Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br Análise formalista da ficção seriada televisiva “A Grande Família”1 Luís Enrique Cazani Júnior2 Letícia Passos Affini3 Resumo O presente trabalho apresenta uma análise formalista do episódio “A Morte do Canalha” (2004) da ficção seriada televisiva “A Grande Família”, realizada segundo uma releitura do padrão clássico narrativo concebido por Propp (1984) composto por trinta e uma funções das personagens, que permite vislumbrar a organização e o desenvolvimento da história. Utilizando como protocolo metodológico o estudo de caso em YIN (2002), aponta-se a predominância de funções preparatórias manifestadas sob a forma de diálogos e encadeamentos curtos. Tece-se uma perspectiva diferenciada de estudo de narrativa audiovisual levantando seus aspectos estruturais. Palavras-chave: Audiovisual; Formalismo; Ficção Seriada Televisiva. 1. Introdução A análise formalista centra-se no estudo da composição e organização da narrativa, identificando e descrevendo seus elementos, relações e especificidades. A Rússia tem como expoente desta corrente Vladimir Iakovlevivh Propp (1895-1970) que promoveu uma abordagem estrutural do conto maravilhoso4. Propp foi influenciado pelo pensamento de N. I. Marr, promotor de uma discussão sobre o vínculo entre o desenvolvimento da língua 1 Projeto de Iniciação Científica realizado com fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq). 2 Graduado em Comunicação Social- Radialismo, pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC/ UNESP). 3 Professora assistente doutora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC/ UNESP), credenciada ao programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento. 4 O termo proveio da tradução da obra, tornando-se sinônimo de contos de magia. CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 2 e a evolução da sociedade. Através do folclore buscava-se a razão da similaridade existente entre os contos da tradição popular de diferentes povos. O folclore “não registra de imediato a mudança ocorrida e conserva por muito tempo, nas novas condições, as velhas formas” (PROPP, 1984:02), tornando-se, assim, material rico para se levantar respostas para essa questão. O método proppiano foi além das proposições de variantes e invariantes da Escola Finlandesa, Centro de Estudos Folclóricos de Base Histórico–Geográfica. Propp utiliza a categoria “magia” do índice de contos da sua fundadora Antti Aarneos para a definição do corpus de seu trabalho. Do ponto de vista morfológico podemos chamar de conto de magia a todo desenvolvimento narrativo que, partindo de um dano (A) ou uma carência (a) e passando por funções intermediárias, termina com o casamento (W0) ou outras funções utilizadas como desenlace. A função final pode ser a recompensa (F), obtenção do objeto procurado ou, de modo geral, a reparação do dano (K), o salvamento da perseguição (Rs) etc. A este desenvolvimento damos o nome de sequência. A cada novo dano ou prejuízo, a cada nova carência, origina-se uma nova sequência. (PROPP, 1984:51) Propp estabeleceu uma análise comparativa neste gênero, extraindo as ações comuns que se repetiam e se distinguiam pela funcionalidade definindo-as como constantes da estrutura. Conceituou função como “o procedimento de uma personagem, definida do ponto de vista da importância para o desenrolar da ação” (PROPP, 1984:21) e propôs a partir da causalidade, entre elas, a constituição de uma sequência uniforme. Funda-se, dessa forma, a morfologia do conto de magia ou maravilhoso, um padrão clássico de ações que se tornou referência nos estudos folclóricos e semiológicos, com leitura proposta por Algirdas Greimas. 2. O modelo funcional de Propp O método proppiano é constituído de trinta e uma ações básicas e uma situação inicial, extraídas da análise realizada e estabelecidas como componentes estruturais de todo conto maravilhoso. Neste trabalho emprega-se a definição reduzida, estabelecendo uma palavra indicatória para cada função: afastamento (I), proibição (II), transgressão (III), interrogatório (IV), informação (V), ardil (VI), cumplicidade (VII), dano (VIII), mediação CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 3 (IX), início da reação (X), partida (XI), primeira função do doador (XII), reação do herói (XIII), recepção do meio mágico (XIV), deslocamento entre dois espaços (XV), combate (XVI), marca (XVII), vitória (XVIII), reparação do dano (XIX), regresso (XX), perseguição (XXI), salvamento (XXII), chegada incógnita (XXIII), pretensões infundadas (XXIV), tarefa difícil (XXV), realização (XXVI), reconhecimento (XXVII), desmascaramento (XXVIII), transfiguração (XXIX), castigo (XXX) e casamento (XXXI). Outras ações encontradas na narrativa são desconsideradas, classificadas como “formas incompreensíveis devido à falta de elementos de comparação, ou de formas tomadas de contos que pertencem a outras categorias” (PROPP, 1984:36). Obtém-se a explicação sobre a quantidade limitada de funções das personagens próprias do gênero em questão. Embora Propp não considere a personagem para a aplicação do método, ele distribui as funções em esferas de ação, cada uma representando um papel narrativo. 1. A esfera do antagonista: dano, combate e perseguição. 2. A esfera do doador: primeira função do doador e recepção do meio mágico. 3. A esfera do auxiliar: deslocamento entre dois espaços, reparação do dano, salvamento, realização da tarefa difícil e transfiguração. 4. A esfera da vítima: tarefa difícil, desmascaramento, reconhecimento, castigo e casamento. 5. A esfera do mandante: mediação. 6. A esfera do herói: inicio da reação, partida, regresso, reação do herói, marca, vitória, chegada incógnita e casamento. 7. A esfera do falso-herói: partida, reação do herói e pretensões infundadas. As funções preparatórias (afastamento, proibição, transgressão, interrogatório, informação, ardil e cumplicidade) podem estar em todas as esferas de ação. Elas são incapazes de identificar ou valorar a conduta de uma personagem. Propp relata o sincretismo entre as esferas de ação, podendo uma única personagem desempenhar vários papéis narrativos ou várias personagens desempenharem um mesmo papel narrativo. Ao se agruparem, as funções das personagens geram uma sequência que segue uma causalidade e logicização. Propp constata a sua invariabilidade ainda que “na comparação de um grande número de contos maravilhosos entre si, descobre-se, porém, que certos elementos próprios do centro do conto, são colocados, às vezes, no princípio” (PROPP, 1984:24). Em alguns contos um elemento auxiliar pode congregar as funções não correspondentes na constituição do encadeamento, denominando-a como informação CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 4 necessária. Além dessa disposição sequencial, Propp apresenta o emparelhamento (proibição - transgressão, interrogatório - informação, combate - vitória, perseguição - salvamento) e a singularidade de algumas funções (partida, castigo e casamento). O deslocamento de uma função pode gerar assimilação, que permite a ela assumir um novo sentido. “Uma forma pode se deslocar tomando um significado novo, e conservar, simultaneamente, seu significado antigo” (PROPP, 1984:43). Neste caso, a sua definição deve ser dada a partir da função que a segue, ou seja, pelo princípio de causalidade presente no encadeamento. Alguns elementos incitam a multiplicação de funções, inserindo novas adversidades e promovendo o surgimento de novas sequências. Detém-se, desse modo, o desenvolvimento do enredo no fenômeno denominado de triplicação. A evolução da narrativa é protelada, adiando a reparação de danos, tomadas de decisões ou recebimentos de informações que serão ressignificadas. O método apresentado tem como limitação a quantidade mínima de funções, a abstração presente na sua definição, a invariabilidade do encadeamento constituído pelas funções e a exclusão da personagem para a sua aplicação. Contudo, possibilita-se analisar a lógica que constitui a narrativa seguindo um modelo clássico. 3. Descrição das funções proppianas 3.1 Situação inicial A situação inicial descreve as personagens e suas relações em um contexto marcado pelo equilíbrio, elemento morfológico importante que é desconsiderado entre as funções proppianas por não remeter a uma ação específica. Segundo Propp, nesta exposição “enumeram-se os membros de uma família ou o futuro do herói é apresentado simplesmente pela menção de seu nome ou indicação de sua situação”, utilizando de “contraste para adversidade que virá a seguir” (PROPP, 1984:19-20). Há narrativas que não obedecem esta lógica, iniciam-se in media res. 3.2 Funções preparatórias Compreende-se como funções preparatórias ações que incitam as forças do CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 5 antagonismo e levam a sua instauração na situação inicial, alterando a condição vivida pela protagonista: afastamento, proibição, transgressão, interrogatório, informação, ardil e cumplicidade. Determina-se a uma personagem uma interdição ou contrato, ou seja, cumprimento de uma ação que pode privá-la (proibição) de uma situação ou indicar a sua execução (proposta). O afastamento do proponente da ação, momentâneo ou definitivo, torna a vítima vulnerável para a sua transgressão, já que, o acordo deixa de ser supervisionado. A transgressão também pode ocorrer sem que haja afastamento ou uma interdição prévia. As consequências de uma transgressão podem levar a instauração do dano. A obtenção de uma informação por intermédio de um interrogatório auxilia o antagonista na promoção do dano, no conhecimento da transgressão ou de alguma informação necessária para o seu agir. O ludibriamento da vítima ocorre através de feitiços, ciladas e mecanismos de manipulação (intimidação, sedução, provocação ou tentação), tornando-a cúmplice involuntário da ação. 3.3 Nó da intriga Integram o nó da intriga as funções dano, mediação, início da reação e partida. O dano é um incidente que modifica a situação inicial, quebrando a sua normalidade e readequando as personagens a um novo momento. Em alguns contos, o dano assume a configuração de carência ou penúria, extinguindo-se, assim, a ocorrência das funções preparatórias. A revelação dessa situação transformada ou a constatação do dano pelo herói é denominada mediação. A partida do herói dá-se dependendo do dano desencadeado. No dano indireto o herói buscador reage e inicia uma jornada pela sua própria vontade ou a mando de alguém. No dano direto suprimi-se a reação impelindo o herói vitima a uma jornada desconhecida e involuntária. 3.4 Meios de Reparação A narrativa começa a se desenvolver a partir da busca pela reparação do dano. Integram estas sequências as ações primeira função do doador, reação do herói e recepção do meio mágico. Estas funções dramatizam “a apropriação pelo herói do meio de reparar o mal sofrido, a primeira tem valor de preparação e a ultima de realização, e muitas CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 6 combinações oferecem-se para fazê-las corresponder-se” (RICOEUR, 1994:65). A primeira função do doador é aplicada a ação que submete o herói a uma prova ou situação, avaliando e premiando sua conduta: interrogatório com retribuição a posteriori, prestação de serviço, pedido ou troca. A partir da sua reação, o herói recebe um objeto, qualidade ou uma informação que o auxiliará na reparação do dano. 3.5 Confronto Nesta parte do encadeamento há as funções deslocamento entre dois espaços, combate, marca, vitória e reparação do dano ou carência. Após a recepção do objeto mágico que auxiliará na reparação do dano, o herói se desloca para enfrentar o antagonista. A função deslocamento entre dois espaços põe o herói em movimento, indicando ou conduzindo seu percurso. O confronto com o antagonista gera o combate que se configurará como competição. Propp distingue esta ação da primeira função do doador. É preciso distinguir esta forma de combate da luta contra um doador hostil. As duas formas se diferenciam pelas consequências. Se o herói, como resultado deste confronto, recebe um objeto que deve auxiliá-lo na continuação de sua busca, estamos diante de um elemento D5. Por outro lado, se, como resultado da vitória, o herói consegue o próprio objeto de sua procura, pelo qual foi enviado, estamos diante de um elemento H6. (PROPP, 1984:31) No enfrentamento com o antagonista, o herói poderá ser ferido, constituindo uma marca e poderá receber um objeto para auxiliá-lo na sua recuperação. De acordo com sua performance o antagonista é vencido e a reparação do dano, clímax da narrativa, é conquistada. 3.6 Novas adversidades Novas adversidades são inseridas através das funções regresso, perseguição, salvamento, chegada incógnita, pretensões infundadas, tarefa difícil e realização. Partida, deslocamento entre dois espaços e regresso são denominadas funções de trânsito, isto é, 5 O D é uma das representações da primeira função do doador. 6 O H é uma das representações da função combate. CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 7 ações que remontam a percursos, direções ou movimentações do herói na narrativa. A aplicação da função regresso pressupõe que o dano já tenha sido reparado, da mesma maneira que a partida antecede a transferência do objeto mágico para o herói e a reação perante o dano, podendo assumir configuração de fuga ou perseguição. O herói persegue ou é perseguido pelo antagonista. Pode, ainda, ser salvo e/ou refugiar-se em um lugar incógnito. Abre-se a possibilidade para o surgimento de um falso herói, que apresenta pretensões infundadas visando a usurpação de uma conquista ou para atrapalhar o herói. Com a tarefa difícil, o protagonista passará por provações com consequências irreversíveis, seja confronto ou desafio. Faculta-se a exigência prévia para realização ou cumprimento. 3.7 Desenlace Ao final do encadeamento as seguintes funções são encontradas: reconhecimento, desmascaramento, transfiguração, castigo e casamento. A realização de uma tarefa difícil com conhecimento a posteriori por outras personagens ou a descoberta de um objeto ou uma marca possibilitam o reconhecimento do protagonista como herói. O desmascaramento advém do reconhecimento do herói, tendo como consequência a exclusão do falso herói da situação. A ação que promove uma mudança significativa na aparência ou na situação financeira do herói é denominada transfiguração. Pune-se as personagens a partir da avaliação da sua conduta moral e/ou das suas ações. Propp afirma que a aplicação desta função geralmente é dada ao malfeitor ou falso herói, será concedida ao antagonista somente se não houver as funções combate e perseguição. O emprego da função casamento se dá em ações que simbolizam retribuição, premiação ou sinalizam um romance, utilizada após a reparação do equilíbrio ao final da narrativa. 4. Estudo de caso: A Grande Família Escolheu-se como protocolo metodológico o estudo de caso em Yin (2002), procurando compreender como ocorre o desenvolvimento da narrativa audiovisual a partir do emprego do padrão clássico narrativo proppiano. A Grande Família é uma ficção seriada televisiva brasileira, produzida pela Rede Globo de Televisão e inspirada no seriado estadunidense All in the Family. Permaneceu no ar entre 1972 e 1975, reestreando em CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 8 2001, com novo elenco e narrativas recontextualizadas. A trama se concentra no cotidiano de uma típica família brasileira de classe média, os Silva, composta pelo patriarca Lineu, um fiscal sanitário casado com a dona de casa Nenê, com dois filhos Tuco e Bebel. Selecionou-se para esta análise o episódio seriado nº 113 intitulado “A morte do canalha” (2004), escrito por Márcio Wilson, Adriana Falcão e Cláudio Paiva. Após a transcrição do audiovisual, empregou-se a definição reduzida em uma palavra das funções das personagens, colocadas justapostas as ações classificadas e entre parênteses. Para melhor apreensão da análise, recomenda-se assistir ao episódio seriado selecionado. 5. Resultados e Discussões: a análise formalista Lineu questiona Mendonça (Interrogatório) sobre a possibilidade de Alvarenga ser demitido. Ele está preocupado com as consequências que esse ato provocará na amizade entre Nenê e Consuelo, esposa de Alvarenga. Lineu ressalta que Alvarenga tem problemas cardíacos, propondo cautela ao informá-lo sobre o desligamento (Informação). Tem-se, dessa forma, a situação inicial da narrativa: Lineu preza pela harmonia e manutenção de suas relações sociais, tentando minimizar qualquer possibilidade de instauração de danos com a demissão do colega de repartição. O dano que representa a demissão de Alvarenga provém de sua própria transgressão ao envolver-se em corrupção. Lineu tenta protelar a ocorrência de outros danos a partir deste. Ao tentar extrair a decisão de Mendonça (Interrogatório), Lineu acaba incitando a uma ação contrária a que buscava (Informação). Mendonça e Lineu não percebem a presença de Alvarenga no banheiro enquanto conversavam sobre a demissão (Informação/Dano/Mediação). Com a constatação da presença de Alvarenga, Lineu e Mendonça tomam ciência do dano e tentam ardilosamente esquivarem-se da situação. A proposta de cautela que Lineu efetua é transgredida, a ardilosidade e cumplicidade do seu plano para manter as relações juntamente com as informações provenientes do interrogatório, levam a instauração do dano e ao desequilíbrio da situação inicial. Com a situação transformada, Lineu retorna ao seu lar e pretende revelar o dano a Nenê (Mediação). Sua tentativa se frusta com a presença de Consuelo, tendo que, ardilosamente se esquivar da revelação. Lineu constata através de interrogatório que Consuelo ainda não foi informada da demissão. Consuelo propõe que Tuco trabalhe com CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 9 ela na academia de ginástica (Proposta). Lineu recusa a proposta de Consuelo, prevendo um desdobramento negativo da demissão (Transgressão). Nenê questiona a recusa de Lineu (Interrogatório/Ardil) e Tuco, a falta de confiança do pai (Carência/Mediação). A partir do questionamento de Nenê, Lineu pergunta para Consuelo sobre o emprego oferecido a Tuco (Cumplicidade/Interrogatório). Consuelo informa Lineu que abrirá uma moderna academia e gostaria de contar com Tuco na gerência (Informação/Proposta). Lineu, novamente, recusa a proposta afirmando que Tuco não possui preparo físico apropriado (Ardil/Transgressão/Dano/Mediação). Nenê tenta convencer Lineu que o emprego é bom e que Tuco necessita trabalhar por causa da gravidez de sua namorada (Ardil). Bebel afirma que Agostinho também precisa de um emprego bom (Ardil/Carência/Mediação). Agostinho afirma que ser taxista é um emprego bom (Ardil). Bebel questiona Agostinho se passará a vida trabalhando como taxista (Ardil/Interrogatório). Agostinho afirma que sim (Ardil/Informação). Nenê convida Consuelo para jantar (Proposta), que recusa afirmando que Alvarenga a espera em casa. Lineu incentiva a ida de Consuelo, dizendo que Alvarenga deve estar esperando para conversar com ela (Ardil). Consuelo questiona Lineu se Alvarenga teria algo para lhe contar (Interrogatório). Lineu se esquiva (Ardil), afirmando que todos os casais conversam sobre inúmeros assuntos (Informação). Consuelo concorda com Lineu (Cumplicidade) e vai embora. Na cozinha, Bebel conversa com Nenê sobre Consuelo e o oferecimento do emprego para Tuco (Interrogatório/Informação). Nenê afirma a Bebel que Consuelo é uma convencida e que a trata bem apenas pela amizade existente entre Lineu e Alvarenga (Mediação/Ardil). Bebel critica a atitude da mãe, que se esquiva dizendo ser necessária a diplomacia (Ardil). Bebel propõe a Agostinho irem para casa dormir (Proposta). Agostinho afirma que já está dormindo (Transgressão/Ardil). Bebel questiona se Agostinho prefere dormir na sua cama quentinha com sua mulher ou no sofá (Ardil/Interrogatório). Agostinho afirma que prefere dormir no sofá (Transgressão/ Informação). Bebel se irrita e manda Agostinho levantar-se ameaçando agredi-lo na frente de Nenê (Dano/Ardil). Em casa, Bebel reclama para Agostinho da atitude de Nenê com Consuelo e afirma que a honestidade é fundamental nas relações (Proposta). Agostinho pergunta se Bebel está falando isso porque tem alguma coisa para contar ou acha que ele tem alguma coisa pra contar (Interrogatório). Ambos se questionam sobre segredos não revelados e dormem intrigados (Interrogatório/Informação/Ardil/Dano). CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 10 Lineu sonha que está eletrocutando Alvarenga em uma cadeira elétrica (Dano/ Mediação). Lineu acorda assustado e vai até a cozinha onde encontra Tuco. Lineu questiona Tuco (Interrogatório) que se esquiva das perguntas do pai (Informação/ Ardil). Lineu afirma que Tuco está de dieta e que ele não deve esquecer que agora é gerente de academia de ginástica (Ardil/Mediação). Lineu pergunta para Tuco onde está Viviane e seu neto (Interrogatório). Tuco afirma que Viviane e o neto estão na casa do sogro (Informação). Lineu se desespera (Dano) e Tuco questiona a reação do pai (Interrogatório). Lineu lembra que Alvarenga também tem filhos (Informação/ Mediação). Amanhece. Na cozinha, Bebel e Agostinho se questionam sobre o que cada um escondia na noite anterior (Interrogatório/Ardil). Agostinho convence Bebel a falar primeiro (Informação/Cumplicidade). Bebel revela que transou com Maurício quando estavam separados (Dano/Mediação/Ardil). Bebel questiona o que Agostinho esconde dela (Interrogatório). Agostinho revela que quebrou o perfume de Bebel (Informação/Ardil/Dano/ Mediação). No escritório, Lineu questiona Mendonça sobre a ausência de Alvarenga (Interrogatório). Mendonça afirma que além de corrupto Alvarenga é um irresponsável por não ter vindo trabalhar e que deveria ter demitido-o ontem mesmo (Informação /Dano/Mediação). Lineu pede calma para Mendonça (Ardil). Mendonça reluta (Ardil) mostrando a Lineu um fax de Brasília com denúncias (Mediação). Lineu pede calma e revela que Consuelo ofereceu um emprego para Tuco (Ardil/Proposta/Mediação). Mendonça questiona a natureza do dinheiro de Alvarenga para montar a academia da esposa (Interrogatório/Ardil). Um rapaz os interrompe revelando que ligaram para casa de Alvarenga (Informação). Mendonça questiona se Alvarenga irá trabalhar (Interrogatório). O rapaz revela que Alvarenga morreu de infarto (Mediação). Mendonça afirma que Alvarenga era um santo homem (Ardil). No velório, Consuelo afirma que ele era um homem perfeito (Informação), confirmado por Mendonça (Ardil). Consuelo afirma que Alvarenga teve um infarto fulminante e que ele andava muito nervoso ultimamente (Mediação). Nenê revela que Lineu anda nervoso também e mal dormiu essa noite (Mediação). Lineu interrompe Nenê afirmando que é mentira (Ardil/Transgressão). Nenê rebate dizendo que ele tomou calmantes (Ardil). Nenê afirma também não saber o que acontece na repartição e porque eles estão nervosos (Informação/Mediação). Lineu afirma que ninguém está nervoso (Ardil). Nenê afirma que ele está nervoso no momento (Mediação). Lineu sai, e Mendonça CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 11 afirma que a morte de Alvarenga tocou Lineu, pois eram próximos (Ardil). Bebel irrita-se por Agostinho ainda estar dormindo e acorda-o (Interrogatório/ Ardil). Agostinho afirma que nunca mais sairá da cama (Informação/Proposta/Ardil). Bebel afirma que comprou um vidro de perfume igual ao que ele quebrou (Ardil/ Informação). Ela também afirma que o perdoou e que perdão é uma coisa importantíssima em uma relação amorosa (Ardil/Reparação do dano). Agostinho pede para Bebel deixá-lo sozinho para morrer em paz (Proposta/Ardil). Bebel afirma que ele tem deve exercitar o perdão (Ardil). Agostinho relata que tem ódio de Bebel e que não fará uma besteira porque está cansado (Ardil/Informação). Bebel propõe trazer um lanche na cama (Proposta). Agostinho lista um monte de alimentos para Bebel comprar. (Ardil/Proposta). Bebel retruca dizendo que perdão não tem nada a ver com exploração (Ardil). Agostinho fala que se ela quiser não precisa fazer nada, só tranque a porta que ele não quer que ninguém o veja pela vergonha que ela o fez passar (Ardil). Bebel afirma que fará o que ele pediu (Cumplicidade), propondo que Agostinho levante da cama, se arrume e vá trabalhar (Ardil/Proposta). Mendonça revela a Lineu que uma garota presente no velório era amante de Alvarenga (Ardil). Lineu não acredita dizendo que Consuelo dizia que ele era um ótimo marido (Ardil). Mendonça afirma que ele a fazia de cretina e que agora quem a faz é amante (Informação/Ardil). Nenê se aproxima e afirma que Consuelo tinha um marido que era um santo (Informação). Lineu reluta o santo e mostra a amante de Alvarenga para Nenê (Cumplicidade/Dano/Mediação). Nenê fala para Lineu não ser maldoso porque aquela é a filha do Alvarenga (Informação/Dano/Mendonça). Mendonça afirma que Alvarenga era um excelente pai e sai (Ardil). Bebel pede para Tuco pegar algumas coisas na geladeira de Nenê (Proposta/ Ardil). Tuco pega as coisas que Bebel pediu (Cumplicidade). Bebel promete devolver tudo (Proposta) e afirma que precisa fazer um banquete para Agostinho, porque ele tá triste (Informação). Tuco pergunta o que Bebel fez (Interrogatório). Bebel revela que inventou uma história que irritou Agostinho (Informação/Mediação). Tuco afirma que Agostinho não é santo (Informação/Ardil). Bebel reluta em acreditar afirmando que ele havia quebrado apenas um vidro de perfume (Informação). Tuco dá pistas de que sabe de algo (Ardil) e Bebel propõe fazer uma omelete em troca da informação (Proposta/ Cumplicidade). No enterro de Alvarenga, Nenê questiona o comportamento de Lineu (Interrogatório) que se esquiva (Ardil). Lineu revela que matou Alvarenga (Informação/Mediação). Nenê CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 12 afirma que Alvarenga morreu de infarto (Reparação do Dano/Informação). Lineu afirma que Alvarenga morreu de infarto por saber da sua demissão (Mediação). Nenê relata que Alvarenga morreu de infarto porque era cardíaco (Reparação do Dano/Informação). Lineu lamenta o ocorrido e afirma que Alvarenga nem era seu amigo, que aguentava ele por causa da amizade de Nenê com Consuelo (Mediação). Nenê afirma que não é amiga de Consuelo (Mediação) e que não falava nada porque ele era amigo do Alvarenga (Mediação). Lineu fala que não vai com a cara de Consuelo, no momento em que ela se aproxima, disfarçando (Ardil). Bebel surpreende Agostinho usando seu perfume (Transgressão/Dano/ Mediação). Agostinho mente afirmando que não estava passando o perfume (Ardil). Bebel revela que Agostinho sempre usou o perfume dela pra ficar de galinhagem no táxi, por isso que o vidro quebrou (Ardil). Agostinho questiona qual o problema de um homem querer ir trabalhar cheiroso (Ardil/Interrogatório) Bebel acredita que quando um homem passa perfume pra ir trabalhar está de armação (Ardil). Agostinho pergunta se quando ela se encontrava com o Maurício ele chegava cheirosinho (Interrogatório /Ardil). Bebel revela que quando se encontrava com Maurício eles estavam separados. (Informação/Ardil). Agostinho pede que ela nem fale desses tempos para não dar saudades (Ardil/Proposta). Bebel questiona o porquê das saudades (Interrogatório). Agostinho revela que quando estavam separados, saia bastante e ficava com muitas mulheres (Informação/Ardil/Mediação). Bebel pergunta se ele tá falando isso pra se vingar (Interrogatório). Agostinho nega (Ardil/Informação). Bebel revela que falou que transou com Maurício só pra fazer ciúmes (Reparação do Dano). Agostinho não acredita em Bebel (Informação). Bebel revela que para fazer ciúmes na pessoa que a gente ama vale não ser honesto (Informação). Agostinho revela que nunca acreditou na historia do Maurício (Ardil/Informação). Bebel questiona se é verdade que Agostinho saiu com outras mulheres (Interrogatório). Agostinho revela que sim e apanha de Bebel (Ardil/ Dano/Mediação). No enterro, Nenê reclama que quase teve um infarto pela gafe de Lineu com Consuelo (Informação). Lineu pede que Nenê tenha um infarto longe dele porque está cansado de se sentir culpado pelo infarto dos outros (Informação/ Proposta). Mendonça pede a atenção e começa a discursar. Ele fica emocionado (Ardil) e pede pra que Lineu continue a discursar (Proposta). Lineu lê o fax revelando as falcatruas de Alvarenga (Mediação) e aproveita para expor a natureza da sua amizade com ele e de Nenê com Consuelo (Medição). Consuelo questiona Mendonça da demissão de Alvarenga CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 13 (Interrogatório). Mendonça se esquiva (Ardil) questionando Lineu (Interrogatório) sobre a leitura do discurso. Lineu revela não haver discurso algum, só um fax com as falcatruas de Alvarenga (Informação). Lineu lê o fax com as denúncias (Mediação). Eles brigam pelo fax e o caixão cai na cova (Confronto). Consuelo agride Mendonça (Confronto). Lineu e Nenê chegam em casa e Tuco caçoa de Lineu (Ardil). Nenê revela a gafe de Lineu cometeu (Informação/Mediação). Lineu tenta se justificar, mas Nenê sai irritada (Ardil). Lineu revela ter passado a maior vergonha de sua vida (Mediação). Lineu abre a geladeira e questiona o vazio (Interrogatório). Tuco revela que Bebel fez a compra do mês na casa dos pais (Informação). Lineu pega um sorvete e oferece para Tuco (Proposta). Tuco diz que está muito barrigudo (Carência). Lineu revela ter dito isso porque sabia que o Alvarenga ia ser demitido e que não queria que ficasse uma situação chata (Informação). Tuco aceita o sorvete do pai (Reparação do dano/Carência). Agostinho chega em casa e revela para Bebel que mentiu sobre suas saídas (Mediação). Bebel não acredita em um primeiro momento, mas é convencida por Agostinho (Reparação do Dano). No quarto, Lineu e Nenê fazem as pazes após relatarem a situação difícil pelo qual Consuelo está passando neste momento com a morte de Alvarenga (Reparação do Dano). A narrativa se encerra com questionamentos entre Lineu e Nenê sobre segredos do passado (Interrogatório/ Informação). 6. Considerações Finais A análise formalista permitiu vislumbrar a composição e organização da narrativa “A morte do Canalha” da ficção seriada televisiva “A Grande Família”. De acordo com Propp (1984), as funções preparatórias denotam um desenvolvimento primário, abrindo a possibilidade de instauração de danos a qualquer momento da narrativa. Aponta-se a predominância destas funções manifestadas sob a forma de diálogos, marca da oralidade que funda a matriz televisual, além de encadeamentos primários e curtos para finalização ágil que a emissão única necessita. Tece-se uma perspectiva diferenciada de estudo de narrativa audiovisual levantando seus aspectos estruturais. CAZANI JÚNIOR, L.H., AFFINI, L.P. ANÁLISE FORMALISTA DA FICÇÃO... Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 8 - Edição 1 – Janeiro-Junho de 2014 Avenida Professor Lúcio Martins Rodrigues, 443, Cidade Universitária, São Paulo, CEP: 05508-900 anagrama@usp.br 14 Referências Bibliográficas A GRANDE FAMÍLIA. A morte do Canalha. Roteiro de Márcio Wilson, Adriana Falcão e Cláudio Paiva. DVD. Rede Globo de Televisão, 2004. PROPP, Vladimir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Tomo I e II. Campinas, SP: Papirus, 1994. YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.