Cláudio Henrique Cerqueira Costa Basquerotto Aplicações das Simetrias de Lie na Dinâmica de Sistemas Mecânicos Ilha Solteira 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ENGENHARIA CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA Cláudio Henrique Cerqueira Costa Basquerotto Aplicações das Simetrias de Lie na Dinâmica de Sistemas Mecânicos Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Engenharia Campus de Ilha Solteira - Unesp como parte dos requisitos para obten- ção do t́ıtulo de Doutor em Engenharia Me- cânica. Especialidade: Mecânica dos Sólidos Orientador: Prof. Samuel da Silva Coorientador: Prof. Edison Righetto Ilha Solteira 2018 Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus por ter me ajudado e me dado forças para chegar até aqui e pelos milagres e maravilhas que Ele operou e opera na minha vida. Agradeço também à minha esposa Renata pela força e incentivo que tem me dado desde o ińıcio dos meus estudos como graduando e pós-graduando. Se não fosse por ela acho que não conseguiria ter chegado até aqui. A Renata sempre me aconselhou muito e sempre me deu forças para continuar e persistir por um determinado objetivo. Durante os seis meses que passamos em Minneapolis, foi minha companheira e auxiliadora em tudo o que precisei. À minha famı́lia por ter acreditado em mim, principalmente meus pais Samuel e Vânia, que sempre depositaram grande confiança me dizendo que o estudo seria uma grande ferramenta de crescimento para a minha vida. Meu irmão Guilherme por ser um grande amigo e companheiro para todas as horas que precisei. Minhas avós Antônia, a qual já não está mais entre nós, e Annahir pelo carinho e aux́ılio prestado em tudo. Ao professor Samuel da Silva por estes 6 anos de trabalho e amizade. Desde o ińıcio do mestrado ele vem me mostrando que todo esforço que fazemos no final há sempre uma recompensa. Vários objetivos da minha vida consegui alcançar graças a ele. Obtive muitos conhecimentos no mestrado e principalmente no doutorado. Graças ao seu incentivo conheci outro páıs e abri muitos horizontes novos na minha vida. Sou grato pelo voto de confiança que ele me deu e espero ter correspondido. Pela sua orientação, hoje possuo uma visão mais cŕıtica sobre as coisas e sobre pesquisa. Ao professor Edison Righetto pela amizade e coorientação deste trabalho. Ele sempre me ajudou a resolver alguns problemas e dificuldades tentando vê-las de uma maneira mais simples e desta forma facilitar sua compreensão. Agradeço também pelas vezes que fui recebido e acolhido por ele e por sua esposa Luzia para o desenvolvimento desta tese e para um almoço de domingo. Ao professor Peter J. Olver por ter me recebido e me acolhido em Minneapolis durante o peŕıodo sandúıche que realizei na University of Minnesota e por toda a sua contribuição direta para o desenvolvimento e finalização desta tese. Agradeço muito ao Adrián Ruiz Servan pela ajuda no peŕıodo em que fiquei em Minneapolis, por ter me ensinado a manipular o Maple, aplicar as simetrias de Lie para redução de ordem e pelas várias conversas que t́ınhamos durante o almoço em Minneapolis para passar as horas. Ao Bjorn Berntson por ter me ajudado com as funções eĺıpticas de Jacobi e ao Jimmy Broomfield pelo esclarecimento e contribuição com a parte sobre referencial móvel. Aos amigos e colegas do Grupo de Materiais e Sistemas Inteligentes (GMSINT) e filhos do Manuhell pelas ajudas e conversas que em momentos de muito stress foram de grande proveito para descanso e boas risadas. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nı́vel Superior (CAPES) pela bolsa de estudos que proporcionou dedicação integral ao curso e pelo peŕıodo sandúıche de 6 meses na University of Minnesota. Ao CNPq Edital Universal Processo 04463/2016-9 que tem como grande objetivo popularizar as simetrias de Lie no Brasil. Por fim, agradeço a todos que contribúıram de forma direta e indireta para o desenvolvimento deste trabalho. Resumo Os métodos envolvendo simetria têm grande importância para o estudo das equações diferenciais decorrentes de áreas como a matemática, f́ısica, engenharia entre muitas outras. A existência de simetrias em equações diferenciais pode gerar transformações em variáveis dependentes e independentes que podem facilitar a integração. Em especial, Sophus Lie desenvolveu no século XIX uma forma de extração de simetrias que podem ser usadas efetivamente para revelar as integrais primeiras, ou seja, as constantes de movimento, que muitas vezes podem estar escondidas. Estes invariantes podem em algumas situações ser identificados pelo teorema de Noether ou a partir de manipulações das próprias equações com transformações de Lie. Assim, nesta tese foi proposto utilizar as simetrias de Lie para aplicação em problemas da dinâmica de sistemas mecânicos. As simetrias de Lie são aplicadas em dois problemas clássicos, primeiro em um pêndulo oscilando em um aro rotativo e em seguida em um pião simétrico com movimento de precessão estacionária com um ponto fixo. No primeiro problema foi realizada uma redução de ordem para solução por quadraturas da equação de movimento. Já no segundo foram mostradas as relações entre os invariantes e as leis de conservação extráıdas das simetrias de Lie. Uma outra análise foi realizada através da teoria de referencial móvel, mostrando a possibilidade de outras aplicações das simetrias de Lie. Uma das aplicações desta teoria, também é a redução de ordem das equações diferenciais resultantes. Com isso os referenciais móveis foram calculados para os problemas do pêndulo oscilando em um aro rotativo, pião simétrico e apresentando uma aplicação em um problema de v́ınculo não-holonomo. A partir disto foi posśıvel reduzir a ordem das equações e obter a solução anaĺıtica das mesmas. Com isto, esta tese buscou mostrar a aplicação das simetrias de Lie em problemas de dinâmica de sistemas mecânicos através de uma linguagem acesśıvel e que motive a outros engenheiros a se interessarem pelo tema. Palavras-chave: Simetrias de Lie. Teorema de Noether. Dinâmica de sistemas mecânicos. Funções eĺıpticas de Jacobi. Moving frames. Abstract The methods involving symmetry are of great importance for the study of the differential equations arising from areas such as mathematics, physics, engineering among many others. The existence of symmetries in differential equations can generate transformations in dependent and independent variables that may be easier to integrate. In particular, Sophus Lie developed in the nineteenth century a form of extraction of symmetries that can be used effectively to reveal the first integrals, that is, the motion constants, which can often be hidden. These invariants can in some situations be identified by the Noether theorem or from manipulations of the equations themselves with Lie transformations. Thus, in this thesis it was proposed to use the Lie symmetries for application in problems of the dynamics of mechanical systems. The Lie symmetries are applied in two classic problems, first in a bead on a rotating wire hoop and then in a symmetric top with stationary precession with a fixed point. In the first problem, a reduction of order of the equation of motion was performed by quadratures. In the second one, the relations between the invariants and the conservation laws extracted from the Lie symmetries were shown. Another analysis was performed through the theory of moving frames, showing the possibility of other applications of Lie symmetries. One of the applications of this theory is also the order reduction of the resulting differential equations. Thus, moving frames were calculated for the bead on a rotating wire hoop, symmetric top and showing an application in a nonholonomic problem. From this it was possible to reduce the order of the equations and to obtain the analytical solution of the same ones. So, this thesis sought to show the application of Lie symmetries in problems of dynamics of mechanical systems through an accessible language and that motivate other engineers to take an interest in the subject. Keywords: Lie symmetries. Noether theorem. Dynamics of mechanical systems. Jacobi elliptic functions. Moving frames. Lista de ilustrações Figura 1 – Fluxograma representativo de como obter os geradores infinitesimais de forma geral para uma EDO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Figura 2 – Pêndulo oscilando em um aro rotativo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Figura 3 – Pião axisimétrico com um ponto fixo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 4 – Construção geométrica do referencial móvel. . . . . . . . . . . . . . . . 48 Figura 5 – Pêndulo simples. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 6 – Trajetória do homem e do cachorro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Figura 7 – Simetrias no triângulo equilátero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Figura 8 – Rotação de um aro no espaço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 Figura 9 – Circulo unitário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 Figura 10 – Elipse. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Lista de tabelas Tabela 1 – Geradores infinitesimais do oscilador harmônico. . . . . . . . . . . . . 31 Tabela 2 – Geradores infinitesimais do pião. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Tabela 3 – Geradores infinitesimais do cachorro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Tabela 4 – Tabela de multiplicação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 Tabela 5 – Tabela de multiplicação para o triângulo equilátero. . . . . . . . . . . . 77 Tabela 6 – Bibliotecas e comandos do Maple. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Lista de śımbolos A Constante de movimento A Centro de massa B Base móvel ∗ Operação de um grupo cn Cosseno eĺıptico Dt,Dx Derivada total dn Função eĺıptica de Jacobi F Funcional g Aceleração da gravidade G Grupo g Mapa exponencial I Componente do tensor de inércia I Tensor de inércia I Base inercial K Seção transversal k Rigidez k Módulo eĺıptico L Lagrangiana ` Comprimento M Variedade m Massa O Ponto de fixação do pião q = q(t) Coordenada generalizada sn Seno eĺıptico t Variável independente T Energia potencial Tθ Matriz de rotação U ′′ Operador de simetria V Energia cinética X Gerador infinitesimal w, y Novas coordenadas x, y, z, X, Y e Z Eixos Letras gregas β(1) Prolongamento de primeira ordem β(2) Prolongamento de segunda ordem β(k) Prolongamento de ordem k γ Vetor tangente ε Parâmetro cont́ınuo θ Ângulo de nutação θ̇ Velocidade angular de nutação ψ Ângulo de precessão ψ̇ Velocidade angular de precessão φ Ângulo de spin φ̇ Velocidade angular de spin α, µ Funções anaĺıticas que realizam transformações η, ξ Funções infinitesimais ρ Referencial móvel Υ Coordenada utilizada para realizar projeção ω Velocidade angular ω2 Frequência natural não amortecida Abreviações EDO Equação diferencial ordinária EDP Equação diferencial parcial Sumário 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.1 Contribuições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.2 Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Organização do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2 APLICAÇÕES DAS SIMETRIAS DE LIE . . . . . . . . . . . . 14 2.1 Simetrias de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.3 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EM SIMETRIAS DE LIE . 25 3.1 Transformação infinitesimal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3.2 Geradores infinitesimais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3.3 Prolongamento das transformações e seus geradores . . . . . . . . . . 26 3.4 Teorema de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3.5 Redução de ordem utilizando os pontos de simetria na forma caracteŕıstica 28 3.6 Exemplo de aplicação em uma equação diferencial ordinária . . . . . . 29 3.7 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4 AS SIMETRIAS DE LIE EM PROBLEMAS DA DINÂMICA 34 4.1 Pêndulo oscilando em um aro rotativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.2 Pião Axisimétrico com um ponto fixo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 4.3 Teorema de Noether . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.4 Redução de ordem e solução anaĺıtica da equação do movimento do pião 42 4.5 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5 AS SIMETRIAS DE LIE NA TEORIA DE REFERENCIAL MÓVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 5.1 Aspectos básicos na teoria de referencial móvel . . . . . . . . . . . . . . 47 5.2 Ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 5.3 Ação de um grupo infinitesimal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5.4 Invariância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 5.5 Referencial móvel de um pêndulo simples . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 5.6 Utilização de referencial móvel para redução da ordem da equação do pêndulo oscilando em um aro rotativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 5.7 Utilização de referencial móvel para redução da ordem da equação do pião axisimétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 5.8 Utilização de referencial móvel em um problema de v́ınculos não-holônomos 55 5.9 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 6.1 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 6.2 Sugestões para trabalhos futuros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 APÊNDICE A – CONCEITOS SOBRE GRUPOS E ÁLGE- BRA DE LIE . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 A.1 Definição de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 A.2 Grupos a parâmetros cont́ınuos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 APÊNDICE B – FUNÇÕES ELÍPTICAS DE JACOBI . . . 80 B.1 Funções circulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 B.2 Elipse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 B.3 Funções eĺıpticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 APÊNDICE C – CÓDIGOS DO MAPLE . . . . . . . . . . . . 85 C.1 Principais comandos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 C.2 Códigos do oscilador harmônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 C.3 Códigos do pêndulo oscilando em um aro rotativo . . . . . . . . . . . 89 C.4 Códigos do pião simétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 10 1 Introdução Muitos problemas encontrados em ciência podem ser descritos por equações dife- renciais que precisam ser resolvidas ou aproximadas por métodos anaĺıticos ou numéricos de integração (ROYCHOWDHURY, 2001; SCHUNCK et al., 2012; AKBULUT; TASCAN, 2017). Com isto, em meados do século XIX, o norueguês Sophus Lie apresentou uma engenhosa alternativa visando solucionar equações diferenciais usando simetrias que podem se associar com invariantes ou quantidades conservadas (OLVER, 2007; ARRIGO, 2015). A grande contribuição original de Lie foi avançar na compreensão da natureza do conceito de simetria e, assim, ajudar a preparar o cenário para os avanços fundamentais da f́ısica e da matemática que viriam a ocorrer no século XX. Como resultado do trabalho de Lie, diversos métodos de integração para a resolução de classes especiais de equações diferenciais foram desenvolvidos ou unificados de forma elegante. Importante destacar que antes do trabalho de Lie, os métodos conhecidos para solução de equações diferenciais eram extremamente dispersos e espećıficos com pouco ou quase nenhuma generalidade ou unificação de conceitos. Uma simetria de um sistema de equações diferenciais é um conjunto de transforma- ções que mapeiam qualquer solução para outra solução do sistema, mantendo-a invariante (BOYKO; POPOVYCH; SHAPOVAL, 2013; CAI; FU; GUO, 2017). Tais transforma- ções são grupos que dependem de parâmetros cont́ınuos e consistem em transformações pontuais, também conhecidas como simetrias pontuais, atuando no espaço do sistema de variáveis dependentes e independentes, bem como em todas as derivadas envolvendo as variáveis dependentes (CANTWELL, 2002). Exemplos elementares de grupos de Lie incluem as translações, rotações e escalonamento que podem ser feitos corriqueiramente em algumas equações diferenciais. Porém, outras simetrias não triviais também são posśıveis de existirem. Já no ińıcio do século XX, a matemática Emmy Noether forneceu a conexão entre grupos de simetrias de Lie de um sistema de equações diferenciais e leis de conservação (CANDOTTI; PALMIERI; VITALE, 1972; LUTZKY, 1979; KOSMANN-SCHWARZBACH, 2011). O teorema de Noether diz respeito à invariância de um problema variacional1 sob a ação de um grupo de Lie com um número finito de geradores infinitesimais independentes, que é a situação t́ıpica na mecânica clássica e na relatividade especial (ESTEVEZ et al., 2016). Neste teorema, Emmy Noether formulou com completa generalidade a correspon- 1 As equações da mecânica clássica e relativ́ıstica e da f́ısica são obtidas exigindo que uma integral de ação associada a uma lagrangiana que descreva o sistema, seja extrema. Tais equações são chamadas equações variacionais ou equações de Euler-Lagrange. Pode-se dizer que elas derivam de um prinćıpio variacional, também chamado de prinćıpio de ação. Elas expressam a anulação da derivada variacional, também denominada derivada de Euler-Lagrange ou diferencial de Euler-Lagrange da lagrangiana. 11 dência entre as simetrias de um problema variacional e as leis de conservação para as equações variacionais associadas (MARTINS; TORRES, 2010; JIA; WU; MEI, 2016). As relações entre simetria e invariância são fundamentais na f́ısica e aparecem em todas as áreas a partir de prinćıpios de conservação (FU; CHEN, 2004). Um caso particular, é a obtenção de leis de conservação a partir da aplicação do Teorema de Noether2 em sistemas de equações diferenciais variacionais descritos por uma lagrangiana (MARTINS, 1999; KOSMANN-SCHWARZBACH, 2011; FENG et al., 2017). Em um único artigo, Noether publicou suas descobertas envolvendo a relação crucial entre simetrias e constantes se conservando, bem como o impacto de simetrias nas equações de movimento. Vários autores mostram que algumas classes de equações diferenciais geradoras de simetria de Lie também são simetrias de Noether, ou seja, estão associadas com a propriedade bem conhecida envolvendo os prinćıpios de conservação de energia, conservação de momento linear e conservação de momento angular (FREIRE; SILVA; TORRISI, 2013; FREIRE; SILVA, 2013; ZHAI; ZHANG, 2017). Sabe-se que uma simetria de Lie também é uma simetria de Noether se há a conservação da ação integral (FU; CHEN, 2003). No entanto, existem casos em que uma simetria de Noether não é uma simetria de Lie (YUEYU, 1994). Os contra-exemplos mais comuns são dados por grupos de transformação de escala (OLVER, 1986). Assim, o conhecimento de grupos de transformações de Lie de um sistema de equações diferenciais pode ser usado, por um lado, para reduzir a ordem ou, em alguns casos, reduzir as próprias equações diferenciais, tanto ordinárias quanto parciais, para uma quadratura3 (CARUSO, 2008; MOUCHET, 2016). Outra posśıvel aplicação das simetrias de Lie, é na teoria de referencial móvel (moving frames), podendo-se produzir novos algoritmos para resolver problemas de simetria básica e equivalência de polinômios que formam o alicerce da teoria invariante clássica. Este método pode fornecer uma maneira sistemática para a construção de aproximações de preservação de simetria de invariantes diferenciais por invariantes diferenciais conjuntos e invariantes conjuntos em problemas de mecânica e dinâmica de sistemas mecânicos. 1.1 Contribuições Esta tese busca contribuir com os seguintes aspectos: • Popularizar o estudo e a utilização das simetrias de Lie na comunidade cient́ıfica brasileira através de uma abordagem clara e objetiva. 2 O trabalho magistral de Emmy Noether, (NOETHER, 1918), completa 100 anos em 2018. 3 Por quadratura se entende uma integral com resultado inverso conhecido por funções elementares ou especiais, por exemplo funções eĺıpticas de Jacobi. 12 • Realizar redução de ordem para solução por quadraturas de equações de movimento. Este resultado foi publicado em Basquerotto, Righetto e Silva (2018b). • Mostrar relações entre invariantes e leis de conservação extráıdas de simetrias de Lie. Como resultado desta parte da tese se destaca o artigo publicado em Basquerotto, Righetto e Silva (2018a). • Aplicar a teoria de referencial móvel na obtenção de simetrias de Lie para a solução de problemas envolvendo dinâmica de sistemas mecânicos, em especial em problemas com v́ınculos não-holonômos. Estes resultados estão sendo preparados para submissão para o periódico Acta Mechanica. 1.2 Objetivo Aplicar as simetrias de Lie em problemas de dinâmica de sistemas mecânicos para redução da ordem de EDOs, obtenção de soluções anaĺıticas e de leis de conservação e na teoria de referencial móvel para obtenção de referencial móvel e redução de ordem de EDOs em problemas da dinâmica de sistemas mecânicos. 1.3 Organização do trabalho Este trabalho está organizado nos seguintes caṕıtulos: • Caṕıtulo 1 - Introdução: Apresentação da motivação, contribuições e objetivos da presente tese. • Caṕıtulo 2 - Aplicações das Simetrias de Lie: Revisão básica da literatura mostrando o surgimento e aplicação das simetrias em diversas classes de problemas de mecânica descritos por equações diferenciais. • Caṕıtulo 3 - Fundamentação Teórica em Simetrias de Lie: Descrição do embasamento teórico utilizado neste trabalho, apresentando as definições básicas na teoria de grupos, em especial dos grupos cont́ınuos e as simetrias de Lie, além de focar nas caracteŕısticas das transformações infinitesimais que podem ser feitas para se aplicar e encontrar invariantes, permitindo redução de ordem, linearização ou mesmo separação de variáveis com solução completa de equações diferenciais por quadraturas. • Caṕıtulo 4 - As simetrias de Lie em Problemas de Dinâmica: Ilustra a aplicação das simetrias de Lie para solução de dois problemas clássicos da dinâmica de sistemas mecânicos: um pêndulo oscilando em um aro rotativo e um pião simétrico em movimento de precessão estacionária. 13 • Caṕıtulo 5 - As Simetrias de Lie na Teoria de referencial móvel: Apresenta a teoria de álgebra e grupos de Lie e seu uso na teoria de referencial móvel. Uma das grandes aplicações desta teoria envolve a redução de ordem e obtenção de soluções anaĺıticas de EDOs. Três exemplos são ilustrados neste caṕıtulo incluindo entre eles um problema em vinculo não-holônomo. • Caṕıtulo 6 - Considerações Finais: Este caṕıtulo apresenta as conclusões finais sobre a presente tese com propostas para desenvolvimento de trabalhos futuros. Além disto, dois apêndices são apresentados versando sobre os tópicos complemen- tares: • Apêndice A - Conceitos sobre grupos e álgebra de Lie: Este apêndice visa trazer uma introdução sobre conceitos de grupos e álgebra de Lie. Algumas ideias de grupos, grupos discretos e cont́ınuos são apresentadas neste apêndice. • Apêndice B - Funções eĺıpticas de Jacobi: Este apêndice é um complemento do Caṕıtulo 4 a fim de fornecer ao leitor não familiarizado uma melhor compreensão sobre a aplicação das funções eĺıpticas de Jacobi. • Apêndice C - Códigos do Maple: Apresenta os códigos utilizados nos exemplos resolvidos nesta tese para cálculo das simetrias de Lie, redução de ordem e integração das equações através das funções eĺıpticas de Jacobi. 14 2 Aplicações das Simetrias de Lie Este caṕıtulo apresenta uma revisão sucinta da literatura sobre a definição e a utilidade das simetrias de Lie. Primeiramente é feita uma apresentação sobre o que são as simetrias de Lie e quais são as principais propriedades e aplicações. Posteriormente são apresentados e discutidos diferentes exemplos de uso em áreas das mais diversas posśıveis, como dinâmica de fluidos, transferência de calor e massa, mecânica dos sólidos, redução de ordem de equações diferenciais, além de usos recentes na teoria de referencial móvel. Por fim, as considerações finais são sumarizadas ao final do caṕıtulo. 2.1 Simetrias de Lie Quando se tem o primeiro contato com equações diferenciais em cursos introdutórios, são apresentadas as mais variadas técnicas especiais designadas para resolver certos tipos de equações particulares, tais como: as separáveis, as homogêneas e as exatas, sendo que a maioria das técnicas parecem ter pouca ou nenhuma ligação ou estrutura lógica (OLVER, 1986; ERDMANN; WILDON, 2006). Isto motivou a descoberta do norueguês Marius Sophus Lie, no final do século XIX, de que todos os procedimentos gerais de integração, se baseiam na invariância de equações diferenciais sob um grupo cont́ınuo de simetrias 1 (LIE, 1881; LIE; SCHEFFERS, 1891). O conceito de simetria está ligado a um tipo de invariância com uma propriedade de que algo não muda sob um conjunto de transformações (PLEITEZ, 1979; LIVIO, 2006). Esta observação ao mesmo tempo unificou e expandiu significativamente as técnicas de integração dispońıveis naquele tempo, e inspirou Lie a dedicar o restante de sua carreira ao desenvolvimento e aplicação de sua monumental teoria envolvendo grupo cont́ınuos (OLVER, 1992). Estes grupos, hoje conhecidos como grupos de Lie, tiveram um impacto profundo em todas as áreas da matemática, tanto pura como aplicada, assim como nas áreas de f́ısica, engenharia e outras áreas correlatas (BLUMAN, 1990; BAUMANN, 2000; CARUSO, 2008). 2.2 Aplicações Uma vez determinado o grupo de simetrias de Lie de um sistema de equações diferenciais, um número grande de aplicações se torna posśıvel (BLUMAN; KUMEI, 1989). Para começar, pode-se usar diretamente as simetrias de Lie para a construção de novas soluções das equações originais (HOSKINS; BLUMAN, 2016). Outra opção, é utilizar os 1 o conceito de grupo cont́ınuo de simetria, é apresentado no próximo caṕıtulo. 15 grupos de simetria para a redução de ordem das equações diferenciais de ordem elevada (MAHOMED; LEACH, 1990). Muitas vezes há uma boa razão f́ısica ou matemática para preferir essas equações com o maior grau de simetria posśıvel, pois assim, pode-se retirar e analisar o maior número de informação posśıvel sem necessariamente ter que integrar a equação diferencial em estudo (BLUMAN; ANCO, 2008). Outra abordagem é determinar quais tipos de equações diferenciais admitem um grupo de simetrias, podendo-se assim obter leis de conservação (BOCHAROV; SHCHIK; VINOGRADOV, 1999; CAI; FU; GUO, 2017; FENG et al., 2017). As aplicações das simetrias de Lie podem ser feitas tanto em equações diferenciais ordinárias (EDOs), quanto em equações diferenciais parciais (EDPs) (ESTEVEZ et al., 2016). No caso das equações diferenciais ordinárias, a invariância sob um grupo de sime- trias implica que pode-se reduzir a ordem da equação para grau um, ou seja, para uma quadratura (BOYKO; POPOVYCH; SHAPOVAL, 2013; CAMPOAMOR-STURSBERG, 2016a; CAMPOAMOR-STURSBERG, 2016b). Se a EDO ou o sistema de EDOs forem derivados de um prinćıpio variacional, tais como as equações de Euler-Lagrange, ou um sistema hamiltoniano, a capacidade de redução de ordem pode ser dobrada (FU; CHEN, 2004; CANTWELL, 2002). Por exemplo, uma EDO de terceira ordem pode ser reduzida para uma EDO de primeira ordem (HOSKINS; BLUMAN, 2016). Já para as EDPs ou sistemas de EDPs, os grupos de simetria são geralmente utilizados para ajudar na determinação de uma famı́lia ou solução geral da equação (NAZ; MAHOMED; MASON, 2008). As aplicações das simetrias de Lie incluem diversos campos como: dinâmica dos fluidos, transferência de calor, mecânica dos sólidos, mecânica quântica, relatividade, controle, redução de ordem, referencial móvel, entre outros (MEI, 2000; ROSA; BRUZÓN; GANDARIAS, 2015). Segundo autores como Hamermesh (1962) e Marsden e Ratiu (2010) é imposśıvel estimar toda a contribuição de Lie para a ciência moderna e a matemática. 2.2.1 Dinâmica de fluidos As descobertas de Lie levaram algum tempo para serem aceitas e estudadas pela comunidade cient́ıfica. O assunto inteiro ficou inativo durante quase meio século até que G. Birkhoff chamou a atenção para algumas aplicações inexploradas dos grupos de Lie para as equações diferenciais da mecânica de fluidos (OLVER, 1986). Posteriormente, Ovsiannikov começou um programa sistemático de aplicação, com êxito, desses métodos em uma ampla gama de problemas envolvendo fluidos. Nos últimos cinquenta anos houve uma verdadeira explosão de atividades de pesquisa neste campo, tanto nas aplicações para sistemas f́ısicos concretos, quanto nas extensões do escopo e da profundidade da própria teoria envolvida na dinâmica de fluidos (OLVER, 1986; BLUMAN; KUMEI, 1989; BAUMANN, 2000). 16 Holm (1976) estudou a dinâmica de fluidos usando prinćıpios de simetria. Uma técnica de álgebra de invariância que foi originalmente desenvolvida por Lie, foi usada em seu trabalho para investigar a dinâmica de fluidos não ideais na aproximação via Navier-Stokes. As equações para descrição de camada limite laminar tridimensionais instáveis de um modelo geral de fluidos não-newtonianos foram tratadas por Yürüsoy e Pakdemrl (1997). Neste modelo, as tensões de cisalhamento foram assumidas como funções arbitrárias de gradientes de velocidade. Usando a análise do Grupo de Lie, os geradores infinitesimais aceitos pelas equações foram calculados para estes casos de tensão de cisalhamento arbitrária. A extensão da álgebra de Lie, para o caso de fluidos newtonianos, também foi apresentada. Foi considerado um problema de valor de limite geral que modela o fluxo sobre uma superf́ıcie móvel com aspiração ou injeção. As restrições impostas pelas condições de fronteira nos geradores foram calculadas. A análise do Grupo de Lie foi aplicada às equações resultantes e as reduções finais dos sistemas diferenciais comuns foram obtidas. Hillgarter (2008) apresentou um exemplo da análise de simetria de uma equação de energia de fluxo de tubulação especial. Neste trabalho foi posśıvel obter várias soluções da equação que descreve esta dinâmica e observou-se a importância das simetrias de Lie para determinação de critérios de valor de contorno para equações de energia de fluxo em tubulações especiais. Já Razafindralandy, Hamdouni e Sayed (2012) mostraram que os grupos de simetria de Lie das equações Navier-Stokes não isotérmicas podem ser usados para desenvolver modelos de turbulência de preservação da f́ısica para o tensor de tensão e o fluxo de calor. As propriedades teóricas dos modelos foram investigadas. Em particular, sua compatibilidade com as leis de escala do fluxo foi comprovada. Os autores mostraram também que a abordagem de simetria pode levar a um método bem mais construtivo para obtenção de um modelo de turbulência. A forma do modelo e os invariantes não clássicos apareceram naturalmente sem qualquer outra suposição, além da utilização das simetrias de Lie. O problema das estat́ısticas de turbulência descritas pela hierarquia Lundgren- Monin-Novikov (LMN) de equações integro-diferenciais foi estudado em termos de pro- priedades dos grupos de Lie por Wac lawczyk, Grebenev e Oberlack (2017). Para isso, foi realizada uma análise através dos grupos de Lie de uma cadeia de LMN truncada apresen- tando as duas primeiras equações em um conjunto infinito de equações integro-diferenciais para as funções de densidade de probabilidade envolvendo vários pontos da velocidade. Um conjunto completo de transformações pontuais foi obtido para as funções de densidade de probabilidade de um ponto conjuntamente com as variáveis independentes: espaço amostral de velocidade, espaço e tempo. Desta forma foi posśıvel se encontrar as soluções exatas das equações envolvidas. 17 No geral, apesar de todo o potencial de aplicação das simetrias de Lie na dinâmica de fluidos, as aplicações em engenharia ainda são t́ımidas, talvez por não ser um assunto ainda tanto difundido em literatura mais básica ou usado de forma mais corriqueira no ensino da dinâmica dos fluidos. Acredita-se que uma popularização na comunidade de engenharia poderá acontecer nos próximos anos a medida que mais engenheiros tenham contato com esta teoria. 2.2.2 Transferência de calor Oron e Rosenau (1986) apresentaram a aplicação das simetrias de Lie para deduzir as simetrias clássicas da equação do calor não linear, a equação da difusão-convecção e as equações da onda não linear. Determinadas as simetrias, pôde-se utilizá-las para procurar uma transformação não-local de uma determinada equação diferencial de modo que as novas equações obtidas tivessem simetrias diferentes, podendo-se, assim, resolver os problemas em questão. Uma análise dos grupos de simetrias de Lie de um sistema acoplado das equações de calor de Burgers, inicialmente introduzidas em um estudo de soluções de similaridade não clássicas da equação de calor foi realizada por Webb (1990). Através do cálculo das simetrias de Lie do sistema, foi mostrado que a análise da estrutura de prolongamento do sistema produz a transformação Lie-Backlund. Esta transformação pode ser expressa como um mapa de soluções das duas equações de calor linear acopladas ou, alternativamente, como um mapa de solução na equação de Burgers. As simetrias clássicas e não-clássicas da equação de calor não linear descrita por ut = uxx + f(u) foram consideradas por Clarkson e Mansfield (1994). O método das caracteŕısticas de Gröbner foi usado tanto para encontrar as condições em f(u) sob as quais existem simetrias diferentes das simetrias triviais de translação espacial e temporal quanto para resolver as equações determinantes para os infinitesimais. Uma lista com as posśıveis reduções de simetria foi apresentada, incluindo algumas novas reduções para a equação de calor linear assim como uma lista de soluções exatas da equação de calor não linear. Budd e Collins (1998) consideraram o problema de Cauchy para a equação de difusão não-linear, ut = (umux)x que é definida em um domı́nio infinito. A EDP e uma lei de conservação são invariantes para um grupo de Lie. Usando esses invariantes como variáveis de similaridade, o problema foi reduzido a uma ODE de segunda ordem e, em seguida, integrada para dar as bem conhecidas soluções de similaridade. Dando continuidade ao trabalho de Budd e Collins (1998), Dorodnitsyn e Kozlov (2003) apresentaram o conjunto de equações a diferenças invariantes e malhas que preservam as simetrias do grupo de Lie da equação ut = (K(u)ux)x + Q(u), sendo u o campo de 18 temperaturas, K(u) o coeficiente de transferência de calor e Q(u) a fonte. Todos os casos especiais de K(u) e Q(u) que estendem o grupo de simetria admitido pela equação diferencial foram considerados. Com isso, foi posśıvel reduzir a ordem e integrar a equação diferencial. O trabalho de Cimpoiasu e Constantinescu (2008) generalizou os resultados obtidos da equação de fluxo 2D de Ricci. Os autores investigaram uma forma geral da equação de calor não-linear 2D e apontaram todos os casos posśıveis em que as simetrias de Lie, as quantidades invariantes associadas e as soluções de similaridade pudessem aparecer. Moitsheki e Harley (2011) estudaram a transferência transitória de calor através de uma aleta longitudinal, de vários perfis. Os coeficientes de condutividade térmica e transferência de calor foram considerados como dependentes da temperatura. A equação diferencial parcial resultante encontrada era altamente não linear. Métodos clássicos de simetria de Lie foram empregados e algumas reduções de ordem foram realizadas e pôde- se resolver de forma numérica a equação. Com isso, foi posśıvel estudar os efeitos de parâmetros realistas da aleta, assim como o parâmetro da aleta termogeométrica e o expoente do coeficiente de transferência de calor na distribuição da temperatura. Stepanova (2015) mostrou como se obter as formas de difusividade térmica desco- nhecida, difusão e coeficientes de difusão térmica podem ser encontradas através de grupos de Lie. As simetrias das equações governantes foram calculadas e uma solução exata foi obtida. 2.2.3 Problemas em mecânica dos sólidos No contexto da mecânica dos sólidos, as simetrias de Lie foram aplicadas para resolver as equações dos problemas de forma anaĺıtica, formular leis de conservação e relações de invariância, analisar a cinemática dos mecanismos, entre outras aplicações. A seguir, são apresentados alguns problemas de grande interesse em mecânica dos sólidos tais como: mecânica do cont́ınuo, teoria de vigas, elasticidade e dinâmica. O grupo completo de simetrias do oscilador harmônico unidimensional foi inves- tigado por Lutzky (1978). Verificou-se que um subgrupo de cinco parâmetros deixou invariante a ação, produzindo cinco quantidades conservadas, sendo que apenas duas delas eram funcionalmente independentes. Essas duas quantidades conservadas determinam as soluções e correspondem a um subgrupo Abeliano de dois parâmetros. O autor também mostrou que, se uma quantidade conservada correspondesse a um grupo de simetria pelo teorema de Noether, o grupo transformava qualquer solução em outra solução possuindo o mesmo valor da quantidade conservada. Um exemplo interessante é o caso do oscilador harmônico, como visto no trabalho de Gordon (1986). Ao se obter uma simetria de translação temporal, pôde-se observar que 19 a energia do sistema estava se conservando e através da simetria de rotação, o momento angular também se conservava. A invariância das equações de viga de Euler-Bernoulli, de Timoshenko e de Marguerre-von Kármán foi abordada no trabalho de Vassilev e Djondjorov (1999). Neste trabalho, os autores determinaram, primeiramente as simetrias de Lie para cada equação de viga e posteriormente aplicaram o teorema de Noether para determinação das quantidades se conservando. Com isso, foi posśıvel realizar algumas transformações nas equações, sempre mantendo-as invariantes, e obter as respectivas soluções. Mei (2000) mostrou a possibilidade de se encontrar uma quantidade conservada correspondente a partir de uma simetria de Lie conhecida e o problema inverso de encontrar a correspondente simetria de Lie a partir de uma integral primeira conhecida. Já o trabalho de Jing-Li et al. (2003) concentrou-se no estudo das simetrias de Lie e de quantidades conservadas de sistemas dinâmicos não holônomos controláveis. Com base na transformação infinitesimal, as equações determinantes simétricas de Lie e as equações restritivas foram determinadas. Özer (2003) aplicou as simetrias de Lie para determinar as soluções anaĺıticas das equações de Navier para a elasticidade. Primeiramente, a ordem da equação diferencial parcial foi reduzida para grau um, obtendo-se assim, um sistema de equações diferenciais ordinárias. Com a solução das equações diferenciais ordinárias, pode-se determinar a solução anaĺıtica das equações de Navier. Foi notável que as simetrias de Lie tinham vantagens importantes para resolver problemas em engenharia de estruturas. Soh (2008) apresentou em seu trabalho a solução completa para o problema de equivalência para a equação de Euler-Bernoulli usando a análise de simetria de Lie. Cada simetria de quociente de álgebra de Lie determinou uma classe de equivalência das equações de Euler-Bernoulli. Salvo o caso genérico correspondente a densidade de massa linear e flexão, pôde-se caracterizar os elementos de cada classe fornecendo um conjunto determinado de equações diferenciais satisfeitas por parâmetros f́ısicos. Bocko, Nohajová e Harčarik (2012) apresentaram todos os geradores de simetrias de Lie e as posśıveis transformações que podem ser realizadas em equações de vigas e placas. Com base nesses geradores infinitesimais, os grupos de Lie correspondentes foram gerados e outras propriedades das equações puderam ser reveladas tais como invariância sob parâmetros cont́ınuos de simetria. A classificação das simetrias de Lie das equações de onda não-lineares com dissipação fornecem um caso genérico e oito casos especiais tendo sido apresentadas por Franco (2015). Neste artigo, o autor mostrou que em sete dos oito casos estudados, a ação das simetrias de Lie poderia ser globalizada através de representações induzidas de uma famı́lia de grupos de Lie solúveis. 20 A equação de onda de menor dimensão foi discutida por He (2015). A equação foi reduzida à equação potencial de Korteweg–de Vries (KdV). Ao usar a análise de simetria de Lie, todos os campos vetoriais geométricos da equação foram obtidos e foram apresentadas reduções de simetria. Foram obtidas algumas novas soluções de ondas não-lineares, que envolvem funções arbitrárias diferenciáveis, expressas pelas funções eĺıpticas de Jacobi, funções eĺıpticas de Weierstrass, função hiperbólica e função trigonométrica. No trabalho de Al-Omari, Zaman e Azad (2017) mostrou-se as simetrias de Lie e suas transformações de grupos de Lie para uma classe de sistemas de equações de Timoshenko. A classe considerada é a classe de sistemas Timoshenko não-lineares de equações diferenciais parciais. Um sistema ótimo de sub-algebras unidimensionais da álgebra de Lie correspondente foi derivado. Todas as posśıveis variáveis invariantes do sistema ideal foram obtidas. Com a aplicação das simetrias de Lie, foi posśıvel transformar as EDPs em sistemas correspondentes de equações diferenciais ordinárias para resolução das equações. Já no próprio grupo da UNESP, o bolsista FAPESP2, Afonso Willian Nunes, estuda como usar as simetrias de Lie para calcular reações de apoio, energia de deformação e deflexão em pontos espećıficos de vigas. O trabalho será apresentado no X Congresso Nacional de Engenharia Mecânica - CONEM (NUNES et al., 2018). Este trabalho buscou determinar as simetrias de Lie e invariantes associados com o problema de viga de Euler- Bernoulli. A partir dos resultados obtidos com a teoria de Lie pôde-se confirmar a presença das quantidades f́ısicas se conservando, os invariantes, e verificar que o remapeamento da solução em novas variáveis facilitou a resolução da equação da linha elástica, como no caso do quarto gerador de simetria. 2.2.4 Redução de ordem O estudo das soluções invariantes de grupo da equação de Schrodinger não linear generalizada (GNLSE) foi apresentado por Gagnon et al. (1989). Os autores mostraram que oito tipos de subgrupos do grupo de simetria de Lie conduziam através de redução de ordem, para equações diferenciais ordinárias reais de terceira ordem, dando tanto a fase quanto o valor absoluto da solução. O método de Lie foi generalizado para equações diferenciais ordinárias no trabalho de Quispel e Sahadevan (1993). Os autores provaram que a ordem das equações diferenciais pôde ser reduzida em uma, desde que a equação em consideração possúısse uma simetria de Lie. Além disso, os autores também apresentaram uma condição suficiente para a redução da ordem da equação por dois. A redução das equações diferenciais ordinárias não-lineares por uma combinação de integrais primeiras e simetrias de Lie foi investigada por Abraham-Shrauner (2002). As 2 http://bv.fapesp.br/pt/bolsas/170127/aplicacoes-das-simetrias-de-lie-na-teoria-de-vigas/ 21 equações diferenciais e as primeiras integrais foram expressas em termos dos invariantes das simetrias do grupo de Lie. Com isso foi posśıvel reduzir a ordem das equações em estudo e obter, assim, a solução exata das equações diferenciais. A teoria das reduções duplas de equações diferenciais parciais com duas variáveis independentes que admitem uma simetria de Lie e um invariante vetorial conservado sob a simetria, foram apresentados por Sjöberg (2009). A teoria foi aplicada a uma equação diferencial parcial não-linear de terceira ordem que descrevia a filtração de um ĺıquido visco-elástico com relaxamento através de um meio poroso. O autor mostrou, que através da redução de ordem da EDP, foi posśıvel obter um sistema de EDOs, facilitando-se assim, a obtenção das soluções das mesmas. Oliveri (2010) mostrou que a análise de simetrias de Lie das equações diferenci- ais fornece uma estrutura poderosa e fundamental para a exploração de procedimentos sistemáticos que conduzam à integração por quadratura (ou pelo menos à redução da ordem) de equações diferenciais ordinárias. Outra abordagem realizada pelo autor foi com relação à determinação de soluções invariantes de problemas de valor inicial e de limite, à derivação das leis de conservação e à construção de ligações claras e lógicas entre diferentes equações diferenciais que se tornam equivalentes para a resolução dos mais variados tipos de problemas f́ısicos e matemáticos. Ao usar métodos de simetria de Lie, Güngör e Torres (2017) identificaram uma classe de equações diferenciais não lineares de segunda ordem comuns que são invariantes sob pelo menos um grupo de simetria da equação de Ermakov-Pinney. Neste contexto, a regra de superposição não linear para a equação de Kummer-Schwarz de segunda ordem foi redescoberta. A invariância sob o grupo de simetria unidimensional também foi usada para obter as integrais primeiras (invariantes de Ermakov-Lewis). Sob esta condição, a equação foi reduzida a uma equação autônoma equivalente por meio de uma transformação canônica, e as soluções das equações foram obtidas. Baleanu et al. (2018) realizaram a análise das simetrias de Lie para redução de ordem, solução exata e obtenção de leis de conservação para a equação fracionária no tempo de Caudrey-Dodd-Gibbon-Sawada-Kotera (CDGSK) com derivação de Riemann-Liouville. A CDGSK fracionada no tempo foi reduzida à uma equação diferencial ordinária não linear da ordem fracionária. Com isso, novas soluções exatas para a CDGDK fracionada no tempo foram obtidas. As soluções foram inéditas e não foram obtidas anteriormente por outros autores. As soluções adquiridas inclúıam soluções hiperbólicas, trigonométricas e racionais. 22 2.2.5 Referencial móvel A ideia inicial de se trabalhar com referencial móvel começou com o problema de equivalência que tratava em analisar quando duas superf́ıcies podiam ser mapeadas uma para a outra, sob uma transformação de coordenadas de um tipo espećıfico. Acontece que existem muitos problemas que podem ser formulados dessa maneira. Um é o problema de classificação das equações diferenciais. Se há uma equação diferencial para resolver e um banco de dados de equações resolvidas, é sensato perguntar se existe uma transformação de coordenadas que conduza esta equação a uma das soluções já conhecidas. Visualizando as equações diferenciais como superf́ıcies, pode-se aplicar a teoria de referencial móvel. A seguir são apresentados alguns trabalhos mostrando a combinação das simetrias de Lie com a teoria de referencial móvel. Olver (2000) mostrou que o prolongamento de um grupo de transformação forma o fundamento geométrico subjacente à teoria de Lie de grupos de simetria de equações diferenciais, a teoria de invariantes diferenciais e a teoria de Cartan sobre referencial móvel. Os desenvolvimentos na teoria de referencial móvel exigiram uma compreensão detalhada da geometria dos grupos de transformação prolongados. Neste trabalho, o autor começa com uma revisão básica de referencial móvel e, em seguida, concentra-se no estudo de órbitas de grupo prolongadas regulares e singulares. Os destaques incluem uma versão corrigida do teorema de estabilização básico, uma discussão de pontos totalmente singulares e caracterizações geométricas e algébricas de subvariedades totalmente singulares, que são aqueles que não admitem referencial móvel. Além de algumas aplicações para o método de referencial móvel, o artigo inclui um lema Wronskian generalizado para funções vetoriais e métodos para a solução das equações determinantes de Lie. Olver e Pohjanpelto (2008) propuseram uma nova e construtiva teoria denominada de referencial móvel para ações de pseudo-grupo de Lie. Através da teoria desenvolvida pelos autores, foi posśıvel fornecer um meio efetivo para determinar sistemas completos de invariantes diferenciais e formas diferenciais invariantes, classificando suas relações de recorrência e resolvendo problemas de equivalência e simetria decorrentes de uma ampla gama de aplicações. Uma nova abordagem para a construção de referencial móvel que permitia tornar invariante o esquema de diferenças finitas, foi desenvolvida por Chhay e Hamdouni (2010). Esta abordagem levava em consideração a ordem de precisão e garantia das propriedades numéricas de esquemas invariantes que superavam os de esquemas clássicos. Os benef́ıcios obtidos com este processo foram ilustrados com a equação de Burgers. A vantagem do presente método encontrado pelos autores é a garantia de boas propriedades numéricas além da preservação do grupo de simetria da equação cont́ınua. Siminos e Cvitanović (2011) apresentaram dois métodos cont́ınuos de redução de 23 simetria para reduzir fluxos de dissipação de alta dimensão para mapas de retorno locais. Na abordagem de base polinomial de Hilbert, a dinâmica equivariante foi reescrita em termos de coordenadas invariantes. No método de referencial móvel, o espaço de estados foi cortado localmente de tal forma que cada órbita de grupo de pontos equivalentes de simetria foi representada por um único ponto. Em qualquer das abordagens, os cálculos numéricos puderam ser realizados na representação do espaço de estado original, e as soluções foram então projetadas no espaço de estados reduzido de simetria. Os dois métodos foram ilustrados na redução do sistema Lorenz complexo com um fluxo dissipativo em cinco dimensões com simetria rotacional. Para os autores, embora a abordagem de base polinomial de Hilbert não era inviável para fluxos de alta dimensão, a redução de simetria pelo método de referencial móvel oferecia boas ferramentas para utilização nestes tipos de problemas. Dando continuidade ao avanços do trabalho de Olver e Pohjanpelto (2008), Gonçal- ves e Mansfield (2012) explicaram a estrutura matemática tanto do sistema Euler-Lagrange quanto do conjunto de leis de conservação, em termos de invariantes diferenciais da ação de um grupo de Lie e referencial móvel. Os autores demonstraram que através do conheci- mento desta estrutura, permitiu-se que as equações de Euler-Lagrange fossem integradas com relativa facilidade. 2.3 Considerações finais A partir desta curta compilação de algumas aplicações das simetrias de Lie, pode-se observar a grande faixa de utilização envolvendo essencialmente os tópicos: • Construir novas soluções para equações originais; • Reduzir a ordem de equações diferenciais; • Obter leis de conservação. Pela revisão da literatura, observa-se que há diversas aplicações das simetrias de Lie em diferentes áreas. A área que inicialmente teve mais atenção e até hoje há muitos trabalhos relacionados no assunto ainda é a de mecânica de fluidos. Apesar disto, ainda se observa pouca aplicação industrial disto nestes problemas envolvendo fluidos, pois essencialmente, o tópico é tratado pela comunidade de pesquisadores da área de matemática. Portanto, ainda existe lacuna para aplicações e uso mais prático e corriqueiro nesta teoria na solução de problemas práticos da dinâmica dos fluidos, por exemplo. No geral, verifica-se que nos diversos casos em que as equações não podem ser resolvidas facilmente, através da aplicação das simetrias de Lie, pode-se reduzir a ordem e em alguns casos até mesmo obter a solução anaĺıtica da equação. Outro aspecto muito 24 importante é a conciliação das simetrias de Lie para extração de leis de conservação que muitas vezes não estão claras. Isto pode ser feito adequadamente com o Teorema de Noether. 25 3 Fundamentação Teórica em Simetrias de Lie A meta deste caṕıtulo é fornecer ao leitor uma introdução sobre a teoria de Lie, motivando o seu uso para aplicações na análise e solução de equações diferenciais. Também são apresentadas as principais definições e conceitos sobre transformações e geradores infinitesimais e ainda a obtenção de simetrias em equações diferenciais ordinárias (EDOs), assim como as técnicas para redução de ordem em equações diferenciais. O Apêndice A traz uma introdução sobre grupos e álgebra de Lie que pode auxiliar o leitor na leitura deste caṕıtulo. 3.1 Transformação infinitesimal Assumindo que uma equação diferencial ordinária de segunda ordem possa ser descrita na seguinte forma (GORDON, 1986; MOSHINSKY; SMIRNOV, 1996): F(t, q, q̇, q̈) = 0 (1) sendo q = q(t) funções desconhecidas1, t a variável independente, o ponto acima as derivadas temporais e F pode ser uma função para representar uma equação diferencial ou um sistema de equações diferenciais. Soluções simples para algumas destas equações são altamente conhecidas. Porém, algumas transformações podem ser aplicadas para manter a equação invariante e facilitar ainda mais a sua posśıvel integração. O primeiro passo é encontrar geradores infinitesimais que produzem estas transformações. 3.2 Geradores infinitesimais Esta seção busca apresentar os fundamentos básicos envolvidos na extração de simetrias de Lie a partir de sistemas de equações diferenciais. O assunto aqui abordado é amplamente dispońıvel em excelentes livros textos como Olver (1986), Bluman e Kumei (1989) assim como em Baumann (2000). De forma geral, assumindo uma variável genérica q = q(t), um grupo de transfor- mação envolvendo as variáveis dependente q e independente t com um parâmetro cont́ınuo ε ∈ R pode ser feito para obter novas variáveis t̄ e q̄ a partir de (OLVER, 1986; BLUMAN; KUMEI, 1989; BAUMANN, 2000): t̄ = α(t, q, ε), q̄ = µ(t, q, ε) (2) 1 Lembrando que pode-se assumir qualquer variável para q 26 sendo α e µ funções anaĺıticas2 que, normalmente, são desconhecidas e que realizam estas transformações. Pode-se expandir t̄ e q̄ usando séries de MacLaurin em torno de ε através de: t̄ ≈ t+ ε ( ∂α ∂ε ∣∣∣∣ ε→0 ) , q̄ ≈ q + ε ( ∂µ ∂ε ∣∣∣∣ ε→0 ) (3) desde que ε→ 0 represente a identidade do grupo. Definindo novas funções infinitesimais descritas por: ξ(t, q) = ∂α ∂ε ∣∣∣∣ ε→0 , ηq(t, q) = ∂µ ∂ε ∣∣∣∣ ε→0 (4) pode-se reescrever as expressões da eq. (3) como: t̄ ≈ t+ εξ(t, q), q̄ ≈ q + εηq(t, q) (5) Contudo, além das mudanças nas variáveis t e q, extensões para as derivadas de alta ordem q̇ e q̈ devem ser obtidas, conhecidas como prolongamentos de ordem superior. 3.3 Prolongamento das transformações e seus geradores Uma vez que as transformações com os geradores infinitesimais serão feitas em uma equação diferencial, é necessário se prolongar as transformações nas respectivas derivadas (LIE; SCHEFFERS, 1891; LIE, 1881; BLUMAN, 1990; MAHOMED; LEACH, 1990). A aproximação de ˙̄q fica sendo: ˙̄q = dq̄ dt̄ (6) sendo dq̄ = dq + εdηq e dt̄ = dt+ εdξ. Dividindo estes termos por dt: dq̄ dt = q̇ + εDt(ηq), dt̄ dt = 1 + εDt(ξ) sendo Dt o operador derivada total, definido por: Dt = ∂ ∂t + q̇ ∂ ∂q + q̈ ∂ ∂q̇ (7) sabe-se que ε→ 0 e com o aux́ılio da regra do binomial3: ˙̄q = q̇ + εDt(ηq) 1 + εDt(ξ) ≈ {q̇ + εDt(ηq)} {1− εDt(ξ)} = q̇ − q̇εDt(ξ) + εDt (ηq)− ε2Dt(ηq)Dt(ξ) ≈ q̇ + εβ(1) (8) 2 Por função anaĺıtica entende-se funções que podem ser expandidas em séries. 3 (1 + x)λ = 1 + λx+ λ(λ−1) 2! x2 + · · · (DINGLE, 1973). 27 como pode-se observar, na penúltima passagem há uma simplificação, já que ε ≈ 0 consequentemente condiz que ε2 = 0. O termo β(1) pode ser então escrito como: β(1)(t, q, q̇) = Dt(ηq)− q̇Dt(ξ) = ∂ηq ∂t + ( ∂ηq ∂q − ∂ξ ∂t ) q̇ − ∂ξ ∂q (q̇)2 (9) que é o prolongamento de primeira ordem. Em sistemas de equações diferenciais com termos de alta ordem, deve-se estender essa ideia para todas as variáveis. Com isso, pode-se escrever ¨̄q através do campo vetorial γ = {ξ ηq}T e ε através do mesmo procedimento realizado anteriormente: ¨̄q = d ˙̄q dt̄ = Dt ( q̇ + εβ(1) ) Dt(t+ εξ) = q̈ + εDt ( β(1) ) 1 + εDt (ξ) ≈{ q̈ + εDt ( β(1) )} {1− εDt (ξ)} ≈ q̈ + εβ(2) (10) sendo: β(2)(t, q, q̇, q̈) = Dt ( β(1) ) − q̈Dt (ξ) = ∂2ηq ∂t2 + ( 2 ∂2ηq ∂t∂q − ∂2ξ ∂t2 ) q̇+( ∂2ηq ∂q2 − 2 ∂2ξ ∂t∂q ) (q̇)2 − ∂2ξ ∂q2 (q̇)3 + ( ∂ηq ∂q − 2 ∂ξ ∂t ) q̈ − 3 ∂ξ ∂q q̇q̈ (11) o prolongamento de segunda ordem (BLUMAN; KUMEI, 1989). De forma geral um prolongamento de ordem k é dado por (BLUMAN; KUMEI, 1989): β(k)(t, q, q̇, q̈, . . . , k q) = (Dt)k ηq − k∑ j=1 k! (k− j)!j! (k−j+1) q (Dt)j ξ (12) sendo k = 1, 2, 3, . . .. 3.4 Teorema de Lie Após calcular o prolongamento das transformações e com o conhecimento das funções ξ e ηq formando o campo vetorial γ = {ξ ηq}T , um gerador infinitesimal de simetria pode ser obtido a partir de (MARSDEN; RATIU, 2010): X = { ξ ηq } · { ∂ ∂t ∂ ∂ηq } = ξ ∂ ∂t + ηq ∂ ∂q (13) e aplicando o operador de segunda ordem U ′′ para estas variáveis obtém-se (MCWEENY, 2002): U ′′ = β(1) ∂ ∂q̇ + β(2) ∂ ∂q̈ (14) Com isso, a condição de Lie pode ser definida como:: (U ′′ + X )F = 0 (15) 28 sendo F a equação diferencial ou um sistema de equações diferenciais em estudo. O critério infinitesimal de invariância envolve t, q e as derivadas de q com respeito a t, assim como as variáveis ξ e ηq. Depois de eliminar toda a dependência das derivadas envolvendo q, pode-se equacionar os coeficientes das derivadas parciais remanescentes de q a zero. Com isso, pode-se ter como resultado um grande número de equações diferenciais parciais para determinar estas funções. Estas equações são conhecidas como equações determinantes para um grupo de simetrias de um determinado sistema (OLVER, 1986). A obtenção das soluções destas equações determinantes pode ser muitas vezes trabalhosa e pode ser feita através da utilização de alguns pacotes de manipulação simbólica, como o wxMaxima, Mathematica (Sym (DIMAS; TSOUBELIS, 2004) e/ou MathLie (BAUMANN, 2000)), Maple (DETools e/ou PDETools), entre outros. O Apêndice C apresenta os códigos utilizados nesta tese para o cálculo das simetrias de Lie usando o Maple. 3.5 Redução de ordem utilizando os pontos de simetria na forma caracteŕıstica Uma das aplicações mais notórias da teoria de grupos de Lie é o problema de integrar equações diferenciais ordinárias. A observação fundamental de Lie é que o conhecimento de um grupo de simetrias de um sistema de equações diferenciais ordinárias permite integrar o sistema por quadraturas e assim deduzir a solução geral (OLVER, 1992). Seja uma EDO de segunda ordem, F(t, q, q̇, q̈), pode-se mostrar que esta equação é invariante sobre um grupo de transformações, e com isso, pode ser integrada por uma quadratura. Uma vez encontrado o grupo de simetrias, existem vários métodos que podem ser aplicados para integrar a equação diferencial (OLVER, 1986). Pode-se introduzir novas coordenadas na forma {q̄(t, q), t̄(t, q)} supondo que X é um campo vetorial e não-nulo na origem. A mudança de variáveis é feita através dos métodos para encontrar simetrias de grupo, apresentados anteriormente. Isto implica que X pode ser transformado a partir da forma ∂/∂t̄ fornecendo, assim, q̄ e t̄ satisfazendo as seguintes equações parciais lineares (OLVER, 1986): Xi(q̄) = ξ ∂q̄ ∂t + η ∂q̄ ∂q = 0 Xi(t̄) = ξ ∂t̄ ∂t + η ∂t̄ ∂q = 1 (16) Para facilitar o entendimento, os passos para o cálculo dos geradores infinitesimais podem ser descritos na forma de um fluxograma, como visto na fig. (1). 29 Figura 1 – Fluxograma representativo de como obter os geradores infinitesimais de forma geral para uma EDO. Modelagem de EDOs na forma Aplicação da condição de Lie Solução do sistema de equações determinantes Geradores infinitesimais de simetria Obtenção de novas variáveis através de transformações canônicas Redução de ordem da equação diferencial F = 0 (X + U’’)F = 0 X Fonte: Elaboração própria do autor. 3.6 Exemplo de aplicação em uma equação diferencial ordinária Esta seção apresenta um exemplo de aplicação do teorema de Lie para determinar os geradores infinitesimais de simetria de uma equação diferencial ordinária. Para isso, utiliza-se em exemplo bem simples envolvendo um oscilador harmônico sem amortecimento. Este sistema pode ser descrito por uma equação diferencial ordinária dada por (GORDON, 1986; MOSHINSKY; SMIRNOV, 1996): F(q, q̇, q̈) ≡ q̈ + ω2q = 0 (17) sendo q = q(t) o deslocamento, t o tempo, o ponto acima representa derivada temporal, ω2 = k/m a frequência natural não amortecida sendo k a rigidez e m a massa. Uma solução simples para a equação de movimento deste sistema já é amplamente conhecida. No entanto, algumas transformações podem ser aplicadas para manter este sistema invariante e facilitar a integração como mostrado nas seções seguintes. 3.6.1 Geradores infinitesimais do oscilador harmônico Substituindo a eq. (17) na eq. (15), pode-se obter as seguintes equações: (U ′′ + X ) ( q̈ + ω2q ) = 0 (18) aplicando o operador de simetria: η ∂ ∂q (q̈ + ω2q) + ξ ∂ ∂t (q̈ + ω2q) + β(1) ∂ ∂q̇ (q̈ + ω2q) + β(2) ∂ ∂q̈ (q̈ + ω2q) = 0 (19) 30 sendo β(1) descrito pela eq. (9) e β(2) dado pela eq. (11). Com isso, a eq. (19) se torna: ηω2 + { ξ ... q + ξω2q̇ } + β(2) = 0 (20) lembrando que: q̈ = −ω2q → ... q = −ω2q̇ então −ξω2q̇ + ξω2q̇ = 0. Substituindo β(2): − ∂2ξ ∂q2 (q̇)3 + ( ∂2η ∂q2 − 2 ∂2ξ ∂t∂q ) (q̇)2 + ( 2 ∂2η ∂t∂q − ∂2ξ ∂t2 + 3 ∂ξ ∂q ω2q ) q̇ + ( −∂η ∂q + 2 ∂ξ ∂t ) ω2q + ηω2 + ∂2η ∂t2 = 0 (21) e igualando a zero seus coeficientes, pode-se obter o seguinte sistema de equações determi- nantes: ∂2ξ ∂q2 = 0 (22) ∂2η ∂q2 − 2 ∂2ξ ∂t∂q = 0 (23) 2 ∂2η ∂t∂q − ∂2ξ ∂t2 + 3 ∂ξ ∂q ω2q = 0 (24) −∂η ∂q ω2q + 2 ∂ξ ∂t ω2q + ηω2 + ∂2η ∂t2 = 0 (25) Resolvendo as eqs. (22)-(25), pode-se obter ao todo os oito geradores de simetria de Lie admitidos pelo oscilador harmônico descrito pela eq. (17), como visto na tab. (1). 31 Tabela 1 – Geradores infinitesimais do oscilador harmônico. ξ η X1 = ∂ ∂t 1 0 X2 = q ∂ ∂q 0 q X3 = sin(ωt) ∂ ∂q 0 sin(ωt) X4 = cos(ωt) ∂ ∂q 0 cos(ωt) X5 = q sin(ωt) ∂ ∂t + q2ω cos(ωt) ∂ ∂q q sin(ωt) q2ω cos(ωt) X6 = q cos(ωt) ∂ ∂t − q2ω sin(ωt) ∂ ∂q q cos(ωt) −q2ω sin(ωt) X7 = −cos(2ωt) ω2 ∂ ∂t + q sin(2ωt) ω ∂ ∂t −cos(2ωt) ω2 q sin(2ωt) ω X8 = −sin(2ωt) ω2 ∂ ∂t − −qcos(2ωt) ω ∂ ∂q −sin(2ωt) ω2 −−qcos(2ωt) ω Fonte: Elaboração própria do autor. 3.6.2 Redução de ordem Considerando o gerador infinitesimal X1 = ∂ ∂t , sendo que ξ = 1 e η = 0. Para se reduzir a ordem da equação de movimento, eq. (17), deve-se escolher novas variáveis que satisfaçam a eq. (16). Com isso, as novas variáveis devem ser q̄ = q e t̄ = t. Estendendo para as derivadas, tem-se: ˙̄t = Dtt̄ Dtq̄ = 1 q̇ ⇒ ¨̄t = Dt ˙̄t Dtq̄ = − q̈ q̇3 (26) Com isto, as novas coordenadas são utilizadas para reescrever a eq. (17): − ¨̄t t̄3 + ω2q̄ = 0 (27) Uma nova projeção pode ser feita, então Υ = ˙̄t e Υ̇ = ¨̄t, fazendo com que a eq. (27) fique sendo descrita como: − Υ̇ Υ3 + ω2q̄ = 0 (28) Resolvendo equação anterior obtém-se: Υ = 1√ −ω2q̄2 + C (29) 32 sendo C uma constante de integração. Retornando às coordenadas anteriores a partir da eq. (26): ˙̄t = dt̄ dq̄ = 1√ −ω2q̄2 + C (30) então: t̄ = ∫ dq̄√ −ω2q̄2 + C (31) Resolvendo a quadratura da eq. (31), tem-se: t̄ = arctan ( √ ω2q̄√ −ω2q̄2 + C1 ) √ ω2 (32) Retornando às coordenadas originais: t = arctan ( √ ω2q√ −ω2q2 + C ) √ ω2 (33) Isolando a variável q na eq. (33), obtém-se a solução da eq. (17): q(t) = √( tan ( t √ ω2 )2 + 1 ) C tan ( t √ ω2 ) ( tan ( t √ ω2 )2 + 1 ) ω (34) Como pode-se observar, através da utilização das simetrias de Lie, pode-se reduzir a ordem da equação de movimento a uma quadratura. A solução para a equação do oscilador harmônico não é única, pois é uma equação diferencial linear e atende o axioma da superposição, além de não ter particularizado nenhum valor inicial. Além do gerador infinitesimal X1, há mais sete opções para se realizar a redução de ordem da equação diferencial. A solução para esta quadratura foi feita através da utilização de funções circulares. No entanto, existem algumas quadraturas que não podem ser resolvidas por estas funções. Com isto, se faz necessário o uso das funções eĺıpticas, como por exemplo, as funções eĺıpticas de Jacobi. O Apêndice B apresenta uma introdução sobre funções circulares e funções eĺıpticas. Deve-se destacar que nesta situação o gerador escolhido forneceu uma solução bem mais complexa do que a solução obtida de forma clássica em cursos introdutórios de equações diferenciais, matemática aplicada ou vibrações. No entanto, destaca-se que uma das grandes aplicações das simetrias de Lie envolve resolver equações diferenciais não lineares através de métodos anaĺıticos. 33 3.7 Considerações finais Os tópicos abordados neste caṕıtulo revisam os conceitos básicos relacionados à teoria de grupos e a aplicação do teorema de Lie para a determinação de geradores infinitesimais de equações diferenciais. Esse teorema pode ser aplicado sistematicamente para unificar e estender técnicas, com finalidades bem conhecidas, para determinação de soluções expĺıcitas de equações diferenciais em sistemas integráveis, especialmente para equações diferenciais não-lineares. Foi apresentado o conceito de simetria a parâmetro cont́ınuo e como determinar os geradores infinitesimais que realizam transformações nas EDOs que as mantenham invariantes. Para ilustrar a utilização das simetrias de Lie, um exemplo clássico foi resolvido. As simetrias de Lie foram calculadas para a equação de movimento do oscilador harmônico. Através de um dos 8 geradores de simetrias, a ordem da equação foi reduzida a uma quadratura, e obteve-se a solução para o oscilador harmônico. 34 4 As simetrias de Lie em Problemas da Dinâmica Este caṕıtulo tem como meta apresentar a aplicação das simetrias de Lie em problemas clássicos encontrados em dinâmica de sistemas mecânicos. O primeiro exemplo apresenta um pêndulo oscilando em um aro rotativo. Inicialmente são calculadas as simetrias de Lie e posteriormente faz-se a redução de ordem para a obtenção da solução anaĺıtica da equação diferencial através das funções eĺıpticas de Jacobi. Já o segundo exemplo, busca determinar as simetrias de Lie associadas com as equações diferenciais ordinárias que descrevem o movimento de um pião axisimétrico em movimento de precessão estacionária e aplicá-las ao teorema de Noether para obtenção das constantes de movimento. Neste exemplo, mostra-se que as simetrias de Lie também são simetrias de Noether. Provada a origem da conservação de energia e dos momentos angulares, através das leis de conservação extráıdas da aplicação do Teorema de Noether com as Simetrias de Lie, pôde-se determinar a solução anaĺıtica das equações do movimento através da solução por quadraturas usando funções eĺıpticas de Jacobi. Os problemas aqui apresentados, foram publicados em Basquerotto, Righetto e Silva (2018b) e Basquerotto, Righetto e Silva (2018a), respectivamente. 4.1 Pêndulo oscilando em um aro rotativo A fig. 2 apresenta uma massa pontual m deslizando livremente sem atrito em um aro de raio `, que por sua vez, gira com velocidade angular constante ω em um campo gravitacional também constante, com aceleração g. Com isto, este pêndulo se move em uma superf́ıcie de uma esfera de raio `. A base referencial usada é descrita pelos eixos {x, y, z} solidário ao giro do aro circular. A coordenada generalizada usada para caracterizar o movimento é dada por θ que é medida a partir do eixo z negativo. Para estas condições, a energia cinética, T , do pêndulo é dada por: T = 1 2 m`2 ( θ̇2 + ω2 sin2 θ ) (35) e a energia potencial, V , é descrita como: V = mg` (1− cos θ) (36) sendo que foi escolhido o ponto de energia potencial de referência nula em θ = 0 (ver fig. (2)). Com isto, a lagrangiana L = T − V é definida por: L = 1 2 m`2 ( θ̇2 + ω2 sin2 θ ) +mg` cos θ −mg` (37) 35 Figura 2 – Pêndulo oscilando em um aro rotativo. O A m g l x y z q w q = 0 ®V = 0 q = p ® V = 2mgl q = p / 2®V= mgl Aro Fonte: Elaboração própria do autor. Aplicando a equação de Euler-Lagrange para a coordenada generalizada θ (GOLDSTEIN, 1965; LEMOS, 2007): ∂L ∂θ − d dt ( ∂L ∂θ̇ ) = 0 (38) obtém-se a equação de movimento: θ̈ + (g ` − ω2 cos θ ) sin θ = 0 (39) sendo θ(t) o ângulo de posição variando no tempo t, o ponto superior representando derivada temporal, ω é a velocidade angular constante do aro, g é a aceleração da gravidade e ` é o raio do aro. A solução anaĺıtica desta equação de movimento já é conhecida, através da utilização de outros métodos, tais como pela solução geral das equações de Euler-Lagrange (BAKER; BILL, 2012). No entanto, várias outras transformações podem ser aplicadas para manter a equação invariante e com isso, resolvê-la de outra maneira, se ela for integrável. O procedimento proposto por Lie é um procedimento poderoso para integrar equações diferenciais. Primeiramente, como verificado no caṕıtulo anterior, é necessário encontrar um gerador infinitesimal para todas as variáveis da equação diferencial. Após isso, os prolongamentos são calculados para descrever os termos das derivadas de ordem superior. Ao aplicar o teorema de Lie, pode-se obter as equações determinantes e ao resolvê-las pode-se encontrar os geradores de simetrias (LUTZKY, 1979; OLVER, 1986; BLUMAN; KUMEI, 1989; BAUMANN, 2000; BAGDERINA, 2014). 36 4.1.1 As simetrias de Lie de um pêndulo oscilando em um aro rotativo Reescrevendo a eq. (39), na seguinte forma: F ( t, θ, θ̇, θ̈ ) ≡ θ̈+ (g ` − ω2 cos θ ) sin θ = 0 (40) e aplicando na condição de Lie dada pela eq. (15) obtém-se: (U ′′ + X )F = ξ ∂F ∂t + η ∂F ∂θ + β(1)∂F ∂θ̇ + β(2)∂F ∂θ̈ = 0 (41) O critério de invariância infinitesimal, descrito pela eq. (41), envolve t e θ, e as derivadas de θ com respeito a t, assim como ξ e η e suas derivadas parciais com respeito a t e θ. Após eliminar todas as dependências das derivadas envolvendo θ, pode-se equacionar os coeficientes remanescentes das derivadas parciais de θ, a zero. Isto gera um grande número de equações diferenciais parciais que são utilizadas para a determinação das funções ξ e η, desconhecidas a priori, formando as já definidas equações determinantes (OLVER, 1986). Após aplicar a condição de Lie, eq. (41), na eq. (39) pode-se obter as seguintes equações determinantes: ∂2ξ ∂θ2 = 0 (42) ∂2η ∂θ2 − 2 ∂2ξ ∂θ∂t = 0 (43) 3 sin θ (g ` − ω2 cos θ ) ∂ξ ∂θ + 2 ∂2η ∂θ∂t − ∂2ξ ∂t2 = 0 (44) 2 sin θ ∂ξ ∂t (g ` − ω2 cos θ ) − sin θ (g ` − ω2 cos θ ) ∂η ∂θ − η ( −ω2 sin2 θ− (g ` − ω2 cos θ ) cos θ ) + ∂2η ∂t2 = 0 (45) As equações de (42) até (45) podem ser simplificadas e pode-se obter as seguintes expressões: η = 0 (46) ∂ξ ∂t = 0 (47) 37 ∂ξ ∂θ = 0 (48) Por fim, resolvendo as equações de (46) até (48) obtém-se o seguinte gerador infinitesimal de simetria: X1 = ∂ ∂t Então, as funções infinitesimais são dadas simplesmente por: ξ = 1 e η = 0 que corresponde a uma operação de translação temporal, que é o invariante clássico que mostra a conservação de energia, desde que não se assume dissipação neste modelo (OLVER, 1990). Deve-se notar que neste exemplo apenas um gerador é obtido e, portanto, uma única integral primeira. Como o sistema possui apenas um grau de liberdade, θ(t), isto indica que o sistema é completamente integrável. Nota-se que em algumas equações de movimento é posśıvel ter mais de um gerador de simetria, por exemplo, no oscilador harmônico mostrado no Caṕıtulo 3 (WULFMAN; WYBOURNE, 1976; GORDON, 1986). 4.1.2 Redução de ordem Para satisfazer a condição da eq. (16), deve-se escolher θ̄ = θ e t̄ = t. Expandindo esta condição para as derivadas ˙̄t e ¨̄t, obtém-se: ˙̄t = dt̄ dθ̄ = 1 θ̇ ⇒ ¨̄t = d ˙̄t dθ̄ = − θ̈ θ̇3 (49) Com isto, as novas coordenadas são utilizadas para reescrever a equação de movi- mento, eq. (39): − ¨̄t ˙̄t3 + (g ` − ω2 cos θ̄ ) sin θ̄ = 0 (50) Uma nova projeção pode ser feita, então Υ = ˙̄t e Υ̇ = ¨̄t e a eq. (50) fica: − Υ̇ Υ3 + (g ` − ω2 cos θ̄ ) sin θ̄ = 0 (51) Resolvendo a eq. (51): Υ = √ ω2`2 sin2 θ̄ + 2g` cos θ̄+C`2 ω2` sin2 θ̄ + 2g cos θ̄ + C` (52) sendo C uma constante de integração. Retornando às coordenadas anteriores a partir da eq. (49): ˙̄t = dt̄ dθ̄ = √ ω2`2 sin2 θ̄ + 2g` cos θ̄ + C`2 ω2` sin2 θ̄ + 2g cos θ̄+C` (53) 38 então: t̄ = ∫ dθ̄√ ω2 sin2 θ̄ + 2g ` cos θ̄+C (54) A eq. (54) não pode ser resolvida através da utilização de funções trigonométricas, pois não é posśıvel achar a primitiva. Para resolver esta integral é necessário a utilização de integrais eĺıpticas de Jacobi (BAKER; BILL, 2012; LEMOS, 2017). O Apêndice B apresenta uma discussão sucinta sobre as funções eĺıpticas de Jacobi e sua utilização. A solução da eq. (54) é feita através da utilização de um programa de manipulação simbólica. O Apêndice C, apresenta os comandos e alguns pacotes utilizados para resolver a mesma. Sendo assim, a eq. (54) pode ser resolvida, utilizando, com a devida atenção, o argumento (u, k) na transformação, com isto: θ(t) = 2 arctan { √ adn [ 1 2 ωt √ | p | a, √ a− b a ]} (55) sendo a ≡ 1− cos θ 1 + cos θ , b ≡ 1 + cos θ − 2 cos θ 1− cos θ + 2 cos θ e p ≡ C − 1± 2 cos θ. A equação (55) representa a solução anaĺıtica do ângulo de deslocamento do pêndulo em um aro rotativo com velocidade angular constante ω e é a mesma solução obtida no trabalho de Baker e Bill (2012). Este problema espećıfico é similar ao exemplo apresentado nesta tese, no entanto em Baker e Bill (2012) não foram utilizadas as simetrias de Lie para tal fim. 4.2 Pião Axisimétrico com um ponto fixo A fig. (3) mostra um pião axisimétrico com massa m que está fixo em O com ação de um campo gravitacional constante g. Para se parametrizar o movimento do pião no espaço utiliza-se uma sequência de três rotações consecutivas em torno de três eixos diferentes, utilizando os ângulos de Euler. Primeiramente, toma-se como referência o sistema inercial, I , o eixo (X, Y , Z) e base { î, ĵ, k̂ } fixa em O. A primeira rotação é em torno do eixo Z ≡ z1 com velocidade angular ψ̇ com um ângulo ψ no sistema móvel com (x1, y1, z1) e base { î1, ĵ1, k̂1 } . O segundo giro é feito em torno de x1 ≡ x2 no sentido positivo, com velocidade angular θ̇ e com um ângulo θ no sistema móvel com (x2, y2, z2) e base { î2, ĵ2, k̂2 } . Por fim, é feita a última rotação em torno de z2 ≡ z com uma velocidade angular φ̇ e um ângulo φ no sistema móvel com (x, y, z) e base { î3, ĵ3, k̂3 } . O centro de massa do pião é representado pelo ponto A e a distância do ponto O até este ponto ao longo do eixo z é ` (LEMOS, 2007; GOLDSTEIN; POOLE; SAFKO, 2011). 39 Figura 3 – Pião axisimétrico com um ponto fixo. X Y Z z 1 y x x1 2 y 1 y q y y 2 q q z z2 y x f f f O A l --- --- --- g Fonte: Elaboração própria do autor. A partir da fig. (3) é posśıvel descrever a velocidade angular do pião, B2ω, no sistema B2 coincidente com os eixos de simetria (SANTOS, 2001): B2ω =B2 Ψ̇ +B2 Θ̇ +B2 Φ̇ = θ̇î2 + ψ̇ sin θĵ2 + ( φ̇+ ψ̇ cos θ ) k̂2 (56) sendo B2Ψ̇ o vetor velocidade angular de precessão, B2Θ̇ o vetor velocidade angular de nutação e B2Φ̇ o vetor velocidade angular de rotação própria do pião, todos representados na base B2. A lagrangiana é dada por (LEMOS, 2007): L = T − V (57) sendo T a energia cinética: T = 1 2 B2ω · IO ·B2 ω (58) e IO o tensor de inércia do pião de massa m calculado com relação ao ponto O: IO = ∣∣∣∣∣∣∣ Ix2 0 0 0 Iy2 0 0 0 Iz2 ∣∣∣∣∣∣∣ sendo Ix2 , Iy2 e Iz2 os momentos de inércia de massa com relação aos eixos x2, y2 e z2, respectivamente. Considerando que o pião é simétrico tem-se que Ix2 ≡ Iy2 = I, e então: IO = ∣∣∣∣∣∣∣ I 0 0 0 I 0 0 0 Iz2 ∣∣∣∣∣∣∣ 40 Uma vez calculada a velocidade angular do pião, a energia cinética, T , fica descrita como: T = 1 2 I ( θ̇2 + ψ̇2 sin2 θ ) + 1 2 Iz2 ( φ̇+ ψ̇ cos θ )2 (59) e a energia potencial, V : V = mg` cos θ (60) Com isto: L = 1 2 I ( θ̇2 + ψ̇2 sin2 θ ) + 1 2 Iz2 ( φ̇+ ψ̇ cos θ )2 −mg` cos θ (61) Assim, com o uso das equações de Euler-Lagrange, são obtidas as equações de movimento do pião: I ( θ̈ − ψ̇2 sin θ cos θ ) + Iz2 ( ψ̇2 sin θ cos θ + φ̇ψ̇ sin θ ) −mg` sin θ = 0 I ( ψ̈ sin θ + 2ψ̇θ̇ cos θ ) − Iz2 θ̇ ( ψ̇ cos θ + φ̇ ) = 0 Iz2 ( φ̈+ ψ̈ cos θ − ψ̇θ̇ sin θ ) = 0 (62) Assumindo que as velocidades angulares ψ̇ e φ̇ são constantes, pode-se modificar a eq. (62) e obter as equações de movimento para o pião para a condição particular considerada: I ( θ̈ − ψ̇2 sin θ cos θ ) + Iz2 ( ψ̇2 sin θ cos θ + φ̇ψ̇ sin θ ) −mg` sin θ = 0 I ( 2ψ̇θ̇ cos θ ) − Iz2 θ̇ ( ψ̇ cos θ + φ̇ ) = 0 Iz2 ( ψ̇θ̇ sin θ ) = 0 (63) As equações de movimento obtidas são equações diferenciais ordinárias não-lineares (LAWDEN, 2013). Para facilitar o cálculo das simetrias de Lie, é interessante escrever essas equações na forma Fi(t, θ, φ, ψ, θ̇, φ̇, ψ̇, θ̈) = 0, com i = 1, 2, 3. Com isso, as equações de movimento ficam: F1 ≡ I ( θ̈ − ψ̇2 sin θ cos θ ) + Iz2 ( ψ̇2 sin θ cos θ + φ̇ψ̇ sin θ ) −mg` sin θ = 0 F2 ≡ I ( 2ψ̇θ̇ cos θ ) − Iz2 θ̇ ( ψ̇ cos θ + φ̇ ) = 0 F3 ≡ Iz2 ( ψ̇θ̇ sin θ ) = 0 (64) É importante salientar que é posśıvel obter as simetrias de Lie considerando que o pião não possui velocidades angulares constantes. Nota-se também que as variáveis ψ e φ não aparecem explicitamente na lagrangiana sendo, portanto, variáveis ćıclicas. A existência de uma variável ćıclica indica que os momentos generalizados correspondentes são constantes (MONTEIRO, 2006). Ao se determinar as simetrias de Lie, encontram-se exatamente geradores infinitesimais correspondentes à essas mesmas variáveis que quando aplicados ao teorema de Noether revelam também os mesmos invariantes, como será mostrado a seguir. 41 4.2.1 Aplicação das simetrias de Lie nas equações do pião Aplicando a condição de Lie, dada pela eq. (15), no sistema de eqs. (64), é posśıvel obter as seguintes equações determinantes: ∂ηψ ∂ψ = 0, ∂ηψ ∂φ = 0, ∂ηψ ∂t = 0, ∂ηψ ∂θ = 0, ∂ηφ ∂ψ = 0, ∂ηφ ∂φ = 0, ∂ηφ ∂t = 0, ∂ηφ ∂θ = 0, ∂ξ ∂ψ = 0, ∂ξ ∂φ = 0, ∂ξ ∂θ = 0, ∂ξ ∂t = 0 e ηθ = 0. Resolvendo estas equações é posśıvel encontrar os seguintes geradores infinitesimais para a equação (64) listados na tabela (2). Tabela 2 – Geradores infinitesimais do pião. ξ ηq X1 = ∂ ∂t 1 0 X2 = ∂ ∂ψ 0 1 X3 = ∂ ∂φ 0 1 Fonte: Elaboração própria do autor. O gerador infinitesimal X1 está correlacionado com a translação temporal e corres- ponde ao invariante associado a conservação de energia, desde que não haja dissipação. O segundo e o terceiro gerador infinitesimal correspondem à rotação nos eixos onde se medem os ângulos ψ e φ que estão diretamente ligados à conservação dos momentos angulares associados às variáveis ψ e φ. Para demonstrar e verificar essas constantes, os geradores infinitesimais determinados pelas simetrias de Lie, podem ser aplicados ao teorema de Noether. 4.3 Teorema de Noether O teorema que mostra a correspondência entre as simetrias variacionais comuns e as leis de conservação dos sistemas de equações de Euler-Lagrange, foi enunciado por Emmy Noether no ińıcio do século XX. Uma vez que admitimos simetrias de um sistema, o teorema de Noether fornece uma correspondência um-para-um entre simetrias variadas e leis de conservação (OLVER, 1986; MARTINS, 1999). Ou seja, para cada simetria encontrada em um sistema de equações diferenciais há uma quantidade se conservando. A busca por existência de simetrias na natureza tem como principal resultado a obtenção de invariantes. Nos casos onde se conhece a lagrangiana L e as funções da transformação ξ e ηq, a aplicação do teorema de Noether é como se fosse um revelador de quantidades A se conservando (MEI, 2000; BRIZARD, 2009). 42 A quantidade se conservando a partir de uma transformação de simetria pode ser determinada pelo teorema de Noether a partir de (MARTINS, 1999)1: A = ∂L ∂q̇ (q̇ξ − ηq)− Lξ = Constante (65) de forma generalizada com n coordenadas como é o caso do pião, implica no seguinte invariante (NOETHER, 1918; LEMOS, 1993): Ai = n∑ i=1 ∂L ∂q̇i (q̇iξi − ηqi)− Lξi ⇒ d dt (Ai) = 0 (66) O resultado generaliza e unifica de uma forma que é posśıvel ter a visualização geométrica dos prinćıpios de conservação de energia, momento linear e momento angular. Com isso, aplicando os geradores infinitesimais encontrados pelas simetrias de Lie no teorema de Noether, descrito pela eq. (66), pode-se encontrar as constantes de movimento associadas. Para o primeiro gerador infinitesimal X1, sendo ξ = 1 e ηθ = 0 tem-se: A1 = ∂L ∂θ̇ (θ̇ξ−ηθ)−Lξ ⇒ A1 = 1 2 I ( θ̇2 + ψ̇2 sin2 θ ) + 1 2 Iz2 ( φ̇+ ψ̇ cos θ )2 +mg` cos θ (67) que é uma constante de movimento que está relacionada diretamente com a energia total do sistema, que neste caso fica sendo a energia cinética T mais a energia potencial V , não havendo dissipação de energia. Considerando agora os geradores infinitesimais X2 sendo ξ = 0 e ηψ = 1 e X3 sendo ξ = 0 e ηφ = 1, tem-se, respectivamente: A2 = ∂L ∂ψ̇ (ψ̇ξ − ηψ)− Lξ ⇒ A2 = Iψ̇ sin2 θ + Iz2 cos θ ( φ̇+ ψ̇ cos θ ) (68) A3 = ∂L ∂φ̇ (φ̇ξ − ηφ)− Lξ ⇒ A3 = Iz2 ( φ̇+ ψ̇ cos θ ) (69) mostrando assim que as quantidades A2 e A3 estão diretamente relacionadas com os momentos angulares se conservando para a coordenada associada a ψ e com o momento também se conservando para a coordenada associada a φ, respectivamente. 4.4 Redução de ordem e solução anaĺıtica da equação do movi- mento do pião A partir das simetrias de Lie encontradas, pode-se reduzir a ordem do sistema de equações de movimento. Por já estarem na forma canônica, serão utilizados primeiramente 1 Alguns livros de mecânica clássica tem demonstrações deste resultado tais como Goldstein (1965) e/ou Arnold (2013). 43 os geradores infinitesimais X2 e X3. Com isso, pode-se transformar a partir de uma mudança de variável, sendo ψ̇ = λ e φ̇ = ζ que para precessão estacionária, são constantes. Assim, a equação (64) pode ser reescrita como: I ( θ̈ − λ2 sin θ cos θ ) + Iz2 ( λ2 sin θ cos θ + ζλ sin θ ) −mg` sin θ = 0 I ( 2λθ̇ cos θ ) − Iz2 θ̇ (λ cos θ + ζ) = 0 Iz2 ( λθ̇ sin θ ) = 0 (70) Para a redução de ordem de θ̈, deve-se utilizar o gerador infinitesimal X1 exigindo algumas manipulações que podem ser facilitadas por programas de manipulação simbólica, como o Maple, Mathematica ou wxMaxima. No apêndice C se detalham estas manipulações. Supondo que X é um campo vetorial que não se anula nos pontos de origem, pode-se introduzir novas coordenadas {t̄(t, θ, ζ, λ), θ̄1(t, θ, ζ, λ), θ̄2(t, θ, ζ, λ), θ̄3(t, θ, ζ, λ)}. A mudança de variáveis é feita usando os métodos para encontrar invariantes de grupo. Isto implica que X pode ser transformada na seguinte forma ∂/∂t̄ fornecendo assim t̄, θ̄1, θ̄2 e θ̄3 que satisfaçam as seguintes condições (OLVER, 1986): X1(t̄) = ξ ∂t̄ ∂t + ηθ ∂t̄ ∂θ + ηψ ∂t̄ ∂λ + ηφ ∂t̄ ∂ζ = 0 X1(θ̄1) = ξ ∂θ̄1 ∂t + ηθ ∂θ̄1 ∂θ + ηψ ∂θ̄1 ∂λ + ηφ ∂θ̄1 ∂ζ = 0 X1(θ̄2) = ξ ∂θ̄2 ∂t + ηθ ∂θ̄2 ∂θ + ηψ ∂θ̄2 ∂λ + ηφ ∂θ̄2 ∂ζ = 0 X1(θ̄3) = ξ ∂θ̄3 ∂t + ηθ ∂θ̄3 ∂θ + ηψ ∂θ̄3 ∂λ + ηφ ∂θ̄3 ∂ζ = 1 (71) a partir dessa condição, pode-se dizer que t̄ = θ, θ̄1 = λ, θ̄2 = ζ e θ̄3 = t. Deve-se estender as mudanças de coordenadas para as derivadas de primeira ordem, então: ˙̄θ1 = λ̇ θ̇ , ˙̄θ2 = ζ̇ θ̇ e ˙̄θ3 = 1 θ̇ . Para as derivadas de segunda ordem: ¨̄θ3 = − θ̈ θ̇3 . Reescrevendo a equação (70) nas novas coordenadas e já realizando os cálculos e simplificações necessários chega-se a: 1 2 I ( ˙̄θ2 3 + ˙̄θ2 1 sin2 t̄ ) + 1 2 Iz2 ( ˙̄θ2 + ˙̄θ1 cos t̄ )2 +mg` cos t̄ = C1 I ˙̄θ1 sin2 t̄+ Iz2 cos t̄( ˙̄θ2 + ˙̄θ1 cos t̄) = C2 Iz2 ( ˙̄θ2 + ˙̄θ1 cos t̄ ) = C3 (72) sendo C1, C2 e C3 constantes. Pode-se observar que estas equações são constantes e também são iguais às constantes de movimento obtidas anteriormente pelo teorema de Noether para este pião. Isso mostra que as simetrias de Lie também são simetrias de Noether neste exemplo, como já era esperado, pois o pião é um sistema lagrangiano com equações de movimento extráıdas a partir de um prinćıpio variacional. Por fim, pode-se determinar 44 as expressões para θ, ψ e φ. Para não perder a generalidade, utiliza-se aqui para estes cálculos, os invariantes obtidos pelo teorema de Noether. A partir da constante de movimento A3, pode-se obter: φ̇ = A3 Iz2 − ψ̇ cos θ (73) Utilizando a constante A2, obtém-se: Iψ̇ sin2 θ + Iz2 cos θ ( A3 Iz2 ) = A2 (74) então: ψ̇ = A2 −A3 cos θ I sin2 θ (75) Introduzindo novas constantes, pode-se reescrever a constante A1 na seguinte forma: A′1 = A1 − A2 3 2Iz2 (76) de onde pode-se deduzir: A′1 = 1 2 Iθ̇2 + S(θ) (77) sendo: S(θ) = (A2 −A3 cos θ)2 2I sin2 θ +mg` cos θ o potencial efetivo. Realizando uma separação de variáveis na equação (77), pode-se obter: θ̇2 = 2 I (A′1 − S(θ)) (78) assim: θ̇ = √ 2 I √ (A′1 − S(θ)) (79) levando por fim à seguinte expressão:∫ dθ√ (A′1 − S(θ)) = √ 2 I t (80) Não é posśıvel expressar a solução desta integral em termos de funções elementares. Para a solução destas quadraturas podem ser usadas as integrais eĺıpticas de Jacobi. Em um artigo recente publicado, Lemos (2017) apresentou a importância de se utilizar as funções eĺıpticas de Jacobi na representação deste tipo de quadratura. Muitos trabalhos 45 e livros deixaram de abordar o uso das funções eĺıpticas, no entanto, existem muitos problemas interessantes de mecânica que podem ser resolvidos em termos destas funções (LEMOS, 2017). O passo a passo de como se calcular uma integral utilizando as funções eĺıpticas de Jacobi podem ser encontrados em trabalhos como o de Piña (2017) e Lemos (2017). Com θ determinado, pode-se encontrar os outros ângulos de Euler associados ao movimento do pião. Com a consideração do argumento (u, k) na transformação obtém-se finalmente a solução anaĺıtica para as equações de movimento do pião axisimétrico, descritas por: θ(t) = sgn(a+ b) [√ 1− c2 dn(u, k) sin(Ω) + (d− c)cn(u, k)sn(u, k) cos(Ω) ] (81) ψ(t) = − √ 1− c2 dn(u, k) cos(Ω) + (d− c)cn(u, k)sn(u, k) sin(Ω) (82) φ(t) = c+ (d− c)sn2(u, k) (83) sendo a = A3 I , b = A2 I , c = cos θ sn2(u, k) , d = b a , Ω = cn(u, k) sn(u, k)dn(u, k) e sgn a função sign: sgn(a+ b) =  −1 se a+ b < 0 0 se a+ b = 0 1 se a+ b > 0 Como visto anteriormente, para se parametrizar a velocidade angular instantânea de um corpo ŕıgido foram utilizados os ângulos de Euler. No entanto, problemas como singularidade podem aparecer quando se faz o uso de métodos numéricos para integração das equações de movimento. Com a utilização das simetrias de Lie obteve-se a solução anaĺıtica das equações que descrevem o movimento do pião. 4.5 Considerações finais O presente caṕıtulo apresentou exemplos práticos de como usar as simetrias de Lie para obtenção de invariantes e solução de equações de movimento de interesse na dinâmica de sistemas mecânicos. O primeiro exemplo envolveu um pêndulo oscilando em um aro rotativo. Foram propostas formas alternativas para reduzir a ordem da equação de movimento original para simplificar a integração das novas equações usando o teorema de Lie. As simetrias de Lie obtidas foram usadas de forma efetiva para execução desta parte. Os grupos de simetria de equações diferenciais ou problemas variacionais formam grupos de transformação locais que atuam de maneira geométrica no espaço da variável independente e dependente. Através das simetrias de Lie, sendo que a ordem foi facilmente reduzida e foi posśıvel obter as primeiras integrais que foram resolvidas usando algumas 46 classes de funções especiais, como as funções eĺıpticas de Jacobi. O método apresentado aqui pode ser estendido a diferentes tipos de equações de movimento para descrição de sistemas dinâmicos. Já o segundo exemplo apresentou a aplicação da teoria de Lie para a descrição do movimento de um pião em ponto fixo. A partir das simetrias de Lie extráıdas das equações determinantes foi posśıvel relacioná-las diretamente com os teoremas clássicos de conservação. Uma comparação com as constantes de movimento extráıdas pelo Teorema de Noether também é feita neste sentido. A partir disto, utilizou-se as simetrias de Lie para gerar as transformações visando a solução anaĺıtica completa das equações de movimento do pião em precessão estacionária, empregando para isto as funções eĺıpticas de Jacobi. 47 5 As Simetrias de Lie na Teoria de Referencial Mó- vel Este caṕıtulo mostra como combinar e aplicar as simetrias de Lie para obtenção dos correspondentes referencial móvel de cada ação de um grupo de simetria em problemas da dinâmica de sistemas mecânicos. Dado um grupo de transformações de Lie com dimensão finita atuando em uma variedade, sempre existirá uma ação conhecida como ação prolongada de grupo (OLVER, 2003). Esta ação representa a base fundamental da teoria de Lie envolvendo grupos de simetria em equações diferenciais. Estes invariantes diferenciais aparecem como constantes da ação do prolongamento de um grupo (OLVER, 2007). Élie Cartan estendeu isto no século XX envolvendo a geometria da ação deste grupo, fundamentando a chamada teoria de referencial móvel. Com esta teoria, diversas aplicações são posśıveis e relatadas na literatura, como simetrias de problemas variacionais (GONÇALVES; MANSFIELD, 2012), problemas de bifurcação equivalentes (GOLUBITSKY; STEWART; SCHAEFFER, 1988), leis de conservação e formas diferenciais invariantes (OLVER, 1995), soluções invariantes em grupo (OLVER, 1986; OLVER; POHJANPELTO, 2009), etc. 5.1 Aspectos básicos na teoria de referencial móvel Seja G um grupo de Lie r-dimensional agindo diferenciavelmente em uma variedade, M , m-dimensional. Na teoria clássica de Cartan, G é um grupo de natureza geométrica, por exemplo, um grupo euclidiano. No entanto, um grupo de Lie no cenário de referencial móvel é um grupo de ação de Lie. Um referencial móvel é definido como uma transformação G-equivariante ρ: M → G. Há dois tipos principais de equivariância1 (OLVER, 2000; OLVER, 2012): ρ (g · z) = { g · ρ(z) referencial móvel à direita ρ · g−1 referencial móvel à esquerda (84) sendo g um elemento do grupo e z ∈ M . Todos os referenciais móveis clássicos são equivariantes à esquerda, mas, em muitos casos, as versões à direita podem ser bem mais fáceis de se calcular. Do ponto de vista formal, a diferença envolve o fato de que há várias maneiras de definir um mapa (transformação) equivariante. Do ponto de vista da construção, o motivo pelo qual um referencial móvel à direita é mais fácil de construir é 1 Em matemática, a equivariância é uma forma de simetria para funções de um espaço simétrico para outro. Uma função é dita ser uma transformação equivariante quando seu domı́nio e contradomı́nio são atuados pelo mesmo grupo de simetria e quando a função se desloca com a ação do grupo. Ou seja, aplicar uma transformação de simetria e, em seguida, calcular a função produz o mesmo resultado que o cálculo da função e depois a aplicação da transformação (MARGULIS, 1991). 48 porque resolver as equações de normalização para os parâmetros do grupo leva diretamente a um referencial móvel à direita. A partir dáı, pode-se inverter as equações para obter um referencial móvel à esquerda (OLVER, 2015). Segundo Mansfield (2010), um referencial móvel existe em uma vizinhança de um ponto z ∈M se e somente se G age livremente2 e regularmente3 perto de z. A construção prática de um referencial móvel baseia-se no método de normalização de Cartan que exige a escolha de uma seção transversal (local) para as órbitas do grupo. A fig. (4) ilustra, geometricamente, a construção de um referencial móvel (OLVER, 2003). Figura 4 – Construção geométrica do referencial móvel. k z Oz g = r (z)direita K (a) Referencial móvel à direita. k z Oz g = r (z)esquerda K (b) Referencial móvel à esquerda. Fonte: Adaptado de Olver (2012). Seja G agindo regularmente na variedade M , m-dimensional e com orbitas de dimensão s. Com isto tem-se que uma uma seção transversal é uma subvariedade (m− s)-dimensional de uma subvariedade K ⊂ M de modo que K intersecta cada órbita transversalmente, no máximo uma vez. As mais importantes são as seções transversais de coordenadas: K = {z1 = c1, · · · zs = cs} obtidas ao se igualar as s primeiras coordenadas à constantes (MANSFIELD, 2010; OLVER, 2012). Qualquer seção transversal pode ser localmente convertida em uma seção transversal de coordenadas por uma escolha adequada de coordenadas locais. Os elementos k ∈ K da seção transversal podem ser vistos como formas canônicas para pontos arbitrários de z ∈M , e suas coordenadas fornecem os moduli invariantes para a ação em grupo. Como K 2 O único elemento de grupo g ∈ G que redireciona um ponto z ∈M é a identidade (OLVER, 2000). 3 A ação de um grupo é regular se todas as órbitas têm a mesma dimensão e cruzam gráficos de coordenadas suficientemente pequenas apenas uma vez (OLVER, 2000). 49 tem dimensão m− s, precisamente m− s dessas funções invariantes serão funcionalmente independentes e, portanto, fornecerão um sistema gerador de invariantes. 5.2 Ação Dado um grupo local de Lie é necessário que se entenda o que é a ação de um grupo, isto é, suas apresentações como um grupo de transformações de algum espaço dado (OLVER, 1986). As ações mais simples são ações lineares, e a teoria dessas ações é a mesma que a teoria das representações do grupo. Se M for um espaço vetorial, uma representação do grupo G é um mapa R : G → GL(M) tal que (OLVER, 1986) R(gh) = R(g)R(h) (85) Diz-se que um grupo G age no espaço M se há um mapa α : G ×M →M (86) satisfazendo α(g2, α(g1, z)) = α(g2g1, z) (87) ou α(g2, α(g1, z)) = α(g1g2, z) (88) Ações obedecendo a eq. (87) são conhecidas como ações à esquerda enquanto as ações que obedecem a eq. (88) são conhecidas como ações à direita, como visto na seção anterior. As ações de um grupo de Lie, podem ser determinadas através da aplicação dos geradores infinitesimais de simetria obtidos pelas equações utilizadas para se determinar os geradores infinitesimais, conforme a eq. (13). Nem todas as ações de grupo são de interesse. Para definir um referencial móvel é preciso que a ação seja livre e regular, pelo menos na vizinhança do espaço onde se quer obter o referencial. Infelizmente, a maioria das ações não é livre e regular, mas muitas vezes podem ser estendidas de várias formas para que elas se tornem livres e regulares, pelo menos para partes interessantes do espaço estendido. Em particular, isso é verdade para ações de prolongamento, desde que a ação inicial seja localmente efetiva em subconjuntos (OLVER, 1986; MANSFIELD, 2010). Deixando G agir livremente e regularmente em M , e deixando K ⊂ M ser uma seção transversal regular, pode-se pegar um ponto z ∈M , dizendo que g = ρ(z) pode ser o elemento de grupo exclusivo que mapeie z para a seção transversal, isto quer dizer que: g · z = ρ(z) · z ∈ K (89) 50 Então, ρ : M → G será um referencial móvel para a ação do grupo. Dadas as coordenadas locais z = (z1, · · · , zm) em M , tomando w(g, z) = g · z como sendo as fórmulas expĺıcitas para as transformações do grupo. O referencial móvel à direita g = ρ(z) associado com a seção transversal K é obtido através da solução das equações de normalização (OLVER, 1986): wi(g, z) = Ci (90) sendo Ci uma constante e w(g, z) funções a valores reais. Um exemplo envolve, a seguinte ação padrão: y = x cos θ − u sin θ, v = x sin θ + u cos θ do grupo de rotação G = SO(2) em M = R2. As