Ana Clara Gatto A CONTRIBUIÇÃO DA SEMIÓTICA À INDEXAÇÃO DE DOCUMENTOS AUDIOVISUAIS: a narrativa imagética para a compreensão do tema de filmes Marília 2024 Câmpus de Marília Ana Clara Gatto A CONTRIBUIÇÃO DA SEMIÓTICA À INDEXAÇÃO DE DOCUMENTOS AUDIOVISUAIS: a narrativa imagética para a compreensão do tema de filmes Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Área de Concentração: Produção e Organização da Informação Orientador: Carlos Cândido de Almeida Marília 2024 G263c Gatto, Ana Clara A contribuição da semiótica à indexação de documentos audiovisuais : a narrativa imagética para a compreensão do tema de filmes / Ana Clara Gatto. -- Marília, 2024 170 f. : il. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: Carlos Cândido de Almeida 1. Materiais audiovisuais. 2. Arte narrativa. 3. Semiótica. 4. Indexação. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Impacto potencial desta pesquisa Com o aumento da produção e consumo de imagens pela sociedade, observa-se que a Ciência da Informação – como área voltada para a descrição, organização e recuperação da informação, seja ela textual, imagética ou tridimensional – deve se preocupar com a análise e descrição de documentos imagéticos, como a fotografia e o filme. Com base no impacto educacional1, com foco na gestão da informação e do conhecimento, a análise e descrição do filme de ficção e de vídeo vinculado a periódicos científicos pode contribuir para que sistemas de busca e recuperação de documentos audiovisuais tenham maior recuperabilidade e satisfação para diversos tipos de usuários, sejam eles especialistas – cineastas, profissionais da pós-produção, roteiristas, diretores de fotografia, cenografistas, entre outros – como não especializados – consumidores de modo geral. O trabalho apresenta uma proposta de análise utilizando como processo e método a semiótica, teoria que é utilizada em diversas áreas, mas que no presente documento dialoga com as áreas de Artes e Comunicação. O interesse por este assunto é de suma importância para o desenvolvimento da Ciência da Informação, visto que a área deve acompanhar os avanços no consumo de documentos informacionais. Potential impact of this research With the increase in the production and consumption of images by society, it is observed that Information Science – as an area dedicated to the description, organization and retrieval of information, be it textual, imagery or three-dimensional – must be concerned with the analysis and description imagery documents, such as photography and film. Based on the educational impact, with focus on information and knowledge management, the analysis and description of the fiction film and video linked to scientific journals can contribute to audiovisual document Search and retrieval systems having greater recoverability and satisfaction for diferente types of users, whether specialist – filmakers, post-production professionals, screenwriters, directors of photography, scenographers, among others – as well as non-specialists – consumers in general. The work presents an analysis proposal using semiotics as a process and method, a theory that is used in several áreas, but which in this document dialogues with the areas of Arts and Communication. Interest in this subject is of paramount importance for the development of Information Science, as the area must follow advances in the consumption of informational documents. 1 Com base no Documento da Área de Comunicação e Informação (https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de- conteudo/comunicacao-pdf) https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/comunicacao-pdf https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/comunicacao-pdf Ana Clara Gatto A CONTRIBUIÇÃO DA SEMIÓTICA À INDEXAÇÃO DE DOCUMENTOS AUDIOVISUAIS: a narrativa imagética para a compreensão do tema de filmes Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação Área de concentração: Produção e Organização da Informação Linha de Pesquisa: Organização da Informação Banca Examinadora Prof. Dr. Carlos Cândido de Almeida UNESP – Campus de Marília Orientador Profa. Dra. Franciele Marques Redigolo UNESP – Campus de Marília Membro titular interno Prof. Dr. Márcio Ferreira da Silva UFMA – Campus de São Luis Membro titular externo Marília, 22 de março de 2024 Aos meus pais, Cyro e Regina Aos meus irmãos, Bruno e Mariana DEDICO AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, pelo apoio; Aos meus pais e irmãos, pelo incentivo; Aos meus amigos e colegas, pelo companheirismo; À UNESP, pela oportunidade. RESUMO Com o aumento exponencial de imagens na modernidade, a Ciência da Informação deve se preocupar com sua análise e descrição para posterior acesso. O trabalho tem como objeto de pesquisa o filme narrativo, tanto por uma questão pessoal de preferência dessa modalidade audiovisual como também pela diversidade de informações presentes neste documento – informações técnicas, históricas, contextuais, sonoras e visuais – e de vídeos vinculados a periódicos científicos devido ao aumento da multimodalidade na divulgação científica. O processo de indexação de documentos audiovisuais vem sendo pautado na análise textual e na decupagem – descrição de plano a plano –, porém, além de ser uma metodologia demorada, não é suficiente para a obtenção do assunto do filme/vídeo, seu tema. Busca-se compreender o processo de criação da narrativa de forma imagética e aplicar os preceitos da semiótica na identificação do tema. O discernimento da imagem como narrativa acrescenta métodos para a área da Representação Temática, além de buscar compreender o objeto a partir de sua própria natureza, contribuindo com a descrição do conteúdo, tanto em aspectos técnicos quanto nos aspectos estruturais e o uso da semiótica possibilita a compreensão dos diversos códigos presentes no audiovisual e sua significação como um todo. Parte-se do percurso metodológico dedutivo iniciando-se com a revisão bibliográfica da estrutura narrativa e da linguagem cinematográfica para compreender o processo narrativo-imagético, utiliza-se o método descritivo para explicar o uso da semiótica no reconhecimento dos diversos códigos presentes no documento audiovisual assim como o uso do Percurso Gerativo de Sentido na identificação das intenções e consequentes ações dos personagens. Conclui-se que o entendimento da estrutura narrativa do documento audiovisual, além dos artifícios utilizados pelo cinema para construção da história, contribui para sua análise por possibilitar sua compreensão como um todo, sem precisar recorrer a decupagem, além do uso da semiótica no processo de significação dos diversos códigos presentes no documento. Palavras-chave: Materiais audiovisuais. Arte narrativa. Semiótica. Indexação. ABSTRACT With the exponencial increase of images in modernity, Information Science must be concerned with their analysis and description for subsequent access. This research focuses on narrative films, driven both by a personal preference for this audiovisual format and the diverse range of information presente in these documents – technical, historical, contextual, sound and visual information – it also encompasses vídeos linked to scientific jounals due to the growing multimodality in Science communication. The indexing process of audiovisual documents has traditionally relied on textual analysis and decoupage – shot-a-shot description – however, apart from being a time-consuming methodology, it is insufficient for capturing the subject and theme of the film or video. The study seeks to understand the process of creating narrative imagery and aplly semiotic principles to identify the theme. Recognizing the image as narrative adds methods to the field of Thematic Representation, contributing to the understanding of the object’s intrinsic nature. This contributes to the description of content in both techinical and structual aspects. The use of semiotics facilitates the comprehension of various codes present in the audiovisual medium and their overall meaning. The research follows a deductive methodological path, beginning with a bibliographic review of narrative structure and cinematographic language to understand the narrative-image process. The descriptive method is then employed to explain the use of semiotics in recognizing the diverse codes present in the film. Additionally, the Generative Path of Meaning is used to identify the intentions and subsequent actions of characters. In conclusion, understanding the narrative structure of audiovisual document, along with the cinematic techniques employed to construct the story, contributes to its analysis by enabling a holistic understanding without resorting to shot-a-shot description. The use of semiotics in the process of signification of various codes present in the document further enhances this understanding. Keywords: Audiovisual materials. Narrative art. Semiotics. Indexing. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Exemplo de vídeo nas fases de execução de pesquisa em periódico Cell 39 Figura 2 – Exemplo de cena 52 Figura 3 – Exemplo de montagem alternativa 53 Figura 4 – Exemplo de montagem alternada 53 Figura 5 – Exemplo de montagem paralela 53 Figura 6 – Exemplo de sintagma semifrequentativo 54 Figura 7 – Exemplo de sintagma frequentativo 55 Figura 8 – Exemplo de sintagma em chave 56 Figura 9 – Exemplo de sintagma descritivo 57 Figura 10 – Estrutura do filme dividido em cena, plano e frame 58 Figura 11 – Exemplo de Plano Aberto 59 Figura 12 – Exemplo de Plano Aberto extremo 59 Figura 13 – Exemplo de Plano Médio 59 Figura 14 – Exemplo de close-up 60 Figura 15 – Exemplo de close-up extremo 60 Figura 16 – Exemplo de ângulo contra-plongée e plongée 61 Figura 17 – Exemplo de ângulo contra-plongée com características psicológicas 61 Figura 18 – Exemplo de ângulo plongée com características 61 Figura 19 – Exemplo de plano holandês 62 Figura 20 – Exemplo de uso eufórico com significado disfórico 76 Figura 21 – Exemplo de uso disfórico com significado eufórico 77 Figura 22 – Exemplo de uso de cor para chamar a atenção do espectador 78 Figura 23 – Exemplo de uso de luz e sombra na criação da dramaticidade 78 Figura 24 – Efeito Kuleshov 80 Figura 25 – Efeito Kuleshov usado como exemplo por Alfred Hitchcock 81 Figura 26 – Exemplo de indexação automática por segmentação 86 Figura 27 – Exemplo de aplicação das classes de signo em uma sequência fílmica 109 Figura 28 – Mudança na aparência na transição de Vincent Malloy para Vincet Price 125 Figura 29 – Ações realizadas no universo de Vincent Price e transição para o mundo real 126 Figura 30 – Uso de contra-plongée no curta Vincent 127 Figura 31 – Uso de elementos visuais como características psicológicas no curta Vincent 128 Figura 32 – Uso de sombra no curta Vincent para indicar a transição entre Vincent Malloy e Vincent Price 129 Figura 33 – Influência do Expressionismo Alemão no curta Vincent 131 Figura 34 – Flashback no filme O Enfermeiro 136 Figura 35 – Uso de plongée no filme O Enfermeiro 137 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Plataformas de vídeo utilizadas no Brasil 27 Quadro 2 – Periódicos com modalidade vídeo na divulgação de resumo ou etapas de pesquisa 37 Quadro 3 – Conceitos da linguagem cinematográfica 64 Quadro 4 – Condensação das aplicações semióticas à análise proposta nos artigos recuperados 102 Quadro 5 – Síntese do uso das classes de signo na análise fílmica 111 Quadro 6 – Resumo dos conceitos da narrativa-imagética 118 Quadro 7 – Modelo semio-narrativo-imagético 121 Quadro 8 – Ficha de indexação do curta Vincent 132 Quadro 9 – Ficha de indexação do média O Enfermeiro 138 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS A Ação a.C Antes de Cristo AD Análise documentária apud Citado por ASIFA Association of Internacionl Film Animation AVoD Ad-Supported Video on Demand BRAPCI Base de Dados em Ciência da Informação Bros. Brothers Cetic Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação CGI Computer Graphic Imagery CI Ciência da Informação CRG Classification Research Group Docs Documentários DOI Digital Object Identifier E Estabelecimento EP Empresas-plataformas Etc E assim por diante EUA Estados Unidos da América et al. E outros FIAF International Federation of Film Archive I Inicial IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ibope Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística i.e Isto é IMDb Internet Movie Database Inc. Incorporation JoVE Journal of Visualized Experiments L Prolongamento LD Leitura Documentária min Minutos P Ápice p. Página p&b Preto e branco PA Plano Aberto PGS Percurso Gerativo de Sentido PF Plano Fechado PM Plano Médio QQOCP Quem; Quando; Onde; Como; Por que R Liberação S Situação SciELO Scientific Electronic Library Online son. Sonoro SVoD Subscrition Video on Demand TD Traço descritivo THESA Tesauro Semântico Aplicado TV Televisão TVoD Transactional Video on Demand UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UGC User-Generated Content USP Universidade de São Paulo XV 15 XIX 19 [] Acréscimo de texto [...] Supressão de texto [s.d.] Sem data [S.l.] Sem local 3D Tridimensional 5W Who; What; When; Where; How SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 1.1 Problema e objetivos 15 1.1.1 Objetivo geral 16 1.1.2 Objetivos específicos 16 1.2 Justificativa 17 1.3 Metodologia 18 2 A INFLUÊNCIA DAS TELAS 21 2.1 Televisão e cinema: a tela como meio de comunicação 21 2.2 Plataformização e o consumo de audiovisual 24 2.3 Multimodalidade e o uso do vídeo na prática científica 30 3 A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA 42 3.1 Movimentos cinematográficos 42 3.2 Linguagem cinematográfica 48 4 SEMIÓTICA 65 4.1 Estruturalismo 66 4.2 Semiótica da Cultura 70 4.3 Semiótica Peirceana 71 4.4 Semiótica aplicada ao cinema 74 5 INDEXAÇÃO DE DOCUMENTOS FÍLMICOS 82 5.1 Semiótica aplicada na indexação de documentos audiovisuais 96 5.2 Aplicações das três vertentes da semiótica no processo de indexação 104 5.3 Narrativa e narrativa-imagética 111 5.4 Modelo semio-narrativo-imagético 119 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 139 REFERÊNCIAS 143 FILMOGRAFIA 158 APÊNDICE A – Proposta de guia de identificação da estrutura narrativa e palavras-chave em documentos audiovisuais com base no processo de indexação 164 ANEXO A – Levantamento de dados referentes ao acesso a audiovisual e internet banda larga no Brasil 166 ANEXO B – Levantamento do alcance de vídeo no Brasil no ano de 2022 168 ÍNDICE CRONOLÓGICO DE MOVIMENTOS CINEMATOGRÁFICOS 169 14 1 INTRODUÇÃO A modernidade tem se tornado a era das imagens, tanto pelas propagandas visuais, as redes sociais focada em fotografias e vídeos e o surgimento de profissões centrada na divulgação de imagens em movimento – youtubers e tiktokers, por exemplo. Independente da busca pela imagem, seja ela parada em fotografias nas redes sociais, seja para divulgar e ilustrar um produto nas propagandas, ou na busca pela imagem em movimento para diversão, distração e/ou conhecimento, as imagens estão presentes no dia a dia de diferentes usuários para diferentes usos. Dessa forma, acredita-se que a descrição desse tipo documental nas bases de dados é de suma importância, visto que o aumento das imagens faz parte da atualidade. As bibliotecas contam com acervo de documentos textuais como livros e revistas, mas também de outros tipos de materiais os quais, de acordo com Amaral (1987), recebem diversas nomenclaturas como materiais audiovisuais, materiais não-impressos, multimeios, entre outros. Neste trabalho será usado o termo documento audiovisual, pois segundo Cunha e Cavalcanti (2008) os multimeios, materiais que não se apresentam na forma impressa convencional, podem ser incluídos em diversas categorias dentre elas a categoria audiovisual, ou seja, a junção de gravações visuais e gravações sonoras, “em definitivo, quando falamos de documentos audiovisuais nos referimos a um tipo de obra cujo conteúdo visual e/ou sonoro está incorporado em um suporte e tem uma duração linear” (Blanch, 2013, p. 11), sendo o foco da pesquisa os vídeos de divulgação científica e filmes narrativos, nomeado de documentos fílmicos, tanto por uma questão de crescimento da modalidade de divulgação em formato vídeo como por uma questão pessoal de preferência por filmes narrativos e pela diversidade de informações presentes neste documento – informações técnicas, históricas, contextuais, sonoras e visuais como cor, iluminação, figurino. O interesse por esse objeto, no que diz respeito ao filme, deve- se pela sua mutação e crescente desenvolvimento no decorrer dos anos – cinema mudo, cinema colorido, experimental, de animação – como também pelo uso de sua linguagem na construção do vídeo de divulgação científica. A estrutura audiovisual é mais complexa do que uma cadeia de números e/ou letras, tendo relações espaciais entre elementos de interesse dentro do conteúdo; relações temporais na ocorrência de eventos; atributos técnicos de nível baixo de conteúdo, como as cores e timbres de som; características semânticas de nível alto como a classificação 15 do gênero ou a representação de pessoas (Silva, 2014), à vista disso, a análise de assunto na indexação do audiovisual vem sendo tratada de forma interdisciplinar entre as teorias do cinema, teorias cognitivas e as teorias de análise de conteúdo da Ciência da Informação (CI). No caso da Ciência da Informação, a análise de um documento é pautada na Indexação, método de leitura documental voltado ao levantamento de palavras-chave para posterior tradução em conceitos que representem o documento em uma base de dados para recuperação pelo usuário. Para entender a temática retratada em um documento audiovisual deve-se considerar todas as informações presentes em uma cena, sendo que “[...] entende-se por informação qualquer elemento capaz de ser expresso com o auxílio de um código” (Greimas; Courtés, 1979, p. 235), seja esse código visual, gestual ou verbal. No cinema, esses códigos estão presentes nas cenas e planos, que através da montagem, organizam uma narrativa. 1.1 Problema Por ser um documento com várias camadas de análise – cor, cenário, iluminação, indumentária, diálogos, características dos personagens, enquadramento, ângulo, movimento de câmera – não há um padrão para sua descrição, e muitos manuais se baseiam na análise de documentos textuais. A análise textual traz a contribuição de entender a estrutura do documento, no caso, sua narrativa, para encontrar seu tema, podendo ser aplicado na análise fílmica, porém, as técnicas empregadas são diversas, sendo pautadas na decupagem, descrevendo cada elemento em cada cena, ou na descrição de segmentos significativos. Por trabalhar com diferentes códigos, estima-se que a semiótica pode contribuir na análise e descrição do documento audiovisual, visto que entende o signo de forma global, como elemento significativo que ganha significado quando interpretado no todo. Realizou-se um levantamento nas bases de dados BRAPCI, SciELO e Oasisbr em busca de literatura nacional sobre análise e indexação de documentos audiovisual. Os termos de busca utilizados foram “indexação de filme”, “indexação e semiótica”, “semiótica e análise fílmica” e “indexação audiovisual”, sendo recuperados 389 documentos, destes foram excluídos os trabalhos internacionais, o restante dos resumos foram lidos e os considerados pertinentes à pesquisa, e disponíveis online, foram analisados, a saber: Batista et al. (2022), Cordeiro (1990, 2013, 2018), Cordeiro e Amâncio (2005), Cordeiro e La Barre (2011), Gerber (2015), Lira (2016), Moura et al. 16 (2005), Pimentel Filho (2008), Silva (2014), Silva (2019), Santos et al. (2018) e Trojahn (2014). Os documentos recuperados trazem a questão da análise fílmica sob a ótica da análise facetada (Cordeiro; La Barre, 2011), análise com base nas dimensões intrínsecas e extrínsecas ao documento cinematográfico (Cordeiro, 2013; Cordeiro; Amâncio, 2005; Silva, 2014; Santos et al., 2018), características que consolidam um gênero utilizando de folksonomia (Batista et al., 2022), análise e descrição de fotogramas (Cordeiro, 1990); indexação automática a partir da divisão em planos (Pimentel Filho, 2008); elaboração de um tesauro de cinema brasileiro (Moura et al., 2008), questões éticas na indexação (Lira, 2016), o uso de técnicas de tagueamento coletivo como forma de aprimorar a recuperação em meios digitais (Cordeiro, 2018), utilização de técnica de tagueamento em curtas- metragens (Silva, 2019); utilização do modelo de análise de conteúdo (Gerber, 2015); e análise de cenas a partir do uso de histograma (Trojahn, 2014). Observaram-se divergências quanto as técnicas empregadas, mas foi possível delimitar semelhanças como o conhecimento prévio e/ou pesquisas externas pelo indexador e a descrição de elementos como personagens principais, tempo, espaço e referências históricas. Como visto, as propostas não procuram apresentar um modelo que conjugue diversas linhas da semiótica e da linguagem cinematográfica na indexação. O que se pretendeu com a pesquisa foi compreender a estrutura intrínseca da narrativa imagética de maneira a entender suas partes como pertencentes ao todo, em seguida, analisar o uso da linguagem cinematográfica como complemento de significação. Portanto, nota-se que os trabalhos recuperados não tratam sobre a estrutura narrativa, e quando utilizado a linguagem cinematográfica, é para a descrição de cena a cena, não evidenciando o seu uso como elemento significativo tendo em vista a indexação. 1.1.1. Objetivo geral Tem-se como objetivo geral a análise da contribuição da narrativa imagética para a indexação de documentos audiovisuais no que concerne os filmes narrativos. 1.1.2 Objetivos específicos Como objetivos específicos, buscou-se: • estudar a influência das telas e o consumo de documentos audiovisuais na prática científica; 17 • compreender a estrutura intrínseca da narrativa e o uso da linguagem cinematográfica no processo narrativo-imagético; • estudar a semiótica aplicada aos processos de indexação de documentos audiovisuais; • comparar a teoria semiótica com as técnicas cinematográficas de forma a evidenciar seu uso na análise fílmica. • sistematizar o conceito de narrativa e de linguagem cinematográfica na definição do tema/assunto do documento audiovisual; • elaborar um modelo baseado na narrativa-imagética de documentos audiovisuais. 1.2 Justificativa A Representação da Informação, especialmente no que concerne ao Tratamento Temático da Informação, abrange dois aspectos: a determinação do assunto e sua tradução para uma linguagem escrita. No caso dos filmes, a compreensão do conteúdo (tema tratado na história; assunto) vêm sendo analisada utilizando-se dos preceitos da linguística, em que as imagens são comparadas a enunciados e o filme a um texto. Essas análises partem da decupagem – divisão do filme em cenas, no qual são descritos aspectos de duração do plano, ângulo e movimento da câmera, escala, enquadramento, profundidade de campo, situação do plano na montagem e definição da imagem (Vanoye; Goliot-Lété, 1994); descrição dos personagens, local da cena, tempo fílmico, ação fílmica, componentes sonoros (López Hernández, 2003); descrição de gênero, temático, onomástico, geográfico e cronológico (Domínguez-Delgado; López-Hernández, 2017). Essas análises, por mais exaustivas em relação à técnica cinematográfico, não abrangem o conceito de narrativa. Parte-se do pressuposto de que assimilando a estrutura pode-se passar para um entendimento geral do objeto estudado, ou seja, ao apreender a narrativa-imagética, possibilita traduzi-la em um tema, o que o filme narra. Como complemento da atribuição do assunto, comenta-se o uso da linguagem cinematográfica como forma de atribuir camadas de significado para além dos elementos visíveis na tela. O discernimento da imagem como narrativa acrescenta métodos para a área da Representação Temática, além de tentar compreender o objeto a partir de sua própria natureza, contribuindo com a 18 descrição do conteúdo, tanto em aspectos técnicos quanto nos aspectos estruturais, para posterior acesso. À vista disso, pretende-se compreender a estrutura da narrativa-imagética proposta por Cohn (2013), possibilitando que seja percebida em qualquer manifestação fílmica, assim como o uso da linguagem cinematográfica de maneira a complementar os elementos da narrativa como a construção da tensão, foco em determinado objeto, percepção da sensação do protagonista entre possíveis subsídios para a criação de significado. 1.3 Metodologia A pesquisa inicia-se com a revisão bibliográfica em artigos, livros e textos científicos presentes nas bases de dados BRAPCI, SciELO e Oasisbr no intuito de levantar teóricos e teorias referentes a narrativa, narrativa-imagética, semiótica, análise e descrição de documento audiovisual como vídeos e filmes narrativos, indexação de documentos não textuais, linguagem cinematográfica, uso de vídeo pela ciência e da análise de assunto na indexação em vídeos científicos e filmes narrativos de ficção. A pesquisa tem o caráter exploratório, cujo objetivo é descrever as características de determinado fenômeno, no caso deste trabalho, a narrativa e como, utilizando-se dos mecanismos da linguagem cinematográfica, ela pode ser organizada e reconhecida a partir de imagens, para isso, parte-se do estruturalismo em que “estrutura” é “onde o todo e as partes são interdependentes, de tal forma que as modificações que ocorrem num dos elementos constituintes implica a modificação de cada um dos outros e do próprio conjunto” (Gil, 2008, p. 19). Portanto, através da descrição da narrativa-imagética, postula-se que esta é organizada em uma estrutura passível de ser aplicada seguindo um modelo que deve satisfazer a quatro condições: 1) o modelo deve ter caráter de sistema, logo uma modificação acarreta mudança no todo; 2) todo modelo deve ser composto de diferentes grupos e cada um possa constituir um modelo; 3) o modelo deve permitir prever a mudança no todo caso um de seus elementos se modifique; e 4) o modelo deve ser construído de forma que seu funcionamento possa explicar os fatos observados (Gil, 2008). De forma a verificar a interação entre indexação e narrativa, o trabalho apresenta teorias que compõe a base para a análise fílmica voltada para a identificação de seu tema, 19 para tanto, apresenta o conceito de linguagem cinematográfica, semiótica e estrutura narrativa. Para ilustrar como seria feita a análise, foi realizada a descrição das diretrizes aplicada a um curta-metragem e a um média-metragem2. A finalidade da análise de assunto na indexação é compreender de maneira crítica o que foi indagado no problema, levantando significações explícitas ou subentendidas (Sousa; Santos, 2020), sendo assim, parte da exploração do material em sua totalidade. Portanto, a abordagem do trabalho é qualitativa e de natureza aplicada, “objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática e dirigidos à solução de problemas específicos” (Silva, 2005, p. 20), no caso, o processo de indexação de imagens em movimento. Sendo assim, se apresenta como uma pesquisa exploratória, qualitativa e baseada em teorias. O trabalho está organizado em seções que discorrem sobre o uso das telas pela sociedade e sua importância na ciência contemporânea, demonstrando que os documentos audiovisuais estão presentes para além do entretenimento. Em outra seção comenta-se sobre cinema e linguagem cinematográfica com a breve apresentação da história do cinema e sua mudança no decorrer dos anos, além das técnicas próprias da linguagem cinematográfica que auxiliam na estruturação da narrativa-imagética, assim como o processo de criação da narrativa, apresentando uma estrutura composta por cinco elementos passíveis de serem identificados que serão a base para o modelo de análise juntamente com a teoria do signo de Peirce. Anterior a apresentação do signo em Peirce, faz-se a apresentação das três principais correntes da semiótica – estruturalista, da cultura e pragmática – e sua aplicação na análise fílmica demonstrando que a mesma pode ser utilizada como método de estudo, entretanto o foco é a peirceana por incluir o interpretante, ou seja, aquele que interpreta inserido em um contexto de significação, e pela sua divisão do processo significativo em dez classes que possibita a interação entre linguagem cinematográfica e o processos de significação propriamente dito. A escolha pela semiótica peirceana se deu pelo foco no processo de significação como interação entre signo, contexto e interpretante, logo a identificação dos códigos cinematográficos inseridos em uma dinâmica cuja estrutura, elementos narrativos e 2 Anterior a qualificação, era proposto a aplicação do modelo em três filmes de plataformas distintas de maneira a constituir um corpus, mas por conta da necessidade de estruturar melhor teoria e diretrizes, principalmente no que concerne ao entendimento das tipologias dos documentos audiovisuais, a proposta foi alterada de maneira a explicar as diretrizes para análise, mas sem necessariamente aplicá-las 20 história é observada e determinada, faz-se a descrição dos signos cujo significado é atribuído com base no contexto em que o interpetante está inserido. De forma a tornar o processo de análise menos subjetivo, tem-se a identificação da estrutura narrativa, que será utilizado o Percurso Gerativo de Sentido de Greimas (2014) teórico estruturalista, assim como a identificação dos elementos que compõem esta estrutura narrativa. A semiótica da cultura apresenta pesquisas voltadas a definição de um grupo dentro de um contexto, assim como suas características. Apesar de ser um tema abrangente e que tem relação com a construção de um ponto de vista, no trabalho não será utilizado pois o foco é a identificação e descrição da narrativa, seus elementos e como estes em interação apresentam os temas retratados. Por fim, é apresentado o modelo proposto com o intuito de demonstrar que o uso da semiótica e do conhecimento da linguagem cinematográfica pode auxiliar na etapa da indexação de identificação do tema, visto que se reconhecerá a estrutura do documento independentemente de como a história foi organizada. 21 2 A INFLUÊNCIA DAS TELAS Atualmente a sociedade é denominada sociedade midiatizada, ou seja, as interações e mediações são transmitidas através de um medium, dispositivo cultural emergente em que o processo de comunicação é técnico e redefinido pela informação (Sodré, 2006), “[...] se entende, do ponto de vista conceitual, a unificação entre a palavra escrita e falada e o som e a imagem em um único medium” (Sartori, 2001, p. 38), diante disso os meios de comunicação são caracterizados pelas informações que agregam, assim como pelo dispositivo em que está vinculado, as ditas “plataformas”. Anterior as tecnologias online e a plataformização (Poell; Nieborg; Van Dijck, 2020), que será tratado em seguida, far-se-á uma breve explanação sobre o processo comunicacional da escrita para as telas, passando pela influência da televisão e do cinema até o uso recorrente de plataformas e o aumento do consumo de vídeos, incluso o debate da multimodalidade na publicação científica ampliada (Marín Arraiza, 2016, 2019; Marín Arraiza; Vidotti, 2018; Torino et al., 2019). 2.1 Televisão e cinema: a tela como meio de comunicação Sartori (2001), na introdução de seu livro Homo Videns, chama a atenção sobre o processo dos meios de comunicação que possibilitou ao homem moderno a capacidade de ver à distância – tele-ver – concedendo o surgimento do vídeo viver, “o vídeo está transformando o homo sapiens produzido pela cultura escrita em um homo videns no qual a palavra vem sendo destronada pela imagem” (Sartori, 2001, p. 7-8). De acordo com o autor, o que difere o homem de outros animais é a capacidade de criar símbolos – língua, mito, religião, arte – além da possibilidade de articular esses símbolos em linguagem de maneira a expressar ideias e sentimentos, em oposição a linguagem animal que só articula sinais. A articulação de símbolos imagéticos como forma de comunicação teve como primórdio a arte rupestre, figuras pintadas nas paredes das cavernas pelos homens pré- históricos, ou seja, no período pré-escrita, em que eram representados, de forma simplificada, a vida cotidiana (Grobel; Telles, 2014). De acordo com Souza, Santos Filho e Trinchão (2015), a escrita propriamente dita surgiu quando os sinais foram alinhados de forma a corresponder com o pensamento linear, ou lado a lado ou um sobre o outro, seguindo o desenho de uma linha. O sistema de escrita mais antigo é o cuneiforme, criado pelos Sumérios em meados do quarto milênio a.C, mas a escrita alfabética surgiu somente 22 no segundo milênio a.C. na Fenícia (Queiroz, 2005). Anterior a este sistema, a escrita era marcada pelo uso de ideogramas, isto é, a representação de ideias em desenhos, revelando novamente a importância da imagem. A escrita alfabética foi adotada pelos gregos por volta de 900 a.C. e se definiu como alfabeto jônico composta por 24 letras utilizadas até hoje. Com influência do Oriente, assume-se uma nova instituição, os monastérios, que tinham como incumbência as tarefas de ensino e de escrita, além do trabalho de copista que se limitavam em somente escrever (Queiroz, 2005). Fora o trabalho minucioso e demorado, as obras copiadas ficavam somente nas bibliotecas e seu acesso era restrito, quem aprendia a ler era somente os filhos das famílias ricas (Nunes, 2008). Segundo Martín-Barbero (1997, p. 152) a imagem foi, desde a Idade Média, o meio de comunicação das classes ditas plebeias, em que era ensinada a história a partir de uma visão cristã, “com as figuras e cenas dos retábulos e capitéis, e depois com os grupos escultóricos e os baixos-relevos das catedrais góticas, a igreja cria uma imaginária compartilhada por todos, clérigos e leigos, ricos e pobres”. Nesse quesito, apresenta uma crítica, cuja base está na distância entre a realidade e aquilo que é mostrado, “precisamente porque nas imagens se produzia um discurso acessível às massas, a seleção do dizível e difundível será muito mais cuidadosa e censurada” (Martín-Barbero, 1997, p. 152), aqui apresenta-se um importante quesito da imagem, não tanto sua mensagem, mas seu uso. A indústria da mídia surge na metade do século XV com as técnicas de impressão que tornou possível mercantilizar formas simbólicas (Thompson, 1998). Essas formas eram difundidas em livros que proporcionou a formação de um mercado consumidor (Nunes, 2008), “o livro representa uma forma de socialização, instituindo, destarte, valores comunitários e econômicos e identidades grupais e individuais” (Queiroz, 2005, p. 12). Após a criação da prensa e o aumento substancial da circulação de material escrito, realiza-se a criação do telégrafo, que garantiu a comunicação à distância, seguida do rádio, que difundiu a indústria fonográfica. Nos primórdios da televisão, a divulgação de imagens internacionais estava atrelada aos produtores que trabalharam anteriormente com o rádio (Briggs; Burke, 2006), enquanto o cinema era a divulgação de imagem sem som. A implantação de imagem em movimento tem sua origem a partir da criação da câmera obscura no século XIX, instrumento que possibilitou que imagens fossem registradas em vidro sob efeito de luz no nitrato de prata, o que ocasionou, anos depois, a criação da câmera de vídeo. Enquanto o cinema como conhecemos hoje remonta para a 23 década de 1915 com Nascimento de uma nação de D. W. Griffith, a televisão surge alguns anos depois, em meados de 1930. Com o advento da reprodução de imagem e som e modos de distribuição pela imprensa e televisão, Kellner (2001) introduz a chamada cultura da mídia em que as mensagens vinculadas têm poder de influenciar os telespectadores em relação a construção de identidade, classe, preferências e opiniões. Para o autor, essa influência se dá por meio do uso da narrativa O inexorável realismo representacional da televisão também se tem subordinado aos códigos narrativos, da história contada, e às convenções dos gêneros codificados. [...] Se, na maior parte da história da televisão, a palavra- chave foi narração, a visão pós-modernista da televisão como imagem muitas vezes descentra a importância da narrativa (Kellner, 2001, p. 301). Martín-Barbero (1997, p. 231) apresenta o cinema como “a imagem do povo”, devido a sua estrutura vital “esse público [as massas] viu a possibilidade de experimentar, adotar novos hábitos e ver reiterados (e dramatizados com as vozes que gostaria de ter e ouvir) códigos de costumes". A partir do cinema, o público viu a oportunidade de se manifestar e ser visto para além das elites, “e vai se inscrever nesse movimento dando imagem e voz à ‘identidade nacional'. [...] Ao permitir que o povo se veja, o cinema o nacionaliza” (Martín-Barbero, 1997, p. 232). “Transformar emoções, expressar ideias e interagir com o público, é o resultado da distribuição própria dos ‘componentes’ do cinema” (Huf, 2021, p. 105) como os planos, sons, montagem e personagens. A primeira exibição de imagem em movimento realizada pelos irmãos Lumière em 1898 apresentou o caráter orgânico da filmagem, o trem saindo da estação demonstrava apenas a realidade, não carregava os artifícios da linguagem cinematográfica para insinuar algo além do que estava sendo exposto. Em contrapartida, com o advento de técnicas cinematográficas e com a ascensão da narrativa, há os filmes que retratam, a partir do contexto histórico, aquilo que o diretor e a sociedade pensam. Charles Chaplin em Tempos Modernos (1936) criticou a revolução industrial e a forma como o trabalhador acaba por fazer parte de um maquinário, assim como em O grande ditador (1940) em que satiriza a imagem de Hitler, em oposição ao documentário O triunfo da vontade (1935), propaganda nazista da época – cada filme dialoga com um determinado público a partir de um determinado contexto. Há também as produções ditas “clássicas” da Disney como Bambi (1942), Branca de neve e os sete anões (1937), Bela Adormecida (1959) entre outros, produzidas nos anos pós-guerra que representam personagens, em sua maioria órfãos, que conseguem superar 24 esse trauma e ascender socialmente, referindo-se a todos que perderam alguém na guerra; além disso as personagens femininas são representadas como dependentes dos homens em uma época que a mídia investia no consumo feminino; com o início da Terceira Revolução Industrial em 1945, com filmes que retratam a deterioração da humanidade com o advento da tecnologia, explorando seu lado negativo e exagerado, como também filmes que retratam as maravilhas tecnológicas exibindo um futuro possível (Huf, 2021). Dessa forma, a imagem televisiva, assim como a imagem cinematográfica, funciona como um mito, pois integra o indivíduo em uma ordem social, oferece modelos de pensamento, apresenta valores dominantes e delimita as formas de comportamento. Para a Escola de Frankfurt, grupo de pesquisadores cuja teoria mais conhecida foi a crítica à cultura de massa (Freitag, 1994), os seus pensadores, Adorno e Horkheimer, discutiam que a massificação da cultura tornava o trabalhador em uma entidade consumidora passiva, levando a reações automáticas, “diante da tv o sujeito não é independente e reflexivo, mas inconsciente e massificado” (Gomes, 2010, p. 59). Isto posto, quando a cultura passa a ser imagética e manipulada pela classe dominante, criam- se padrões de querer ser e do pensar, com foco no consumo de produtos e estilo de vida. Atualmente, os produtos audiovisuais podem ser acessados através do telefone celular com acesso à internet (os smartphones), e são acoplados em plataformas de vídeo. A seguir, será definido brevemente a plataformização, com foco nas plataformas de vídeo. Para ilustrar, será apresentado um quadro com as plataformas utilizadas no Brasil. Após, é apresentado o conceito de Ciência Aberta e multimodalidade e o uso de produtos audiovisuais na prática científica. 2.2 Plataformização e o consumo do audiovisual Com o intuito de apresentar a nova modalidade de acesso à aplicativos dos mais variados tipos, esta seção disserta sobre o conceito de plataforma, serviço no qual a troca de informação entre usuário e empresa possibilita uma melhor divulgação de conteúdo que seja do interesse do perfil do consumidor. Para isto, define-se a convergência digital, em que diferentes mídias interagem em um único ambiente, “a convergência digital incide sobre os hábitos e condutas dos usuários dos meios de comunicação. O desenvolvimento da internet tem mudado a forma como consumimos conteúdo audiovisual, oferecendo produtos que antes somente podiam ser encontrados na televisão” (Navarro Robles; Vàzquez Barrio, 2020, p. 11, tradução 25 nossa). O conceito de “convergência” tem relação com o fluxo de conteúdo produzido em diferentes plataformas midiáticas. Por “plataforma” tem-se “infraestruturas digitais (re)programáveis que facilitam e moldam interações personalizadas entre usuários finais e complementadores, organizadas por meio de coleta sistemática, processamento algorítmico, monetização e circulação de dados” (Poell; Nieborg; Van Djick, 2020, p. 4). Para Andréa (2020, p. 18), plataformas são como “lógicas de conexão [que se] potencializam como parte de uma estratégia – comercial sobretudo – que visa incentivar usuários a deixar rastros de suas relações, preferências etc”, consequentemente cria-se um ambiente digital em que o usuário, ao interagir com o sistema, fornece dados que viabiliza a personalização entre sujeito e produto final oferecido, ou seja, as plataformas oferecem uma infraestrutura que possibilita a comunicação, interação e venda (Gillespie, 2010). Atualmente, com a internet e com a praticidade das plataformas, há as chamadas empresas-plataformas (EP), organizações que têm como modelo de negócio o uso de plataformas online que criam valores ao facilitar a interação entre serviço e consumidor (Miranda, 2018), essas empresas são divididas em tipos de serviço prestado, podendo ser de mobilidade (Uber3, 994, BlaBlaCar5), entrega de comida ou delivery (IFood6 e Rappi7), redes sociais (Facebook8 e Instagram9), marketplace ou mercado online (Mercado Livre10, Amazon11 e Shopee12), música (Spotify13 e Deezer14), produtividade (Trello15, Asana16 e Mention17), de busca (Google18 e DuckDuckGo19), hospedagem (airbnb20 e 3 https://www.uber.com/br/pt-br/ 4 https://99app.com/ 5 https://www.blablacar.com.br/ 6 https://www.ifood.com.br/ 7 https://www.rappi.com.br/ 8 https://www.facebook.com/ 9 https://www.instagram.com/ 10 https://www.mercadolivre.com.br/ 11 https://www.amazon.com.br/ 12 https://shopee.com.br/ 13 https://open.spotify.com/intl-pt? 14 https://www.deezer.com/br/ 15 https://trello.com/ 16 https://asana.com/pt 17 https://mention.com/en/ 18 https://www.google.com/ 19 https://duckduckgo.com/ 20 https://www.airbnb.com.br/ 26 booking21) e as plataformas de vídeo por streaming, forma de consumo que vem se popularizando por ser uma alternativa ao consumo de conteúdo e entretenimento. Streaming “[consiste] no download contínuo de um arquivo de áudio ou vídeo comprimido, que, assim, pode ser ouvido ou visto na estação do usuário” (White, 2012, p. 268), logo os vídeos são transmitidos sem armazenar as informações no computador do usuário (Amaral, 2016). O acesso à plataforma se dá por meio de cadastro e/ou pagamento da mensalidade, com a possibilidade de acesso a diferentes dispositivos, como televisão e smartphone, e conta compartilhada com mais de um usuário, ou seja, diferentes perfis que acessam a mesma plataforma. As plataformas de streaming podem ser divididas de acordo com seu modelo de negócio, sendo User-Generated Content (UGC), distribuidora e produtora- distribuidora. As plataformas UGC são as que permitem que usuários produzam e cadastrem seu conteúdo na plataforma, por exemplo o YouTube e Twitch, geralmente as UCGs são gratuitas, mas oferecem planos pagos possibilitando o bloqueamento de anúncios (Coutinho; Santos, 2022), esse tipo de plataforma disponibiliza os chamados Ad-Supported Video on Demand (AVoD), em que o conteúdo é disponibilizado gratuitamente, mas é financiado por publicidade (Silva, 2018). As distribuidoras são “plataforma[s] de streaming que compra[m] conteúdo pronto para reprodução [...]. As plataformas Produtoras-Distribuidoras, por sua vez, produzem conteúdo próprio e distribuem conteúdo de terceiros” (Coutinho; Santos, 2022, p. 6), ou seja, enquanto a primeira distribui os Transactional Video on Demand (TVoD), vídeos que são alugados ou vendidos de forma individual, como no YouTube e em alguns canais vinculados ao Prime Video da Amazon, a segunda produz os Subscrition Video on Demand (SVoD), que por meio de mensalidades, distribuem conteúdo próprio ou de terceiros para seus assinantes, como a Netflix (Silva, 2018). Além destas, Silva (2018) considera mais um tipo de serviço, o Catch up TV, em que a oferta de conteúdo está vinculada a TV por assinatura, como a HBO Go. Cada tipo de plataforma de streaming pode disponibilizar diferentes tipos de vídeo, como é o caso do YouTube, que disponibiliza conteúdo de terceiros e aluga filmes, assim como o Prime Video que produz conteúdo próprio, mas por meio de parcerias com outros estúdios, possibilita o aluguel de filmes. Para melhor visualização dos tipos e serviços ofertados pelas plataformas de streaming, realizou-se o levantamento das 21 https://www.booking.com/ 27 plataformas de vídeo utilizadas no Brasil com segmento, tipo de conteúdo vinculado e breve descrição. Quadro 1 – Plataformas de vídeos utilizadas no Brasil PLATAFORMA / PAÍS DE ORIGEM SEGMENTO / TIPO DE CONTEÚDO DESCRIÇÃO Amazon Prime Video EUA Entretenimento Produtora-Distribuidora TVoD e SVoD Requer assinatura Streaming de propriedade da Amazon Inc., oferece programas de televisão, séries e filmes para aluguel ou compra Apple TV+ EUA Entretenimento Produtora-Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming de propriedade da Apple Inc., oferece séries e filmes Argo EUA Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming em que os próprios usuários podem compartilhar filmes, além de contar com um blog que vincula notícias, entrevistas e playlists BP Select Brasil Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming do Brasil Paralelo, oferece filmes “com lições valiosas, com valores seguros e que contribuem para o crescimento pessoal” (Brasil Paralelo, online) Claro Video Brasil Entretenimento Distribuidpra TVoD e SVoD Requer assinatura Plataforma que oferece aluguel de filmes, séries, documentários e shows Crunchyroll EUA Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming focado na cultura asiática oriental, distribui anime, mangá e dorama Dailymotion França Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Site de hospedagem de vídeo como o YouTube, mas não oferece aluguel e compra de filmes DarkFlix Brasil Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming brasileiro voltado ao cinema fantástico, oferece filmes, documentários e animações de horror, ficção cientifica, fantasia e suspense DAZN Reino Unido Entretenimento Distribuidora Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da DAZN Group, é voltado aos esportes oferecendo competições esportivas nacionais e internacionais ao vivo Discovery+ EUA Entretenimento Produtora-Distribuidora Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da Warner Bros., oferece reality shows, documentários, programa de culinária, decoração e reforma Disney+ Entretenimento Streaming de propriedade da Walt 28 EUA Produtora-Distribuidora SVoD e Catch up TV Requer assinatura Disney Company, oferece séries e filmes próprios voltados ao público infantil e infanto-juvenil DTube EUA Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Similar ao YouTube em que os próprios usuários hospedam seus vídeos, com a diferença de ser uma plataforma descentralizada Facebook Watch EUA Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Plataforma de vídeo vinculada ao Facebook em que os usuários podem compartilhar vídeos dos mais diversos tipos Globoplay Brasil Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming de propriedade da Globo, oferece filmes, séries e programa de TV HBO Max EUA Entretenimento Produtota-Distribuidora SVoD e Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da Warner Bros., oferece programas de TV, filmes e séries IGTV EUA Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Plataforma de vídeo vinculada ao Instagram em que os usuários podem compartilhar vídeos dos mais diversos tipos iQIYI China Entretenimento Produtora-Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming panasiático, oferece séries e filmes Itaú Cultural Play Brasil Entretenimento Distribuidora SVoD Gratuito Plataforma de vídeo de produções audiovisuais brasileiras, oferece filmes, séries e programas de TV Lionsgate+ EUA Entretenimento Distribuidora SVoD e Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da Starz, oferece produções do canal de televisão, séries e filmes Looke Brasil Entretenimento Distribuidora TVoD e SVod Requer assinatura Streaming de séries e filmes para alugar ou comprar MUBI Reino Unido Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming de cinema, oferece séries e filmes, além do diferencial de disponibilizar diariamente um filme novo Netflix EUA Entretenimento Produtora-Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming de séries, filmes e documentários Odysee EUA Entretenimento Distribuidora AVoD e Catch up TV Site de hospedagem descentralizado, possibilita que os próprios usuários armazenem seus conteúdos 29 Gratuito Paramount+ EUA Entretenimento Produtora-Distribuidora SVoD e Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da Paramount Streaming, oferece conteúdo original em filmes e programas de televisão Pluto TV EUA Entretenimento Distribuidora SVoD Gratuito Streaming de propriedade da Paramount Streaming, oferece programas de televisão, seu diferencial é ser visualmente como um guia de televisão Star+ EUA Entretenimento Distribuidora SVoD e Catch up TV Requer assinatura Streaming de propriedade da Walt Disney Company, oferece filmes e séries voltados ao público adulto Tamanduá TV Brasil Entretenimento Distribuidora TVoD Requer assinatura Streaming de conteúdo independente, oferece séries e filmes em diferentes tipos de planos como o Cine BR, com seleção de filmes e séries brasileiros; Cine Docs, com documentários brasileiros; Cine Euro com filmes europeus; Cine Mais, com variedade de filmes sobre artes e humanidades; e Cine Educa, voltada para professores e estudantes do Ensino Médio e Enem TikTok China Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Plataforma e rede social de compartilhamento de vídeo Twitch EUA Entretenimento Distribuidora AVoD Gratuito Streaming de vídeo ao vivo, oferece gameplay, transmissão de música e reacts Vimeo EUA Entretenimento Distribuidora SVoD Requer assinatura Site de compartilhamento em que os próprios usuários disponibilizam os vídeos Vizer Brasil Entretenimento Distribuidora SVoD Gratuito Plataforma de vídeo, disponibiliza séries e filmes WePlay Music TV Brasil Música Distribuidora SVoD Requer assinatura Streaming brasileiro, oferece shows na íntegra com foco na música brasileira YouTube Premium EUA Entretenimento Distribuidora AVoD e TVoD Requer assinatura Streaming de propriedade do Youtube Inc., oferece a visualização de vídeos sem anúncios e permite o download do vídeo para ser visto off-line Fonte: Elaborado pela autora (2023) 30 Após o levantamento22, depreende-se o uso de plataformas para os mais variados conteúdos audiovisuais, desde shows completos, até filmes e vídeos em que os próprios usuários alimentam a plataforma, como é o caso do YouTube. Isto posto, apresenta-se na próxima seção a presença das telas em outros âmbitos que não o do entretenimento. O uso do audiovisual na ciência é uma tendência que deve ser observada com atenção, em especial, na ciência aberta que por meio da multimodalidade faz uso do vídeo para divulgar e suplementar etapas da pesquisa científica. 2.3 Multimodalidade e o uso do vídeo na prática científica Com a incidência do uso da internet no cotidiano para diferentes fins, esta seção aponta a utilização do vídeo pela prática científica, em que é disponibilizado, por meio do audiovisual, etapas da pesquisa ou complemento em vídeo, ofertando material além do próprio texto escrito. Esta prática tem relação com a Ciência Aberta, ação que visa promover a transparência e esclarecimento de métodos e metodologias nas etapas da pesquisa científica. De acordo com Marín Arraiza (2019) a prática científica tem mudado seus paradigmas, sendo “paradigma” as realizações científicas reconhecidas universalmente e que, em determinado tempo, proporcionam modelos de problemas e soluções, sendo distinguida dois paradigmas na história, definidos a partir de Bartling e Friesike (2014 apud Marín Arraiza, 2019) como revoluções científicas, constituindo a primeira como a profissionalização do conhecimento científico, a prática de compartilhar os resultados tornando a ciência um processo autocorretivo, e a segunda com o uso da internet como forma de publicar os resultados em qualquer etapa da pesquisa, possibilitando o debate sobre ciência aberta e multimodalidade. Entende-se por Ciência Aberta um movimento que incentiva a transparência de qualquer etapa da investigação científica além do uso de softwares abertos, promovendo o esclarecimento de metodologias e resultados, possibilitando a distribuição e reutilização 22 Em relação ao acesso a plataformas de audiovisual no Brasil, Kantar Ibope (online) levanta que, no mês de novembro de 2023, 28,6% da população acessaram plataformas de vídeo em qualquer tipo de dispositivo – smartphone e TV –, sendo que 68.793 domicílios contam com acesso à internet banda larga (IBGE, 2022), ofertadas por 44 empresas (Cetic.br, 2022) (Anexo A). 31 por todos os níveis da sociedade de forma gratuita, além da participação social com a colaboração de não cientistas na pesquisa (Silva; Silveira, 2019). Considera-se que a Ciência Aberta atua em quatro perspectivas, sendo: a Filantrópica, com a democratização da ciência e da pesquisa através do compartilhamento da produção seja por cursos online e abertos ou periódicos com acesso aberto; Reflacionária, com o compartilhamento da pesquisa desde as primeiras etapas, possibilitando as sugestões e o fomento aos ambientes colaborativos; Construtivista, com a possibilidade da ciência se abrir para além das universidades, abrangendo empresas e centros de pesquisa; e Exploratória, com a transformação do conhecimento científico teórico em conhecimento prático, novamente apresentando uma relação entre universidade e indústria (Friesike et al., 2015 apud Marín Arraiza, 2019). Atualmente, na divulgação da ciência, é possível observar o aumento de diferentes formatos de conteúdo para além do verbal/escrito como imagem e som, “o ser humano, diante da necessidade de registrar e compartilhar acontecimentos, informações e ideias, ao longo dos anos, tem criado e buscado sistema de representação para além da língua” (Gualberto; Santos, 2019, online). À vista disso, constam as chamadas multimodalidades, duas ou mais modalidades da linguagem, seja ela verbal, visual ou audiovisual, que são combinadas e integradas de forma a favorecer o entendimento por parte do usuário, ou seja, em um mesmo documento é possível juntar texto, imagem, hiperlink e vídeo, tudo para incrementar o conteúdo e possibilitar uma maior compreensão por quem acessa o mesmo. Wanzeler e Menezes (2021, p. 159) atribuem uma atitude transdisciplinar à divulgação científica por meio do audiovisual, sendo este o meio mediador entre o que é produzido e a dimensão humana com seus saberes, sentidos, pensamentos e fazeres, “a produção de audiovisuais é sem dúvida uma ferramenta de articulação e mediação entre as partes e o todo, assegurando a construção de saberes diagonais, ou de epistemologias transversais”. Com base nos estudos semióticos de Peirce, tem no signo o elemento de percepção, representação e conhecimento nos quais a realidade é significada e interpretada Para os estudos do regime dos signos audiovisuais, numa perspectiva transdisciplinar, a semiótica nos garante, em larga medida, uma sofisticada aproximação e articulação entre a forma como produzimos os programas e os sentidos que queremos dar ao produto, bem como entre leitura, o leitor, a informação, comunicação e conhecimento, a partir da apreensão da diversidade linguística e de seus múltiplos códigos (Wanzeler; Menezes, 2021, p. 159) 32 Para tanto, é preciso romper com os modelos tradicionais de divulgação científica, tendo os audiovisuais como forma alternativa de produção midiática, visto que possuem possibilidades infinitas de articular som e imagem tornando a produção de conhecimento uma forma inclusiva, “pois permite ampliar o acesso das pessoas de forma democrática, de fácil compreensão, uma vez que produz um tipo de narrativa articulada ao pensamento e linguagem, imagem, escrita e som” (Wanzeler; Menezes, 2021, p. 160). Tem-se que a publicação científica ampliada é marcada pelo compartilhamento dos resultados de pesquisa para além do textual, contando com recursos hipermidiáticos como planilhas, vídeos, animações, hipertexto e elementos 3D (Rodrigues; Godoy Viera, 2017; Marín Arraiza; Vidotti, 2018; Torino et al., 2019). Sendo assim, a publicação científica ampliada permite que diferentes matrizes da linguagem sejam combinados, tornando a publicação um objeto dinâmico e estruturado que são ligados por diferentes ativos e formatos que possuem relações e conexões que formam nós contextualizados, possibilitando que o leitor transite entre os nós de mesmo interesse, “cada publicação ampliada está em contato e intercâmbio com outras publicações ampliadas ou com ativos/assets pertencentes à outras publicações ampliadas, bem como com outros elementos dos ambientes virtuais de publicação” (Marín Arraiza, 2019, p. 83), proporcionando que as publicações ampliadas estejam em constante transformação através de novas versões, elementos adicionais ou enriquecimento com comentários. De acordo com Marín Arraiza (2016), na comunidade acadêmica geral, principalmente nas áreas técnico-científicas, observa-se o crescimento do uso e da importância do vídeo, além da publicação de vídeos científicos por editores e cientistas da informação. “Além de suplementar um artigo científico, os materiais audiovisuais contribuem ao maior entendimento das pesquisas e oferecem uma abordagem mais próxima à comunidade científica” (Marín Arraiza, 2016, p. 227), isto porque o vídeo pode ser divulgado em linguagem acessível, em contrapartida à linguagem técnica exigida na elaboração de artigo científico, “com vídeos, por meio de uma escrita multimídia e hipertextual, é possível descrever fenômenos e processos dinâmicos e complexos muito detalhados, cuja explicitação em trabalhos científicos, por intermédio da verbalização escrita, é mais difícil” (Rodrigues; Godoy Viera, 2017, p. 157). 33 Como visto, a utilização de vídeos pelos periódicos possibilita para o autor uma maior flexibilização na descrição e explicação de suas descobertas. Segundo Marín Arraiza e Vidotti (2018) nas publicações científicas aparecem quatro tipos de vídeo: figura dinâmica, vídeo integrado, suplemento em vídeo e resumo em vídeo. Por figura dinâmica entende-se como um formato semelhante ao gif e pode ser o resultado de uma simulação sem som gerada por computador; o vídeo integrado faz parte da publicação, podendo ser uma entrevista ou uma animação explicativa. O suplemento em vídeo é o arquivo além do próprio texto que complementa o conteúdo do artigo, chamados de modelo de dados com partes embutidas, em que além do arquivo textual podem ser incluídos outros objetos que tenham relação com o contexto e são disponibilizados em um único registro como material suplementar, podendo ser uma apresentação powerpoint ou vídeo, por exemplo (Torino et al., 2019); e o resumo em vídeo, como o próprio nome indica, é o resumo do artigo de três a cinco minutos em formato audiovisual. Ao realizar um levantamento sobre os tipos e as linguagens predominantes em canais universitários no YouTube, Oliveira et al. (2019) elencam nove tipos, a saber: jornalísticos, institucionais, registros integrais, publicidade, animação, tutorial, clipes, documentário e videoaulas. Referente à linguagem utilizada, os autores identificaram o formato vlog, slide show com fotografias e apresentações power point. Spinelli (2012, p. 3) comenta que o vídeo jornalístico, marcado pela presença do repórter, a informação é organizada de maneira linear e utiliza elementos da linguagem audiovisual como passagem de uma imagem a outra “com o intuito de fazer com que o espectador entenda perfeitamente as informações transmitidas, de maneira didática, imparcial e objetiva, que faz com que não haja nenhuma dúvida ou indagação sobre os eventos transcorridos na tela”. Por institucional, atribui-se como definição uma área de relações públicas que estabelece formas de manter e garantir a continuidade do sistema social organização- pública (Westerkamp; Carissimi, 2011), atrelado a ele, há a comunicação que busca “difundir informações de interesse público sobre as filosofias, as políticas, as práticas e os objetivos das organizações, de modo a tornar-se compreensíveis essas propostas” (Fonseca, 1999, p. 140 apud Westerkamp; Carissimi, 2011, p. 3). Quando se trata de vídeos institucionais, produções audiovisuais cuja comunicação auxilia a empresa com seus vários públicos e são produzidos ou encomendados pela própria empresa, têm como objetivo repassar uma informação única, inédita e personalizada, apresentando conteúdo 34 histórico, estrutura física e organizacional, principais produtos, missão e visão da empresa, tecnologia e relações sociais e meio ambiente, o objetivo é vender uma imagem (Westerkamp; Carissimi, 2011). Registro integral, como o próprio nome indica, é a gravação completa do material, seja ele uma entrevista, seminário ou aula. Publicidade tem como objetivo chamar a atenção do público para um produto ou serviço de maneira a despertar a vontade de consumi-lo ou conhecê-lo, sendo também “um utensilio de promoção e de comunicação para empresas, organizações e instituições porque além de informar, relembrar ou transmitir uma determinada mensagem sobre os produtos, serviços ou ideias, promove a imagem de uma empresa e influencia as pessoas a consumir produtos” (Bronze, 2020, p.12). Por animação apresenta-se a definição de “[uma] acção de gerar percepção de movimento (vida) no que está estático (inanimado)” (Luz, 2009, p. 920), podendo ser enquadrado como cartoon, stopmotion, 3D entre outros. Enquanto técnica, pode-se utilizar fantoches, colagem, desenhos e imagens geradas por computador, em inglês Computer Graphic Imagery (CGI). De acordo com a Association of International Film Animation (ASIFA, 2023), animação “inclui uma impressionante gama de abordagens, técnicas e objetivos. Criado por desenhos, pintura, objetos e fantoches animados, usando argila, areia, papel e computador, trabalhando com múltiplas narrativas e não-narrativas, refletindo uma diversidade de temas e performances, presente em diversas plataformas” (online, 2023, tradução própria). Já o tutorial em vídeo é um guia, como um manual de instruções, com o objetivo de ensinar algo (Sumiya, 2017) como a utilização de um produto, a montagem de algo ou até mesmo a maneira correta de se realizar uma metodologia. Clipe deriva de clipping (recorte) e se refere a técnica de recortar imagens e fazer colagens de maneira a formar uma narrativa em vídeo (Corrêa, 2007), logo concebe-se a construção da narrativa por meio da organização dos planos através da montagem, conceitos decorrentes da linguagem cinematográfica que será explicado na próxima seção. Documentário é uma forma de expressão na qual é registrada uma história real que envolve pessoas que vivenciaram o fato (Oliveira; Marques, 2016), é caracterizado como não ficcional. De acordo com Spanhol e Spanhol (2009) a videoaula é um recurso audiovisual utilizado para atingir objetivos específicos de aprendizagem, “é uma modalidade de 35 exposição de conteúdos de forma sistematizada [...] na qual se almeja transmitir informações que precisam ser ouvidas ou visualizadas [...]” (Arroio; Giordan, 2006). Referente a linguagem, de acordo com Gibson (2015), vlog é caracterizado como uma “intimidade eletrônica”, cujo produtor transforma seu cotidiano em narrativa, de forma complementar, Goosen (2015, p. 6, tradução própria) define vlog como uma “expressão corporificada de um eu em um ambiente online”, sendo assim, é definido pela apresentação física do vlogger, diferente de um blog em que só apresenta texto escrito com ou sem imagens vinculadas, além de simular um contato visual, pois o apresentador deve olhar para a câmera. Deste modo, a característica mais importante do vlog é autenticidade (Coruja, 2017). Dentre as classificações dos vlogs, Amaro (2012) parte das divisões propostas por Sarah Thornton a saber: autobiográfico, memorial e informativo. Em relação à produção científica, esta é enquadrada em informativo, pois não abordam aspectos da vida privada, mas expõem informações que podem servir como repositório para acesso futuro. Por slide show entende-se como sua forma mais comum, a utilização de imagens, distribuídas em uma determinada sequência, onde o que importa é o conteúdo individual de cada fotografia [...] pode ser verificado como um formato noticioso e mesmo narrativo, quando o contexto causado pela sucessão de imagens é capaz de lhe conferir um sentido expressivo, ou seja, ultrapassando o sentido individual de cada foto em particular (Longhi, 2011, p. 783) Enquanto o Power Point também pode conter fotografias, ela é caracterizada como uma apresentação que divide em blocos concisos o conteúdo que quer ser transmitido (Kjeldsen, 2006). Utilizando-se as modalidades de vídeo proposto por Marín Arraiza e Vidotti (2018) e Oliveira et al. (2019), realiza-se a divisão em tipo de vídeo, técnica utilizada na divulgação e linguagem empregada, com alguns acréscimos, tendo como resultado tipo de vídeo que pode ser de forma integrada ou suplementar e ser do gênero jornalístico, institucionais, publicidade, tutorial, documentário e videoaula, expositiva ou informativa; a técnica que abrange os registros integrais, clipes e animações, incluindo a figura dinâmica; e a linguagem que é dividida em vlog, slide show em forma de entrevista ou expositivo, e power point. O que nas críticas da cultura da mídia sobre o uso da imagem e do vídeo é caracterizado como sendo de uma sociedade não “letrada” – não no sentido literal da 36 palavra, pois a questão não é ser alfabetizado, mas sim se entreter e instruir prioritariamente por meio de imagens e vídeos vinculados à mídia, que sugere um conteúdo marcado por práticas ideológicas e mercantil –, comenta-se sobre o aumento do uso do vídeo na divulgação da ciência, ressaltando que o estudo sobre a utilização de produtos audiovisuais nos mais diversos meios pode ser vinculado a outras práticas para além da “cultura de massas”. Após a exposição sobre a utilização de diferentes plataformas de vídeo no Brasil – prioritariamente para entretenimento – e o uso de produtos hipermidiáticos pela publicação científica, fica evidente que “o formato audiovisual é bastante demandado na atualidade pelo público em geral; portanto, se apresenta uma oportunidade para a extensão do conhecimento científico na sociedade” (Marín Arraiza; Vidotti, 2018, p. 56), em síntese o tratamento e descrição do conteúdo neste formato é de notório interesse, tanto para uso em periódicos como para cinematecas. Com o uso complementar de informações em formato audiovisual, há maior proximidade nos parâmetros da Ciência Aberta, dado que a linguagem se torna inclusiva, tanto para a comunidade científica quanto externa, assim como confere à prática científica o caráter de objeto dinâmico, indo de encontro ao aumento no acesso de vídeo pelos brasileiros em 2022 em comparação com o ano anterior (Kantar Ibope, 2023, p.7) (Anexo B). A fim de evidenciar a importância da descrição de elementos audiovisuais por periódicos científicos, foi realizado um levantamento de revistas que oferecem essa modalidade de divulgação como forma de ilustrar o uso de vídeo como complemento do texto, para isso, foi elaborado um quadro com nome, breve descrição e informações referentes à descrição do vídeo. Foram vinculados periódicos em que foi possível encontrar vídeos nos artigos ou nas abas do site, não considerando os que possibilitam ao autor esse meio de divulgação, mas sem nenhum vídeo vinculado. 37 Quadro 2 – Periódicos com modalidade vídeo na divulgação de resumo ou etapas de pesquisa PERIÓDICO / PAÍS DE ORIGEM TIPO DE VÍDEO E DESCRIÇÃO ÁREA DE PESQUISA JoVE (Journal of Visualized Experiments)23 EUA Criado em 2006, é o primeiro periódico científico em vídeo revisado por pares do mundo. Possibilita aos pesquisadores apresentarem seus métodos e resultados de forma dinâmica. A revista conta com cinegrafistas e editores profissionais (Macena, 2014). É preciso cadastro para acessar todo o conteúdo. Resumo em vídeo Métodos de pesquisa Definições iniciais Título Divisão do vídeo em capítulos Divide em duas abas: Pesquisa e Educação Pesquisa – Comportamento, Bioquímica, Bioengenharia, Biologia, Oncologia, Química, Desenvolvimento Biológico, Engenharia, Meio Ambiente, Genética, Imunologia e Infecção, Medicina e Neurociência Educação – Biologia, Química, Estatística, Ciências Ambientais, Física, Engenharia, Psicologia e Habilidade Clínicas SAGE Research Methods24 EUA Fornece material para orientação dos usuários nas etapas do processo de pesquisa. Abrange professores, discentes e bibliotecários, com artigos, material de referência e vídeo com os diversos tipos de metodologia científica. É preciso cadastro para acessar todo o conteúdo. Vídeo por categoria de disciplina Método Tipo de vídeo (Estudo de caso, Conferência, Conversação, Definição, Documentário, Na prática, Entrevista e Tutorial) Produto (nome da revista) Tipo de conteúdo Título Editor Data de publicação Disciplina Método Duração DOI Palavras-chave Pessoal acadêmico (apresentador) Pessoa discutida (personagem, de quem se fala) Antropologia, Negócios e Gerência, Comunicação e Estudos de Mídia, Ciência da Computação, Aconselhamento e Psicoterapia, Criminologia e Justiça Social, Odontologia, Economia, Educação, Engenharia, Geografia, Saúde, História, Marketing, Matemática, Medicina, Enfermagem, Ciências Políticas e Relações Públicas, Trabalho Social, Sociologia e Tecnologia 23 https://www.jove.com/ 24 https://methods.sagepub.com/ 38 Nature25 Reino Unido Criada em 1869, é uma revista científica interdisciplinar que publica, além de artigos, notícias, ética científica e informações sobre financiamento da ciência. Vinculado ao YouTube Resumo em vídeo Divisão por ano (2010- 2023) Data de publicação Título Autor Descrição Link para publicação DOI Física, Ciências Ambientais, Biologia, Ciências da Saúde, Comunidade Científica e Sociedade Science26 EUA Apresenta recursos multimidiáticos como vídeo e seminários, podcast, slides e interativo, ou a versão online de pôster, ilustrações e outros materiais Vinculado ao YouTube Resumo em vídeo Data de publicação Autor Título DOI Descrição Palavras-chave Biologia, Medicina, Robótica Cell27 EUA Criada em 1974, é um selo editorial da Editora Elsevier Vinculado ao YouTube Resumo em vídeo Fases de execução da pesquisa Título Descrição Formato Tamanho do arquivo Palavras-chave Bioquímica, Biotecnologia, Oncologia, Biologia, Química, Ciências Cognitivas, Ecologia e Evolução, Endocrinologia e Metabolismo, Genética, Imunologia, Microbiologia, Medicina Molecular, Neurociência, Parasitologia, Ciências Farmacológicas, Botânica Encontros BIBLI28 Brasil Revista eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação com publicação periódica do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Vinculado ao YouTube Resumo em vídeo - Biblioteconomia, Ciência da Informação Fonte: Elaborado pela autora (2023) 25 https://www.nature.com/ 26 https://www.science.org/ 27 https://www.cell.com/ 28 https://periodicos.ufsc.br/index.php/eb/index 39 Após a análise do quadro, percebe-se que muitos vídeos são vinculados ao YouTube e poucos são os que possuem descrição completa, para além do título, data de publicação e link para acesso do artigo29. Somente o periódico Cell possibilita ao pesquisador vincular vídeo nas fases de execução de pesquisa, estes são distribuídos no decorrer do texto e possuem descrição semelhante a imagens com título e legenda, sendo descrito brevemente o procedimento filmado, além do resumo em vídeo, “o uso do vídeo em publicações científicas visa complementar os periódicos científicos online com a agregação de conteúdo autoexplicativo e visualmente mais compreensivo. Assim, em um mesmo documento, é possível ler, ouvir e enxergar os detalhes de seu conteúdo” (Rodrigues; Godoy Viera, 2017, p. 157). Figura 1 – Exemplo de vídeo nas fases de execução de pesquisa em periódico Cell Fonte: Osuna-Mascaró et al. (2023) A Cell especifica os tipos de vídeo em: resumo, imagem 360, método e suplemento em vídeo. Em relação ao resumo, sugere que sejam vídeos de até 5 minutos que transmitam os conceitos principais e alguns detalhes de apoio, os resumos em vídeo são vinculados ao YouTube; a imagem 360 são vídeos de até 2 minutos, em que uma imagem pode ser dividida e apresentada por meio de animações e narração informal, possibilitando ao autor “adicionar especulações, surpresa, ou humor como se estivesse 29 Acredita-se ser necessário uma pesquisa específica sobre o assunto, o qual não foi objeto de análise deste projeto. 40 em uma conversa. Essa é uma oportunidade de adicionar sua personalidade em sua pesquisa” (CELL, 2023, online). Já o método é um vídeo curto de até 1 minuto cujo objetivo é demonstrar uma parte específica do método utilizado na pesquisa. No suplemento em vídeo, só há especificações técnicas como tamanho, formato do áudio e tamanho da tela. A Encontros BIBLI oferece a possibilidade de postagem de resumo em vídeo, mas nota-se que são poucos os autores que aderem a esta função, podendo acessar via YouTube pelo próprio canal do periódico. A página no YouTube da Editora Elsevier disponibiliza tutoriais, entrevistas, apresentações, webinar para bibliotecários e métodos voltados para engenharia e geociências. Para a construção de um documento hipermidiático, Leleu Merviel (2003 apud Martin, J-P., 2005, p. 146) distingue cinco níveis, sendo diegese, quadro narrativo, cenografia, cênica e encenação. A diegese são os componentes da história como ambiente, agentes, ações etc., tudo o que está envolvido sobre aquilo que se fala; o quadro narrativo organiza esses componentes e explica sua interação, organiza a história em ordem cronológica. A cenografia tem relação com a montagem, ou como a história é contada, o cênico envolve o processo de transformar essa história em mídia, portanto a imagem e o som e o cenário determinam a relação entre usuário e documento, no caso de vídeos de divulgação científica, um cenário voltado à educação e explicação em oposição a um cenário de entretenimento como um show, por exemplo. Isto posto, fica claro que a elaboração de vídeo na divulgação científica segue uma lógica e organização semelhante a construção do documento fílmico – que será tratado na próxima seção –, pois as duas modalidades, divulgação científica e entretenimento/informativo, no caso dos documentários, contam com a narração, mostração e diegese, ou aquilo que é contado, como é contado e os elementos presentes na narrativa. Por conter as três modalidades que englobam também personagem e narrador, uma motivação e elementos da linguagem cinematográfica para construir dramaticidade de forma a manter o espectador atento aquilo que está sendo exposto ou tratado, o produto audiovisual narrativo não precisa necessariamente ser voltado para a fruição, pois a divulgação científica tem como objetivo compartilhar passos da pesquisa no intuito dela ser reproduzida, enquanto o filme é uma modalidade de entretenimento. 41 Como base neste breve levantamento, pode-se afirmar que o uso do audiovisual na comunicação do conhecimento será um objeto de estudo da CI, o qual exigirá outros fundamentos teóricos voltados às referências semióticas. Na próxima seção, será abordado a linguagem cinematográfica com o propósito de especificar a identificação da organização cinematográfica e os artifícios próprios do cinema na construção dos personagens e do gênero fílmico. 42 3 LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA De acordo com Mateus e Xavier (1992), a linguagem se caracteriza como forma de comunicação através do uso convencional e sistemático de sinais ou símbolos. Nesta seção será apresentado brevemente os principais movimentos do cinema para elucidar o uso da linguagem cinematográfica, que aqui é entendido como uma forma de transmitir mensagens através da montagem, da composição da cena e dos planos de maneira a construir a narrativa. Em seguida, será definida a linguagem cinematográfica propriamente dita e seus desdobramentos em movimento, cena, movimento de câmera, enquadramento e ângulo. O cinema, como define Metz (2011), é uma linguagem sem língua, ou seja, é um meio de comunicação em que se usam códigos, que de acordo com Pignatari (1981) são termos técnicos inventados para um fim específico. Os códigos, assim entendidos como as técnicas próprias da gravação em vídeo – movimento de câmera, enquadramento, construção do cenário – é usado como se fosse uma língua, visto que servem para um propósito, mas seu significado difere conforme o uso que o diretor faz destes códigos. Portanto, além de entender a linguagem cinematográfica como uma linguagem propriamente dita, ela é também um código. 3.1 Movimentos cinematográficos Por movimento cinematográfico (film movement) entende-se como um grupo que compartilha ideias similares referentes ao estilo, estética ou objetivos culturais e políticos (Kuhn; Westwell, 2012) Cada um desses ‘movimentos’ possui um conjunto de repertórios apregoados e idealizados por seus realizadores e que se transformam em elementos facilmente identificáveis [...] Ou seja, a singularidade de um filme enquanto ‘invenção’ ou ‘criação’ consiste na medida em que esse acrescenta algo novo aos códigos cinematográficos (repertórios) preexistentes, ou apresenta configurações estruturais que nenhum outro previra (Medeiros, 2009, p. 109- 111). Ao longo dos anos, vários movimentos surgiram, porém, serão apresentados brevemente os movimentos referentes a evolução do cinema como linguagem. Anterior ao cinema como status de arte, há o cinema de atração (1894-1907) “[...] estratégia apresentativa, de interpelação direta do espectador, com o objetivo de surpreender. [...] Os espectadores estão interessados nos filmes mais como um espetáculo 43 visual do que como uma maneira de contar histórias” (Costa, 2006, p. 26). Dessa forma os filmes não apresentavam uma narrativa, mas sim uma composição de esquetes que utilizavam ilusão de ótica para criar os efeitos desejados, utiliza-se as produções de George Méliès (1861-1938)30 como exemplo. Até meados de 1913, os cenários dos filmes eram sempre os mesmos, com o mesmo enquadramento e os personagens sem aprofundamento psicológico. O chamado período de transição, em que cineastas começam a conectar planos para estimular uma ação narrativa, tal como D. W. Griffith (1875-1948)31, há o uso da montagem, envolvendo três tipos básicos: montagem alternada, analítica e contiguidade. A montagem alternada, ou paralela, há alternância entre uma cena e outra que está acontecendo ao mesmo tempo; já na montagem analítica, a mesma cena é filmada em enquadramentos diferentes, no intuito de tornar mais claro ao espectador os detalhes do cenário. A montagem de contiguidade são planos que apresentam uma continuação em espaços contíguos, logo o espectador acompanha o personagem enquanto este muda de cenário. O período das décadas de 1910 a 1920 é marcado pelas “vanguardas históricas” com os movimentos Futurismo Italiano, Impressionismo Francês, Expressionismo Alemão, Construtivismo Soviético, Surrealismo Espanhol e o Modernismo Brasileiro. “Os filmes de vanguarda definiam-se não apenas por sua estética diferenciada, mas também por seu modo de produção, geralmente artesanal, com financiamento independente e sem conexões com os estúdios ou a indústria” (Stam, 2003, p. 72). Em 1909, época em que a Itália estava em grande desenvolvimento econômico, tecnológico e mecânico, Marinetti publica o Manifesto Futurista propondo “uma arte cujas aporias se fundamentariam na exaltação da beleza mecânica, e, ou, elétrica, na valorização da velocidade, no dinamismo e no movimento” (Pais, 2007, p. 136). Em 1916, o mesmo autor publica o Manifesto do Cinema Futurista, em que declara que está arte deveria se distanciar dos palcos e da pintura, devendo se tornar “antigracioso, deformador, impressionista, sintético, dinâmica livre. É necessário liberar o cinema como meio de expressão para torná-lo a ferramenta ideal para uma nova arte” (Marinetti, 1916, online, tradução nossa). 30 Viagem à lua (1902) 31 O nascimento de uma nação (1915) 44 Para tanto, o autor propõe usar dos mais variados artifícios das artes e das técnicas cinematográficas para compor a “nova arte”, como empregar analogias, servir-se das imagens de poemas e discursos, apresentar duas visões simultâneas na tela, utilizar de elementos destoantes, seja na música ou no gesto, humanizar objetos inanimados entre outros recursos, sendo assim, o cinema pode brincar com a realidade e com outras artes. Dentre os cineastas, cita-se Enrico Guazzoni (1876-1949)32 e Giovanni Pastrone (1883- 1959)33. Com o fim da Primeira Guerra, surge o Impressionismo na França, cujo foco é a história contada pela imagem, em oposição ao movimento narrativo de hollywood, “[...] como o próprio termo sugere, privilegiam um enfoque mais subjetivo, sempre explorando o universo interior e psicológico dos personagens.” (Martins, 2006, p. 103), ou seja, o cinema começa a explorar as questões intrínsecas dos personagens. Como principal cineasta, pode-se citar Jean Epstein (1897-1953)34. O Expressionismo, movimento que tem seu ápice pós-guerra, é marcado pelo gótico, efeitos dramáticos de sombra e luz, cenários pintados à mão “ao evitar as formas realistas, reforçando as curvas abruptas e a pouca profundidade, esse cenário provocava sentimentos de inquietação e desconforto” (Cánepa, 2006, p. 67), para além do cenário e da iluminação, estes passam a integrar como complemento da história e das características dos personagens, sendo os principais diretores F. W. Murnau (1888-1931)35 e Fritz Lang (1890-1976)36. Com a noção de que arte também é trabalho, o Construtivismo trouxe a recusa do lirismo nas artes, tornando o artista em artista-engenheiro que cria experiências, “o construtivismo, expressão de uma revolução que quer refazer o mundo e encerrar toda a alienação humana, trabalha expondo o modo como as coisas são feitas” (Saraiva, 2006, p. 115). Porém, está vertente possui divergências entre seus cineastas. Lev Kulechov (1899-1970)37 é considerado o pioneiro na teoria da montagem, mas recebia críticas de seus colegas por aderir à montagem estadunidense; Serguei Eisenstein (1898-1948)38, em sua fase inicial, traz o conceito de montagem-atração em que qualquer elemento 32 Quo Vadis? (1913) 33 Cabíria (1914) 34 A queda da casa de Usher (1928) 35 Nosferatu (1922) 36 Metrópolis (1927) 37 As aventuras extraordinárias de mister West no país dos bolcheviques (1924) 38 Outubro (1927) 45 submete o espectador a uma ação sensorial ou psicológica com o objetivo de perceber os aspectos ideológicos do que está sendo exibido (Saraiva, 2006). Já na fase madura, traz o conceito de montagem dialética em que os elementos são apresentados como metáforas; e Dziga Vertov (1896-1954)39 que se baseia em um princípio de filmagem e um método de montagem, “a filmagem é feita segundo o princípio do “cine-verdade", ou seja, o avesso a qualquer encenação. E, na montagem, o “cine-olho” reconstrói radicalmente as imagens-fato" (Saraiva, 2006, p. 135). O cinema é visto para além da atração, sendo meio para comunicar ideias e ideologias. Para os surrealistas, o cinema tinha a capacidade de transcender o que era convencionalmente reprimido, de mesclar o conhecido com o desconhecido, o real do onírico, neste movimento, aparece a figura do diretor Luis Buñuel (1900-1983)40 (Stam, 2003). Segundo Cavour et al. (2022) a manifestação artística brasileira conhecida como Semana de Arte Moderna de 22, que reuniu artistas e intelectuais da época para reivindicar a chamada “arte pura” e a poesia metrificada, trazendo uma arte propriamente brasileira, não contou com um movimento moderno exclusivo do cinema. Até o surgimento do Cinema Novo na década de 50, há dois filmes com temática modernista São Paulo, a sinfonia da metrópole (1929) e Limite (1931). Com o advento do som a partir da década de 30, o cinema adquiriu mais uma forma de linguagem: a fala, a música, o ruído. Até a década de 40, Hollywood instituiu na montagem clássica – que será criticada nos movimentos dos anos seguintes – cujo foco era “[...] estabelecer entre os fenômenos mostrados nos dois planos justapostos uma relação que reproduz ‘a lógica dos fatos’ natural e, no nível da percepção, buscar a neutralização da descontinuidade elementar” (Xavier, 1977, p. 32). Assim, busca-se construir uma história contínua e sem deixar espaços para interpretações equivocadas. No cinema moderno, entre as décadas de 1940 a 1960, surgem os movimentos Neo-Realismo Italiano, Nouvelle Vague na França e o Cinema Novo no Brasil. De acordo com Vanoye e Goliot-Lété (1994) o filme moderno caracteriza-se pelas narrativas mais abertas e menos dramatizadas, personagens em crises, por procedimentos sonoros e visuais que se confundem entre as fronteiras do subjetivo e objetivo, mistura de estilos 39 Cinema-Olho (1924) 40 Um cão andaluz (1929) 46 (reportagem junto com ficção), citações e referências a outros filmes, além de iniciar o debate sobre o autor no cinema, “os cineastas herdam, observam, impregnam-se, citam, parodiam, plagiam, desviam, integram as obras que precedem as suas” (Vanoye; Goliot- Lété, 1994, p. 36). O Neo-Realismo tem como cenário o fim da Segunda Guerra, em que os intelectuais atribuíram a si a tarefa de levantar moralmente o país, para isto utilizaram do cinema para mostrar ao mundo os desastres da guerra e as crises políticas, ideológicas e econômicas, com forte vínculo no documentário, os cineastas empregaram filmagens externas com cenários naturais, atores não profissionais, temas voltados aos aspectos sociais, sem ações espetaculares, baixo orçamento e montagem sem efeitos visuais (Vanoye; Goliot-Lété, 1994; Fabris, 2006). Dentre os cineastas, pode-se citar Roberto Rossellini (1906-1977)41 e Vitorio De Sica (1901-1974)42. No final dos anos 50 até final dos anos 60, surge o movimento denominado autorismo, centrado na essência, no qual o diretor é um artista criativo de pleno direito. A discussão sobre o “cinema de autor” tem início com a Nouvelle Vague e a criação do periódico Cahiers du cinema em 1951 fundado por André Bazin. Para Truffaut, cineasta e teórico do movimento, o novo cinema seria a representação da essência de quem realiza o filme, a personalidade do diretor estaria impregnada na obra, “os diretores intrinsecamente vigorosos [...] exibirão no decorrer dos anos uma personalidade estilística e tematicamente reconhecível” (Stam, 2003, p. 104). Desta maneira, o diretor é o responsável pela estética do filme, assim como pela mise-en-scène43, evidenciado pelas gravações em lugares que os próprios diretores frequentavam, além de seus frequentadores representando a si mesmos, várias tomadas e justaposição das cenas, sem preocupação com a continuidade, uso de outras cenas de filmes e materiais artísticos e a linguagem coloquial (Manevy, 2006). Dentre os diretores, pode-se citar Jean-Luc Godard (1930-2022)44 e François Truffaut (1984-1932)45. No Brasil, a partir dos anos 50, com o governo de Juscelino Kubitschek, e o acelerado processo de modernização, a produção cinematográfica passou a ter importância cultural e os cineastas assumiram um papel de formadores de opinião e 41 Roma, cidade aberta (1945) 42 Umberto D. (1952) 43 A expressão vem do francês e significa “colocar em cena”, termo cunhado pelo teatro, designa todos os elementos que fazem parte da encenação: personagens, iluminação, enquadramento, cenário. 44 Acosado (1960) 45 Os incompreendidos (1959) 47 produtores de ideias. O Cinema Novo, movimento cultural e político, surge nesse processo em que se tentava fundir as ideias de modernidade/modernização, desenvolvimento industrial e participação política resumido no conceito ideológico de nacionalismo-desenvolvimentista (Malafaia, 2012). Com influência do Neo-Realismo italiano e da Nouvelle Vague, as produções cinemanovistas eram caracterizadas pela estética diferenciada e as temáticas abordadas, principalmente nas ideias de popular e nacional. Segundo o manifesto Uma estética da fome, apresentado por Glauber Rocha, um dos principais nomes do movimento, em 1965 no congresso Terceiro Mundo e Comunidade Mundial em Gênova, o Cinema Novo trouxe o tema da fome para o cinema, em que era comum ver personagens em situação de miséria contrapondo aos filmes de Carlos Lacerda que apresentava gente rica, em belas casas, com automóveis de luxo. Desta forma, tem-se como exemplo Vidas Secas (1963) de Nelson Pereira do Santos, adaptação da obra de Graciliano Ramos e Deus e o diabo na terra do sol (1964), dirigido por Glauber Rocha, em oposição a montagem clássica, apresenta cenas longas e marcadas pela iluminação excessiva para representar o sol do sertão. Mascarello (2006) define o cinema a partir de 1970 como contemporâneo e a título de exemplo, explora a mudança dos filmes hollywoodianos em que se iniciam os chamados blockbuster, “[...] filme destinado a gerar grande impacto no mercado, ao passo que se tornem possíveis não somente continuações cinematográficas, como também a criação de diversos produtos licenciados em variados formatos e mídias [...]” (Veras, 2021, p. 119), são filmes voltados para a cultura pop e delimitando o final do cinema de arte que vinha sendo produzido até então, se define “[...] pelo abandono progressivo da pujança narrativa típica do filme hollywoodiano até meados de 1960, e também por assumir a posição de carro-chefe absoluto de uma indústria fortemente integrada, daí em diante, à cadeia maior da produção e do consumo midiático” (Mascarello, 2006, p. 336). A chamada Nova Hollywood é caracterizada pela diferença estética e econômica, em que a estética segue a indústria do entretenimento, e o fator econômico a junção de grandes estúdios, possibilitando o aumento de exibição e marketing (Mascarello, 2006). O cinema começa a ser utilizado também como um meio de consumo assim como a televisão. Como exemplo de produção, há Tubarão (Steven Spielberg, 1975) e Guerra nas Estrelas (George Lucas, 1977). Nessa época também surgem os filmes sobre gênero com a incidência de movimentos feministas, gays e transgêneros organizados politicamente com críticas a representações estereotipadas, “essa preocupação leva ao 48 questionamento da cultura e da arte não como criadoras, mas como reafirmadoras ou críticas dos clichês das representações de gênero e de orientação sexual” (Lopes, 2006, p. 381). A partir de 1990 não há movimentos cinematográficos bem delimitados, entretanto, na Dinamarca surge o Dogma 95, manifesto criado pelos diretores Lars von Trier e Thomas Vinterberg, cujo objetivo era ir no sentido contrário aos blockbusters produzidos pela indústria estadunidense, caracterizando um cinema mais realista. O manifesto conta com um “voto de castidade” que se resume em dez regras que deveriam ser seguidas na produção do filme (Silva, 2010). Entre essas regras estão o uso de locações, som ambiente, câmera na mão, o filme deve ser em cores, não podem ser utilizados truques ou filtros fotográficos nem ações ditas “superficiais”, como homicídio, o filme deve passar no tempo real, sem deslocamento geográfico e temporal, não era permitido filmes de gênero, o formato da tela tinha que ser 4:3 e o nome do diretor não podia aparecer nos créditos. Foram lançados cinco filmes representantes do movimento no Brasil sendo Festa de família (Thomas Vinterberg, 1998), Os idiotas (Lars von Trier, 1998), Mifune (Soren Kragh-Jacobsen, 1999), Italiano para principiantes (Lone Scherfig, 2000) e O rei está vivo (Kristian Levring, 2001) (Silva, 2010). Pode-se notar que o fazer cinema seguiu por vários caminhos desde seu advento no final do século XIX, passando de mera atração para uma arte, utilizando da montagem clássica para criar uma história linear, até a montagem com elementos externos ao filme ao criar um cinema de autor, dos estúdios as ruas, do som, ou a falta dele, como parte importante da diegese. Desde os anos 1915, o cinema foi evoluindo até adquirir uma linguagem própria, que é diferente da fotografia e do teatro. Vale destacar que o uso do termo “evolução” não é para designar uma melhora qualitativa, mas sim para evidenciar as mudanças a partir de novas ferramentas e métodos de filmagem. Na próxima seção será tratada a definição de linguagem cinematográfica. 3.2 Linguagem cinematográfica Para Saussure (2006) a linguagem é constituída de uma esfera social e outra individual, é a