UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” (UNESP) INSTITUTO DE QUÍMICA DEPARTAMENTO DE FÍSICO-QUÍMICA Melany Isabel Garcia Nicholson ESTUDO TEÓRICO DE PROPRIEDADES ESTRUTURAIS, ELETRÔNICAS E REDOX DE MONOCAMADAS ELETROATIVAS ARARAQUARA 2019 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Instituto de Química Departamento de Físico-Química MELANY ISABEL GARCIA NICHOLSON Estudo Teórico de Propriedades Estruturais, Eletrônicas e Redox de Monocamadas Eletroativas Orientador: Professor Dr. Gustavo Troiano Feliciano Coorientador: Professor Dr. Paulo Roberto Bueno Araraquara 2019 Dissertação apresentada ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Química. DADOS CURRICULARES Melany Isabel Garcia Nicholson DADOS PESSOAIS Nascimento: 05/07/1995 Nacionalidade: Brasileira Naturalidade: Araraquara – SP FORMAÇÃO ACADÊMICA/ TITULAÇÃO 2013-2016 Bacharelado em Química. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, Instituto de Química, Campus de Araraquara. Trabalho de Conclusão de Curso: Química Computacional: Um Estudo Multidisciplinar Dentro das Subáreas da Química Através do Modelo de Hartree-Fock. Orientador: Professor Dr. Gustavo Troiano Feliciano. PRÊMIOS E TÍTULOS 2016 Prêmio Lavoisier, Conselho Regional de Química – IV Região. ARTIGOS COMPLETOS PUBLICADOS EM PERIÓDICOS 1. LEHR, J.; WEEKS, J. R.; SANTOS, A.; FELICIANO, G. T.; NICHOLSON, M. I. G. DAVIS, J. J.; BUENO, P. R. Mapping The Ionic Fingerprints Of Molecular Monolayers. Physical Chemistry Chemical Physics. v. 19, p. 15098-15109, 2017. TRABALHOS PUBLICADOS EM ANAIS DE EVENTOS 1. NICHOLSON, M. I. G.; BUENO, P. R.; FELICIANO, G. T.; SANTOS, A. Estudo da Propriedade Anti-Incrustante de Monocamadas Auto Organizadas por Microbalança à Cristal de Quartzo e Dinâmica Molecular. In: 39ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 2016, Goiânia – GO. 2. NICHOLSON, M. I. G.; FELICIANO, G. T. The Hartree-Fock Method as a Tool for Learning Chemistry. In: 46th World Chemistry Congress, 40ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química e IUPAC 49th General Assembly, 2017, São Paulo – SP. PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS 1. 43ª Semana da Química (UNESP – Instituto de Química, Araraquara – SP), 2013. 2. 45ª Semana da Química (UNESP – Instituto de Química, Araraquara – SP), 2015. 3. 39ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 2016. Estudo da Propriedade Anti-Incrustante de Monocamadas Auto Organizadas por Microbalança à Cristal de Quartzo e Dinâmica Molecular. 4. 46th World Chemistry Congress, 40a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química e IUPAC 49th General Assembly, 2017. The Hartree-Fock Method as a Tool for Learning Chemistry. 5. IV Escola de Brasileira de Modelagem Molecular (IV EBMM), 2017. Estudo da Característica Anti-Incrustante da Monocamada de Polietileno Glicol. 6. 48ª Semana da Química (UNESP – Instituto de Química, Araraquara – SP), 2018. ORGANIZAÇÃO DE EVENTO 1. 46ª Semana da Química e 1ª Semana da Engenharia Química (UNESP – Instituto de Química, Araraquara – SP), 2016. ATIVIDADES COMPLEMENTARES 1. Seminários Gerais, 2017. 2. Estágio-Docência. Disciplina: FQ31245 - Físico-Química Experimental, Engenharia Química. Supervisão: Professor Dr. Denis Ricardo Martins de Godoi, 2018. Agradecimentos Agradeço à minha família, por estar ao meu lado e me ajudar nos momentos difíceis. Agradeço aos meus pais, David e Liliane, pelo cuidado e amor demonstrados ao longo de todos esses anos. Á minha irmã Lianelle, pela amizade e companhia. Aos meus avós, Sr. Graeme, Dna Joana, Sr. Matheus e Dna Ayve, tios, Matheus, Tânia, Carolina e Marcos, e primos, Aline, Lucas, Benjamin e Oliver, pela companhia e amor. Agradeço ao meu orientador, Professor Dr. Gustavo Troiano Feliciano, e ao meu co-orientador, Professor Dr. Paulo Roberto Bueno, pela oportunidade oferecida assim como pelas constantes orientações e auxílios durante o período desta pesquisa que foram imprescindíveis para seu bom andamento e conclusão. Agradeço aos integrantes do grupo de pesquisa do Laboratório de Físico- Química Teórica e Modelagem Molecular pelas contribuições e valiosas discussões em especial ao Me. Luis Paulo Mezzina Freitas por todo auxílio e amizade. Agradeço também ao Dr. Adriano dos Santos que desde a Iniciação Científica vem me auxiliando e acompanhando. Por último, agradeço ao Instituto de Química – UNESP – Araraquara pela infraestrutura oferecida e as agências de fomento, CNPq, CAPES e FAPESP, pelos auxílios que permitiram a conclusão deste trabalho. Resumo O estudo de monocamadas eletroativas vem ganhando espaço na literatura pois tem se mostrado como uma ferramenta muito promissora para a obtenção de diagnósticos cada vez mais rápidos e precisos para uma grande variedade de condições. Embora o número de publicações sobre o assunto venha aumentando significativamente com o passar dos anos, ainda não existem estudos aprofundados sobre a relação entre a estrutura da monocamada e suas propriedades eletrônicas e redox e como estas influenciam na detecção mais ou menos sensível de moléculas-alvo. Esta dissertação apresenta o estudo teórico das propriedades estruturais, eletrônicas e redox de uma monocamada peptídica com ferroceno terminal preso a uma superfície de ouro. Os cálculos foram feitos numa interface GROMACS-ORCA através da qual se produziram dinâmicas clássicas, quânticas e híbridas (QM/MM). Os resultados obtidos incluem uma comparação de cálculos single point para a estrutura do ferroceno com três bases (6-31G*, DEF2-SVP e DEF2-TZVP) e cinco funcionais (B3LYP, BLYP, BP86, PBE0 e PBE) no qual o conjunto DEF2-TZVP/ BP86 obteve os melhores resultados. A mesma estrutura foi usada para calcular, por meio do QM/MM, a distribuição da energia potencial do ferroceno reduzido e oxidado com a finalidade de produzir curvas de Marcus e analisar se este complexo obedece aos princípios delineados por essa teoria. As curvas mostraram que o ferroceno segue a teoria de Marcus se o meio no qual ele se encontra for homogêneo. Por último, fizeram-se simulações clássicas para obterem-se informações estruturais da monocamada formada pelo peptídeo cuja sequência é (C5H5-Fe-C5H5)-CH2-CH2-Glu-Ala-Ala-Cys-NH2. Os resultados mostraram que este peptídeo se organiza mais compactamente de maneira hexagonal sobre o ouro (111). Os resultados dão indícios de que existem algumas águas estruturais que participam dos processos de troca eletrônica e que a grande quantidade de ligações de hidrogênio estabiliza a monocamada. Palavras-chave: Simulações Computacionais. Teoria do Funcional da Densidade. Ferroceno. Peptídeos. Monocamadas Automontadas. Abstract The study of electroactive monolayers has been gaining ground in the literature because it has proved to be a very promising tool for obtaining faster and more accurate diagnostics for a wide variety of conditions. Although the number of publications on the subject has increased significantly over the years, there are still no in-depth studies on the relationship between monolayer structure and its redox and electronic properties and how these influence in the sensitivity for detecting target molecules. This dissertation presents the theoretical study of the structural, electronic and redox properties of a peptidic monolayer with ferrocene attached to a gold surface. The calculations were made in a GROMACS-ORCA interface through which classical, quantum and hybrid dynamics (QM/MM) were produced. The results obtained include a comparison of single point calculations for the ferrocene structure with three bases (6-31G*, DEF2-SVP and DEF2-TZVP) and five functional ones (B3LYP, BLYP, BP86, PBE0 and PBE) in which the set DEF2-TZVP/ BP86 got the best results. The same structure was used to calculate the distribution of the potential energy of reduced and oxidized ferrocene by means of the QM / MM in order to produce Marcus curves and to analyze if this complex obeys the principles outlined by this theory. The curves showed that ferrocene follows Marcus's theory if the medium in which it is found is homogeneous. Finally, classical simulations were performed to obtain structural information of the monolayer formed by the peptide whose sequence is (C5H5-Fe- C5H5)-CH2-CH2-Glu-Ala-Ala-Cys-NH2. The results showed that this peptide is more compactly organized in a hexagonal manner on gold (111). The results indicate that there are some structural waters that participate in the processes of electronic exchange and that the great amount of hydrogen bonds stabilizes the monolayer. Keywords: Computational Simulations. Density Functional Theory. Ferrocene. Peptides. Self Assembled Monolayers. Lista de Ilustrações Figura 1 – Esquema de formação das camadas automontadas. .............................. 15 Figura 2 – Estrutura do ferroceno. ............................................................................. 16 Figura 3 – Mecanismo de oxirredução. ..................................................................... 17 Figura 4 – Esquema explicativo do funcionamento dos teoremas de Kohn e Sham para o sistema ideal de um gás de elétrons. ................................................ 23 Figura 5 – Esquema explicativo do funcionamento dos teoremas de Kohn e Sham para um sistema real qualquer. .................................................................... 24 Figura 6 – Exemplo de sistema QM/MM. .................................................................. 28 Figura 7 – Termos para a parametrização da energia potencial do sistema. ............ 32 Figura 8 – Estrutura do ferroceno. ............................................................................. 34 Figura 9 – Ciclo termodinâmico absoluto (ciclo A), relativo (ciclo B) e o ciclo absoluto do ferroceno. ........................................................................................ 39 Figura 10 – Perfil das superfícies de energia potencial para os reagentes (R) e produtos (P) ......................................................................................... 41 Figura 11 – Esquema representativos das simulações QM/MM realizadas e dos cálculos single point ............................................................................. 42 Figura 12 – Estrutura do a) peptídeo; b) peptídeo + ferroceno. ................................ 43 Figura 13 – Estrutura do a) peptídeo em água; b) peptídeo + ferroceno em água; ... 44 Figura 14 – Monocamada peptídica com ferroceno em água. .................................. 45 Figura 15 – Monocamada peptídica com ferroceno em arranjo hexagonal em água sobre ouro ............................................................................................ 46 Figura 16 – Ciclo termodinâmico para a obtenção do potencial de oxirredução real do ferroceno. ............................................................................................. 48 Figura 17 – Erro percentual para os funcionais, dependendo da base empregada. . 50 Figura 18 – Cargas segundo Mulliken, na base DEF2-SVP e funcional BP86, para o ferroceno a) reduzido; b) oxidado. ....................................................... 51 Figura 19 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado reduzido do ferroceno. ........................... 52 Figura 20 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado oxidado do ferroceno com íon cloreto. ... 53 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413675 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413675 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413676 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413676 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413678 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413687 file:///D:/Melany/Mestrado%20-%20Química/Defesa/Dissertação%20-%20Refs%20-%20MIGN%20-%20Correções%20-%20REFS%20-%20VI.docx%23_Toc17413687 Figura 21 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado oxidado do ferroceno com carga de fundo. ............................................................................................................. 53 Figura 22 – Curvas de Marcus para o ferroceno cuja estrutura oxidada foi neutralizada com um íon cloreto. ............................................................................. 54 Figura 23 – Curvas de Marcus para o ferroceno cuja estrutura oxidada foi neutralizada com uso de carga de fundo.................................................................. 54 Figura 24 – Mapas de potencial; a) ferroceno; b) peptídeo; c) peptídeo + ferroceno; todas as escalas estão em eV. ............................................................ 56 Figura 25 – Resultados das pré-dinâmicas. a) energia potencial; b) temperatura; c) pressão; d) densidade. ........................................................................ 57 Figura 26 – Resultados da dinâmica de produção. a) RSMD do peptídeo; b) RSMD da água; c) distribuição radial da água; d) número de ligações de hidrogênio. ........................................................................................... 59 Figura 27 – Resultados da dinâmica de produção para monocamada peptídica. a) RSMD da monocamada; b) distribuição radial da água; c) número de ligações de hidrogênio com a monocamada; d) número de ligações de hidrogênio com a água. ....................................................................... 60 Figura 28 – Monocamada a) peptídica b) peptídica com ferroceno ambas ao fim da dinâmica............................................................................................... 61 Figura 29 – Resultados da dinâmica de produção para monocamada peptídica com ferroceno. a) distribuição radial de átomos de ferro; b) distância entre átomos de ferro. ................................................................................... 62 Figura 30 – Resultados da dinâmica de produção para monocamada peptídica com ferroceno na conformação hexagonal. a) RSMD da monocamada; b) distribuição radial da água; c) número de ligações de hidrogênio com a monocamada; d) número de ligações de hidrogênio com a água. ....... 63 Figura 31 – Monocamada com estrutura hexagonal sobre ouro a) vista superior b) vista lateral ambas ao fim da dinâmica ................................................ 64 Lista de Tabelas Tabela 1 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base 6- 31G*. .................................................................................................... 47 Tabela 2 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base DEF2-SVP. .......................................................................................... 47 Tabela 3 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base DEF2-TZVP. ........................................................................................ 48 Tabela 4 – Resultados e erros percentuais para a base 6-31G*. .............................. 49 Tabela 5 – Resultados e erros percentuais para a base DEF2-SVP. ........................ 49 Tabela 6 – Resultados e erros percentuais para a base DEF2-TZVP. ...................... 50 Lista de Abreviaturas e Siglas DFT Density Functional Theory, Teoria do Funcional da Densidade HF Hartree-Fock HK Hohenberg-Kohn KS Kohn-Sham LDA Local Density Approximation, Aproximação da Densidade Local GGA Generalized Gradient Approximation, Aproximação do Gradiente Generalizado STO Slater Type Orbital, Orbital do tipo de Slayer GTO Gaussian Type Orbital, Orbital do tipo Gaussiano PBE Funcional de troca e correlação na Aproximação do Gradiente Generalizado proposto por Perdew, Burke e Ernzerhof PBE0 Funcional híbrido baseado no PBE BLYP Funcional de troca de Becke (B) e o de correlação de Lee, Yang e Parr (LYP) na Aproximação do Gradiente Generalizado B3LYP Funcional híbrido baseado no funcional de troca de Becke e no funcional de correlação de Lee, Yang e Parr (LYP) BP86 Funcional de troca de Becke (B) e o de correlação de Perdew (P86) na Aproximação do Gradiente Generalizado EA Electron Affinity, Afinidade Eletrônica IP Ionization Potential, Potencial de Ionização SAM Self-Assembled Monolayer, Monocamada Automontada BO Born-Oppenheimer RMSD Root Mean Square Deviation, Raiz do Valor Quadrático Médio RDF Radial Distribution Function, Função da Distribuição Radial Sumário 1. Introdução ........................................................................................................ 14 1.1. Monocamadas Automontadas e o Grupamento Ferroceno ................... 14 1.2. Métodos de Cálculo Teórico...................................................................... 17 1.3. Parametrização de Moléculas ................................................................... 26 1.4. Método Híbrido QM/MM ............................................................................. 27 1.5. Dinâmica Molecular .................................................................................... 30 2. Objetivos ........................................................................................................... 33 3. Metodologia ..................................................................................................... 34 3.1. Cálculos do Potencial de Oxirredução do Ferroceno ............................. 34 3.2. Curvas de Marcus para o Ferroceno ........................................................ 40 3.3. Construção e Parametrização do Peptídeo ............................................. 43 3.4. Dinâmicas com o Peptídeo ........................................................................ 44 3.5. Construção e Simulação das Monocamadas Automontadas ................ 44 3.6. Parâmetros Computacionais ................................................................. 46 4. Resultados e Discussão ........................................................................... 47 4.1. Cálculos do Potencial de Oxirredução do Ferroceno ............................. 47 4.2. Curvas de Marcus para o Ferroceno ........................................................ 52 4.3. Construção e Parametrização do Peptídeo ............................................. 55 4.4. Dinâmicas com o Peptídeo ........................................................................ 56 4.5. Construção e Simulação das Monocamadas Automontadas ................ 59 5. Conclusão ........................................................................................................ 65 Referências Bibliográficas .............................................................................. 67 14 1. Introdução 1.1. Monocamadas Automontadas e o Grupamento Ferroceno A nanotecnologia, palavra primeiramente usada em 1959 por Feynman1 e conceituada apenas em 1974 por Taniguchi, faz referência à possiblidade de manipular estruturas atômicas de ordem nanométrica com a finalidade de produzir materiais com novas propriedades. Assim, a área da ciência que estuda as técnicas de manipulação das estruturas atômicas é denominada de nanociência. Embora este termo tenha sido cunhado em 1974, alguns cientistas já tinham feito descobertas importantes que apenas foram reconhecidas posteriormente. A formação de monocamadas automontadas sobre substratos sólidos é um exemplo disto: em meados da década de 40, Zisman relatou a formação de uma monocamada de surfactante sobre uma superfície metálica2. Entretanto, naquela época, os mecanismos de formação das monocamadas ainda não eram bem compreendidos e, por isso, o trabalho de Zisman não obteve, imediatamente, o reconhecimento devido pelo relato desta descoberta. Atualmente, as monocamadas automontadas, do inglês Self-Assembled Monolayers ou SAMs, são caracterizadas pela formação organizada de uma camada de dimensões monomoleculares, normalmente de escala nanométrica, sobre um determinado substrato, que geralmente é sólido2,3. Essas monocamadas podem ser de diversos tipos, desde alcanotióis, até sequências peptídicas, camadas zwiteriônicas, poliamidas, polissacarídeos, entre outros4. Os substratos nas quais essas monocamadas podem ser preparadas incluem sílica, óxido de silício, quartzo, vidro, óxido de alumínio, mica e ouro2. Monocamadas de alcanotióis e peptídeos que possuem um grupo ferroceno terminal podem se organizar sobre uma superfície limpa e polida de ouro5, metal que, por ser pouco reativo e fácil de ser limpo e polido, é uma das possibilidades de suporte sólido no qual ocorre a adsorção irreversível sobre a superfície, podendo formar recobrimentos estáveis e reprodutíveis2,3. As aplicações são amplas na medicina, como recobrimento 15 de próteses para que estas sejam mais biocompatíveis, uso em biosensores6 para diagnóstico precoce de doenças como câncer e a dengue, assim como em nanotecnologia, como eletrônica molecular e produção de nano dispositivos3, além das aplicações como ferramenta eletroquímica para o estudo de propriedades termodinâmicas e cinéticas, entre outras. A formação da monocamada sobre a superfície de ouro é produto de uma reação espontânea, sendo formada à medida que esta reação alcança o equilíbrio termodinâmico. Em termos práticos, basta submergir a superfície em questão (devidamente limpa e polida) numa solução diluída (da ordem de μM a mM) da espécie química de interesse e aguardar que ela se organize sobre o substrato. O fator tempo é variante dependendo do tipo de monocamada e substrato utilizados. A Figura 1 mostra, esquematicamente, como este processo ocorre. Figura 1 – Esquema de formação das camadas automontadas. Fonte: adaptado da ref. 7. Os alcanotióis reagem com a superfície de ouro segundo a Equação 1, mostrada a seguir, adsorvendo sobre a superfície do metal de maneira irreversível (quimisorção)2: 𝑅 − 𝑆 − 𝐻 + 𝐴𝑢𝑛 0 → R − S−Au+ ∙ 𝐴𝑢𝑛 0 + 1 2 H2 (𝑔) Equação 1 A produção de hidrogênio na forma gasosa (𝐻2 (𝑔)) ou na forma de íons (𝐻+) depende do potencial e do pH do meio, segundo o respectivo diagrama de Pourbaix. 16 Os peptídeos também reagem sobre uma superfície de ouro da mesma forma que a reação mostrada acima desde que possuam uma cisteína terminal, pois o enxofre na sua cadeia lateral reage com o ouro da superfície. Há uma variedade grande de peptídeos que podem ser estudados via modelagem molecular mas o peptídeo de interesse neste trabalho, cuja sequência é CH2-CH2-Glu- Ala-Ala-Cys-NH2 (sem ferroceno) ou (C5H5-Fe-C5H5)-CH2-CH2-Glu-Ala-Ala-Cys-NH2 (com ferroceno) já foi sintetizado e aplicado como suporte para um aptâmero que se liga a proteínas C-reativas8 e, pelos resultados obtidos, parece ser bem promissor para outras aplicações na área de sensoriamento. Embora tenham sido relatados bons resultados na parte experimental, não se sabe exatamente o porquê desta estrutura ter rendido bons resultados quando comparada a outros peptídeos que foram sintetizados. Por esse motivo, o presente trabalho deseja estudar essa estrutura mais a fundo visando propor razões pelas quais os resultados obtidos na parte experimental foram tão relevantes. A parte de sensoriamento se deu graças a sonda redox, que neste caso é o ferroceno. Ele é um complexo de ferro no qual o metal se encontra entre dois ciclos de cinco membros paralelos entre si, como mostra a Figura 2, posição na qual o átomo de ferro encontra-se carregado positivamente como Fe(II)9. Figura 2 – Estrutura do ferroceno. Legenda: Os átomos em verde são carbonos, em branca, hidrogênios, em ciano, ferro e X(1) e X(2) indicam o centro dos respectivos ciclos. Fonte: ref. 9. O ferroceno foi descoberto por acaso por Pauson e Kealy em 1951, ao tentarem sintetizar o fulvaleno10,11. O novo composto era estável em meio ácido, aquoso e básico 17 e só se decompunha acima de 300 °C10. Mais tarde, percebeu-se que o ferroceno possuía propriedades de oxirredução, ou seja, pode sofrer oxidação ou permanecer na forma reduzida, como mostra a Figura 3. Na forma neutra do ferroceno, o ferro tem estado de oxidação +2 (𝐹𝑒2+) e na forma oxidada do complexo, o ferro tem estado de oxidação +3, é (𝐹𝑒3+) e em ambas as estruturas cada ciclo tem carga -1. Figura 3 – Mecanismo de oxirredução. Fonte: adaptado da ref. 11. A descoberta do ferroceno abriu uma ampla janela de novas possibilidades na área de síntese de compostos inorgânicos que até hoje continua a se desenvolver, sendo que vários derivados possuem ação medicinal, seja como antibacterianos, antifúngicos, antimaláricos, entre outros11. No entanto, ao ser utilizado como grupamento terminal para monocamadas12, estas monocamadas passam a apresentar características eletroativas, devido as propriedades de oxirredução do ferroceno, mencionadas acima, onde o Fe2+ pode se oxidar para Fe3+ e este por sua vez pode se reduzir para retornar a forma anterior, permitindo ao grupamento variar seu grau de oxidação, fato que possibilita que esse sistema sirva de modelo para caracterizações mecanísticas e como uma ferramenta para investigação de fenômenos eletroquímicos. 1.2. Métodos de Cálculo Teórico Com o início da mecânica quântica nas primeiras décadas do século XX, com grandes nomes como Max Planck, Erwin Schrödinger, Werner Heisenberg e Paul Dirac, a ciência sofreu uma troca de paradigma pela introdução da noção de quantização proposta por Plank. Isso fez com que houvesse uma mudança na maneira de pensar os fenômenos e ao mesmo tempo abriu um novo caminho para que a ciência pudesse avançar. Desde a célebre publicação feita por Schrödinger em 1926, com a elaboração + 18 da equação �̂� Ψ = 𝐸 Ψ e a resolução do problema do átomo de hidrogênio, muitas outras e novas problemáticas surgiram, desafiando cientistas a melhorarem os artifícios de cálculo existentes ou a proporem novos métodos. Um dos problemas imediatos que surgiu após a publicação da equação de Schrödinger foi o cálculo das propriedades de átomos multieletrônicos, já que a equação deixa de possuir solução exata para esse tipo de sistema. Dessa forma, surgiram métodos aproximados, também conhecidos como métodos numéricos, que resolvem aproximadamente o problema e fornecem respostas as questões desejadas de forma satisfatória13,14. Um dos primeiros métodos desenvolvidos e utilizados para se obter algumas das propriedades dos átomos multieletrônicos e moléculas simples, foi o método de Hartree- Fock (HF). Este está apoiado sobre cinco princípios básicos13,14,15,16 que são: a aproximação de Born-Oppenheimer14,15, o princípio da indistinguibilidade14, a aproximação da partícula independente14,16, o princípio da exclusão de Pauli14 e o princípio variacional14,16. A seguir, discutir-se-ão estes cinco princípios básicos com mais detalhes. A aproximação de Born-Oppenheimer14,15 supõe que a função de onda total é separável em duas componentes (nuclear e eletrônica). Matematicamente: Ψ(𝑟𝑖𝑗 , 𝑅𝐴) =Ψ𝑒𝑙𝑒𝑡(𝑟𝑖𝑗 , 𝑅𝐴) ∙Ψ𝑛𝑢𝑐𝑙(𝑅𝐴) Equação 2 Onde Ψ(𝑟𝑖𝑗 , 𝑅𝐴) é a função de onda total para um átomo multieletrônico qualquer, Ψ𝑒𝑙𝑒𝑡(𝑟𝑖𝑗, 𝑅𝐴) é a componente eletrônica da função de onda e Ψ𝑛𝑢𝑐𝑙(𝑅𝐴) é a componente nuclear da função de onda. Em poucas palavras a aproximação de Born-Oppenheimer propõe que o núcleo está parado em relação aos elétrons. Isso é consequência de se dizer que é possível separar a função de onda total, pois para isso assume-se que o centro de massa do átomo está no núcleo, já que este possui massa inúmeras vezes superior à massa dos elétrons e que estes têm velocidade relativa muito superior a ele. Ao adotar-se tal aproximação e desprezando-se quaisquer efeitos relativísticos, o problema se resume em resolver a equação de Schrödinger, �̂� Ψ = 𝐸 Ψ, considerando que como o hamiltoniano eletrônico. 19 Onde 𝐻: 𝐻 = −∑ ℏ2 2𝑚 𝛻𝑖 2𝑁 𝑖=1 −∑ ∑ 𝑍𝐴𝑒 2 4𝜋𝜀0𝑟𝑖𝐴 𝑀 𝐴=1 𝑁 𝑖=1 + ∑ ∑ 𝑒2 4𝜋𝜀0𝑟𝑖𝑗 𝑁 𝑗>𝑖 𝑁 𝑖=1 Equação 3 O primeiro termo da Equação 3 é responsável por contabilizar a energia cinética do sistema, o segundo termo leva em conta as interações elétron-núcleo (o sinal é negativo pois há atração das cargas) e o terceiro termo contabiliza as interações elétron- elétron. Dessa forma, tem-se, basicamente, a energia cinética (primeiro termo) e potencial (segundo e terceiro termos) escritas em forma de um hamiltoniano13. O princípio da indistinguibilidade, diz que os 𝑛 elétrons que formam um sistema qualquer são indistinguíveis um dos outros, pois diferente de corpos macroscópicos, abordados na mecânica clássica, na mecânica quântica a ideia de trajetória perde o sentido pois se 2 elétrons forem observados num instante t1 e depois num instante t2 não se consegue distinguir qual era o elétron 1 e qual era o elétron 2 após esse intervalo de tempo. A aproximação da partícula independente, também conhecida como aproximação de campo médio é, indiscutivelmente, a parte mais fundamental do HF. Ela propõe que num sistema de 𝑛 elétrons cada elétron é independente dos demais. Isso simplifica, e muito, a repulsão real sentida entre todos os pares de elétrons do sistema, que se fosse contabilizada exatamente forneceria um campo elétrico exato, possibilitando a obtenção de resultados mais precisos. Mas como isso não é possível, Hartree e Fock propuseram o uso de uma média de repulsão eletrônica que será a mesma para todos os elétrons, fornecendo um campo elétrico médio, configurando resultados menos precisos mais capazes de serem obtidos. Ou seja, cada elétron sentirá uma média da presença dos demais e como consequência, o HF não possui correlação eletrônica. O princípio da exclusão de Pauli, também conhecido como princípio da antissimetria, propõe que em sistemas com 𝑛 férmions a troca de coordenadas entre dois férmions deve ser antissimétrica, ou seja, a probabilidade de se encontrar ambos ocupando o mesmo local no espaço deve ser nula. A notação matricial é muito útil para expressar as características dessas partículas pois uma das propriedades das matrizes estabelece que há troca de sinal do determinante mediante a troca de linhas ou colunas. 20 Por último, o quinto princípio, que é o princípio variacional, afirma que, partindo-se de uma função de onda normalizada, ψ, que satisfaça as condições de contorno, é possível determinar o valor da energia do sistema a partir do hamiltoniano H. Esse valor de energia encontrado é sempre superior ou igual a energia real do estado fundamental. Em termos matemáticos isso pode ser expresso como na Equação 4: ⟨ψ|𝐻|ψ⟩ ≥ 𝐸𝑓𝑢𝑛𝑑 Equação 4 Posteriormente, foi desenvolvida a DFT (Density Funcional Theory, ou em português, Teoria do Funcional da Densidade). Um funcional é uma função de uma função, ou seja, a DFT é uma função da função de densidade eletrônica de todos os elétrons presentes dentro do sistema considerado. Esse método tem como objetivo primordial a obtenção da energia total do sistema estudado e suas propriedades sem a utilização de funções de onda para cada elétron individual, mas através de uma função total, que descreva todas as interações entre os elétrons de forma adequada, ou seja, através de uma função de densidade eletrônica do sistema14. A DFT leva em consideração a correlação eletrônica, que significa que os elétrons presentes são dependentes uns dos outros e não mais independentes como no HF. Mesmo que a DFT não trate a correlação eletrônica de forma perfeita, a sua presença já é um avanço em relação ao método anterior (HF) que ignorava totalmente este fato. Nos últimos anos, a DFT tem sido amplamente utilizada15 para se obter propriedades físico- químicas de sistemas multieletrônicos complexos, como a energia livre de Gibbs, energias de ligação, entalpias, etc. O custo computacional da DFT é comparável com o HF mas, por considerar a correlação eletrônica, os resultados produzidos pela DFT são, geralmente, mais acurados que os obtidos através de cálculos HF. Assim é possível obter propriedades para sistemas atômicos, moleculares e sistemas complexos no geral com o mesmo recurso computacional usando anteriormente, mas com melhores resultados. A DFT permanece apoiada na maior parte das bases do Hartree-Fock, como a aproximação de Born-Oppenheimer, o princípio da indistinguibilidade, o princípio da exclusão de Pauli e o princípio variacional. No entanto, a DFT não faz uso da aproximação da partícula independente/ aproximação de campo médio, que considera 21 que cada elétron sente uma “atração ou repulsão média” pelos demais. Pelo contrário, a DFT é um método que calcula as interações entre elétrons, tentando, da melhor forma possível, calcular corretamente as energias de auto interação, correlação e troca entre os mesmos. É por esse motivo que existem vários funcionais e não apenas um, como ver-se-á mais para frente. A função densidade eletrônica de um sistema é representada por ρ(r) e pode ser escrita como a integral do quadrado da função de onda Ψ (que representa a probabilidade de se encontrar o elétron no espaço) multiplicada pelo número total de elétrons N. No entanto, há um problema teórico, pois a função de onda, Ψ, informa somente a posição de um elétron (𝑒1), e como a função é antissimétrica perante a troca de coordenadas, se faz necessário usar o quadrado da mesma (que é simétrico perante a troca). Dessa maneira, a função ρ(r) se torna independente do elétron, fazendo com que a simples multiplicação por N retorne a densidade eletrônica de todos os elétrons do sistema, como mostrado na Equação 5: 𝜌(𝑟) = 𝑁∑ ∫𝑑𝜏2𝑑𝜏3…𝑑𝜏𝑁|Ψ(𝑟, 𝜎1, 𝑟2, 𝜎2, … , 𝑟𝑁 , 𝜎𝑁)| 2 𝜎1=− 1 2 , 1 2 Equação 5 Ou seja, quando se integra a função de densidade eletrônica por todo espaço, deve-se encontrar todos os elétrons desse sistema. Matematicamente: ∫ 𝜌(𝑟)𝑑3𝑟 = 𝑁 Equação 6 Em 1964, Hohenberg e Kohn provaram dois teoremas que foram de extrema importância para o avanço das ideias e para utilização da DFT14,17. O primeiro teorema diz que tanto a densidade eletrônica do estado fundamental, ρ0(r), como a função de onda do estado fundamental, Ψ0, podem ser utilizadas como descritores do estado fundamental do sistema, ou seja, há equivalência entre eles. Isso é importante porque em várias aplicações da DFT é necessário retornar a função de onda do sistema para se obter valores coerentes de energia total e demais propriedades. O segundo teorema é um análogo do princípio variacional e diz que para um determinado sistema, com N elétrons e potencial externo ν, existe um funcional ρ, denominado 𝐸𝜈 𝐻𝐾[𝜌], que é sempre maior que outro funcional 𝐸𝜈 𝐻𝐾[𝜌0], do qual é extraída a energia mínima do estado fundamental, E0. Então, basicamente, esse teorema mostra que existe apenas um 22 funcional ρ0 do qual pode ser extraída a energia E0 do estado fundamental. Matematicamente: 𝐸𝜈 𝐻𝐾[𝜌] ≥ 𝐸𝜈 𝐻𝐾[𝜌0] = 𝐸0 Equação 7 Após a publicação desses teoremas, a comunidade científica começou sua busca por funcionais de densidade eletrônica que obtivessem respostas razoáveis e/ ou pudessem prever as propriedades químicas para os sistemas de interesse na época. Os próprios Hohenberg e Kohn propuseram um funcional que leva seus nomes, assim como fizeram Fermi e Slater, entre outros14. No entanto, todos os funcionais propostos não obtinham respostas boas o suficiente e, nesse interim, surge uma proposta diferente, a proposta de Kohn e Sham. No ano seguinte à publicação dos teoremas de Hohenberg e Kohn, Kohn e Sham definiram ideias que se tornariam chaves para a DFT como a conhecemos hoje14,18. A partir da proposição de um sistema ficcional com N elétrons não interagentes, submetido a um potencial externo, ν(r),(de formas que a densidade eletrônica do sistema não muda, ou seja, é a densidade eletrônica do estado fundamental, ρ0(r)) eles conseguiram, por meio da reintrodução da função de onda (primeiro teorema de Hohenberg e Kohn), obter a função densidade eletrônica do estado fundamental, ρ0(r). Isso foi possível pois, ao escolher uma função de onda, Ψ(r,σ), e obter uma função densidade, ρ(r), é possível utilizar o princípio variacional (segundo teorema de Hohenberg e Kohn) para obter uma segunda função de onda, melhorada, para então alcançar uma segunda função densidade, também melhorada. Essa iteração ocorre até que seja possível minimizar a função densidade, encontrando-se, então, a função do estado fundamental, ρ0(r), como mostrado na Figura 4. 23 Fonte: elaboração própria. É possível, então, utilizar esta função de densidade eletrônica, ρ0(r), para um sistema real, interagente, ou seja, esse funcional irá fornecer o valor de energia total do sistema real. No entanto, a forma matemática do potencial externo v(r) ainda não era conhecida, apenas sabia-se que um dos termos era o de interação coulômbica. Dessa maneira, a energia total do sistema (E) poderia ser escrita como a soma da energia cinética (Ec) com a energia potencial (v(r)), como mostrado na Equação 8: 𝐸 = 𝐸𝑐 + 𝑣(𝑟) Equação 8 Considerando que v(r) seria apenas a interação coulômbica entre os núcleos e os elétrons. Porém, observou-se que, com apenas estes dois termos, a energia total era superestimada. Com isso, Kohn e Sham perceberam que o potencial externo não era tão simples assim e, mesmo num sistema não interagente, existiam outros potenciais ali. Por esse motivo eles acrescentaram dois outros novos termos a v(r): o termo 𝐽[𝜌] que é o termo de auto interação e o termo 𝐸𝑥𝑐[𝜌], conhecido como termo de troca e correlação. Assim, na expressão da energia total, esses valores teriam que ser descontados para se obter valores mais próximos da energia real, como mostrado nas Equações 9, 10 e 11: 𝐸 = 𝐸𝑐 + 𝑣(𝑟) − 𝐽[𝜌] − 𝐸𝑥𝑐[𝜌] Equação 9 𝑣(𝑟) = 𝐸𝑐𝑜𝑢𝑙 + 𝐽[𝜌] + 𝐸𝑥𝑐[𝜌] Equação 10 𝐸𝑐𝑜𝑢𝑙 = 𝑣(𝑟) − 𝐽[𝜌] − 𝐸𝑥𝑐[𝜌] Equação 11 A seguir, na Figura 5, tem-se um esquema que tenta mostrar mais didaticamente como funcionam as hipóteses de Kohn e Sham para um sistema verdadeiro, lembrando Figura 4 – Esquema explicativo do funcionamento dos teoremas de Kohn e Sham para o sistema ideal de um gás de elétrons. 24 que a função de densidade do estado fundamental, ρ0(r), é definida, primeiramente, para o sistema ideal, como mostrado na Figura 4. Fonte: elaboração própria. Os termos 𝐽[𝜌] (auto interação) e 𝐸𝑥𝑐[𝜌], (correlação e troca) significam, respectivamente, o desconto que se faz da energia total do sistema pelo fato de, ao se utilizar a densidade total do sistema, o elétron sobre cujas coordenadas se está calculando a energia é contado duas vezes e, por isso é necessário corrigir o valor obtido pela densidade do sistema; o desconto que se faz da energia total do sistema pelo fato de os elétrons não serem mais independentes dos outros, ou seja, essa energia é minimizada pelos vínculos existentes entre os 𝑛 elétrons que compõe o sistema; e o desconto que se faz pela quantidade de microestados existentes quando se contabilizam todas as possibilidades dos elétrons estarem distribuídos nos níveis degenerados de energia, ou seja, pelos vários microestados possíveis. Assim, Kohn e Sham propuseram um método factível para se aplicar a DFT, mesmo que para isso tenha sido necessário resgatar o uso de uma função de onda. Os cálculos utilizando DFT são ainda mais interessantes quando comparados ao HF quando se percebe que os termos de auto interação, correlação e troca são computacionalmente caros pela extensão das integrais no HF mas que na DFT podem ser substituídos por funções mais facilmente integráveis. Usando-se a DFT é possível realizarem-se cálculos quânticos e híbridos. Os tipos mais comuns de outputs obtidos através destes cálculos são: arquivos de trajetória (mostra a posição de cada átomo no tempo e suas respectivas velocidades), mapas de potencial (mostra a carga líquida em cada pequena parte da estrutura usando-se uma escala de cores), gráficos de DOS, do inglês Density of States, ou em português Densidade de Estados (mostra os estados ocupados e desocupados além de ser possível Figura 5 – Esquema explicativo do funcionamento dos teoremas de Kohn e Sham para um sistema real qualquer. 25 calcular a energia de gap) e barreiras energéticas ou curvas de Marcus19 (mostra a energia em função da coordenada de reação). Em seguida, definir-se-á o que são cálculos clássicos. Este tipo de cálculo é todo aquele que despreza grande parte das características eletrônicas dos átomos, tratando- os como meras esferas rígidas. Ou seja, basicamente, seria aplicar o tratamento formulado pelas leis de Newton para corpos macroscópicos para átomos. No entanto, da forma como se definiu o cálculo clássico parece impossível considerar ou pensar em sistemas carregados ou polarizados. Mas isso não é totalmente verdade. Para sistemas carregados ou com polarização eletrônica (como ligações amidas, por exemplo), são inseridas cargas pontuais e fixas, que simulam o efeito eletrônico desejado, mas de forma simplificada. Ou seja, basicamente, seria aplicar o tratamento formulado pela lei de Coulomb para cargas pontuais existentes nos átomos. Os cálculos quânticos são aqueles que, diferente dos clássicos, consideram as características eletrônicas dos átomos, tratando os núcleos como meras esferas rígidas, mas os elétrons como distribuições de probabilidade (HF, DFT). A complexidade deste tipo de cálculo sobe exponencialmente com o número de átomos quanto se considera, por exemplo, que um carbono visto de forma clássica é apenas um núcleo com carga ao passo que quanticamente ele é visto como um núcleo e mais seis elétrons, passando de três coordenadas cartesianas para vinte e uma delas. Assim, sua limitação se dá justamente por esse fator, sendo possível calcular apenas as propriedades de sistemas pequenos, com cerca de 200 átomos. Por último, mas não menos importante, os cálculos híbridos são aqueles que tratam parte do sistema de forma clássica – como meras esferas rígidas distantes entre si por uma distância de ligação – e parte do sistema de forma quântica – levando em consideração o número e a distribuição eletrônica de cada átomo. Os cálculos híbridos são utilizados quando o sistema de interesse é muito complexo ou extenso, de formas que um cálculo totalmente quântico seria inviável em termos de custo computacional. Estes princípios são característicos do método QM/MM cuja sigla significa Quantum Mechanics/ Molecular Mechanics, ou em português, Mecânica Quântica/ Mecânica Molecular. Ou seja, o sistema de interesse é particionado em duas seções: a quântica, cuja descrição mais acurada é imprescindível ou em outras palavras, a descrição dos 26 elétrons daquela seção torna possível obter as propriedades eletrônicas de interesse (QM); e a que segue a mecânica molecular (MM), cujas propriedades eletrônicas já são bem conhecidas ou não influenciam significativamente na característica que se deseja verificar como por exemplo ocorre com a maioria dos solventes utilizados. Apesar de suas qualidades, este método possui certas complicações por desprezar a polarização existente no sistema na parte MM (clássica), já que as cargas não se alteram, apenas as coordenadas cartesianas. 1.3. Parametrização de Moléculas Para que seja possível fazer simulações utilizando o DFT ou qualquer outro método computacional é necessário, antes, construir a estrutura e a topologia da molécula desejada. Quando a molécula de interesse é uma proteína ou um peptídeo, essa tarefa se torna mais fácil quando se utilizam sites como o Protein Data Bank20 no qual é possível encontrar várias estruturas já prontas, advindas principalmente da Difração de Raios X (DRX) e da Ressonância Magnética Nuclear (RMN), sendo apenas necessário baixar o arquivo no formato desejado1. No entanto, quando a estrutura não está nestes sites ou não é proteica (estrutura não padrão) é necessário construir a estrutura com auxílio de programas como o Avogrado21. Neste programa, selecionam-se os tipos de átomos desejados e constrói-se, manualmente, a molécula de interesse. Durante a construção da molécula de interesse, almeja-se obter todas as distâncias de ligação próximas aos valores tabelados, de formas a facilitar a posterior otimização de geometria. Uma vez construída a estrutura, ou seja, com o arquivo pdb em mãos, utiliza-se um programa adequado, (como o GROMACS, o Siesta, o CPMD etc), juntamente com o campo de força, ou seja, um conglomerado de arquivos que possui os valores tabelados de distâncias de ligação, constantes de mola, ângulos diedros próprios e impróprios, etc (como AMBER99SB, OPLS-AA, várias versões do GROMOS), para gerar a topologia da molécula desejada. Na topologia estão contidas todas as informações sobre a estrutura da molécula de interesse (que advêm do campo de força 1 Normalmente .pdb ou .gro. 27 escolhido), como: nomes dos átomos, massa, cargas, distâncias de ligação, constante de mola, ângulos diedros próprios e impróprios, etc. Normalmente, quando uma topologia é gerada a partir de um pdb, se ela for uma estrutura padrão, ou seja, uma estrutura cujos parâmetros já estão no campo de força, como é o caso para proteínas e para algumas moléculas de DNA/RNA, a parametrização é feita automaticamente e, quase sempre, é razoável. No entanto, para outros tipos de moléculas, chamadas de não padrão, como a maioria dos açúcares, peptídeos modificados, entre outros, a parametrização também é feita automaticamente, mas com valores médios, que tornam a parametrização pouco acurada. Dessa maneira, é preciso procurar por valores mais acurados de cada um dos parâmetros supracitados nos arquivos do campo de força usado. Caso algum dos parâmetros não esteja presente no campo de força é necessário procurar por artigos que tenham feito essa parametrização ou realizar cálculos quânticos para obtê-los. Uma vez feita a parametrização, a estrutura é submetida a algumas dinâmicas moleculares simples, primeiramente no vácuo, depois em meio de solvente, normalmente o aquoso. Tanto no vácuo como em meio de solvente é feita uma sequência com quatro etapas, sendo elas: a otimização de geometria que serve para melhorar a geometria do composto de interesse para uma geometria mais provável e que esteja em conformidade com os valores do campo de força, presentes na topologia; a segunda e terceira etapas são duas “pré-dinâmicas”, na qual a primeira serve para implementar a temperatura no sistema (antes ela é considerada com 0 K), conhecida como dinâmica nvt (pois usa o ensemble canônico) e a segunda para implementar a pressão, conhecida como dinâmica npt (pois usa o ensemble NPT) e a quarta e última etapa é a de produção da dinâmica molecular, da qual se obtém, posteriormente, os resultados termodinâmicos (funções de estado) como energia de Gibbs, energia de Helmholtz, entalpias, entropias, etc. 1.4. Método Híbrido QM/MM O QM/MM é um método de cálculo híbrido que apresenta uma alternativa eficaz para o estudo de macromoléculas e sítios ativos de enzimas22, pois o número de átomos é significativamente alto e não seria possível utilizar uma descrição totalmente quântica. 28 Assim, o QM/MM propõe que parte do sistema seja descrita quanticamente e que o restante seja descrito classicamente, como mostrado na Figura 6. Isso é consequência, como já mencionado, do alto custo computacional que uma descrição totalmente eletrônica demandaria, já que o custo computacional aumenta com o cubo do número de átomos, o que significa que, no mundo real, sua empregabilidade se restringe a sistemas pequenos, de poucos átomos. Assim, o QM/MM surge como uma forma de minimizar este problema pois através dele é possível obter dados de sistemas maiores calculando quanticamente a porção de interesse (com a finalidade de obter suas propriedades eletrônicas) enquanto considera o restante do sistema de maneira clássica. Este método foi proposto inicialmente por Warshel23 no estudo da enzima lisozima, onde a partição QM compreendia o sítio ativo e o restante era modelado de forma clássica, ou seja, o restante da enzima e o solvente. Essa partição foi escolhida pois as reações químicas das quais essa enzima participa ocorrem apenas no seu sítio ativo e por isso apenas a descrição dos elétrons desta região é necessária para que seja possível obter resultados confiáveis sobre como essas reações se processam a um custo computacional razoável. Figura 6 – Exemplo de sistema QM/MM. Legenda: a parte do sistema cujo cálculo das propriedades eletrônicas é indispensável para a melhor compreensão do sistema é colocada dentro da esfera QM, que aqui representa a partição QM (que não necessariamente é esférica) e na parte exterior o restante do sistema é tratado classicamente. Fonte: elaboração própria. 29 Neste trabalho, como a descrição da estrutura eletrônica é fundamental para o entendimento da transferência de carga que ocorre na monocamada, é necessário fazer uso desta técnica e, portanto, é importante que se definam quais são os termos presentes no hamiltoniano que é usado para obter a energia do sistema. Ora, como este é um método hibrido o hamiltoniano total é definido por três termos, um clássico, um quântico e um de acoplamento quântico-clássico, segundo a Equação 12: �̂�𝑇𝑂𝑇𝐴𝐿 = �̂�𝑀𝑀 + �̂�𝑄𝑀 + �̂�𝑄𝑀/𝑀𝑀 Equação 12 Como o hamiltoniano é formado por três termos e, segundo equação de Schrödinger, opera sobre a função de onda que representa o sistema, a energia obtida também será composta por três termos (Equação 13): 𝐸𝑇𝑂𝑇𝐴𝐿 = 𝐸𝑀𝑀 + 𝐸𝑄𝑀 + 𝐸𝑄𝑀/𝑀𝑀 Equação 13 A maneira de obter a energia da parte clássica será explicada com mais detalhes a seguir, na seção 1.5.; a energia da parte quântica é calculada conforme explicado na seção 1.2., neste trabalho específico, usando a DFT. Resta, então, esclarecer como se calcular o termo que representa o acoplamento da parte quântico-clássica. Esta pode ser matematicamente escrita como mostrado abaixo: 𝐸𝑄𝑀/𝑀𝑀 = ∑ 𝑞𝑖 ∫ 𝜌(𝑟) |𝑟−𝑟𝑖| 𝑑𝑟 + ∑ ∑ 𝑍𝛼𝑞𝑖 |𝑅𝛼−𝑟𝑖| 𝑄 𝛼=1 𝐶 𝑖=1 𝐶 𝑖=1 + 𝐸𝑄𝑀/𝑀𝑀 𝐿𝐽 Equação 14 A Equação 14 é composta por três termos que descrevem, respectivamente, a interação coulômbica das cargas atômicas clássicas, 𝑞𝑖, com a nuvem eletrônica dos átomos que são calculados de maneira quântica; a interação coulômbica dos núcleos clássicos, 𝑍𝛼𝑞𝑖, com a nuvem eletrônica dos átomos que são calculados de maneira quântica e interações de curto alcance do tipo de van der Waals que são parametrizadas segundo um potencial do tipo Lennard-Jones. Uma última característica particular e importante deste método é que, por ser um método híbrido que particiona o sistema em dois, podem ocorrer cortes fictícios de ligações covalentes, normalmente entre ligações do tipo carbono-carbono que estão na interface da partição QM/MM. Para evitar que ocorram problemas com a valência do carbono na fronteira, um átomo de hidrogênio fictício (link atom) é adicionado para saturar 30 as ligações na interface. Uma vez que este átomo é apenas um artifício, ou seja, não está presente na molécula real, correções devem ser feitas no input de maneira a evitar que ocorram interações da partição MM com este átomo artificial, ou seja, ele deve ser excluído de alguma maneira. Neste trabalho, embora tenha-se feito uso do método QM/MM, não houve necessidade de adicionar link atoms, no entanto, por se tratar de uma característica muito particular deste método decidiu-se que ele seria pelo menos mencionado. 1.5. Dinâmica Molecular A Dinâmica Molecular24 é uma técnica de simulação que consiste em resolver a segunda equação de Newton para o movimento de todos os núcleos do sistema que interagem por um determinado potencial. Dessa forma, considera-se a aproximação de Born-Oppenheimer como sendo válida para o sistema. No caso de simulações quânticas, a energia do sistema é calculada a partir da equação de Schrödinger. Nela, a energia é obtida através do valor médio esperado calculado usando-se o hamiltoniano, �̂�, que, pela validade da aproximação de Born- Oppenheimer é o mesmo apresentado na Equação 3. As forças do sistema são determinadas pelo gradiente da energia com relação as coordenadas x, y, z, para, em seguida, fazer uso da segunda lei de Newton para determinar a aceleração, velocidade e posição do átomo. Esses passos podem ser matematicamente expressos pelas Equações de 15-18, abaixo. �̂� Ψ = 𝐸 Ψ Equação 15 𝐸 = ⟨Ψ|�̂�|Ψ⟩ Equação 16 �⃗� = −∇⃗ 𝐸 = − ( 𝛿𝐸 𝛿𝑥 + 𝛿𝐸 𝛿𝑦 + 𝛿𝐸 𝛿𝑧 ) Equação 17 𝐹 = 𝑚 ∙ 𝑎 = 𝑚 𝑑�⃗� 𝑑𝑡 = 𝑚 𝑑2𝑠 𝑑𝑡2 Equação 18 É evidente que essas equações apresentadas acima são usadas para sistemas de muitos corpos e, portanto, a energia será uma função destas coordenadas e haverá múltiplas forças no sistema, como mostrado nas Equações 19 e 20. 𝐸 = 𝐸(𝑟1⃗⃗⃗ , 𝑟2⃗⃗ ⃗, 𝑟3⃗⃗ ⃗, … , 𝑁) Equação 19 31 { 𝐹1 ⃗⃗ ⃗ = 𝑚 ∙ 𝑎1⃗⃗⃗⃗ = −∇1⃗⃗⃗⃗ 𝐸(𝑟1⃗⃗⃗ , 𝑟2⃗⃗ ⃗, 𝑟3⃗⃗ ⃗, … , 𝑁) 𝐹2⃗⃗ ⃗ = 𝑚 ∙ 𝑎2⃗⃗⃗⃗ = −∇2⃗⃗⃗⃗ 𝐸(𝑟1⃗⃗⃗ , 𝑟2⃗⃗ ⃗, 𝑟3⃗⃗ ⃗, … , 𝑁) 𝐹3⃗⃗ ⃗ = 𝑚 ∙ 𝑎3⃗⃗⃗⃗ = −∇3⃗⃗⃗⃗ 𝐸(𝑟1⃗⃗⃗ , 𝑟2⃗⃗ ⃗, 𝑟3⃗⃗ ⃗, … , 𝑁) … 𝐹𝑁⃗⃗ ⃗⃗ = 𝑚 ∙ 𝑎𝑁⃗⃗ ⃗⃗ = −∇𝑁⃗⃗⃗⃗ ⃗𝐸(𝑟1⃗⃗⃗ , 𝑟2⃗⃗ ⃗, 𝑟3⃗⃗ ⃗, … , 𝑁) Equação 20 Essas equações são perpetuadas no tempo para formarem a dinâmica, ou seja, se dão passos igualmente espaçados de tempo (normalmente da ordem de fentosegundos) e as forças, acelerações, velocidades e posições são recalculadas a partir das informações do passo anterior, ou seja, o cálculo é iterativo. Para simulações clássicas o processo é essencialmente o mesmo, a única diferença é a forma de se obter a energia do sistema. Para isso é necessário descrever bem a energia potencial deste conjunto e isso pode ser feito através de uma parametrização. A forma mais simples e tradicional de se parametrizar a energia potencial de um sistema qualquer é usar um termo para cada um dos tipos de energia presentes neste conjunto que expresse bem seu comportamento. A expressão mostrada na Equação 21, com cinco termos, é razoavelmente simples e parametriza bem a energia potencial da maioria dos sistemas químicos, desde que não ocorram quebras e formações de novas ligações. Os termos desta expressão descrevem, respectivamente, as ligações químicas considerando-as como pequenas molas cuja constante é 𝑘𝑙𝑖𝑔, a componente angular, considerando que o ângulo formado entre os átomos pode ser descrito como uma mola de constante 𝑘𝑎𝑛𝑔, a componente torcional, que usa funções trigonométricas como o cosseno para descrever as torções angulares que ocorrem nas moléculas, as ligações de Van der Waals (forças intermoleculares fracas) e os termos eletrostáticos utilizando cargas pontuais (força coulômbica). 𝑈 = ∑𝑘𝑙𝑖𝑔(𝑟 − 𝑟0) 2 + ∑𝑘𝑎𝑛𝑔(𝜃 − 𝜃0) 2 + ∑𝑘𝑡𝑜𝑟𝑐[1 + cos(𝑛𝜏 − 𝜑)] + ∑ ∑ ( 𝐴𝑖𝑗 𝑟𝑖𝑗 12 − 𝐵𝑖𝑗 𝑟𝑖𝑗 6 )𝑗 +𝑖 ∑ ∑ ( 𝑞𝑖𝑞𝑗 𝑟𝑖𝑗 )𝑗𝑖 Equação 21 Para melhor compreensão do leitor, os cinco termos definidos acima estão representados de forma esquemática na Figura 7. 32 𝐸𝑙𝑖𝑔𝑎çã𝑜 =∑𝑘𝑙𝑖𝑔(𝑟 − 𝑟0) 2 𝑙𝑖𝑔 𝐸𝑎𝑛𝑔𝑢𝑙𝑎𝑟 = ∑𝑘𝑎𝑛𝑔(𝜃 − 𝜃0) 2 𝑎𝑛𝑔 𝐸𝑡𝑜𝑟𝑐𝑖𝑜𝑛𝑎𝑙 = ∑ 𝑘𝑡𝑜𝑟𝑐[1 + cos(𝑛𝜏 − 𝜑)] 𝑡𝑜𝑟𝑐 𝐸𝑣𝑑𝑊 =∑∑( 𝐴𝑖𝑗 𝑟𝑖𝑗 12 − 𝐵𝑖𝑗 𝑟𝑖𝑗 6 ) 𝑗𝑖 𝐸𝑒𝑙𝑒𝑡𝑟𝑜𝑠𝑡á𝑡𝑖𝑐𝑜 =∑∑( 𝑞𝑖𝑞𝑗 𝑟𝑖𝑗 ) 𝑗𝑖 Fonte: elaboração própria. r   Figura 7 – Termos para a parametrização da energia potencial do sistema. r 33 2. Objetivos O objetivo principal desta dissertação foi estudar as propriedades estruturais, eletrônicas e redox do ferroceno e de uma monocamada formada pelo peptídeo cuja sequência é (C5H5-Fe-C5H5)-CH2-CH2-Glu-Ala-Ala-Cys-NH2 através de métodos computacionais. Dessa forma, os objetivos específicos deste trabalho são elencados abaixo: 1. Estudar computacionalmente como o uso de diferentes bases e funcionais influencia no valor do potencial de oxirredução do ferroceno comparando os valores obtidos com a literatura; 2. Investigar se a transferência eletrônica que ocorre no ferroceno segue ou não a teoria de Marcus como forma de compreender, depois, o que acontece na monocamada; 3. Parametrizar o peptídeo mencionado acima usando o campo de força AMBER- 99SB para estudar como essa monocamada se comporta numa solução aquosa, sobre uma superfície de ouro, qual seu empacotamento máximo e como se organiza. 34 3. Metodologia 3.1. Cálculos do Potencial de Oxirredução do Ferroceno A partir da estrutura molecular do ferroceno, Figura 8, foram feitos cálculos single point no programa ORCA25. Com o intuito de comparar os resultados, usaram-se três bases (6-31G*, DEF2-SVP e DEF2-TZVP) e cinco funcionais (B3LYP, BLYP, BP86, PBE0 e PBE). Figura 8 – Estrutura do ferroceno. Legenda: as esferas ciano representam o carbono; as brancas o hidrogênio e a rosa clara, o ferro. Fonte: elaboração própria, (via VMD). Bases são expansões de funções matemáticas que representam os orbitais moleculares13,26. O uso de bases introduz uma aproximação para qualquer tipo de cálculo ab initio pois não é possível usar a expansão inteira (com todos os seus infinitos termos) e, portanto, é necessário truncar a expansão. Em geral, quanto menor a base, mais rápido o cálculo, mas menos preciso e exato é o resultado obtido. Existem dois tipos mais comuns e conhecidos de funções de base: as STO (Slater Type Orbitals) e as GTO (Gaussian Type Orbitals)13,14,26. Os orbitais do tipo de Slater têm formula geral dada pela Equação 22: 𝜒𝜁,𝑛,𝑙,𝑚(𝑟, 𝜃, 𝜙) = 𝑁𝑌𝑙,𝑚(𝜃, 𝜙)𝑟 𝑛−1𝑒−𝜁𝑟 Equação 22 Onde 𝑁 é a constante de normalização e 𝑌𝑙,𝑚 são funções harmônicas esféricas. Bases STO são normalmente usadas para átomos isolados ou diatômicas para as quais é exigida grande exatidão. 35 Os orbitais do tipo gaussiano podem ser escritos com coordenadas polares ou cartesianas, como mostrado nas Equações 23 e 24: 𝜒𝜁,𝑛,𝑙,𝑚(𝑟, 𝜃, 𝜙) = 𝑁𝑌𝑙,𝑚(𝜃, 𝜙)𝑟 2𝑛−2−𝑙𝑒−𝜁𝑟 2 Equação 23 𝜒𝜁, 𝑙𝑥, 𝑙𝑦,𝑙𝑧(𝑥, 𝑦, 𝑧) = 𝑁𝑥𝑙𝑥𝑦𝑙𝑦𝑧𝑙𝑧𝑒−𝜁𝑟 2 Equação 24 A soma de 𝑙𝑥, 𝑙𝑦 e 𝑙𝑧 determina o tipo do orbital (soma 0 é um orbital s, soma 1 é um orbital p, etc). Como as bases GTO têm dependência de 𝑟2 no expoente, isso as torna inferiores as STO em três pontos: as bases GTO são nulas no núcleo, representando muito mal regiões próximas do núcleo, diferente das STO que tem uma derivada descontínua neste ponto; são necessárias cerca de 3 funções GTO (combinação linear) para modelar uma STO; e as bases GTO caem muito rapidamente, ou seja, a cauda da função é muito mal representada. No entanto, as derivadas das bases GTO são muito mais fáceis de serem calculadas e por isso são muito mais amplamente utilizadas26. As bases ainda podem ser classificadas de acordo com o número de funções usadas. O chamado “minimum basis set” ou conjunto de base mínimo é aquele que conta com o menor número possível de funções para representar cada átomo. Por exemplo, para o carbono seria uma função 1s, uma 2s e um set de funções p (𝑝𝑥, 𝑝𝑦 e 𝑝𝑧). Uma possibilidade para melhorar o conjunto de bases é dobrar todas as funções, formando o que é chamado de uma base dupla zeta (DZ), ou seja, agora existem dois coeficientes diferentes a serem parametrizados. Esse nome vem da letra grega, 𝜁, que está no expoente tanto das bases STO como GTO. As bases dupla zeta são importantes pois quando se dobra o número de funções usadas é possível descrever muito melhor as ligações nas quais a distribuição eletrônica é diferente nos eixos x, y e z., ou seja, ligações duplas e triplas. Usando o carbono como exemplo novamente, desta vez supondo que a base seja dupla zeta, haveriam duas funções 1s, duas 2s e dois sets de funções p, ou seja, de uma simples zeta para uma dupla zeta passou-se de 6 funções para 10. Existem ainda bases DZ que separam as contribuições do caroço e da valência de cada átomo. Essas bases são chamadas de split valence ou valência dividida (VDZ). Os exemplos mais conhecidos são as bases de Pople: 3-21G, 6-31G, etc. Essas bases são GTOs e o primeiro número indica o número de gaussianas que parametrizam os orbitais do caroço e os dois próximos números indicam a quantidade de gaussianas para 36 os orbitais de valência. Como há dois coeficientes para os orbitais de valência, a base é considerada dupla zeta, mas como tem menos funções que uma dupla zeta comum, isso introduz outra aproximação nos cálculos feitos mas torna as simulações mais rápidas de serem realizadas. A base DEF2-SVP também é dupla zeta com valência dividida, mas diferente das bases de Pople, é otimizada numericamente durante o cálculo e têm funções de polarização de orbitais d que funcionam melhor que outras bases. Em seguida, as bases tripla zeta (TZ) são aquelas que triplicam o número de funções usadas no conjunto mínimo, possuindo três coeficientes diferentes para melhor parametrizar os orbitais, ou seja, para o carbono há três funções 1s, três 2s e três sets de funções p. Da mesma forma que para a DZ, existem bases tripla zeta com valência dividida (VTZ). São possíveis bases com ainda mais coefiecientes como quatro zeta (QZ) e penta zeta (PZ), mas essas são mais raramente usadas pois o custo computacional que tem. Todas essas bases podem, ainda, ser polarizadas, ou seja, apresentar mais funções para melhorar a descrição de elétrons mais delocalizados. No caso de polarização “simples” são adicionadas funções p para o átomo de hidrogênio e d para átomos mais pesados. Para uma polarização dupla, funções d para o hidrogênio e f para os átomos mais pesados. No entanto, é mais comum usar apenas a polarização simples. As bases que contam com polarização têm um P ou um asterisco após seu nome. É o caso da base 6-31G*, usada neste trabalho para os cálculos single point do ferroceno. Resumindo: as bases 6-31G* e DEF2-SVP são dupla zeta com valência dividida e polarização, e a base DEF2-TZVP é uma tripla zeta com valência dividida e polarização. Outro conceito importante é o do balanceamento de bases ou basis set balance. Este conceito ajuda o pesquisador a saber se a base escolhida é apropriada, ou seja, diminui a possibilidade de artefatos. A “regra de ouro” dita que uma base nunca deve possuir funções de maior momento angular em número igual ou maior que a função de momento angular anterior, ou seja, enquanto uma base 3s2p1d está balanceada, uma 3s2p2d2f1g é muito polarizada e provavelmente gerará artefatos26. Após escolher as bases que serão usadas é necessário escolher os funcionais. Existe uma infinidade de opções a serem escolhidas que dependem do tipo de material e propriedades que se deseja descrever. Os funcionais são divididos em três grupos: 37 locais, semi-locais/ não locais e híbridos. A função deles é calcular o termo de correlação e troca (Exc) da equação da energia total da DFT, mostrada anteriormente14. Os funcionais locais ou LDA (Local Density Approximation), são aqueles que tratam a densidade eletrônica como localizada e são ideias para sistemas não homogêneos de densidade eletrônica, no qual o elétron tem sua densidade eletrônica distribuída num átomo ou ligação específica13. Esses funcionais se baseiam na teoria do gás de elétrons homogêneo ou no modelo de Thomas Fermi e Dirac (TFD) para derivar os funcionais aproximados de troca e correlação. Os funcionais semi-locais/ não locais ou NLDA (Non Local Density Approximation) são aqueles que tratam a densidade eletrônica como não localizada, sendo que as duas aproximações mais conhecidas são o GEA, Aproximação do Gradiente Expandido, (Gradient Expansion Approximation) e o GGA, Aproximação do Gradiente Generalizado, (Generalized Gradient Approximation). A primeira, consiste em incluir correções do gradiente da densidade eletrônica ao funcional na forma de uma série de Taylor, mas isso não funciona muito bem já que os funcionais gerados naquela época não possuíam algumas restrições que o funcional exato tem. A segunda aproximação vem, então, para tentar corrigir esses problemas existentes ao melhorar a característica assintótica dos funcionais para longas distâncias. Os funcionais GGA de troca mais populares são: o Becke 88 (B), Perdew-Wang (PW91), Perdew-Wang modificado (MPW), Gill 96 (G96) e Perdew-Burke-Ernzerhof (PBE); e os mais populares de correlação GGA são: Lee-Yang-Parr (LYP), Perdew-Wang (PW91), Perdew 86 (P86), Becke 96 (B96) e Perdew-Burke-Ernzerhof (PBE)27. Nota-se que existe um grande número de funcionais de troca e de correlação e pode surgir a pergunta do porquê tantos cientistas usaram do seu tempo para propor novos funcionais... Isso pode ser respondido de forma simples relembrando que, teoricamente, existe apenas um funcional único mas, como ninguém sabe sua forma exata os cientistas tiveram que propor várias formas de funcionais que fossem apropriados para cada um dos sistemas estudados. No caso deste trabalho, os funcionais usados BLYP, PBE e BP86 são formados a partir da adição de um termo de troca e um de correlação dos já mencionados acima. 38 Por último, os funcionais híbridos são aqueles que recuperam parte da troca real advinda do Hartree-Fock e parte de outro(s) funcional(is) seja(m) eles LDA ou NLDA. O mais famoso deles é o B3LYP, cujos parâmetros de troca advêm do HF, de funcionais locais e correções dadas pelo funcional B88 enquanto que a correlação vem dos funcionais LYP e VWN27, como mostrado na Equação 25: 𝐵3𝐿𝑌𝑃(𝐸𝑥𝑐) = 0.2𝐸𝑥(𝐻𝐹) + 0.8𝐸𝑥(𝐿𝑆𝐷𝐴) + 0.72𝐷𝐸𝑥(𝐵88) + 0.81𝐸𝐶(𝐿𝑌𝑃) + 0.19𝐸𝐶(𝑉𝑊𝑁) Equação 25 O funcional PBE0, utilizado neste trabalho, também é híbrido: ele combina contribuições advindas do termo exato do HF e DFT (PBE e mPW91)27, como mostrado a seguir: 𝑃𝐵𝐸0(𝐸𝑋𝐶) = 0.25𝐸𝑥(𝐻𝐹) + 0.75𝐸𝑥(𝑃𝐵𝐸) + 𝐸𝐶(𝑚𝑃𝑊91) Equação 26 Dependendo do funcional escolhido, poder-se-ia argumentar que a DFT é semi- empírica e não ab initio. Isso porque os funcionais considerados híbridos dão pesos quase que “aleatórios” para as funções de troca e correlação (não exatamente aleatórios, mas são valores otimizados de um conjunto de treinamento) e por isso poder-se-ia dizer que vêm de dados empíricos. Com o intuito de calcular o potencial de oxirredução via um ciclo termodinâmico28 quatro cálculos single point foram feitos: dois com o ferroceno no vácuo (reduzido e oxidado) e dois com o ferroceno em água (reduzido e oxidado). A partir dos dois primeiros cálculos é possível obter a energia de ionização do complexo de interesse e pelos dois últimos, o potencial de oxidação. Empregou-se um modelo de solvatação implícita chamado COSMO29 cuja sigla significa “COnductor-like Screening MOdel". Este modelo trata o solvente como um meio contínuo, de forma que a permissividade elétrica do meio (ε) é constante em toda sua extensão. A utilização de um modelo de solvatação implícita é conveniente pois o tempo despendido para os cálculos se reduz consideravelmente. A energia de ionização é a energia necessária para retirar um elétron de um átomo ou molécula que esteja nas seguintes condições: em fase gasosa e no vácuo. Normalmente é expressa em elétron-volts para uma espécie, mas em quilojoules para 1 mol de substância. Matematicamente, pode ser escrita pela seguinte expressão: 𝑋(𝑔) → 𝑋(𝑔) + + 𝑒(𝑔) − 𝐸. 𝐼. (𝑋)/𝑒𝑉 = 𝐸(𝑋+) − 𝐸(𝑋) Equação 27 39 Há mais de uma energia de ionização possível e por isso elas são diferenciadas através dos estados inicial e final das espécies envolvidas. Ou seja, a energia necessária para levar um átomo ou molécula neutro a um estado monovalente é a primeira energia de ionização, a para levar um átomo ou molécula monovalente a um estado divalente é a segunda energia de ionização, etc. O potencial de oxidação é a energia necessária para retirar um elétron de um átomo ou molécula que esteja numa solução e sua expressão matemática é exatamente a mesma da energia de ionização, a única diferença é que as espécies estão solvatadas, como mostrado a seguir: 𝑋(𝑎𝑞) → 𝑋(𝑎𝑞) + + 𝑒(𝑎𝑞) − 𝑃. 𝑂. 𝑅. (𝑋)/𝑒𝑉 = 𝐸(𝑋(𝑎𝑞) + ) − 𝐸(𝑋(𝑎𝑞)) Equação 28 Um ciclo termodinâmico é uma forma de se calcular propriedades desconhecidas de um sistema qualquer através de propriedades já conhecidas. Na Figura 9, tem-se representado dois tipos de ciclo: o A, que é um ciclo absoluto, ou seja, obter-se-á o valor absoluto da propriedade, sem que esta esteja relacionada com uma referência; e o B, que é um ciclo relativo, ou seja, encontrar-se-á o valor da propriedade em relação a um valor de referência. Figura 9 – Ciclo termodinâmico absoluto (ciclo A), relativo (ciclo B) e o ciclo absoluto do ferroceno. Fonte: adaptado da ref. 28. 40 Supondo uma espécie qualquer, M, são apresentadas, no ciclo A, duas semirreações cuja primeira é uma redução, 𝑀(𝑎𝑞) + 𝑒(𝑔) − → 𝑀(𝑎𝑞) − , com Δ𝐺𝑃𝑅 como a energia de Gibbs associada e a segunda, muito parecida, mas que ocorre no vácuo, 𝑀(𝑔) + 𝑒(𝑔) − → 𝑀(𝑔) − , com Δ𝐺𝐸𝐴 como a energia deste processo. O ciclo é assim montado pois calcular a energia de ionização ou a afinidade eletrônica de uma espécie é relativamente fácil, mas calcular o potencial de oxirredução não é tão simples pois o solvente se organiza de maneira diferente dependendo da carga que a espécie M adquire. Nos ciclos A e B isso é representado pelas energias de desolvatação das espécies M, −Δ𝐺𝑆 0(𝑀), e de solvatação da espécie 𝑀−, Δ𝐺𝑆 0(𝑀−). O ciclo B apresenta a mesma ideia presente no ciclo A com a diferença de não escrever semirreações e sim as reações globais. No caso de processos eletroquímicos, a referência é o eletrodo padrão de hidrogênio e por isso utiliza-se a reação de oxidação desta espécie. Assim, os valores de energia Δ𝐺𝑃𝑂𝑅 e Δ𝐺𝐸𝐴 são os valores associados com as reações em solução e no vácuo, respectivamente, considerando como referência o eletrodo padrão de hidrogênio. No caso do ferroceno um ciclo termodinâmico absoluto foi usado e o valor foi depois corrigido empregando como referência o eletrodo padrão de hidrogênio28, cujo potencial absoluto é 4,44 eV30. A partir dos quatro cálculos realizados, obteve-se a energia de oxidação do ferroceno através da seguinte expressão: Δ𝐸 = −{𝐸[𝐹𝑐(𝑎𝑞) + ] − 𝐸[𝐹𝑐(𝑔) + ]} − {𝐸[𝐹𝑐(𝑔)] − 𝐸[𝐹𝑐(𝑎𝑞)]} Equação 29 3.2. Curvas de Marcus para o Ferroceno Marcus estudou a transferência de carga que ocorria entre dois isótopos de um mesmo metal em solução, focando nos casos do 𝐹𝑒2+/𝐹𝑒3+ e no 𝐶𝑒3+/ 𝐶𝑒4+ 19. Esse tipo de reação de auto transferência é o modelo mais simples que se poderia pensar pois não ocorrem quebras de ligação, a espécie atômica é a mesma e por isso a única “variável” seria a forma pela qual ocorre a transferência eletrônica. Esse tipo de reação e a de dupla troca, 𝐹𝑒2+ + 𝐶𝑒4+ → 𝐹𝑒3+ + 𝐶𝑒3+, estimulados pelos avanços da teoria e por novos equipamentos, influenciaram para que a teoria feita por Marcus tivesse alto impacto na área e resultasse num prêmio Nobel em 1992. 41 Simplificadamente, a proposta de Marcus dita que o processo de transferência eletrônica modifica o meio no qual o átomo ou molécula se encontra, existindo uma energia de reorganização do solvente que seria a barreira energética para que o processo ocorra. Então, antes da transferência eletrônica, o sistema possui uma energia total que é dada pelas posições dos átomos ou moléculas reagentes e pelo solvente. Após a transferência, os agora produtos têm carga diferente e a energia do sistema é dada pelo novo arranjo somado à reorganização que o solvente sofreu. Cada uma destas etapas pode ser visualizada através de uma superfície da função de energia potencial dos reagentes/ produtos juntamente com o solvente. O perfil proposto por Marcus é mostrado na Figura 10: Figura 10 – Perfil das superfícies de energia potencial para os reagentes (R) e produtos (P) Fonte: adaptado ref. 19 Esse processo possui uma constante de velocidade, 𝑘, cuja expressão é: 𝑘 = 𝐴𝑒 −Δ𝐺∗ 𝑘𝐵𝑇 Equação 30 Δ𝐺∗ é a energia de Gibbs da reorganização do solvente é dado por: Δ𝐺∗ = 𝜆 4 (1 + Δ𝐺0 𝜆 ) 2 Equação 31 Onde 𝜆 é o termo de reorganização e Δ𝐺0 é a energia livre de reação. Nas superfícies de energia potencial, 𝜆 seria a energia vertical do vértice de uma das 42 parábolas até a próxima. Se o valor dos dois 𝜆 é igual, diz-se que o processo de transferência eletrônica segue a teoria de Marcus. Com base na Teoria de Marcus19 fizeram-se três simulações QM/MM da estrutura do ferroceno, Figura 8, uma com as cargas da estrutura neutra e duas com as cargas da estrutura oxidada, Figura 18, uma com carga de fundo e a outra com um íon cloreto explícito, todas as três em água. Utilizou-se a base DEF2-TZVP e o funcional BP86. As simulações feitas consideraram a aproximação de Born-Oppenheimer (dinâmica Born- Oppenheimer), os átomos do ferroceno como QM e os da água como MM. As simulações tiveram duração de 4,8 ps. Em seguida, as trajetórias foram divididas em 500 frames cada e com cada um dos frames realizaram-se dois cálculos single point: um com multiplicidade 1 (singleto) e carga 0 e outro com multiplicidade 2 (dupleto) e carga 1. Destes resultados se obtiveram as energias dos estados reduzido e oxidado para cada um dos frames de cada uma das trajetórias, ou seja, calcularam-se as energias verticais para cada estado. Uma representação dos cálculos feitos é mostrada na Figura 11. Figura 11 – Esquema representativos das simulações QM/MM realizadas e dos cálculos single point Fonte: elaboração própria. Com estes resultados foi possível plotar as curvas de distribuição dos valores e a curva de Marcus para cada um dos estados. Como foram feitas duas trajetórias da espécie oxidada, apresentar-se-ão duas curvas de Marcus. 43 3.3. Construção e Parametrização do Peptídeo O peptídeo cuja estrutura consiste de quatro aminoácidos (CH2-CH2-Glu-Ala-Ala- Cys-NH2) foi desenhado no programa Avogrado21. Como já explicado, a estrutura foi feita de maneira que todas as distâncias de ligação fossem próximas aos valores tabelados, para facilitar a posterior otimização de geometria. O programa usado para se fazerem as simulações foi o GROMACS31, com o campo de força AMBER99SB. Como este peptídeo possui partes que não são aminoácidos, ele é caracterizado como uma estrutura não padrão e por isso, ao gerar a topologia, são obtidos valores médios para todos os parâmetros. Estes parâmetros devem ser, então, mudados manualmente, procurando-se o valor de cada um dos deles nos arquivos do campo de força utilizado. Isso pode ser feito pois considera-se que há transferibilidade dos parâmetros existentes no campo de força com os existentes na estrutura do peptídeo. Na sequência, o grupamento ferroceno foi acoplado à estrutura do peptídeo, obtendo-se uma segunda estrutura, ou seja, há duas estruturas: a estrutura do peptídeo e a do peptídeo com ferroceno acoplado. Essas podem ser visualizadas na Figura 12. No caso do peptídeo com ferroceno foi necessário realizar cálculos quânticos com a estrutura do ferroceno para se obterem as cargas e as distâncias de ligação Fe-C. Figura 12 – Estrutura do a) peptídeo; b) peptídeo + ferroceno. a) b) Legenda: as esferas ciano representam o carbono; as brancas, o hidrogênio; as vermelhas, o oxigênio; as azuis, o nitrogênio; as amarelas, o enxofre e a rosa claro, o ferro. Fonte: elaboração própria (via VMD). 44 3.4. Dinâmicas com o Peptídeo Com as duas estruturas do peptídeo construídas e parametrizadas iniciaram-se as dinâmicas clássicas. Respeitaram-se as condições periódicas de contorno e usaram-se caixas cúbicas de aresta 4,5 nm. Depois, a estrutura do peptídeo foi colocada no centro da caixa e esta foi preenchida com solvente (água) e, na sequência, fizeram-se as otimizações de geometria, inserção da temperatura e da pressão no sistema. Por último, fizeram-se as dinâmicas de produção cuja duração foi de 1 ns para cada. As estruturas em água são mostradas abaixo, na Figura 13. Figura 13 – Estrutura do a) peptídeo em água; b) peptídeo + ferroceno em água; a) b) Legenda: as esferas ciano representam o carbono; as brancas, o hidrogênio; as vermelhas, o oxigênio; as azuis, o nitrogênio; as amarelas, o enxofre e a rosa claro, o ferro. Observação: as moléculas de água estão desenhadas na representação de linhas, enquanto as duas formas do peptídeo estão representadas com o raio de Van der Waals de cada átomo. Fonte: elaboração própria (via VMD). 3.5. Construção e Simulação das Monocamadas Automontadas Após verificar que as estruturas do peptídeo e peptídeo com ferroceno estavam satisfatórias pelas dinâmicas de produção de 1 ns, prosseguiu-se para a montagem das monocamadas das duas espécies. As monocamadas consistem em 25 repetições da unidade, formando uma malha de 5x5. A terminação com o enxofre permanece orientada para baixo e usaram-se restrições para que o átomo de enxofre permaneça fixo, para simular ligações químicas entre o enxofre e o ouro da superfície2. A caixa usada tem dimensões 7,6 nm x 2,6 nm x 5,0 nm e respeitaram-se as condições periódicas de contorno. As dinâmicas foram feitas 45 em água e cada uma têm duração de 50 ns. A monocamada peptídica com o grupo ferroceno é apresentada na Figura 14. Figura 14 – Monocamada peptídica com ferroceno em água. Legenda: as esferas ciano representam o carbono; as brancas, o hidrogênio; as vermelhas, o oxigênio; as azuis, o nitrogênio; as amarelas, o enxofre e as rosas claro, o ferro. Observação: as moléculas de água estão desenhadas na representação de linhas, enquanto monocamada está representada com o raio de Van der Waals de cada átomo. Fonte: elaboração própria (via VMD). Após obterem-se os resultados destas dinâmicas, percebeu-se que o empacotamento quadrado não era o melhor pois quando fossem colocados os átomos de ouro que representam o substrato no qual a monocamada estaria fixa, não somente essa não seria a forma mais empacotada como também os átomos de ouro na superfície (111) não seriam compatíveis com as posições dos enxofres. Pensando nisso, fez-se uma outra monocamada com 30 repetições (5x6) do peptídeo com ferroceno, sobre uma superfície de ouro (111) de formas que a monocamada foi posta num empacotamento hexagonal. Considerando as condições periódicas de contorno, o tamanho da caixa usada tinha dimensões 3,67 nm x 4,08 nm x 5,00 nm. A duração da simulação foi de 100 ns e a estrutura inicial é apresentada na Figura 15. 46 Figura 15 – Monocamada peptídica com ferroceno em arranjo hexagonal em água sobre ouro Legenda: as esferas ciano representam o carbono; as brancas, o hidrogênio; as vermelhas, o oxigênio; as azuis, o nitrogênio; as amarelas, o enxofre, as rosas claro, o ferro e as beges, o ouro. Observação: as moléculas de água estão desenhadas na representação de linhas, enquanto monocamada e os átomos de ouro estão representados com o raio de Van der Waals de cada átomo. Fonte: elaboração própria (via VMD). 3.6. Parâmetros Computacionais As dinâmicas feitas com o peptídeo foram feitas usando-se as condições periódicas de contorno, com águas explícitas a 1 atm de pressão e 300 K. As estruturas mostradas nas Figuras 13, 14 e 15 foram submetidas a dinâmicas moleculares clássicas usando o campo de força AMBER99SB32 com o pacote do GROMACS31,33. As interações eletrostáticas são tratadas usando-se a técnica Particle-Mesh-Ewald (PME)34. O termostato usado foi o de Nosé-Hoover35,36 e o barostato, o de Parrinello-Rahman37. 47 4. Resultados e Discussão 4.1. Cálculos do Potencial de Oxirredução do Ferroceno Os resultados dos cálculos para determinar o potencial de oxirredução do ferroceno, feitos com as bases 6-31G*, DEF2-SVP e DEF2-TZVP e os funcionais B3LYP, BLYP, BP86, PBE0 e PBE, foram organizados nas Tabelas 1, 2 e 3. A Tabela 1 contém os resultados para a base 6-31G*, a Tabela 2 para a base DEF2-SVP e a Tabela 3 para a base DEF2-TZVP. Em cada tabela são apresentados os resultados obtidos usando-se cada um dos cinco funcionais e os valores de energia das simulações do ferroceno neutro e positivo no vácuo (Fc / Fc+) e em água (Fc_CSM / Fc+_CSM), todos em Hartree (Eh). A partir disso, calcularam-se a energia de ionização (E.I) e potencial de oxidação (P.O.), tanto em Hartree (Eh) como em elétron-volt (eV). Estes valores também estão presentes nas Tabelas 1, 2 e 3. Tabela 1 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base 6-31G*. B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Fc (Eh) -1650.151 -1650.385 -1650.735 -1649.803 -1649.809 Fc+ (Eh) -1649.929 -1650.157 -1650.492 -1649.562 -1649.556 Fc_CSM (Eh) -1650.336 -1650.564 -1650.915 -1649.985 -1649.996 Fc+_CSM (Eh) -1650.160 -1650.408 -1650.744 -1649.815 -1649.817 E.I. vácuo (Eh) 0.223 0.228 0.243 0.241 0.253 P.O. água (Eh) 0.175 0.156 0.171 0.170 0.180 E.I. vácuo (eV) 6.056 6.214 6.617 6.555 6.887 P.O. água (eV) 4.773 4.245 4.650 4.615 4.888 ∆E (eV) 1.283 1.969 1.968 1.940 1.999 P.O. real (eV) 1.875 0.501 0.504 0.560 0.441 Fonte: elaboração própria. Tabela 2 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base DEF2-SVP. B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Fc (Eh) -1649.865 -1650.098 -1650.448 -1649.518 -1649.523 Fc+ (Eh) -1649.608 -1649.863 -1650.199 -1649.271 -1649.262 Fc_CSM (Eh) -1650.048 -1650.275 -1650.626 -1649.697 -1649.708 Fc+_CSM (Eh) -1649.864 -1650.112 -1650.449 -1649.521 -1649.521 E.I. vácuo (Eh) 0.257 0.236 0.250 0.248 0.260 P.O. água (Eh) 0.184 0.163 0.178 0.176 0.188 E.I. vácuo (eV) 6.984 6.408 6.790 6.738 7.085 P.O. água (eV) 4.991 4.433 4.830 4.777 5.105 ∆E (eV) 1.993 1.975 1.960 1.961 1.980 P.O. real (eV) 0.454 0.491 0.521 0.518 0.479 Fonte: elaboração própria. 48 Tabela 3 – Dados obtidos através dos cálculos quânticos realizados com a base DEF2-TZVP. B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Fc (Eh) -1650.452 -1650.695 -1651.033 -1650.099 -1650.096 Fc+ (Eh) -1650.195 -1650.459 -1650.785 -1649.852 -1649.838 Fc_CSM (Eh) -1650.636 -1650.873 -1651.213 -1650.279 -1650.283 Fc+_CSM (Eh) -1650.452 -1650.709 -1651.035 -1650.103 -1650.096 E.I. vácuo (Eh) 0.257 0.236 0.249 0.247 0.258 P.O. água (Eh) 0.184 0.164 0.178 0.176 0.186 E.I. vácuo (eV) 7.001 6.427 6.767 6.716 7.030 P.O. água (eV) 5.007 4.471 4.835 4.778 5.072 ∆E (eV) 1.994 1.956 1.931 1.938 1.958 P.O. real (eV) 0.452 0.528 0.578 0.564 0.524 Fonte: elaboração própria. Em seguida, através de um ciclo termodinâmico absoluto28, obteve-se o potencial de oxidação relativo do ferroceno (∆E), em elétron-volts. O ciclo usado é apresentado na Figura 16. Fonte: elaboração própria. No esquema mostrado acima o que o ocorre é que ambas as espécies que estão no meio aquoso, são levadas para o vácuo (𝐹𝑐(𝑎𝑞) + ⟶ 𝐹𝑐(𝑔) + e 𝐹𝑐(𝑎𝑞) ⟶ 𝐹𝑐(𝑔)) como um artifício para que a energia obtida no final seja livre do termo que é responsável pela solvatação e rearranjo das espécies no meio aquoso. Assim, a energia de oxidação real do ferroceno (ΔE) é dado pela Equação 29. O primeiro termo é negativo pois a direção da seta para que o ciclo se feche (𝐹𝑐(𝑔) + ⟶ 𝐹𝑐(𝑎𝑞) + ) é oposta à transformação mencionada acima e por isso seu sinal também é oposto. Assim, pode-se aglomerar os termos de formas que: 𝐸. 𝐼. (𝐹𝑐/𝑒𝑉) = 𝐸[𝐹𝑐(𝑔) + ] − 𝐸[𝐹𝑐(𝑔)] 𝑃. 𝑂. (𝐹𝑐/𝑒𝑉) = 𝐸[𝐹𝑐(𝑎𝑞) + ] − 𝐸[𝐹𝑐(𝑎𝑞)] Δ𝐸 = 𝐸. 𝐼. −𝑃. 𝑂. Equação 32 Figura 16 – Ciclo termodinâmico para a obtenção do potencial de oxirredução real do ferroceno. 49 Observa-se, pelos dados adquiridos, que os valores obtidos em água são sempre inferiores aos valores obtidos no vácuo, como esperado, já que o aumento da constante dielétrica do meio facilita a retirada de elétrons de compostos, no geral. No entanto, observa-se que os valores encontrados para o potencial de oxidação relativo para ferroceno (ΔE) são muito maiores que o valor relatado na literatura. Isso porque este valor não está relacionado com a semirreação de redução do hidrogênio, que possui potencial absoluto igual a 4,44 eV30. Para corrigir este valor, o ∆E deve ser multiplicado por dois (pois a reação de formação do hidrogênio envolve dois elétrons, enquanto que a reação de oxidação do ferroceno envolve apenas um) e o valor obtido deve ser subtraído do potencial absoluto do hidrogênio. Assim, na última linha de cada tabela são postos os valores obtidos para o potencial de oxidação (P.O. real) do ferroceno que, na literatura, é relatado como 0,671 eV38. Após estes procedimentos, os erros percentuais foram calculados para cada funcional, em cada base, para se analisar a qualidade dos resultados. A fórmula utilizada para o cálculo do erro e dada pela Equação 33: 𝐸𝑟𝑟𝑜(%) = | 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 (𝑙𝑖𝑡𝑒𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎)− 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 (𝑜𝑏𝑡𝑖𝑑𝑜) 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 (𝑙𝑖𝑡𝑒𝑟𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎) | × 100 Equação 33 Os resultados, juntamente com os respectivos erros percentuais, estão dispostos nas Tabelas 4, 5 e 6, mostradas na sequência. Tabela 4 – Resultados e erros percentuais para a base 6-31G*. Base 6-31G* B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Resultado 1.875 0.501 0.504 0.560 0.441 Erro (%) 179 25.3 24.8 16.6 34.2 Fonte: elaboração própria. Tabela 5 – Resultados e erros percentuais para a base DEF2-SVP. Base DEF2-SVP B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Resultado 0.454 0.491 0.521 0.518 0.479 Erro (%) 32.3 26.9 22.4 22.9 28.5 Fonte: elaboração própria. 50 Tabela 6 – Resultados e erros percentuais para a base DEF2-TZVP. Base DEF2-TZVP B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Resultado 0.452 0.528 0.578 0.564 0.524 Erro (%) 32.7 21.3 13.9 15.9 21.9 Fonte: elaboração própria. É possível observar que, no geral, a base 6-31G* forneceu os resultados com maiores erros, seguida pela base DEF2-SVP e que a melhor base foi a DEF2-TZVP. Isso já era esperado pois como todas as bases usadas são do tipo GTO, há uma tendência de que a base que tiver mais coeficientes para fazer o fitting da gaussiana renda melhores resultados. Dessa maneira, a base DEF2-TZVP é a melhor pois é uma tripla zeta, enquanto que as duas outras bases, DEF2-SVP e 6-31G*, são dupla zeta com valêcia dividida mas a primeira é melhor pois seus coeficientes são calculados numericamente enquanto que para a segunda, seus coeficientes são melhorados variacionalmente. Vale ressaltar que quanto mais coeficientes, mais dispendioso é o cálculo. A Figura 17 mostra os erros para cada um dos cinco funcionais empregados. Figura 17 – Erro percentual para os funcionais, dependendo da base empregada. Fonte: elaboração própria. No entanto, nota-se que ocorrem algumas inversões pois a base tripla zeta, que deveria obter menores valores de erro que as outras duas, para os funcionais B3LYP e PBE, fica muito próxima e até mesmo pior que a DEF2-SVP, respectivamente. Tanto que nesta base, o funcional PBE obtém resultados piores que a base 6-31G*, a qual obteve valor próximo ao obtido pela base tripla zeta. Algo parecido ocorre para o funcional BLYP. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 B3LYP BLYP BP86 PBE PBE0 Er ro ( % ) Funcionais 6-31G* DEF2-SVP DEF2-TZVP 51 No caso do B3LYP, que é um funcional híbrido, atribuem-se pesos diferentes para a troca advinda do HF e para funcionais locais os quais foram definidos a partir de um conjunto de treinamento e otimizados para estes tipos de estrutura39. Como a estrutura do ferroceno é bem diferente das estruturas usadas no conjunto de treinamento e pelo fato de se tratar de um complexo metálico pode-se compreender o porquê dos resultados obtidos apresentarem erros tão proeminentes. Os funcionais usados na parametrização do B3LYP também podem ser responsáveis por parte do erro, já que o ferroceno é um complexo deca substituído e, portanto, tem elétrons não localizados e os funcionais que compõe o B3LYP são locais. O outro funcional híbrido, PBE0, também não rendeu bons resultados, embora fossem melhores que o B3LYP, provavelmente porque os coeficientes não eram os mais adequados para o ferroceno, mas os funcionais usados na parametrização são GGA, ou seja, não locais. Logo, é possível compreender, mesmo que qualitativamente, o porquê de os resultados serem melhores que os do funcional B3LYP. Os outros três funcionais são semi-locais e percebe-se que, pelas Tabelas 4, 5, 6 e Figura 17, não há muita diferença entre os resultados obtidos entre eles, considerando as mesmas bases. As diferenças existentes podem ser causadas por eventuais cancelamentos de erros, como no caso do PBE na base 6-31G* ter fornecido melhor resultado que na base DEF2-SVP. Assim, como o melhor resultado obtido foi com o funcional BP86, na base DEF2-TZVP, ele foi escolhido como padrão, ou seja, foi o cálculo dos quais os dados foram retirados para o ferroceno quando ele foi acoplado ao peptídeo. Na Figura 18 são mostradas as cargas dos átomos do ferroceno reduzido e oxidado, de acordo com as cargas de Mulliken. Figura 18 – Cargas segundo Mulliken, na base DEF2-SVP e funcional BP86, para o ferroceno a) reduzido; b) oxidado. 0 H: 0,136574 1 C: -0,149464 2 C: -0,148211 3 C: -0,148032 4 C: -0,147709 5 H: 0,136221 6 C: -0,147185 7 H: 0,136504 8 H: 0,136132 9 H: 0,136430 10 Fe: 0,116754 11 C: -0,146781 12 C: -0,148173 13 C: -0,147981 0 H: 0,176047 1 C: -0,080373 2 C: -0,090416 3 C: -0,060935 4 C: -0,088701 5 H: 0,174809 6 C: -0,072040 7 H: 0,177026 8 H: 0,175345 9 H: 0,176439 10 Fe: 0,025977 11 C: -0,071941 12 C: -0,061317 13 C: -0,088563 52 14 H: 0,136074 15 C: -0,148319 16 H: 0,136698 17 C: -0,148475 18 H: 0,136152 19 H: 0,136591 20 H: 0,136202 Soma das cargas atômicas: 0,000 14 H: 0,176399 15 C: -0,080006 16 H: 0,177122 17 C: -0,091226 18 H: 0,175198 19 H: 0,176005 20 H: 0,175148 Soma das cargas atômicas: +1,000 a) b) Fonte: elaboração própria. 4.2. Curvas de Marcus para o Ferroceno As Figuras 19, 20 e 21 mostram a distribuição dos valores obtidos a partir da diferença dos cálculos single point realizados para o ferroceno neutro, ferroceno oxidado com íon cloreto e ferroceno oxidado com carga de fundo, respectivamente. Nota-se que nos três casos as curvas geradas se aproximam de gaussianas. Alguns estudos simulares foram feitos para um complexo de rutênio, obtendo-se distribuições similares e curvas de Marcus para aquele complexo40,41. Figura 19 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado reduzido do ferroceno. Fonte: elaboração própria. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 -0 .1 1 2 5 -0 .0 8 7 5 -0 .0 6 2 5 -0 .0 3 7 5 -0 .0 1 2 5 0 .0 1 2 5 0 .0 3 7 5 0 .0 6 2 5 0 .0 8 7 5 0 .1 1 2 5 0 .1 3 7 5 0 .1 6 2 5 0 .1 8 7 5 0 .2 1 2 5 0 .2 3 7 5 0 .2 6 2 5 0 .2 8 7 5 0 .3 1 2 5 0 .3 3 7 5 0 .3 6 2 5 0 .3 8 7 5 0 .4 1 2 5 0 .4 3 7 5 0 .4 6 2 5 0 .4 8 7 5 0 .5 1 2 5 Fr eq u ên ci a d o s fr a m es Energia Vertical do Estado Reduzido para o Estado Oxidado 53 Figura 20 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado oxidado do ferroceno com íon cloreto. Fonte: elaboração própria. Figura 21 – Distribuição da energia vertical a partir dos frames da trajetória da dinâmica QM/MM do estado oxidado do ferroceno com carga de fundo. Fonte: elaboração própria. Com estas distribuições pode-se calcular o logaritmo dos valores e multiplica-los por 𝑘𝐵𝑇, usando a temperatura de 300 K. Como resultado, obtiveram-se duas curvas de Marcus: a primeira foi gerada a partir das distribuições do ferroceno neutro e do ferroceno oxidado com íon cloreto e a segunda, com as distribuições do ferroceno neutro e do ferroceno oxidado com carga de fundo. As curvas são apresentadas nas Figuras 22 e 23, respectivamente. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 -0 .3 8 8 -0 .3 6 3 -0 .3 3 8 -0 .3 1 3 -0 .2 8 8 -0 .2 6 3 -0 .2 3 8 -0 .2 1 3 -0 .1 8 8 -0 .1 6 3 -0 .1 3 8 -0 .1 1 3 -0 .0 8 8 -0 .0 6 3 -0 .0 3 8 -0 .0 1 3 0 .0 1 3 0 .0 3 8 0 .0 6 3 0 .0 8 8 0 .1 1 3 0 .1 3 8 0 .1 6 3 0 .1 8 8 Fr eq u ên ci a d o s fr a m es Energia Vertical do Estado Oxidado para o Estado Reduzido 0 10 20 30 40 50 60 70 -0 .4 8 8 -0 .4 6 3 -0 .4 3 8 -0 .4 1 3 -0 .3 8 8 -0 .3 6 3 -0 .3 3 8 -0 .3 1 3 -0 .2 8 8 -0 .2 6 3 -0 .2 3 8 -0 .2 1 3 -0 .1 8 8 -0 .1 6 3 -0 .1 3 8 -0 .1 1 3 -0 .0 8 8 -0 .0 6 3 -0 .0 3 8 -0 .0 1 3 0 .0 1 3 0 .0 3 8 0 .0 6 3 0 .0 8 8 0 .1 1 3 Fr eq u ên ci a d o s fr am es Eenergia Vertical do Estado Oxidado para o Estado Reduzido 54 Figura 22 – Curvas de Marcus para o ferroceno cuja estrutura oxidada foi neutralizada com um íon cloreto. Legenda: a curva laranja se refere a espécie oxidada e a em azul, a espécie reduzida. Fonte: elaboração própria. Figura 23 – Curvas de Marcus para o ferroceno cuja estrutura oxidada foi neutralizada com uso de carga de fundo. Legenda: a curva laranja se refere a espécie oxidada e a em azul, a espécie reduzida. Fonte: elaboração própria. Destas curvas é possível obter os valores de 𝜆 para cada curva. Se eles fossem semelhantes, tem-se um indício que o ferroceno em solução segue a teoria de Marcus, caso contrário, ele seria uma exceção à regra. Os valores obtidos para as curvas y = 0.575x2 - 0.1445x + 0.0609 R² = 0.9385 y = 1.0817x2 + 0.2541x + 0.0649 R² = 0.8163 0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12 0.14 0.16 -0.6 -0.4 -0.2 0 0.2 0.4 0.6 En er gi a Li vr e d e H el m h o lt z ∆E relativa ao zero definido como ponto de cruzamento das curvas y = 0.5818x2 - 0.1487x + 0.0613 R² = 0.9328 y = 0.8442x2 + 0.2208x + 0.0656 R² = 0.825 0 0.02 0.04 0.06 0.08 0.1 0.12 0.14 0.16 0.18 -0.6 -0.4 -0.2 0 0.2 0.4 0.6 En er gi a Li vr e d e H el m h o lt z ∆E relativa ao zero definido como ponto de cruzamento das curvas 55 apresentadas na Figura 22 foram 𝜆𝑜𝑥 = 0,0416 𝑒𝑉 e 𝜆𝑟𝑒𝑑 = 0,0255 𝑒𝑉 enquanto que para as da Figura 23 foram 𝜆𝑜𝑥 = 0,0290 𝑒𝑉 e 𝜆𝑟𝑒𝑑 = 0,0249 𝑒𝑉. Através destes resultados chegar-se-ia a uma conclusão conflituosa: no primeiro caso os valores são distintos, levando-se a crer que o ferroceno não seguiria Marcus e no segundo caso os valores de 𝜆 são mais semelhantes, levando a crer que o ferroceno seguia Marcus. No entanto, é necessário analisar os princípios da teoria com cautela já que Marcus supõe que o ambiente químico das duas espécies seria semelhante, coisa que não ocorre quando se tem apenas um ferroceno oxidado e um íon de cloreto como forma de neutralizar a carga quando comparado com a espécie neutra em água. O primeiro caso seria então “fictício” enquanto que os resultados obtidos das curvas presentes na Figura 23 se assemelham mais com a realidade, já que a carga de fundo estaria mais difundida, se assemelhando mais ao ambiente químico do ferroceno neutro em água. Quanto aos valores do Δ𝐺∗, não é possível estimá-lo com precisão a partir deste tipo de cálculo pois a aproximação de Born-Oppenheimer supõe que há apenas uma possibilidade se separar as componentes nucleares e eletrônicas então se as curvas se interceptam, como mostrado nas Figuras 22 e 23, os estados têm degenerescência e portanto a aproximação BO não poderia ser utilizada. Logo, não se podem extrair valores acurados da energia de reorganização do sistema. 4.3. Construção e Parametrização do Peptídeo A Figura 12 mostra as estruturas do peptídeo e do peptídeo com ferroceno que foram construídas no programa Avogrado21 e a partir destas criaram-se as topologias. Todas as informações foram retiradas do campo de força AMBER99SB32 menos as cargas do ferroceno que vieram dos cálculos single-point com o funcional BP86 na base DEF2-TZVP. Com os dados de cargas pontuais foi possível obter os mapas de potencial mostrados na Figura 24 para o ferroceno, para o peptídeo e para o peptídeo com ferroceno, essas duas últimas estruturas estão na mesma posição mostrada na Figura 12. As escalas estão em elétron-volts. Nelas é possível ver quais partes da estrutura tem mais densidade de carga negativa e quais tem mais densidade de carga positiva. 56