VALDIR APARECIDO DE SOUZA (DES)ORDEM NA FRONTEIRA: Ocupação Militar e Conflitos Socias na bacia do Madeira-Guaporé(30/40) Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Assis, para a obtenção do título de Mestre em História (Área de Concentração: História e Sociedade) Orientadora: Profª. Drª. Laura Antunes Maciel Assis 2002 2 S729d Souza, Valdir Aparecido de (Des)ordem na fronteira: ocupação militar e conflitos sociais na bacia do Madeira-Guaporé (30-40) / Valdir Aparecido de Souza. – Assis, 2002. 177 páginas. Dissertação (Mestrado em História e Sociedade) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2002. 1 . Rondônia – ocupação militar 2 . Rondônia – História – colonização 3 . Conflitos sociais – Rondônia I – Título. 11-338 CDU : 94 (811.1).082/.083 CDU : 325.54 (811.1) 3 DADOS CURRICULARES VALDIR APARECIDO DE SOUZA NASCIMENTO 28.04.1963 – Bragança Paulista/SP FILIAÇÃO Manoel Ângelo de Souza Therezinha de Lima Souza 1987-1990 Licenciatura em História Universidade Estadual Paulista – FCL-Assis. 1991-1993 Professor Substituto Fundação Universidade Federal de Rondônia - Campus de Guajará Mirim/RO. 1994 Professor Auxiliar IV - Departamento de História Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus de Porto Velho/RO. 4 Aos meus pais por tudo o que me deram ... À Sônia, por muito mais ... Ao Otávio e a Paula por tudo o que virá ... 5 AGRADECIMENTOS Este trabalho só foi possível graças à colaboração direta ou indireta de inúmeras pessoas. Manifesto minha gratidão a todas elas e de forma particular: À Prof.ª Drª Laura Antunes Maciel, por sua dedicada orientação, confiança, paciência e profissionalismo. Você me orientou muito além deste trabalho, e faltaria espaço para expressar a minha gratidão. Às Professoras Drª Zélia Lopes da Silva e Drª Flávia Arlanch pela grande contribuição, pontuando os problemas, e indicando novos rumos após a qualificação, literalmente redimensionando esta pesquisa. Aos professores do Programa de Pós Graduação em História e Sociedade da FCL/Unesp-Assis, em especial ao Prof. Dr. Antônio Celso Ferreira, pelo agradável convívio e estimulante debate em torno de questões muito pertinentes. Aos colegas de curso pelo frutífero convívio, em especial à Janete Tanno, pelo espelho de perseverança e pelo apoio incondicional. Aos colegas do Departamento de História da UNIR, em especial ao Prof. Dr. Ednaldo Bezerra de Freitas pelo incentivo, amizade, e apoio durante essa jornada, auxiliando nos momentos cruciais, obrigado Ednaldo. Ao Prof. Antônio Cláudio Rabello que deu a força necessária nos momentos fundamentais, tanto na minha partida, quanto no meu retorno. À Prof. Odete Alice, pela solidariedade e a todos os demais colegas, pelo apoio e compreensão. Aos funcionários do Centro de Documentação Histórica de Rondônia, Evandro Lopes e Lídia pela atenção e dedicação. À Diretora do Arquivo Geral do Estado de Rondônia e à Nilza Menezes, Diretora do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia pela atenção e decidida colaboração ao meu trabalho. Aos oficiais do Arquivo Histórico do Exército, pela agradável recepção e convívio. Aos bolsistas Luiz Cleyton, Joiada, Débora, Charles e ao Prof. Dorisvalder Nunes, Diretor do LABOGEOHPA, pelo apoio. Agradeço também ao bolsista Anderson dos Santos do Cenhpre pelas colaborações utilíssimas. À Bibliotecária Luzimar pela dedicação ao trabalho e comprimisso profissional. Aos revisores Vanda e César, pelos agradabilíssimos momentos de trabalho. Vocês me despertaram a vontade de escrever mais. À companheira Sônia, que além das revisões pertinentes, me ajudou em todos os momentos, sem você, com certeza esse trabalho não existiria. Á amiga Helena de Jesus Abreu, a qual devo uma parte significativa desse trabalho. Aos amigos João e Rita, pelos agradáveis encontros familiares, que sejam muitos ainda. Por último ao programa CAPES/PICDT que possibilitou a minha saída, financiando 24 meses de trabalho. Agradeço a todos, que por ventura tenha esquecido, e que de alguma maneira colaboraram para a conclusão dessa dissertação. 6 “Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta Mata verde céu azul, a mais linda floresta No meio de matas caboclos e mágoas sereias singrando as águas....” Saga da Amazônia,Vital Farias 7 SUMÁRIO Lista de Figuras....................................................................................................07 Lista de Tabelas....................................................................................................08 Lista de Abreviaturas............................................................................................09 Resumo ................................................................................................................10 Introdução.............................................................................................................11 Capítulo 1 Sentinelas da terra: Colonos-Soldados e conflitos na colonização da fronteira Madeira- Guaporé.................................................................................................................23 Capítulo 2 A fronteira em construção: a criação do Território Federal do Guaporé.............66 Capítulo 3 “Em busca da ordem: a administração do Território Federal do Guaporé”......121 Considerações finais............................................................................................160 Fontes..................................................................................................................165 Bibliografia..........................................................................................................170 Abstract...............................................................................................................175 Glossário.............................................................................................................176 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 –Croqui das terras em litígio....................................................................30 Figura 2 – Mapa de Localização dos Contingentes e núcleos agrícolas...........45 Figura 3 – Mapa de Criação dos Territórios Federais de Fronteira.................106 9 LISTA DE TABELAS TABELA 1-Relatório das Despesas da EFMM .............................................. 123 TABELA2- Despesas do Território Federal do Guaporé-Educação................135 TABELA 3- Melhoramentos Públicos em Porto Velho....................................141 TABELA 2 - Despesas do Território Federal do Guaporé-Saúde ...................143 10 LISTA DE ABREVIATURAS CEF - Contingentes Especiais de Fronteiras CERCTFF - Comissão Especial de Revisão das Concessões de Terras na Faixa de Fronteiras CSN - Conselho de Segurança Nacional DASP - Departamento de Administração dos Serviços Públicos EFMM - Estrada de Ferro Madeira Mamoré MVOP - Ministério da Viação e Obras Públicas MG - Ministério da Guerra MA - Ministério da Agricultura SPI - Serviço de Proteção ao Índio 8ª RM - 8ª Região Militar 11 RESUMO Este trabalho aborda os vários projetos de ocupação e colonização agrícola implementados pelo Exército na região de fronteira do vale formado pelos rios Madeira e Guaporé, entre as décadas de 30 e 40 do século XX. A proposta é analisar a atuação dos militares e os debates em torno da construção e da administração do Território Federal do Guaporé, quando foram instalados os primeiros Núcleos Agrícolas e os Contingentes Especiais de Fronteiras, no atual Estado de Rondônia. A colonização implementada pelos militares, ancorada na ideologia do “vazio demográfico” na fronteira, significou um impacto sobre os modos de vida das populações nativas - seringueiros e índios -, gerando conflitos sociais e étnicos. Confrontando os interesses das elites regionais e seus projetos para a região com os princípios sobre segurança e defesa de fronteiras que norteavam a ação do exército na região, busco recuperar os debates e seus desdobramentos na criação do Território Federal do Guaporé, nos bastidores do Estado Novo. Procuro, também, questionar as “mudanças” propagandeadas pelo governo federal e elites locais, a partir da implantação da estrutura administrativa do Território, evidenciando as contradições sociais agravadas com a continuidade da política de concentração de terras e dos seus recursos estratégicos e com a instituição de normas militarizadas para administrar a sociedade na região. Palavras-chaves: Rondônia - Territórios Federais – Ocupação de Fronteiras – Militares – Conflitos sociais 12 INTRODUÇÃO Os militares têm intensa participação na sociedade guaporense desde as primeiras décadas do século XX, quando implementaram dois grandes projetos nacionais: a construção de linhas telegráficas pela Comissão Rondon e a criação de Contingentes de Fronteira em áreas estratégicas do território. Com a incorporação da ferrovia Madeira- Mamoré ao patrimônio da União, em 1931, e sua administração por militares, a rede de ação política e administrativa enfeixada nas mãos do exército ganhou visibilidade e expressão. Sob a ideologia de Defesa da Nação implementada pelas Forças Armadas, foram criados, em 1932, os Contingentes Especiais de Fronteira em três pontos dos vales dos rios Madeira e Mamoré, na fronteira com a Bolívia. Durante o Estado Novo, sob a política de Integração de Fronteiras, os militares participaram ativamente do processo que culminaria com a criação do Território Federal do Guaporé, em setembro de 1943, a partir do desmembramento das áreas do sudoeste do estado do Amazonas e do noroeste do estado do Mato Grosso. Desde então, os militares tiveram papel hegemônico no desenvolvimento econômico e social da região. A memória histórica atribui a eles a reconstrução da estrutura produtiva abandonada pelos estrangeiros construtores da ferrovia, a montagem da infra-estrutura urbana de Porto Velho e de Guajará Mirim e a abertura de núcleos agrícolas, visando atender a acumulação de capital necessária às elites comerciantes. As ações voltadas para a fixação das novas elites administrativas na região, oriundas, muitas vezes, dos meios militares1, foram realizadas diretamente por eles, durante as décadas em que estiveram à frente da administração do Território Federal do Guaporé. Em 1982, o território foi emancipado, transformando-se no estado de Rondônia, em homenagem ao Marechal Rondon. 1 O ante-projeto do decreto-lei de criação dos territórios federais, no auge do Estado Novo, expressa o papel central das forças armadas na estruturação e administração dos territórios federais. Neste, os governadores, secretários-gerais e outros cargos deveriam ser ocupados exclusivamente por militares. Além disso, obrigatoriamente deveria ser criada uma tropa especial, constituída por soldados do exército, à disposição dos governadores, transformando a segurança pública em missão militar. Uma análise das Fés de Ofício dos primeiros governadores do território, localizadas no Arquivo Histórico do Exército, e das Certidões de Tempo de Serviço dos funcionários administrativos do Território do Guaporé, cuja Cópia do Original Datilografado encontra-se no Centro de Documentação Histórica de Rondônia, permitem verificar a importância do exército como lugar de formação profissional em variados ofícios e o intenso trânsito de profissionais do exército para outras funções civis na administração do Território Federal do Guaporé. Secretaria Geral de Segurança Nacional. Ante-Projeto de Decreto-Lei : Cria novos Territórios Federais e dá outras providência.. Rio de Janeiro, Gabinete Presidencial.,14 de dezembro de 1938. 13 A região estudada é constituída pelos vales dos rios Guaporé e Mamoré, que divisam o estado de Rondônia com a Bolívia, na parte noroeste, oeste e sudoeste. Ao norte e nordeste, é limitada pelo rio Madeira, na divisa com o estado do Amazonas. A minha escolha se justifica em virtude do interesse em analisar a atuação dos militares na região, entre as décadas de 30 e 40 do século XX, e os debates em torno da constituição e administração do Território Federal do Guaporé. Trata-se da região de colonização mais antiga delimitada pelos vales do Amazonas e Madeira, marcada pela economia da borracha, onde se instalaram os primeiros núcleos agrícolas militares e os contingentes de fronteira, ainda nos anos 30. Na década de 50, a região foi atravessada pela BR 364, que foi aberta sobre as picadas e estradas rasgadas pela Comissão Rondon, e gradativamente “ocupada” com núcleos de povoamento por meio das estações do telégrafo. Sua exploração econômica, social e cultural tornou-se mais intensa a partir dos anos 70, com a instalação de megaprojetos agropecuários, com a abertura de rodovias e com a migração intensa de trabalhadores rurais em busca de terra. A penetração dos “colonizadores”, na região estudada, se deu pela foz do Amazonas no Atlântico. Outra via de entrada se deu com as bandeiras e a descoberta das minas de ouro em Cuyabá e Vila Bela da Santíssima Trindade, nas cabeceiras do rio Guaporé. Para proteger a rota do ouro, entre as províncias do Grão-Pará e Mato Grosso2, foi fundada a Vila de Santo Antônio do Alto Rio da Madeira, no início do trecho encachoeirado do Madeira, e construído o Real Forte Príncipe da Beira, nas margens do Baixo Guaporé. No início do século XX, com o extrativismo da seringueira, houve uma penetração maior dos vales dos rios Guaporé e Madeira. Um dos desdobramentos históricos foi a invasão do departamento de Pando (oriente boliviano) por brasileiros, subindo o rio Amazonas e o Purus, que resultou na Questão Acreana3, resolvida diplomaticamente após algumas escaramuças. Pelo Tratado de Petrópolis, o Brasil comprou essas terras anexadas ao território nacional e definiu a construção de uma estrada de ferro entre a parte navegável do rio Mamoré e a primeira cachoeira do rio Madeira; para facilitar o escoamento das matérias-primas bolivianas e de suas importações pelo Atlântico. A concessão desse empreendimento foi dada à Madeira-Mamoré Railway and Company, formada por capitais ingleses e canadenses, posteriormente a concessionária dos serviços de 2 MEIRELLES, Denise. Os Guardiães da Fronteira. Cuiabá, UFMT, 1983. 3 PINTO, Emanuel P. Rondônia Evolução Histórica: A Criação do Território de Guaporé, fator de Integração Nacional. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1993; e TEIXEIRA, Marco e FONSECA, Dante . História Regional (Rondônia). Porto Velho, Rondoniana, 1998. p. 146. 14 transporte nessa ferrovia. Nas extremidades dos 366 quilômetros da estrada, foram criados dois entrepostos de cargas que deram origem às cidades de Porto Velho e Guajará Mirim. Devido à escassez de trabalhadores, foi usada a mão-de-obra estrangeira, reunindo inúmeras etnias e culturas como antilhanos, barbadianos, granadinos, jamaicanos, indianos, italianos, espanhóis, portugueses, sírios, chineses, gregos e judeus entre outras. As vilas de Porto Velho e Guajará Mirim surgiam como um território multifacetado, recriando “ ... na Amazônia o mito bíblico de uma nova babel do imperialismo.” 4 A historiografia construiu uma imagem de Porto Velho – ponto inicial da ferrovia e sede dos escritórios, residências e demais instalações da companhia construtora -, como um território dividido: de um lado, a cidade ideal da Company e, de outro, a cidade real além da avenida divisória que separava os dois mundos. A Company era saneada e planejada, com rigoroso controle sobre as classes trabalhadoras. Nessa urbe utópica tudo era “perfeito” e os operários eram “pacíficos e ordeiros”. Ao contrário, a “cidade real” de Porto Velho significava a tradição, o atraso, a raiz de todos os males, era a projeção negativa da cidade ideal.5 Oblíquo ao espaço estrangeiro, encontra-se o projeto republicano de integração do território nacional via construção das linhas telegráficas, implementadas pela Comissão Rondon – Comissão Construtora das Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas. Entre 1907 e 1915, Rondon fez o reconhecimento e a fundação de pequenos núcleos de povoação ao longo da linha telegráfica construída entre Cuiabá e Santo Antônio do Madeira, local escolhido para sediar os escritórios e acampamentos.6 A Comissão Rondon criou as novas bases militares na região de fronteira por meio da Seção Norte do Telégrafo Nacional. A intensa presença e atuação dos militares do exército garantiu aos mesmos um lugar de honra na história regional. Aos militares, foram creditadas as realizações modernizadoras, canalizando os anseios de modernidade das elites locais que os representaram como heróis. Seus nomes e imagens marcam os espaços da capital Porto Velho; onde há um busto do Mal. Rondon na praça que também leva seu nome, situado na linha divisória entre as dependências da administração estrangeira da ferrovia e a área mais antiga da cidade. O local foi bem “escolhido”, por ser carregado de simbolismo, significando a posse da região pelo militar desbravador. No bairro Caiari, construído para 4 TEIXEIRA, Marcos e FONSECA, Dante . História Regional (Rondônia). P. Velho, Rondoniana, 1998. 5 HARDMAN, Francisco F. Trem Fantasma: A modernidade nas selvas. São Paulo, Cia. das Letras, 1988. O autor compara o centro urbano restrito ao pátio da ferrovia com a cidade além da linha divisória, também estabelece um diálogo entre as contradições do discurso elaborado a partir das imagens de Porto Velho (moderna) e Santo Antônio (colonial). 15 sediar as residências de funcionários da administração do território, está o busto do Cel. Aluízio Ferreira, primeiro governador do território, na praça de mesmo nome. Se o busto de Rondon foi instalado no espaço que originariamente era estrangeiro, o do Cel. Aluízio Ferreira está no espaço que simboliza a modernização, implementada pelos militares, a partir do Estado Novo. Por fim, mereceu um lugar na cidade a estátua do governador Cel. Jorge Teixeira, na antiga avenida Presidente Kennedy, região mais nova da cidade. A avenida foi rebatizada com o nome do homenageado, o último dos governadores militares do território e o primeiro governador biônico do estado de Rondônia. A memória construída sobre essa região, reforçada pela historiografia regional, reservou um lugar de destaque a esses homens. O Mal. Rondon, foi o “herói desbravador” ligou a região, através do telégrafo, à Capital Federal e aos centros de poder do país. O Cel. Aluízio Ferreira, o “herói nacionalizador”, além de ser considerado o responsável pela retomada da região do poder estrangeiro, foi um dos principais atores na criação do território federal, tornando-se seu primeiro governador. O Cel. Jorge Teixeira, o “herói federalizador”, último no panteão militar, foi o que deu impulso ao território, modernizando-o e transformando-o na nova unidade federativa, sendo seu primeiro governador “biônico”. Por ser região de fronteira, o aspecto que chama mais atenção, ainda hoje, é o status conferido aos militares, principalmente ao Exército. Os desfiles de Independência, em Guajará Mirim, são considerados eventos sociais, nos quais comparecem os hermanos de la banda. Em contrapartida, no dia da Independência da Bolívia (06 de agosto), há enorme participação dos civis e militares brasileiros. Os alunos da rede pública cantam em ordem unida o hino nacional e o hino de Rondônia, antes de iniciar a primeira aula. Os colégios têm nomes de militares: Mal. Cordeiro de Farias, Maj. Guapindaia, Maj. Amarante, Cel. Aluízio Ferreira, Cel. Jorge Teixeira, Mal. Rondon, e a lista prossegue. O jornalista Pablo Pereira, da A Gazeta Mercantil, publicou, em 1999, uma longa reportagem intitulada “Fronteiras Brasileiras”, focalizando a região fronteiriça de Rondônia com a Bolívia. Nessa matéria, um dos destaques foi apel “social” dos militares, que vão de suas atribuições constitucionais: O povoado de Príncipe da Beira, é tão longe ... que até o real demorou a chegar por lá. A moeda oficial do Brasil sequer circula entre boa parte de seus 367 moradores ... O peixe que cai na rede é trocado por mercadorias nas “vendas” locais. Os comerciantes vendem o peixe aos militares do Pelotão de Fuzileiros de Selva. Baseados na região desde 1932, são os 6 MACIEL, Laura Antunes. A Nação por um fio. São Paulo, Educ/Fapesp, 1999. 16 militares que garantem a existência desse pequeno povoado, onde não existe nenhum tipo de trabalho além da pesca e da roça. O serviço social prestado pelo Exército não se limita ao atendimento do povoado de Príncipe da Beira. Em toda a faixa da fronteira amazônica os exercícios de patrulhamento acabam servindo como base para o atendimento às populações ribeirinhas. Nas missões sempre se incluem médicos, dentistas, sanitaristas e outros órgãos envolvidos nos problemas da região. 7 A presença dos militares, visível ainda hoje na região, aliada ao papel preponderante a eles atribuído pela historiografia regional na construção do estado, marcaram também as primeiras intenções deste projeto de pesquisa. Considerando estas evidências, e partindo de pressupostos como o de Swain8, para quem “ ... as imagens são igualmente enunciados produzidos pelas formações discursivas, e as significações homogêneas se concretizam nas práticas sociais”, propus, como projeto de mestrado, em 1999, pesquisar o imaginário social constituído em torno da presença dos militares na região. Para tal, eu pensava utilizar como fontes a literatura regional, os discursos produzidos pelo Exército em seus boletins, ordens do dia, relatórios, etc. e, principalmente, a memória oral da população radicada nos vales do Madeira-Guaporé. Porém, a amplitude dessa abordagem e o tempo limitado de dois anos de afastamento, da Universidade Federal de Rondônia, para cursar o Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação da Unesp, colocaram alguns impasses para a efetivação desta proposta. Dentre os problemas: a dispersão dos entrevistados que, naquele momento, ainda não haviam sido identificados; o alto grau de refinamento das discussões em torno da História Oral; a escassez de fontes oficiais nas instituições públicas em Rondônia, que dessem suporte à interpretações sobre o imaginário social. Além disso, a dificuldade de acesso às poucas fontes em arquivos públicos estaduais, que ainda não se encontravam organizados, impôs o desenvolvimento da pesquisa em outras cidades e instituições, contribuindo para a reformulação das fontes e questões selecionadas para o desenvolvimento do trabalho. Já nos primeiros contatos com a historiografia regional, percebi a existência de uma abordagem positiva sobre os militares, considerados os responsáveis por todas as mudanças sociais na região. Esses foram tratados como homens à frente de seu tempo, eles são personificados como “heróis” centrais que determinaram, com suas ações, os rumos da região. Essas obras ressaltam o caráter “pioneiro” e “modernizante” dos atores 7 “Fronteiras Brasileiras-Relatório Especial” , Pablo. Pereira. A GAZETA MERCANTIL.. São Paulo, 25 de maio de 1999, Caderno 1, p. 06. 8 SWAIN, Tânia Navarro. História no Plural. Brasília, Editora UnB, 1993. 17 militares, reproduzindo temáticas, periodizações e destacando os personagens criados por discursos produzidos no interior da instituição militar. No discurso militar, a Amazônia foi incorporada como estratégia para legitimar o papel defensivo das Forças Armadas, muitas vezes travestido de assistência social e estruturação política. No decorrer do século XX, o Exército foi conquistando espaços político-institucionais, progressivamente, com base na problemática da questão amazônica. Parafraseando Leirner9, os antropólogos sempre pesquisaram as minorias, deixando à margem os grupos dominantes. Fator que, segundo Leirner, contribui para ampliar a visão sobre os grupos marginais, mas que em contrapartida promove um deslocamento dos atores dominantes, no nosso caso os militares no espaço amazônico. “Talvez o efeito mais comum disso seja o fato de que, no caso da questão amazônica, simplesmente, quando se fala de militares, ou se aceita uma visão difusa e genérica trazida pela imprensa, ou se aceita um fato de que um ou outro livro escrito por um militar – geralmente representa a fala militar”.10 O meu objetivo é justamente traçar uma via de contato entre a sociedade civil (minorias) e os atores militares na fronteira. Tentando encontrar uma nova via que se desvie dessa polarização corrente no trabalho científico, que ora privilegia as instituições em detrimento dos atores reais e ora privilegia as minorias marginais indígenas, caboclos, posseiros e negros sem estabelecer o diálogo com os poderes dominantes. Alguns historiadores regionais e outros como Manoel Rodrigues Ferreira11 elegeram a “Estrada de Ferro Madeira Mamoré” como mito fundador, a protagonista do enredo histórico, fato talvez mais grave que a personificação em pessoas. Os autores que analisaram as migrações e a colonização da fronteira agrícola não deram a mínima atenção ao período de 30/40. Os mesmos consideram o ponto de ruptura a partir da abertura da antiga BR-29 (Porto Velho-Cuiabá) no governo de JK, e seus desdobramentos na ocupação da região. Por essas razões decidi trabalhar com outros materiais disponíveis para a consulta, como foi o caso da coleção do jornal Alto Madeira, existente no Centro de Documentação Histórica de Rondônia- CDHR, em estado regular para a leitura. Nesse Centro, também se encontram os relatórios encaminhados pelo Cel. Aluízio Ferreira aos seus superiores, nos diversos cargos que ocupou (seja na administração do 3º Distrito Telegráfico, no comando 9 LEIRNER, Piero C. “O Exército e a Questão Amazônica”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 8, n.º 15, 1995, p. 119-132. 10 LEIRNER, Piero C. Op. Cit. p. 120-121. 11 FERREIRA, Manoel R. A ferrovia do Diabo: A história de uma estrada de ferro na Amazônia. São Paulo, Editora Melhoramentos, 1987. 18 de contingentes militares ou, ainda, na administração do território). Tive acesso também à legislação promulgada pela administração do território, reunida em volumes editados pela Governadoria do Estado de Rondônia em 1990. O trabalho de pesquisa foi moroso pela obrigatória e indispensável leitura de duas décadas de um periódico bi-semanal, agravados pelo inconstante funcionamento do órgão. Grande parte da pesquisa foi realizada no Rio de Janeiro, em instituições como o Arquivo Histórico do Exército-AHEx, onde localizei as pastas contendo anotações sobre a trajetória militar do Cel. Aluízio Ferreira e do Ten-Cel. Vicente Rondon, governadores do Território Federal do Guaporé, entre 1943 e 1947. Realizei também o levantamento dos periódicos guardados na Biblioteca do Exército, para localizar artigos sobre colônias militares e/ou sobre questões envolvendo a região de fronteira em Rondônia. No Arquivo Nacional- AN, procedi ao levantamento da documentação existente sobre a região e a temática, nos fundos do Ministério da Guerra e Ministério da Justiça e Negócios Interiores, além de correspondências e outros materiais. Nessa instituição localizei apenas parte da documentação administrativa produzida pelos sucessivos governadores do então Território Federal do Guaporé, composta pelos relatórios enviados pelos governadores ao Ministro da Justiça, referentes aos anos de 1949 e 1954. Apesar de restritos a esses anos, os relatórios revelam aspectos da produção agrícola, da ocupação das terras, das construções públicas, da educação, da saúde e funcionamento da Guarda Territorial. No Centro de Pesquisas e Documentação da Fundação Getúlio Vargas- CEPDOC/FGV, localizei o relatório do Cel. Manoel Alexandrino, Inspetor de Fronteira do Estado Maior do Exército ao Conselho de Segurança Nacional, de 1938, na série microfilmada do arquivo pessoal de Gustavo Capanema. Em São Paulo, a pesquisa foi centrada na Biblioteca Central da Faculdade de Direito da USP, do Largo São Francisco. Nessa, localizei a Revista de Imigração e Colonização, além de duas teses sobre a ocupação da Amazônia através da colonização agrícola em moldes familiares e da exploração de pequenas propriedades. Na Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis, pesquisei toda a Legislação Federal do período relativo ao trabalho, fundamental para acompanhar a estruturação do território e suas sucessivas administrações. No Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa- CEDAP da FCL/Assis, pesquisei o Correio da Manhã, de 1940 a 1943. O meu objetivo foi inventariar, neste periódico de circulação nacional, as discussões sobre a 19 criação dos territórios federais, buscando identificar as discordâncias entre os setores e grupos que apoiavam, e também quais os interesses que representavam no projeto. Tomando por base as pistas apresentadas pela documentação consultada, passei a elaborar algumas questões sobre a participação dos militares na implementação de projetos na região, que hoje forma o estado de Rondônia, principalmente, na área de ocupação mais antiga, marcada pela economia extrativista desde o final do século XIX, constituindo a faixa mais próxima à fronteira em torno dos rios Guaporé, Mamoré e Madeira e de seus tributários rios Jacy-Paraná, Candeias e Machado. O trabalho com as fontes e a tomada de consciência das lacunas documentais impuseram um outro caminho à proposta inicial. O próprio desenrolar da pesquisa foi redefinindo outros rumos e reelaborando minha compreensão sobre o tema. No início, pensava que os militares haviam sido os “agentes da modernidade” na região o que, de certo modo, apenas reforçava o olhar da historiografia tradicional, ao tomar o “progresso” como pressuposto teórico e de orientação da vida social. Tal perspectiva desconsiderava as tensões e conflitos existentes na região e reforçava a memória oficial sobre os militares. Apesar da tentativa de desmistificar os heróis, eu acabava por valorizá-los com o risco de reproduzir o mesmo discurso em “graus diferentes” . Ao longo da pesquisa e, principalmente, com a paciente e acurada orientação da profª. Laura Maciel, as minhas perspectivas se ampliaram e consegui transpor a abordagem contemplativa e historicista do passado imóvel. Neste percurso, cheguei a uma aproximação mais crítica do objeto proposto, buscando evidenciar os conflitos sociais e étnicos, causados pela desestruturação dos modos de vida das populações nativas. Procurei focalizar as mudanças, mas não somente como avanços e rupturas dinâmicas, porém com a devida crítica, ressaltando o alto preço do “progresso” para as sociedades tradicionais. Além disso, procurei sinais de confronto entre os projetos das elites regionais e as iniciativas do exército, baseadas nos princípios de segurança e defesa de fronteira. Tendo em vista as novas problemáticas e perspectivas traçadas, centrei a pesquisa no jornal Alto Madeira, periódico fundado em 1917 pelo Dr. Joaquim Tanajura, médico e político, superintendente de Porto Velho e ex-membro da Comissão Rondon. A criação do jornal se deu justamente durante sua superintendência, quando foi eleito pelo Partido Republicano Conservador, apoiado pelas oligarquias locais, que eram os patrões seringalistas e comerciantes. O jornal era financiado pelas elites, formadas pelos coronéis Paulo Saldanha, em Guajará Mirim, e Otávio Reis, em Presidente Marques (Abunã). 20 Após sua eleição como deputado estadual pelo estado do Amazonas, o Dr. Joaquim Tanajura passou o jornal ao seu correligionário, o Ten. Cincinato Ferreira, que continuou com a mesma linha de atuação impressa pelo seu fundador. Voltado para as elites seringalistas da região dos vales do Madeira-Guaporé, o jornal defende em suas páginas as iniciativas de colonização militar para a região, entre os anos 30 e 45. O Alto Madeira foi central para o controle político da região, pois não havia uma imprensa alternativa, que fosse dissonante da opinião das elites econômicas e políticas. O jornal Alto Madeira, sediado em Porto Velho, capital regional dos vales e palco das relações de poder, circulava nas regiões ribeirinhas dos seringais do baixo rio Madeira, nos vales do rios: Candeias, Jamari, Machado, Jacy-Paraná e em todo o vale do Guaporé, no trajeto da ferrovia e na cidade de Guajará Mirim. Os colaboradores de Guajará Mirim elaboravam a coluna “Pelo Guaporé”, enfocando os principais problemas da região de fronteira. Os colaboradores de Presidente Marques, na fronteira com a Bolívia e o território do Acre, enviavam as “Notícias de Fortaleza do Abunã”. A análise da documentação reunida permitiu elaborar esta dissertação em três capítulos, dispostos de maneira temática e cronológica: o primeiro capítulo analisa os vários projetos de ocupação e colonização militar nos vales do Madeira-Mamoré-Guaporé iniciados nos anos 30. Este capítulo trata da ocupação da região por meio da criação de núcleos agrícolas nos vales do Madeira-Guaporé, implementada pelos militares e amparada num discurso sobre o “vazio demográfico” da área de fronteira. Objetivando questionar essa visão uniforme e hegemônica sobre a ocupação, busquei elaborar uma radiografia dos quadros sociais da região no período, o número de habitantes, a infra-estrutura das cidades e povoações e a origem dos colonizadores. A intenção foi mostrar a existência de uma ocupação bastante antiga e os conflitos decorrentes dos processos usados para a expropriação das terras. Assim, o “vazio” alardeado fazia parte das estratégias para atração e sedentarização de populações, mas na realidade, o espaço estava ocupado e foi tomado por meio da violência física e simbólica12. Busquei também ouvir outras vozes paralelas aos discursos cristalizados das elites e da historiografia. Nesta abordagem privilegiei as contradições aos discursos estabelecidos dos seringalistas, dando voz aos povos nativos, aos seringueiros e aos antropólogos engajados na defesa das populações tradicionais. Apesar da aparente clareza sobre os conflitos sociais na região, a documentação esconde um “silêncio velado”. Até mesmo nos 12LIMA, Antônio C. S. Um Grande Cerco de Paz : Poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1995. Sobre a distinção entre guerra aberta e guerra simbólica, ver pp. 51-52. 21 dias de hoje, as classes populares evitam tecer comentários sobre os conflitos soterrados na memória. Acompanho, neste capítulo, as “justificativas” elaboradas pelo governo federal e exército, para a ocupação agrícola e militar dos vales do Madeira-Guaporé que garantiu a posse dos territórios fronteiriços e de seus recursos naturais, fontes vitais para a autonomia nacional e a expansão do mercado interno. Baseados no modelo do espaço vital, tentava-se delinear um país independente em relação aos países centrais. As tentativas de colonização pela pequena propriedade familiar, com os estatutos de base centralizada e militarizada, tendo por modelos as primeiras colônias militares (1902), orientaram, em certa medida, as experiências de colonização na região, baseadas no aproveitamento do índio como colono-soldado e sua “transformação” em trabalhador nacional, incorporado ao Serviço de Proteção ao Índio- SPI. Enfim, a criação de contingentes especiais nas fronteiras e de núcleos agrícolas em locais estratégicos, próximos de fortificações militares bolivianas tinha o propósito de tranformá-los em futuros núcleos de população de fronteira. Para isso, utilizaram-se de populações excedentes do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador, Fortaleza e outras capitais, além de reservistas do Exército e da Armada. O segundo capítulo pretende analisar os vários projetos e interesses políticos e econômicos para a região, os debates – locais e nacionais - sobre a segurança e defesa das fronteiras nacionais e seus desdobramentos na criação do território federal do Guaporé. Para isso, acompanho as discussões sobre a criação do Território Federal do Guaporé, quais os grupos de interesse, os diálogos e conflitos em torno dos projetos, travados entre os grupos locais e regionais, por meio de artigos e editoriais publicados pela imprensa regional e carioca. Estabeleço o diálogo entre os discursos publicados no Correio da Manhã e no A Noite, confrontando-os aos dos grupos e representações locais, identificando o espaço do território e de seus limites, e também busco identificar os interesses em torno dessas demarcações geográficas e políticas. A discussão foi centrada no fortalecimento de uma “geopolítica” interna, de caráter centralista e autoritário, com o Estado Novo e ancorada como substrato ideológico na geopolítica da Segunda Guerra Mundial. Ocupar a região, por meio da colonização e da criação do Território Federal do Guaporé, era uma das metas do Estado Novo e uma reivindicação das elites locais. Porém, esses projetos, como mencionei, não eram unânimes e homogêneos, havia dissidências dentro dos poderes locais em relação às riquezas e à arrecadação regional. A tensão entre 22 os glebaristas de Manaus e as elites “nacionalistas” locais perpassa todo o período que antecede a criação do território e se acirra na Assembléia Constituinte de 1946, a qual reuniu um poderoso bloco a favor da extinção dos territórios federais. Ainda tenho a intenção de trazer à tona as contradições, entre o discurso “democrático”, de acesso à pequena propriedade veiculado pela grande imprensa, e as ações efetivas de manutenção dos latifúndios no Norte e Nordeste. Elegi algumas questões para nortear a discussão neste capítulo: em que medida as formas de ocupação defendidas pelos patrões locais eram complementares às formas praticadas pela União, por meio das forças militares? Como foi possível combinar interesses ligados à forma de ocupação, através da pequena propriedade de culturas diversificadas, e o latifúndio extrativista de borracha? O terceiro capítulo acompanha a montagem da administração do território pela União, a construção da infra-estrutura e da estrutura administrativa para dar sustentação à ocupação na região, como nova unidade da federação. Exploro, nesta parte, a estrutura administrativa criada pela União e implementada pelos governos territoriais e a relação que se estabelece entre os vários órgãos federais e o governo territorial. Uma das questões que pretendi acompanhar foi a continuidade da política de ocupação, a partir da criação dos quatro departamentos para implementar estas ações: Departamento de Saúde, de Educação, de Obras e da Produção. Acredito ser possível compreender os programas de Integração Nacional, esses implementados com a criação dos cinco territórios federais na faixa de fronteira, se considerarmos a relevância dos debates nacionais em torno da necessidade da União, em garantir a sua posse. Na opinião da imprensa e das Forças Armadas, era vital para o país ter o domínio sobre os recursos naturais, considerados estratégicos, ambas visavam uma política de desenvolvimento nacionalista voltada para a independência em relação aos países hegemônicos. Boa parte dessa ação foi implementada pelos militares nestas áreas lindeiras. Procuro, também, questionar as “mudanças” propagandeadas pelas elites locais e governo federal, a partir da análise da implantação da estrutura administrativa do Território, buscando evidenciar as contradições sociais agravadas com a instituição de normas militarizadas, com a continuidade da política de concentração de terras e dos seus recursos estratégicos na região. 23 SENTINELAS DA TERRA: COLONOS-SOLDADOS E CONFLITOS NA COLONIZAÇÃO DA FRONTEIRA MADEIRA-GUAPORÉ “... os portugueses já nos ensinaram a colonisar, desde o Brasil Colônia. Geralmente as nossas grandes cidades nasceram assim: em primeiro logar tropa, em segundo logar a população civil que se veio aglutinando em torno dela ... “ Cel. Manoel Alexandrino Cunha, Inspetor de Fronteiras do EME. Relatório ao Conselho de Segurança Nacional 24 A região do Madeira-Guaporé (parte da província de Mato Grosso e hoje parte do estado de Rondônia) foi explorada desde as primeiras bandeiras de Pedro Teixeira (Belém) e Raposo Tavares (S. Paulo) no século XVII. A exploração da borracha de caucho e de seringueira teve início no final do século XIX. As áreas de exploração se ampliaram para o vale do Alto Madeira. Patrões bolivianos e peruanos constituíram vários seringais nessa região, sendo que os bolivianos dominavam a cadeia econômica, e a empresa Suarez & Hermanos13 monopolizava o aviamento dos seringais e a exportação de borracha. A ocupação econômica e demográfica desta área era estrangeira, em sua maior parte. Portugueses, judeus, bolivianos e peruanos habitavam a Vila de Santo Antônio. A região do Alto Madeira, próxima à foz do Mamoré com o Madre de Dios, era habitada por bolivianos e peruanos, além de algumas nações indígenas “não-nacionais”. A exploração da borracha se dava à margem dos poderes organizados do Estado. As terras da Bolívia foram invadidas por brasileiros subindo o Purus, e os bolivianos e peruanos, paripassu, invadiam o território brasileiro pelo Abunã, Yata, e Madre de Dios.14 As terras localizadas entre os vales do Madeira e Guaporé eram, na sua maior parte, ocupadas por populações indígenas nômades e sedentárias. O art. 64 da Constituição Federal, de 1891, tornou as terras indígenas “devolutas”, rateando-as entre as oligarquias regionais mato-grossenses e amazonenses.15 Os exploradores invadiram a região a partir da foz do Amazonas. Outro grupo veio no rastro das bandeiras, invadindo os sertões do Mato Grosso para a exploração de ouro em Cuyabá e Vila Bela da Santíssima Trindade na cabeceira do Guaporé. A coroa portuguesa, para garantir a rota do ouro entre o Grão-Pará e o Mato Grosso, fundou a Vila de Santo Antônio do Alto Rio da Madeira e o Real Forte Príncipe da Beira. A Vila de Santo Antônio localizava-se no início do trecho encachoeirado do rio Madeira, local estratégico para o entreposto de apoio, e o Forte Príncipe, nas margens do Guaporé, protegia os comboios de ouro escoados para Belém e Portugal dos vizinhos do Vice-Reino do Peru.16 13 TEIXEIRA, Marcos .e FONSECA, Dante. História Regional (Rondônia) . Porto Velho, Rondoniana, 1998. Pp. 107-108. 14Esse movimento de penetração resultou na crise conhecida como questão do Acre. Resolvida de forma diplomática por meio do Tratado de Petrópolis, no qual a Bolívia cedia o território que lhe pertencia desde o tratado de Ayacucho de 1867 firmado com o Brasil. O Tratado propunha além da indenização pela concessão da área mais rica do mundo em goma elástica (Acre), a construção de uma ferrovia que contornasse o trecho encachoeirado do rio Madeira facilitando o escoamento da produção do oriente boliviano (do Departamento de Beni e Pando) para o Atlântico. 15 BIGIO, Elias dos S. Linhas Telegráficas e Integração de Povos Indígenas: As estratégias Políticas de Rondon (1889-1930). Brasília, Dissertação em História Política e Social do Brasil/UnB, 1996. pp. 127. 16 MEIRELLES, Denise Maldi. Os Guardiães da Fronteira. Cuiabá, UFMT, 1983. 25 Desse quadro de invasões de limites resultou a Questão Acreana17, resolvida diplomaticamente por meio do Tratado de Petrópolis – que estabeleceu o pagamento de dois milhões de libras à Bolívia e a construção de uma ferrovia entre a primeira cachoeira do Madeira e a parte navegável do rio Mamoré –, para por fim ao litígio. Formou-se a empresa Madeira Mamoré Railway and Company (MMRC) constituída por capitais ingleses e canadenses, para construir os 366 quilômetros de ferrovia. A construção da ferrovia foi iniciada em 1907 e, devido à “escassez” de mão-de- obra para o empreendimento, a companhia importou trabalhadores de todo o mundo: portugueses, mexicanos, italianos, chineses, hindus, norte-americanos, peruanos, bolivianos, colombianos, alemães, ingleses, gregos, espanhóis, franceses e antilhanos, barbadianos, granadinos, jamaicanos18 e outras nacionalidades com menor participação. Manoel Rodrigues Ferreira19 mensurou seis mil vítimas consumidas na construção da ferrovia. Taxa de mortandade altíssima considerando-se o curto prazo e o número de trabalhadores envolvidos nos trabalhos de construção. Oswaldo Cruz inspecionou a região para tentar conter as endemias regionais: tuberculose, pneumonia, beribéri, malária e febre amarela dizimavam os trabalhadores. A exploração exercida pelos seringalistas e dirigentes da MMRC era semelhante, estes proibiam os fregueses20 e trabalhadores da ferrovia de cultivarem hortas e roças de subsistência. A restrição à lavoura majorava os seus lucros, a MMRC, a exemplo dos seringalistas, mantinha a Comissaria (espécie de barracão sofisticado). Em suas pontas foram criados dois entrepostos de armazenamento e embarque dando origem às vilas de Porto Velho e Guajará Mirim. Outras vilas foram instaladas ao longo da ferrovia, por volta de 1912. Os técnicos norte-americanos, a serviço da Companhia, criaram aquilo que chamavam de “cidade”. Criaram, também, padrões de conduta profissional e privada para as diversas etnias de trabalhadores. Segundo Lopes, entre 1908 e 1911 foi registrada a entrada de 19.500 estrangeiros no porto de Belém, esse número oficial não agrega os trabalhadores clandestinos do Peru, da Bolívia, da Colômbia e do Brasil. A Companhia 17 PINTO, Emanuel P. Rondônia Evolução Histórica: A Criação do Território de Guaporé, fator de Integração Nacional. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1993. TEIXEIRA, Marco e FONSECA, Dante. 2ª ed. História Regional (Rondônia). P.Velho, Rondoniana, 1998. 18 LOPES, Evandro R. Súditos e Cassacos: Os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (1907-1931). Porto Velho, UFRO, Monografia de Bacharelado em História, 1995. p. 8. 19 FERREIRA, Manoel Rodrigues. A ferrovia do Diabo:A história de uma estrada de ferro na Amazônia. S. Paulo, Editora Melhoramentos, 1987. 20 Patrões: O responsável pela produção que era financiado pelos aviadores, e que extraía a mais valia do seu freguês (seringueiro) através da majoração das mercadorias aviadas em seu barracão em troca da produção de borracha pelo seringueiro. Uma relação baseada na exploração hierárquica e em cadeia pela dívida contraída. O patrão não era dono do seringal, eram terras devolutas que ia ocupando e terceirizando a exploração aos seus fregueses, uma espécie de sócio que entrava com a produção em troca das mercadorias de primeira necessidade como alimento, vestuário, ferramentas, armas e munição. Segundo informações colhidas na imprensa local do período. 26 exercia controle absoluto sobre seus técnicos e trabalhadores em função dos custos e dos prazos. Exploravam ao máximo os operários para obter maiores lucros, proibindo-lhes a mínima forma de expressão no trabalho e nas folgas.21 A diversidade de culturas e etnias marcava os espaços de trabalho, descanso e lazer: Assim é que no auge da construção... havia 5.000 pessoas no povoado e nas frentes de serviços. Essa diversidade de trabalhadores dava um ar de promiscuidade à sede da ferrovia, acampamentos e frente de trabalho. Para que a lei fosse respeitada e a ordem cumprida, a Companhia montou sua própria Polícia em 1910. ... parte da população era de aventureiros e não havia: “a paz e a garantia prometidas pela Constituição a todo estrangeiro e nacional que viva no território da República” ... Justificando dessa forma a organização da Polícia da Companhia ferroviária em fevereiro de 1910. ... Havia também a proibição da comercialização de bebidas , cervejas, e vinhos, e a entrada de prostitutas na área sob jurisdição da Companhia ferroviária, ... A forma pela qual se apresentava esse instrumento [de controle], o paternalismo, era a mais variada. ... destacam-se o Hospital da Candelária; a Comissária e a construção de habitação para os trabalhadores.22 A construção e o transporte da MMRC eram feitos sob rígido controle, e sua organização era hierarquizada. A conclusão pela verossimilhança à estrutura dos militares, implantada posteriormente a partir da crise da ferrovia em 1931, é deveras tentadora. Lopes analisou a organização e resistência dos trabalhadores contra a exploração que ocorria concomitantemente às estratégias da MMRC para desarticulá-los. O controle sobre os trabalhadores, com suas peculiaridades próprias, vinha desde a primeira tentativa de construção da ferrovia em 1878. Nesse primeiro empreendimento, um grupo de 218 italianos se rebelou contra os privilégios dos trabalhadores norte- americanos e irlandeses, esses com salários e alimentação superiores. O desfecho foi desfavorável aos rebeldes, cujos líderes foram presos na “nova cadeia”, uma gaiola de trilhos entrelaçados, e o acampamento foi cercado por um grupo de 40 homens armados. Lopes, ao analisar o excessivo controle sobre as classes trabalhadoras e a intensa exploração da mão de obra, atualizou a formação social da região. Soprou vida, ao fazer emergir os conflitos e as desigualdades, construídas no tempo e no espaço local, desmistificando a pretensa “memória” da ferrovia como símbolo fundante da identidade regional. Lopes findou por manter um diálogo entre a crítica de Hardman à modernidade, no contexto da sociedade européia e norte-americana, e o seu texto, revelando o preço da modernidade para a classe trabalhadora. Hardman23 foi o precursor na crítica ao discurso, de imagens enaltecedoras das grandes construções do fim do século XIX e início do século XX. 21LOPES, Evandro R. Súditos e Cassacos: Os trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira Mamoré (1907-1931). Porto Velho, UFRO, Monografia de Bacharelado em História, 1995. p. 8. 22 LOPES, Evandro R. Op. Cit., pp. 11-13. 23 HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a modernidade nas selvas. S. Paulo, Cia das Letras, 1986. pp. 125-8. 27 Para Teixeira e Fonseca24, Porto Velho e Guajará Mirim, na primeira década do século XX, possuíam uma formação social multifacetária. Reiterando a introdução, a historiografia construiu uma imagem de Porto Velho, como um território dividido entre a Company ideal e a Porto Velho real.25 Hardman desmistificou a cisão, estabelecendo as relações entre o centro urbano, restrito ao pátio da ferrovia, com a cidade além da linha divisória, trazendo ao conhecimento um diálogo entre as contradições internas do discurso elaborado a partir das imagens de Porto Velho (moderna) e Santo Antônio (colonial).26 A carestia levava à fome crônica e à desnutrição, baixando a resistência dos trabalhadores. Os americanos, para baixar os custos com a renovação da mão-de-obra, criaram o Hospital da Candelária, situado entre Santo Antônio e Porto Velho, que foi inspecionado por Osvaldo Cruz. O hospital era exclusivo aos trabalhadores da ferrovia, sendo que os moradores além da linha divisória da Company (Porto Velho), Santo Antônio e demais localidades não tinham assistência, morrendo sem cuidados.27 Dom Pedro Massa, Monsenhor Salesiano, para amenizar esse quadro, iniciou a criação do Hospital São José em Porto Velho. As péssimas condições de trabalho, as endemias, a invasão de territórios indígenas e os conflitos gerados com os nativos agravaram a situação de penúria dos trabalhadores. Porto Velho, em 1912, registrava uma população de 800 pessoas28, sem incluir os milhares de trabalhadores da ferrovia registrados pela literatura historiográfica,29 esses números indicam não só o êxodo como também a alta taxa de mortandade.30 Em 1914, foi desmembrado de Humaitá o município de Porto Velho; na realidade, existiam, de um lado, os espaços ocupados e administrados pela Madeira-Mamoré R.C. equipados com fábrica de gelo, padaria, luz elétrica, água encanada, esgotos tratados, e força policial privada controlando as dependências e os trabalhadores da ferrovia, e no outro extremo, a vila de Porto Velho estava sendo formada por mal traçadas vielas, ocupadas pelos excluídos da ferrovia no espaço da cidade de fato.31 Hardman descreve a rua da Palha com seus casebres improvisados, seus prostíbulos, também o bairro do Mocambo, do 24 TEIXEIRA, Marcos .e FONSECA, Dante. História Regional (Rondônia) . Porto Velho, Rondoniana, 1998. Pp. 142. 25 HARDMAN, Francisco Foot. Trem Fantasma: A modernidade nas selvas. São Paulo, Cia. das Letras, 1986. 26 HARDMAN, Francisco F. Op. Cit. Pp. 125-8. 27 TEIXEIRA, Marco D. "Mortos, dormentes e febris" in Porto Velho conta a sua história. Porto Velho, Secretaria Municipal de Cultura, Esportes e Turismo, 1998. 28 TEIXEIRA, Marco e FONSECA, Dante. 2ª ed. História Regional (Rondônia). P.Velho, Rondoniana, 1998. 29 FERREIRA, Manoel R. Madeira-Mamoré: A ferrovia do Diabo . S. Paulo, Melhoramentos, 1984. A construtora da ferrovia teria engajado 21.783 trabalhadores ao todo segundo o autor. 30 T EIXEIRA, Marcos & FONSECA, Dante. Op. Cit. Hipótese levantada pelos autores. 31 FONSECA, Dante R. “Uma cidade à Far West” in Porto Velho conta sua História. Porto Velho, SEMCE, 1998. Para um painel da cidade de Porto Velho no período ver este artigo. 28 Favela e outros, enfim a cidade marginal.32 Com a criação do município de Porto Velho, o governo do Amazonas visava somente aumentar sua arrecadação por meio da criação de tributos municipais, que incidiam sobre a produção, circulação e consumo. No extremo da ferrovia, foi instalado, em 1912, um posto fiscal em frente ao povoado boliviano de Guayaramerin. Este se constituiu num entreposto comercial, recebendo as mercadorias do oriente boliviano pelos rios Mamoré, Madre de Dios e Beni. Nesse entreposto embarcavam as matérias primas e manufaturas: a produção de goma, quina, poaia, gado, couro e peles dos departamentos de Beni e Pando. Além disso, era a única ligação com a cidade de Vila Bela e com todo o vale do Guaporé, repleto de seringais à margem direita, no lado brasileiro, e à esquerda, no lado boliviano. O entreposto de Guajará Mirim possuía considerável infra-estrutura: delegacia, posto fiscal, estação telegráfica, correio, escolas, cinema, com a população em torno de 1000 pessoas. Sírios, libaneses, barbadianos, italianos, portugueses, espanhóis, peruanos e bolivianos compunham sua população. Além da infra-estrutura criada em função da ferrovia em seu ponto inicial e final, havia as vilas-estações de Jacy-Paraná, Mutum, Vila Murtinho e Abunã. Localidades de apoio, nas quais ficavam estacionados os operários da ferrovia, cuidando da refrigeração das caldeiras e abastecimento de água, e tarefeiros, fazendo a manutenção dos trilhos ao longo de seu trecho. Foram ao todo 28 estações estabelecidas em sedes de seringais, aglomerando de 6 a 10 casas residenciais de um lado, e às vezes de ambos os lados da ferrovia. Os aglomerados em torno das estações da ferrovia eram, na maior parte, residenciais; apenas as estações estratégicas tinham armazéns e casas comerciais, como as de Jaci-Paraná, Mutum-Paraná e Vila Murtinho, próximos à vila de Abunã, que ficavam em frente ao povoado de Manôa, do lado boliviano. Também havia “povoações” em Costa Marques, no rio Guaporé e na Foz do rio Jamari. A apropriação das terras no vale do Madeira-Guaporé foi conflituosa desde o início da extração da borracha. A maior parte dos proprietários de terras não possuía títulos de propriedade. A terra não era considerada mercadoria. O valor estava em seus recursos naturais: seringueiras, essências, óleos medicinais e peles de animais silvestres que eram as principais fontes de riqueza. A concepção essencialmente extrativista da terra cunhou a forma de exploração de seus recursos como “colocação”, “estrada de seringa”, “barracão” e outros. Não havia cercas, as divisas geralmente eram acordadas entre os 32 HARDMAN, Francisco Foot. O trem fantasma: a modernidade nas selvas. S. Paulo, Cia das Letras, 1986. 29 primeiros invasores, estas poderiam ser um rio, uma cachoeira ou uma paisagem destacada do conjunto, ou quem tivesse o maior poder de “fogo”. Os primeiros embates em relação à posse das terras se deu entre o gerente geral Mr. A. L. Bell, da empresa concessionária Madeira Mamoré Railway and Company, e a Intendência Municipal de Santo Antônio. O Intendente Municipal, Cel. Salustiano Alves Corrêa, entrou em acordo sobre a demarcação dos lotes na faixa de 300 metros em torno dos 366 quilômetros da linha e 5 mil metros em Porto Velho, Presidente Marques e Guajará Mirim. A União havia cedido à empresa estas terras por meio do decreto 8776, de 07 de junho de 1911, pelo prazo de sessenta anos. O governo de Mato Grosso, por meio do decreto 394, de 10 de agosto de 1915, reservou uma “área de 1.800 hectares para patrimônio de cada uma das povoações de Generoso Ponce, Presidente Marques, Villa Murtinho e Guajará Mirim.” As áreas da Intendência de Santo Antônio se superpunham a da Companhia. A MMRC tinha o controle sobre as terras da região. Porto Velho era sua dependente, pois o abastecimento de água, a eletricidade, os esgotos, as casas e arruamentos eram basicamente fornecidos pela Company. Pela antigüidade da lei federal em relação à posterior estadual, o Intendente fez um acordo com a Companhia, mesclando uma quadra da MMRC e outra do Município e, para identificar as áreas, criaram placas com suas insígnias. O art. 5º do acordo n.º 37, de 24 de dezembro de 1917, justificou o consenso “As partes accordantes como único meio de facilitar o desenvolvimento das povoações, que até então se verifica constantes attritos, entre o Município, a Companhia e a população, ficou de ora em deante reservado exclusivamente à Municipalidade o direito de aforar os lotes que lhe pertencer, cuidar do policiamento da população... embelesamento das ruas, hygiene esthetica das construcções.” 33 Outro caso de disputa de terras entre particulares exemplifica a regra na região. Em 1918, J. Elias Solsol, boliviano, comerciante de Jacy-Paraná, solicitou ação de manutenção de posse ao Juiz de Direito de Santo Antônio. Segundo o requerente, teria comprado do governo do Mato Grosso, em 24 de junho de 1918, nove mil hectares de terras devolutas situadas entre o igarapé Preto e o igarapé Conto de um lado e de outro limitadas pelo igarapé Cel Rondon. A manutenção de “posse” foi movida contra Miguel 33 PROCESSO CÍVEL DE POSSE. Porto Velho, Comarca de Santo Antônio MT, 18 de fevereiro de 1918. Acervo do Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. 30 CROQUI DAS TERRAS EM LITÍGIO SOLSOL E ZUMAETA 31 Zumaeta, Juan Del Castillo e Bernardo Zumaeta, peruanos acusados de praticar “turbação” 34. O termo regional usado permite constatar o valor atribuído a terra enquanto riqueza natural. Oblíquo ao espaço estrangeiro extraterritorial, encontramos outro projeto da República. A Comissão Construtora das Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, eternizada pelo nome de seu chefe o Mal. Rondon, fazia o reconhecimento do território e o estabelecimento de núcleos ao longo da linha entre Cuiabá e Santo Antônio.35 Rondon e seu grupo viam com desconfiança a intensa presença e exploração econômica das fronteiras da República por estrangeiros. De fato, a região era explorada e dominada pelo capital estrangeiro. A Comissão foi criada para solucionar o problema da falta de comunicações com a capital da República. Esta partiu de Cuiabá avançando a noroeste rumo a Porto Velho e Manaus, com um ramal até a cidade de Guajará Mirim e outro em Rio Branco, no território do Acre.36 Rondon representava os interesses das elites regionais, as quais demandavam a integração de novas áreas. A Comissão Rondon findou por criar as bases militares na região de fronteira por meio das Seções do Telégrafo Nacional. A partir de 1907, sua atuação nessa região estabeleceu as bases para um sistema de comunicações via telégrafo e, ao mesmo tempo, abriu caminho para a progressiva incorporação das terras indígenas à exploração capitalista. No plano discursivo, a justificativa era a proteção das fronteiras e dos indígenas. Porém, paralelamente, gestava-se “um projeto claro para a incorporação dos territórios e integração dos indígenas à sociedade brasileira com o propósito de usá-los como mão-de-obra”.37 A “descoberta” dos rios, suas nomeações e "rebatismos", figurados como descobertas “científicas”, foram práticas para forjar a “nação”. A criação da "identidade nacional" era uma das missões da Comissão, personificada em seu líder. A identidade foi forjada por meio do reconhecimento do território, da sua exploração in loco e de sua inclusão no mapa "nacional". O discurso se contradizia internamente ao apontar: o sertanista [Rondon] "trilhava caminhos que "só haviam [sido] penetrado [pelos] os pioneiros sertanejos, 34 Invasão de posse, colocação de seringueiros, derrubada de matas e extração de látex. 35 MACIEL, Laura Antunes. A Nação por um fio. São Paulo, Educ/Fapesp, 1999. 36 FERREIRA, Manoel Rodrigues. A ferrovia do Diabo: A história de uma estrada de ferro na Amazônia. S. Paulo, Editora Melhoramentos, 1987. PINTO, Emanuel P. Rondônia Evolução Histórica: A Criação do Território de Guaporé, fator de Integração Nacional. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1993. TEIXEIRA, Marcos e FONSECA, Dante. 2ª ed. História Regional (Rondônia). P.Velho, Rondoniana, 1998. As descrições em relação à formação histórica foram extraídas basicamente das obras anteriormente citadas. 37 BIGIO, Elias dos S. Linhas Telegráficas e Integração de Povos Indígenas: As estratégias Políticas de Rondon (1889-1930). Brasília, Dissertação de Mestrado em História Política e Social do Brasil/UnB, 1996. Pp. 127. 32 creadores de gado, garimpeiros e seringueiros".38 A identidade seria alcançada pela “ocupação/nacionalização” das fronteiras. Um dos objetivos da Comissão Rondon foi o ordenamento dos espaços a partir de núcleos de atração indígena a cada 90 quilômetros. Construía a soberania do país, nos confins da República, e a manutenção da integridade do território “nacional”. Na mesma época, esse território estava sendo explorado pela Comissão Rondon, que construiu, ao longo da linha telegráfica entre Cuiabá e Santo Antônio do Madeira, um total de 20 estações telegráficas, que deveriam servir como pontos de apoio para a ocupação planejada da região. A linha constituiu núcleos de atração indígena em torno dos postos do telégrafo. O objetivo era formar núcleos de povoamento em Vilhena, Pimenta Bueno, Presidente Hermes, Pres. Pena (Ji-Paraná), Jaru e Ariquemes, cortando, em seu trajeto, os vales do Machado e do Jamari. A empreitada desdobrou-se na criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN)- outra célula das ações federais na região. O traçado da linha telegráfica veio a se constituir mais tarde na via de penetração pelo Mato Grosso e na ligação rodoviária ao sul do país. O 3º Distrito Telegráfico da Seção Norte em Santo Antônio do Alto Rio Madeira fincou as bases militares na região. Rondon e seu grupo visavam retomar o controle sobre a área de influência da Madeira-Mamoré Railway and Co. A empresa “alienígena” dominava a região se constituindo em ameaça à soberania da República.39 Nas décadas de 30-40, entraram levas de migrantes vindos do Mato Grosso pela picada da Comissão Rondon, formando “povoações” em Vilhena e Pimenta Bueno em torno dos postos do Telégrafo. Em 1940, o Território tinha uma população de 32.591 hab. Contraditoriamente, Valverde afirma que a “ocupação” efetiva se deu a partir de 1943 com o surto da borracha.40 Os seringalistas invadiram o vale do Guaporé do lado boliviano e do lado brasileiro. Os confrontos entre seringueiros e indígenas resultaram em verdadeiros massacres, como no rio Pakaa Nova, habitado pelos povos Oro Wari e Arara: Com o início do segundo “boom” da borracha, nos anos 40, a região de Guajará Mirim (rios Pacaa Nova e Ouro Preto) foi intensamente ocupada pelas frentes de exploração. E os ataques realizados pelos seringueiros se tornaram verdadeiros massacres. Os seringalistas organizavam expedições muitas das vezes com metralhadoras compradas em contrabando na Bolívia. Aldeias inteiras foram assim dizimadas. ... da 38. “O Grande Bandeirante” . ALTO MADEIRA. Porto Velho, 30/06/36. 39 Alienígenas: Termo corrente no período de 1920-1940, designava empresas de capital e administração estrangeiros dentro do país. De uso muito corrente em relatórios, imprensa e correspondência oficial até o Estado Novo. 40 VALVERDE, O. (org). A organização do espaço na faixa transamazônica: Rondônia e regiões vizinhas. R. Janeiro, Fundação IBGE/INCRA, 1979. Pp 62-3. 33 aldeia Tain Wacaram, dezenas de homens armados chegaram de noite, e pela madrugada atiçaram fogo nas casas e em seguida meteram bala em quem se movia, a maioria sendo mulheres e crianças.41 O mesmo processo ocorreria com os Kwaza e os Kepikeriwat no rio São Pedro; os Kreném, os Abitana e os Waniam no rio São Miguel; os Urucuai, os Aboba, os Puxaca, os Maba e os Guajeju no rio Corumbiara; os Arikapú, os Aruá, os Jaboti e os Makurap no rio Branco. Outros, no interior, como os Tupari e os Masaká no rio Apidiá; os Karipuna, os Pamã, os Karitiana e os Boccas Pretas no rio Jacy-Paraná; os Arikém e os Urupá no rio Jamari; o povo Jarú no rio Jarú; os Ramarama no rio Machadinho e do lado oriental os Majubim, os Mialat, os Takawatip, os Apairandé no rio Machado, além de inúmeros outros povos nas Chapadas dos Parecis. A população indígena do território dos vales foi estimada entre 10.000 e 50.000 na região, entre os anos de 1930 e 1940, segundo a Revista de Estudos de Desenvolvimento Regional: Territórios Federais, (Guaporé).42 Essa região é também o berço dos quilombos formados pelas fugas e pela decadência na exploração do ouro de minas de Vila Bela, que ficava às margens do rio Guaporé. Os “pretos”43 do Guaporé se organizavam em sistema comunitário de produção e distribuição, experiência sui generis na Amazônia.44 Patrões e jagunços dos seringais disputavam esse espaço invadindo terras indígenas nos vales do rio Jamari e do rio Machado. Os seringueiros viviam nos centros e colocações, isolados no interior da floresta, presos à escravidão pela dívida “insolvente” no barracão.45 O “povoamento”, ironicamente, viria se alterar com o término da construção da ferrovia em 1912/1913. O cultivo da seringueira, em moldes racionais na Malásia, baixou drasticamente os preços no mercado mundial. Após a 1ª Guerra Mundial e, posteriormente, com a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, a situação se agravaria ainda mais. As Séries Estatísticas do Mato Grosso e Amazonas 46 demonstram a saída de mais de 200 mil seringueiros da Amazônia entre as décadas de 20 e 30. O êxodo afetou diretamente o noroeste de Mato Grosso (vales do Madeira-Guaporé). 41 Conselho Indigenista Missionário-Regional Rondônia. PANEWA ESPECIAL. Porto Velho, CIMI/RO, 2002. 42CAPES. Séries Estatísticas Regionais: Territórios Federais (Guaporé). Rio de Janeiro, INL, 1959. 43 Pretos: Termo utilizado pela imprensa do período para designar ex-escravos fugidos remanescentes de quilombos que possuíam um sistema de produção e distribuição comunitário. Viviam em pequenos grupamentos de malocas nas barrancas à margem direita do rio Guaporé. Mais precisamente entre Vila Bela da Santíssima Trindade e Pedras Negras. 44 TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues. Dos campos d'ouro à cidade das ruínas: apogeu e decadência do colonialismo português no Vale do Guaporé (séc. XVIII e XIX). UFPE, Dissertação de Mestrado, Recife, 1997. 45 TEIXEIRA, Carlos C. O sistema de aviamento e do barracão nos seringais da Amazônia. S. Paulo, USP/FFLCH, Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, 1988. 46 CAPES. Séries Estatísticas Regionais. Rio de Janeiro, INL, 1959. (Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). 34 O desdobramento da crise da borracha, foi a falência da administração estrangeira à frente da ferrovia. Acirrou-se o problema em meados de 1931, quando a Madeira Mamoré Railway & Co parou por oito dias. O governo federal considerava a ferrovia estratégica para o controle de fronteira, no extremo oeste, e pólo de irradiação econômica regional. Ela era a única via de comunicação entre as regiões do noroeste do Mato Grosso e do oriente boliviano com o rio Amazonas. O Ten. Aluízio Ferreira, Delegado do Governo Federal e Chefe do 3º Posto Telegráfico das Linhas Estratégicas Seção/Norte, foi designado para ocupar as dependências da Companhia em julho de 1931. O ato cristalizou-se no imaginário social como a “nacionalização” da Madeira-Mamoré. Os articuladores da sua nomeação aguardavam com expectativa a definição de uma política “nacionalista” para as riquezas do subsolo e segurança das fronteiras. O problema decorrente da crise, para os grupos na administração das comunicações, do comércio, transportes e recursos públicos, era o êxodo. Como ocupar os espaços “vazios”, como implementar o “povoamento”? Essa questão ocupou a imprensa e os governos do Mato Grosso e Amazonas e recolocava, em novos termos, a velha justificativa para a atuação da Comissão Rondon, do SPI e da fundação de fortes e vilas coloniais. A problemática da ocupação do espaço estava contida nas correspondências entre o Ten. Aluízio Ferreira47 e o Gen. Rondon em 1929. No memorial a Rondon, ele descreveu sua experiência e conhecimento sobre a região dos vales do Madeira-Guaporé. O Ten. Aluízio Ferreira enunciou dois problemas centrais: a ocupação e soberania das fronteiras e a questão indígena. Em sua opinião, não tardaria o confronto entre os "desbravadores" em busca do ouro, seringueiras e caucho e os inúmeros povos localizados nos interiores dos vales, habitando as cabeceiras de seus afluentes. O potencial de conflito na região era destacado em função das riquezas minerais e vegetais no interior dos vales do Guaporé e do Madeira. Sua análise sobre o eminente perigo de genocídio justificou a sua contratação para as Linhas do Telégrafo. Indicou dois núcleos de atração indígena, os quais tão logo 47 O Ten. Aluízio Pinheiro Ferreira havia participado em 1924 da Revolta do Forte de Óbidos no Pará, resolveu subir os rios do vale do Amazonas e se encontrar com os revolucionários no Paraná. Porém seus recursos eram poucos e conseguiu se refugiar no lado boliviano do rio Guaporé no seringal de Américo Casara como guarda-livros. Foi nesse período que entrou em contato com a geografia dos vales e com os índios Macurapes. Em 1929 cumprindo pena em Belém, enviou do cárcere memorial ao Gal. Rondon descrevendo o seu conhecimento e interesse pela geografia e a etnologia dos vales. Esse memorial foi o passaporte para o Ten. Aluízio Ferreira integrar as forças militares sediadas na região por meio das Linhas Telegráficas. Em 1930 foi indicado por Rondon para a Chefia do 3º Distrito Telegráfico Seção Norte em Santo Antônio do Rio Madeira. Com a Revolução é nomeado delegado de Vargas na região dos vales e do estado do Amazonas, em 1931 fora nomeado diretor da ferrovia administrada pela empresa Madeira Mamoré Railway and Co. Em 1932 à frente da ferrovia, intercede junto ao Ministro da Guerra para a Criação de 03 Contingentes Especiais de Fronteira, acumulando o cargo de Inspetor dos Contingentes. Era o representante da União, controlando os órgãos vitais na região. Em 1943 é nomeado o primeiro governador do Território Federal do Guaporé, 35 fossem “civilizados”, deviam ser transferidos ao Forte Príncipe, no Rio Guaporé, onde se ajustariam “admiravelmente” para a linha divisória com a Bolívia: Os índios vivem em permanente alerta, nas faixas ribeirinhas, em constante observação ao movimento das embarcações. Todos os meses são propícios para as revanches de uma guerra que, como a roda de Ixión, nunca para, com periódicos desfechos de ambas as partes: os pobres caboclos, perseguidos, martirizados, de um lado; os caucheiros e, mais do que eles, as desumanas expedições militares bolivianas de outro... No desespero que o avassala, o aborígene é de uma audácia incrível. ... São decerto esses índios que todos os verões incursionam até os arrabaldes de Guajará Mirim, cruzando as cabeceiras do Rio Preto, ainda hoje impenetrável às explorações dos mais destemidos e as do Pakaás Novas, celebrizado pelas hecatombes nele praticadas contra os silvícolas. ... Sabe-se que não é aconselhável impor bruscamente ao gentio mudança radical nos seus atos e costumes. O trabalho deve ser lento, pertinaz, constante, de modo que ele vá pouco a pouco ingressando no meio civilizado”(... ) Assim, a solução do problema de proteção aos silvícolas do Guaporé, seria resolvida desta forma: organizar-se-iam dois núcleos de atração, um no alto rio Branco, onde começa a zona encachoeirada, a oito dias de viagem da boca e outro no planalto que divide as águas que correm para o Corumbiara e para que suponho ser o Pimenta Bueno. ...Depois de um estágio relativamente curto, os novos colonos seriam transferidos para o estabelecimento central, que ficaria localizado no Forte Príncipe da Beira, facilmente adaptável ao patriótico mister. Assim, a solução do problema de proteção aos silvícolas do Guaporé, seria resolvida desta forma: organizar-se-iam dois núcleos de atração, um no alto rio Branco48, onde começa a zona encachoeirada, a oito dias de viagem da boca e outro no planalto que divide as águas que correm para o Corumbiara e para o que suponho ser o Pimenta Bueno. Os dois postos indígenas, atualmente organizados no São Miguel e no Pacaás Novos, são insuficientes e não preenchem os fins a que se destinam. Lutando com escassos recursos, não asilavam os dois 50 indivíduos. E quanto à pacificação dos bravios, nada podem fazer.49 Sua solução, para “evitar” os conflitos, era atrair os índios dos interiores, liberando a região cheia de riquezas, “amansando” os “bravios” e suas terras. Conjunto à “limpeza” do terreno, pretendia iniciar os indígenas na produção agrícola, transformando-os em índios-soldados-agricultores. Seu projeto era localizar os "novos colonos" no Forte Príncipe da Beira e guardar a fronteira brasileira praticamente “deserta”, prática sedimentada no período de Pombal conforme Meirelles.50 O projeto era “proteger” os antigos povos do “inevitável” massacre do progresso. Colocaram vários povos desconhecidos, por vezes inimigos históricos, sem nenhuma similaridade lingüística e cultural, coabitando no mesmo posto indígena. Desejavam do índio apenas o corpo como mão-de-obra, sua sociedade e cultura seriam dissolvidas em nome da civilização. Prática generalizada entre os militares51, seringalistas e padres espalhados pela Amazônia. Prezia divide a prática missionária em quatro fases, e em uma delas, a: em 1946 se afastou do cargo e se elegeu primeiro deputado federal pelo Território do Guaporé. Foi reeleito em 1950 e em 1954, neste período indicou todos os governadores para a administração do Território. 49 FERREIRA, Ten. Aluízio P. Relatório à Rondon: Em prol do Guaporé. Belém, 1929. Datilografado. [grifos meus] 50MEIRELLES, Denise M. Guardiães da Fronteira– Rio Guaporé, Século XVIII. Petrópolis, Vozes, 1989. 36 1- A tradicionalista, que vai de 1939 ao final do Concílio... com o predomínio da missão clássica, com os batizados em massa, o internato para as crianças indígenas... O objetivo era a conversão e a integração dos povos indígenas à nossa sociedade [brasileira]. ... Se os relatos missionários possuem algo de heróico... evidenciam também a limitação desta prática salvacionista. Boa vontade não era mais suficiente para salvar do extermínio aqueles povos, mesmo que pudessem ser considerados salvos pelo batismo. A catequese era na realidade sinônimo de civilização ocidental e o trabalho missionário levava inevitavelmente estes povos a se integrarem à nossa sociedade. E integração era sinônimo de extermínio cultural e, muitas vezes, físico. O objetivo do trabalho era a evangelização e a integração dos povos indígenas... Na prática muitos destes indígenas, se não perderam a identidade, passaram a viver sérios conflitos culturais, dado o sistema educacional implantado.52 O “humanitarismo” estava presente nos militares e padres, postura recorrente no período da doutrina da formação da “nação brasileira”. No fundo, a construção de seus contrafortes ideológicos se apoia na “metáfora espacial” das fronteiras. Segundo Procópio, padres e soldados sempre tiveram uma relação muito estreita quanto à conversão e integração do índio. Para ele, moralmente não há como a Igreja contestar os militares em recrutar índios para seus batalhões de selva. Os fatos demonstram a semelhança entre o trabalho do padre e do soldado na Amazônia, não existindo antagonismos entre suas estratégias. O autor chama atenção para a cumplicidade entre a Igreja e a FAB que mantêm vôos exclusivos para transportar missionários desde 1940.53 Para Lima54, o SPI apenas atualizou os conceitos civilizatórios da catequese para o conceito de proteção tutelada. Para o autor, a prática se resume numa transformação da violência aberta para a violência simbólica. No caso do vale do Madeira-Guaporé, a violência não foi simbólica como na generalização de Lima. Aqui não houve um cerco de paz. A violência simbólica foi discursiva, a prática era da violência assumida e “naturalizada”. Bigio, em sua conclusão, constatou a mesma prática: A Comissão Rondon e o SPI ofereceram assistência às diversas sociedades indígenas que habitavam Mato Grosso. Porém a história demonstra que a “atração”, a “pacificação” e a “proteção .. não impediram o processo de extermínio físico ou a aniquilação cultural dessas sociedades. Ao contrário “... o SPI serviu muito mais para a incorporação dos territórios indígenas à sociedade brasileira”. 55 51 CASTRO, C. O espírito militar: um estudo de antropologia social na Academia Militar de Agulhas Negras. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1990. Para uma discussão sobre rituais de despersonalização nas academias das forças armadas ver o trabalho do autor. 52PREZIA, Benedito A. A história da Missão junto aos Povos Indígenas: 1939-1995. CIMI/Regional Rondônia. Mimeografado, 1995. pp. 1-5. Grifos do Autor. 53 PROCÓPIO, Argemiro. “Da cruz à espada” in Amazônia: Ecologia e Degradação Social. S. Paulo, Alfa-Omega, 1992. Pp. 169-170. 54LIMA, Antônio C.S. Um Grande Cerco de Paz : Poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1995. 55 BIGIO, Elias dos S. Linhas Telegráficas e Integração de Povos Indígenas: As estratégias Políticas de Rondon (1889-1930). Brasília, Dissertação de Mestrado em História Política e Social do Brasil/UnB, 1996. 37 O Guaporé boliviano estava ocupado pela agropecuária e extrativismo da quina, da poaia, do caucho e da seringa. Conforme suas observações, a "fronteira Guaporé-Mamoré- Abunã, [estava] em completo abandono do nosso lado, quando da banda boliviana existem guarnições militares em Cobija, Manoa, Villa Bella, Guayaramerin, Fortim do Machupo e Rio Verde." Pelo lado brasileiro, o acesso pelo rio Abunã à região do Madeira-Mamoré era livre. Despovoada, não oferecia o menor controle na entrada de cidadãos, embarcações e mercadorias. Manoa, localizada em território boliviano na foz do rio Abunã e embocadura com o Madeira, inversamente, era maior e melhor estruturada. Guayaramerin era entreposto de Riberalta (no Beni) e Baixo Mamoré, apesar de ter 500 habitantes, possuía uma guarnição de 100 praças armados. Além dos oficiais comandantes do Exército, possuía também capitania de portos e alfândega. O povoado personificava o estado central boliviano, com suas unidades administrativas organizadas em departamentos, com forte presença militar. Guajará Mirim constituído como município no estado de Mato Grosso em 1928, apesar de ter o triplo da população, não possuía força de fronteira controlando a movimentação de estrangeiros entrando no Brasil pelo oriente boliviano.56 O Ten. Aluízio Ferreira objetivava a soberania de fronteiras por meio da colonização agrícola com soldados da própria região, reservistas, índios, nordestinos e seringueiros. Este projeto vinha ao encontro dos interesses de seringalistas e comerciantes, às voltas com o problema de mão-de-obra, além de concentrar as ações do poder público nos ministérios da Guerra, da Agricultura e da Viação e Obras Públicas. Os militares viam a colonização agrícola como a única opção para “ocupar”, sedentarizar e fixar pessoas na região. Subliminarmente, tratava-se de deter o controle sobre o ordenamento do espaço, além de colocar limites aos deslocamentos populacionais na região. Tratava-se de ocupar, com “pessoas certas” e atividades sedentárias, “os lugares certos”. Assentado nesses pressupostos, teria início um projeto de ocupação e colonização da região, sob o controle dos militares. O primeiro núcleo agrícola, "Antenor Navarro", foi inaugurado entre abril e maio de 1932, em Porto Velho, no km 06 da rodovia Mato Grosso-Amazonas, por iniciativa da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, já sob a intervenção do governo federal. O jornal Alto Madeira57 apoiou a iniciativa do Diretor da EFMM, devido à ausência de capitais privados para sua execução. Isto pode ser 56 TEIXEIRA, Marcos e FONSECA, Dante. 2ª ed. História Regional (Rondônia). P.Velho, Rondoniana, 1998. Pp. 147. 57MENEZES, E. “Jornalismo em Rondônia” in Porto Velho conta sua história. Porto Velho, SEMCE, 1998. Segundo o autor, o jornal Alto Madeira foi fundado em 1917 pelo médico e político, ex-membro da Comissão Rondon, o Dr. Joaquim Tanajura. A criação do jornal se deu justamente quando fora superintendente do município de Porto Velho, eleito pelo Partido Republicano Conservador e apoiado pelas oligarquias locais, os patrões seringalistas e comerciantes. Logo após ser eleito deputado estadual pelo Amazonas, passou o jornal ao seu correligionário o Ten. Cincinato Elias Ferreira, e assim por diante até chegar às mãos dos Diários Associados. [grifos meus] 38 comprovado no editorial do Alto Madeira, editado no dia 08 de maio: "Governo Federal forneceu muletas ao mulambo combalido que é o nosso Amazonas, ...e dá-nos a impressão de que o Amazonas veria melhores dias se o semeassem de centenas desses núcleos".58 Na visão dos seringalistas, a obrigação de salvar a economia era exclusiva do executivo amazonense. O Ten. Aluízio Ferreira, por meio da ferrovia, veio a intervir na economia e na política local, apoiado pelas elites na abertura dos núcleos agrícolas, na construção de casas e no plantio das primeiras safras. A colônia "Antenor Navarro" foi o resultado da parceria entre a EFMM/3º Distrito Telegráfico e o interventor Álvaro Maia, do estado do Amazonas. Ambos executando a política de “povoamento/ordenamento” do governo federal: Ministro da Viação José Américo diante da exposição do Cap. Aluízio Ferreira concedeu à EFMM um auxílio para a colonização das margens da via férrea, [g.m.] ficando determinado a creação de duas colônias agrícolas nos moldes do núcleo agrícola Antenor Navarro com localização para 30 famílias cada uma, e uma média de 80 trabalhadores. Estas colônias ficarão situadas uma perto de Guajará-Mirim e a outra perto da vila de Presidente Marques (Abunã), devendo os serviços para o seu estabelecimento serem iniciados a 1° de agosto vindouro.59 Os interesses das elites civis e militares se compartilhavam na colonização, visto o apoio local à política ministerial. A medida federal, acompanhada de verba específica, oficializou a “ocupação/intervenção” na região pelo governo federal. Os núcleos agrícolas foram organizados com lotes de 25 hectares, sendo 500m de frente por 500m de extensão, constituindo minifúndios voltados para culturas anuais: arroz, feijão, milho e mandioca. O objetivo declarado era o enraizamento do colono (seringueiros, soldados e os índios “civilizados”) por meio da pequena propriedade. Considerando um “incentivo” aos antigos servos do barracão, os seringalistas e seus “aliados” militares esperavam pelos nordestinos espoliados da terra. As elites civil e militar presumiam a fixação do colono pela posse do minifúndio. O objetivo real era o barateamento dos gêneros e o aumento do lucro dos comerciantes e seringalistas. Podemos tomar por exemplo o núcleo agrícola do Iata, estruturado segundo as normas estabelecidas pela lei federal sobre colônias agrícolas. O sistema funcionava da seguinte maneira: primeiro o trabalhador era atraído no nordeste pelas agências do governo federal, e a ele era prometido passagem gratuita, alimentação e assistência médica gratuita. Aos que eram egressos dos seringais, era necessário uma seleção para poder ter 58 “Colonização”. ALTO MADEIRA. Porto Velho, 08 de maio de 1932. 59 “A Exposição apresentada pelo Cap. Aluízio Ferreira traz inestimáveis benefícios à região”. ALTO MADEIRA. Porto Velho, 31 de julho de 1932. Primeira Página. Anexo 02 do Centro de Documentação Histórica de Rondônia/SECET. 39 acesso aos lotes. Era dada preferência aos homens maiores, casados e com filhos, depois em ordem decrescente, os de menor idade, os sem filhos, os solteiros e assim por diante. No início, o colono ficava no núcleo urbano da colônia, aguardando a demarcação dos lotes. Enquanto aguardava, era aproveitado para construir mais residências para novos migrantes que chegavam, também para demarcar novos lotes num sistema rotativo contínuo por mais de dez anos, entre a década de 30 e 40. Quando a família era instalada no lote, numa casa de madeira coberta com palha, feita geralmente pelos contingentes ou até mesmo pelos não-assentados, chegava outro para ocupar seu lugar no núcleo urbano e assim sucessivamente. A análise de Silva60, sobre o fracasso das colônias agrícolas, comprova esta minha interpretação. Seu estudo de caso foi o Núcleo Agrícola do Iata (Guajará Mirim). Para a autora, o declínio deveu-se ao reduzido tamanho dos lotes, impedindo a rotatividade de culturas e a baixa qualidade das terras. Empecilhos agravados pela ausência de assistência técnica, na correção do solo e na política de preços, pelo alto custo dos fretes “oficiais” e outros encargos, onerando e subtraindo os ganhos depreciados dos colonos. Alguns abandonaram suas terras e voltaram para o seringal, ou foram para o garimpo, ou partiram em busca de novas “terras férteis”. Na inauguração dos núcleos agrícolas, foi usado o paradoxal argumento da "falta de braços" e do "vazio demográfico" em Guajará Mirim e em Presidente Marques: “É preciso attrahir colonos de outros estados para evitar a deslocação dos que já se encontram situados, não só para augmentar a população tão reduzida pela falta de occupação como também para incentivar e encorajar os que aqui se acham desanimados, entibiados, descrentes de melhor futuro.”61 Os espaços estavam ocupados, porém com populações tradicionais, alheias aos interesses “nacionais”, não faltava gente. Faltavam “coragem” e “incentivo” aos incapazes que “precisavam” da tutela dos militares. O relatório do Ten. Aluízio Ferreira ao Gen. Rondon explicitou, em 1929, a questão da “falta de braços, “não sucede o mesmo no médio e alto Guaporé, onde as margens são pontilhadas de barracas dos pretos mato-grossenses, egressos dos mocambos de Vila Bela e aferrados à vida improdutiva de caçar, pescar e procriar, mas em regra refratários à indústria gomífera, a única explorada e organizada na região.” 62 Comprova-se pela historiografia63 e 60 SILVA, Francisca A. Iata: Uma tentativa de Colonização (1943-1972). Goiânia, Dissertação de Mestrado UFGO, 1987. 61“Colonisação”. ALTO MADEIRA. Porto Velho, 17 de agosto de 1932. Primeira página. 62 FERREIRA, Ten. A. Em Prol do Guaporé. Memorial enviado ao Gal. Rondon Belém do Pará, 18/02/1929. 63TEIXEIRA, M.. Dos campos d'ouro à cidade das ruínas: apogeu e decadência do colonialismo português no Vale do Guaporé (séc. XVIII e XIX). UFPE, Dissertação de Mestrado, Recife, 1997 e MEIRELLES, Denise M. Os Guardiães da Fronteira. Cuiabá, UFMT, 1983. Para esta “invenção” do vazio ver os trabalhos destes autores. 40 pelos relatórios militares64 a ocupação dos territórios e a contradição com o discurso paradoxal de “vazios demográficos” criado pelos segmentos dominantes, moeda política e econômica em suas mãos. Os locais escolhidos para a instalação dos núcleos eram estratégicos, do ponto de vista militar. O núcleo do Iata, no entroncamento e foz dos rios tributários, que vinham da Bolívia. Os rios Mamoré, Beni, Madre de Dios e Iata eram rotas de trânsito, portas de entrada franca para o Brasil. O núcleo de Abunã situava-se na foz do rio Abunã com o Madeira, porteira escancarada ao país vizinho. Considerados pontos estratégicos para a defesa do território, esses locais foram escolhidos sem levar em consideração a fertilidade das terras, que foram sequer mencionadas. O núcleo de Poço Doce foi implantado, no dia 17 de Agosto de 1932, próximo à Guajará Mirim entre os km 338 e 346, da EFMM, em ponto estratégico para a implantação da colônia agrícola, movimentada via de acesso ao lado “brasileiro”. A descrição contida em 1932 é idêntica à do decreto.65 O decreto permite avaliar a continuidade do modelo de “ocupação” por meio de colônias. Pinto66 ressaltou a criação das colônias agrícolas, como ações relevantes para a criação do território. Traz-nos elementos reveladores do contexto social e de sua visão de historiador: As realizações que estavam sendo efetuadas em Rondônia (sic), com a criação de contingentes militares para instalar colônias agrícolas, escolas, campos de pouso e estradas, demonstravam que o projeto político da Revolução de 1930, pelo menos nessa região, estava sendo executado . Núcleos de agricultores haviam sido instalados ao longo da Estrada de ferro Madeira Mamoré, nos lugares Iata, Poço Doce, Jaci-Paraná e Abunã, bem como ao longo da rodovia Amazonas-Mato Grosso, entre os quilômetros 8 e 13, e mais adiante, no cruzamento do rio Candeias. O Ten. Aluízio Ferreira, Chefe do Distrito Telegráfico e Diretor da EFMM, estava subordinado à política nacional. "O ministro da fazenda encaminhou ao ministro do trabalho uma carta do major Juarez Távora solicitando à presidência recursos à disposição do Amazonas para localizar os desoccupados nas colônias agrícolas." 67 Os núcleos agrícolas eram a saída para o extrativismo na década de 30. Os preços da borracha não compensavam os custos. A agricultura, baseada na pequena propriedade, baixaria os custos de produção e garantiria uma oferta estável de mão de obra fixada a 64 FERREIRA, Ten. A. Em Prol do Guaporé. Memorial enviado ao Gal. Rondon Belém do Pará, 18/02/1929. 65“A Exposição apresentada pelo Cap. Aluízio Ferreira traz inestimáveis benefícios à região”. ALTO MADEIRA. Porto Velho, 31 de julho de 1932. Primeira Página. 66PINTO, Emanuel P. Rondônia Evolução Histórica: A Criação do Território de Guaporé, fator de Integração Nacional. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1993. Pinto foi correligionário do Cap. Aluízio Ferreira, eleito em 1946 como o primeiro deputado federal constituinte do Território Federal do Guaporé com largo apoio das classes dominantes. O autor foi seringalista, jornalista, empresário e político apoiava- e apoia atualmente via historiografia- as ações militares e governamentais de seu ex-padrinho político. 67 “Transcrição Jornal do Commércio de Manáos”. ALTO MADEIRA. Porto Velho, 10 de julho de 1932. 41 terra. A visão das classes dominantes ia ao encontro da política de ocupação de Vargas, interessado no apoio das oligarquias regionais. O Estado Novo sistematizou a organização dos núcleos coloniais definindo normas para a localização de núcleos agrícolas, que “deveria estar em ponto próximo de centro de população servida por estradas de ferro, rodovia ou companhia de navegação." 68 Foi editado, em outubro do mesmo ano, decreto dispondo sobre os planos de colonização dos Estados e Municípios69, estabelecendo os critérios e a localização das áreas. A centralização da distribuição das terras nas mãos do Conselho de Segurança Nacional foi legitimada pela “ordem estratégica” explicitada no art. 5º. A competência atribuída ao Conselho de Imigração e Colonização e às repartições estaduais e municipais não prejudica a do Conselho de Segurança Nacional, nos casos que lhe são reservados. Em seguida, o decreto-lei 6.ll770 previa a disciplina e ordem nas colônias em moldes militares. Os administradores centralizavam o poder de expulsão dos colonos, subjugando-os ao clientelismo político. A ocupação, por meio de núcleos agrícolas, era uma das estratégias para o controle militar de fronteira: ... O contingente de Porto Velho tem a seu cargo a construcção e a conservação da rodovia de penetração "Amazonas-Matto Grosso", ... foi justamente para intensificar os trabalhos rodoviários, que o Contingente de Porto Velho, por aviso n.º 207, de 21 de marco de 1934, teve o seu effectivo augmentado, na fusão com o Contingente de Linhas Telegráficas. ... Objetiva essa estrada de rodagem attrahir, pela rapidez de transporte, a colonização em extensa faixa territorial quase deserta e em terras fertilíssimas ... Além da construcção da rodovia, o Contingente de Porto Velho auxilia o desenvolvimento do Núcleo Agrícola local, installado no kilometro 9 da estrada de rodagem. Nelle estão estabelecidas 25 famílias de patrícios egressos dos seringaes, em lotes de 25 hectares, tendo cada uma dellas recebido uma lavoura de 03 hectares em estado de producção e uma barraca de feitio regional, para moradia.71 Acrescente-se que o Contingente de Fronteiras de Porto Velho havia desbravado uma área de 50 hectares. Com o apoio do Contingente de Porto Velho, houve significativo aumento na produção, cujo resultado permitiu a aquisição de máquinas para uma pequena usina de açúcar, álcool e farinha de mandioca. A proteção à agricultura assemelhava-se a um ensaio de economia dirigida aos moldes da economia planificada. A deficiência alimentar era um dos problemas mais graves para a ocupação das fronteiras, fator que diminuía a resistência física dos habitantes. “E foi por isso que o recrutamento para os Contingentes se procedeu, entre a população aclimatada.” Só com os habitantes adaptados ao meio, foi possível a 68 LEGISLAÇÃO FEDERAL. Decreto-Lei n° 2009 de 09 de fevereiro de 1940. S. Paulo, LEX Editora S.A., 1964. 69 LEGISLAÇÃO FEDERAL.. Decreto-lei n° 2681. Dispõe sobre os planos de colonização dos Estados e Municípios. 07/10/40. S. Paulo, LEX Editora, 1.964. 70 LEGISLAÇÃO FEDERAL. Decreto-lei n.º 6117. Regula a fundação dos Núcleos Coloniais e dá outra providências. 16/12/43. S. Paulo, LEX Editora, 1.964.. 71 FERREIRA, Cap. Aluízio. Relatório enviado ao comandante da 8ª Região Militar. 28 de setembro de 1935. 42 construção de rodovias e núcleos agrícolas. Concomitante à ocupação agrícola deveria ocorrer a ocupação militar para dar o devido apoio à empreitada. Neste sentido, para garantir a “ocupação” da região, foram criados três contingentes militares de fronteira em locais estratégicos. O Ministério da Guerra, pelo aviso n.º 532, determinou que “a creação de contingentes de forças federaes [seria] nas cidades de Porto Velho, Guajará Mirim e Forte Príncipe da Beira, todos, porém comandados por oficiais".72 Desse modo, o Ten. Aluízio Ferreira reuniu em suas mãos o poder quase absoluto sobre o território. A partir do control