451Cerâmica 54 (2008) 451-455 INTRODUÇÃO A sinterização de materiais cerâmicos por microondas tem sido objeto de vários estudos [1, 2]. O uso de microondas permite redução no tempo de processamento, economia de energia e melhora na uniformidade microestrutural dos corpos cerâmicos. Dentre os materiais cerâmicos, o óxido de zircônio possui atividade como suporte catalíco e também como catalisador [3]. Dentre as varias reações catalíticas podemos citar a hidrogenação de hidrocarbonetos [4, 5], o craqueamento [6] e a hidrogenação [7]. Na busca de suporte catalítico e catalisadores mais eficientes procura-se aprimorar as propriedades estruturais, além de se obter materiais com morfologia específica e bem definida. A sinterização rápida, usando forno de microondas, é uma técnica em que ocorre o rápido aquecimento dos materiais seguido por sua sinterização em elevada temperatura em curto período de tempo, podendo culminar em produtos de maior densidade relativa e menor tamanho médio de grão, comparativamente à sinterização convencional [8], associado ao fato de se passar o menor tempo possível em baixas temperaturas, evitando-se um crescimento de grão indesejável e, portanto, não havendo diminuição significativa na área de superfície, o que favorece a densificação. Tem-se sugerido que materiais mais seletivos, especialmente quando estamos tratando de catalisadores, possuem necessariamente pequeno tamanho e alta área superficial [9]. Recentes esforços têm obtido sucesso na preparação de nanoestruturas, como nanodiscos, nanofitas, etc., basicamente aumentando a densidade dos materiais, especialmente na forma amorfa [9]. Estudos mostram que processos de síntese usando forno de microondas promovem uma melhor densificação além de levar à formação de grãos pequenos e uniformes, quando comparados ao uso do forno elétrico convencional [10]. O tamanho da partícula influencia fortemente na resposta Influência do uso do forno de microondas ou convencional na síntese de ZrO2 (Influence of the use of microwave oven or conventional furnace on the synthesis of ZrO2) V. dos Santos1, E. Longo2, M. R. M. C. Santos3, J. M. E. Matos3 1LIEC-CMDMC, DQ - UFSCar, Rodovia Washington Luís (SP-310), km 235, S. Carlos, SP 13565-905 2LIEC-CMDMC, IQ - UNESP, R. Prof. Francisco Degni s/n, Araraquara, SP 14800-900 3DQ- UFP, Campus Ministro Petrônio Portela, Teresina, PI 64049-550 jmematos@gmail.com Resumo O presente trabalho tem como objetivo descrever a síntese de óxido de zircônio, variando as condições de síntese com o uso de forno convencional (FC) ou forno de microondas (FM), através do método Pechini. As características estruturais dos óxidos sintetizados foram determinadas por difração de raios X, infravermelho e análises térmicas. As propriedades morfológicas foram determinadas por microscopia eletrônica de varredura com emissão de campo e por isotermas de adsorção/desorção. O uso de FM ou FC, ou o uso de ambos para um mesmo óxido (FM + FC ou FC + FM) apresentaram uma grande influência sobre o grau de cristalinidade dos materiais sintetizados. Palavras-chave: óxido de zircônio, forno de microondas, forno convencional. Abstract The present work deals with the synthesis of zirconium oxide under varying conditions of synthesis using conventional furnace (CF) or microwave oven (MO), by the Pechini method. This study was carried out with the primary aim of studying the possible influence of the above parameters as synthesis variables on the structural and morphologic properties of ZrO2. The structural characteristics of the synthesized oxides were determined by X-ray diffractio, infrared and thermal analysis. The morphologic properties were determined by FEG-SEM and isothermal gas adsorption/desorption. The use of MO or CF, or both for the same oxide (MO+CF or CF+MO) has great influence on the degree of crystallinity of the synthesized materials. Keywords: zirconium oxide, microwave oven, conventional furnace. 452 V. dos Santos et al. / Cerâmica 54 (2008) 451-455 de sensores, catalisadores e vários outros materiais, devido a sua alta seletividade relacionada ao tamanho, onde dois fatores influenciam fortemente. Dentre estes, podemos citar o “confinamento quântico”, que surge pelas mudanças nas densidades dos estados eletrônicos e os chamados efeitos de superfície, devido ao aumento da razão entre o número de átomos que estão em sua superfície relativamente àqueles dispersos por seu volume [11]. Neste sentido, este trabalho teve por objetivo estudar comparativamente a influência do uso do forno convencional e de microondas na obtenção de óxido de zircônio através do método Pechini. Desta forma, foi possível identificar possíveis vantagens relacionadas ao uso dos referidos fornos na identificação das condições ótimas de trabalho. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL A síntese química baseou-se em poliésteres obtidos a partir de citratos, desenvolvida por Pechini [12], onde há formação de uma resina polimérica produzida por poliesterificação entre um complexo metálico quelato e um álcool, sendo que se usou ácido cítrico (E. Merck, Alemanha, 99,9%), butóxido de zircônio e etilenoglicol (Mallinckrodt Backer, EUA, 99,9%). A relevância nesse processo (sol-gel) é obter um precursor polimérico homogêneo, composto de moléculas poliméricas ramificadas, em que os cátions estão uniformemente distribuídos, evitando longo caminho de difusão, impurezas e aglomeração que ocorrem em outros processos de síntese de pós. Para a determinação das fases cristalinas foi utilizada a técnica de difração de raios X - Rigaku DMax 2000, sob 40kV e 150 mA, no intervalo entre 5 e 75o para 2θ, com passo de 0,02o e tempo de exposição de 1 s. E a caracterização dos eventos térmicos ocorridos durante a preparação dos materiais foi feita por termogravimetria (TG) e análise termodiferencial (ATD), em um equipamento Netzsch STA 409, tendo como procedimento padrão um fluxo de ar sintético de 10 cm3/min e uma taxa de aquecimento de 10 °C/min, de 25 oC a 1300 oC tendo como suporte um cadinho de alumina. As análises de microscopia eletrônica de transmissão (MET) foram realizadas em um microscópio eletrônico de alta resolução Phillips CM200 operando com 200 kV. A amostra foi preparada por dispersão dos materiais em água, com o auxilio da ponteira ultra-sônica durante 60 s a 30%; logo após esta etapa gotejou-se uma pequena fração deste material sobre uma rede de níquel com aproximadamente 2 mm de diâmetro, recoberta com um filme de carbono. A adsorção e dessorção de nitrogênio foram empregadas para determinação da área superficial das partículas em equipamento Micromeritcs ASAP 2000. RESULTADOS E DISCUSSÃO A rota usada na preparação e sinterização dos materiais induz a presença de materiais orgânicos e água até 300 oC (Fig. 1), onde a resina polimérica (Fig. 2), fora sinterizada a 300 oC, com taxa de aquecimento 10 oC/min, em forno de microondas e forno elétrico convencional. A evolução das impurezas e materiais orgânicos durante o processo de síntese causa a formação de poros; portanto, uma sinterização cuidadosa, especialmente em programa de temperaturas moderadas como a usada na síntese, evita a formação de poros, o que aumenta a densidade. A análise elementar mostrou a ausência de materiais orgânicos a 450 oC. A sinterização dos materiais em diferentes fornos (FC e FM) levou à cristalização do ZrO2 a 300 oC, com diâmetro médio de cristalito 63 Å, o que não foi observado com o uso do forno convencional (Fig. 3). O calculo do tamanho médio de cristalitos foi realizado usando a equação de Scherrer [13]. No forno de microondas, além do aquecimento por radiação e convecção, há a adição da energia recebida pela aplicação de um campo elétrico em moléculas polares. Quando o campo é aplicado, as moléculas que possuem momento de dipolo elétrico tendem a se alinhar com o campo. Quando o campo que provocou a orientação dos dipolos moleculares é removido ocorre uma relaxação dielétrica, isto é, as moléculas tenderão a voltar para o estado anterior (menos alinhado), dissipando a energia absorvida Figura 1: Espectros de infravermelho da resina sinterizada a 300 oC. [Figure 1: Infrared spectra of sintered resin at 300 oC.] Figura 2: Resina polimérica. [Figure 2: Polymeric resin.] 453V. dos Santos et al. / Cerâmica 54 (2008) 451-455 na forma de calor. Nos materiais que contem água, a direção do campo muda 2,45 x 109 vezes por segundo [14]; portanto, tão logo as moléculas se alinham parcialmente, a direção do campo reverte e as moléculas realinham. O alinhamento e re-alinhamento das moléculas com elevada freqüência produz grande quantidade de calor; em especial, este estudo pode relacionar água no interior das partículas com a energia necessária para se atingir o tamanho critico da partícula, o que auxilia na mudança de fase, como pode ser observado na Fig. 4. Na Tabela I são mostradas as diferentes temperaturas em que há a mudança da fase de ZrO2 de tetragonal para monoclínica, sendo que pode se notar que no procedimento onde houve o uso do forno convencional para o preparo da resina e do forno de microondas na sinterização, a passagem de fase se dá a 700 oC, indicando um aumento na taxa de crescimento da partícula, juntamente com um aumento da entalpia de superfície [15]. O aumento de energia na superfície relaciona-se ao excesso de calor liberado pela presença de água no interior das partículas (Fig. 5), o que favorece o crescimento da partícula, bem como a precoce mudança de fase. Observou- se também uma mudança na morfologia dos materiais (Figs. 6 e 7), onde pode ser observada a densificação do material com o uso do FM. Os dados da análise termogravimétrica indica que uma fração significativa do peso se perde com o aquecimento, em especial para o material amorfo; isto se deve provavelmente ao fato da perda já ter ocorrido antes da cristalização para o material cristalino. Até a temperatura de 350 oC é possível observar a perda de água, química e fisicamente adsorvida na superfície dos materiais, e materiais orgânicos, tendo como perda entre 8 e 19%, respectivamente, para os materiais cristalino e amorfo. A partir de 350 oC observa-se uma drástica redução na massa, que termina em 900 oC, confirmando a perda de água quimicamente ligada no interior das partículas [16]. É reportado que quanto menor a temperatura de síntese maior será a área obtida por ZrO2 [17]. Dados da análise termo Figura 3: Difratogramas de raios X da resina a 300 oC. [Figure 3:X-ray diffraction patterns of the resin at 300 oC.] Figura 4: Difratogramas de raios X de ZrO2. [Figure 4:X-ray diffraction patterns of ZrO2.] Forno ( 25 - 300 oC) Etapa I Forno (300 - 1000 oC) Etapa II TPFT (oC) TC SBET (m 2/g) (TPFT) TIFM (oC) SBET (m 2/g) (TIFM) FC FM ( 400)-450 34,05 700 19,84 FC 450 28,52 1000 10,24 FM FC (300)-450 68,87 1000 13,38 FM (300)-450 24,98 900 29,66 FM: Forno de microondas, FC: Forno convencional, TPFT: Temperatura Padrão da Fase Tetragonal, TIFM: Temperatura Inicial da Fase Monoclínica e SBET: área de superfície específica. FM=MO: Microwave Oven, FC=CO: Conventional Oven, TPFT=STTP: Standard Temperature of Tetragonal Phase, TIPFM=ITMP: Initial Temperature of Monoclinic Phase and SBET: specific surface area. Tabela I - Valores de áreas superficiais e temperaturas iniciais das fases. [Table I - Values of surface areas and temperatures of the initial phases.] 454 V. dos Santos et al. / Cerâmica 54 (2008) 451-455 tamanho crítico e a energia de superfície. A função da água é fornecer energia por meio de microondas, para assistir à cristalização da resina a baixa temperatura, mantendo a sua alta área superficial, pois o que se observa é que o excesso de energia provocado pelas microondas após a cristalização não é tão benéfico quanto um aquecimento tradicional, quando se trata de área superficial. CONCLUSÕES A sinterização dos materiais em diferentes fornos levou à cristalização do ZrO2 a 300 oC, com diâmetro médio de cristalito de 63 Å, o que não foi observado com o uso do forno convencional. Na mudança da fase da ZrO2 de tetragonal para monoclínica a diferentes temperaturas foi possível notar que no procedimento adotado, com o uso do forno convencional para o preparo da resina e do forno de microondas na sinterização, a passagem de fase se dá a 700 oC, indicando um aumento na taxa de crescimento da partícula, juntamente com um aumento da entalpia de superfície. diferencial (ATD) mostra um pico exotérmico em 450 oC para o material amorfo, sendo que o mesmo não é observado para o material cristalino (Fig. 5). A reação exotérmica, juntamente com o efeito das microondas na água presente, auxiliou na retenção do tamanho de grão, e a cristalização a temperatura menor, o que levou a uma maior área superficial para o material tratado no FM, na etapa II. Para os materiais tratados com FM na etapa I, observou-se uma retenção na área superficial devido ao aumento excessivo da temperatura, quando se usou o FM na etapa II, esse excesso de energia advém da pequena fração de água presente na amostra e do uso do FM, indicando um aumento no tamanho de grão. Já para o material tratado com FC (etapa II), obteve-se área superficial muito superior às demais (68,87 m2/g), devido principalmente à alta densificação e manutenção do tamanho, além do que, com o uso do microondas, provavelmente há cristalização do material a longa e curta distância, tendo à média distância possivelmente perturbações, que nos aparelhos convencionais não é possível medir, pois o material apresenta pouca organização, o que ajuda a elevar a área superficial, em especial devido a ZrO2 amorfo ser termodinamicamente mais favorável que o cinético sobre o confinamento de partículas de tamanho muito reduzido [15]. Outro fator importante refere-se ao pico endotérmico em 900 oC para o microondas, o que levou a uma redução do tamanho chegando a um valor menor que o valor na fase tetragonal. Este fato pode ser explicado levando-se em conta que o efeito microondas organiza a estrutura a curta e longa distancia, com termino do efeito microondas observa- se um “feedback” no sistema onde há uma relaxação, onde após esta etapa observa-se uma intensa liberação de calor, o que faz acreditar que a partir deste passo se dá inicio a organização à média distância da estrutura cristalina. O entendimento do mecanismo como um todo pode direcionar trabalhos futuros na construção de catalisadores com maiores áreas nas fases tetragonal e monoclínica, especialmente a baixas temperaturas de trabalho. Os fenômenos que ocorrem especialmente com o uso do forno microondas e o efeito da água influenciarão diretamente o Figura 5: TG/ATD da resina calcinada em diferentes fornos. [Figure 5: TG/DTA of resin annealed in different furnaces. Figura 6: ZrO2 sinterizado em forno de microondas a 700 °C. [Figure 6: ZrO2 sintered in a microwave oven at 700 oC.] Figure 7: ZrO2 sinterizado em forno convencional a 1000 °C (cristalina). [Figure 7: ZrO2 sintered in a conventional oven at 1000 °C (crystalline).] 455V. dos Santos et al. / Cerâmica 54 (2008) 451-455 Entendemos que o entendimento do mecanismo de funcionamento dos fornos, na sinterização dos materiais, pode direcionar trabalhos futuros na construção de catalisadores com maiores áreas nas fases tetragonal e monoclínica, especialmente a baixas temperaturas de trabalho. Os fenômenos que ocorrem especialmente com o uso do forno microondas e o efeito da água influenciarão diretamente o tamanho critico e a energia de superfície. AGRADECIMENTOS Ao CNPq e à FAPEPI pelo suporte financeiro. REFERÊNCIAS [1] A. H. Sutton, Am. Ceram. Soc. �ull.Soc. �ull. 68 (1989) 376. [2] X. M. Chen, Y. Suzuki, N. J. Sato, Mater. 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