UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS – CÂMPUS DE MARÍLIA MIRELA MORENO ALMEIDA DE ANDRADE ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DA ABORDAGEM DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES® NA PARTICIPAÇÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA MARÍLIA 2020 MIRELA MORENO ALMEIDA DE ANDRADE ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DA ABORDAGEM DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES® NA PARTICIPAÇÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – Câmpus de Marília - SP, para a obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Ensino na Educação Brasileira. Linha de Pesquisa: Educação Especial Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Tibério Araújo MARÍLIA 2020 MIRELA MORENO ALMEIDA DE ANDRADE ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DA ABORDAGEM DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL DE AYRES® NA PARTICIPAÇÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Tese para obtenção do título de Doutor em Educação, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Câmpus de Marília. Área de concentração: Ensino na Educação Brasileira. Linha de Pesquisa: Educação Especial. BANCA EXAMINADORA Orientador: ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Tibério Araújo (UNESP Marília) 2º Examinador: ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Aila Narene Dahwache Criado Rocha (UNESP Marília) 3º Examinador: ___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Gerusa Ferreira Lourenço (UFSCar - São Carlos) 4º Examinador: ___________________________________________________ Prof. Dr. Nilson Rogério da Silva (UNESP Marília) 5º Examinador:_______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Adriana Garcia Gonçalves (UFSCar - São Carlos) Marília, 15 de dezembro de 2020. Aos meus amores – André, Júlia e Laura – e àqueles que acreditam na educação para todos. AGRADECIMENTOS Com muita emoção e gratidão, agradeço... Ao André, meu amor, companheiro de uma vida. Por sua dedicação, parceria, amor, respeito e cuidado com a nossa família. Obrigada por fazer dos meus sonhos, os nossos, por não me deixar desistir e por me amparar em todos os momentos de fragilidade. Amo você! À minha amada Júlia, que me fez mãe e me transforma todos os dias em uma pessoa melhor, me ensinando sempre com a sua resiliência, empatia e doçura. Obrigada, minha filha, pela sua compreensão nos momentos de ausência física, mas nunca afetiva e espiritual. Amo você por toda a eternidade. À minha pequena e amada Laura. Obrigada pelo seu amor, por me mostrar o motivo real da nossa existência, todas as vezes que você protesta e solicita por nossa presença e atenção! Obrigada pelos seus beijos e abraços espontâneos, nos momentos em que eu mais preciso deles. Amo você, hoje e sempre! À minha mãe, irmã e sobrinhos amados, por tudo o que vocês representam na minha vida e por todo o apoio recebido desde sempre. À minha querida orientadora Rita, por acreditar em mim, por me fortalecer e empoderar, por toda a sua paciência, respeito e generosidade. Nada do que eu possa dizer é capaz de expressar a minha gratidão por todos esses anos compartilhados. Eu não teria conseguido, se não fosse com você! Aos docentes e discentes do grupo de pesquisa Deficiências Físicas e Sensoriais – DefSen, pelo apoio e parceria, durante todos estes anos, pelos ensinamentos e trocas de experiências e pelo exemplo de dedicação e respeito à pesquisa. À clínica Movimente – Marília, onde me sinto em casa e vejo a realização de um sonho. Às minhas queridas Isabele e Aline, sócias e parceiras desse sonho. Obrigada por acolherem as famílias e as crianças desta pesquisa como parte da família Movimente. À Secretaria Municipal de Educação, familiares, alunos e professores participantes da pesquisa: obrigada pela colaboração e confiança, durante a coleta de dados. Aos professores Aila, Adriana, Gerusa e Nilson, por todo o respeito e a generosidade nas contribuições para a construção deste trabalho. A todos os meus amigos que dividiram comigo as angústias, preocupações e alegrias, ao longo desse processo de formação, deixando mais leve esse percurso, para que eu pudesse chegar até aqui. RESUMO O Transtorno do Espectro Autista (TEA) consiste em uma disfunção do neurodesenvolvimento, marcada por déficits na comunicação, na interação social e pela presença de comportamentos, atividades ou interesses restritos e repetitivos. Dentre as suas características, encontra-se a disfunção de integração sensorial, que pode resultar em desempenho e participação inadequados nas suas ocupações, sejam elas as atividades de vida diária, atividades instrumentais de vida diária, descanso e sono, brincar, lazer, educação e participação social. Nessa condição, faz-se necessária a intervenção de Integração Sensorial de Ayres®, a qual objetiva interferir no processamento das informações sensoriais, de modo a promover mudança na capacidade de resposta adaptativa e no comportamento funcional. Considerando a importância dessa intervenção, perante as demandas escolares dos alunos com TEA, esta pesquisa teve por objetivo geral analisar a influência da intervenção da Terapia Ocupacional com a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® na participação escolar de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Participaram deste estudo dezesseis alunos com idade de quatro a oito anos e onze meses e seus respectivos professores, distribuídos em dois grupos. Ao grupo A foi ofertada a intervenção com a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® associada à mediação da terapeuta junto aos professores, enquanto, ao grupo B foi propiciada apenas a intervenção. Foram utilizados, como instrumentos de coleta de dados, o Sensory Integration and Praxis Tests (SIPT), a Avaliação da Função Escolar (SFA) e o Perfil Sensorial 2 nos períodos pré e pós-intervenção. Os dados foram analisados estatisticamente, por meio do teste Cramer-von Mises, para normalidade, Box-Cox, para homogeneidade de variância, e ANOVA two-way, para as análises descritivas dos dados, considerando os valores de média, desvio-padrão e significância a 5% e Cohen’s D para diferença clinicamente significativa. Os resultados obtidos pela Avaliação da Função Escolar (SFA) e Perfil Sensorial 2 demonstraram que houve diferença estatisticamente significativa entre os resultados pré e pós-intervenção, para a variável intervenção, em ambos os grupos, enquanto os resultados obtidos pelo SIPT evidenciaram, por meio da estatística de Cohen’s D, que houve mudança positiva do ponto de vista clínico, na comparação dos resultados pré e pós-intervenção. Com relação à mediação escolar, os resultados do grupo A, submetido à mediação escolar associada à intervenção, apontaram mudança qualitativa da participação, com redução do nível de assistência e favorecimento da implantação de estratégias e adaptações necessárias, considerando a particularidade dos alunos com TEA. Conclui-se que os alunos participantes desta investigação melhoraram a participação nas atividades executadas no ambiente escolar ,durante o período no qual foi realizada a intervenção com a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®. Palavras-chave: Educação Especial. Transtorno do Espectro Autista. Integração Sensorial. Terapia Ocupacional. ABSTRACT Autistic Spectrum Disorder (ASD) refers to a neurodevelopmental disorder marked by deficits in communication, social interaction and the presence of restricted and repetitive behaviors, activities or interests. Among its characteristics, the dysfunction of sensory integration is highlighted. This dysfunction can result in inadequate performance or participation in their occupations, whether they are daily living activities, such as rest and sleep, leisure, education and social participation. In this condition, the Ayres Sensory Integration® intervention is necessary; the intervention is aimed at interfering in the sensory information processing to promote changes in the adaptive response capacity and functional behavior. Considering the importance of this intervention in view of the school demands of students with ASD, this research aimed to analyze the influence of the Occupational Therapy with the approach Ayres Sensory Integration® on the school participation of students with Autistic Spectrum Disorder (ASD). The study investigated sixteen students, aged between four and eight years and eleven months and their respective teachers, distributed in two groups. Group A was offered the Ayres Sensory Integration® intervention associated with the therapist's mediation with the teachers, while group B was offered only the intervention. Sensory Integration and Praxis Tests (SIPT), School Function Assessment (SFA) and Sensory Profile 2 were used as data collection instruments in the periods pre- and post-intervention. The data were statistically analyzed using the Cramer-von Mises test for normality, Box-Cox for homogeneity of variance, and two- way ANOVA for descriptive data analysis, considering the values of mean, standard deviation and significance at 5%, Cohen’s D for clinically significant difference. The results obtained with the School Function Assessment (SFA) and Sensory Profile 2 demonstrated that there was a statistically significant difference between the pre- and post-intervention results for the treatment variable in both groups, while the results obtained from the SIPT evidenced, through Cohen’s D, a positive change from the clinical perspective when pre-and post-intervention results were compared. Regarding school mediation, the results of group A, submitted to school mediation associated with the intervention, showed a qualitative change in participation, with a reduction in the level of assistance and favoring of the implementation of strategies and necessary adaptations, considering the particularity of students with ASD. The study concluded that the students improved their participation in activities carried out in the school environment during the intervention period with the Ayres Sensory Integration Approach®. Keywords: Special Education. Autistic Spectrum Disorder. Sensory Integration. Occupational Therapy. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Resultado Estatístico SFA e PSE ............................................................................94 Tabela 2 – Resultado Estatístico Perfil Sensorial Cuidador ...................................................112 Tabela 3 - Análise Descritiva e Mensuração da Significância Clínica ..................................121 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Tomada de Decisão Baseada em Dados ...................................................................55 Figura 2 - Fluxograma de seleção dos participantes .................................................................67 Figura 3 -Fluxograma da coleta de dados .................................................................................78 Figura 4 - Gráfico dos Resultados da SFA (Grupo A com Mediação) ....................................97 Figura 5 - Gráfico dos Resultados da SFA (Grupo B) ..............................................................97 Figura 6 - Resultados do Perfil Sensorial Escolar – Quadrante: Grupo A ..............................103 Figura 7 - Resultados do Perfil Escolar – Quadrante: Grupo B ..............................................104 Figura 8 - Resultados do Perfil Escolar – Sessão: Grupo A ...................................................105 Figura 9 - Resultados do Perfil Escolar – Sessão: Grupo B ...................................................106 Figura 10 - Resultados do Perfil Escolar – Fator escolar: Grupo A .......................................107 Figura 11 - Resultados do Perfil Escolar – Fator escolar: Grupo B........................................108 Figura 12 - Resultados do Perfil Cuidador – Quadrante: Grupo A .........................................115 Figura 13 - Resultados do Perfil Cuidador – Quadrante: Grupo B .........................................116 Figura 14 - Resultados do Perfil Cuidador – Sessão Sensorial: Grupo A ..............................116 Figura 15 - Resultados do Perfil Cuidador – Sessão Sensorial: Grupo B ...............................117 Figura 16 - Resultados do Perfil Cuidador – Sessão Comportamental: Grupo A .................118 Figura 17 - Resultados do Perfil Cuidador – Sessão Comportamental: Grupo B ...................119 Figura 18 - Resultados do SIPT ..............................................................................................122 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Padrões de Disfunção de Integração Sensorial .......................................................42 Quadro 2 - Caracterização dos alunos ......................................................................................67 Quadro 3 - Caracterização dos professores ...............................................................................68 Quadro 4 - Siglas, Nomes e Objetivos dos testes – SIPT .........................................................76 Quadro 5 - Padrões de Disfunção Sensorial e Possibilidades Terapêuticas .............................82 Quadro 6 - Sistematização da Mediação com os Professores ...................................................88 Quadro 7 - Exemplo de Sistematização do Acompanhamento Mensal da Mediação ..............91 LISTA DE SIGLAS AEE - Atendimento Educacional Especializado AOTA - American Occupational Therapy Association APA - American Psychiatric Association BDTD - Banco de Teses e Dissertações BMC - Bilateral Motor Coordination CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde COFITO - Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional CPr - Constructional Praxis DC- Design Copying DDDM - Tomada de Decisão Baseada em Dados DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais EEG - Eletroencefalograma EMEF - Escola Municipal de Ensino Fundamental EMEFEI - Escola Municipal de Ensino Fundamental e Infantil EMEI- Escola Municipal de Educação Infantil FG - Figure Ground Perception FI - Finger Identification FMRI - Ressonância Magnética Funcional GAS - Goal Attainment Scaling GRA - Graphesthesia IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais KIN - Khinestesia LTS - Localization of Tactile Stimuli MAc - Motor Accuracy MFP - Manual Form Perception Opr - Oral Praxis PET - Tomografia Por Emissão de Prósitrons PHU - Uso da mão preferencial PPr - Postural Praxis PRn - Nistagmo Pós-Rotatório PrVC - Praxis Comando Verbal PSC - Perfil Sensorial Cuidador PSE - Perfil Sensorial de Acompanhamento Escolar RM - Ressonância Magnética SFA - School Function Assessment SIPT - Sensory Integration and Praxis Tests SNC - Sistema Nervoso Central SPM - Medida de Processamento Sensorial SPr - Sequencing Praxis SV- Space Visualization SVCU - Uso contralateral na visualização de espaço SWB - Standingand Walking Balance TEA - Transtorno do Espectro Autista TGD - Transtornos Globais de Desenvolvimento UNESP - Universidade Estadual Paulista USC - University of Southern California WPS - Western Psycologicol Services SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 15 2. REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................................................... 20 2.1. Transtorno do Espectro Autista................................................................................................... 20 2.1.1. Transtorno do Espectro Autista e a inclusão escolar .................................................................. 27 2.2. Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® ......................................................................... 34 2.2.1. Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® no Transtorno do Espectro Autista ................. 48 2.2.2 Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® no contexto escolar ......................................... 56 3. OBJETIVOS ............................................................................................................................... 63 3.1. Objetivo geral.............................................................................................................................. 63 3.2. Objetivos específicos .................................................................................................................. 63 4. MÉTODO ................................................................................................................................... 64 4.5.1 Pré-Intervenção ........................................................................................................................... 83 4.5.2 Intervenção .................................................................................................................................. 84 4.5.2.1 Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®: Grupos A e B de participantes ........................ 84 4.5.2.2 Mediação da Terapeuta Ocupacional no Contexto Escolar – Grupo A de Alunos ..................... 85 4.6 Procedimentos de Análise dos Dados ......................................................................................... 91 4.6.1 Organização e Tabulação dos Dados da SFA ............................................................................. 92 4.6.2 Organização e Tabulação dos Dados do Perfil Sensorial 2 ......................................................... 93 4.6.3 Organização e Tabulação dos Dados do SIPT ............................................................................ 93 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES .............................................................................................. 94 6. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 126 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 127 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 131 APÊNDICE A ........................................................................................................................................ 150 APÊNDICE B ........................................................................................................................................ 153 ANEXO A ............................................................................................................................................. 163 15 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa vem ao encontro de uma inquietude profissional que se justifica pela necessidade do saber. Como Terapeuta Ocupacional atuando na área de desenvolvimento infantil, há alguns anos, observo a evolução e o reconhecimento do nosso trabalho, tanto no ambiente clínico quanto acadêmico; no entanto, ainda temos muito a evoluir, especialmente no que concerne à sistematização da nossa prática e avanço científico, para que sejamos respeitados e valorizados junto às equipes que atuam com o propósito de favorecer o desenvolvimento infantil, em todos os aspectos ocupacionais. Como referencial teórico e filosófico, a minha prática profissional busca a terapia centrada no sujeito, com o suporte do modelo biopsicossocial apresentado pela Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde (CIF, 2011), de sorte que os aspectos relacionados à deficiência devem ser compreendidos como um sistema que se retroalimenta, no qual as funções e estruturas do corpo influenciam o ambiente e contexto, da mesma forma que são por eles influenciadas. Assim, o desempenho e a participação do sujeito em tarefas e/ou atividades por eles reconhecidas como significativas deverão contar com estes três pilares: sujeito-atividade-contexto. Nesta pesquisa, ênfase será dada ao contexto escolar, cuja proximidade do Terapeuta Ocupacional é de longa data e, recentemente, culminou no reconhecimento dessa modalidade, com a criação da especialidade Terapia Ocupacional, no ambiente escolar (CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL, 2018). Entendemos que a interface da saúde com a Educação Especial possa ocorrer, por meio de diferentes abordagens. Nesta pesquisa, buscamos conciliar a clínica às demandas do contexto no qual se inserem alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), professores e familiares, esperando com isso contribuir no âmbito das implicações da intervenção com a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® e da educação. Esta investigação se justifica pela necessidade de avançarmos nos estudos dessa temática, devido ao número reduzido de trabalhos identificados, conforme observado no levantamento da produção bibliográfica exposto no referencial teórico deste trabalho, assim como pela sua importância para o impacto social, no cenário brasileiro de alunos com TEA matriculados no ensino regular. 16 O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido muito pesquisado e descrito, especialmente nas últimas décadas, o que vem ao encontro das necessidades atuais, mediante a crescente taxa de incidência do transtorno, visando ao avanço das possibilidades de ampliação do conhecimento e critérios diagnósticos. No Brasil, a última pesquisa descrevendo a incidência ocorreu em 2011, quando foi estimado que aproximadamente 1,5 milhões de brasileiros tinham TEA (PAULA et al., 2011). No entanto, recentemente, houve um importante avanço no interesse de mapeamento dos casos, no país, ao ser sancionada a Lei nº 13.861/19, a qual determina ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que incluísse no Censo 2020 perguntas sobre o TEA, tendo como objetivo identificar a quantidade e a distribuição geográfica dos brasileiros que apresentam esse transtorno (BRASIL, 2019). Uma vez que a incidência do TEA cresce consideravelmente, ano a ano, inevitavelmente ocorre o aumento do número de matrículas de alunos com esse diagnóstico, na rede regular de ensino. De acordo com o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), o censo escolar publicado em abril de 2019 identificou aumento das matrículas desses alunos em 37,27%, chegando ao número de 105.842 alunos. Estudo realizado por Santos e Elias (2018) analisou o perfil de matrículas dos alunos com TEA nas cinco regiões do Brasil, durante o período de 2009 a 2016. Os resultados obtidos apontaram que, a partir de 2012, quando foi instiuída a Lei nº 12764, atribuindo os mesmos direitos dos alunos com deficiência aos alunos com TEA, houve um crescimento considerável das matrículas desses alunos, nos quais o gênero masculino foi prevalente, com quatro meninos para uma menina, destacando-se a região Sudeste como a de maior concentração de matrículas de alunos com TEA, seguida das regiões Nordeste e Sul. Além disso, evidenciaram alto índice de evasão escolar, especialmente dos alunos que não estavam matriculados no atendimento educacional especializado. É de conhecimento geral que a legislação brasileira (Lei nº 12.764) garante o acesso e a permanência dos alunos com TEA e/ou qualquer outro tipo de deficiência na rede regular de ensino, porém, também se sabe que esse processo é um grande desafio para todos os envolvidos (BRASIL, 2012). Nessa perspectiva, a Terapia Ocupacional vem se fortalecendo, sobretudo nas últimas décadas, no que concerne às intervenções dirigidas aos indivíduos com Transtorno do Espectro Autista, tanto no ambiente clínico quanto no contexto escolar (ABELENDA; RODRÍGUEZ ARMENDARIZ, 2020). Logo, a abordagem de Integração Sensorial de Ayres® se destaca, ao implementar a sua prática baseada em evidência científica, para a elaboração de um diagnóstico https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2019/lei-13861-18-julho-2019-788841-norma-pl.html 17 funcional que direciona a tomada de decisões e permite mensurar os resultados obtidos (SCHAAF; MAILLOUX, 2015). Apesar de observarmos esse movimento no campo da Terapia Ocupacional, o cenário de pesquisa brasileiro ainda é incipiente e, dessa forma, as nossas bases teóricas e científicas, em sua grande maioria, têm origem nos territórios internacionais. Quanto às pesquisas, de acordo com Schaaf et al. (2013), três aspectos são essenciais especificamente para a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, na Terapia Ocupacional. O primeiro é o emprego de ferramentas de avaliação válidas e confiáveis, destinadas a caracterizar os indivíduos que enfrentam os desafios de processar e integrar as informações sensoriais e que se beneficiariam da intervenção de Terapia Ocupacional, utilizando a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®. O segundo aspecto diz respeito ao uso de instrumentos sensíveis para medir os resultados obtidos, enquanto função e estrutura do corpo e também atividade e ocupação significativas. Por último, a utilização de medidas e parâmetros que garantam a aderência aos princípios filosóficos e metodológicos da abordagem proposta. A terminologia adotada para descrever a prática da Terapia Ocupacional, empregando a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, merece uma discussão, visto que se percebe mundialmente a dificuldade de se estabelecer um consenso, com o objetivo de determinar uma única terminologia. Essa condição prejudica o desenvolvimento científico, clínico e reconhecimento da prática baseada em evidências, ao ser confundida com outras abordagens que possuem, como referência, o desenvolvimento sensório-motor, porém, desconsideram os procedimentos de medida de fidelidade empíricos à Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®. O termo Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® implica o uso de um referencial teórico que sugere critérios processuais avaliados por um instrumento capaz de garantir a fidelidade aos princípios filosóficos adotados por Jean Ayres, resultando em uma marca registrada da abordagem e tendo por objetivo proteger esse importante trabalho, para que possa continuar evoluindo e crescendo da maneira que Ayres pretendia (ROLEY et al., 2007). Com a evolução da teoria da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, algumas discussões a respeito da terminologia a ser utilizada foram se tornando emergentes, todavia, pouco consensuais, até o momento. Por isso, optamos, neste trabalho, por adotar os termos propostos no referencial teórico, a partir dos pressupostos de Ayres. Os principais termos em questão são disfunção, ao invés do termo distúrbio (LANE et al,. 2000) e integração sensorial, em lugar de processamento sensorial (ROLEY et al., 2007). A tentativa de uniformizar o uso dos termos ainda está em discussão, contudo, até o momento, sem muita clareza a respeito do caminho que irá seguir. 18 Vale ressaltar que os termos aplicados como parte da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres ® foram escolhidos cuidadosamente por Ayres, em coerência à sua teoria e pesquisa (ROLEY et al., 2007). A integração sensorial é definida como a capacidade de processar, integrar e organizar os inputs sensoriais provenientes do corpo e do ambiente, a fim de que seja possível uma resposta adaptativa do indivíduo, frente às demandas funcionais. Nesse sentido, o sistema nervoso central deve ser capaz de perceber, selecionar, melhorar, inibir, comparar e associar as informações sensoriais em padrões flexíveis, constantes e mutáveis, podendo, assim, trabalhar de forma integrativa (AYRES, 1989; SCHAAF; MAILLOUX, 2015). Quando esse processo não acontece conforme o esperado, podem surgir as disfunções de integração sensorial. Essa condição afeta tanto as crianças com desenvolvimento típico, as quais não possuem nenhum tipo de deficiência associada, quanto as crianças com desenvolvimento atípico (BEN-SASSON; CARTER; BRIGGS-GOWAN, 2009), entre eles, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que podem apresentar a disfunção de integração sensorial como uma caraterística clínica, segundo o DSM-5 (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). A abordagem terapêutica usada para o tratamento dessas disfunções diz respeito à Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®. A intervenção clássica se dá em ambientes clínicos, com contato direto entre terapeuta e criança, porém, podem ocorrer modelos complementares, como os programas domésticos com a introdução de atividades terapêuticas e uso de equipamentos na rotina domiciliar da criança e/ou programas escolares com modificações ambientais, possibilidades de autorregulação e modificação das rotinas, de maneira contextualizada (ROLEY et al., 2007). A abordagem da Integração Sensorial de Ayres®, com olhar voltado ao contexto escolar, reconhece que as disfunções de integração sensorial são observáveis nos comportamentos dos alunos, tendo em vista que esses comportamentos interferem na interação social e podem privar o aluno de importantes oportunidades de aprendizagem, criando, por conseguinte, uma clara necessidade de intervenção. Uma intervenção abrangente para o contexto escolar deve incluir, nas estratégias, as adaptações ambientais, quer para o espaço físico, quer para as tarefas, estratégias de regulação comportamental positivas, e ofertar oportunidades sensoriais adequadas às necessidades e características individuais de cada aluno, de sorte que seja possível atingir o limiar neurológico https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 19 exigido para a modulação e a percepção necessárias para a participação escolar do aluno com TEA (MURRAY, 2009). O termo participação, sob o olhar da Terapia Ocupacional, é compreendido como o envolvimento/engajamento em uma situação de vida que acontece, quando os indivíduos estão ativamente envolvidos na realização das ocupações nas quais encontram propósito e significado. O envolvimento/engajamento, por sua vez, corresponde ao desempenho das ocupações como o resultado da escolha, motivação e sentido, dentro de um contexto e ambiente que ofereçam suporte, sendo papel do Terapeuta Ocupacional criar ou facilitar oportunidades de envolvimento em ocupações que levam à participação em situações de vida desejadas (AOTA, 2014, 2020). Nessa perspectiva, este trabalho apresenta como problemática os seguintes questionamentos: a intervenção da Terapia Ocupacional com a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® exerce influência na participação escolar do aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA)? Qual é o efeito da mediação realizada pela terapeuta com os professores, no ambiente escolar, com relação à participação dos alunos com TEA, quando ocorre concomitantemente a intervenção no ambiente clínico? Como hipóteses, este estudo sugere que a Intervenção de Terapia Ocupacional, por meio da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, influencia positivamente a participação de alunos com TEA, à medida que a integração dos sistemas sensoriais passa a se dar de maneira mais eficiente; além disso, acredita-se que a mediação junto aos professores, orientada pela abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, exerce efeito positivo na participação escolar dos alunos com TEA, com ênfase nos aspectos qualitativos da participação. 20 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Transtorno do Espectro Autista O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido estudado e descrito há muitos anos, por vários pesquisadores, ao redor do mundo. Suas descrições e terminologias sofreram modificações importantes até chegarem à descrição mais atualizada, que foi publicada pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais DSM-5 e, portanto, será o principal referencial teórico adotado neste estudo (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). O termo autismo foi utilizado pela primeira vez no ano 1911, por Bleuer, para descrever características da perda de contato com a realidade, dificuldade ou ausência de comunicação em pacientes com quadro clínico de esquizofrenia (PEREIRA, 2009). Anos depois, Léo Kanner (1943), psiquiatra infantil, descreveu o comportamento de onze crianças que apresentavam características diferentes do desenvolvimento típico, porém, não se assemelhavam a outras condições clínicas, passando a empregar o termo autismo para explicitar certas condições, como isolamento social, estereotipias, ecolalia e comportamentos obsessivos. Suas observações foram relatadas no artigo ―Autistic Disturbances of Affective Contact‖ (KANNER, 1943). No ano seguinte, Asperger (1944), também médico psiquiatra, abordou características de quatro crianças, semelhantes às descritas por Kanner (1943), todavia, as suas observações estavam mais voltadas às habilidades do que às dificuldades por eles evidenciadas (STELZER, 2010; SHIMIDT, 2013). A primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais foi publicada em 1952, na qual não havia menção ao TEA, mas apenas aos sinais de reações psicóticas infantis, como quadro resultante de esquizofrenia (GRANDIN; PANECK, 2015). Posteriormente, no ano de 1968, foi publicada a segunda edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-2), na qual a expressão esquizofrenia infantil foi adotada, mas ainda não havia diferenciação e/ou menção ao termo autismo (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1968). Apenas em 1980, o Autismo foi incluído na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-3), como parte de uma categoria denominada Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), constituída, além do Transtorno Autista, pelas psicoses infantis, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Kanner e a Síndrome de Rett (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1980). Em seguida, no ano de 1987, o DSM-3 foi revisado (DSMr) e o termo Transtorno Autista foi contemplado com critérios diagnósticos e 21 características específicas, tornando-se um marco importante, ao considerar o Transtorno Autista como uma condição independente (GRANDIN; PANECK, 2015). A publicação seguinte do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM- 4, 2002) mantém a descrição do TGD, contudo, incorpora a definição de três áreas de comprometimento: habilidades de comunicação, comportamentos, interesses e atividades estereotipadas e as habilidades de interação sociais recíprocas prejudicadas. Os critérios para o diagnóstico de TEA, no DSM-4, eram os seguintes: prejuízo persistente e significativo na interação social; dificuldades no desenvolvimento de relacionamento com seus pares; desafios no uso de comportamentos não verbais, como contato visual, posturas, gestos e expressões faciais; ausência de busca espontânea pelo prazer, interesse e realizações compartilhadas; ausência de reciprocidade social; alterações de comunicação que afetam a linguagem verbal e não verbal, com atraso ou ausência da linguagem oral; uso estereotipado, repetitivo e idiossincrático da linguagem; anormalidade na entonação, velocidade e ritmo da fala; padrões restritos, repetitivos e estereotipados de interesses e atividades; adesão inflexível a rotinas ou rituais não funcionais; maneirismos motores estereotipados e repetitivos; preocupação com partes dos objetos (botões, rodas); resistência frente a mudanças; movimentos corporais estereotipados, envolvendo as mãos, o corpo todo e/ou postura corporal (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2002). Por fim, a última revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5) incluiu a denominação Transtorno do Espectro Autista, a qual passou a ser adotada englobando os diagnósticos de Transtorno Autista, Transtorno de Asperger e Transtorno Global do Desenvolvimento, considerando as variações do nível de gravidade. Além disso, a Síndrome de Rett foi excluída desse grupo, porque a sua etiologia e apresentação clínica vieram a ser conhecidas e distintas dos casos de TEA (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Na Síndrome de Rett, tem-se uma mutação genética localizada no cromossomo X, fazendo com que a ocorrência seja praticamente exclusiva do gênero feminino. Quanto às manifestações cognitivas e neurológicas, estas geralmente aparecem após os quatro anos de idade, quando também acontece o desaceleramento do crescimento craniano e o surgimento de características do TEA (ASSUNÇÃO; KUCZYNSKI, 2015; HALDIN; WHITBOURNE, 2015). O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-5) define o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits na comunicação e na interação social e pela presença de comportamentos, atividades ou interesses restritos e repetitivos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). 22 Os sintomas geralmente surgem no período do desenvolvimento infantil e causam prejuízos significativos no funcionamento social (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). O termo transtorno é conceituado como uma perturbação clínica da cognição, regulação emocional e comportamento, a qual resulta em disfunção nos processos biológicos, psicológicos e de desenvolvimento, levando ao sofrimento ou à incapacidade do indivíduo para a sua funcionalidade, em diferentes contextos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Apesar de os sintomas estarem presentes desde o início do período de desenvolvimento infantil, eles podem não se tornar completamente evidentes, até que as demandas sociais ultrapassem as capacidades da criança, ou podem ser disfarçados por estratégias aprendidas (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Sua apresentação fenotípica é bastante heterogênea, além de haver uma clara prevalência para o gênero masculino, com relação ao gênero feminino (4/1) (JESTE; GESCHUWIND, 2014). A manifestação clínica se dá de diferentes formas, em cada indivíduo (LAI; LOMBARDO; BARON-COHEN, 2014), podendo surgir uma ou mais comorbidades associadas, como a deficiência intelectual, em 70% dos casos, o transtorno do déficit de atenção, em 30%, a depressão, em 2 a 30%, a ansiedade, de 5 a 45 %, a epilepsia, de 7 a 46% dos casos (SIMONOFF et al., 2008; FOMBONNE, 2003; LO-CASTRO; CURATOLO, 2013; LEYFER et al., 2006; MATSON; NEBEL; MATSON, 2007). Como manifestações clínicas, o DSM5 (2014) descreve duas principais categorias, as quais estão associadas, em contextos diversos, à comunicação e à interação social e aos padrões restritivos de comportamento, interesse e atividades (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). Os déficits persistentes na comunicação e interação social, em diferentes contextos, concernem à dificuldade na reciprocidade socioemocional com abordagem social inadequada e problemas para estabelecer uma conversa típica; presença de interesses reduzidos, com pobre compartilhamento; redução das manifestações de emoções ou afeto e dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). No que tange aos padrões restritivos de comportamento, interesse e atividades, estão presentes os movimentos sem objetivos funcionais; uso de objetos ou fala de maneira estereotipada ou repetitiva; adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal, como sofrimento exagerado quanto a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, interesses fixos e altamente restritos, que são anormais em 23 intensidade ou foco; hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). A gravidade varia de acordo com o comprometimento do indivíduo, de modo que o TEA pode ser classificado em três níveis (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014):  Nível um: necessita de apoio com prejuízo funcional notado sem suporte; demonstra dificuldade em iniciar interações sociais, respostas atípicas ou não sucedidas para abertura social; interesse diminuído nas interações sociais; falência na conversação; tentativas de fazer amigos de forma estranha e mal sucedida. O seu comportamento interfere significantemente com a função; apresenta dificuldade para trocar de atividades; independência limitada por problemas com organização e planejamento.  Nível dois: precisa de apoio substancial com déficits evidentes na conversação; prejuízos aparentes, mesmo com suporte; iniciação limitada nas interações sociais; resposta anormal/ reduzida a aberturas sociais. Comportamentos suficientemente frequentes, sendo óbvios para observadores casuais; o comportamento interfere com função, numa grande variedade de ambientes; aflição e/ou dificuldade para mudar o foco ou ação.  Nível três: requer muito apoio substancial, exibe prejuízos graves no funcionamento; iniciação de interações sociais muito limitadas; resposta mínima a aberturas sociais. O seu comportamento interfere marcadamente com função em todas as esferas; dificuldade extrema de lidar com mudanças; grande aflição/dificuldade de mudar o foco ou ação. Quanto à etiologia do TEA, considera-se que é uma condição multifatorial, na qual os fatores genéticos influenciam e são influenciados pelos fatores ambientais. Estudo realizado por Vaiserman (2015) apontou que existem duas extremidades principais para a fisiopatologia complexa do TEA, uma vez que o indivíduo pode ter um risco genético significativo e, assim, requerer menos fatores ambientais, para que o seu neurodesenvolvimento seja alterado, enquanto outros, mesmo tendo um aparato genético adequado, são expostos, durante a gestação, a fatores ambientais de maneira significativa, a ponto de alterar o epigenoma do indivíduo, embora sem a presença de riscos genéticos. No entanto, ainda não é conhecido como ocorre essa interação entre fatores ambientais e genéticos, de sorte a alterar a epigenética (REIS, 2019). O risco para a ocorrência do TEA aumenta razoavelmente, segundo o modelo poligênico de herança genética aditiva, ou seja, a característica hereditária é um fator importante para a sua incidência, como observado na possibilidade dez vezes maior em irmãos do que em um grupo populacional distinto (REIS, 2019). Apesar do avanço na investigação etiológica do TEA, ainda não se sabe ao certo o que acontece para a ocorrência desse transtorno, porém, acredita-se que, em 90% dos casos, existam fatores genéticos relacionados, e somente 10% seriam causados por fatores ambientais 24 (CHRISTENSEN et al., 2012). A investigação dos mecanismos genéticos ligados à etiologia do TEA pode trazer novas perspectivas e facilitar o desenvolvimento de ferramentas para o diagnóstico clínico precoce, além de auxiliar no aconselhamento genético dessas famílias (ALISSON, 2012). De acordo com Lossifov et al. (2008), as diferenças fenotípicas, complexidade genética e a presença ou não de comorbidades sugerem múltiplas hipóteses prognósticas, com inferências a diferentes modalidades terapêuticas. A despeito da grande variedade de manifestações clínicas, algumas indicações a respeito do sistema nervoso central (SNC) do indivíduo com TEA têm sido percebidas e relatadas por pesquisadores da área. Assim, conforme Siqueira et al. (2016), certos comportamentos identificados no transtorno se relacionam às disfunções das regiões temporais no SNC, que podem indicar certos sintomas, como o déficit de percepção, emocionais e cognitivos, já que as regiões associativas temporais estão conectadas de maneira significativa aos sistemas sensoriais associativos frontais, parietais e límbicos. As características do TEA são consequências de diversas disfunções cerebrais, como, por exemplo, a ativação anormal do córtex temporal esquerdo, o qual está relacionado com a organização cerebral da linguagem e pode, portanto, acarretar prejuízos de linguagem e respostas comportamentais inadequadas aos sons, notadas nos indivíduos com TEA (VILA, 2014). O sistema nervoso central de indivíduos com TEA apresenta falhas sinápticas, dificultando o processamento de transmissão das informações, provavelmente devido ao prejuízo identificado em dois principais neurotransmissores: a serotonina e o glutamato. Além disso, mostra alterações estruturais, como as observadas no corpo caloso, que é a principal estrutura responsável pela comunicação entre os hemisférios; na amígdala, responsável pelo comportamento social e emocional, e no cerebelo, o qual está envolvido com as atividades motoras, como o equilíbrio e a coordenação (SIQUEIRA et al., 2016). Ramos (2017) ressalta a relevância do cerebelo, não apenas quanto às habilidades motoras, mas também com respeito às funções cognitivas e emocionais. Segundo o autor, exames de imagens altamente especializados, como a PET (tomografia por emissão de prósitrons) e a FMRI (ressonância magnética funcional), possibilitaram a descoberta de evidências que associam a disfunção cerebelar a algumas desordens psiquiátricas, sobretudo o Transtorno do Espectro Autista. As alterações observadas nas células de Purkinje, com relação ao tamanho e quantidade, associadas ou não à hipoplasia do verme cerebelar, estão relacionadas ao diagnóstico clínico do 25 TEA. Essas células são as que mais recebem sinapses no SNC, estão presentes apenas no cerebelo e são fundamentais para a recepção dos estímulos sensoriais das articulações, tendões, músculos, olhos, tendo como função a estabilização dos reflexos e dos movimentos. Ainda de acordo com Ramos (2017), existem várias evidências científicas que apontam para irregularidades no SNC de indivíduos com TEA, das quais a relação entre TEA e alterações cerebelares está entre as mais consistentes. O autor enfatiza as observações ligadas às células de Purkinje em menor quantidade, independentemente da idade, gênero e capacidade cognitiva. Há evidências de que as células de Purkinje se desenvolvem normalmente, no período correto à idade gestacional, no entanto, morrem, ao migrarem para o local apropriado ainda no período gestacional, o que demonstra a condição pré-natal do TEA. Fatemi et al. (2012) asseveram que o processo neuropatológico que ocorre nos indivíduos com TEA continua após o nascimento, quanto ao tamanho do cérebro, quantidade de neurônios e espessura do córtex. Outra anormalidade associada ao TEA é a hipoplasia do verme cerebelar, que está relacionada especialmente às disfunções cognitivas (ZWAIGENBAUM et al,. 2015). Moraes (2014) aborda, em seu estudo, outras especificidades identificadas no SNC de indivíduos com TEA e destaca que, mesmo nos casos em que a deficiência intelectual não está presente, o SNC desses indivíduos apresenta um maior volume do hipocampo direito do que os indivíduos sem o TEA. Vale ressaltar que o hipocampo é uma estrutura relacionada com a formação da memória de longo prazo e o seu armazenamento, além de exercer importante papel na orientação espacial. Outra estrutura que colabora com essa orientação espacial é o hipotálamo, sendo que a hipoativação dessa região pode acarretar prejuízo da capacidade de orientação espacial. Problemas na conectividade cerebral de indivíduos com TEA têm sido relatados pelos pesquisadores, ao descreverem o córtex entorrinal como uma importante região localizada no córtex cerebral, o qual se comunica com áreas associativas; com isso, está ligado ao processamento da informação advinda dos centros sensoriais e motores, além de ter um importante papel no registro de memórias recentes, em consequência das experiências vivenciadas. Alterações no volume e desenvolvimento dessa região têm sido associadas ao TEA (MORAES, 2014). As dificuldades nos aspectos afetivos, emocionais e de regulação do comportamento são condições muito características no TEA, e a amígdala recebe destaque dos pesquisadores, reconhecendo-a como uma estrutura importante para o processamento das emoções e do medo. A sua característica de conexão entre córtex, sistema hipotalâmico e tronco encefálico faz com que exista uma interação entre as respostas fisiológicas baseadas em informações cognitivas e atividades 26 metabólicas. A amígdala em crianças com TEA costuma apresentar o volume aumentado, no início da vida, entretanto, seu crescimento não acompanha o desenvolvimento, como ocorre com os indivíduos sem o diagnóstico de TEA. Foram encontradas também evidências que sugerem que exista relação entre o volume da amígdala e a gravidade do quadro clínico (MORAES, 2014). Ainda acerca dos aspectos emocionais, comportamentais e cognitivos, outra estrutura importante é o giro do cíngulo, que também estabelece a comunicação entre o sistema límbico e o córtex, além de ser considerada como uma das áreas ligadas à memória e à aprendizagem (ZHANG et al., 2007). Estudos acerca do SNC de indivíduos com TEA destacaram que havia uma atividade reduzida dessa estrutura, quando os participantes eram submetidos à necessidade de realizar julgamento social sobre outros indivíduos, e, a partir disso, sugeriram que os déficits dessas regiões cerebrais impactam na conduta emocional e na interação social. O córtex pré-frontal é uma importante região cerebral para diversas funções, sendo descrita como uma parte complexa do SNC, no que concerne à capacidade de planejar, raciocinar e julgar. Está envolvido também no desenvolvimento da personalidade, nas emoções e na capacidade de exercer avaliação e controle adequado dos comportamentos sociais. Conforme os pesquisadores, nos casos de TEA, são observados indícios de imaturidade do córtex pré-frontal (FUSTER, 2008). Quanto às principais alterações neuroquímicas, ainda segundo Moraes (2014), estão as alterações no sistema dopaminérgico, que parece ter seu nível aumentado significativamente, assim como a excessiva liberação de serotonina. Os neuropeptídios oxitocina e vasopressina, os quais participam do reconhecimento social, também apresentam alterações em seu funcionamento. No que tange à epidemiologia do TEA, Paula et al. (2017) remetem aos principais estudos sobre esse tema e descrevem significativo aumento na prevalência do TEA, na população. Um dos estudos focalizados no seu trabalho foi uma metanálise promovida por Willians, Higgins e Brayne (2006). Esses autores reuniram trinte e sete estudos de doze países, publicados entre os anos de 1966 e 2004, e a prevalência média do TEA, verificada nesse período, foi de sete para dez mil indivíduos. Esses dados foram ainda mais altos, quando analisados a partir do ano 2000; a taxa média de ocorrência do TEA, na população, nesse período, aumentou de 50 para 10 mil (PAULA et al., 2017). Examinando os dados mais recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA (órgão equivalente ao Ministério da Saúde, no Brasil), também é observada uma crescente taxa no número de casos de TEA. No estudo publicado por esse programa, em 2016, a 27 recorrência do transtorno na população norte-americana foi de aproximadamente um em cada sessenta e oito pessoas (CHRISTENSEN et al., 2016); em contrapartida, no ano de 2018, essa taxa aumentou para um em cada cinquenta e nove pessoas (BAIO et al., 2018). As investigações sobre a prevalência do TEA são predominantemente efetuadas nos países desenvolvidos, havendo ainda grande carência desses estudos, nos países em desenvolvimento, especialmente na América Latina (PAULA et al., 2017). Contudo, uma pesquisa que ilustra esse cenário, no Brasil, foi conduzida por Paula et al. (2011) e estimou que aproximadamente 1,5 milhões de brasileiros tinham diagnóstico de TEA. 2.1.1. Transtorno do Espectro Autista e a inclusão escolar Com o objetivo de analisar o panorama de pesquisas brasileiras com o tema inclusão do aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA), desde que houve a sanção da lei 12.764 (BRASIL, 2012), foi realizada uma busca no Banco de Teses e Dissertações (BDTD) 1 , utilizando-se os descritores Inclusão and Transtorno do Espectro Autista, no período de 2013 a 2020, quando foram identificadas setenta e três teses e dissertações. A partir da leitura dos títulos, foram selecionadas vinte e seis dissertações e duas teses, adotando-se como critério de exclusão os estudos de caso, trabalhos voltados a múltiplas deficiências e títulos que não continham os termos Transtorno do Espectro Autista. Em seguida, foram lidos os estudos e identificados três assuntos principais associados ao tema mais abrangente, dirigido à inclusão dos alunos com Transtorno do Espectro Autista: família (SOARES, 2014; BASSOTO, 2018; SILVA, 2014; ALMEIDA, 2016; OLIVEIRA, 2013); percepção dos professores (FERREIRA, 2017; GALLO, 2016; COSTA, 2016; FONTANA, 2013; CANABARRO, 2018; TENENTE, 2017; COUTO, 2017; MASSINI, 2018) e panorama geral (SANTOS, 2016; GONZAGA, 2019; SILVA, 2013; SOUZA, 2019; OLIVEIRA, 2016; NEVES, 2018, RODRIGUES, 2018; VICARI, 2019; BASTOS, 2019; FIORINI, 2017; OLIVEIRA, 2016; NETRVAL, 2014; VIEIRA, 2016; COSTA, 2017). A maioria dos estudos citados destacam os desafios impostos à inclusão dos alunos com TEA, especialmente devido à heterogenia do quadro clínico, necessidade de formação adequada da 1 A opção por realizar um levantamento bibliográfico no Banco de Teses e Dissertações se deu em virtude da necessidade de identificar as produções científicas que estão sendo concretizadas nessa temática, com o rigor metodológico dos programas de pós-graduação (nível mestrado e doutorado), ficando evidenciado, com isso, o caráter de ineditismo deste trabaho. 28 equipe escolar e parceria com a família, na busca de estratégias individualizadas e coletivas que atendam às necessidades de cada aluno. Outro fator enfatizado é a necessidade de parceria entre saúde e educação, diante da complexidade multifacetária do Transtorno do Espectro Autista. Com o objetivo de detectar os trabalhos que procuraram contribuir com essa temática, foi feita uma nova busca no BDTD, empregando-se os descritores Saúde and Inclusão and Transtorno do Espectro Autista. Foram encontrados trinta e um estudos, oito dos quais foram excluídos, por já fazerem parte da primeira pesquisa; quatorze, por não conterem no título os indícios que foram buscados com os descritores, restando, portanto, nove estudos. Desses nove trabalhos selecionados, dois efetuaram a pesquisa considerando a interface saúde e educação, no processo educacional inclusivo dos alunos com TEA (LADIM, 2018; SILVA, 2019). Landim (2018) desenvolveu sua investigação, cujo objetivo consistiu em elaborar uma cartilha educativa para auxiliar os professores do Ensino Fundamental no processo de inclusão dos alunos com TEA, no ambiente escolar, e, segundo a autora, os resultados demonstraram que o recurso desenvolvido foi eficiente para a instrução dos professores com relação ao diagnóstico de TEA. O outro trabalho foi concretizado por Silva (2019), com a finalidade de avaliar o papel da Análise do Comportamento na inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista, na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com os autores, os resultados revelaram que se faz necessário ampliar as intervenções por meio da análise do comportamento para o contexto escolar, oferecendo aos professores a formação necessária para tal. A inclusão escolar de alunos com TEA tem sido considerada por pesquisadores e educadores como um desafio para os profissionais da saúde e da educação, devido à heterogeneidade imposta pela caracterização do transtorno (CABRAL; MARIM, 2017). Essas características heterogênicas se manifestam segundo os fatores fisiológicos, o grau de comprometimento e a influência dos fatores ambientais, sugerindo que, tendo em vista as suas especificidades clínicas, os indivíduos com esse quadro devem receber atenção especializada no processo de escolarização (CINTRA; JESUINO; PROENÇA, 2015), haja vista que as reações do comportamento podem representar um entrave nas atividades de inclusão escolar desses indivíduos, se não houver um ambiente propício para recebê- los e, principalmente, se as peculiaridades não forem respeitadas (OLIVEIRA; PAULA, 2012; CHRISTENSEN et al., 2016). Em função da especificidade do TEA, a inclusão dos alunos com esse diagnóstico provoca discussões frequentes a respeito das possibilidades de intervenções, adequações e acolhimento necessários para contemplar toda a heterogeneidade imposta pelo diagnóstico. Nessa perspectiva, é 29 fundamental que o professor tenha conhecimento das características de cada aluno, a fim de que a sua inclusão seja eficiente e se dê de maneira adequada às suas necessidades (FERRAIOLI; HARRIS, 2011). Lima e Laplane (2016) assinalam, em seu estudo, que a efetivação da inclusão dos indivíduos com TEA, no ambiente escolar, ainda é complexa, o que a afasta das condições estabelecidas por objetivos inclusivos, uma vez que frequentam a escola, porém, muitas vezes, não estão incluídos na sala regular ou, quando estão, nem sempre são assistidos de maneira eficiente, para favorecer a sua participação. É consenso na comunidade educacional que as peculiaridades do aluno com TEA implicam a necessidade de mudança organizacional escolar, curricular, rotina escolar, prática pedagógica, metodologias adaptadas e avaliação do desenvolvimento (ÓRRU, 2012; AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014; BARBOSA; FUMES, 2016). No entanto, ao obter conhecimento real sobre o TEA e assim identificar, nos alunos que possuem o transtorno, as possibilidades inerentes ao desenvolvimento pessoal, social, acadêmico, é possível reconhecer que as peculiaridades não os impedem de aprender os diversos tipos de conhecimento e terem convívio social necessário e adequado ao seu desenvolvimento (BARBOSA, 2018). O envolvimento do professor, no processo de inclusão escolar do aluno com TEA, está ligado a diversos fatores, dentre os quais se destacam o nível de formação acadêmica do educador, o seu conhecimento das políticas de inclusão educacional, a sua concepção direcionada ao TEA e o tipo de relação que se propõe estabelecer com o aluno, seja com os seus sintomas, seja com a criança que constitui esse aluno (CAMPOS; SILVA; CIASCA, 2012). Diante da crescente curva de incidência do TEA e, consequentemente, de um aumento significativo de matrículas na rede regular de ensino, no Brasil, especialmente na última década, a legislação e as políticas públicas criadas especificamente para esse grupo de indivíduos foram essenciais para garantir os direitos de acesso, permanência e desenvolvimento educacional. Nessa linha, sobre o acesso e a permanência, a Lei nº 12.764, de 2012, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual assegura a obrigatoriedade de as escolas regulares matricularem os alunos, inclusive tratando de penalidades, no caso da rejeição da matrícula (BRASIL, 2012). Acerca da permanência, a mesma lei inclui o profissional denominado acompanhante especializado, que, no Estatuto da Pessoa com Deficiência, recebeu o nome de profissional de apoio escolar (BRASIL, 2015). Sua função é auxiliar o aluno, 30 durante sua permanência no ambiente escolar, no que se refere à realização de atividades voltadas à alimentação, higiene e locomoção, além de atuar em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessário, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas ou privadas. Sua atuação ocorre junto aos professores e ao aluno, no acesso, permanência, além da ascensão dos conteúdos curriculares e autonomia na participação social (BRASIL, 2015). A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA também reconhece a importância da formação continuada e especializada dos profissionais envolvidos no processo educacional do aluno com TEA. Com isso, a mesma lei enfatizou o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com Transtorno do Espectro Autista, bem como a pais e responsáveis (BRASIL, 2012). O objetivo dessas medidas é que o aluno tenha acesso à escola regular com um profissional exclusivo para ele, quando for preciso, tendo a possibilidade de frequentar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a sala de aula regular. Vale ressaltar que tão importante quanto as garantias legais do aluno com diagnóstico de TEA para seu desenvolvimento educacional, na rede regular de ensino, é igualmente relevante o envolvimento da equipe escolar, ao investir tempo no conhecimento desse aluno, a fim de que se possam fixar as estratégias pedagógicas e reconhecer as possibilidades de aprendizado. Dessa forma, quanto maior o nível de entendimento dos profissionais da educação, melhor a qualidade da permanência desses alunos, na escola regular (BASTOS, 2019). Um estudo de revisão sistemática da literatura, realizado por Cabral e Marim (2017), analisou as publicações feitas com os temas Inclusão Escolar e Transtorno do Espectro Autista, no período de 1993 a 2014, cujo resultado apontou que tanto os estudos nacionais como os internacionais direcionavam as suas investigações para os processos de inclusão, de escolarização e de interação social do aluno com TEA, no ambiente escolar. Quanto aos resultados dos trabalhos examinados, a maioria deles remetia a dificuldades de comunicação, desconhecimento das características do aluno com TEA e carência de estratégias pedagógicas que impactavam no processo de aprendizagem desses alunos. Ainda segundo os mesmos autores, outro aspecto relevante identificado nos estudos revisados, apesar de ser menos explorado, diz respeito à família e sua participação no processo de inclusão escolar e aprendizagem dos alunos com diagnóstico de TEA. Nesse sentido, a relação de parceria travada entre pais e equipe escolar foi ressaltada como de fundamental importância para possibilitar o melhor entendimento do comportamento da criança com TEA, nos contextos familiar 31 e escolar, e contribuir para o seu desenvolvimento, especialmente quanto às dificuldades de aprendizagem e interação social (CABRAL; MARIM, 2017). Para Vargas e Schimidt (2017), a aproximação entre família e escola ensejaria a disseminação de informações sobre o aluno, gerando novas possibilidades de apoio e, consequentemente, favoreceria o seu desenvolvimento integral. Os autores destacam a necessidade de os profissionais da educação contemplarem a participação familiar, no processo de inclusão dos alunos com TEA, entendendo-os como parceiros para a obtenção de informações a respeito da diversidade, que é a principal característica do TEA. Com relação à formação dos professores, com o objetivo de sistematizar e aprimorar as práticas educacionais dirigidas aos alunos com TEA, tanto os estudos nacionais quanto os internacionais analisados por Cabral e Marim (2017) revelam que a formação acadêmica desses profissionais poderia contribuir, mas constatam que a inclusão ainda é um tema pouco discutido, nos cursos de formação. Os estudos internacionais, contudo, se referem às dificuldades dos professores com respeito às questões práticas atinentes ao manejo das atividades, considerando os alunos de inclusão escolar. De modo geral, a mudança do contexto educacional impactou suas rotinas, particularmente quanto à organização e à forma de ensinar dos professores. No caso do TEA, por ser um transtorno com características específicas, indica-se que os profissionais da educação busquem aperfeiçoamento, troquem experiências e avaliem suas práticas, para melhor entendimento e atuação junto ao aluno com o transtorno. Mattos e Nuernberg (2011) enfatizam a importância do trabalho interdisciplinar entre saúde e educação. De acordo com os autores, no ambiente escolar, o brincar e a mediação pedagógica facilitam as trocas sociais, favorecendo o desenvolvimento da comunicação e a participação do aluno com TEA. Todavia, observa-se que, além da habilidade social, é necessário que as ações pedagógicas facilitem o desenvolvimento cognitivo e o enfrentamento dos desafios do aluno e, para tanto, é imprescindível que as práticas educacionais ocorram de maneira articulada com as práticas terapêuticas. Nessa perspectiva, o estudo de Campos, Silva e Ciasca (2018), o qual teve por objetivo analisar a expectativa dos profissionais da saúde e de psicopedagogos sobre aprendizagem e inclusão escolar de alunos com Transtorno do Espectro Autista, assevera que ainda é falha a interface saúde e educação, para favorecer a inclusão eficiente. Segundo os autores, dos trinta e três profissionais da saúde participantes da pesquisa, apenas oito promoviam orientações e capacitações 32 aos profissionais da educação, criando estratégias conjuntas, adaptações curriculares e de materiais necessárias para a efetivação do plano pedagógico individualizado, no trabalho com esses alunos. Conforme as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (BRASIL, 2012), o projeto educacional a ser desenvolvido deve resultar do diagnóstico elaborado, das sugestões decorrentes da avaliação interdisciplinar da equipe e das decisões da família, consistindo em um plano individualizado que atenda às necessidades específicas de cada aluno. Minatel et al. (2019) propõem, em sua investigação, um modelo educativo baseado na neurodiversidade, que buscará respeitar a diferença (e não a deficiência) de cada aluno, no qual a existência da deficiência não é desconsiderada, porém, o foco da atenção está direcionado à diversidade e não à incapacidade. Outros estudos nacionais retratam essa problemática, apresentando a percepção que professores e profissionais da educação têm do TEA e o impacto dessa percepção, na relação com o aluno (ADURENS; VIEIRA, 2018; BARBOSA, 2018; FARIA et al., 2018; LEMOS et al., 2016; RODRIGUES et al.; 2012; SANINI; BOSA, 2015; SANTOS; SANTOS, 2012; SILVA et al., 2018). Santos e Santos (2012) fizeram um estudo com dezesseis professoras de alunos com TEA e identificaram que, embora as professoras estejam próximas aos alunos, não significa que elas tenham clareza e familiaridade com o diagnóstico de TEA. De forma geral, há incertezas quanto a conceber o TEA como uma desordem orgânica ou o resultado de complicações relacionais precoces; em acreditar que esses alunos são inteligentes acima da média ou possuem deficiência intelectual. Rodrigues et at. (2012) concretizaram uma pesquisa com seis professoras de alunos com TEA, com o objetivo de investigar a concepção do desenvolvimento desses alunos e as posições assumidas pelos profissionais, na sua escolarização. Os autores revelam que as professoras ora possuem um olhar individualizado para o aluno, ora tecem comparações com o grupo de alunos com desenvolvimentos típicos, ressoando diretamente na relação entre aluno e professor. Essas observações também foram realizadas tempos depois, no estudo de Minatel et al. (2019), no qual os profissionais participantes não trouxeram percepções sobre o TEA que visassem a compreender sua etiologia e características de diversidade; ao contrário, as colocações dos professores estavam muito 33 direcionadas às manifestações sintomáticas, tendo como parâmetro de comparação os demais alunos da sala de aula que exibiam desenvolvimento típico. De acordo com o autor, a condição de deficiência descrita pelos professores, ao relatarem as suas concepções a respeito dos alunos com TEA, foi ressaltada como um limitador da inclusão, na perspectiva dos profissionais participantes do estudo. Silva et al. (2018) corroboram essas observações, ao sublinharem que as concepções dos professores de alunos com TEA participantes de seu estudo estavam pautadas na impossibilidade de aprendizagem, problemas de interação social, comunicação e questões sensoriais, de maneira generalizada, tendo tais características como entraves no processo de inclusão escolar dos alunos com TEA. Adurens e Vieira (2018) assinalam que as dificuldades dos professores que estão diante do trabalho educacional voltado à inclusão dos alunos com TEA se devem, em grande parte, à fragilidade da formação profissional acadêmica, uma vez que o trabalho vai além de questões pedagógicas, pois o professor deverá lidar com aspectos atinentes ao sujeito, como a autonomia, o autocuidado e comportamentos considerados inadequados, o que o leva a questionar seu papel em sala de aula e, na maioria das vezes, esses profissionais não se sentem preparados para esse desafio. Por outro lado, outros estudos, como os apresentados por Sanini e Bosa (2015) e Lemos et al. (2016), indicam que os professores participantes das pesquisas demonstravam uma tendência à reformulação das suas concepções, em função das experiências vividas com os alunos com diagnóstico de TEA, no cotidiano escolar, já que, embora ainda abordassem as dificuldades evidenciadas pelos alunos, suas observações partiam de aspectos positivos que favoreciam as possibilidades de inclusão eficiente dos alunos. Nessa mesma perspectiva, Lemos et al. (2016) enfatizam que, ao revelar as estratégias de trabalho educacional tomadas como propícias à inclusão dos alunos com TEA, na concepção dos seus professores, tais estratégias se referem a práticas que envolvem a socialização desses alunos com os demais, destacando a diversidade como uma possibilidade a favor da inclusão escolar. Embora as políticas e diretrizes inclusivas norteiem a prática, a relação professor-aluno estará fortemente ligada à sua perspectiva com respeito à diferença ou deficiência, e a sua concepção e compreensão diante dessa condição trazem impactos nas relações e no processo de ensino, aprendizagem e, consequentemente, na inclusão escolar. Assim, mesmo em face do conhecimento insuficiente sobre o TEA, se houver clareza acerca do processo inclusivo com os ideais defendidos desde a década de 1990 e reafirmados nas posteriores políticas e normativas 34 educacionais que cercam a Educação Especial, na perspectiva da inclusão, outro cenário será descortinado, quanto à inclusão desses alunos (MINATEL et al., 2019). 2.2. Abordagem de Integração Sensorial de Ayres® A Abordagem da Integração Sensorial de Ayres® foi criada e desenvolvida pela Dr.ª Anna Jean Ayres, Terapeuta Ocupacional e Neuropsicóloga, na década de cinquenta, tornando-se uma das primeiras teorias formuladas na profissão da Terapia Ocupacional com rigor de evidências científicas que validam a sua prática, ao orientar os profissionais no campo de atuação das disfunções de integração sensorial que acarretam prejuízo no desempenho ocupacional dos indivíduos (ROLEY et al., 2007). Ayres se formou em Terapia Ocupacional, em 1945, fez seu mestrado em Terapia Ocupacional, em 1954, e seu PhD em Psicologia Educacional, em 1961, todos pela University of Southern California. Recebeu prêmios importantes de instituições, como Outstanding Educadores da América e American Occupational Therapy Association –AOTA – como resultado do seu trabalho na descoberta e tratamento da disfunção de integração sensorial, ao explorar a relação entre cérebro e comportamento (FISHER; MURRAY, 1991). Seus estudos servem como fundamento, até o momento atual, para o diagnóstico e o tratamento das disfunções de integração sensorial. Ayres se baseou na literatura da neurociência, para guiar sua compreensão dos déficits sensoriais e motores que afetam o aprendizado e o comportamento, conduzindo toda a sua carreira para a pesquisa e desenvolvimento de intervenções focadas nessa temática (LANE et al., 2019). Segundo Ayres (1989), a integração sensorial é definida como o processo neurológico que organiza as sensações entre o corpo de um indivíduo e o ambiente, tornando possível o uso eficiente desse corpo, no ambiente. Na integração sensorial, o sistema nervoso central deve ser capaz de perceber, selecionar, melhorar, inibir, comparar e associar as informações sensoriais em padrões flexíveis, constantes e mutáveis, podendo assim trabalhar de forma integrativa. Schaaf e Mailloux (2015) concebem a integração sensorial como o processamento, integração e organização dos inputs sensoriais provenientes do corpo e do ambiente, e a sua teoria é embasada na combinação de diferentes áreas do conhecimento, como o neurodesenvolvimento humano, a Neurociência, a Psicologia e a Terapia Ocupacional. 35 As sensações percebidas, organizadas e interpretadas contribuem para o desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras e de práxis, capacidade de regular o estado de alerta e atenção, regulação do estado emocional, comunicação e interação social e organização do comportamento no tempo e espaço (LANE; MILLER; HANFT, 2000). De acordo com a teoria de Ayres, os sistemas sensoriais se desenvolvem de modo integrado e interdependente, visto que as informações sensoriais não são processadas de maneira isolada e a sensação interfere na percepção, a qual, por sua vez, influencia a aprendizagem e o comportamento do indivíduo. Ainda segundo Ayres, o desenvolvimento das habilidades sensório-motoras, como percepção visual, tátil, auditiva e controle motor, com respostas adaptativas ao ambiente e ao próprio corpo, influem de maneira positiva na capacidade de aprendizagem, leitura, escrita e matemática. Os primeiros estudos de Jean Ayres foram voltados à compreensão da relação por ela estabelecida entre disfunção de integração sensorial e dificuldades de aprendizagem (AYRES, 1972a). De acordo com Bundy et al. (2002), a Abordagem da Integração Sensorial de Ayres® reconhece a aprendizagem como um processo dependente da capacidade de receber e processar as sensações dos movimentos e ambiente, com o propósito de usá-las para planejar e organizar o próprio comportamento. Muitos aspectos estudados e descritos por Ayres permanecem até hoje como pilares que apoiam a Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, como possibilidade terapêutica. Dentre eles, estão: a capacidade perceptual apoia e facilita a ocupação e o engajamento intencional; o aprendizado motor é influenciado por, se não for dependente do input sensorial; a percepção corporal fornece suporte para o controle postural relacionado ao desenvolvimento visuomotor, e ambos são essenciais para o desempenho acadêmico do indivíduo; os sistemas táteis, vestibulares, proprioceptivos e visuais fornecem dados importantes para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita; a maneira como o sistema nervoso central responde aos estímulos táteis está associada à capacidade de manter a atenção e a concentração, durante a realização de atividades (AYRES, 1972a, 2005). A integração sensorial está intimamente ligada à participação e engajamento nas funções ocupacionais, resultando em mudanças neurais, através de aumento de conexões e sinapses que promovem possibilidades de desenvolvimento de um indivíduo atento e explorador, principalmente por meio de respostas adaptativas e reguladoras, as quais permitem ao indivíduo exercitar o seu 36 papel ativo em um ambiente desafiador capaz de favorecer o seu desenvolvimento (TROMBLY; RADOMSKI, 2005). Quando esse processo neurológico não acontece adequadamente, ocorre um padrão de processamento chamado de disfunção de integração sensorial, como uma condição que afeta crianças com o desenvolvimento típico e atípico, uma vez que de 10 a 15% das crianças sem deficiência diagnosticada têm dificuldades nessa área. Essa estimativa aumenta para 40% a 90%, nas crianças com várias modalidades diagnósticas (BEN-SASSON; CARTER; BRIGGS-GOWAN, 2009; CHEUNG; SIU, 2009; FERNÁNDEZ-ANDRÉ et al., 2015). A intervenção através da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, para o tratamento das disfunções de integração sensorial, acontece em ambientes clínicos que oferecem os recursos especializados necessários para a intervenção. Visa a alterar o processamento neurofisiológico interno da sensação, de sorte a promover uma mudança observável na capacidade de resposta sensorial e no comportamento funcional, por meio da quantidade e qualidade de estímulos proporcionados ao indivíduo, a fim de que busque um equilíbrio modulado, produzindo respostas que estejam de acordo com suas capacidades e com o meio, melhorando o desempenho no processo de aprendizagem de novas habilidades (AYRES, 2005; WATLING; HAUER, 2015). A abordagem de Integração Sensorial de Ayres® tem como propósito abordar os déficits identificados no processo de avaliação, através de um contexto lúdico autodirigido pelo indivíduo, no qual o Terapeuta Ocupacional adapta a demanda ambiental constantemente, a fim de propor o desafio na medida certa, garantindo a participação ativa em atividades motoras, sociais e funcionais, ricas em experiências sensoriais individualizadas (SCHAAF; LANE, 2015). As respostas individuais aos estímulos sensoriais variam muito entre os indivíduos, mas, quando essas respostas afetam a participação em ocupações essenciais e significativas, faz-se necessária a intervenção. Geralmente, a participação é afetada, quando há uma incompatibilidade entre as habilidades neurofisiológicas de processamento e integração sensorial de uma pessoa e seu ambiente. O ambiente inclui a presença física de estímulos sensoriais e demandas de tarefas específicas que requerem processamento e integração sensorial (PFEIFFER; BENSON; BODISON, 2017). A abordagem de Integração Sensorial de Ayres® é composta por um robusto aparato teórico, embasado pela neurociência, o qual postula sobre os mecanismos dos efeitos da integração sensorial; estratégias de avaliação objetivas e subjetivas que visam a identificar desafios na https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Renee+Watling https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Sarah+Hauer https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Beth+Pfeiffer https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Teresa+A.+May-Benson https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Stefanie+C.+Bodison 37 integração sensorial; princípios fundamentais da intervenção; intervenção proposta com um protocolo manual para orientar o tratamento e uma medida de fidelidade usada para apoiar a pesquisa e a prática (SCHAFF; MAILLOUX, 2015). Atualmente, as pesquisas que investigam a problemática da disfunção de integração sensorial buscam relacioná-la aos desafios de desempenho ocupacional resultantes desses problemas, entendendo que os desafios na detecção, interpretação e resposta adaptativa aos estímulos sensoriais afetam a capacidade da criança de participar de ocupações significativas e desejáveis (CRITZ; BLAKE; NOGUEIRA, 2015). Nessa perspectiva, ênfase é dada ao processo que antecede a intervenção, compreendendo a avaliação abrangente como base para identificação dos desafios sensoriais que estejam impactando na participação do indivíduo, durante a realização das atividades cotidianas. Schaaf et al. (2013) alertam que, além da necessidade de realizar avaliações que identifiquem e caracterizem precisamente os desafios na integração sensorial, é fundamental que sejam estabelecidas medidas de resultados apropriadas, para documentar as mudanças funcionais que ocorrerão por meio da intervenção e que deverão ser significativas para o cliente e suas famílias. Dessa forma, os instrumentos de avaliações devem ser sensíveis para mensurar os resultados proximais que apontam as alterações nas habilidades sensoriais, motoras, posturais ou cognitivas subjacentes à participação, além de avaliar os desfechos observados nos resultados distais, os quais geralmente refletem a participação e são as áreas mais valorizadas pelas famílias (SCHAAF et al., 2018). A identificação dos padrões de disfunção sensorial acontece através de avaliações padronizadas, como o Sensory Integration and Praxis Tests (SIPT), questionários como o Perfil Sensorial e Medida de Processamento Sensorial (SPM) e o protocolo de observações clínicas (ABELENDA; RODRÍGUEZ ARMENDARIZ, 2020). Estudo realizado por Lane et al. (2019 ) analisou as principais fundamentações teóricas da Abordagem de Integração Sensorial de Ayres®, contextualizadas na neurociência contemporânea, com o olhar direcionado para as áreas de percepção sensorial associadas ao sistema vestibular, sistema proprioceptivo e sistema tátil, procurando estabelecer a relação entre eles e as funções oculares, posturais, de integração bilateral e práxis, além da modulação sensorial. Vale ressaltar que Ayres (1972a) destacou esses três sistemas (vestibular, tátil e proprioceptivo) como os pilares da integração sensorial, no sistema nervoso central. https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 https://ajot.aota.org/article.aspx?articleid=2666687 38 O Sistema Vestibular é composto por dois tipos de receptores: os canais semicirculares, que detectam o movimento angular da cabeça, e os órgãos otólitos (utrículo e sáculo), os quais detectam o movimento linear e a força da gravidade. Desse modo, o sistema vestibular é responsável por transmitir ao cérebro informações sobre a velocidade e a direção do movimento da cabeça e posição estática da cabeça em relação à gravidade. Esse sistema opera de modo contínuo e inconsciente, e se forma desde o início do desenvolvimento intrautero (LANE et al., 2019). De acordo com Ayres (1972a), as falhas na percepção e/ou processamento dos inputs vestibulares interferem nas habilidades de integração bilateral, causam prejuízo no equilíbrio e controle postural antigravitacional, déficit na coordenação entre olhos e cabeça, além de estarem relacionadas a problemas comportamentais e de atenção. O reconhecimento de que existe uma importante conectividade do sistema vestibular com outras áreas do SNC sustenta a ideia de que as informações vestibulares auxiliam na regulação da excitação do SNC, controle postural estático e dinâmico, respostas de equilíbrio, coordenação bilateral, manutenção de um campo visual estável e percepção espacial, de sorte a ser possível o movimento eficiente do corpo, através do espaço (JAMON, 2014; ANGELAKI; KLIER; SNYDER, 2009; CARRIOT; BROOK; CULLEN, 2013). As características do movimento, com respeito tanto à direção quanto à velocidade, provocam diferentes respostas do SNC, sendo que a aceleração rápida ou imprevisível do corpo, através do espaço, está associada ao aumento do nível alerta ou excitação e respostas autonômicas ativadas pela formação reticular do tronco cerebral. Por outro lado, movimentos lentos e rítmicos causam a diminuição da excitação, provocando a redução do alerta ou até mesmo a sonolência (YATES; WILSON, 2009). O sistema vestibular, por meio do trato vestíbulo-espinal, ativa de maneira seletiva músculos aferentes e eferentes, para o controle postural eficaz da região cervical e do tronco, seja com o indivíduo em postura estática, seja em movimento. Essas informações vestibulares ativam o cerebelo, de forma que habilidades motoras complexas sejam aprendidas com movimentos sequenciais e coordenados (WILSON; PETERSON, 2011). Acerca da influência do sistema vestibular para o controle de movimentos coordenados entre olhos e cabeça, isso se deve à participação do fascículo longitudinal medial que leva a informação vestibular até os nervos cranianos, os quais são responsáveis pelo controle dos músculos extraoculares (SALES; COLAFÊMINA, 2014). Quando esse sistema está íntegro, o indivíduo é 39 capaz de realizar ajustes motores oculares rápidos, para manter os olhos estáveis no foco visual, enquanto a cabeça está em movimento (LANE et al., 2019). Outra contribuição relevante do sistema vestibular concerne aos planos motores e ações antecipatórias que resultam da conexão entre os sistemas visual e proprioceptivo. Além disso, por ser um sistema que ativa os dois hemicorpos do ponto de vista motor, também coopera para a integração bilateral, tão importante para a execução de inúmeras habilidades funcionais, no cotidiano (LANE et al., 2019). As influências do sistema vestibular na funcionalidade do indivíduo vão além das habilidades motoras e interferem igualmente nas funções cognitivas, comportamentais e habilidades de autorregulação emocionais. Isso se deve ao fato de várias áreas corticais receberem informações vestibulares (AYRES, 1972a, 1989; MAILLOUX et al., 2011; HITIER; BESNARD; SMITH,2014). A capacidade de integrar as sensações de diversas modalidades proporciona a possibilidade de interpretar os contextos e agir de forma eficiente, no ambiente. Esse processo ocorre como consequência de mecanismos neurológicos complexos, nos quais o SNC é compreendido como uma grande e harmoniosa engrenagem, em que um sistema interfere diretamente no outro (SPITZER; ROLEY, 2001). Nesse sentido, o sistema tátil é apontado como importante colaborador para a organização e o planejamento motor, pois as sensações táteis são projetadas pelas vias aferentes até o córtex parietal posterior, onde são integradas com informações visuais e motoras, configurando a integração somatossensorial-vestibular-visual que se dá com a participação dos núcleos vestibulares, o tálamo e o córtex, permitindo a detecção de movimento próprio do corpo, estabilidade postural e orientação espacial, exercendo uma influência generalizada sobre o sistema nervoso central (ACKERLEY et al., 2012; KALIUZHNA et al., 2016; HARRIS; SAKURAI; BEAUDOT, 2017; LACKNER; DIZIO, 2005). A função somatossensorial envolve as sensações táteis e proprioceptivas, de maneira integrada entre si e entre os outros sistemas sensoriais, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento da práxis (AYRES, 1965). Essa afirmação foi confirmada pelos estudos atuais, os quais, além de apoiarem essa ideia, ampliaram o conhecimento para o processamento de feedforward e a antecipação dos movimentos (KURJAK et al., 2008; ACKERLEY; KAVOUNOUDIAS, 2015). 40 Práxis é uma função complexa, que compreende três componentes centrais: ideação, planejamento motor e execução (MAILLOUX; ROLEY, 2004). Essa habilidade se desenvolve de maneira gradativa e natural, à medida que o indivíduo reconhece suas interações de sucesso com as pessoas, objetos no seu próprio ambiente, e potencializa suas capacidades para aprender novas habilidades, quer observando, quer imitando ou explorando (AYRES, 2005). Ainda de acordo com Ayres (1972a), a capacidade de percepção visual e somatossensorial interfere diretamente na práxis, assim como a conceituação do uso de objetos específicos destinados a uma ação motora planejada. Dessa maneira, Ayres passa a relacionar a práxis com o processamento das informações sensoriais, conceituando-a como um processo que pressupõe a construção de uma ideia, o planejamento motor e a ação dirigida a um propósito funcional e, por essa razão, é mais bem observada em situações lúdicas e/ou envolvimento nas atividades de vida diária (AYRES, 1972a; SCHAAF; ROLEY, 2006). Para Blanch e Parham (2001), práxis envolve a organização de ações em ocupações significativas e, por isso, influencia o engajamento nas atividades cotidianas. As ações intencionais conduzidas internamente, por meio do engajamento, como aquelas utilizadas no planejamento motor, com o propósito funcional, estão associadas à ativação de regiões específicas localizadas no SNC, com as redes parieto-frontal e parieto-cerebelar. Quando se tem uma ativação inadequada dessas áreas, observam-se dificuldades de coordenação motora ligadas às novas ações (ZAPPAROLI et al., 2018; KASHUK et al., 2017). Outros estudos da atualidade, dirigidos à compreensão das disfunções práxicas, confirmaram as hipóteses de Jean Ayres, relacionando práxis e percepção somatossensorial e visual. Cox et al. (2015) avaliaram vinte crianças com transtorno de coordenação motora e identificaram que esse grupo apresentava respostas diminuídas, ao toque localizado nas mãos e em habilidades inferiores de grafia, tanto na legibilidade quanto na velocidade e destreza manual, do que as verificadas em seus pares com desenvolvimento típico. O’Brien et al. (2002) relacionaram os problemas de práxis com percepção visual de forma e posição dos objetos no espaço, quando compararam essas habilidades de crianças com quadro de dispraxia e crianças com desenvolvimento típico. Dispraxia foi definida por Ayres (1972a) como dificuldade da criança em planejar e executar ações motoras novas e modificá-las, de acordo com novas situações ou contextos decorrentes de falhas no processamento sensorial. Thompson et al. (2017) constataram, no seu estudo efetuado com sessenta indivíduos diagnosticados com TEA, que havia relação entre o déficit de 41 processamento sensorial e o prejuízo no desempenho motor, além de notar que a interação entre o córtex sensorial primário e o córtex motor primário poderia contribuir para a capacidade de interagir e manipular o ambiente, com eficiência. Grande parte da tecnologia usada hoje para estudar a estrutura e a função do cérebro, como a ressonância magnética (RM) estrutural e funcional, sistemas de rastreamento ocular, eletroencefalograma (EEG), entre outras, não estava disponível para Ayres, quando desenvolveu sua teoria a respeito das disfunções de integração sensorial e a abordagem dirigida ao tratamento. Contudo, os trabalhos contemporâneos sustentam as hipóteses de Ayres e ampliam os estudos para a compreensão dos mecanismos neurofisiológicos pressupostos nas disfunções e também nas possibilidades terapêuticas (MILLER et al., 2007; KILROY, AZIZ-ZADEH, CERMAK, , 2019). Os desafios no processamento e na integração de sensações são complexos e resultam em padrões individualizados de disfunção, os quais devem ser tratados de maneiras diferentes, para favorecer a eficácia da intervenção (PFEIFFER; BENSON; BODISON, 2017). Os padrões de disfunção de integração sensorial foram descritos por Ayres (1989) e posteriormente confirmados por Schaaf et al. (2013), Pfeiffer et al. (2011), Schaaf e Mailloux (2015), conforme os dados expostos no Quadro 1. https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Beth+Pfeiffer https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Teresa+A.+May-Benson https://ajot.aota.org/solr/searchresults.aspx?author=Stefanie+C.+Bodison 42 Quadro 1 - Padrões de Disfunção de Integração Sensorial Fonte: SCHAAF; MAILLOUX (2015) O padrão de somatodispraxia é caracterizado por pobre percepção dos sistemas tátil (função discriminativa) e proprioceptivo (AYRES, 1965, 1972a, 1977; AYRES; MAILLOUX; WENDLER, 1987). Problemas de processamento do sistema vestibular podem estar associados. Crianças com problemas de discriminação do sistema tátil podem ser hiporreativas ao toque, não por problemas de modulação, porém, por baixo registro da informação, no nível do sistema nervoso central. Os relatos dos pais e/ou professores costumam descrever dificuldades da criança para aprender novas tarefas, realizar as atividades de vida diária, envolver-se em jogos e esportes, ser bagunceiros e desorganizados. Os princípios da intervenção para somatodispraxia estão ligados aos sistemas táteis e proprioceptivos, mais especificamente à percepção do corpo com relação aos objetos e pessoas, assim como podem favorecer habilidades complexas de discriminação, localização, direção dos PADRÕES DESCRIÇÃO CARACTERÍSTICAS SOMATODIPRAXIA Dificuldade de identificar e discriminar informações sensoriais. Táteis e proprioceptivas Pobre planejamento motor a partir de imitação ou comando verbal Pobre percepção e/ou problemas de modulação sensorial Brincar exploratório deficitário VISUODISPRAXIA Dificuldadede identificar formas e espaço pela percepção visual. Déficits na construção visual bi e tridimenisonal Déficit na visuopráxis Pobre percepção visual associada ao pobre planejamento visuo-motor Dificuldades para seguir planos visuais ( escrever, desenhar, montar quebra- cabeça) PRAXIA COMANDO VERBAL Dificuldades de seguir instruções verbais Dificuldade para executar ações com instruções de dois ou mais passos. Está associado à problemas de linguagem INTEGRAÇÃO VESTIBULAR BILATERAL Dificuldades no processamento das infromações vestibulates Pobre intregração bilateral e sequenciamento de ações Dificuldades nas funções motoras com controle de tônus postural, equilíbrio, controle ocular, integração da linha média e coordenação bilateral. Atividdaes como andar de bicicleta, recortar, manter-se com postura adequada enquanto escreve, entre outras. DIFICULDADES DE MODULAÇÃO SENSORIAL Respostas irregulares a estímulos sensoriais. Hiperresponsividade sensorial espcífica a um ou mais tipo de estímulo Dificuldades na regulação do comportamento Reação excessiva ou exagerada à sensações de maneira que interfira na sua participação em ocupações diárias. Reações de fuga, luta ou congelar podem surgir ocasionando problemas para manter a atenção e regular os aspectos emocionais e comportamentais. 43 estímulos táteis e, por fim, estereognosia. Para o aspecto proprioceptivo, a ênfase concerne à melhora da capacidade de discriminar força e direção empregadas no movimento, melhorar a consciência motora, habilidades motoras finas e globais. Oportunidades de atividades com grandes informações proprioceptivas são empregadas para melhorar a organização comportamental, nível adequado de alerta e interações propositais com o ambiente. O padrão de visuodispraxia é caracterizado pelo planejamento motor guiado pela percepção visual (AYRES, 1965, 1966, 1972a, 1977). Outros déficits podem estar implicados, uma vez que é frequentemente associada à somatodispraxia. Os relatos dos pais e professores destacam dificuldades na escrita, desenho, montagem de quebra-cabeças, entre outras, tanto no ambiente escolar quanto domiciliar. Ademais, o desempenho nas atividades de vida diária também pode ser impactado negativamente por esse padrão. Os princípios da intervenção para visuodispraxia envolvem a integração de outros sistemas que apoiam essa função. O uso de estimulação vestibular linear facilita a percepção do espaço vertical e horizontal, enquanto as atividades vestibulares rotacionais interferem na habilidade de percepção do espaço tridimensional, além da capacidade de manter o controle motor, estabilidade e deslocamento ocular. O contato visual é intensificado após os estímulos vestibulares, porque o seu nível de alerta está mais modulado, seu comportamento mais organizado e sua práxis óculo-motora melhor. Atividades táteis são essenciais para o desenvolvimento da percepção de profundidade. Além disso, o tato e a visão em colaboração fornecem informações importantes para as funções de coordenação motora fina (precisão). Observa-se que crianças com baixa percepção tátil são muito dependentes do feedback visual, para guiar as suas ações, assim como, por outro lado, crianças com baixa percepção visual se utilizam muito do sistema tátil como feedback, para guiar as suas mãos, nas atividades que requerem precisão. Atividades que recrutam informações proprioceptivas favorecem o controle postural que auxilia no alinhamento da cabeça para percepção do campo visual vertical e no controle óculo- motor e fornecem feedback à visão sobre a posição e movimento corporal. O padrão de dispraxia do comando verbal está intimamente ligado à linguagem. É caracterizado pela dificuldade da criança em executar ações motoras, a partir do comando verbal (AYRES, 1989). Quando esse padrão não está associado a outros elementos, como percepção sensorial e praxia, sugere que as dificuldades evidenciadas estão mais relacionadas às disfunções de 44 linguagem ou disfunções corticais, no sistema nervoso central. Assim, a práxis do comando verbal isoladamente não é considerada um problema de integração sensorial, porém, quando está associada aos outros padrões de disfunção, como, por exemplo, a somatodispraxia e a integração vestibular bilateral, ênfase será dada à integração do sistema auditivo relacionado especialmente ao vestibular e proprioceptivo. O Padrão de Integração Vestibular bilateral é caracterizado por disfunções vestíbulo- oculares, no controle postural e tônus muscular especialmente extensor, geralmente estando associado à somatodispraxia (AYRES, 1965, 1969, 1971, 1972a). Os indivíduos com esse padrão de disfunção geralmente demonstram desempenho abaixo do esperado, para o equilíbrio estático, dinâmico, funções de integração bilateral, sequenciamento e precisão motora. Os relatos dos pais e/ou professores referem problemas para planejar tarefas da vida diária, aprender e desenvolver atividades que envolvem funções bimanuais, realizar atividades com seguimento visual, pouco controle para manter a postura sentada ou ortostática, quedas frequentes, comportamento desorganizado, busca intensa por movimentos. Os princípios da intervenção para padrão de disfunção vestibular consistem em oferecer os estímulos vestibulares, com o intuito de melhorar a percepção e a modulação do processamento, de tal forma que melhore a consciência espacial do corpo, através do uso das sensações vestibulares associadas a sensações auditivas, visuais e proprioceptivas. O engajamento ativo é fundamental e pode ser ob