensino Fundamental e defende: Nem todos sabem que antes de considerar os exercícios do corpo o Yoga considerou o exercício da vivência e das atitudes. Quanto mais cedo pudermos ensinar para nossos filhos que violência, mentira e forças da ganância são nocivas para nós e para o mundo, mais rapidamente veremos uma sociedade saudável (MASSOLA, 2008, p. 8-9). A autora enfatiza a importância do Yoga na formação de atitudes, ressaltando a formação humana: Os muitos aspectos da Yoga auxiliam a moldar atitudes. […] Nunca é cedo demais para que as crianças aprendam que, se pretendem ser felizes na vida, devem adotar certas condições humanas que permitam a felicidade dos outros e bem-estar da sociedade como um todo. Dessa forma, muitos dos problemas que afligem a humanidade poderiam ser erradicados, e poderíamos viver melhor e assegurar esse benefício às gerações posteriores. (MASSOLA, 2008, p. 173) O pressuposto para tratar de uma filosofia e prática tão antiga, ao tratar de desenvolvimento considerando o corpo como um todo capaz, consiste em conceber a criança como criança e Yoga como Yoga, porém possibilitando os vínculos entre ambos, pois: Não é comum ver uma criança sentada em postura de meditação, fazendo exercícios de concentração e achando tudo isso muito bom. Na infância, estamos voltados para fora, entramos em contato com o mundo por meio do movimento, aprendemos experimentando e criando; nossos sentidos estão aflorados para que recebamos a maior quantidade possível de informações, enquanto o Yoga é para dentro, quieto, contemplativo e sutil. (MASSOLA, 2008, p. 7) Segundo a autora, a vivência do Yoga, desde os princípios éticos para consigo e com o outro, aproxima a percepção para a essência do ser humano: “O Yoga prestigia valores que são próprios da criança, como simplicidade, ingenuidade, pureza e contentamento” (MASSOLA, 2008, p. 7). Com esta proposta, a autora trata com objetividade as possibilidades de alcançar ideais do Yoga com as crianças e, considerando a manifestação da essência 35 de cada um, compreende um estado de satisfação ao conhecer a si, que ocorre durante as vivências, despertando valores próprios das crianças com os princípios do Yoga e com as vivências nas práticas de posturas. Um exemplo disso se dá com os efeitos da postura do guerreiro II, que segundo Iyengar (2016 p. 79): “Esta postura fortalece e modela os músculos da perna. Ela alivia câimbras nos músculos das panturrilhas e coxas, traz flexibilidade para os músculos das pernas e das costas e também tonifica os órgãos abdominais.”. A postura do guerreiro denota, ainda, sobre conscientizar quanto aos valores que trazemos e fortalecer sentimentos: “[…] trabalha a energia, a disposição, a coragem e a determinação. Tudo que um guerreiro deve ter.” (JOÃOCARÉ, 2012, p. 18). Estudo de Moraes e Balga (2007) enfatizam sobre a vivência de Yoga com prática regular durante três meses nas aulas de Educação Física, para noventa crianças, de três turmas com idades de 6 a 7 anos que cursavam o 1º ano do Ensino Fundamental, ciclo I, em uma escola estadual de São Paulo-SP. Foram oferecidas práticas de posturas e respirações com o objetivo de que as crianças tivessem conhecimento de seu corpo e seus limites, e que desenvolvessem capacidades físicas de flexibilidade, equilíbrio, força e resistência, além de perceber e respeitar as qualidades e dificuldades dos colegas. Com práticas meditativas esperavam que as crianças desenvolvessem a concentração, a calma, a percepção de si mesma, a autoestima e, assim, diminuíssem a agressividade e a ansiedade. O estudo concluiu que: A Yoga vem como instrumento auxiliar para aquisição da sensibilização corporal no que concerne o conhecimento do próprio corpo, suas possibilidades e limites além de capacidades físicas de flexibilidade, força, equilíbrio e resistência. Juntamente com o cuidado ao corpo físico se faz necessário cuidado com a mente, a fim de formar o indivíduo de maneira integral e harmoniosa. É mais uma forma de interação do corpo com o meio buscando o desenvolvimento de nossas funções psicomotoras (MORAES; BALGA, 2007, p. 64). Cabe ressaltar que o nosso entendimento de corpo perpassa pelos pressupostos da corporeidade, ou seja, o corpo somos nós. Falar do corpo significa falar da pessoa, em sua integralidade. Portanto, o Yoga não é um mero instrumento para modular comportamentos dos alunos, mas seus princípios e práticas ao promover o conhecimento de si, contribuem para construir relações harmoniosas, podendo minimizar atitudes de agressividade entre os alunos: 36 Os exercícios de Yoga despertam a consciência de si mesmo e, ao mesmo tempo, a de se manter atento ao outro. Na verdade, estas práticas remetem a gestos alcançados em conjunto, a respirações harmonizadas e a um ideal simbolizado pelo centro. […] (FLAK; COULON, 2007, p. 22). Considerando o Yoga organizado em oito membros, em que dois deles se subdividem (yamas e nyamas) em diferentes práticas de éticas: pessoal, moral e social, vale atentarmos para uma visão mais ampla, que ultrapasse o espaço escolar. O Yoga sugere atitudes criativas ao cuidar e respeitar a si e ao outro: “O Yoga também é descrito como a sabedoria na ação ou a arte de viver com destreza em meio às atividades, com harmonia e moderação.” (IYENGAR, 2016, p. 24). Outro estudo, de Faria et al. (2014), contou com 40 crianças com idade entre 6 e 7 anos, matriculadas em uma escola municipal da cidade de Rio Claro-SP, que participaram de uma proposta integradora em busca do autoconhecimento, mediado pelo Yoga. A ação teve como objetivos analisar mudanças no comportamento das crianças, apresentando-lhes os conceitos morais e éticos do Yoga, promover bem-estar com as posturas e proporcionar autoconhecimento com o reconhecimento de emoções. Para tanto, as autoras enfatizam a importância do movimento humano como Cultura Corporal: O movimento humano se constitui enquanto cultura corporal que exprime um conjunto de símbolos e códigos morais e éticos, os quais movimentam e estabelecem as condutas dos seres humanos. Dentro deste cenário a disciplina Educação Física, pela incorporação da cultura corporal, promove seu gerenciamento em busca da formação de cidadãos conscientes e reflexivos para as questões relacionadas à saúde, bem-estar, trabalho, esportes e lazer (FARIA et al., 2014, p. 2). As autoras descrevem que as aulas foram realizadas uma vez por semana durante nove meses em um ano letivo, e os participantes se apresentaram mais alegres, menos tristes, mais calmos e com menos medo. Justificam que a proposta garantia finalizar as aulas com movimentos mais acelerados e não com relaxamentos, acreditando que essa tomada de decisão tenha sido equivocada na elaboração do projeto, pois sentiram falta deste momento de pausa que acontece durante o relaxamento. Concluem que houve a conquista do bem-estar dos praticantes e acreditam que a prática do Yoga possibilita encontrar o que chamaram de possível felicidade. Confirmam, assim, que o Yoga proporciona benefícios em diferentes dimensões humanas que auxiliam na formação integral. 37 Para Martins e Cunha (2011, p. 6), “A prática de ásana é uma forma de adquirir saúde e uma inteligência corporal para o indivíduo, o que significa que ele age com muito mais desenvoltura e espontaneidade no convívio social”, isso demonstra o desenvolvimento da Cultura Corporal ancorada ao lúdico com a arte de imitar e oferece a vivência de situações em que o corpo se mostra pensante, que podem ser levadas ao longo da vida. O autoconhecimento é indissociável da valorização de si. Ao perceber quão maravilhoso é o funcionamento do corpo e todas as formas de movimentos que podemos criar e recriar é possível se dar conta das habilidades e capacidades alcançáveis. Em outro estudo envolvendo o Yoga no contexto escolar, Costa et al. (2015) descrevem experiências com uma ação de formação docente, promovida pela UNESP Bauru e direcionada a professoras atuantes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Ensino do município, com o objetivo de investigar o conhecimento dos professores acerca do Yoga, identificar as dificuldades para promover o Yoga na Educação Infantil e produzir material didático- pedagógico coletivamente para o ensino de Yoga na escola em diálogo com a Cultura Corporal. Foram acolhidas 29 professoras no processo de formação e os autores concluem que: No percurso de identificar as possibilidades e desafios da mediação pedagógica do conteúdo Yoga na educação infantil, constatamos a partir das primeiras intervenções realizadas pelas professoras, o interesse das crianças em conhecer e vivenciar novas brincadeiras e posturas distintas das quais estão habituadas e, por consequência, a participação efetiva e cooperação nas brincadeiras propostas. Ainda, a satisfação e o entusiasmo das professoras respaldam os benefícios da prática de Yoga tanto para as crianças como para elas próprias. (COSTA et al., 2015, p. 13) Os autores também apontam alguns desafios deste processo que contribuem para refletirmos que o Yoga na escola precisa ser adaptado conforme as especificidades das crianças e das turmas: Entretanto, alguns desafios foram postos, tais como adequar as práticas e vivências a cada faixa etária e as suas necessidades específicas, assim como ultrapassar as barreiras que deslocam o trabalho do movimento corporal para os espaços e tempos reservados para as aulas de educação física (COSTA et al., 2015, p. 13). Corrêa (2016) relata a inserção pela Universidade Federal do Paraná de uma proposta de Yoga em uma escola estadual de Curitiba-PR, vinculada ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). A proposta foi inserida como unidade didático-pedagógica na disciplina de Educação Física aos alunos do 6º ano, 38 durante um ano letivo, para duas turmas, totalizando 40 participantes em oficinas em contraperíodo escolar. O objetivo consistiu em, por meio de observações dos comportamentos dos alunos, analisar os interesses pelas ações pedagógicas e questões de conduta disciplinar. A autora orienta os professores sobre os benefícios que o Yoga oferece e justifica a importância da interdisciplinaridade para progresso na análise: […] o Yoga não deve ser aplicado apenas nas aulas de Educação Física, mas também no contexto geral da Educação, tendo em vista ainda compreender os diferentes entendimentos e abordagens que essa técnica corporal pode assumir na escola (CORRÊA, 2016, p. 7). Contribuindo com as reflexões em torno do cenário dos conhecimentos de Yoga na educação, destacam-se ações meditativas no Brasil, conforme publicado em uma reportagem da Revista Nova Escola4, em 2017, intitulada “Mais zen antes de começar a aula”: As técnicas de atenção plena desembarcaram nas escolas brasileiras no embalo do sucesso no Reino Unido, na Austrália e nos Estados Unidos. Na terra da rainha, em 2015, um grupo do parlamento, depois de avaliar os potenciais benefícios do mindfulness5, requisitou a três escolas de referência que desenvolvessem modelos de ensino para ser replicados na rede. O relatório apontou que, além de melhorar o desempenho dos estudantes, a meditação pode ajudar na construção de competências socioemocionais, como perseverança, resiliência, confiança e colaboração. Meditar melhora o gerenciamento de capacidades cognitivas e emocionais. Por isso, quem consegue manejar seus sentimentos e está aberto a entender o outro se torna mais colaborativo (MAZZOCO; KRAUSE, 2017, p. 1). A reportagem relata a prática de meditação em duas cidades da região metropolitana de Porto Alegre, e atenta aos benefícios para os comportamentos dos alunos desde o Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Ressalta que a meditação deve ir ao encontro das necessidades dos alunos, caracterizando a prática como estratégia para o ensino e a aprendizagem, sendo o Yoga também percebido como instrumento disciplinar. Porém, a disciplina a qual o Yoga se refere está descrita no nyama tapas como uma organização interna, que propõe a observância de si. A 4 Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/8780/mais-zen-antes-de-comecar-a-aula. Acesso em: 26/10/2019. 5 Mindfulness é conhecida também como atenção plena. Consiste na técnica criada pelo professor americano Jon Kabat-Zinn, da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, na década de 1980. O docente desvinculou a meditação de tradições religiosas ou filosóficas e analisou a prática sob a ótica da ciência (MAZZOCO; KRAUSE, 2017). 39 disciplina a qual o Yoga reporta é interna, de observação e senso crítico de si. Nesse sentido, Barbosa (2017, p. 41) destaca que: Longe do sentido negativo da palavra sacrifício entre os ocidentais, tapas é o conjunto de práticas que reorientam a atenção do praticante de Yoga para uma vida pautada pelo desapego e exercício de sua própria natureza. O tapas afasta-nos de tudo que não é condizente com a nossa vida ideal. Especificamente em relação à Educação Infantil e à formação integral da criança, há uma amplitude de possibilidades formativas, portanto, é importante que possamos avançar em todas as dimensões do desenvolvimento, sendo que o “Yoga para crianças é uma forma de educação integral, que utiliza a experiência corpóreo- sensorial como suporte para a aprendizagem sobre si mesma”, com posturas e princípios que fortalecem e promovem aprendizagens sobre emoções e relacionamentos com os outros (MARTINS; CUNHA, 2011, p. 4). Para a percepção e reconhecimento dos yamas e nyamas podem ser tratados com as crianças assuntos que estão em sintonia com tais princípios: ansiedade, ganância, egocentrismo, falsidade, ódio, maldade, alimentação, birra, intolerância e desorganização, por meio da contação de histórias, reforçada com imagens e a possibilidade de realizar as posturas, técnicas de respiração, concentração e relaxamento e, assim, estimular a interiorização dos conceitos (FERREIRA, 2012). A literatura que aborda o Yoga na infância orienta sobre os efeitos, oferece instruções e curiosidades ao nomear posturas que imitam situações da natureza e do meio social: animais; vegetais; fenômenos naturais: sol, lua, estrelas, vento; meios de transporte: barco e avião; gestos que imitam uma esfera: rolar e girar em seu próprio eixo que exploram lateralidade, assim como o reconhecimento de si e do ambiente em que está inserido (CASTILHO; BOMFIM, 2006; JOÃOCARÉ, 2018). Cabe ressaltar que não é necessário um local específico para vivenciar o Yoga. As posturas, o relaxamento e as respirações podem ser adaptados para todos os espaços e desenvolvidas em pé, deitados ou mesmo na posição sentada. Contudo, é imprescindível que o ensino do Yoga para crianças na Educação Infantil seja mediado por brincadeiras, permeado pelo lúdico, com músicas, contação de histórias, desenhos e outras manifestações da infância. As brincadeiras e leituras podem ser conduzidas com apreciação de imagens e recontadas pelo professor de maneira lúdica, envolvendo gestos e respirações, nos quais as imagens ilustradas nos livros 40 estejam vivas e presentes nas expressões corporais e sejam vivenciadas e repensadas, objetivando uma predisposição para resolução de problemas. O relaxamento é imprescindível para a interiorização consciente de novas práticas e ideias que possam surgir. O Yoga promove um olhar interno com orientações que valorizam o próprio corpo (valorização de si) e incide em pensamentos sobre as características físicas, emocionais e sociais. Ao apresentar às crianças sua condição de ser que se movimenta, dialoga e se manifesta diante suas vontades, essa se identifica e se valoriza. E ao reconhecer o momento de parar de praticar algum movimento, porque a musculatura apresenta cansaço, há consciência e respeito; e, conscientemente há a percepção do movimento e o que ele provocou. Segundo Bittencourt e Pimentel (2016), o início para o autoconhecimento é conhecer o que é visível, palpável, audível, palatável sobre o que está disposto pelo corpo; por exemplo, ao se atentar à respiração é possível perceber o curso do ar no interior do corpo ao ser inspirado, ouvir o som que produz, sentir com uma das mãos sobre o abdômen o seu expandir. Ao perceber o corpo e os sentidos é possível tomar consciência do que é o corpo e o que os sentidos mostram. Ao identificar e refletir sobre estas propostas de inserção e desenvolvimento do Yoga no contexto escolar verifica-se que há iniciativas para democratizar esta manifestação corporal na escola, possibilitando o acesso e a vivência das crianças. Políticas públicas e de formação de professores serão medidas positivas no sentido de contribuir para que o Yoga seja incluído nos currículos escolares, contribuindo para a formação integral infantil. Para tanto, vale reconhecer que os princípios do Yoga são para todas as idades, pois mostram que considerar a essência de cada um é de grande importância e necessita respeito diante das condutas consigo e com outrem. É um processo que aponta persistência e não acontece de um momento a outro. 41 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo é explicitado o percurso da pesquisa, incluindo o tipo de abordagem, o contexto e os participantes do estudo, as técnicas de coleta de dados, o desenvolvimento da proposta de ensino e aprendizagem com Yoga na Educação Infantil e os procedimentos para a análise dos resultados. 3.1 Abordagem da pesquisa Esta pesquisa foi fundamentada de acordo com a abordagem qualitativa, a qual corresponde a questões particulares e de contextos sociais, não cabendo generalizações. Nesse tipo de pesquisa é valorizada a capacidade de identificar e analisar as percepções, pensamentos, opiniões, entre outros dados que não são mensuráveis (MINAYO, 2000). Trata-se de uma pesquisa com base em observação participante, na qual a professora-pesquisadora desenvolveu um processo de ensino e aprendizagem com Yoga na Educação Infantil. A observação participante pode ser considerada parte essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa. Sua importância é de ordem que alguns estudiosos a tomam não apenas como uma estratégia no conjunto da investigação, mas como um método em si mesmo, para compreensão da realidade. (MINAYO, 2000, p. 134) Diante deste delineamento qualitativo, foi desenvolvido um processo de ensino e aprendizagem com Yoga em uma turma de Educação Infantil. Também participaram do estudo as mães das crianças, por intermédio de resposta a questionários. O contexto e o desenvolvimento do processo de ensino e as técnicas de coleta e análise de dados são explicitados na sequência. 3.2 Contexto da pesquisa e participantes do estudo A pesquisa de campo foi desenvolvida em uma Escola Municipal de Educação Infantil de período Integral (EMEII) do interior paulista, município de Bauru, com população estimada em 376.818 segundo fonte do IBGE6 (2019), localizada no 6 Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/bauru/panorama. Acesso em: 26/10/2019. 42 centro da cidade, cercada por estabelecimentos de comércio variado, ocasionando que as crianças matriculadas sejam, em grande parte, filhos de funcionários que exercem profissões nos arredores da escola, na qual a pesquisadora atua como professora. Foram convidadas para participar desta pesquisa 19 crianças, sendo dez meninos e nove meninas, de uma turma Infantil V, com crianças de faixa etária completa e a completar cinco anos de idade no primeiro semestre letivo de 2019. Antecedendo o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem em Yoga na Educação Infantil, consideramos importante que os responsáveis pelas crianças convidadas a participar do estudo fossem orientados sobre a dinâmica do projeto para que tivessem liberdade de permitir ou não a participação das crianças. Para tanto, houve uma reunião que envolveu a professora-pesquisadora e as mães de todas as crianças. Foram expostos os objetivos, conteúdos e a metodologia das aulas com Yoga envolvendo as práticas de respirações, posturas, práticas de relaxamentos e de conscientização corporal e princípios éticos, sempre mediados por manifestações lúdicas, como brincadeiras, histórias, músicas, desenhos, dentre outras do universo da Educação Infantil, e em sintonia com o cronograma pedagógico para o primeiro semestre do ano letivo de 2019. Deste modo, as mães tiveram ciência da proposta e puderam esclarecer suas dúvidas. As mães de dezoito crianças autorizaram as participações de seus filhos e filhas e aceitaram colaborar ao responder questões prévias no início da pesquisa sobre o que conheciam em relação ao Yoga e as percepções sobre seus filhos e filhas. Apenas uma mãe optou por abster-se de responder o questionário e não autorizar a participação de uma das crianças, e registrou sua justificativa alegando que entendia os objetivos do projeto e que estes não estavam envolvendo questões religiosas, porém, preferia não confundir a criança, pois a família seguia um princípio religioso. Assim, a pesquisa foi desenvolvida com a participação de 18 crianças, nove meninos e nove meninas com idades entre quatro e cinco anos. Para manter o anonimato dos participantes, cada criança será citada no estudo com nomes fictícios, que representam os nomes de ásanas adaptados para crianças. Para esta definição, houve a discussão com a turma sobre os ásanas preferidos de cada um e uma lista foi organizada e registrada em ordem alfabética. Foi, então, pedido para que cada criança registrasse o próprio nome junto ao nome 43 do ásana, porém cada ásana poderia acompanhar somente um nome, e assim as crianças concluíram o quadro na lousa, incluindo também suas idades. As crianças participantes da pesquisa tinham no primeiro semestre de 2019 (período de desenvolvimento do processo de ensino de Yoga) idades entre quatro e cinco anos, contava com três meninos com quatro anos, seis meninos com cinco anos, quatro meninas com quatro anos e cinco meninas com quatro anos. Os nomes fictícios foram atribuídos conforme o quadro abaixo: Quadro 1: Identificação dos participantes da pesquisa Nome fictício Gênero Idade Árvore Menino 5 anos Avião Menina 4 anos Barco Menina 5 anos Boneca de Pano Menina 4 anos Borboleta Menina 5 anos Corredor Menino 4 anos Elefantinho Menino 5 anos Estrela Menina 4 anos Flor de Lótus Menina 5 anos Folha Menino 4 anos Gato Menina 5 anos Guerreiro Menino 5 anos Leão Menina 5 anos Lua Menina 4 anos Montanha Menino 4 anos Ponte Menino 4 anos Tigre Menino 4 anos Vela Menino 4 anos Fonte: Elaboração própria. 44 Em relação aos termos éticos, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da UNESP Bauru, com o parecer número 2.997.993. Os responsáveis pelas crianças assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a sua própria participação na pesquisa (respondendo aos questionários no início e término do processo); autorizando a participação das crianças na pesquisa; e, em seguida, as crianças autorizadas registraram o interesse em participar em Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), com ilustrações e leitura de imagens com o auxílio da professora- pesquisadora (conforme apêndices A, B e C). 3.3 Técnicas de coleta de dados Como técnicas de coleta de dados foram realizadas observações de campo e construído diário de campo pela professora-pesquisadora. Também foram aplicados questionários às mães das crianças no início e ao término do processo. Na ocasião do primeiro contato com as mães (na reunião de apresentação), foi aplicado um questionário no qual elas puderam registrar a compreensão das orientações e as expectativas sobre o projeto, além de indicar percepções sobre as crianças. Ao término do semestre letivo as mães puderam registrar suas opiniões em um segundo questionário (os roteiros constam nos apêndices D e E). As questões finais foram entregues em reunião pedagógica com as mães das crianças, ao cumprir o cronograma escolar de encerramento de semestre. Foi pedido que respondessem em casa com a família e, posteriormente, entregassem à professora-pesquisadora. Os registros das mães permitem dialogar com as observações feitas pela professora- pesquisadora no diário de campo. O intuito foi identificar e registar as expectativas iniciais com a proposta e aquelas que foram alcançadas com as ações. Para subsidiar as análises e reflexões sobre a proposta de ensino e aprendizagem em Yoga com as crianças recorremos à técnica de observação de campo e o respectivo registro em diário de campo. Segundo Minayo (2012, p. 621- 626), “Num trabalho de campo profícuo, o pesquisador vai construindo um relato composto por depoimentos pessoais e visões subjetivas dos interlocutores, em que as falas de uns se acrescentam às dos outros e se compõem com ou se contrapõem às observações”. 45 Neste sentido, foram registrados os interesses e o envolvimento das crianças, as manifestações durante as atividades ao longo do semestre letivo, individualmente e nas relações interpessoais, contemplando relatos das crianças sobre situações fora da escola, que fizeram parte de suas vidas simultaneamente às vivências em Yoga. Foram registrados, ainda, os comentários de outras crianças da escola, os relatos dos familiares, dos funcionários da instituição e, por fim, as percepções da professora-pesquisadora ao longo do processo. As aulas de Yoga foram registradas, contendo as referências teóricas do Yoga, objetivos, conteúdos, o processo de desenvolvimento e as observações durante a ação, relacionadas ao engajamento das crianças e aspectos emergentes como concentração, autoestima, colaboração, reconhecer e nomear a constituição do corpo, flexibilidade, equilíbrio, relacionamento intra e interpessoal, associando com alguns temas contemplados pelos conteúdos pedagógicos das áreas de conhecimentos: Ciências da Sociedade, Cultura Corporal, Língua Portuguesa, Matemática, Artes Literárias, Artes Visuais e Ciências da Natureza. Foram também consideradas as manifestações em rodas de conversa em que foram abordados assuntos sobre as ilustrações que fizeram com temas relacionados a sentimentos, como: saudade, alegria, raiva, solidariedade, inveja, mentira, gratidão, solidão, companheirismo, gula, preguiça, disposição, organização cognitiva, frustração, harmonia, empatia; relacionando-os a consciência da necessidade de refletir sobre eles e aproximar decisões de resoluções de problemas pessoais e que ocorrem ao longo da vida. 3.4 Desenvolvimento da proposta de ensino e aprendizagem com Yoga na Educação Infantil O desenvolvimento da proposta de ensino e aprendizagem com Yoga ocorreu durante o primeiro semestre do ano letivo de 2019, com aulas de 30 minutos por dia, duas vezes por semana nas manhãs das segundas e quartas-feiras, no interior da escola, sempre em local amplo e arejado, sem e com objetos ou móveis, em sala de aula, espaço para atividades físicas e no pátio. As práticas contemplaram a linha Hatha Yoga e eram compostas de alongamentos e posturas que remetem a elementos da natureza (ásanas), técnicas de respiração variando ao inalar ou exalar (pranayamas), literatura infantil e rodas de conversas com assuntos de características éticas social (yamas) e pessoal (nyamas), 46 atividades de concentração e relaxamentos. A brincadeira e o lúdico permearam toda a proposta. Os planejamentos foram pensados e desenvolvidos com a intenção, além de promover o conhecimento de si e da autoestima, aproximar as crianças das áreas de conhecimentos, as quais seguiram as orientações da Proposta Pedagógica para a Educação Infantil municipal de Bauru (BAURU, 2016) e em diálogo com estudos e legislação da Educação Infantil. Os planos de ensino estão disponíveis no produto educacional, em formato de livro digital7, em nove títulos que contemplam situações que confortam, como o de reconhecer-se e se sentir seguro em relação a família e a escola, que oferecem possíveis manifestações sobre sentimentos como a saudade de casa e o tempo em que convive com outras crianças na escola, tanto no aspecto pessoal como o de organização e preservação da instituição escolar; situações que desmistificam acontecimentos históricos em torno da origem do Brasil e cuidados com a sociedade e preservação de espécies e do meio ambiente; e um planejamento para o desenvolvimento de um livro físico no qual as crianças ilustram os ásanas que passaram a conhecer no decorrer dos procedimentos didático-pedagógicos. 3.5 Análise dos dados gerados A análise dos dados gerados com os registros em diário de campo e os questionários aplicados às mães das crianças foi fundamentada nos pressupostos de análise qualitativa. Como preconiza Minayo (2012, p. 7): “O percurso analítico e sistemático, tem o sentido de tornar possível a objetivação de um tipo de conhecimento que tem como matéria-prima opiniões, crenças, valores, representações, relações e ações humanas”; tornando possível a construção do conhecimento mediante análise qualitativa de um objeto de investigação. Diante desses pressupostos, com a análise dos elementos que se aproximaram, valorizando as expressões das crianças, das mães e dos registros da professora-pesquisadora, os resultados foram estruturados em dois eixos temáticos e seus respectivos subtemas. O primeiro, intitulado “Inserindo o Yoga na escola: expectativas das mães” apresenta as percepções das mães antes do início do projeto 7 LAURIS, M. A.; ROSSI, F. Yoga daqui, Yoga dali... mexe e brinca, remexe e descobre. Bauru: UNESP/FC, 2020. E-book. 47 com as crianças. O segundo, “Ensino e aprendizagem em Yoga: conhecimento de si e autoestima na Educação Infantil” analisa o processo de ensino e aprendizagem, bem como as percepções das mães ao término do projeto. Está organizado em dois subeixos: “Ensinando e aprendendo com Yoga na Educação Infantil” e “Yoga na Educação Infantil: conhecer-se e conviver”. Este último apresenta os subtemas: Yamas e nyamas: formação em valores; Os ásanas e os pranayamas: limites, desafios e autocontrole; Pratyahara: atenção, percepção e valorização de si; e, por fim, Dharana: concentração e foco no momento presente. 48 4 ENSINO E APRENDIZAGEM EM YOGA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECER-SE E CONVIVER Neste capítulo são apresentados os resultados da pesquisa e análises sobre a apresentação do Yoga às mães dos participantes da pesquisa. Denota as expectativas das mães em relação à proposta de ensino do Yoga e discute o processo de desenvolvimento da proposta de ensino e