Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências de Botucatu Programa de Pós-Graduação em Farmacologia e Biotecnologia Isabela Andrade de Camargo Investigação da resposta inflamatória disparada pela proteína não-estrutural 1 (NS1) do vírus da Zika (ZIKV) e da Dengue (DENV) em modelos experimentais de epididimite murina Botucatu-SP 2024 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências de Botucatu Programa de Pós-Graduação em Farmacologia e Biotecnologia Isabela Andrade de Camargo Investigação da resposta inflamatória disparada pela proteína não-estrutural 1 (NS1) do vírus da Zika (ZIKV) e da Dengue (DENV) em modelos experimentais de epididimite murina Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Farmacologia e Biotecnologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Candidata: Isabela Andrade de Camargo Orientador: Prof. Dr. Erick José Ramo da Silva Botucatu-SP 2024 C172i Camargo, Isabela Andrade de Investigação da resposta inflamatória disparada pela proteína não-estrutural 1 (NS1) do vírus da Zika (ZIKV) e da Dengue (DENV) em modelos experimentais de epididimite murina / Isabela Andrade de Camargo. -- Botucatu, 2024 107 f. : il., tabs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Botucatu Orientador: Erick José Ramo da Silva 1. Epidídimo. 2. Epididimite viral. 3. Inflamação. 4. NS1-DENV. 5. NS1-ZIKV. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Botucatu. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Auxílio Financeiro CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo 88887.670861/2022-00) FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processos 2021/04746-3 e 2021/06718-7) Agradecimentos Agradeço primeiramente aos meus pais, Rinaldo Aparecido de Camargo e Mirian Araújo de Andrade, por terem me apoiado em todas as etapas da minha vida e me auxiliado a conquistar meus sonhos e nunca desistir. Sou extremamente honrada por ter vocês dois como exemplo de vida, e agradeço a Deus todos os dias por ter me dado o privilégio de tê-los como meus pais. Agradeço a minha irmã, Giovana Andrade de Camargo, por me ajudar em todos os momentos da vida, me acalmando quando preciso, e vibrando a cada momento de conquista. Você é e sempre será um orgulho para mim, minha companheira de vida por toda a eternidade. Agradeço aos meus avós, Divani Araújo de Andrade e Manoel Thiago de Andrade, que sempre cuidaram de mim, me ajudaram e me apoiaram quando preciso. Parte do que sou hoje devo a vocês, vocês são uma grande inspiração! Também agradeço à minha tia, Patrícia Araújo de Andrade, que mesmo distante fisicamente, se fez presente vibrando a cada conquista que tive, além de sempre estar me apoiando e ajudando em minhas decisões profissionais e pessoais. Agradeço ao meu namorado, Yago Henrique Turatto Barão, por todo amor, carinho, paciência e companheirismo oferecidos em todos os momentos que passamos juntos. Obrigada por estar ao meu lado em todos os momentos, me apoiando e ajudando sempre que necessário. Sou muito grata a Deus por ter você em minha vida. Agradeço a todos os meus colegas de laboratório, Alexandre Dorth de Andrade, Noemia Aparecida Partelli Mariani, Natalia Calixto Miranda Santos, Poliana Veneziano Martini, Beatriz Rezende Santos, Juliana Bizzotto, Giulia Calderaro e Célio Junior da Costa Fernandes, por me ajudarem em cada processo de elaboração desta pesquisa, por vibrarem a cada nova conquista, por auxiliarem nos momentos difíceis e proporcionarem ótimos momentos durante meu mestrado. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Erick José Ramo da Silva, por me auxiliar em cada etapa de elaboração da minha pesquisa, e por sempre acreditar em meu potencial, até mesmo nos momentos em que as coisas pareciam não fazer sentido. Obrigada por ser um orientador presente, e um excelente mestre. Seus ensinamentos foram essenciais para meu crescimento pessoal e profissional, sou uma grande admiradora de seu trabalho e sou extremamente grata por ter tido a honra de ser orientada pelo senhor. Agradeço a Dra. Naphak Modhiran e ao Dr. Alberto Amarilla Ortiz, pesquisadores da Universidade de Queensland na Austrália, por cederem as proteínas recombinantes utilizadas no presente projeto, e por toda parceria estabelecida. Agradeço a Profa. Dra. Ada Maria de Barcelos Alves, Prof. Dra. Simone Morais da Costa, e a todos os alunos do Laboratório de Biotecnologia e Fisiologia de Infecções Virais (LABIFIV), pela parceria e aprendizados desenvolvidos na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Agradeço a Profa. Dra. Maria Christina Werneck Avellar e suas alunas Carla Pereira e Rafaella Paiva, pela colaboração e aprendizados desenvolvidos na UNIFESP. Agradeço a todos os docentes do departamento de Biofísica de Farmacologia, setor Farmacologia, Prof. Dr. André Sampaio Pupo, Prof. Dr. Carlos Alan Candido Dias Junior e Prof. Dr. Luiz Claudio Di Stasi e Profa. Dra. Valéria Cristina Sandrim, que contribuíram para minha formação profissional. Agradeço a todos os funcionários do departamento de Biofísica e Farmacologia, Giovana, Ana Cristina Murcia de Souza, Paulo Cesar Mioni, Luís de Oliveira, e ao Prof. Hélio Kushima, por todos os ensinamentos e ajuda durante todo esse período de desenvolvimento do meu mestrado. Agradeço ao Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu. Agradeço aos professores que fizeram parte da minha banca de mestrado, contribuindo com discussões científicas e orientações, enriquecendo significativamente meu trabalho acadêmico. Agradeço as agências de fomento, CAPES e FAPESP, pelo apoio da bolsa e auxílio financeiro prestados durante todo o desenvolvimento do projeto. “A ciência é mais que um corpo de conhecimento, é uma forma de pensar, uma forma cética de interrogar o universo, com pleno conhecimento da falibilidade humana.” - Carl Sagan. RESUMO Os Arbovírus formam um grupo de vírus taxonomicamente diverso. Do ponto de vista epidemiológico e clínico, o vírus da dengue (DENV), o Zika (ZIKV) e o Chikungunya (CHKV), transmitidos pelo mosquito Aedes spp., são considerados os arbovírus de maior relevância, pois estima-se que cerca de 3,9 bilhões de pessoas, vivendo em 120 países, estão susceptíveis a infecções por pelo menos um deles. O DENV e ZIKV codificam a proteína não estrutural 1 (NS1), que possui papel fundamental nas manifestações clinicas dessas infecções virais, além de ser um potencial marcador para o diagnóstico de infecção aguda precoce. Estudos em células endoteliais e macrófagos em cultura demonstraram que a NS1 da DENV atua como agonista do receptor Toll-like 4 (TLR4), induzindo a secreção de citocinas, o que contribui para a gravidade da dengue. Nesse contexto, sabe-se que infecções virais podem causar inflamações no epidídimo, um órgão do sistema reprodutor masculino fundamental para a maturação dos espermatozoides e fertilidade masculina. Estudos utilizando o modelo experimental de epididimite murino demonstraram que o ZIKV coloniza e se multiplica no epidídimo, causando um quadro inflamatório conhecido como epididimite. Entretanto, pouco se sabe sobre os efeitos da infecção por DENV no sistema reprodutor masculino. No presente estudo investigamos se as isoformas de NS1-ZIKV e NS1-DENV desencadeiam resposta inflamatória no epidídimo de camundongos, e se essa resposta é mediada pela ativação do TLR4. Utilizamos o modelo experimental de epididimite ex vivo, no qual as regiões proximal (segmento inicial) e distal (cauda do epidídimo) de camundongos C57BL/6 machos (90-120 dias) foram isoladas e incubadas por 3 h (34°C e 5%/95% de CO2/ar) com salina estéril (controle negativo), LPS ultrapuro de E. coli (50 ng/ml, controle positivo), NS1-DENV e NS1- ZIKV [1, 10 e 20 µg/ml]. Após as incubações, os tecidos e meio de cultura organotípica foram coletados e processados para ensaios de RT-qPCR e Multiplex, para avaliação da expressão de mediadores inflamatórios (Il6, Il1b, Tnf, Il10, Ccl2, Ccl3, Ccl4, Ccl5, Cxcl2 e Cx3cl1), elementos da via de sinalização TLR (Tlr4, Cd14, Myd88, Trif e Tlr3), enzimas envolvidas na resposta inflamatória (Ptgs1, Ptgs2 e Ido1) e genes envolvidos na função do epidídimo (Gja1, Cdh1, Cldn1, Cldn3 e Cldn8). O desafio inflamatório mediado por NS1-ZIKV e NS1-DENV regulou positivamente a expressão relativa de transcritos que codificam citocinas pró e anti- inflamatórias (Il1b, Il10, Ifnb1 e Ifng), quimiocinas (Ccl3, Ccl4, Ccl5 e Cxcl2), enzimas e adesão celular (Ptgs2, Icam1 e Vcam1) no segmento inicial e na cauda do epidídimo. A pré-incubação do segmento inicial e cauda do epidídimo com CLI-095 (3 μM), um inibidor da via TLR4, demonstrou que as regiões proximais e distais do epidídimo respondem diferencialmente à inflamação induzida pelas isoformas de NS1 dos flavivírus ZIKV e DENV, sendo parcialmente dependente da via TLR4 na cauda do epidídimo. Ambas as proteínas NS1 promovem regulação da expressão de genes envolvidos na inflamação aguda do epidídimo, sendo possivelmente essenciais para o reconhecimento do ZIKV e DENV pelo epidídimo. Afim de determinar se a infecção por DENV induz resposta inflamatória no epidídimo, investigamos se a infecção com DENV-2 cepa NGC por via intracerebral em camundongos machos Balb/c (8 semanas, dose referente a carga viral de 40 x LD50) ou meio 199 (controle negativo) induz expressão de mediadores inflamatórios. Os animais foram eutanasiados após 4, 5 e 7 dias da infeção, seus epidídimos coletados, segmentados em 4 diferentes regiões (segmento inicial, cabeça, corpo e cauda do epidídimo) e processados para ensaios de RT-qPCR. Os resultados demonstraram aumento dos níveis de citocinas (Tnf) e interferons (Infg e Infb1) nas diferentes regiões do epidídimo de camundongos. Portanto, o desafio de infecção de DENV-2 intracerebral, demonstrou que o vírus DENV é capaz de mediar a regulação gênica e no aumento das moléculas envolvidas na inflamação aguda do epidídimo. Em conclusão, nossos resultados demonstram que a NS1 atua como um padrão molecular associado à infecção por ZIKV e DENV no epidídimo, participando da resposta do órgão contra essas infecções virais. O presente estudo amplia o entendimento da fisiopatologia epididimite viral e suas implicações na fertilidade. ABSTRACT Arboviruses form a taxonomically diverse group of viruses. From an epidemiological and clinical point of view, the dengue (DENV), Zika (ZIKV) and Chikungunya (CHKV) viruses, transmitted by the Aedes spp. mosquito, are considered to be the most relevant arbovirus, as it is estimated that around 3.9 billion people living in 120 countries are susceptible to infection by at least one of them. DENV and ZIKV encode the non-structural protein 1 (NS1), which plays a fundamental role in the clinical manifestations of these viral infections, as well as being a potential marker for the diagnosis of early acute infection. Studies on endothelial cells and macrophages in culture have shown that DENV NS1 acts as a Toll-like receptor 4 (TLR4) agonist, inducing the secretion of cytokines, which contributes to the severity of dengue. In this context, it is known that viral infections can cause inflammation in the epididymis, an organ of the male reproductive system that is fundamental for sperm maturation and male fertility. Studies using the experimental murine epididymitis model have shown that ZIKV colonizes and multiplies in the epididymis, causing an inflammatory condition known as epididymitis. However, little is known about the effects of DENV infection on the male reproductive system. In the present study, we investigated whether the NS1-ZIKV and NS1-DENV isoforms trigger an inflammatory response in the epididymis of mice, and whether this response is mediated by TLR4 activation. We used the experimental model of ex vivo epididymitis, in which the proximal (initial segment) and distal (cauda epididymis) regions of male C57BL/6 mice (90-120 days) were isolated and incubated for 3 h (34°C and 5%/95% CO2/air) with sterile saline (negative control), ultrapure LPS from E. coli (50 ng/ml, positive control), NS1-DENV and NS1- ZIKV [1, 10 and 20 µg/ml]. After the incubations, the tissues and organotypic culture medium were collected and processed for RT-qPCR and Multiplex assays to assess the expression of inflammatory mediators (Il6, Il1b, Tnf, Il10, Ccl2, Ccl3, Ccl4, Ccl5, Cxcl2 and Cx3cl1), elements of the TLR signaling pathway (Tlr4, Cd14, Myd88, Trif and Tlr3), enzymes involved in the inflammatory response (Ptgs1, Ptgs2, and Ido1) and genes involved in epididymis function (Gja1, Cdh1, Cldn1, Cldn3, and Cldn8). The inflammatory challenge mediated by NS1-ZIKV and NS1-DENV positively regulated the relative expression of transcripts encoding pro- and anti-inflammatory cytokines (Il1b, Il10, Ifnb1 and Ifng), chemokines (Ccl3, Ccl4, Ccl5 and Cxcl2), enzymes and cell adhesion (Ptgs2, Icam1 and Vcam1) in the initial segment and cauda epididymis. Pre-incubation of the initial segment and cauda epididymis with CLI-095 (3 μM), an inhibitor of the TLR4 pathway, demonstrated that the proximal and distal regions of the epididymis respond differentially to inflammation induced by the NS1 isoforms of the ZIKV and DENV flaviviruses, being partially dependent on the TLR4 pathway in the cauda epididymis. Both NS1 proteins regulate the expression of genes involved in acute epididymal inflammation, and are possibly essential for the recognition of ZIKV and DENV by the epididymis. In order to determine whether DENV infection induces an inflammatory response in the epididymis, we investigated whether intracerebral infection with DENV-2 strain NGC in male Balb/c mice (8 weeks old, viral load dose of 40 x LD50) or medium 199 (negative control) induces the expression of inflammatory mediators. The animals were euthanized 4, 5 and 7 days after infection, their epididymidis collected, segmented into 4 different regions (initial segment, caput, corpus and cauda epididymis) and processed for RT-qPCR assays. The results showed increased levels of cytokines (Tnf) and interferons (Infg and Infb1) in the different regions of the mouse epididymis. Therefore, the intracerebral DENV-2 infection challenge demonstrated that the DENV virus is able to mediate gene regulation and the increase of molecules involved in acute epididymal inflammation. In conclusion, our results demonstrate that NS1 acts as a molecular pattern associated with ZIKV and DENV infection in the epididymis, participating in the organ's response against these viral infections. This study broadens our understanding of the pathophysiology of viral epididymitis and its implications for fertility. LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS DENV: Vírus da Dengue CHKV: Vírus Chikungunya WNV: Vírus do Nilo Ocidental JEV: Vírus de Encefalite Japonesa YF: Vírus da Febre Amarela ZIKV: Vírus Zika TNF: Fator de necrose tumoral alfa IL’s: Interleucinas CCL’s: Quimiocinas CC’s CXCL’s: Quimiocinas CXC’s ssRNA: RNA de fita simples ORF: do inglês “Open Reading Frame” NS’s: Proteínas não-estruturais ADE: do inglês “antibody-dependent enhancement” mNS1: NS1 de membrana celular sNS1: NS1 extracelular GPI: Glicosilfosfatidilinositol siRNA: do inglês “small interfering RNA” STAT’s: do inglês “signal transducers and activator of transcription” IFN’s: Interferons IFNAR: Receptor interferon alfa/beta JAK’s: Janus quinase TYK’s: Tirosina quinase PRR’s: Receptores de reconhecimento de padrões TLR’s: do inglês “Toll-like receptors” PAMP’s: Padrões moleculares associados à patógenos CD4+: Linfócitos T auxiliares CD8+: Linfócitos T citotóxicos DHT: Diidrotestosterona AR: Receptores de androgênios BEB: do inglês “blood-epididymis barrier” CLDNs: Claudinas OCLDNs: Ocludinas JAM: Moléculas de adesão juncional CDH1: e-caderina CDH3: p-caderina ZOs/TJPs: Zônulas de oclusão LPS: Lipopolissacarídeo MYD88: do inglês “myeloid differentiation primary response 88” TRIF: do inglês “TIR domain – containing adaptor inducing interferon beta” IRF3: Fator transcricional regulador de interferon 3 NGC: Cepa Nova Guiné neuro adaptado PBMC: do inglês “Peripheral Blood Mononuclear Cells” SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................................................................... 14 1.1 Os flavivírus ........................................................................................................... 14 1.1.1 O vírus Zika (ZIKV) ......................................................................................... 15 1.1.2 O vírus Dengue (DENV) ................................................................................. 18 1.1.3 Organização genômica e estrutural do DENV e ZIKV ..................................... 19 1.1.4 Proteína não-estrutural 1 (NS1) – papel nas manifestações clínicas, mecanismos de ação e resposta celular ....................................................................... 21 1.2 Impacto das infecções virais em órgãos trato reprodutor masculino ...................... 24 1.2.1 O epidídimo – uma visão geral ....................................................................... 24 1.2.2 Papeis funcionais da barreira hemato-epididimária ......................................... 28 1.2.3 Outros elementos do sistema imunológico inato no epidídimo ........................ 31 1.2.4 Inflamação do epidídimo – visão geral e epididimite viral ................................ 33 2. Objetivos ....................................................................................................................... 39 2.1 Objetivo Geral ........................................................................................................ 39 2.2 Objetivos específicos ............................................................................................. 39 3. Material e Métodos ....................................................................................................... 41 3.1 Estratégias experimentais ...................................................................................... 41 3.2 Animais utilizados modelo ex vivo.......................................................................... 43 3.3 Reagentes para indução de epididimite ex vivo ..................................................... 43 3.4 Epididimite induzida por NS1-DENV e NS1-ZIKV utilizando cultura de órgãos ex vivo 44 3.5 Infecção por DENV2 cepa NGC intracerebral, modelo in vivo ................................ 44 3.6 Extração de RNA total ........................................................................................... 45 3.7 Ensaios de reação de transcriptase reversa (RT) e reação de polimerase em cadeia em tempo real (qPCR) ...................................................................................................... 45 3.8 Ensaio multiplex de citocinas ................................................................................. 48 3.9 Análise Estatística ................................................................................................. 48 4. Resultados .................................................................................................................... 51 4.1 Capítulo 1: Resposta inflamatória do epidídimo de camundongos induzida pelas proteínas NS1-ZIKV e NS1-DENV: papel do receptor TLR4............................................. 51 4.1.1 NS1-ZIKV e NS1-DENV regulam diferencialmente a expressão relativa das citocinas pró-inflamatórias Tnf e Il6 no segmento inicial e cauda do epidídimo ............. 51 4.1.2 NS1-ZIKV e NS1-DENV regulam positivamente a expressão de genes envolvidos na resposta inflamatória e induzem secreção das quimiocinas CXCL2 e CCL3 no segmento inicial e cauda do epidídimo. ......................................................... 53 4.1.3 NS1-ZIKV e NS1-DENV regulam de forma diferencial a expressão de enzimas envolvidas na resposta inflamatória e moléculas de adesão no segmento inicial e cauda do epidídimo. ................................................................................................................ 56 4.1.4 NS1-ZIKV e NS1-DENV regulam negativamente a expressão de moléculas associadas à integridade de barreira hemato-epididimária no segmento inicial e cauda do epidídimo. ................................................................................................................ 58 4.1.5 CLI-095 preveniu os efeitos pela NS1-ZIKV e NS1-DENV sobre a expressão de mediadores inflamatórios apenas na cauda do epidídimo. ....................................... 59 4.1.6 NS1-ZIKV e NS1-DENV regulam negativamente a expressão de elementos da via de sinalização do TLR4 no segmento inicial e cauda do epidídimo ......................... 61 4.2 Capítulo 2: Perfil de resposta inflamatória do epidídimo de camundongos Balb/c à infecção intracerebral de DENV-2 cepa NGC neuro adaptado ......................................... 64 4.2.1 A infecção cerebral por DENV2 NGC regula positivamente a expressão de citocinas pró-inflamatórias no epidídimo de camundongos ........................................... 64 5. Discussão ..................................................................................................................... 67 6. Conclusão ..................................................................................................................... 75 7. Referências Bibliográficas ............................................................................................. 77 ANEXO I ................................................................................................................. 106 ANEXO II................................................................................................................. 107 Introdução 14 1. Introdução 1.1 Os flavivírus Os Arbovírus formam um grupo de vírus taxonomicamente diverso e possuem artrópodes como seus respectivos vetores. Os arbovírus da família Flaviviridae englobam aqueles do gênero flavivírus, que consistem em diversos membros distintos, cujo genoma é composto por RNA fita simples (Young, 2018). Cinco flavivírus têm emergido como agentes etiológicos de infecções virais relevantes em humanos, sendo eles o vírus da Dengue (DENV), vírus Nilo Ocidental (WNV), vírus Encefalite Japonesa (JEV), vírus da Febre Amarela (YF), e vírus Zika (ZIKV) (Cavalcante & Tauil, 2016; Daep et al., 2014; Weaver et al., 2016). Em geral, suas infecções podem ser desde assintomáticas, até a progressão nas formas mais graves da doença, como febre hemorrágica e complicações neurológicas. Com a globalização, houve um aumento da propagação de doenças em indivíduos que não possuem uma imunidade adquirida contra seus agentes etiológicos (Yach, 2005). Esse tipo de ocorrência pode ser observado em diferentes momentos da história global, sendo que uma das primeiras incidências conhecidas deste fenômeno no Novo Mundo foi a introdução da varíola e da sífilis nos nativos americanos durante o período de colonização europeia das Américas, resultando em surtos devastadores e epidemias que causaram um impacto significativo na população nativa (Patterson et al., 2016). Nas últimas décadas, doenças infecciosas emergentes têm sido relatadas com maior frequência em diversos países, incluindo aquelas causadas por flavivírus. O WNV que havia sido isolado anteriormente em 1937 e era predominantemente notificado na África, Ásia, Europa e Austrália, foi relatado pela primeira vez no estado de Nova York, Estados Unidos, em 1999, espalhando-se através da infecção de aves migratórias, cavalos e humano, a tal ponto de se tornar endêmico nas Américas (Enis et al., 2001; Gubler, 2007). Notavelmente, estima-se que cerca de dois quintos de toda população mundial está susceptível a infecção por DENV, sendo que houve um aumento de trinta vezes nos casos da doença nos últimos anos (Chaturvedi & Nagar, 2008). Mais recentemente, em 2016, o ZIKV tem sido considerado uma emergência de saúde global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 4 milhões de infecções por ZIKV foram registradas apenas no continente americano em 2016 (Baud, 2017). Uma série de fatores influenciou o ressurgimento de alguns arbovírus, incluindo a sua capacidade de adaptação a novos vetores/hospedeiros, mudanças genéticas do vírus, mudanças climáticas e perturbações de sistemas naturais por ações antropogênicas. Do ponto de vista epidemiológico e clínico, o DENV e ZIKV são considerados os flavivírus de maior relevância, pois estima-se que cerca de 3,9 bilhões de pessoas, vivendo em 120 países, estão susceptíveis a infecções por pelo menos um deles (Figura 1) (Patterson et al., 2016). 15 Todos possuem o mosquito Aedes aegypti, endêmico em todas as regiões do Brasil, como seu principal vetor nas Américas (Coelho et al., 2016). O Aedes aegypti é considerado o vetor mais eficaz para a propagação de doenças endêmicas devido a diversos fatores, incluindo a rápida evolução do seu ciclo de vida em proximidade com seus hospedeiros humanos. Esse comportamento estimula de maneira eficiente a disseminação de doenças transmitidas por esses vetores (Wang et al., 2000). Figura 1. Mapa de representação da distribuição global estimada dos arbovírus causadores da Dengue, Zika e Chikungunya (Patterson et al., 2016). Considerando a gravidade das infecções causadas pelos flavivírus, juntamente com as altas ocorrências de infecções em todo cenário global, é necessário que sejam realizados mais estudos a fim de mitigar seus efeitos deletérios à saúde dos indivíduos afetados. No presente estudo, direcionamos nossa atenção a fim de analisar as implicações associadas ao DENV e ZIKV devido à sua relevância epidemiológica. 1.1.1 O vírus Zika (ZIKV) O ZIKV é um vírus emergente que foi isolado pela primeira vez em amostras de macacos Rhesus originários da floresta Zika, em Uganda, sendo detectado em humanos pela primeira vez na década de 1950 em diferentes países da África e Ásia (Gubler, 2007). Em 2007, houve 16 o primeiro grande surto de ZIKV fora da África e Ásia, que ocorreu nas Ilhas Yap (Micronésia), espalhando-se para outras ilhas do pacífico Sul, onde foram registrados 19 mil casos entre 2013 e 2014 (Duffy et al., 2009). No Brasil, o primeiro caso foi detectado em 2015, em Natal- RN, causando um surto epidêmico que atingiu 14 estados do país, e resultou em 440.000- 1.300.000 casos suspeitos da doença (Campos et al., 2016; Duffy et al., 2009; Hennessey et al., 2016). Em 2017, mais de 22.000 casos foram confirmados e cerca de 580.000 casos foram considerados suspeitos da doença em 52 países (Pierson & Diamond, 2018). Uma partícula do ZIKV (Figura 2A) possui 50 nm de diâmetro e é constituído por um invólucro icosaédrico contendo o genoma em seu cerne. Em sua forma madura, o invólucro do ZIKV é composto por 180 cópias de cada uma das proteínas de envelope (E) e de membrana (M), que estão todas inseridas na membrana lipídica via seus domínios transmembranares (Sirohi & Kuhn, 2017). A proteína E é constituída por um par de domínios haste membrana e três ectodomínios que se encontram fora da membrana (DI, DII e DIII) (Figura 2B e C) (Hamel et al., 2015; Shi & Gao, 2017; Sirohi & Kuhn, 2017). A proteína M, ao contrário da proteína E, possui poucos aminoácidos expostos, uma vez que reside sob a proteína E, e obedece a uma organização icosaédrica semelhante (Sirohi & Kuhn, 2017). Figura 2: Representação estrutural do ZIKV. (A) Representação da forma madura do ZIKV em resolução de 3,8 Å (esquerda) e da forma imatura do ZIKV (direita). (B) Representação da proteína E e seus respectivos domínios. A proteína E é uma estrutura alongada de três ectodomínios ligadas à membrana viral por uma haste e dois domínios transmembranares antiparalelos. Os domínios da proteína E estão representados em vermelho, amarelo e azul (domínios I-III, respectivamente); em roxo está representado a proteína M, que também é ligada à membrana viral por dois domínios transmembranares. (C) Representação dos arranjos da proteína E em suas formas imatura (esquerda) e madura (direita) (Adaptado de Pierson & Diamond, 2020; Sirohi & Kuhn, 2017). 17 O período de incubação do ZIKV é de aproximadamente 3 a 12 dias. Embora a maioria dos pacientes não apresente sintomas, cerca de 20-25% apresentam um quadro clínico caracterizado por febre baixa (37,8 a 38,5°C), conjuntivite não purulenta bilateral, cefaleia, mialgia e artralgia com edema periarticular com duração de até uma semana, e em alguns casos pode ocorrer erupção cutânea maculopapular generalizada (Chan et al., 2016). A infecção por ZIKV também pode causar a distúrbios neurológicos graves, como a Síndrome de Gullian-Barré e meningite. Em mulheres grávidas, a infecção por ZIKV pode levar a uma condição denominada síndrome congênita da Zika, responsável por gerar malformações congênitas, microcefalia, além de alterações visuais, auditivas e psicomotoras nas crianças (Coyne & Lazear, 2016). Um possível mecanismo associado às anomalias causadas pelo ZIKV no sistema nervoso central envolve o sequestro da maquinaria de autofagia em neurônios e células da glia durante seu processo de replicação viral (Liang et al., 2016). As síndromes de desenvolvimento fetal são relatadas em 1-13% das crianças nascidas de mães infectadas por ZIKV, sendo que a vulnerabilidade fetal a formas mais graves da doença ocorre principalmente durante o primeiro trimestre de gestação (Brasil et al., 2016; Cauchemez et al., 2016). As lesões cerebrais que ocorrem incluem ventriculomegalia, lisencefalia e calcificações, além de necrose de células neuronais e gliais na transição subcortical, com presença de infiltrados de células T e B na substância branca subcortical (Culjat et al., 2016; Mlakar et al., 2016; Tang et al., 2016). O tropismo celular e tecidual do ZIKV é responsável pela diversidade de sintomas (Miner & Diamond, 2017). Além disso, o ZIKV é capaz de infectar uma ampla variedade de células, incluindo a pele (fibroblastos dérmicos, queratinócitos, células dendríticas), e órgãos do sistema reprodutor masculino, causando outras alterações periféricas, como será abordado posteriormente (Govero et al., 2016; Hamel et al., 2015; Ma et al., 2016). Embora a transmissão principal da doença ocorra através de mosquitos Aedes aegypti infectados, estudos recentes demonstraram que a presença do ZIKV no sêmen é a provável causa da transmissão sexual relatada para a doença. Tal achado contribuiu significativamente para a mudança do paradigma das interações vírus-hospedeiro, modificando sua epidemiologia e os padrões clínicos de infecção (Barzon et al., 2016; Mansuy et al., 2016). A presença do ZIKV foi identificada no sêmen de pacientes com sistema imunológico normal e que se recuperaram em poucos dias da infecção até 141 dias após o início dos sintomas, com a carga viral entre 8,6 a 3,5 log cópias por ml (Mansuy et al., 2016). A persistência de carga viral no sêmen é motivo de grande preocupação no cenário clínico por possivelmente estar associado a um tropismo viral pelas células sexuais masculinas (Foy et al., 2011). Tal observação também confirma a capacidade do ZIKV de infectar órgãos do trato reprodutor masculino, onde pode induzir resposta imunológica severa com repercussões ainda pouco 18 conhecidas sobre a fertilidade de homens acometidos pelo vírus. Dessa forma, a fim de mitigar os efeitos deletérios de uma infecção por ZIKV, estudos acerca do papel de maturação das partículas virais, do tropismo e dos receptores celulares que estão envolvidos na entrada e colonização do ZIKV nas células, em especial do sistema reprodutor masculino, são cada vez mais necessários. 1.1.2 O vírus Dengue (DENV) Historicamente, é difícil determinar quando o DENV surgiu pela primeira vez na população humana, pois parte das infecções é assintomática (Mukhopadhyay et al., 2005). Seu registro mais antigo se dá em uma enciclopédia médica chinesa, datada de 992 a.C. (Gubler, 1998). Acredita-se que a doença tenha se espalhado pelos trópicos e subtrópicos entre os séculos XIX e XX (Holmes & Twiddy, 2003). No Brasil, o primeiro surto da doença foi registrado no final do século XVII, em Recife-PE e Salvador-BA, levando à óbito cerca de 2.000 pessoas. Desde a década de 1980, o padrão de surtos endêmico-epidêmicos se manteve a cada três a cinco anos no país até 2010, quando passou a ser a cada dois anos (Ministério da Saúde, 2009). Existem quatro sorotipos associados a doença (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4). Quando sintomática, a infecção por DENV pode causar quadros que vão desde febre indiferenciada, dengue clássica e dengue grave, que inclui a febre hemorrágica grave e a síndrome do choque da dengue (Rothman, 2011; Wang et al., 2000). Frente à complexidade de distinção pela classificação tradicional de um paciente com FDH e FD durante a fase aguda de infecção, a OMS em 2009 revisou a classificação devido à presença de uma variedade de sinais e sintomas não específicos da doença. A nova classificação da doença é dividida em dengue sem sinais de alarme, dengue com sinais de alarme e dengue grave (Narvaez et al., 2011). Nas formas mais graves da doença, é caracterizada pelo extravasamento capilar acompanhado de trombocitopenia e homeostasia alterada. Esse quadro clínico também é acompanhado por uma tempestade de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias circulantes, como fator de necrose tumoral alfa (TNF), interleucina 6 (IL6) e quimiocina CC ligante 4 (CCL4) (Rothman, 2011). Os sintomas mais comuns de DENV se assemelham aos de outras infecções virais, como CHKV e ZIKV, se manifestando de 5-7 dias após a picada do mosquito infectado. A viremia pode ter início 1 a 5 dias antes dos sintomas, e persistir por até uma semana (Simmons et al., 2012). Parte das infecções é assintomática, sendo influenciada pela idade, sorotipo e 19 genótipo da DENV, infecções prévias, presença de anticorpos e fatores genéticos. A maioria das infecções resulta em uma recuperação completa do paciente (Reiner et al., 2014). A infecção por determinado sorotipo da DENV pode conceder uma imunidade duradoura contra este sorotipo, e além de imunidade temporária aos outros três sorotipos. Dessa forma, o mesmo indivíduo pode ser infectado mais de uma vez pelo DENV. As infecções posteriores estão de forma epidemiológica correlacionadas ao aumento do risco de desenvolvimento de formas mais graves da doença, sendo o ADE (aumento da replicação dependente de anticorpo) a explicação para esse aumento de risco de dengue grave em uma infecção secundária (Halstead & O’Rourke, 1977). Neste contexto, é importante ressaltar que o ADE é um fenômeno em que a presença de anticorpos específicos contra o vírus aumenta a entrada do vírus em certas células do sistema imunológico. Isso ocorre quando anticorpos direcionados às proteínas de membrana e envelope se ligam ao vírus, formando complexos imunes que podem ser internalizados pelas células que expressam receptores Fc específicos (Katzelnick et al., 2017). Apesar da via de transmissão mais comum de DENV ser através de picadas por mosquitos, já foram confirmadas outras vias de transmissão como por exemplo, transfusão sanguínea (Tambyah et al., 2008), transplante de tecidos e órgãos (Punzel et al., 2014), exposição percutânea ao sangue de uma pessoa infectada (Chen & Wilson, 2004), e possivelmente amamentação (Barthel et al., 2013). Estudos demonstraram a presença de DENV no sêmen, o que indica sua capacidade de infectar e colonizar o sistema reprodutor masculino (Iannetta et al., 2017; Lalle et al., 2018). 1.1.3 Organização genômica e estrutural do DENV e ZIKV O DENV e ZIKV são vírus envelopados formados por uma fita simples de RNA (ssRNA) de sentido positivo e tamanho aproximado 10-11 kb. Seus RNAs genômicos contêm uma ORF (do inglês, “Open Reading Frame”) flanqueada por uma região não codificada no sentido 5’- 3’. Após sua introdução na célula hospedeira, a única ORF é traduzida em uma poliproteínas composta por três proteínas consideras estruturais (proteína C, prM e E) e outras sete proteínas consideradas não-estruturais (NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B e NS5) (Figura 3). Tanto as proteínas estruturais quanto as não-estruturais desempenham papéis importantes na replicação e estrutura do vírus, reconhecimento do receptor celular e processamento de poliproteínas virais (Tijssen, 1985). 20 Figura 3. Esquema da organização genômica e estrutural dos flavivírus DENV e ZIKV. O DENV e ZIKV são capazes de codificar uma única ORF que é traduzida no retículo endoplasmático em uma poliproteínas, que será clivada posteriormente por proteases virais da célula hospedeira. O processamento de clivagem irá gerar dez proteínas funcionais, sendo três consideradas estruturais (C, prM e E) e sete proteínas consideradas não-estruturais (NS’s) (Adaptado de Pierson & Diamond, 2020). A proteína C é conhecida como proteína de capsídeo e se associa ao genoma de RNA (Murray et al., 2008). A prM é uma proteína de pré-membrana, com função de proteger a proteína de envelope de mudanças conformacionais que podem ser induzidas por pH em partículas virais que ainda são imaturas. A proteína E, conhecida como proteína de envelope, possui estrutura composta por três domínios ligados à membrana viral por uma haste helicoidal e dois domínios transmembranares antiparalelos, responsáveis pela interação de ligação do vírus com o receptor celular da célula hospedeira (Wang et al., 1999; Zhang et al., 2017). Quanto às proteínas não-estruturais, sua maioria desempenha um papel essencial na replicação viral, mas também pode estar envolvida em outras funções. Por exemplo, a NS1 está envolvida em processos de replicação do genoma viral, evasão do sistema imunológico, além de estar envolvida em processos de indução de fortes respostas humorais e celulares no hospedeiro (Akey et al., 2014; Costa et al., 2006). A NS2A faz parte do componente do complexo replicase e também está envolvida nos processos de modulação e evasão do sistema imunológico (Murray et al., 2008). A NS3 é a protease responsável pela clivagem de poliproteínas, sendo uma enzima multifuncional envolvida na replicação viral, tendo como cofatores a NS2B e a NS4A (Bollati et al., 2010). A NS4B faz parte do complexo replicase, além de atuar na modulação e evasão do sistema imunológico (Murray et al., 2008; Zou et al., 2015). Por fim, a NS5 integra o complexo replicase como uma RNA polimerase dependente de RNA para a síntese do genoma viral, e também atua na modulação e evasão do sistema imunológico (Bollati et al., 2010). 21 1.1.4 Proteína não-estrutural 1 (NS1) – papel nas manifestações clínicas, mecanismos de ação e resposta celular Dentre as proteínas não-estruturais, destacamos a NS1 devido ao seu papel fundamental para as manifestações clínicas das infeções por DENV e ZIKV, e potencial marcador diagnóstico de infecção aguda precoce. Em infecções por DENV e ZIKV, a NS1 pode ser detectada na corrente sanguínea de indivíduos, circulando em concentrações relativamente altas (até 100 ng/ml) durante as fases agudas de infecção (Alcon et al., 2002; Young et al., 2000). Com massa molecular de 46-55 kDa, dependendo do seu estado de glicosilação, a NS1 existe em múltiplas formas oligoméricas conforme sua localização celular: (1) como um monômero ou dímero de membrana celular (mNS1), estando presente em compartimentos vesiculares citoplasmáticos ou na superfície celular, ou (2) como uma espécie secretada hexamérica solúvel associada a lipídeos (extracelular, sNS1) (Muller & Young, 2013). Estudos indicam que a mNS1 participa da replicação precoce do RNA viral e é encontrada em compartimentos vesiculares induzidos por vírus que abrigam os complexos de replicação viral (Mackenzie et al., 1996). Ambas as formas mNS1 e sNS1 são altamente imunogênicas, sendo associadas à patogenicidade da infecção (Sun et al., 2007). Estudos moleculares têm demonstrado que a NS1 é um fator chave na patogênese dos flavivírus, ativando células do sistema imunológico inato, levando a secreção de citocinas e ruptura da monocamada de células endoteliais, o que contribui para o edema observado em formas mais graves de DENV (Modhiran et al., 2015, 2017). Dessa forma, a proteína NS1 emerge como um elemento central na indução da resposta inflamatória frente a infecção por ZIKV e DENV. As proteínas NS1 do DENV e ZIKV desempenham um papel importante nos processos de invasão e evasão imunológica, atuando na modulação da maquinaria celular do hospedeiro para que o vírus se propague de maneira eficiente (Lin et al., 2006; Liu et al., 2017). Após internalização do vírus, ocorre a liberação do genoma do RNA viral no citoplasma, permitindo sua replicação. O peptídeo sinal nas proteínas codificadas pelo mRNA viral as guia para o retículo endoplasmático, onde os ribossomos ligados à membrana as traduzem em proteínas estruturais e não estruturais. O polipeptídeo é clivado, e a região C-terminal da proteína E possui um peptídeo sinal que direciona a NS1 do polipeptídio traduzido para o retículo endoplasmático, onde ocorre a translocação (Falgout et al., 1989). É importante destacar que a região C-terminal da NS1 possui uma sequência octapeptídica (L/MVXSXVXA) essencial para a clivagem, sendo conservada em todos os flavivírus e muito estudada para produção de vacinas baseadas em NS1 (Hori & Lai, 1990). A junção NS1/NS2A também é clivada no retículo endoplasmático por proteases. Apesar de a NS1 não possuir nenhum domínio que atravesse a membrana, sua associação com a membrana plasmática parece ser importante, visto que estudos demonstraram a capacidade de NS1-WNV e NS1-DENV reorganizarem as 22 membranas dos lipossomas, sugerindo que a interação da NS1 intracelular com outras proteínas virais e células hospedeiras ocorre durante a evolução da patogênese (Akey et al., 2014, 2015; Watterson et al., 2016; Young et al., 2012). A mNS1, em sua forma dimérica, juntamente com outras proteínas não-estruturais e RNA viral, é direcionada ao retículo endoplasmático, onde forma o complexo de replicação dentro de vesículas específicas. Esse complexo desempenha papel crucial na replicação ativa. A NS1, seja ancorada em glicosilfosfatidilinositol (GPI) ou associada ao colesterol, é recrutada para a membrana plasmática por meio de vias endocíticas ou secretoras, ou se integra à rede trans-Golgi para maturação e subsequente liberação (Muller & Young, 2013). Vale destacar que a forma extracelular sNS1 ancorada em GPI tem sido demonstrada como influenciadora das vias de transdução de sinal, modulando a patogênese dos flavivírus (Robinson, 1997). De maneira geral, DENV e ZIKV manipulam proteínas do hospedeiro para promover a replicação do seu genoma e a tradução do polipeptídio viral. Essa replicação ocorre em estruturas membranosas induzidas pelo vírus, derivadas do retículo endoplasmático, conhecidas como pacote de vesículas que são formadas pelas proteínas NS1, NS4A e NS4B (Akey et al., 2015; Apte-Sengupta et al., 2014; Welsch et al., 2009). A mNS1 interage com uma diversidade de proteínas hospedeiras auxiliando na replicação viral, tradução e produção de partículas virais. Dentre suas proteínas parceiras, as proteínas ribossômicas da subunidade ribossômica 60S (RPL18, RPL18a e RPL17) estão envolvidas na tradução, interação com locais internos de entrada ribossômica e ancoragem dos ribossomos à membrana do retículo endoplasmático. Durante o processo de infecção viral, a NS1 interage e relocaliza essas proteínas no local de replicação viral. Esse mecanismo foi elucidado por estudos baseados em siRNA (do inglês “small interfering RNA”), que demonstraram uma diminuição da tradução viral, replicação e produção de partículas virais (Cervantes-Salazar et al., 2015). Do ponto de vista de mecanismo de ação e resposta celular à infecção, estudos recentes demonstraram que os domínios SH2 e SH3 do fator de transcrição STAT3 (do inglês “Signal Transducer and Activator of Transcription 3”) interagem com a proteína NS1 de flavivírus, desencadeando a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como TNF e IL6, que contribuem significativamente para a patogênese das doenças virais (Chua et al., 2005). Resumidamente, a célula hospedeira responde contra a infecção por flavivírus secretando interferons do tipo I (IFN), incluindo IFNA e IFNB, que possuem propriedades antiproliferativas, antivirais e imunomoduladoras (Haller et al., 2006; Thurmond et al., 2018). Os IFNs secretados se ligam aos receptores de IFN tipo I na superfície das células, formados por duas subunidades, IFNAR1 e IFNAR2, e quinases ativadas por Janus kinase (JAKs), como tirosina quinase 2 23 (TYK2) e JAK1. Essa ligação resulta na ativação de STATs (Kotenko et al., 2003; Silvennoinen et al., 1993), incluindo STAT3, que interage com a NS1, culminando na secreção de citocinas pró-inflamatórias (Chua et al., 2005). Portanto, a identificação de potenciais receptores que interagem com a NS1 é crucial para entender os mecanismos subjacentes a patogêneses da infecção por flavivírus, incluindo a ZIKV e a DENV. Diante da complexidade das interações entre os vírus e as células hospedeiras, é fundamental explorar o papel dos receptores de reconhecimento de padrões (PRRs), como os receptores do tipo Toll (TLRs). Os TLRs são uma família composta por 13 membros, presentes em células imunológicas ou não, sendo responsáveis pelo reconhecimento de diversos padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs) disparando vias de sinalização celular que culminam no recrutamento de mediadores inflamatórios solúveis e celulares, além de outros elementos do sistema imunológico (Takeda & Akira, 2004). Dentre os TLRs, o TLR3, TLR7, TLR8 e TLR9 estão envolvidos no reconhecimento de ácidos nucleicos virais endossômicos, fornecendo um meio de resposta a uma ampla gama de vírus; enquanto o TLR1, TLR2, TLR4, TLR6, TLR10 e TLR11 estão presentes na superfície celular e tipicamente interagem com diferentes PAMPs bacterianos, virais e fúngicos. Estudos recentes relataram que a ativação de TLR2 e TLR6 por sNS1 durante a infecção por DENV culmina no aumento de citocinas pró-inflamatórias como IL6 e TNF (Chen et al., 2015). Além disso, foi demonstrado que a NS1-DENV induz o aumento da expressão de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias em macrófagos e células endoteliais humanas e murinas de forma dependente da ativação de TLR4. Desta forma, a interação NS1/TLR4 emerge como um evento que pode contribuir para a resposta do hospedeiro contra infecções por flavivírus e, consequentemente, para a história natural da doença (Modhiran et al., 2015, 2017). Neste contexto, é importante ressaltar que órgãos do trato urogenital masculino, como testículo e epidídimo, são altamente susceptíveis a eventos inflamatórios, induzidos por infecções sistêmicas ou locais, impactando diretamente em suas funções, e consequentemente na fertilidade masculina (Avellar et al., 2019).A alta incidência de infecções causadas por DENV e ZIKV em diversos países justifica a relevância da realização de estudos mais aprofundados a fim de investigar seu impacto sobre a fertilidade masculina. No presente projeto, focamos no epidídimo devido ao seu papel essencial para a fertilidade masculina, e maior susceptibilidade a lesões inflamatórias causadas por infecções, bacterianas ou virais em comparação ao testículo no cenário clínico (Hedger, 2011). A seguir abordaremos os aspectos básicos sobre a biologia do epidídimo, com ênfase no impacto do processo inflamatório sobre sua função. 24 1.2 Impacto das infecções virais em órgãos trato reprodutor masculino 1.2.1 O epidídimo – uma visão geral Ao deixarem os testículos, os espermatozoides já são morfologicamente diferenciados, porém inaptos para fertilizarem o oócito. Tal habilidade só é adquirida pela passagem do espermatozoide pelo epidídimo, um órgão essencial para a reprodução. Localizado no escroto, o epidídimo está aplicado à margem posterior do testículo, conectando os dúctulos eferentes ao ducto deferente. Em adultos, o ducto epididimário, quando desenovelado, possui cerca de 6 metros em homens, 3 metros em ratos e 1 metro em camundongos (Robaire & Hinton, 2006). Formado por um único ducto, altamente enovelado, e possui quatro componentes principais: (1) luz tubular, onde encontram-se os espermatozoides, banhados pelo fluido epididimário; (2) epitélio do tipo colunar pseudoestratificado, formado por células principais, células basais, células apicais, células estreitas, células claras e células imunológicas; (3) camada de músculo liso envolvendo o epitélio; e (4) interstício, contendo nervos, vasos sanguíneos e linfáticos, fibroblastos e células imunológicas e não imunológicas (Figura 4A) (Robaire & Hinton, 2006; Serre & Robaire, 1999). O epidídimo pode ser dividido em diferentes regiões a partir de critérios anatômicos, morfológicos e funcionais. Em roedores (ratos e camundongos), pode ser dividido em região proximal para região distal, em quatro diferentes regiões, a saber, segmento inicial, cabeça, corpo e cauda do epidídimo (Figura 4B). Cada região pode ser subdividida em segmentos separados por septos intersticiais de tecido conjuntivo, sendo de 10 a 19 segmentos no epidídimo de camundongos e ratos, respectivamente (Jelinsky et al., 2007; Turner, 2008). Estudos transcriptômicos revelaram diferenças de expressão de uma série de genes entre os diferentes segmentos epididimários, fazendo com que a expressão de muitos genes apresente um padrão diferencial de acordo com o segmento, ou ainda, seja restrita a alguns deles (Jelinsky et al., 2007; Johnston et al., 2005; Sipilä & Björkgren, 2016). O controle preciso e segmentado da expressão gênica no epidídimo exerce influência sob a atividade secretora e absortiva do epitélio do órgão. Isso resulta na formação de microambientes luminais distintos entre os diferentes segmentos. Os diferentes microambientes epididimários interagem gradualmente com os espermatozoides, promovendo a maturação e, por fim, levando ao armazenamento em estado quiescente nas porções distais do órgão (Belleannée et al., 2012; Sipilä & Björkgren, 2016). Além da maturação e armazenamento, o epidídimo também promove o transporte dos espermatozoides e sua proteção contra ameaças químicas, metabólicas e patogênicas até o momento da ejaculação. Dessa forma, alterações nas funções do epidídimo estão associadas a quadros de subfertilidade ou infertilidade, isso demonstra a relevância do órgão para a reprodução masculina (Cornwall, 2009). 25 Figura 4. Anatomia do epidídimo de roedores. (A) Corte longitudinal histológico de epididimo de camundongo corado com hematoxilina/eosina (esquerda) e representação dos quatro principais componentes do epididimo, incluindo os tipos celulares do epitélio epididimário, os compartimentos epitelial, luminal e muscular liso (direita) (B) Representação esquemática do epidídimo de camundongo e de rato, indicando as quatro regiões principais do órgão (segmento inicial, cabeça, corpo e cauda do epidídimo), e os 10 e 19 segmentos epididimários, respectivamente, separados por septos de tecido conjuntivo (Adaptado de Belleannée et al., 2012; Jelinsky et al., 2007; Sullivan & Mieusset, 2016). O epitélio do epidídimo é composto por uma variedade de tipos celulares, que desempenham papéis essenciais na fisiologia deste órgão. Dentre esses tipos celulares, as células principais e basais estão presentes em abundância em todas as regiões; células 26 apicais e estreitas, são limitadas ao segmento inicial e à zona intermediária (área de transição entre o segmento inicial e a cabeça no epidídimo de roedores); e as células claras, estão presentes em diferentes regiões, incluindo cabeça, corpo e cauda do epidídimo (Robaire & Hinton, 2006). O epidídimo abriga uma população de células imunológicas, como células dendríticas, macrófagos, linfócitos (células halo), e células basais que estão distribuídas ao longo do órgão em diferentes compartimentos, incluindo o epitelial, intersticial e luminal (Battistone et al., 2019; Pleuger et al., 2020; Robaire & Hinton, 2006). As células basais epididimárias se estendem ao longo da membrana basal, e de maneira diferenciada entre as regiões do órgão, aumentando significativamente a partir do corpo distal (Shum et al., 2011). Diversos estudos relataram que as células basais do epidídimo são semelhantes aos macrófagos peritubulares em aspectos estruturais e antigênicos (Yeung et al., 1994). Entretanto, estudos mais recentes propuseram que essas células são semelhantes a células epiteliais adjacentes e que são consideradas sensores de regulação da atividade de células principais e células claras (Holschbach, 2002; Shum et al., 2014). As células basais no epidídimo murino possuem extensões citoplasmáticas finas que atravessam a barreira apical das junções estreitas formadas pelas células principais que se unem entre si, alcançando o lúmen epitelial (Shum et al., 2011). Em relação às células imunológicas, estudos a partir da década passada revelaram uma rede de células dendríticas no epitélio do epidídimo, o que gerou uma mudança de paradigma sobre o papel dessa mucosa como elemento do sistema imunológico inato do órgão (Pierucci- Alves et al., 2018). As células dendríticas são apresentadoras de antígenos, e seu papel fisiológico no epidídimo inclui a regulação de interações complexas entre a tolerância e a ativação imunitária (Pierucci-Alves et al., 2018). Estudos indicaram que as células dendríticas no epidídimo de camundongos formam uma densa rede na área basal do epitélio epididimário, e são altamente ativas no segmento inicial se estendendo através do epitélio até a membrana apical. Além disso, foi relatada uma densa rede previamente não reconhecida de células dendríticas e outros fagócitos mononucleares localizados ao longo epitélio epididimário de camundongos, que realizam, dentre outras funções, a apresentação cruzada de antígenos in vitro (Da Silva et al., 2011; Pierucci-Alves et al., 2018; Pleuger et al., 2022; Shum et al., 2014). Os fagócitos mononucleares são considerados protetores do sistema imunológico. São subconjuntos heterogêneos de macrófagos e células dendríticas que possuem como característica capacidade migratória para gradientes de sinais microbianos ou quimiocinas, processamento de fragmentos microbianos e apresentação de antígenos para o sistema imunológico adaptativo, e secreção de moléculas sinalizadoras (Pleuger et al., 2020). Os macrófagos são as células imunocompetentes mais abundantes no epidídimo murino, e estão localizados, além do epitélio, nas regiões intersticiais e peritubulares do epidídimo (Da Silva 27 & Smith, 2015; Pierucci-Alves et al., 2018; Pleuger et al., 2022). Uma rede de fagócitos mononucleares expressando marcadores de macrófagos e células dendríticas, reveste a base dos túbulos epididimários de camundongos (Da Silva et al., 2011; Pleuger et al., 2020). É importante ressaltar, que assim como as células dendríticas, os macrófagos são eficientes apresentadores de antígenos, podendo inibir respostas à antígenos espermáticos em condições normais, e também podem ativar respostas inflamatórias a patógenos durante uma infecção ativa (Da Silva & Smith, 2015; Pierucci-Alves et al., 2018). Os linfócitos no epidídimo consistem principalmente de linfócitos T auxiliares (CD4+) localizados principalmente no estroma epididimário, linfócitos T citotóxicos (CD8+) localizados dentro do epitélio epididimário e linfócitos B (Pleuger et al., 2020; Yakirevich, 2002). Estudos de caracterização indicaram que o número de células T CD4+ e T CD8+ são aproximadamente iguais nas regiões proximal e distal do epidídimo murino, porém, o número de linfócitos B na cauda do epidídimo de camundongos é significantemente maior do que na cabeça (Voisin et al., 2018). A presença das células imunológicas no órgão sugere um papel significativo do sistema imunológico local na regulação do microambiente epididimário e na proteção contra patógenos invasores. Estudos recentes têm destacado a importância das células imunológicas na manutenção da homeostase epididimária, além de estar envolvidas nos processos de tolerância imunológica, visando a proteção do espermatozoide de ataques autoimunes (Pleuger et al., 2020). A complexidade estrutural e funcional do epidídimo é atribuída à distribuição diferenciada das células epiteliais, juntamente com o perfil de expressão gênica diferenciado entre as diferentes regiões do órgão (Cornwall, 2009; Da Silva et al., 2011; Robaire & Hinton, 2006). Do ponto de vista imunológico, o epidídimo enfrenta dois desafios distintos em suas extremidades proximal e distal. Na extremidade proximal, são necessários mecanismos de tolerância local a fim de evitar ataques autoimunes contra os espermatozoides pós-testiculares (Pierucci-Alves et al., 2018), enquanto na extremidade distal, são necessários mecanismos de defesa imune contra agentes patógenos que ascendem da uretra (Flickinger et al., 1997). O conjunto de populações de células imunes residentes ao longo do epidídimo desempenham um papel no equilíbrio da tolerância imunológica e da defesa do próprio órgão, sendo essenciais para sua homeostasia geral. Neste contexto, é importante destacar que os mecanismos moleculares, bioquímicos e celulares pelos quais o epidídimo exerce suas funções, ainda são pouco conhecidos e carece de mais estudos. É de alta relevâncias que os processos epididimários envolvidos na maturação e proteção espermática sejam elucidados, devido ao fato de que metade dos casos de infertilidade masculina apresentam causas desconhecidas, podendo estar associadas a 28 alterações no processo de maturação e estocagem dos espermatozoides no epidídimo (Cornwall, 2009; Turner, 2008). As funções epididimárias são reguladas através de uma complexa rede de fatores hormonais, neuronais, testiculares e imunológicos. Hormônios androgênios, como a testosterona e seu metabólito ativo diidrotestosterona (DHT), são membros da família de esteroides, e são os principais hormônios promotores da diferenciação, morfologia e função epididimária (Hamzeh & Robaire, 2010). Seus efeitos se dão a partir da interação com o receptor de androgênios (AR), membro da superfamília de receptores acoplados a fatores de transcrição, que está expresso em células epiteliais, intersticiais e da musculatura lisa do epidídimo (O’hara et al., 2011; Patrão et al., 2009). Sabe-se que alterações na via de sinalização androgênios/AR, podem afetar a estrutura, desenvolvimento e função do epididimo, gerando quadros de infertilidade ou subfertilidade (Avellar & Hinton, 2019). 1.2.2 Papeis funcionais da barreira hemato-epididimária Um componente essencial para a manutenção do microambiente luminal do epidídimo e proteção dos espermatozoides pós-testiculares é a barreira hemato-epididimária (BEB, do inglês “blood-epididymis barrier”) (Avellar et al., 2019; Hinton & Palladino, 1995; Mital et al., 2011). A BEB é fundamental para a manutenção do privilégio imunológico do epidídimo. Alterações histopatológicas mais comuns que sugerem o comprometimento da BEB incluem lesões inflamatórias, como edema intersticial e presença de infiltrado inflamatório, e/ou granulomas espermáticos (Gregory & Cyr, 2014). Sua integridade, secreção normal e reabsorção pelas células epiteliais de revestimento, desempenham papeis importantes na manutenção e homeostasia do microambiente epididimário. A BEB é formada por junções estreitas entre as células principais, que dão origem a uma barreira física limitando a passagem de moléculas e células para a luz do ducto. As junções estreitas são compostas por proteínas transmembranares que permitem as células se aderirem umas às outras, e proteínas intracelulares que ligam as proteínas transmembranares ao citoesqueleto celular (Hinton & Howards, 1981; Mital et al, 2011). A barreira fisiológica é formada por transportadores que regulam o movimento de substâncias para dentro ou fora do lúmen, e a barreira imunológica limita o contato pelo sistema imunológico, isolando a maioria das células germinativas e auto antigênicas (Gregory & Cyr, 2014) A interação entre os elementos físicos, fisiológicos e imunológicos da BEB cria uma barreira maximamente competente, protegendo o espermatozoide contra estímulos nocivos de natureza diversa. Vale destacar que a composição da BEB varia ao longo do órgão, sendo 29 mediada por junções aderentes e junções estreitas, e contatos celulares que envolvem conexões complexas entre diferentes proteínas (Cyr et al., 2007; Dubé et al., 2007) (Figura 5). Figura 5. Representação esquemática da composição da barreira hemato-epididimária. A barreira hemato-epididimária (BEB) regula o conteúdo luminal epididimário, limitando o movimento paracelular de íons entre elementos externos à luz do ducto epididimário e o lúmen. Também protege os espermatozoides que estão em processo de maturação e estocagem. A BEB é formada por proteínas de junção estreita transmembrana, denominadas claudinas (CLDNs), bem como a proteína de junção estreita 1 (TJP1), que se liga à cauda citoplasmática das CLDNs e atua como âncora ao citoesqueleto. As caderinas (CDHs) também fazem parte da composição da BEB, assim como vários membros da família de cateninas (CTNNs) que se ligam ao terminal citoplasmático das caderinas, e auxiliam na ligação das caderinas ao citoesqueleto e na transdução de sinal. (Adaptado de Cyr et al., 2007; Gregory & Cyr, 2014). 30 Existem três principais famílias de proteínas transmembranares localizadas nas junções estreitas da BEB, sendo elas claudinas (CLDNs), ocludinas (OCLDNs) e moléculas de adesão juncional (JAM) (Figura 5). A formação das junções intercelulares inclui interações de moléculas de adesão celular e proteínas juncionais que se agrupam em junções estreitas e comunicantes (Citi, 1993; Mège et al., 2006) As junções aderentes são formadas por caderinas, uma família de moléculas de adesão celular dependentes de cálcio, que medeiam interações dependentes de cálcio entre células adjacentes (Takeichi, 2007). A e-caderina (CDH1) e a p-caderina (CDH3) estão presentes no epidídimo de ratos, sendo diferencialmente expressas no período pós-natal. O transcrito Cdh3 atingiu níveis máximos no epidídimo de ratos no dia 7 pós-natal, enquanto o Cdh1, durante a puberdade, indicando que sua expressão é dependente de androgênios (Cyr et al., 1993). Esses estudos sugerem que à medida em que o epidídimo se desenvolve no período pós-natal, ocorre a transição de uma caderina para outra possibilitando a formação de novos contatos celulares (Cyr et al., 1992, 1993, 2007). A OCLDN foi a primeira proteína de junção estreita a ser identificada no epidídimo, (Cyr et al., 1999). A OCLDN está localizada na superfície celular apical do epidídimo de camundongos no dia embrionário em que os níveis máximos de androgênios são alcançados, sugerindo que os androgênios possuem um papel importante na regulação das junções estreitas do epidídimo embrionário. Em adultos, as junções estreitas são heterogêneas e a ocludina está localizada apicalmente entre as células principais adjacentes, exceto no segmento inicial (Cyr et al., 1999, 2007). As CLDNs são proteínas transmembranares ligadas ao citoesqueleto através de proteínas da zônula de oclusão (ZO-1, -2 e -3). Até o momento 20 CLDNs foram identificadas e sua distribuição no epidídimo é ampla e variável, sendo possível observá-las em co- localização com OCLDNs, ou são recrutadas para junções estreitas, sugerindo um papel importante para formação das junções estreitas (Saitou et al., 2000; Van Itallie & Anderson, 2006). No epidídimo de roedores, existem 11 CLDNs (CLDN 1-11) que desempenham diversos papeis na homeostasia do órgão (Cyr et al., 2007). A CLDN1 está localizada nas junções estreitas do epidídimo e em todas as regiões, e sua localização é regulada por androgênios apenas no segmento inicial, indicando que as CLDNs podem ser reguladas de forma diferenciada nas regiões do epidídimo (Gregory et al., 2001). Além de serem necessárias para a função básica da BEB, as CLDNs podem formar poros seletivos de íons na junção estreita, permitindo o transporte paracelular entre células adjacentes. Neste contexto, é importante ressaltar que a seletividade de tais poros depende de CLDNs específicas (Anderson & Van Itallie, 2009). Estudos foram realizados a fim de demonstrar a importância das CLDNs em junções estreitas de epitélios estratificados e simples, para isso utilizaram animais nocaute para Cldn1, onde observou-se uma rápida perda de água devido 31 à falta de uma barreira epitelial intacta, seguido de morte dos camundongos Cldn1-/- (Furuse et al., 2002). As junções estreitas também são compostas de proteínas transmembrana integrais que estão ligadas a proteínas associadas à membrana, como as proteínas de membrana associadas a junção e proteínas de membrana periférica, como por exemplo as proteínas de zônula de oclusão (TJP) (Cyr et al., 2007) No epidídimo de camundongos, a TJP1 está localizada apicalmente entre as células principais adjacentes (Debellefeuille et al., 2003; Levy & Robaire, 1999). Estudos de imunoprecipitação demonstraram que a TJP1 se associa a componentes da junção aderente. Como a TJP1 é uma proteína sinalizadora, é possível que esteja envolvida nas vias de sinalização entre junções aderentes estreitas (Debellefeuille et al., 2003). 1.2.3 Outros elementos do sistema imunológico inato no epidídimo As relações entre sistema imunológico inato e o trato reprodutor masculino desempenham um papel crucial na fertilidade. Isso se dá ao fato de que diversos microrganismos terem a capacidade de invadir e colonizar os tecidos do trato reprodutor masculino, desencadeando processos inflamatórios que podem resultar em infertilidade temporária ou permanente (Girling & Hedger, 2007). Além dos elementos descritos anteriormente, o epidídimo expressa de forma constitutiva e variável ao longo do órgão outros elementos do sistema imunológico inato, incluindo PRRs e genes antimicrobianos (Browne et al., 2018; Palladino et al., 2007; Rodrigues et al., 2008; Zhao et al., 2008; Zhu et al., 2015). Esses elementos exercem um papel fundamental como primeira barreira de defesa contra uma ampla gama de desafios infecciosos e não infecciosos, e estão envolvidos na regulação de respostas imunológicas inatas e adaptativas. A imunidade inata antibacteriana e antiviral é mediada por PRRs, que identificam patógenos via ligação aos seus PAMPs. Dentre os PRRs, destacamos os TLRs que estão presentes em células imunológicas (macrófagos e células dendríticas) ou não-imunológicas (células epiteliais, intersticiais e musculatura lisa), que ao reconhecer os PAMPs disparam vias de sinalização celular que culminam no recrutamento de mediadores inflamatórios solúveis e celulares, além de outros elementos do sistema imunológico (Schröder & Bowie, 2005; Takeda & Akira, 2004). É reconhecido que a ativação de TLR’s por diferentes PAMPs faz parte dos eventos iniciais de resposta imunológica contra diferentes infecções. Sabe-se que em diferentes tecidos do trato reprodutor masculino de roedores existe uma expressão diferencial de TLR’s em células imunológicas e não-imunológicas, estes diferentes tecidos 32 incluem testículo, epidídimo e próstata (Bhushan et al., 2009; Palladino et al., 2007; Quintar et al., 2006; Rodrigues et al., 2008). Dentre os integrantes da família de receptores TLR, o TLR4 foi o primeiro membro descoberto por apresentar um papel essencial no reconhecimento e disparo da resposta imunológica contra infecções por bactérias Gram-negativas, via interação com lipopolissacarídeo (LPS), localizado na parede celular destas bactérias (Poltorak et al., 1998). Este reconhecimento requer o envolvimento de proteínas acessórias (Figura 6). Resumidamente, o LPS interage com a proteína de ligação do LPS solúvel, que facilita sua associação ao CD14. Este, por sua vez, atua na facilitação da transferência do LPS ao complexo TLR4/MD2, modelando o reconhecimento do LPS no receptor (Kawai & Akira, 2010; Lu et al., 2008; Park et al., 2009). O TLR4 ao ser ativado gera a dimerização dos domínios extracelulares do receptor, disparando diferentes vias de sinalização intracelular associadas, a depender do tipo de proteína adaptadora recrutada, sendo elas: (a) via dependente da proteína MYD88 (do inglês “myeloid differentiation primary response 88”), que faz parte da sinalização canônica, culminando na ativação de fatores de transcrição como NFKB e AP1; e (b) via dependente de TRIF (do inglês “TIR domain-containing adapter inducing interferon- beta”), que gera a ativação do fator de transcrição regulado por interferon 3 (IRF3), que irá modular a expressão de genes classicamente envolvidos em respostas antivirais, como os IFN’s (IFNA e IFNB) (Lu et al., 2008). Figura 6: Esquema da via de sinalização mediada por TLR4 ativada por LPS. Nesta representação, é possível observar a visão geral da sinalização celular disparada pelo LPS ao ser associado e reconhecido pelo receptor TLR4 (Adaptado de Lu et al., 2008). 33 Como apresentado anteriormente, a interação entre epidídimo e sistema imunológico é um aspecto essencial para a fertilidade masculina. Sabe-se que o estabelecimento da tolerância imunológica ocorre antes da geração do gameta maduro, que é considerado um corpo estranho pelo sistema imunológico do indivíduo. Portanto, as células espermáticas são auto antigênicas, capazes de induzir uma resposta autoimune e inflamatória se expostas ao ambiente extraluminal testicular e epididimário (Hedger & Hales, 2006). Porém, na luz nos túbulos seminíferos e do ducto epididimário, os espermatozoides são tolerados durante a espermatogênese e maturação epididimária, evitando que ocorram ataques imunológicos contra essas células (Hedger, 2011). Desequilíbrios entre eventos pró e anti-inflamatórios no epidídimo são capazes de comprometer a função epididimária, implicando em consequências na fertilidade masculina. Embora uma parcela significativa dos casos de infertilidade masculina seja atribuída a causas inflamatórias ou imunológicas, os mecanismos celulares e moleculares que estão envolvidos na resposta do epidídimo frente a inflamação, ainda permanecem pouco conhecidos (Avellar et al., 2019; Hedger, 2011). Sendo assim, é fundamental ressaltar que doenças inflamatórias do epidídimo possuem uma alta prevalência na população masculina em todas as idades, e é um dos principais fatores etiológicos de infertilidade (Nicholson et al., 2010; Pilatz et al., 2015). 1.2.4 Inflamação do epidídimo – visão geral e epididimite viral A inflamação é uma reação biológica do tecido vascularizado contra estímulos prejudiciais de natureza diversa. Esta resposta tecidual envolve a produção e o recrutamento de diversos mediadores humorais e celulares, atuando de maneira ordenada a fim de combater o estímulo danoso, e restaurar a homeostasia tecidual. No âmbito específico da saúde masculina, a inflamação do epidídimo, conhecida como epididimite, desempenha um papel relevante na redução do bem-estar e produtividade de homens de diversas faixas etárias (Pilatz et al., 2015). Embora seja relatada desde a infância até a senilidade, a epididimite é o quinto diagnóstico urológico mais comum em homens com idades entre 18 e 50 anos (Collyns et al., 1998). Estudos epidemiológicos indicam que a incidência anual de epididimite é de cerca de 250/650 casos a cada 100.000 homens no Reino Unido, sendo a mais frequente condição inflamatória que acomete o sistema reprodutor masculino (Nicholson et al., 2010). Fatores de risco associados à epididimite incluem antecedentes de infecções do trato urinário, infecções sexualmente transmissíveis, anomalias anatômicas, e cirurgias na próstata, no trato urinário ou outros traumas escrotais (Mcconaghy & Panchal, 2016; Taylor, 2015). As infecções bacterianas desempenham um papel preponderante na etiologia da doença, sendo Chlamydia trachomatis, Escherichia coli, Enterococcus faecalis e 34 Staphylococcus aureaus as bactérias mais frequentemente envolvidos nos processos inflamatórios (Pilatz et al., 2015). As lesões nos tecidos resultantes da epididimite abrangem edema, destruição do epitélio, fibrose intersticial e obstrução do ducto, podendo acarretar em mudanças duradouras nos parâmetros espermáticos (McConaghy & Panchal, 2016; Nickel et al., 2002; Pilatz et al., 2015b; Tracy et al., 2008). Do ponto de vista molecular, a regulação da expressão de vários genes ligados à resposta imunológica, tanto inata quanto adaptativa, ocorre de maneira diferenciada, dependendo do tipo de estímulo inflamatório e da região do epidídimo afetada (Pleuger et al., 2020). As alterações morfológicas e funcionais do epidídimo induzidas pela epididimite podem gerar quadros de infertilidade ou subfertilidade temporária ou permanente (Michel et al., 2016). Cerca de 40% dos pacientes diagnosticados com epididimite bacteriana apresentam alterações persistentes nos parâmetros espermáticos, como oligospermia (baixa quantidade de espermatozoides no sêmen) ou azoospermia (ausência de espermatozoides no sêmen), mesmo após realização do tratamento adequado com uso de antibióticos e anti- inflamatórios (Eickhoff et al., 1999; Rusz et al., 2012). Além disso, cerca de 20% dos pacientes evoluem para quadros de epididimite recorrente ou crônica, associados a quadros de dor escrotal intensa, podendo levar a remoção cirúrgica do órgão (Nickel et al., 2002). Embora as infecções bacterianas sejam o principal fator etiológico da epididimite, avanços nos métodos de diagnóstico molecular têm facilitado a identificação de infecções virais como uma causa relevante desta condição (Browne et al., 2018; Pleuger et al., 2020). É importante ressaltar que aspectos bioquímicos e moleculares relacionados à fisiopatologia da epididimite viral ainda permanece pouco compreendidos. Portanto, é de suma importância aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos de defesa do epidídimo contra infecções virais, visando o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para a prevenção e o tratamento de possíveis sequelas na fertilidade masculina. Diversas famílias de vírus demonstraram um forte tropismo pelo sistema reprodutor masculino, especialmente os testículos, com cerca de 30 espécies distintas podendo afetar a qualidade espermática (Figura 7) (Dejucq & Jégou, 2001; Salam & Horby, 2017; Zheng et al., 2018). Adicionalmente, alguns destes vírus têm o potencial de prejudicar a fertilidade e ser transmitido por via sexual (Gimenes et al., 2014). Porém, o conhecimento acerca das vias de infecção de diversos vírus no sistema reprodutor masculino ainda é limitado. De maneira geral, as infecções virais atingem os testículos através da corrente sanguínea, causando danos nocivos diretos no órgão ou de maneira indireta via citocinas pró-inflamatórias (Bhushan et al., 2008; Guazzone et al., 2009). No entanto, existem vias alternativas para a disseminação hematogênica, contornando a capacidade imunológica do testículo e do epidídimo, 35 contribuindo para a disseminação viral no sistema reprodutivo (Houzet et al., 2018; Tsetsarkin et al., 2018; Voisin et al., 2019). Estudos para compreender a translocação viral entre epidídimo e testículos foram conduzidos utilizando clones virais do ZIKV manipulados por microRNA em camundongos, e demonstraram que o ZIKV infecta o testículo por meio da circulação sanguínea, enquanto a infecção do epidídimo ocorre por duas vias distintas: via sanguínea/linfática e via testicular eferente (Tsetsarkin et al., 2018). Embora relatórios clínicos tenham identificado a presença de RNA viral no sêmen, ainda pouco se sabe como ocorre essa passagem do sangue para o sêmen e como ZIKV persistem nos testículos. O mecanismo parece envolver diferentes tipos celulares, incluindo células do próprio sistema imunológico para fazer o transporte do ZIKV aos respectivos órgãos (Joguet et al., 2017; Murray et al., 2017). Figura 7. Resumo dos diferentes vírus encontrados em órgãos do sistema reprodutor masculino e sêmen de mamíferos. Os vírus que se encontram com uma interrogação à sua frente, são os que carecem de mais estudos de caracterização de mecanismos de infecção e implicações do vírus no órgão (Adaptado de Dejucq & Jégou, 2001). Além das implicações para a saúde pública decorrentes da alta infecciosidade e propagação de vírus, há uma crescente preocupação sobre o quanto órgãos do sistema reprodutor são afetados frente às infecções virais. Isso se dá devido ao fato de que infecções 36 virais podem resultar em quadro de subfertilidade ou infertilidade masculina, provenientes de deficiências de sinalização nas células testiculares, agravadas por mediadores pró- inflamatórios, culminando em hipogonadismo clínico ou subclínico. Além disso, existe um risco potencial de transmissão para gerações subsequentes por meio da incorporação do genoma viral nas células germinativas ou nos genomas embrionários (Dejucq & Jégou, 2001; Gimenes et al., 2014). A recente epidemia causada por ZIKV revelou descobertas significativas sobre seus efeitos no sistema reprodutor masculino. Essas descobertas foram especialmente relevantes devido à capacidade do ZIKV se replicar no testículo e no epidídimo, resultando em inflamação severa nesses órgãos (Browne et al., 2018; Govero et al., 2016; Ma et al., 2017; Shen et al., 2021). Estudos utilizando como modelo experimental camundongos AG6, nos quais o ZIKV foi injetado via intraplantar em camundongos duplo nocaute para receptores interferon-1 (IFN1) e interferon-2 (IFN2) indicaram que o vírus coloniza o testículo e o epidídimo, causando lesões inflamatórias testiculares e epididimárias severas (Browne et al., 2018; Govero et al., 2016; Ma et al., 2017; Sheng et al., 2021; Uraki et al., 2017). No epidídimo, as alterações morfológicas observadas incluíram redução e desarranjo do epitélio, aumento do diâmetro tubular e infiltrado inflamatório intersticial e luminal (Ma et al., 2017; Sheng et al., 2021). Essas mudanças morfológicas foram acompanhadas de perda da integridade da barreira hemato- epididimária e da função absortiva e secretora do epitélio epididimário, juntamente com o aumento na expressão de citocinas e quimiocinas, como TNF, IL6, IFNA, IFNB, IL18 e CXCL10 (Sheng et al., 2021). Por outro lado, os mecanismos envolvidos na detecção do ZIKV pelo epidídimo e no disparo da resposta inflamatória contra essa infecção, ainda permanecem desconhecidos. Por outro lado, pouco se sabe sobre o impacto das infecções por DENV no sistema reprodutor masculino. Recentemente, foi relatada a transmissão sexual de DENV em um paciente masculino que retornou de Cuba e Porto Rico para a Espanha. Este paciente desenvolveu sintomas de dengue no momento de chegada, 7 a 10 dias após ter relações sexuais desprotegidas com um parceiro do sexo masculino, que também desenvolveu DENV (European Centre for Disease Prevention and Control., 2019). Um estudo longitudinal prospectivo, realizado com dez pacientes do sexo masculino com sintomas clínicos de infecção aguda de DENV-2, identificou a presença do vírus no sêmen, sendo associada à diminuição de parâmetros espermáticos 30 dias após o início dos sintomas, mesmo sem diferenças significativas nos níveis hormonais (Mons et al., 2022). Estas descobertas enfatizam a necessidade de mais estudos acerca dos impactos da infecção por DENV no sistema reprodutor masculino, pois os impactos da infecção nos órgãos como o epidídimo e testículo, e suas implicações na fertilidade ainda permanecem desconhecidos. A recente 37 epidemia de DENV no Brasil em 2024 acende um novo alerta para que ocorram mais estudos a respeito das implicações da doença no trato reprodutor masculino. O aprofundamento na fisiopatologia na epididimite viral é fundamental para a elaboração de novas estratégias terapêuticas, com o objetivo de reverter seus efeitos prejudiciais e preservar a fertilidade e bem-estar masculino. Portanto, considerando (i) o envolvimento da NS1 na patogenicidade das infecções por flavivírus, (ii) o disparo de respostas imunológicas inatas decorrentes da interação NS1/TLR4, (iii) a funcionalidade do TLR4 e sua importância para respostas inflamatórias agudas no epidídimo, e (iv) o quadro de epididimite induzido pela infecção por ZIKV e suas consequências para o sistema reprodutor masculino, buscamos entender se e a NS1-ZIKV e a NS1-DENV estão envolvidas no reconhecimento desses flavivírus e disparo da resposta inflamatória no epidídimo via ativação TLR4. 38 Objetivos 39 2. Objetivos 2.1 Objetivo Geral Investigar se a proteína não-estrutural 1 (NS1) do vírus da Dengue (DENV) e o vírus Zika (ZIKV) desencadeiam resposta inflamatória no epidídimo de camundongos via ativação Toll-like 4 (TLR4). 2.2 Objetivos específicos - Avaliar se as proteínas NS1-ZIKV e NS1-DENV modulam a expressão de genes e secreção de proteínas envolvidos em processos de resposta inflamatória (Il6, Tnf, Il1b, Il10, Ifnb1, Ifng, Ptgs1, Ptgs2) e quimiocinas relacionadas ao recrutamento de células imunológicas (Cx3cl1, Cxcl2, Ccl2, Ccl3, Ccl4 e Ccl5) no epidídimo de camundongos; - Avaliar se o estímulo inflamatório induzido pelas proteínas NS1-ZIKV e NS1-DENV é dependente da ativação de TLR4 no epidídimo de camundongos; - Avaliar se o estímulo inflamatório induzido pelas proteínas NS1-ZIKV e NS1-DENV altera a expressão de genes envolvidos na homeostase e integridade de barreira hemato- epididimária (Idol1, Gja1, Icam1, Vcam1, Cdh1, Cldn1, Cldn3 e Cldn8); - Avaliar se a infecção por DENV-2 modula a expressão de genes envolvidos na resposta inflamatória (Tnf, Ifnb1 e Ifng) no epidídimo de camundongos. 40 Material e Métodos 41 3. Material e Métodos 3.1 Estratégias experimentais De forma sucinta, na primeira parte do projeto adotamos o modelo experimental ex vivo em cultura organotípica como estratégia para abordar os objetivos delineados no projeto. Esse tipo de modelo nos permite cultivar as regiões do epidídimo em um ambiente controlado, fornecendo nutrientes necessários para sua sobrevivência e funcionalidade. Entre as vantagens desse método, destacamos a capacidade de observar os processos fisiológicos dos tecidos em um contexto isolado, sem a interferência direta de outros sistemas do organismo vivo. Essa abordagem é fundamental para a caracterização detalhada dos mecanismos teciduais que foram investigados no presente trabalho. Realizamos os seguintes experimentos: (i) Ensaios de RT-qPCR e ensaio Multiplex em duas regiões do epidídimo de camundongos, região proximal (segmento inicial) e distal (cauda do epidídimo), que foram submetidos à indução de epididimite com as isoformas de proteína NS1-ZIKV e NS1-DENV, com objetivo de caracterizar o perfil de expressão de genes e secreção de proteínas envolvidas no processo inflamatório (citocinas, quimiocinas e interferons), função e integridade de barreira hemato-epididimária, e via TLR; (ii) Ensaios de RT-qPCR em duas regiões do epidídimo de camundongos, região proximal (segmento inicial) e distal (cauda do epidídimo), submetidos ao pré-tratamento com inibidor de via TLR4 CLI-095, com objetivo de caracterizar se o perfil de expressão inflamatório disparado pelas NS1-ZIKV e NS1-DENV está sendo mediado via TLR4; Na segunda parte do projeto, avaliamos a capacidade do DENV-2 em induzir epididimite. Para tal, adotamos o método de inoculação intracerebral para infecção por DENV- 2 cepa NGC neuroadaptado, que é um modelo animal amplamente empregado em estudos de eficácia de protótipos vacinais, no qual a proteção contra a infecção, em geral, é medida pela ocorrência ou não de letalidade em camundongos infectados. Foram realizados os seguintes experimentos: (i) Ensaios de RT-qPCR nas quatro regiões do epidídimo de camundongos (segmento inicial, cabeça, corpo e cauda do epidídimo) submetidos à infecção de DENV-2 cepa Nova Guiné (NGC) por injeção intracerebral, com objetivo de investigar se a DENV-2 NGC é capaz de gerar modificações no perfil de expressão de citocinas pró-inflamatórias e interferons no epidídimo. 42 Para representar de forma clara as análises realizadas, um esquema de delineamento experimental é representado na figura 8: Figura 8. Representação esquemática do delineamento experimental do projeto. 43 3.2 Animais utilizados modelo ex vivo Utilizamos camundongos machos da espécie Mus musculus, linhagem C57Bl/6, com 90-120 dias de idade, selvagens, adquiridos de fonte comercial (Centro de Pesquisa e Produção de Animais – CPPA – UNESP Botucatu). Os animais foram mantidos no Biotério do Departamento de Farmacologia do IBB/UNESP sob luz controlada (ciclo claro/escuro de 12 horas) e temperatura (22 a 24°C), com livre acesso à água e ração padrão para roedores. Realizamos todos os procedimentos de acordo com as diretrizes para cuidados com animais e uso de animais de laboratório, aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais da UNESP, processo n°2132170322 (Anexo I). Os animais foram eutanasiados por overdose de isofluorano por via inalatória, seguido de deslocamento cervical para confirmação da morte do animal. Em seguida os epidídimos do camundongo foram coletados, e segmentados em duas diferentes regiões: proximal (segmento inicial) e distal (cauda do epidídimo). As diferentes regiões foram submetidas à indução de epididimite modelo ex vivo. 3.3 Reagentes para indução de epididimite ex vivo Para indução do modelo experimental de epididimite ex vivo, utilizamos a NS1 recombinante de DENV-2 (NS1-DENV) e ZIKV (NS1-ZIKV), gentilmente doadas pela Dra. Napak Modhiran, Centro Australiano para Pesquisa sobre Doenças Infecciosas, Escola de Química e Biociências Moleculares, Universidade de Queensland, Austrália. Resumidamente, a NS1 recombinante foi expressa em células de Drosophila S2 estavelmente transfectadas. A proteína foi purificada por afinidade a partir do meio de cultura utilizando uma coluna acoplada ao anticorpo monoclonal anti-NS1. O complexo de transfecção foi lavado após 4 horas. O meio foi colhido no dia 2 após a transfecção e concentrado utilizando uma coluna de centrifugação de 100-kD (Millipore). As preparações recombinantes de NS1 foram testadas quanto à contaminação por LPS através do ensaio LAL, utilizando o kit de quantificação de endotoxinas cromogênicas LAL (Pierce, Cat. A39552), tendo-se verificado que não continham endotoxinas (leituras de fundo representando <0,1 EU/ml ou <10pg de endotoxina/ml equivalente foram encontradas para o NS1-DENV e NS1-ZIKV purificada a 40 mg/ml e para os estoques de trabalho de preparações de NS1 transientemente expressas e concentradas). As imunodepleções de NS1 foram efetuadas utilizando anticorpos monoclonais de camundongo anti-NS1 e anticorpos de controle anti-E, purificados a partir de ascite e ligados a Dynabeads Protein G Beads (Life Technologies Cat. 10003D) (Modhiran et al., 2015, 2017). Também foi utilizado LPS ultrapuro de E. coli 055:B55 como controle positivo de inflamação (Invivogen, Cat. Tlrl-pb5lps). 44 3.4 Epididimite induzida por NS1-DENV e NS1-ZIKV utilizando cultura de órgãos ex vivo O segmento inicial e a cauda do epidídimo foram isoladas e incubadas ex vivo com salina estéril (controle negativo), LPS ultrapuro de E. coli (controle positivo), NS1-DENV e NS1-ZIKV de acordo com o protocolo descrito por Michel et. al. 2016, com algumas modificações (Andrade et al., 2024). Após a eutanásia, o epidídimo foi dissecado em gelo para isolamento do segmento inicial e cauda do epidídimo. As regiões do órgão foram rapidamente transferidas para uma placa de 96 poços, com fundo redondo contendo meio DMEM/F12 sem soro (Gibco, Cat. 11320033), suplementado com 1% de Antibiótico-Antimicótico (Gibco, Cat. 15240062), e incubados a 34°C e 5%/95% de CO2/ar. Após 30 min de estabilização, transferimos as regiões de órgão para um meio de cultura fresco contendo LPS ultrapuro de E.coli 055:B55 (50ng/ml; N= 8/região do epidídimo) (Invivogen, Cat. Tlr-pb5lps), NS1-DENV (1, 10 ou 20 μg/ml; N= 4-5/região do epidídimo), ou NS1-ZIKV (1, 10 ou 20 μg/ml; N= 4/região do epidídimo) durante 3 h. As regiões epididimárias contralaterais foram manipuladas em paralelo, mas incubadas na ausência dos respectivos tratamentos. Após a incubação, as regiões epididimárias foram lavadas em tampão PBS, congeladas em nitrogênio líquido e armazenadas a -80°C até serem utilizadas. Os meios de cultura organotípica também foram coletados após o tempo de tratamento indicado, e armazenado a -80°C. Adicionalmente, segmento inicial e cauda de epidídimo de outro lote de animais foram coletados e pré-tratados com o inibidor de via TLR4 CLI-095 (Invivogen, Cat. tlrl-cli95) por 1 h antes da indução de epididimite. Realizamos a padronização da concentração de CLI-095 utilizando (0.3, 1 e 3 μM; N= 3/região do epidídimo) (Matsunaga et al., 2011; Wei et al., 2016), e foi estabelecida a concentração que inibe significativamente a ativação da via TLR4 no epidídimo de camundongo após tratamento com LPS (Figura Suplementar S1 e Tabela Suplementar S2). Após 3 h, os tecidos foram lavados em tampão PBS, congelados em nitrogênio líquido e armazenadas a -80°C até serem utilizados. 3.5 Infecção por DENV2 cepa NGC intracerebral, modelo in vivo Para o modelo in vivo de infecção por DENV-2, os experimentos foram conduzidos em parceira com o Laboratório de Biotecnologia e Fisiologia de Infecções Virais, que possui como chefe a Prof. Dra. Ada Maria de Barcelos Alves, pesquisadora titular do Instituto Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro. Os experimentos foram realizados de acordo com os princípios éticos e aprovados pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da FIOCRUZ L-022/2019-A1 (Anexo II). 45 Os procedimentos foram realizados de acordo com o protocolo descrito por (Amorim et al., 2019), com algumas modificações. Camundongos BALB/c SPF, machos (8 semanas de idade; N= 2/região do epidídimo), foram anestesiados com quetamina/xilazina e inoculados por via intracerebral com 30 µl de uma suspensão viral DENV-2 Nova Guiné C (NGC) neuro adaptado a camundongos correspondente à 40x a dose letal de 50% dos animais (40 x LD50). Como controle, 2 camundongos foram inoculados com 30 µl de meio 199 (Sigma, Cat. M453) pela via intracerebral. Após 4, 5 e 7 dias de infecção, os animais foram eutanasiados por overdose de isofluorano via intramuscular, seguido de deslocamento cervical para confirmação da morte do animal. Em seguida o sangue foi coletado por punção cardíaca, e os epidídimos do camundongo foram coletados, e divididos em quatro diferentes regiões (segmento inicial, cabeça, corpo e cauda do epidídimo). Rapidamente após dissecação e segmentação, os tecidos foram congelados em nitrogênio líquido, e armazenados a -80°C até serem utilizados. 3.6 Extração de RNA total O RNA total das regiões do epidídimo foi extraído com o reagente TRIzol® (Life Tchnologies, Cat. 15596026) de acordo com as recomendações do fabricante. Resumidamente, homogeneizamos as amostras com o reagente TRIzol® com auxílio do homogeneizador Polytron (PT 1300 D, Kinematica). Após centrifugação (12000 x g, 10 min, 4°C), adicionamos clorofórmio e homogeneizamos as amostras em vórtex. Após 5 min de incubação e nova centrifugação (12000 x g, 15 min, 4°C), coletamos a fase aquosa superior contendo o RNA total, seguido de precipitação com isopropanol e lavado com etanol 75% (v/v). O RNA total foi ressuspendido em 10-20 μl de água livre de nucleases tratada com DEPC. As amostras foram analisadas em espectrofotômetro para determinação da concentração de RNA e seu grau de pureza através da relação A260/A80. A integridade do RNA foi analisada por eletroforese em gel de agarose 1,5% SYBR™ Safe (Invitrogen, Cat. S33102), tampão TBE 1x e corrida de 40 min a 100V (0,6-0,7 Amp), utilizando 1 μg de RNA. A integridade de RNA foi determinada por observação das bandas correspondentes a 28S e 18S (rRNA). Amostras que não apresentaram bandas 18S e 28S íntegras e bem definidas, e relação A260/A280 < 1,8 foram descartadas. 3.7 Ensaios de reação de transcriptase reversa (RT) e reação de polimerase em cadeia em tempo real (qPCR) Realizamos ensaios de RT-qPCR para avaliação dos transcritos dos genes envolvidos na via de sinalização TLR3 (Tlr3), TLR4 (Tlr4, MyD88, Cd14, Trif e Nfkbia), resposta inflamatória (Il6, Tnf, Il1b, Il10, Ifnb1, Ifng, Cx3Cl1, CxCl2, Ccl2, Ccl3, Ccl4 e Ccl5,), enzimas (Ptgs1, Ptgs2 e Ido1), moléculas de adesão (Icam1 e Vcam1) e função de barreira hemato- 46 epididimária (Gja1, Cdh1, Cldn1, Cldn3 e Cldn8), nas diferentes regiões do epidídimo submetidos ao modelo experimental de epididimite. Para o ensaio de reação de transcriptase reversa, a síntese de cDNA foi realizada utilizando o kit Luna Script® RT SuperMix (New England BioLabs, Cat. E3010) de acordo com as instruções do fabricante. Resumidamente realizamos a mistura de RNA total (1 μg/reação), 5x Luna Script RT SuperMix e água livre de nucleases em volume final de 10 μl, seguido de incubação a 25°C por 2 min, 55°C por 10 min e 95°C por 1 min. Reações na ausência de transcriptase reversa foram realizadas como controle negativo para avaliar possível contaminação genômica das amostras utilizadas. Os oligonucleotídeos Hprt1, Il6, Tnf, Il1b, CxCl2, Ccl2, Nfkbia, Tlr4, Cd14, Trif e MyD88 já haviam sido padronizados anteriormente por outros membros do laboratório, os demais foram desenhados e padronizados para definição da melhor concentração de uso e sua eficiência (Figuras Suplementar S3 e S4). Para os ensaios de qPCR seguimos o protocolo descrito anteriormente por Andrade et al. (Andrade et al., 2021). Resumidamente, os ensaios foram realizados em duplicata, como controle negativo consistindo de ausência de cDNA, utilizando o termociclador QuantStudio 3 (Applied Biosystems) e kit Luna SYBR Green Master Mix Universal (New England BioLabs, Cat. M3003L). O cDNA (2,5-10 ng/reação dependendo do alvo, Tabela 1) foram amplificados nas seguintes condições: desnaturação inicial a 95°C/1 min, seguido de 40 ciclos de desnaturação a 95°C (15 s) e anelamento a 60°C (1 min). A análise da curva de dissociação foi efetuada no final de cada reação para controle de qualidade. O cycle threshold (Ct) e a eficiência de cada reação foram determinados de acordo com algoritmos do sistema utilizado. A expressão relativa de cada transcrito foi determinada seguindo Pfaffi (2001), utilizando Hprt1 como controle endógeno. Tabela 1. Oligonucleotídeos iniciadores utilizados nos ensaios de RT-qPCR Transcrito N° de acesso no NCBI Sentido Sequência (5’-3’) Eficiência da Amplificação (%) Amplicon (bp) Hprt1 NM_013556.2 + TCCATTCCTATGACTGTAGA 106,5 90 - ATCATCTCCACCAATAACTT Il6 NM_031168.2 + CTTAATTACACATGTTCTCTG 99,7 92 - CAAGTGCATCATCGTTGTTC Tnf NM_001278601 .1 + CCTATGTCTCAGCCTCTTCTCA 81,9 100 - CTTCTCATCCCTTTGGGGAC Il1b NM_008361.4 + TGCCACCTTTTGACAGTGATG 99,8 136 - ATGTGCTGCTGCGAGATTTG 47 Il10 NM_010548.2 + AGGCGCTGTCATCGATTTCT 90 104 - ATGGCCTTGTAGACACCTTGG Ifnb1 NM_010510.2 + CCAGCTCCAAGAAAGGACGA 91 217 - AGTCTCATTCCACCCAGTGC Ifng NM_008337.4 + GGAGGAACTGGCAAAAGGATG 100 218 - GACCTGTGGGTTGTTGACCT Cx3Cl1 NM_009142.3 + CTGCCCTCACTAAAAATGGTGG 88 121 - AATGTGGCGGATTCAGGCTT CxCl2 NM_009140.2 + GCGCCCAGACAGAAGTCATA 100 224 - CGAGGCACATCAGGTACGAT Ccl2 NM_011333.3 + CACTCACCTGCTGCTACTCA 85 117 - GCTTGGTGACAAAAACTACAG Ccl3 NM_011337.2 + CAGCCAGGTGTCATTTTCCTG 82 234 - GGCTACTTGGCAGCAAACA Ccl4 NM_013652.2 + CCCAGCTCTGTGCAAACCTA 87 114 - CCATTGGTGCTGAGAACCCT Ccl5 NM_013653.3 + TGCTCCAATCTTGCAGTCGT 86 160 - GCAAGCAATGACAGGGAAGC Ptgs1 NM_008969.4 + CAACCGTGTGTGTGACCTGCT 84 366 - GCAATCTGGCGAGAGAAGGCAT Ptgs2 NM_011198.4 + TGCCCGACACCTTCAACATT 103 294 - CAGCCATTTCCTTCTCTCCTGT Ido1 NM_008324.3 + GGGGGTCAGTGGAGTAGACA 99 174 - GCAGATTTCTAGCCACAAGGA Gja1 NM_010288.3 + CATTGGGGGAAAGGCGTGA 94 175 - CCATGTCTGGGCACCTCTCTTT Icam1 NM_010493.3 + GCCTCCGGACTTTCGATCTT 80 269 - CTGGTCCGCTAGCTCCAAAA Vcam1 NM_011693.3 + TAAACGCGAAGGTGAGGACG 88 157 - GGATCCTTGGGGAAAGAGTAG Cdh1 NM_009864.3 + TCGCCACAGATGATGGTTCAC 99 185 - AGTAAAGGGGGACGTGTTGG Cldn1 NM_016674.4 + ACTGTGGATGTCCTGCGTTT 102 258 - ACTAATGTCGCCAGACCTGAA Cldn3 NM_009902.4 + TACAAGACGAGACGGCCAAG 80 261 - TGGTG