UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO LUIZ GUSTAVO BONATTO RUFINO A PRÁTICA PEDAGÓGICA DAS LUTAS NAS ACADEMIAS DE GINÁSTICA Rio Claro 2010 BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA LUIZ GUSTAVO BONATTO RUFINO A PRÁTICA PEDAGÓGICA DAS LUTAS NAS ACADEMIAS DE GINÁSTICA Orientador: SURAYA CRISTINA DARIDO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharel em Educação Física. Rio Claro 2010 Rufino, Luiz Gustavo Bonatto A prática pedagógica das lutas nas academias de ginástica / Luiz Gustavo Bonatto Rufino. - Rio Claro : [s.n.], 2010 181 f. : il., figs., gráfs., tabs. + 4 parecer comitê ética Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Educação Física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Suraya Cristina Darido 1. Educação física – Estudo e ensino. 2. Pedagogia do esporte. 3. Artes marciais. I. Título. 796.07 R922p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP DEDICATÓRIA “À todas as pessoas que, de alguma forma, também são imprescindíveis!” AGRADECIMENTOS São tantos os “imprescindíveis” que passam por nossas vidas que TCC algum seria capaz de abranger a todos. Ser “imprescindível” é ser mais do que importante, é ser essencial, é saber que há pessoas que fincam em nossos corações raízes tão profundas que nem tempo, nem distância e nem separações são capazes de interromper. Os “imprescindíveis” de nossas vidas não moram longe de nós, moram sim muito próximos, no local exato onde conflui a amizade, o respeito, a admiração, a felicidade e, sobretudo, o amor. Os “imprescindíveis” são aqueles que moram em nossos corações! Há muitos “imprescindíveis” na minha vida, muitos nem estão mais por perto, transcendendo para a linguagem do coração. Enquanto eu escrevia esse TCC muitos influenciaram direta ou indiretamente. Devo ressaltar que sempre fui ruim para guardar nomes (meus alunos de jiu jitsu são prova disso) e se fosse colocar o nome de todos os “imprescindíveis” teria que escrever outro TCC, talvez duas vezes maior do que este! Destaco, portanto, algumas dessas pessoas “imprescindíveis” e ressalto que, quando se é imprescindível para alguém, não são os nomes que importam e sim os gostos, cheiros, sabores, risadas e amores vividos juntos. Para se entrar no coração não é preciso de nome, é preciso de sintonia e amor... À Minha família por todo o apoio, principalmente: Às mulheres da minha vida, minha mãe e minha irmã: Minha mãe por ser a maior lutadora que já conheci na minha vida e que me mostrou desde criança, através do seu exemplo que, para se lutar na vida, é preciso, antes de tudo, ter alma e coração! Tem uma música do Milton Nascimento que ilustra de certa maneira a garra de minha mãe: “Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem traz no corpo a marca Maria, Maria, mistura a dor e a alegria... Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre, quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”. E é essa “mania” tão estranha de ter fé e acreditar na vida que minha mãe (também uma Maria) me possibilitou. Ter escrito esse TCC e realizado meu sonho de infância de ser graduado em Educação Física é prova disso. Te amo muito mãe! À minha irmã por seu apoio incondicional, conversas, brigas e amizade verdadeira. Costumo dizer que o que eu tive que estudar para aprender minha irmã já sabia, demonstrando uma maturidade e vivência fora do comum. Ela é a prova que o que realmente importa na vida não é o que se tem e sim quem se tem e que o conhecimento pode ser vazio se for destituído de sabedoria! Sabedoria esta que ela sempre teve de sobra, desde criança. Minha irmã mostrou ser também uma grande guerreira em sua vida, agarrando as oportunidades e finalizando as dificuldades. Seu exemplo é o que de mais importante carrego comigo. Ao meu pai (in memorian), pois, mesmo tendo morrido tão jovem e nos deixado (a mim e a minha irmã) ainda muito crianças, sinto sua presença em meu coração. Ele é o significado da palavra “imprescindível” na minha vida! À Meg, minha cachorra linda! À minha vó Cecy pelo apoio nesses anos de faculdade morando em outra cidade; À minha tia Nilza pelo carinho, apoio e auxílio; À Tia Alzira Juliani por toda sua ajuda e carinho; À todas as pessoas que fazem parte da minha família. Aos meus amigos: À Kimie (que é praticamente parte da minha família) por ser muito mais do que uma amiga, afinal, na palavra “amiga” não cabe nem um pedaço de tudo que ela significa; À tia Rô por todo o apoio durante minha vida e o incentivo desde cedo nos estudos (e porque até hoje me lembro que o tamanduá é da família dos Mirmecofagídeos!). À Maria, amiga e vizinha que tanto me ajudou nestes anos morando em Rio Claro; Ao Fer, amigo especial durante tantos anos; À Ilma, pelo seu carinho e fé; Às pessoas que moraram comigo em Rio Claro: no primeiro ano: Messias, Marcão e Renan e no segundo ano: Léo e Khaled pela convivência e pelas aprendizagens em conjunto; À todas as pessoas do BEF 2007 pelos momentos (bons e ruins) passados juntos. Estudar diária e integralmente durante 4 anos foi uma forma de compreender que as pessoas são diferentes e que é preciso respeitar as individualidades de cada um. Ao convivermos juntos pudemos perceber que esse “viver com” não é fácil e não está isento de brigas e complicações. Entretanto, os exemplos são válidos e jamais me esquecerei de todos. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” e os aprendizados sobre convivência foram talvez tão ou mais significativos que as disciplinas e conteúdos vivenciados juntos! Agradeço também ao LEF 2007 pela convivência ao longo desses anos, mostrando-se uma sala única, alegre e inesquecível. Ao pessoal do LETPEF pelas horas de estudo e reuniões debatendo, discutindo e pensando numa Educação Física cada vez melhor! Ao Léo e à Sissy pelas caronas, conversas sobre passado, presente e futuro, ajuda, enfim, pela “amizade imprescindível”. Ao Teen Art, grupo de teatro tão especial que eu tive a felicidade de encontrar. Desde nossas conversas em 2002, quando eu tinha apenas 13 anos pude ir agregando vivências que foram também imprescindíveis para a minha formação e mesmo depois do “fim” percebo que as coisas em nossa vida quando são verdadeiras são eternas. Agradeço ainda pelo despertar do “amor à educação e à arte” algo que carrego comigo até hoje e que me influenciou muito. À todos os professores e funcionários da UNESP – Rio Claro que me auxiliaram nestes anos de Universidade, em especial: À professora Suraya pelas conversas, discussões, aprendizagens e trocas de experiências no LETPEF. Certa vez ouvi que aprender pelo exemplo não é a melhor forma de aprender e sim a única e considero o seu exemplo para a área da Educação Física o melhor dos ensinamentos; Ao professor Carlos por estar junto comigo desde o meu primeiro ano de faculdade no Projeto de Extensão de Jiu Jitsu e pela confiança e amizade recíproca; À professora Sara pelas ajudas, oportunidades e amizade; À todos os professores que passaram por minha vida e deixaram suas marcas. E à própria UNESP – Rio Claro que, com todas as suas peculiaridades, se transformou naquilo que de mais importante aconteceu na minha vida até agora. Aprendi a amar esse lugar, apesar das nuances que o reveste. Por isso, afirmo sem sombra de dúvidas, que a UNESP – Rio Claro tornou-se também “imprescindível” para mim. À todas as pessoas que me influenciaram no jiu jitsu, esporte que tanto amo! Todos os professores, alunos e companheiros de treino pelas aprendizagens em conjunto nesse esporte que, a cada dia, torna-se mais apaixonante e maravilhoso! O jiu jitsu para mim tornou-se algo imprescindível porque me permitiu conhecer um universo que jamais pensei que existiria. Um universo de sonhos, aspirações, dor e força de vontade, e que me possibilitou compreender que não é ficando estático e numa atitude de passividade que conseguimos nos transcender à pessoas melhores e sim através da luta e do trabalho árduo. Ser lutador só é imprescindível quando fazemos isso todos os dias e, para isso, mais do que saberes e técnicas, é preciso de muito coração! É aí que o termo “lutar” transcende o dojô e pode ser aplicado na vida. Agradeço enormemente também à todas as pessoas que eu tive a oportunidade de exercer a atividade de professor (tão comentada ao longo desse TCC) de jiu jitsu tanto na Extensão de Jiu Jitsu como em algumas academias de Rio Claro. Ressaltando ainda que a Extensão de Jiu Jitsu da UNESP – Rio Claro foi meu grande “xodó” nestes anos em Rio Claro. Não poderia deixar de agradecer aos participantes dessa pesquisa. Verdadeiros mestres de lutas/ artes marciais e que mostraram que quando se ama profundamente algo, dedicação, compromisso e competência transformam-se em alegria, prazer e realização. E esse “algo” que se ama torna-se então tão imprescindível quanto o ar que respiramos! Se como afirmou Vinícius de Moraes, nós não fazemos amigos e sim os reconhecemos, digo que os “imprescindíveis” são aqueles que reconhecemos pelo coração. Aqui estão apenas alguns dos “imprescindíveis” da minha vida. Devo à eles muito mais do que esse TCC. Devo à eles minha própria vida. Quem é “imprescindível” sabe disso e, por isso, ter ou não ter o nome aqui, torna-se um mero detalhe, inferior ao significado, “imprescindível”, da palavra amizade. À todos, meu MUITO OBRIGADO!!! EPÍGRAFE OS QUE LUTAM “Há aqueles que lutam um dia, e por isso são bons; Há aqueles que lutam muitos dias, e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos, e são melhores ainda; Porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis”. Bertolt Brecht RESUMO As lutas são uma das mais elementares manifestações da cultura corporal, da qual fazem parte também os esportes, as danças, os jogos, entre outros. Estão presentes de diversas formas, sendo muito diversificadas entre si. Entretanto não há na literatura adequações e consensos acerca da prática pedagógica dessas modalidades nas academias de ginástica, clubes e centros esportivos. De que forma os professores as ensinam nestes ambientes? Quais estratégias usam? Como organizam os conteúdos? No que eles se baseiam para efetivar os processos de ensino e aprendizagem? Dessa forma, o objetivo desse trabalho foi analisar algumas aulas de professores de lutas/ artes marciais diferentes, buscando encontrar quais são seus focos, objetivos, metodologias, dinâmicas de aulas e procedimentos didáticos e pedagógicos, visando assim verificar qual é o enfoque da prática pedagógica das lutas/ artes marciais na educação não-formal. Para isso, foi selecionado um professor experiente de cada uma das seguintes modalidades de origem oriental: karatê, judô, jiu jitsu e kung fu. A metodologia utilizada consistiu, primeiramente, em uma revisão de literatura sobre as lutas e a pedagogia do esporte. Além disso, houve uma pesquisa de campo de cunho qualitativo, cujos métodos de obtenção de dados dividiram-se em dois: observações sistemáticas de algumas aulas de cada professor e ainda entrevistas semi-estruturadas com cada um dos professores após o processo de observação das aulas, procurando aprofundar-se na questão da prática pedagógica dessas modalidades. Os resultados obtidos foram analisados por meio de uma análise de conteúdo, cruzando as informações adquiras com os instrumentos utilizados. Além da descrição dos professores e de suas aulas, classificou-se as informações, chegando às seguintes categorias: rituais e cerimônias, tradição e disciplina, procedimentos didáticos e pedagógicos, diferenciações no ensino de crianças e adultos e conformismo, criticidade e criatividade. Também houve a proposição de algumas formas de pedagogizar as lutas, levando em consideração as questões: por que ensinar as lutas, o que ensinar das lutas, como ensinar as lutas, como avaliar o ensino das lutas e, finalmente, pedagogia das lutas, para quê? É possível caracterizar os processos de ensino e aprendizagem das lutas como práticas que focam a repetição mecânica e excessiva de gestos técnicos, pautando-se na hierarquização e grande disciplina imposta, muitas vezes evitando o diálogo. Com isso, o ensino contribui para a construção de atitudes conformistas onde o foco é o movimento e não as pessoas que se- movimentam. Tanto a tradição quanto as concepções pedagógicas analisadas podem contribuir para a melhora da prática pedagógica dessas modalidades. Contudo, a pedagogia do esporte ainda não se apropriou criticamente dos processos de ensino e aprendizagem das lutas na educação não-formal, o que evidencia a necessidade de um “diálogo” maior entre a prática pedagógica centrada na tradição e hierarquia e as concepções pedagógicas discutidas, de forma que se compreenda a importância de cada uma no enriquecimento dessa prática, tornando-a mais significativa e permitindo aos alunos irem além das atitudes conformistas, ascendendo à atitudes críticas e criativas, no qual o foco torna-se o se-movimentar e a aquisição de experiências significativas e não mais os movimentos em si. Palavras chave: Lutas; Artes Marciais; Pedagogia do Esporte; Academias de Ginástica. ABSTRACT The fights are one of the most elementary manifestations of body culture, which are also constituted by sports, dances, games, and others. They are present in a lot of different ways, being very diverse among themselves. However, there is no consensus or agreements in the literature about the pedagogical practice of these modalities in fitness centers, sport clubs and sports centers. How do the teachers teach in these environments? What strategies do they use? How do they organize the contents? In what subjects they are based to execute the teaching and learning process? In this way, the objective of this study was to analyze some classes from different styles of fights/ martial arts teachers, trying to find what are their focus, goals, methodologies, classes’ dynamics and didactical and pedagogical procedures, aiming to check what is the focus of fights/ martial arts´ pedagogical practice in non-formal education. For this, it was selected one experienced teacher from the following modalities of fights from oriental origin: karate, judo, jiu jitsu and kung fu. The methodology used in this study consisted first in a literature review about the fights and sports pedagogy. Furthermore, there was one field research of qualitative nature, whose methods of data collection were divided in two: systematic observations of some classes of each teacher and semi-structured interviews with each teacher after the observation process, looking deeper into the pedagogical practice of these modalities. The results were analyzed through a content analyze, crossing the informations acquired with the instruments used. In addition to the description of these teachers and their classes, there was a classification of information, arriving the following categories: ritual and ceremony, tradition and discipline, didactical and pedagogical procedures, differences in the teaching process of children and adults and conformism, criticism and creativity. There was also the proposition of some ways to pedagogized the fights, considering the topics: the reasons why we need to teach the fights, what we need to teach from the fights, how do we need to teach the fights, how to evaluate the teaching process of fights and, finally, fights pedagogy, for what? It is possible to characterize the teaching and learning process of fights as practices that focus on the mechanic and exhaustive repetition of the technical gestures, basing itself on the hierarchy and discipline required, avoiding the dialogue in a lot of occasions. Thus, the teaching of these practices contributes to the construction of conformist attitudes, where the focus is the movement and not in the person that is moving. Both tradition and pedagogical concepts can contribute to improve the pedagogical practice of these modalities. However, sports pedagogy had not appropriated critically of teaching and learning process of fights, in non-formal education, which highlights the need for a more enthusiastic “dialogue” between the pedagogical practice centered on tradition and hierarchy and the pedagogical concepts discussed in this study, in order to understand the importance of each one in the enrichment of this practice, making it more meaningful and allowing the students to go beyond the conformist attitudes, rising themselves to more critical and creative attitudes, where the focus becomes the person that is moving and the acquisition of more relevant experiences, and not in the movement itself. Keywords: Fights; Martial Arts; Sport Pedagogy; Fitness Centers. SUMÁRIO Página 1. APRESENTAÇÃO_______________________________________________________11 2. INTRODUÇÃO_________________________________________________________17 3. OBJETIVO_____________________________________________________________28 4. REVISÃO DE LITERATURA_____________________________________________29 4.1. As lutas_______________________________________________________________29 4.1.1. Lutas: possíveis origens___________________________________________29 4.1.2. Lutas, Artes Marciais e Modalidades Esportivas de Combate______________35 4.1.3. As lutas e a produção acadêmica na área da Educação Física______________40 4.2. A Pedagogia do Esporte_________________________________________________44 4.2.1. Pedagogia: alguns olhares_________________________________________44 4.2.2. A Pedagogia do Esporte___________________________________________47 4.2.3. A Pedagogia do Esporte e as Lutas__________________________________50 5. MATERIAIS E MÉTODOS_______________________________________________63 5.1. Materiais_____________________________________________________________64 5.2. Amostra______________________________________________________________64 5.3. Observações Sistemáticas________________________________________________66 5.4. Entrevistas semi-estruturadas____________________________________________67 5.5. Análise dos resultados___________________________________________________68 6. RESULTADOS E DISCUSSÃO____________________________________________71 6.1. Descrição das aulas_____________________________________________________72 6.1.1. O professor e as aulas de karatê_____________________________________72 6.1.2. O professor e as aulas de judô______________________________________78 6.1.3. O professor e as aulas de jiu jitsu____________________________________85 6.1.4. O professor e as aulas de kung fu____________________________________92 6.2. Considerações acerca das entrevistas e das observações_______________________99 6.2.1. Rituais e cerimônias______________________________________________99 6.2.2. Tradição e disciplina____________________________________________103 6.2.3. Procedimentos didáticos e pedagógicos______________________________110 6.2.4. Diferenciações no ensino de crianças e adultos________________________116 6.2.5. Conformismo, criticidade e criatividade_____________________________122 6.3. Propondo formas de pedagogizar as lutas_________________________________128 6.3.1. Por que ensinar as lutas__________________________________________130 6.3.2. O que ensinar das lutas___________________________________________135 6.3.3. Como ensinar as lutas____________________________________________144 6.3.4. Como avaliar o ensino das lutas____________________________________152 6.3.5. Pedagogia das lutas, para quê?_____________________________________158 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________________________163 REFERÊNCIAS__________________________________________________________168 ANEXO – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa_______________________________176 APÊNDICES_____________________________________________________________177 APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido______________________177 APÊNDICE B – Roteiro para as observações___________________________________179 APÊNDICE C – Roteiro para as entrevistas_____________________________________180 11 1 APRESENTAÇÃO Sistematicamente, iniciei o meu treinamento no jiu jitsu em março de 2005. Porém, alguns anos antes, tive um contato inicial e superficial com essa modalidade que, porventura de uma lesão no joelho, não pode ser continuado. Entretanto, jamais me esquecerei da primeira vez em que eu pisei em um tatame... Na verdade, a minha relação com o jiu jitsu começou antes mesmo da minha primeira aula. O ano era 2003 e minha mãe havia sido chamada na minha escola, o motivo: eu tinha brigado com um garoto! Não cheguei a bater nele, em todo caso, realmente não tinha sido uma conduta apropriada para aquele lugar! A orientadora educacional conversou muito com minha mãe, de forma sensata e amigável, e disse que minha agressividade “não era normal” e que eu deveria fazer algum esporte. Minha mãe contestou, afinal, pratiquei muitos anos de natação e futebol (era goleiro, mesmo sendo baixo). Mas ela disse que eu deveria fazer alguma luta para poder “descarregar a minha agressividade”. Minha mãe conversou comigo e me propôs praticar alguma luta. Eu que sempre gostei muito de esportes e sempre fui muito competitivo, aceitei depressa. Veio então a dúvida: que esporte fazer? Havia o judô, que parecia ser muito “disciplinador”, o karatê que parecia ter uma “filosofia legal”, o kung fu que tinha um crescente número de praticantes na minha cidade, entre outros. Mas havia um anúncio que me chamou a atenção: nele dizia que eu não precisava ser forte, que poderia me tornar um campeão e ter mais “saúde”. O esporte não era lá muito “bem visto”. Seu nome era jiu jitsu! Nessa época, final de 2003 (eu tinha 14 anos, estava na antiga oitava série), aparecia constantemente na mídia muitos casos de lutadores de jiu jitsu que brigavam na rua, atiravam nas outras pessoas, etc., eram os chamados “pit boys”. 12 Minha mãe claramente ficou com medo do “tiro sair pela culatra” e, ao invés de eu me acalmar, eu me tornar um desses garotos. Mas decidimos arriscar... Portanto nessa minha primeira aula, em setembro de 2003, na verdade foi muito mais do que uma simples “primeira aula”. Depois disso as coisas aconteceram muito rápido. Na mesma época comecei a sentir uma dor muito forte no joelho direito e tive que parar de treinar, com menos de um mês de treinos! Mas costumo dizer que nessa época eu já estava contaminado pelo “vírus do jiu jitsu”. Mesmo afastado dos treinos, eu assistia à todos os programas que eu podia, lia todas as reportagens, revistas e livros que encontrasse, me considerava alguém íntimo da “família Gracie”, mesmo eles não me conhecendo. A partir de então jamais briguei de novo com alguém! Tive que superar também milhares de lesões e até mesmo algumas cirurgias; a primeira, no joelho direito, em julho de 2004, o que me impossibilitou de treinar esse ano todo, tendo recomeçado no jiu jitsu apenas em 2005; a segunda, no joelho esquerdo, em janeiro de 2007 e a terceira (até agora), em dezembro de 2009, no ombro esquerdo, além de diversas outras lesões. Se não diretamente, todos estes problemas foram causados pelos treinamentos. Houve épocas em que eu era um chato, pois não sabia falar de outra coisa. Teve (e continua tendo) várias férias que a única coisa que eu fazia era treinar. Enquanto cursava o Ensino Médio no período noturno (a partir do segundo ano, já com o joelho restabelecido, anos de 2005 e 2006) treinava todos os dias (com a exceção do domingo) de manhã e a tarde. Claro que algumas épocas foram mais focadas nos estudos, como quando fui morar em Rio Claro. Porém, o jiu jitsu nunca me “deixou” ou eu nunca “deixei” o jiu jitsu, até mesmo por teimosia. Tanto que desde o meu primeiro ano de faculdade eu dei aulas de jiu jitsu na UNESP – Rio Claro, no Projeto de Extensão de Jiu Jitsu, além de algumas academias na cidade de Rio Claro. Dessa forma, o jiu jitsu me permitiu o contato com uma série de pessoas, tanto os alunos da extensão, até atletas das mais diversas idades e nacionalidades, incluindo alguns campeões mundiais, que me ensinaram muito, assim como aprendi muito com todos os meus professores e companheiros de treino. Se não posso afirmar que o jiu jitsu é a minha vida, tenho certeza que ele faz parte da minha vida (e uma parte bem importante!). Mas teve algo que sempre me chamou a atenção: a maneira de cada professor, inclusive a minha, de dar aula. Mesmo nos períodos que não pude treinar como um atleta 13 devido à universidade, às lesões, etc., sempre aprendi muito, e aprendia muitas vezes ensinando! Quando estava pensando em qual seria o tema do meu TCC considerei a hipótese de estudar as lutas, sobretudo o jiu jitsu, mas eu pensei “eu já sei tanto sobre o jiu jitsu, as lutas, artes marciais, para que pesquisar mais?” Nunca pensei que pudesse estar tão enganado! Até que em uma conversa com minha orientadora, a professora Suraya, ela disso uma frase que jamais esquecerei: “Luiz, a gente faz muito melhor se gostarmos daquilo que estamos fazendo”. Não foram bem essas palavras, mas o que ela queria dizer era: você é apaixonado por lutas, especialmente o jiu jitsu, não adianta fugir disso! Nessa mesma época, logo após a minha terceira cirurgia (ombro esquerdo) estava impossibilitado de treinar jiu jitsu, porém ia diariamente correr envolta de um parque em minha cidade. Em um determinado dia, me deparei com uma cena que me chamou a atenção: dentro desse parque, em um gramado onde não era permitido que nenhuma pessoa estivesse, porque havia risco de contaminado pelo contato com carrapatos estrela devido à infestação de capivaras ali presentes (e que podiam transmitir febre maculosa), estava um grupo de garotos, mais ou menos da minha idade. Estavam com uma vestimenta bem pesada, em um sol escaldante, descalços (o chão certamente estava muito quente!) e estavam treinando. Não estavam treinando para a prática de futebol, muito menos de basquete, não havia bola presente. Não estavam nadando também, muito menos executando saltos em altura ou distância. Eles estavam lutando, praticando alguma forma de kung fu. Foi então que me perguntei: o que é que as lutas têm? Porque que estes garotos estavam em condições tão adversas como sem calçados nos pés, com uma roupa super quente debaixo de um sol em uma temperatura altíssima, em pleno verão? Turelli (2008) afirma que a forma de se lidar com o corpo nas lutas/ artes marciais se firma, em grande medida, na dor e no sofrimento. Para a autora o corpo dos praticantes torna- se o receptáculo de inúmeras dores, promovendo um sentimento ambíguo de amor e ódio pelo corpo, pois este mesmo corpo que possibilita que seja realizados inúmeros feitos, é também aquele que origina seu sofrimento, sendo ora louvado, ora repudiado. Dessa forma, “os praticantes parecem promover uma elevação no limite de tolerância à dor, submetendo-se a diversos tipos de dores de maneira frequente, tornando-se pessoas indiferentes à determinadas dores” (TURELLI, 2008, p. 108). Ainda segundo Turelli (2008), além da tolerância à dor, possibilitando que os praticantes de lutas/ artes marciais tornem-se indiferentes à dor, é necessário ainda um controle das emoções na prática destas modalidades, no sentido de adequar o corpo às lutas, 14 de modo que ele não desobedeça aos comandos, por meio da preparação física intensa. Como resultado desse processo, “os praticantes tomam para si a modalidade praticada a ponto de que se tornem suas vidas, concordando assim com as exigências feitas pela modalidade acatando geralmente com prazer as peculiaridades do meio marcial” (TURELLI, 2008, p. 109). A partir destas constatações, surge um importante questionamento que pode ser realizado: estas exigências que geram a “pedagogia da dor” das lutas/ artes marciais são feitas pelas modalidades em si ou pelos professores e instrutores que ministram aulas destas modalidades? É claro que as concepções que relacionam os sentimentos de sofrimento e de dor com as lutas/ artes marciais são promovidos pelos próprios professores. Mas por que eles fazem isso? Culturalmente, ao longo de muitos anos, as lutas foram envolvidas por certas características místicas, além de treinamentos intensos. Muitos professores foram formados com estas concepções. Muitos filmes sobre a temática das lutas/ artes marciais ilustram e enaltecem esta relação e, certamente, todos estes fatores influenciam a prática dos alunos dessas modalidades. No caso do exemplo dado anteriormente, os praticantes de kung fu treinando naquelas condições, certamente foram influenciados por diversos fatores que os fizeram crer que aquilo que eles estavam fazendo era certo e, mais do que isso, que era preciso passar por esse sofrimento e por aquelas privações para chegar aos objetivos que eles planejaram. Porém isso me causou muitas indagações. Quais são as concepções difundidas sobre as lutas? Qual é o imaginário proposto pelos filmes de Hollywood? Será que este imaginário é transmitido somente pelas mídias ou pelos próprios professores de lutas/ artes marciais também? E em relação aos professores: qual é a prática pedagógica deles, o que e como eles ensinam dentro das academias? Por que as lutas estão tão intrinsecamente relacionadas com questões de dor, sofrimento e doutrinação, para se atingir os objetivos pretendidos? Há poucos estudos que indiquem como os professores de lutas/ artes marciais ensinam estes conteúdos em academias, clubes e centros esportivos. Será que eles ensinam pelo método analítico sintético, o parcial, ou pelo método global funcional, o método do todo? Será que eles ensinam de acordo com uma estrutura de aula rígida e hierarquizada onde é necessário o silêncio e respeito absoluto, ou será que eles empregam estratégias de jogos e brincadeiras, promovendo a descontração e a ludicidade em determinados momentos? Será que os professores planejam suas aulas e seguem uma sequência de acordo com as aulas anteriores ou não? 15 E em relação aos alunos novos, como é a progressão de aprendizado estabelecida por estes professores? Até mesmo em relação às crianças, poderia ser indagado se elas passam pelo mesmo treinamento dos adultos ou se há diferenciação de treinos para elas. Enfim, há várias possibilidades de questionamentos e dúvidas que podem surgir em relação à prática pedagógica dos professores de lutas/ artes marciais. Sem pretender reduzir demais a análise e desconsiderar todo o “universo simbólico” das lutas/ artes marciais e tudo que ele representa como, por exemplo, a possibilidade de transcendência das práticas das técnicas em si, formando inclusive, o estilo de vida de muitos praticantes, perguntei-me: como os professores ensinam? O que eles ensinam e que estratégias usam? E aí veio então a ideia de juntar tudo, e pensar em qual e como seria a pedagogia das lutas/ artes marciais nas academias de ginástica. Não é de fato um estudo especificamente sobre o jiu jitsu, embora este trabalho também o englobe. Aliás, por mais de uma vez, tive que abrir mão de muitos treinos, preparação de aulas, estudo de técnicas, etc., para escrever esse TCC. Por mais de uma vez esse TCC me pareceu um adversário, como um lutador com a graduação de faixa preta, muito bom, no qual eu tinha dificuldades de finalizá-lo, literalmente! Percebi que escrever é um desafio muito grande, assim como é o jiu jitsu. Percebi que sabia muito pouco sobre o que eu pensava que sabia! Houve momentos que eu ficava cansado, como se fosse uma luta muito dura, com um adversário muito bom e, muito mais do que inspiração, foi preciso muita transpiração! Parafraseando Clarisse Lispector, teve horas que tive que “escrever o borrão vermelho de sangue”, ou, nas palavras de Nietzsche (1996): “(...) de tudo o que está escrito, eu amo somente aquilo que o homem escreveu com o seu próprio sangue. Escreve com sangue e experimentarás que sangue é espírito” (NIETZSCHE, 1996, p.152), assim como em muitos momentos dentro do tatame. Deve-se destacar também o papel não só importante, mas também fundamental dos colaboradores do estudo, verdadeiros mestres em lutas/ artes marciais. Observá-los e entrevistá-los foi uma forma de aprender muito, não só nos aspectos que tangem o ato de ensinar, ou nos conhecimentos de suas respectivas modalidades, mas também de constatar o amor no qual eles fazem este (árduo) trabalho, a dedicação que eles tiveram, a opção por seguir uma vida voltada à modalidade no qual são profundos conhecedores. Isso é algo que me marcou muito e, graças à eles, que este trabalho pode ser escrito. 16 O resultado, mesmo árduo, foi muito gratificante. Longe de ter a pretensão de mostrar um trabalho acabado, fechado, uma proposição “engessada” sobre a pedagogia das lutas/ artes marciais nas academias de ginástica, concentrei-me em mostrar que saber é muito importante, porém, saber ensinar é uma das tarefas mais formidáveis e mais difíceis; mas também uma das tarefas mais gratificantes que se pode ter! 17 2 INTRODUÇÃO A palavra “lutar” pode conter em si uma série de significados que variam de acordo com o contexto. Luta-se pela vida, luta-se por objetivos pessoais, luta-se pela terra, luta-se com um oponente em alguma prática esportiva, e assim por diante. O dicionário Luft (2000) define o ato de lutar (do latim luctari) como: “combater/ pelejar, brigar/ disputar, competir/ trabalhar arduamente, esforçar-se, empenhar-se”. Já o substantivo luta é definido como “ação de lutar/ qualquer combate corpo a corpo/ guerra, peleja/ antagonismo/ esforço, empenho” (LUFT, 2000, p. 431). Ou seja, a palavra luta recebe diferentes significados, de acordo com o contexto na qual é empregada, possibilitando várias possibilidades de uso. Talvez estas definições não reflitam a diversidade e pluralidade de significados que tangem o termo das lutas. De fato, Peirano (apud Stigger, 2005), afirma que “o conformismo começa com a definição”, já que, ao definirmos, limitamos muito a compreensão. Assim, pode ser limitador demais buscar por conceitos e definições prévias e rigidamente construídas, ainda mais quando o objetivo é compreender fenômenos e realidades culturais. O autor reitera: estes conceitos, ao invés de serem esclarecedores, poderão mostrar-se obscuros e redutores de qualquer realidade em estudo (STIGGER, 2005, p. 7). Os múltiplos significados da palavra luta são tão heterogêneos que, até mesmo no Hino Nacional Brasileiro a palavra “luta” aparece na seguinte passagem: “Mas, se ergues da justiça a clava forte1... verás que um filho teu não foge à luta... nem teme, quem te adora, a própria morte” (WIKIPÉDIA, 2010a, grifo nosso). Segundo o site da Wikipédia (2010a), essa passagem do hino enaltece o espírito de luta do povo brasileiro. Dessa forma, antes de pretender encontrar um conceito “rígido e fechado” ao termo das “lutas”, é evidente que, por tudo isso, o ser humano luta há muito tempo, desde as épocas 1 Segundo o site da Wikipédia (2010a), a palavra “clava forte” significa um grande porrete, usado no combate corpo a corpo. 18 mais remotas de sua existência. O ato de lutar surgiu com a própria origem do homem. Em principio, lutar pela comida, lutar com outros animais, lutar com outros homens, lutar para defender a terra (após tornarem-se sedentários), ou seja, lutar para sobreviver. Em termos de esportivização, as lutas compreendem uma série de práticas, com diferenças e similaridades entre si, na qual possuem objetivos distintos. Há lutas em que não se pode tocar no outro, há lutas em que só valem golpes com os braços (punhos), há lutas de agarramento, há lutas que se utilizam de técnicas à distância, há lutas com artefatos, numa infinidade de práticas. É muito difícil precisar uma origem em comum para estas práticas corporais devido ao fato delas terem sido originadas há muito tempo e em lugares muito distintos. Desmembram- se numa infinidade de práticas diferentes. Como exemplos, podemos citar o jiu jitsu na Ásia (primeiro na Índia, depois na China e, finalmente, no Japão), o pancrácio na Grécia e a esgrima no Egito. Ou seja, as lutas são práticas de sobrevivência inerentes ao ser humano que, posteriormente, passaram por um processo de sistematização, validação e regulamentação perante a visão da sociedade nas quais elas estavam inseridas. Estas práticas, denominadas também de artes marciais devido à Marte, considerado o deus da guerra na mitologia romana2 (WIKIPÉDIA, 2010b), foram utilizadas em guerras, em eventos, em competições esportivas, como forma de demonstração, e assim por diante. De fato, as artes marciais transformaram-se ao longo da história em práticas muito amplas e complexas, com diferenças e particularidades entre si. Compreendê-las em sua magnitude é algo muito complicado devido à essa complexidade. A luta em si vai muito além do que a simples submissão de um oponente ou adversário por meios técnicos ou de imposição da força. Para Iedwab e Standefer (2001) a arte marcial também é patriotismo, religião, filosofia e, sobretudo, o modo de ser de um indivíduo. Os autores afirmam ainda que o tema central das artes marciais não é a luta, mas a resolução dos conflitos que fazem parte da vida (IEDWAB e STANDEFER, 2001). Há no contexto das lutas/ artes marciais muita tradição, muito misticismo, muitas histórias envolvidas. Há relatos (embora não comprovados) de feitos sobre-humanos, histórias de façanhas inacreditáveis, lutadores que foram verdadeiros heróis, e assim por diante. 2 Na mitologia grega, o deus da guerra é denominado de Ares (WIKIPÉDIA, 2010b). 19 Até mesmo em alguns filmes sobre lutas/ artes marciais observa-se, por diversas vezes, lutadores capazes de realizar feitos incríveis como derrotar sozinhos uma quantidade muito grande de oponentes, de uma só vez. A história a seguir exemplifica esse misticismo que envolve as artes marciais. A escuridão fora da cidade3 “Um estudante de artes marciais foi visitar um famoso dojô4 de Kyudô (arcoaria Zen) no Havaí. Perguntou ao sensei5 se estaria disposto a ensinar-lhe tudo o que pudesse a respeito de fazer a flecha atingir o alvo. O sensei levantou-se do lugar onde estava ajoelhado, levantou o arco bem alto e baixou-o lentamente até a altura do seu peito cheio de ar. Estirou a corda e soltou-a, lançando a flecha. Um segundo depois, ela estava cravada no meio do alvo. ‘Incrível!’, disse o discípulo. ‘O senhor deve ser o melhor arqueiro da ilha!’. ‘Acho que não’, disse o sensei. ‘Minha mestra é uma excelente artista marcial e foi ela que me ensinou tudo que sei’. ‘Talvez eu deva visitá-la’, disse o discípulo. Pegou a balsa e foi a outra ilha, buscando essa lendária mestra de Kyudô. Curiosamente, a mestra era uma senhora de idade que estirava o arco com força e elegância e enviava flechas certeiras ao centro do alvo. O discípulo aplaudiu-a lentamente e disse: ‘Impressionante! E o que mais a senhora pode me ensinar, que o seu outro discípulo não aprendeu?’ A sensei levantou novamente o arco, encaixando na corda uma nova flecha, conduziu sua mente ao local onde estava cravada a flecha anterior. ‘Nossa!’, exclamou o discípulo. ‘Vou aprender com a senhora! A senhora é a melhor de todos!’. ‘Acho que não’, disse a mestra. ‘Sugiro que você vá conhecer o meu mestre, que mora do outro lado desta ilha, além da montanha’. O estudante pôs uma mochila nas costas e caminhou por vários dias, até que encontrou um velho que morava numa cabana. Chegou à noite e viu o sensei acendendo uma pequena fogueira fora da cabana – a única luz que se via num raio de quilômetros. O discípulo indagou dos segredos da arte desse mestre. O sensei se levantou, saiu de perto da fogueira e disparou uma flecha para o meio da escuridão. ‘Na noite, cai uma folha’, disse ele. O discípulo acendeu uma lanterna e atravessou um campo de vegetação rasteira. Do outro lado do campo, na borda da floresta, encontrou uma árvore, uma faia, em cujo tronco havia se cravado a flecha, que prendera uma folha ao tronco da árvore. O discípulo ficou boquiaberto. ‘Como o senhor foi capaz de acertar essa folha no meio da noite? Como foi capaz de enxergar?’ ‘Fechei os olhos’, disse o mestre. Fez uma reverência e sentou-se de novo junto ao fogo”. 3 Trecho extraído do livro: “Um Caminho de Paz: Um Guia das Tradições das Artes Marciais para Jovens”, páginas 89 e 90. 4Segundo Iedwab e Standefer (2001) dojô vem do japonês, e significa “lugar de aprender e realizar”. É o espaço no qual se desenvolvem normalmente as aulas de lutas/ artes marciais. 5 Segundo Iedwab e Standefer (2001) sensei é uma palavra japonesa que significa “aquele que veio antes”. É comumente usado para caracterizar os professores, os mais graduados, os treinadores e mestres de lutas/ artes marciais. 20 Esse é apenas um pequeno exemplo de tudo que está envolto em relação às lutas/ artes marciais e isso tudo, certamente, deve ser levado em conta durante os ensinamentos de conteúdos de lutas/ artes marciais, independente de onde sejam ensinados. O misticismo e a tradição das lutas/ artes marciais, assim como as condutas, as técnicas, dentre outras, foi algo influenciado por diversos fatores, como o aspecto cultural, por exemplo, transmitido ao longo do tempo em cada civilização, denotando a influência desses fatores associados às modalidades de combate. É possível questionar, por exemplo, o porquê de certas civilizações terem enfocado a luta com armas, enquanto outras privilegiaram a luta sem armas, ou então por que algumas sociedades criaram formas de lutar a distância, com socos e chutes, enquanto outras criaram formas de lutar na denominada luta corpo a corpo, sem a distância e sem a utilização de golpes como chutes e socos. E ainda, como que em duas sociedades distintas que desenvolveram a luta corpo a corpo, por exemplo, para a primeira sociedade é permitido certas condutas (como por exemplo, encostar as costas no chão) enquanto que para a segunda sociedade não isso não é permitido. É como afirmou Holt (1992, p. 130): “aos esportes foram atribuídos sentidos culturalmente muito específicos em diferentes lugares”. Dentro dessa perspectiva, há diversos fatores envolvidos, sendo o cultural um deles. Em relação a esse aspecto, deve-se ressaltar que, como afirmou Daólio (1995), não é possível considerar o homem apenas como um ser biológico, destituído de cultura. O autor afirma que a cultura, mais que consequência de um “sistema nervoso estruturado”, seria um “ingrediente para o desenvolvimento do homem” (DAÓLIO, 1995, p. 32). Dessa forma, é impossível dissociar os fatores biológicos dos fatores culturais do homem primitivo em relação ao ato de lutar. Daólio (1995, p. 33) afirma ainda que, “se houve um desenvolvimento interativo entre os componentes biológicos e socioculturais, um afetando o outro igualmente, não é possível separar esses dois aspectos”. Ou seja, desde os homens primitivos, que lutavam por sua sobrevivência, fatores culturais e biológicos estavam inerentemente associados. Assim, serão destacados na sequência, alguns pontos de vista que salientam o ato de lutar como uma necessidade intrínseca do ser humano, não necessariamente apenas biológica já que, como foi visto anteriormente, não há uma estrita divisão sobre onde diz respeito ao “homem biológico” e onde pertence ao “homem cultural”. Este “aspecto intrínseco” do ato de lutar, chamado de diferentes formas, até mesmo de “instinto”, foi o responsável pela necessidade que o homem teve (e continua tendo) de lutar por sua sobrevivência, e, com o passar do tempo, lutar com algum oponente, não 21 necessariamente um inimigo, simulando golpes nas diversas modalidades esportivas de combate. O primeiro ponto de vista envolve a questão da reação fisiológica da qual o lutar faz parte. Guyton e Hall (2006) caracterizam esse “instinto” de luta do homem de reação de luta ou fuga. Para estes autores, a reação de luta ou fuga (também chamada de reação de alarme simpática) é a ativação do sistema simpático de forma muito forte em muitos estados emocionais, como no estado de raiva, por exemplo. Um animal (como o homem, por exemplo) neste estado decide quase que instantaneamente se ele é capaz de parar e lutar ou se deve fugir. “Esta reação torna as atividades subsequentes do animal (ou ser humano) mais vigorosas” (GUYTON e HALL, 2006, p. 758). Freud também considerava o “instinto” de lutar, denominado por ele de “agressividade”, como algo inerente ao ser humano. Segundo Gay (2007), Freud observou que a agressividade faz parte dos dotes do animal homem: além da guerra e da rapina, há as brincadeiras hostis, calúnias invejosas, brigas domésticas, disputas esportivas, rivalidades econômicas. A agressão está à solta no mundo, alimentada com todas as probabilidades, por uma corrente inesgotável de pressões instintivas (GAY, 2007). Para este autor, “ao distinguir entre pulsão de morte e pura agressão, Freud deu espaço para que seus adeptos separassem os dois elementos mantendo o conceito de duas pulsões em luta” (GAY, 2007, p. 369). Por fim, há a afirmação de Klein apud Gay (2007, p. 369) que diz: “as tentativas repetidas que tem sido feitas para melhorar a humanidade falharam porque ninguém entendeu toda a profundidade e vigor dos instintos de agressão inatos em cada indivíduo”. Há ainda Nietzsche (1987) que afirmou que os homens “desenvolvem seus dons naturais somente através da luta”. Este autor classifica a luta como o agon em seu livro intitulado “A Filosofia na Época Trágica dos Gregos”. O agon representaria a vontade de vencer dos gregos (NIETZSCHE, 1987). Segundo este autor: Assim como cada grego luta como se apenas ele tivesse razão, e como se um critério infinitamente seguro da decisão judiciária definisse em cada instante para que lado tende a vitória, assim também lutam entre si as qualidades, segundo regras e leis invioláveis, imanentes, ao combate. As próprias coisas que a inteligência limitada do homem e do animal julga sólidas e constantes não têm existência real, não passam do luzir e do faiscar de espadas desembainhadas, são o brilho da vitória na luta das qualidades opostas (NIETZSCHE, 1987, p. 24 - 25). 22 Segundo Bettencourt da Câmara (2006) para Nietzsche, o agon ou competição tem por mola o rancor, o ressentimento, a inveja que cada indivíduo experimenta quando confrontado com a excelência de outrem, que procura emular e superar. O potencial auto-regulador do agon é uma consequência intrínseca da própria necessidade e virtude da competição, inerente aos “homens geniais”, nas palavras de Nietzsche (BETTENCOURT DA CÂMARA, 2006, p. 3). Ansell-Pearson (1997) afirma que, para Nietzsche, é a disputa, o agon (na política, nas artes, no esporte e no festival) que serve para sublimar e canalizar os temíveis e agressivos impulsos da natureza humana, assegurando que os ímpetos individuais estimulem o bem estar da totalidade, da sociedade cívica (ANSELL-PEARSON, 1997, p. 90). Já Huizinga (1993), avalia a questão do agon em sua análise sobre o jogo. Para este autor o agon designa um domínio fundamental da vida dos gregos: o domínio das competições e dos concursos. Ainda segundo Huizinga (1993), tanto o agon dos gregos quanto as competições em toda a parte do mundo possuem todas as características formais do jogo, pertencendo ao domínio da festa, do lúdico. O agon é, portanto, uma espécie de jogo que se define por sua função lúdica e pela competição. Tanto os jogos, quanto as competições, assim como as lutas, as disputas e os combates são agonísticos (antagônicos) para os gregos (HUIZINGA, 1993). Huizinga (1993) observa também que o agon pode ser entendido como uma luta de dois princípios: a inexistência de trégua e a inexistência de termo. Para que a luta perdure, impõe-se, de um lado, que os lutadores não cheguem a um acordo de paz, o que seria uma trégua, e, de outro lado, que nenhum deles seja aniquilado pelo outro, o que significaria um termo (HUIZINGA, 1993). Há ainda a afirmação de Mester (1969) que aponta a competição como uma “forma cultivada de luta” e a luta, por sua vez, é uma “forma básica da natureza comportamental do homem” (MESTER, 1969, p. 102). Da mesma forma que Funakoshi (1975) afirma que: “a vida é em si mesma uma luta pela sobrevivência”. Finalmente, constata-se a afirmação de Diem (1967) que salienta que “esporte é luta”, e a luta subentende também a competição (DIEM, 1967, p. 13). Esta afirmação corrobora com Helal (1990) que apontou que o conflito surge como parte integrante do espírito da competição esportiva e não como um problema que precisa ser eliminado ou resolvido. Os competidores ao concordarem com as regras e objetivos do jogo estão cientes do conflito inevitável que surgirá a partir de então. Harmonizam-se para conflituar. E conflituam-se pelo prazer de conflituar, nada mais. “O esporte é uma luta pelo amor à luta” (HELAL, 1990). 23 Elias e Dunning (1992, p. 83) afirmam que “o desporto pode traduzir-se num combate entre seres humanos que lutam, individualmente ou em equipes”. Para os autores, o desporto é “espetáculo da simulação do combate” (ELIAS E DUNNING, 1992, p. 97). Sendo assim, os autores consideram que: O desporto de maneira geral possui o caráter de um combate mimético, controlado e não violento. Uma fase de luta, ou conflito de tensão e excitação, que pode ser exigente em termos de esforços físicos e de técnica mas que pode também ser, em si mesmo, hilariantes, uma libertação de tensões e dificuldades da rotina exterior ao lazer é, habitualmente, seguida de uma fase de decisão e de alívio ao conflito de tensões, quer seja pelo júbilo da vitória ou pelo desapontamento da derrota (ELIAS E DUNNING, 1992, p. 83). Por todas estas definições, afirmações e análises em diversos campos de estudo como a antropologia, a fisiologia, a filosofia, a psicanálise, a sociologia, dentre outros, fica claro que o lutar faz parte da humanidade, sendo um fenômeno tão complexo quanto é essa humanidade. Cabe aqui destacar a contribuição de Betti (1994) que afirma que o ser humano realiza constantemente atividades simbólicas para poder dar valor e orientar suas ações. O autor baseia-se nas idéias de Ludwig von Bertalanffy, que considera que “todas as noções usadas para caracterizar e explicar o comportamento humano são consequência ou derivam de universos simbólicos, não podendo ser reduzidas a impulsos biológicos, instintos psicanalíticos ou reforço de satisfação” (BETTI, 1994, p. 15). Daólio (1998) também relaciona o universo e a manipulação de símbolos no processo de criação e transformação das modalidades esportivas, como as lutas, por exemplo. Segundo o autor: Esse processo de criação e de transformação de uma modalidade esportiva dá-se por meio de uma manipulação de símbolos, característica que distingue o homem de outros animais. O homem vai atribuindo significados a tudo o que faz, procurando dar sentido às suas ações. São esses significados que diferenciam os inúmeros grupos humanos espalhados pelo mundo e ao longo da história. Assim, uma mesma modalidade esportiva, mundialmente codificada com regras e técnicas definidas por uma confederação, é praticada com estilos diferentes, porque os significados a ela atribuídos pelos diversos grupos são diferentes (DAÓLIO, 1998, p. 112, grifo nosso). Enquanto práticas corporais, as lutas/ artes marciais exercem, dentro deste universo simbólico na qual elas fazem parte, uma influência muito grande na vida dos homens dos mais diversos grupos sociais, conforme salientou Daólio (1998). Observa-se, por exemplo, que muitas crianças, desde bem jovens, possuem algumas brincadeiras de lutar, tanto com amigos, quanto sozinhas. 24 Há atualmente inúmeros desenhos animados (“cartoons”) que enfocam a questão das lutas, dos combates e dos conflitos em seus enredos e que certamente influenciam na formação e no imaginário de muitas crianças. Para Funakoshi (1975, p. 128): “as crianças começam a brincar de luta tão logo chegam à idade de entreter-se com qualquer tipo de jogo”. Nessa mesma direção, Nakamoto e Amaral (2008) afirmam que as crianças lutam pelo desejo de mimetizar e incorporar, através dos gestos, falas, golpes, vestuários e rituais os guerreiros das histórias com as quais elas têm contato. Existe também a indústria cinematográfica que há muito tempo vem produzindo filmes dentro do contexto das lutas/ artes marciais. Como exemplos de alguns filmes há: os filmes protagonizados por Bruce Lee e Jackie Chan, clássicos como “Karatê Kid” e a saga de “Rocky” (estrelados por Silvestre Stallone), filmes premiados como “Menina de Ouro” (“Million Dollar Baby”) e “Gladiador” (“Gladiator”), além de filmes como “Matrix”, “O lutador” (“The Wrestler”), “Clube da Luta” (“Fight Club”), além de tantos outros. Esses são alguns filmes em que o foco central são as lutas/ artes marciais, mas há ainda inúmeros filmes onde aparecem as lutas/ artes marciais, mesmo que por alguns instantes. Breda et al. (2010) afirmam que no Brasil, as lutas criaram notoriedade maior entre os não orientais no início da década de 1970, com os filmes do ator chinês Bruce Lee (cujo verdadeiro nome era Lee Jun Fan). Para o povo brasileiro, as lutas foram apresentadas dessa forma, como algo fora do comum e, por vezes, violento, cujos praticantes poderiam até mesmo voar (BREDA, et al., 2010, p. 57 – 58). Nakamoto e Amaral (2008) comentam também que é comum que atletas de modalidades de luta afirmem que procuraram tais práticas motivados por filmes, desenhos e seriados de lutas/ artes marciais. Gomes (2008) sugere que as características de tradição, disciplina e filosofia são inerentes às lutas/ artes marciais e costumam ser o maior atrativo para os alunos que buscam uma determinada modalidade. Como consequência, os esportes de combate estão crescendo muito em relação ao número de expectadores e de praticantes. Devido, dentre outros fatores, ao grande número de opções de práticas, cada uma tentando atender determinados gostos, vontades e expectativas de seus praticantes, os esportes de luta/ artes marciais crescem vertiginosamente, contendo até mesmo algumas práticas nas Olimpíadas, como é o caso do judô, do taekwondo, da esgrima, do boxe amador, e do wrestling (luta olímpica). Para Gomes (2008), a popularidade de algumas modalidades aumenta cada vez mais o interesse de crianças, homens, mulheres, idosos e grupos com necessidades especiais, tais como de pessoas com deficiência, por essas práticas (GOMES, 2008, p. 21). A autora afirma 25 ainda que as Lutas (com o “L” maiúsculo, referindo-se ao fenômeno das lutas em suas diversas formas de manifestação) estão extremamente difundidas nos clubes e academias, ou seja, a educação não formal, sendo fragmentadas em modalidades que tendem a preservar suas origens e formar alunos, atletas e mestres, que procuram estas instituições em diferentes idades (GOMES, 2008). Sendo assim, quais são os procedimentos pedagógicos ensinados nas academias de ginástica para os conteúdos das lutas/ artes marciais? Quais são as práticas estabelecidas pelos professores, suas metodologias e dinâmicas de aulas? Em quais modelos e em quais concepções estão baseados o ensino das lutas? O contexto do ensino das lutas envolve ainda muito misticismo e práticas embasadas em experiências de cunho prioritariamente prático, holístico e intuitivo. Gomes (2008) afirma que a transmissão dos conhecimentos é baseada nas especificidades de cada modalidade de luta, ensinando aos alunos movimentos determinados, que em geral carregam consigo toda a cultura e história da modalidade (GOMES, 2008, p. 21). Breda et al. (2010) constata que durante séculos as lutas foram ensinadas de forma rústica e disciplinadora e sofreram poucas mudanças dentro dos processos de ensino- aprendizagem. Os autores acreditam que a ciência e a pedagogia têm contribuído muito para o desenvolvimento do esporte, aproximando-o das lutas, buscando enriquecer as aulas de lutas com a inserção dos conhecimentos da Educação Física, assim como enriquecer as aulas de Educação Física com os conhecimentos das lutas (BREDA et al., 2010, p. 151). A pedagogia das lutas/ artes marciais é baseada, prioritariamente, na tradição. A tradição foi responsável por envolver estas práticas em um universo complexo, abrangente e, muitas vezes, místico, e, portanto, deve ser considerada. Porém, a pedagogia e, mais especificamente, a pedagogia do esporte, pode contribuir também para a pedagogia das lutas, não de forma a excluir o que a tradição construiu, mas sim ressignificando certas características, aprimorando as formas de ensiná-las nas academias de ginástica. Ainda perdura, em alguns casos, a imagem do mestre inflexível e doutrinador, do discípulo valente e destemido e do treinamento árduo, maçante e agressivo, sem se preocupar com a recuperação e o descanso ou outros aspectos referentes ao treinamento esportivo. Gichin Funakoshi, fundador do estilo de Karatê Shotokan relata uma interessante passagem sobre a dureza do treinamento de karatê, sendo bem crítico a essa visão: “No karatê há um kata chamado nukite (...) o praticante começa a exercitá- lo golpeando feijões dentro de um barril todos os dias durante horas e horas (...) os dedos ficam dilacerados pelo exercício, e as mãos sangram (...). Então o feijão é substituído por areia, pois esta é mais concentrada e os 26 dedos encontram maior resistência (...). O treinamento seguinte é feito com pedregulho, até que, aqui também depois de longa prática, o sucesso é alcançado. Finalmente, bolinhas de chumbo substituem o pedregulho. Depois de sessões de treinamento longas e vigorosas, os dedos estão suficientemente fortes...” (FUNAKOSHI, 1975, p. 23). Em outra passagem o autor relata a exaustiva e mecânica repetição de movimentos que ele era obrigado a realizar: “Esta repetição constante de um único kata era estafante, muitas vezes exasperante e ocasionalmente humilhante. Mais de uma vez tive de lamber o pó no assoalho do dojô ou no pátio...” (FUNAKOSHI, 1975, p. 21). Entretanto, o autor admite que: “O que você aprender ouvindo as palavras de outros será esquecido rapidamente; o que você aprender com seu corpo todo será lembrado para o resto da vida” (FUNAKOSHI, 1975). Drigo (2007, p. 22) afirma que as lutas pouco evoluíram em suas estruturas administrativas, técnicas, profissionais e também em seus valores, muitas vezes negando até a evolução da própria sociedade. Mas será que é esse o modelo que deve ser empregado no ensino das lutas? Ora, e se não for esse o modelo, qual é o modelo que deveria ser utilizado? Como abranger todos estes significados analisados anteriormente? Todo o contexto histórico desde suas origens? Todas as vertentes de significados que fazem parte do universo das lutas/ artes marciais, sem reduzirmos ao ensino simplesmente das técnicas e movimentos6, abrangendo os campos do misticismo, da paixão, da filosofia, do “caminho7” das artes marciais, porém sem se dispersar demais a ponto de não enfatizar (e até mesmo não ensinar) a modalidade específica na qual se pretende trabalhar? Enfim, por que ensinar as lutas? O que ensinar das lutas? Como ensiná-las? E, finalmente, como avaliar o processo de ensino e aprendizagem das lutas? Estas são algumas das perguntas que podem surgir em se tratando do ensinar as lutas/ artes marciais. Afinal, como é o ensino das lutas em academias de ginástica? Como é a pedagogia das lutas/ artes marciais nas academias de ginástica? Segundo Reid e Croucher (1983) existem em torno de trezentos e cinquenta formas de lutas diferentes no mundo. Como não seria possível observar e entrevistar professores de todas as lutas/ artes marciais existentes, foram selecionados quatro professores das quadros modalidades mais praticadas no Brasil, sendo todas de origem oriental, região onde a 6 Mauss apud Daólio (2007) define técnicas corporais como sendo “as maneiras pelas quais os seres humanos, de forma tradicional e específica, utilizam seus corpos” (DAÓLIO, 2007, p. 4). 7 Em japonês, a palavra “do” significa caminho (IEDWAB E STANDEFER, 2001). É muito comum encontrar diversas modalidades ou concepções relacionadas às artes marciais que possuem esse termo, como o karate-do, o judô, o aikido e o budo, por exemplo. 27 importância das lutas/ artes marciais excede os limites da prática esportiva. Breda et al. (2010, p. 28) afirmam que as lutas de origem oriental possuem milhares de adeptos em nosso país. Portanto, foram selecionadas as seguintes modalidades: � Jiu Jitsu: segundo da Costa (2006a) e o site da Wikipédia (2010c) é o esporte individual que mais cresce no país, possuindo cerca de trezentos e cinquenta mil praticantes com mil e quinhentos estabelecimentos de ensino somente nas grandes capitais, além de ser uma modalidade inserida em algumas universidades, como é o caso da Universidade Gama Filho (DA COSTA, 2006a; WIKIPÉDIA, 2010c). � Judô: segundo da Costa (2006b) é um dos esportes mais praticados no Brasil, sendo amplamente praticado nas escolas, clubes e academias de ginástica. Há cerca de duzentos mil praticantes filiados e um número total de praticantes estimado entre um e dois milhões, havendo mais de quatro mil academias e associações de judô no país. Além disso, o judô brasileiro situa-se entre as sete nações mais competitivas do mundo na modalidade, estando entre as três melhores da América Latina (DA COSTA, 2006b). � Karatê: segundo da Costa (2006c) há diversas confederações no Brasil que regulamentam a prática do Karatê, além da Federação Mundial de Karatê que objetiva integrá-lo como modalidade olímpica. No Brasil, há federações em todos os estados, compondo um número estimado de dois mil locais de prática, com cerca de oitocentos mil praticantes entre todas as diferentes escolas e estilos (DA COSTA, 2006c). � Kung Fu: segundo da Costa (2006d) no Brasil há vinte e três federações estaduais e Kung Fu, amparadas pela Confederação Brasileira de Kung Fu que é filiada ao Comitê Olímpico Brasileiro. São cerca de três mil quinhentas e oitenta academias no país, abrigando cerca de duzentos e trinta mil e cem praticantes (média de aproximadamente sessenta e quatro alunos por academia), gerando cerca de vinte e quatro mil e setecentos empregos diretos (DA COSTA, 2006d). 28 3 OBJETIVO O objetivo desse trabalho foi analisar a prática pedagógica das lutas nas academias de ginástica, tendo como referencial teórico estudos da área da pedagogia do esporte. Para isso, em um primeiro momento, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre as lutas/ artes marciais e a pedagogia do esporte, relacionando por fim a pedagogia do esporte e as lutas, traçando um panorama conceitual sobre essas duas áreas. A pesquisa de campo, empírica, foi realizada por meio de observações sistemáticas de aulas de lutas/ artes marciais de quatro modalidades de origem oriental: o jiu jitsu, o judô, o karatê e o kung fu. Além disso, os professores observados foram entrevistados no final do processo das observações, por meio de entrevistas semi-estruturadas. Finalmente, se comparou os dados dos procedimentos empíricos com a análise teórica, propondo assim, novos procedimentos, estratégias e formas de se ensinar as lutas nas academias de ginástica, clubes e centros esportivos. 29 4 REVISÃO DE LITERATURA 4.1 As lutas 4.1.1 Lutas: possíveis origens “Luta: arte de transformar instinto em estratégia.” Autor desconhecido Não será feita uma extensa revisão histórica a respeito das lutas, porque a intenção é simplesmente contextualizar a questão das possíveis origens dessas práticas, visando proporcionar um panorama geral de análise, facilitando assim, a compreensão desse fenômeno. Para se entender as possíveis origens das lutas, é preciso analisar o homem nos primórdios dos tempos, no período intitulado de “pré-história”. Primeiramente é necessário fazer uma ressalva em relação a essa denominação. Para Vicentino e Dorigo (2001), a idéia de uma “pré-história” contempla a noção de progresso histórico na qual a humanidade evoluiria de estágios menos aperfeiçoados para situações melhores, conforme o tempo se passa e as civilizações se sucedem (VICENTINO e DORIGO, 2001, p. 21). Essa idéia considera então que o que veio “antes da história”, ou seja, antes da escrita, há mais ou menos quatro mil anos antes de Cristo, pertence a civilizações inferiores, enquanto que a história faz parte da “civilização superiora”, uma alusão ao pensamento de dominação de algumas nações européias (VICENTINO e DORIGO, 2001, p. 21). Portanto, Vicentino e Dorigo (2001) afirmam ser impossível comparar duas culturas diferentes para tentar estabelecer a superioridade de uma em relação à outra. Com isso, os 30 cuidados ao se estudar a “pré-história” devem ser postos de forma a manter a capacidade de perceber as coisas de um ponto de vista “não evolutivo” (VICENTINO e DORIGO, 2001, p. 22). Denominações como “período primitivo” também pode esconder traços de um “período inferior”, assim como a concepção de “pré-história”. Dessa forma, onde estiver escrito “pré-história” (termo historicamente consagrado) poderá ser entendido como o “primeiro período histórico” compreendendo uma a concepção não mais eurocêntrica, dando a devida importância a esse importante período da história da humanidade. Daólio (2007) considera que o profissional de educação física (...) precisa “saber ler, aceitar e compreender os significados originais do grupo alvo de seu trabalho (...) considerando também os seus significados e aqueles atribuídos ao longo da tradição da cultura corporal de movimento” (DAÓLIO, 2007, p. 55 – 56). Daí a importância de se compreender as transformações históricas das lutas. Cabe ainda uma última ressalva. Os conhecimentos sobre “pré- história” são derivados de fragmentos obtidos em escavações e, como todo conhecimento científico, ele é válido enquanto não for refutado por novas descobertas, estudos e teorias (VICENTINO e DORIGO, 2001, p. 21). Assim, as concepções podem ser alteradas repentinamente, mudando o fluxo da história e o que se pensava anteriormente. Embora muito já foi descoberto, a “pré-história” ainda é um contexto incerto e que pode apresentar sempre algumas novidades. Para Vicentino e Dorigo (2001), este período histórico pode ser divido em dois grandes períodos: o paleolítico, que teve início há aproximadamente dois milhões e setecentos mil anos antes de Cristo e o neolítico que teve início há cerca de quarenta mil anos antes de Cristo. Dentro do período neolítico há dois subgrupos: a Idade da Pedra Polida e a Idade dos Metais. Será avaliada a seguir então a questão das lutas durante o período da “pré-história”. Ramos (1982) afirma que “o homem pré-histórico, no primórdio do seu primitivismo, tinha sua vida cotidiana assinalada, sobretudo, por duas grandes preocupações: atacar e defender-se (...) ele era mais músculo do que cérebro” (RAMOS, 1982, p. 16). Ainda segundo Ramos (1982), o homem primitivo “arremessava pedras e paus em alvos quase sempre móveis; usava suas mãos, seus punhos e machados para golpear ou executar certos trabalhos; lutava, em terrível combate corpo a corpo, empregando sua inteligência, pouco desenvolvida para vencer homens e animais...” (RAMOS, 1982, p. 52). 31 Nesta mesma abordagem, há que o homem “pré-histórico”, segundo Marinho (1980), disputava o interior das cavernas com animais de grande porte sustentando com eles combates mortais (MARINHO, 1980, p. 26) Ainda para Marinho (1980): Os homens pré-históricos, pelas condições de vida a que os obrigava o ambiente físico, pelo perigo a que se expunham constantemente, pela necessidade de proteger-se cada vez melhor, pelas lutas de morte a que se condicionava a sua própria sobrevivência, possuíam excepcionais qualidades físicas, que governavam com inteligência superior à dos outros animais. (MARINHO, 1980, p. 28). Ramos (1982) utiliza a terminologia de “práticas utilitárias” para destacar as atividades do homem da “pré-história”. Para este autor, os homens pré-históricos realizavam “...uma série de práticas utilitárias que, observadas e imitadas, possibilitaram-lhe, vivendo em um ambiente hostil, melhor apurar seus sentidos, forças e habilidades” (RAMOS, 1982, p. 16). Constata-se que estas atividades tinham, prioritariamente, relação com a sobrevivência dos homens (daí o nome de “práticas utilitárias”). Dentre estas atividades, Rice e Hutchinson (1952) destacam a busca por comida (do inglês search for food) como uma das principais práticas do homem “pré-histórico”. Para estes autores, o homem que vivia no período intitulado de “pré-história” tinha que subir em árvores em busca de frutas e nozes e tinham que caçar nas florestas os raízes e outros alimentos. Eles precisavam ficar à espera das presas em rios e no mar, e até mesmo combater com outros animais pela comida. Para levar vantagens em relação aos outros animais ele tinha que desenvolver sua inteligência, sua força e sua resistência (RICE e HUTCHINSON, 1952, tradução nossa). Também segundo Rice e Huntchinson (1952), os métodos de aquisição de comida desenvolveram um corpo em “qualidades superiores” nos homens da “pré-história” (tradução nossa). Já Ramos (1982) afirma que os exercícios físicos do homem “pré-histórico” baseavam-se em quatro grandes causas: a luta pela existência, os ritos e cultos, a preparação guerreira e os jogos e práticas atléticas. Em relação à luta pela existência, desde os homens mais rudimentares observa-se que eles tinham que lutar para sobreviver. Estes movimentos eram aprendidos por meio de imitação, e foram desenvolvidos pelo método de tentativa e erro, pois não havia um 32 treinamento consciente e sistemático, centrando-se nas atividades de atacar e defender-se (RAMOS, 1982). Não é possível excluir as outras atividades que o homem “pré-histórico” realizava, destacando à função de lutar como forma de assegurar a sua sobrevivência. Para Ramos (1982) as atividades físicas das sociedades “pré históricas” “dentro dos aspectos natural, utilitário, guerreiro, ritual e recreativo – objetivavam a luta pela vida, os ritos e cultos, a preparação guerreira, as ações competitivas, e as práticas recreativas” (RAMOS, 1982, p. 17, grifo nosso). Sobre a “preparação guerreira” citada por Ramos (1982), deve-se destacar que, provavelmente, ela não foi uma preocupação prioritária do homem “pré-histórico”, pelo menos não desde o início. Se for levado em conta que as funções elementares do homem baseavam-se em ações como o atacar e o defender-se (RAMOS, 1982) e o procurar por comida (RICE e HUTCHINSON, 1952), em princípio, o treinamento provavelmente foi deixado de lado. Porém constata-se que, certamente, em determinado momento, impossível de precisar, o homem “pré-histórico” averiguou que se ele se preparasse para estas atividades, a chance dele se sair bem sucedido aumentaria muito. Outro fator que também pode ter influenciado o homem “pré-histórico” a procurar e aprimorar-se no treinamento foi a necessidade de defender-se de outros seres. É muito provável também que, com o processo de sedentarização e a sua consequente necessidade de defender a terra, a preparação guerreira tornou-se fundamental. Para Ramos (1982), “...numerosas foram as práticas empregadas na preparação guerreira dos jovens selvagens. As tribos impunham-se pela bravura dos seus guerreiros” (RAMOS, 1982, p. 16). Já no período final da “pré-história”, o homem passa por um “processo de civilização”. Segundo Ramos (1982), a vida torno-se menos dura, os homens já não lutavam tanto, pois moravam em pequenos aglomerados urbanos, trocavam produtos, possuíam propriedades privadas não mais tendo que serem nômades e sim sedentários, com atividades agrárias, criações de animais, etc. Neste período, o homem sentiu que era necessário adestrar os seus descendentes, através de exercícios naturais, de caráter utilitário e guerreiro, a fim de torná-los mais corajosos, fortes, ágeis e resistentes (RAMOS, 1982, p. 54). 33 Ou seja, pode-se concluir que, como afirmou Ramos (1982), “o homem no estado de primitivismo, praticou uma verdadeira educação física natural e utilitária que, com o passar dos tempos, vai se tornando, cada vez mais, artificial e sistematizada” (RAMOS, 1982, p. 51). Talvez por isso seja necessário caracterizar, como afirmado anteriormente, que as atividades do homem “pré-histórico” foram “atividades de sobrevivência” e que mais tarde originaram-se as lutas. Esse processo de transformação de “atividades de sobrevivência” para as diferentes modalidades de combate é muito difícil de precisar já que as lutas surgiram em tempos diversos, praticadas com diferenças e similaridades entre si, todas engajadas na questão do embate, do combate, ou seja, do ato de lutar. Com relação às modalidades de combate/ lutas, talvez nunca seja encontrado uma origem em comum. O mais próximo da “origem” das lutas que se pode especular correspondem às “atividades de sobrevivência” do homem da “pré-história”. Segundo Virgílio (1994), os primeiros indícios da utilização pelo homem de algumas formas primitivas de luta individual e sem armas datam de três a quatro mil anos antes de Cristo. Antes disso o conhecimento se perde no tempo, mas a própria sobrevivência do homem supõe alguma forma de luta (VIRGÍLIO, 1994, p. 32). A partir de três mil anos antes de Cristo, os indícios de povos que lutavam são mais nítidos e numerosos, o que possibilita afirmar que todos os povos da antiguidade já praticavam alguma forma de luta esportiva ou bélica, como é o caso dos hindus, dos chineses e dos povos da Europa, das Américas e da Ásia, por exemplo, no Japão, onde são conhecidas formas de lutar há, pelo menos, dois mil anos antes de Cristo (VIRGÍLIO, 1994, p. 32). Duarte (2004) comenta que “...a luta [wrestling, ou luta olímpica] é tão velha quanto o homem” (DUARTE, 2004, p. 349). Esse mesmo autor afirma que “o boxe é citado desde Homero, em que a luta, praticada sem luvas, era realizada em momentos festivos” (DUARTE, 2004, p. 115). Em outra passagem há que: “a luta [wrestling, ou luta olímpica] é citada em murais egípcios datados de 2.300 a.C.” (DUARTE, 2004, p. 349). Ramos (1982) destaca ainda que no Egito, a luta livre, o boxe e a esgrima com bastão juntamente com a natação e o remo foram os esportes de maior aceitação naquela região, muito antes da civilização grega e romana. Os romanos, muitos anos depois, aperfeiçoaram muitos golpes egípcios e estabeleceram regras de competição, criando assim a luta greco- romana (RAMOS, 1982, p. 17). Nas civilizações orientais também encontramos diversas formas de lutas, dentre elas o que Ramos (1982) destaca o “Cong Fou” na China e o Jiu Jitsu no Japão. 34 Surgiram nas diferentes sociedades espalhadas pelo mundo, variados tipos de manifestações corporais relacionadas à temática das lutas/ artes marciais ao longo da história do homem, produzindo um número de práticas muito variado e uma riqueza de práticas e significados muito grande. É interessante observar, por exemplo, que em duas sociedades bem diferentes, houve o surgimento de formas de lutar com muitas similaridades, como é o caso do wrestling, (ou luta olímpica) na Europa, e o huka-huka8, no Brasil. Em ambas não se pode colocar as costas no chão, na posição de decúbito dorsal. Deve-se ressaltar, no entanto, que o “surgimento” das lutas não foi algo “natural” ou que “nasceu do nada” e sim processo de muitas transformações vividas pelas sociedades. O surgimento dessas manifestações corporais relacionadas às lutas não foi retilíneo e sim provocados por inúmeras mudanças, rupturas e, muitas vezes, considerando apenas a visão dos povos dominadores sobre os povos dominados. Breda et al. (2010) afirmam que precisar o surgimento das lutas não é possível, uma vez que não se trata de uma ação isolada de um homem ou grupo que a propôs, mas, sim, de uma construção sociocultural que a foi modificando e dando novos significados ao longo do tempo. As lutas são construções socioculturais vinculadas a determinados contextos históricos. A partir desse contexto histórico, cada prática vincula-se à sua própria história. Algumas práticas possuem, inclusive, histórias muito difundidas e personagens célebres. Outras práticas já foram até extintas e talvez jamais se tornem conhecidas. Há ainda aquelas práticas que continuam sendo difundidas na atualidade, ocorrendo o aumento de sua popularidade, assim como o número de praticantes e o seu reconhecimento perante as pessoas de modo geral. Algumas práticas de lutas sofreram um processo de esportivização, transformando-se em modalidades esportivas enquanto que outras não passaram por esse processo, não sendo consideradas práticas deliberadamente esportivizadas. Como afirmam Martins e Kanashiro (2010), frequentemente a história das artes marciais tem sido transmitida sem uma visão contextualizada do ponto de vista histórico e social dos fatos. Para os autores, as artes marciais, que outrora estavam ligadas ao universo guerreiro e ético-religioso de outras culturas, passaram no transcurso do tempo a ser consideradas práticas da cultura corporal com apelo esportivo e também educacional (MARTINS e KANASHIRO, 2010, p. 638). 8 Luta típica dos povos indígenas do Xingu, no Brasil, cujo objetivo é derrubar o adversário com as costas no chão ou agarrar suas pernas. Marca o ritual de passagem dos jovens para a idade adulta (PILI, 2010). 35 Nos próximos capítulos serão analisadas as diferentes terminologias utilizadas para caracterizar as lutas/ artes marciais e, posteriormente, o contexto de publicações científicas relacionados ao universo das lutas/ artes marciais em nível nacional. 4.1.2 Lutas, Artes Marciais e Modalidades Esportivas de Combate “Na realidade, em cada instante, a luz e a sombra, o doce e o amargo estão juntos e ligados um ao outro como dois lutadores, dos quais ora a um, ora a outro cabe a supremacia. O mel é, (...) simultaneamente, amargo e doce, e o próprio mundo é um jarro cheio de uma mistura que tem de agitar-se constantemente. Todo o devir nasce do conflito dos contrários; as qualidades definidas que nos parecem duradouras só exprimem a superioridade momentânea de um dos lutadores, mas não põem termo à guerra: a luta persiste pela eternidade fora. Tudo acontece de acordo com esta luta, e é esta luta que manifesta a justiça eterna. É uma idéia admirável, (...) que considera a luta como a ação contínua de uma justiça homogênea, severa, vinculada a leis eternas.” Nietzsche (1987) Essas três terminologias, Lutas, Artes Marciais e Modalidades Esportivas de Combate, representam o universo, que é envolto por múltiplos significados e contextos plurais, dessa temática da cultura corporal. Será analisado, a seguir, alguns estudos que abranjem os conceitos das diferentes terminologias, enfatizando as convergências e divergências que possam existir. Rufino e Darido (2009b) afirmam que não há um consenso na área da Educação Física sobre qual a nomenclatura [lutas, artes marciais ou modalidades esportivas de combate] é a mais correta ou “ideal” para ser usada e provavelmente ela nem exista. Correia (2009), por exemplo, aponta que as lutas e as artes marciais se constituem num amplo espectro de manifestações culturais, com características muito diversas entre si. É possível realizar uma discussão densa e, muitas vezes imprecisa, sobre as diferenças, os limites e as especificidades das denominadas “Lutas, Artes Marciais, Modalidades Esportivas de Combate, Defesa Pessoal ou Técnica de Combate” (CORREIA, 2009, p. 28). Em outro estudo, Correia e Frachini (2010) admitem que o termo “luta” possui um investimento diversificado de representações e significados, o que lhe confere uma dimensão “polissêmica”. Em relação ao contexto dos embates físicos/ corporais, o termo “luta” é circunscrito por intenções de subjugações entre os sujeitos a partir de conflitos interpessoais e, algumas vezes, por conteúdos humanos contraditórios e ambivalentes. 36 Já o termo “arte marcial”, configura o contexto das práticas corporais a partir da noção de “metáfora da guerra”, pois estas práticas derivam de técnicas de guerra. A dimensão ética e estética é destacada, identificada pela própria nomenclatura de “arte”, identificada como demanda expressiva, inventiva, imaginária, lúdica e criativa (CORREIA e FRANCHINI, 2010). O dicionário Luft (2000) define a palavra arte como sendo “um conjunto de regras para bem fazer uma coisa; habilidade; perícia com que se faz algo; atividade criadora que expressa, de forma estética, sensações ou idéias”. Dessa forma, para Rufino e Darido (2009b) o nome arte marcial está relacionado com questões holísticas e filosóficas, por exemplo, abrangendo outras concepções de corpo e movimento, diferentes daqueles atribuído à terminologia das lutas. Correia e Franchini (2010) definem também o termo “modalidades esportivas de combate” como uma configuração das práticas de lutas, das artes marciais e dos sistemas de combate sistematizados em manifestações culturais modernas, orientadas pelas instituições desportivas. Em comum, as lutas, as modalidades esportivas de combate e as artes marciais possuem um universo amplo de manifestações antropológicas de natureza multidimensional e complexa (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 2). Já Lorenzo, Silva e Teixeira (2010), afirmam que as lutas são práticas que possuem embates corporais, enquanto que as artes marciais tem como significado método de guerra ou conjuntos de preceitos que um guerreiro deve ter e fazer uso. Estes autores afirmam ainda que há nas artes marciais uma filosofia baseada em preceitos éticos, estéticos e morais e quase sempre foram utilizadas como legítima defesa. Essa visão é contestada por Correia (2009) que alega não ser possível generalizar a ponto de garantir que todas as inúmeras artes marciais possuem preceitos filosóficos. O autor indaga sobre o que caracterizaria um “sistema filosófico” para as artes marciais e ainda questiona se, caso uma arte marcial não tivesse filosofia, ela deveria ser depreciada ou não. Constata-se também outra contradição. Se como afirmou Lorenzo, Silva e Teixeira (2010) artes marciais caracterizam-se como método de guerra, ou preceitos que um guerreiro deve utilizar, será que realmente as artes marciais estão, de forma generalizada, embasadas somente em preceitos éticos, estéticos e morais? Será que eram esses os preceitos de maior relevância durante os combates na guerras? Lorenzo, Silva e Teixeira (2010) relatam ainda que na luta, o que importa é o ato de atacar, enquanto que nas artes marciais o que importa é, prioritariamente, a defesa. 37 Outra contradição. Se as artes marciais foram utilizadas na guerra como que elas baseiam-se simplesmente no defender-se? Em uma guerra, seria uma opção muito arriscada esperar o inimigo atacar para, somente então, defender-se dos ataques (a não ser que haja alguma estratégia de contra ataque envolvida, o que não significa defender-se e sim esperar o outro oponente atacar para, finalmente, realizar o ataque). Finalmente, os autores salientam que “toda arte marcial contém uma luta, mas nem toda luta é uma arte marcial” (LORENZO, SILVA e TEIXEIRA, 2010). Em um outro estudo, Turelli (2008), define artes marciais como um conjunto de ações que compreende técnicas de luta que requerem incansável treinamento para sua incorporação e, ao mesmo tempo, são também o caminho do guerreiro, composto por atitudes específicas, dentre as quais a mais elevada consiste em vencer a si mesmo. A autora relata ainda que as lutas tornaram-se parte importante do processo de esportivização das artes marciais (TURELLI, 2008). Dessa forma, ela compreende a terminologia das lutas da mesma forma que Correia e Franchini (2010) compreendem o termo modalidades esportivas de combate. Já Lee (2005) apresenta outra definição ao termo “arte marcial”. Ele afirma que as artes marciais baseiam-se no entendimento, no trabalho árduo e na total compreensão das técnicas, fazendo a ressalva que a total compreensão de todas as técnicas das artes marciais é algo muito difícil de ser alcançado. Este mesmo autor ratifica a sua definição dizendo que nas artes marciais, tudo o que aprendemos são técnicas adquiridas (LEE, 2005, p. 14). Assim, para esse autor, o significado do termo “arte marcial” é limitado à questão das habilidades, técnicas e movimentos existentes nessas práticas. Fett e Fett (2009), definem que arte marcial significa arte de guerra. Logo no início do trabalho este autores comentam que artes marciais e lutas serão tratados como sinônimos ao longo do texto (FETT e FETT, 2009, p. 173). Trusz e Nunes (2007) também tratam os termos lutas e artes marciais como sinônimos, afirmando que além de um conjunto de técnicas, as lutas trazem também a cultura do seu país de origem, sendo não só uma modalidade esportiva, mas também uma manifestação cultural. Gracie e Gracie (2003), também não distinguem lutas de artes marciais e consideram que há algo em comum em todos os estilos de combate. Para estes autores, todas as modalidades de lutas tentam, da maneira que podem, responderem à seguinte pergunta: “Como é possível defender-se com sucesso do ataque de um oponente mais forte, maior e mais agressivo?” 38 Esta pergunta, que os autores classificam como sendo o “problema central de qualquer arte marcial” admite uma quantidade muito variada de respostas. Contudo, os autores tendenciosamente classificam que as modalidades de luta corpo a corpo, especialmente o jiu jitsu brasileiro é a melhor resposta à esta indagação já que baseia-se na defesa pessoal e no princípo de usando a força do adversário contra ele mesmo (GRACIE e GRACIE, 2003). Já Iedwab e Standefer (2001) dizem que as artes marciais são atividades saudáveis e pacíficas. Os autores dizem que os verdadeiros artistas marciais esforçam-se para viver sem entrar em conflito com ninguém, praticam para não ter de lutar, para poderem demonstrar de maneira artística a força e beleza de suas técnicas. Devido à isso, os autores utilizam o termo artes marciais e não lutas (IEDWAB e STANDEFER, 2001, p. 13). Correia (2009), apresenta uma opinião contrária em relação à essa afirmação, ao apontar que, do ponto de vista do senso comum, afirmar que as lutas/ artes marciais são milenares, provenientes apenas do oriente, que todas possuem filosofia, que geram saúde, que disciplinam pessoas, que pregam uma cultura da paz e que implicam formas eficazes de defesa e proteção da vida, são constituídas por “pretensões generalizantes”, que não se confirmam no campo da práxis social (CORREIA, 2009, p. 27). Em relação ao campo da saúde, Correia (2009) afirma que se a questão da saúde for analisada como mais do que a ausência de doenças ou de dores, tendo em vista a perspectiva de que a saúde não se desenvolve simplesmente pelo intermédio de programas de atividade física ou de decisões e preferências individuais, constata-se que afirmar que “arte marcial promove a saúde” é composta de uma “conotação ingênua e reducionista”. Para Gomes (2003), os termos esporte de combate e arte marcial, muita vezes são usados como sinônimos, mas parecem não ser. Porém, este autor afirma que não encontrou na literatura uma definição e um diferenciação clara para eles, sendo um assunto bastante polêmico, gerador de muita discussão e confusão, pois são conceitos e fenômenos que se desenvolveram em situações culturais e históricas diferentes (GOMES, 2003). Outra diferenciação entre os termos “lutas” e “artes marciais” é proposto por Cazetto (2009). Para este autor, há a possibilidade de se utilizar os termos lutas e artes marciais juntos pois eles parecem não excluir nenhuma possibilidade seja oriental ou ocidental estando ou não ligada ao combate. Ainda segundo o autor, o termo “lutas” refere-se às práticas ocidentais, ao combate em si e à evolução da prática, enquanto que artes marciais referem-se às práticas mais ligadas ao oriente e não são necessariamente ligadas ao combate, além de ressaltarem a importância da historicidade dos conteúdos (CAZETTO, 2009, p. 33). 39 Esta divisão de nomenclatura de acordo com ocidente e oriente, lutas e artes marciais, respectivamente, é uma forma interessante de distinguir estes dois termos, contudo, esbarra em um problema que deve ser destacado: se a palavra “artes marciais” é originária da palavra Marte que, como foi citado anteriormente, corresponde ao deus romano da Guerra, como que ela pode referir-se às práticas ocidentais? Afinal, tanto Grécia quanto Roma, berço dessa terminologia, pertencem ao lado ocidental do mundo e não oriental. Finalmente, observamos que, nas propostas curriculares, como é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs (BRASIL, 1998), da Proposta Curricular do Estado de São Paulo na área da Educação Física (SÃO PAULO, 2008) e da Proposta Curricular do Estado do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2009), além de obras clássicas da área da Educação Física escolar, como a de Soares et al. (1992), aparecem por diversos momentos e de forma exclusiva, a terminologia lutas, relacionando estes conteúdos como uma das temáticas da cultura corporal (que por sua vez recebe diversas definições de acordo com cada autor). A seguir, há uma breve fábula relacionada à temática das lutas/ artes marciais/ modalidades esportivas de combate, em relação à sua abrangência de significados: Nem sempre as coisas saem conforme o planejado9 “Isso pode acontecer a qualquer momento. O discípulo esperançoso pergunta ao mestre: ‘Quando vou ganhar a minha faixa preta?’ O mestre o olha nos olhos e diz: ‘Daqui a cinco anos’. ‘Minha nossa!’, diz o aluno decepcionado. ‘É muito tempo. Mas e se eu praticar com o dobro de esforço, quanto tempo vai levar?’ ‘Dez anos’, respondeu rapidamente o mestre. ‘O senhor não compreende!’, diz o aluno. ‘Vou me esforçar mais do que qualquer outra pessoa e ser o melhor em tudo. E vou ser o mais rápido também, o senhor vai ver!’ O mestre, que já ouviu essa conversa antes, balança lentamente a cabeça de um lado para o outro e explica: ‘Nesse caso, você vai levar vinte anos, ou talvez nunca venha a ganhar sua faixa preta’. Contemplando a decepção no rosto do discípulo, ele acrescenta: ‘Sua cabeça está cheia de pensamentos sobre o que você pode significar para as artes marciais, e não está levando em conta o que as artes marciais podem representar para você. Esvazie a mente e o espírito; deixe que eles sigam o curso do aprendizado, como uma folha flutuando na água de um rio’. O aluno, admirado com a profundidade do ensinamento do mestre, tinha ainda uma pergunta a fazer: ‘Por quanto tempo vou poder estudar as artes marciais?’ ‘“Até morrer’, disse o mestre, com um sorriso nos lábios.” Talvez não seja possível encontrar concensos em relação às definições de cada uma das terminologias porque, provavelmente, não é possível definir o que são lutas/ artes 9 Trecho extraído do livro “Um Caminho de Paz: Um guia das tradições das Artes Marciais para os jovens”, página 39. 40 marciais. Elas são um fenômeno tão dinâmico, tão múltiplo e tão plural que defini-las seria, em parte, uma forma de limitar o entendimento. Como no trecho citado anteriormente, deve- se seguir o curso do aprendizado, da mesma forma que as folhas fazem no curso dos rios, como constatado na história citada anteriormente, sem querer compreender tudo, simplesmente vivenciando as possibilidades apresentadas. Dessa forma, é possível estudar e vivenciar as lutas/ artes marciais por muito tempo. Assim, Rufino e Darido (2009b) sugerem que: Mais relevante ainda não é a discussão sobre qual terminologia está mais correta ou deve ser empregada em relação à outra e sim discutir sobre a inserção desses conteúdos, [lutas, artes marciais, modalidades esportivas de combate, etc.], que fazem parte da cultura corporal, nas aulas de Educação Física (RUFINO E DARIDO, 2009b, p. 406). 4.1.3 As lutas e a produção acadêmica na área da Educação Física “O caminho do guerreiro é baseado na humanidade, amor e sinceridade: o coração do valor marcial é a verdadeira bravura, sabedoria, amor e amizade”. Morihei Ueshiba (fundador do Aikido) Como salientado anteriormente, a área das lutas/ artes marciais é complexa e plural. Por isso mesmo, deveria ser um campo de estudo de diversas áreas distintas ligadas ou não à Educação Física. Entretanto, em termos de produção acadêmica, esta área ainda está muito aquém do que deveria (e poderia) ser, ainda “engatinhando” enquanto um campo de estudo e pesquisa. Correia e Franchini (2010) descreveram a questão da produção acadêmica em lutas, artes marciais e modalidades de combate no Brasil. Para isso, os autores analisaram 11 periódicos nacionais (a escolha dos periódicos baseou-se no questionamento sobre quais periódicos eram utilizados para pesquisas nessa área a 17 profissionais/ estudantes envolvidos com as lutas/ artes marciais) no período de 1998 até 2008 (optou-se pelo ano de 1998 pois foi neste ano que a profissão de Educação Física foi regulamenta por lei, a lei número 9696 de primeiro de setembro de 2008, e, conjuntamente com isso, foi criado o Conselho Federal de Educação Física, o CONFEF). Os resultados indicam que do total de 2561 trabalhos publicados nestes periódicos ao longo desse tempo, apenas 75 (2,93%) abordavam a temática das lutas, artes marciais e modalidades esportivas de combate em seu título, resumo ou nas palavras chave (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 4). 41 Em relação às áreas de estudo, a pesquisa baseou-se nas proposições de Tani (1996) que dividiu a estrutura acadêmica da Cinesiologia, Educação Física e Esporte em: Biodinâmica do Movimento Humano, Comportamento Motor Humano e Estudos Sócio Culturais do Movimento Humano, áreas consideradas de caráter básico para este autor, e a área de Pedagogia do Movimento Humano e Adaptação do Movimento Humano (para a Educação Física) e o Treinamento Esportivo e a Administração Esportiva (para o Esporte), todas estas áreas consideradas de caráter aplicado (TANI, 1996). Desta forma, constatou-se o predomínio dos estudos conduzidos na área de Biodinâmica, tendo 40% do total de estudos da área, seguidos pelos Estudos Sócio Culturais do Movimento Humano, com 32% e Comportamento Motor com 8%. Nas áreas de caráter mais aplicado, a Pedagogia do Movimento Humano teve 10,7%, o Treinamento Esportivo teve 8%, a Administração Esportiva teve 1,3% e a Adaptação do Movimento Humano não teve nenhum estudo produzido (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 5). A partir desses dados, estipulou-se, para o presente estudo, um gráfico que ilustra a distribuição das publicações nas diversas áreas de atuação da Educação Física: Gráfico1: distribuição em porcentagens dos artigos referentes às lutas nas áreas de caráter básico da Cinesiologia, Educação Física e Esporte. Estes resultados apontam para um baixo número de artigos voltados às lutas/ artes marciais/ modalidades esportivas de combate e, dentre as modalidades mais pesquisadas estão o judô e a capoeira, duas modalidades muito tradicionais no Brasil (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 5). 42 Ainda para Correia e Franchini (2010), a compreensão da multidimensionalidade destas manifestações corporais, implica na mobilização de saberes das mais diversas áreas. Portanto, é necessário que haja mais pesquisas nestas áreas, principalmente nas áreas com menor número de produção, como é o caso da área de Pedagogia do Movimento Humano e que estas pesquisas tenham procedimentos metodológicos especializados e que possam chegar à uma parcela maior de pessoas que estão atuando, ou seja, intervindo na prática da profissão (CORREIA e FRANCHINI, 2010, p. 6). Estes dados vão de encontro com a afirmação de Drigo (2007) ao constatar que: “(...) há poucos estudos acadêmicos sobre artes marciais, observando a bibliografia sobre o assunto, com exceção de alguns poucos textos sobre fisiologia e treinamento de atletas de competição” (DRIGO, 2007, p. 21). O autor afirmar ser necessário maiores pesquisas sobre as lutas e considera que essa falta de pesquisas impede que haja reflexão e análise sobre essas práticas, favorecendo a manutenção de condutas e dogmas culturalmente estranhos e tidos como verdades absolutas. Segundo o autor: Este fato reforça a necessidade de maiores investigações nessa área, visando dar uma contribuição mais significativa para a sociedade, entendendo-se que a evolução natural do ofício é a profissão (ou a profissionalização). Desta forma, entende-se que o “conservad