1 unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP SILVANA GONÇALVES DOS REIS POLÍTICA FISCAL E RESTRIÇÕES TRIBUTÁRIAS – ASPECTOS PRÁTICOS DOS EFEITOS RESTRITIVOS TRIBUTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE ECONÔMICA ARARAQUARA – S.P. 2010 2 SILVANA GONÇALVES DOS REIS POLÍTICA FISCAL E RESTRIÇÕES TRIBUTÁRIAS – ASPECTOS PRÁTICOS DOS EFEITOS RESTRITIVOS TRIBUTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE ECONÔMICA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Econômicas da Faculdade de Ciências e Letras–Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. Orientador: Prof. Dr. Elton Eustáquio Casagrande ARARAQUARA – S.P. 2010 3 SILVANA GONÇALVES DOS REIS POLÍTICA FISCAL E RESTRIÇÕES TRIBUTÁRIAS – ASPECTOS PRÁTICOS DOS EFEITOS RESTRITIVOS TRIBUTÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE ECONÔMICA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Econômicas da Faculdade de Ciências e Letras–Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas. Orientador: Prof. Dr. Elton Eustáquio Casagrande Data da defesa: 02/08/2010 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: _____________________________________________________ Presidente e Orientador: Prof. Dr. Elton Eustáquio Casagrande Fclar – UNESP _____________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho Departamento de Economia - UFRGS UFRGS UFRGS _____________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Mário Augusto Bertella Fclar – UNESP Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por tudo de bom que tem acontecido em minha vida. Aos meus pais, Inês e José Carlos, por toda paciência, apoio e confiança que depositaram sobre mim, pois essa fase da vida é árdua, demanda tempo e é fundamental a presença da família. À minha irmã, Andréia, que sempre esteve presente em minhas decisões me ouvindo e aconselhando, irmã obrigada por tudo! É claro que não posso deixar de agradecer meu cunhado, Elcio. Ao meu irmão Paulo Henrique. À minha tia Lina e tia Augusta, as quais sempre estiveram presentes durante toda a minha a vida, seja com uma palavra amiga e sincera e/ou dura, ou até mesmo em aspecto material, tias obrigada! Ao meu orientador, Prof. Dr. Elton, pela contribuição, incentivo, dedicação, paciência - pelas horas que ficamos debatendo sobre o tema -, o qual sem sua orientação essa pesquisa não teria sido concluída, obrigada! Aos meus amigos, e colegas do curso de mestrado. Aos professores do curso de mestrado em economia da FCLAR/Unesp, pela contribuição de suas aulas. Aos membros da banca do exame de qualificação. As pessoas querida que me estenderam a mão no momento difícil que atravessei, seja por um conselho ou uma palavra dura e/ou amiga. A minha prima Alexandra pela amizade, e auxílio à leitura da dissertação. Aos meus primos Fernando e Fabiano, pela força e incentivo que me deram durante o curso. Aos meus familiares, tias, tios, primos, primas, etc. de uma forma geral, já que a família é grande, e poderei acabar esquecendo alguém caso tenho que agradecer um por um. Obrigada a todos vocês!!! Enfim, obrigada a todos por tudo!!! 5 RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo analisar os efeitos do ajuste fiscal na economia brasileira no período de 1994 a 2008 sobre a cadeia produtiva. Procura-se descrever os efeitos restritivos deste ajuste fiscal a partir da inadequada coordenação da política fiscal e monetária. A política fiscal tornou-se subordinada à monetária, exigindo robustos superávits primários atrelados à ascendente e excessiva carga tributária. O orçamento, no entanto, permaneceu registrando déficit nominal. A maior parte das despesas públicas corresponde às despesas financeiras (juros e encargos da dívida). A política econômica e as medidas macroeconômicas tomadas no âmbito do ajuste fiscal no período que se trata provocaram a queda do multiplicador de gastos que, por sua vez, inibiu a geração de emprego, renda e consumo. A reflexão sobre a mensuração da carga tributária permite desenvolver uma análise crítica e descritiva do ajuste fiscal num contexto de dominância monetária e estabelecer o vínculo entre as decisões do governo, nas matérias fiscal e monetária, com o setor produtivo. Conseqüentemente, isso repercutiu sobre o nível de investimento e de reinvestimento na economia. Palavras-chave: Política fiscal; política monetária; ajuste fiscal; política tributária; investimento público e privado; setor produtivo. 6 ABSTRACT This research aims to examine the effects of fiscal adjustment in the Brazilian economy during the period 1994 to 2008 on the chain. It seeks to describe the restrictive effects of fiscal adjustment from the inadequate coordination of monetary and fiscal policy. Fiscal policy has become subject to monetary policy, requiring robust primary surpluses and tied up the excessive tax burden. The budget, however, remained recording nominal deficit. Most public expenditure meets the financial expenses (interest and debt charges). The economic policy and the macroeconomic measures taken in the context of fiscal adjustment in the period that this precipitated the collapse multiplier of expenses that, in turn, inhibited the generation of employment, income and consumption. The discussion on the measurement of tax burden can develop a descriptive and critical analysis of fiscal adjustment in a context of monetary dominance and establish a link between the government decisions in matters fiscal and monetary policy, with the productive sector. Consequently, this impacted on the level of investment and reinvestment in the economy. Keywords: Fiscal policy, monetary policy, fiscal adjustment, tax policy, public investment and private productive sector. 7 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Taxa de juros nominal – Selic - acumulado no mês anualizada.............................37 Gráfico 2 - Necessidade de financiamento do setor público*...................................................40 Gráfico 3 - Relação da dívida pública/PIB...............................................................................41 Gráfico 4 - Dívida Pública Mobiliária Federal Interna-DPMFi (R$ bilhões)...........................41 Gráfico 5 - Composição da DPMFi por indexador entre 1995 a 1998*...................................44 Gráfico 6 - Títulos públicos federais em poder do mercado 1995-1999 (em R$ de milhões).....................................................................................................................................45 Gráfico 7 - Composição da DPMFi por indexador entre 1999 a 2008*...................................47 Gráfico 8 - Relação da taxa de juros (Selic anualizada) com títulos prefixados (1999 a 2008).........................................................................................................................................48 Gráfico 9 - Carga Tributária bruta brasileira ( % do PIB)........................................................49 Gráfico 10 - Títulos públicos federais em poder do mercado 2000-2008 (em R$ de milhões).....................................................................................................................................52 Gráfico 11 - Prazo Médio da Dívida Pública em poder do mercado (em anos).......................53 Gráfico 12 - Curva de Laffer....................................................................................................71 Gráfico 13 - Taxa de investimento público no Brasil (% do PIB)1/..........................................78 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Composição da DPMFi - Títulos públicos em poder do mercado em R$ de bilhões ( % do montante) por indexador..................................................................................................43 Tabela 2 - Consolidação das contas públicas do Brasil por função (2002 a 2008)*.................75 Tabela 3 - Evolução das alíquotas do IPMF/CMPF.................................................................82 Tabela 4 - Receita Tributária por Tributo e Competência no Brasil – 1995 a 2000 - % do PIB............................................................................................................................................83 Tabela 5 - Receita Tributária por Base de Incidência – 2004 a 2008 (% do PIB)....................84 Tabela 6 - Receita Tributária por Tributo e Competência no Brasil – 2001 a 2008 - % do PIB............................................................................................................................................88 Tabela 7 - Arrecadação das receitas federais – período de janeiro a dezembro de 2000 a 2003 – a preços correntes*.................................................................................................................89 Tabela 8 - Descrição da arrecadação do IRPJ de 2000 a 2008 – a preços correntes*..............91 Tabela 9 - Descrição da arrecadação dos rendimentos de capitais 2000 a 2008 – a preços correntes*..................................................................................................................................91 Tabela 10 - Discriminação das medidas instauradas sobre a Cofins e o seu reflexo sobre a arrecadação – a preços correntes...............................................................................................91 Tabela 11 - Relação da arrecadação do IPI - Bebidas de 2004 a 2005 – a preços correntes*..................................................................................................................................96 Tabela 12 - Arrecadação das receitas federais – período de janeiro a dezembro de 2004 a 2008 – a preços correntes*.................................................................................................................98 Tabela 13 - Arrecadação de dezembro de 2007 e 2008 – a preços correntes*.......................104 9 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Descrição dos principais aspectos da Lei Camata I, II e Lei de Responsabilidade Fiscal.........................................................................................................................................60 Quadro 2 - Regras, sanções e exceções - Países da OCDE.......................................................61 Quadro 3 - Regras, sanções e exceções - Países da América Latina.........................................65 Quadro 4 - Incentivos fiscais....................................................................................................80 Quadro 5 - As principais alterações na legislação tributária e seus reflexos na arrecadação de 2004...........................................................................................................................................92 Quadro 6 - MP nº252: mudança tributária e áreas beneficiadas...............................................94 Quadro 7 - As principais alterações na legislação tributária e seus reflexos na arrecadação de 2005* - 2007...........................................................................................................................102 Quadro 8 - As desonerações tributárias em 2008 e as estimativas na arrecadação em 2009.........................................................................................................................................105 10 LISTA DE SIGLA BACEN – Banco Central do Brasil CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social COPOM - Conselho Monetário Nacional CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CPSS - Contribuição para o Plano de Seguridade Social do Servidor CTB – Carga Tributária Brasileira Bruta DPMFI - Dívida Pública Mobiliária Federal Interna DRU - Desvinculação de Receita da União FEF - Fundo de Estabilização Fiscal FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FMI – Fundo Monetário Internacional FSE - Fundo Social de Emergência GRU - Guia de Recolhimento da União IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços II - Imposto de Importação IGP – Índice Geral de Preço IOF - Imposto sobre Operações Financeiras IPCA - Índice Nacional de Preços do Consumidor Amp IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPMF - Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira IRPF – Imposto de Renda Pessoas Físicas IRPJ – Imposto de Renda Pessoas Jurídicas IRRF – Imposto de Renda Retido na Fonte ISS – Imposto sobre Serviços ITR - Imposto Territorial Urbano LBC - Letras do Banco Central LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias LFT - Letras Financeiras do Tesouro LOA - Lei Orçamentária Anual 11 LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal MPs – Medida Provisórias NTN - Notas do Tesouro Nacional OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico PAC - Programa de Aceleração do Crescimento PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Serviço Público PIB – Produto Interno Bruto PIS – Programa de Integração Social PPI - Projeto Piloto de Investimento PPS - Parcerias Público-Privadas SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia SRF – Secretaria de Receita Federal STN – Secretaria do Tesouro Nacional VAR – Vetor Autoregressivo 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13 1. A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA FISCAL E MONETÁRIA COMO TERMÔMETRO DA ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA.................................................17 1.1. Análise teórica da política monetária e fiscal na escola keynesiana e pós- keynesiana.................................................................................................................................17 1.2. Regras fiscais: uma abordagem teórica..............................................................................25 1.3. As implicações de seguir uma regra monetária e os reflexos sobre a política fiscal (rígida).......................................................................................................................................30 1.4. Conclusão...........................................................................................................................35 2. POLÍTICA FISCAL E QUADRO FISCAL: EFEITOS COLATERAIS À ECONOMIA BRASILEIRA..................................................................................................36 2.1. Os impactos da política monetária e fiscal sobre a dívida pública.......................................................................................................................................36 2.2. O perfil da indexação dos títulos públicos.........................................................................50 2.3. Antecedentes da Lei de Responsabilidade Fiscal............................................................. 54 2.4. A Lei de Responsabilidade Fiscal: alternativas do quadro fiscal.......................................55 2.4.1. Regras fiscais: arcabouço internacional..........................................................................61 2.5. Conclusão...........................................................................................................................66 3. O IMPACTO DA CARGA TRIBUTÁRIA NA CADEIA PRODUTIVA...................68 3.1. Curva de Laffer e investimento público na economia brasileira........................................69 3.2. Relação de investimento privado e o arranjo tributário.....................................................81 3.2.1. Base de incidência...........................................................................................................84 3.2.2. Alteração na legislação tributária de 2000-2008.............................................................85 3.3. Conclusão.........................................................................................................................106 CONCLUSÃO.......................................................................................................................108 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................113 APÊNDICE............................................................................................................................121 Quadro 1 - Regras fiscais aplicadas a alguns países desenvolvidos e subdesenvolvidos em 2008.........................................................................................................................................121 13 INTRODUÇÃO A preocupação da função da política fiscal no sistema econômico destacou-se com relevância teórica e empírica na principal obra de John M. Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (TG), publicada em 1936. Keynes demonstrou que o princípio da “Lei de Say”, pela qual a oferta proporciona a demanda, não se sustentava. Assim, a TG pôde esclarecer a insustentabilidade das condições de equilíbrio em pleno emprego ao explorar, por meio das funções consumo e investimento, o comportamento dos agentes que seguiam uma lógica muito diferente daquela que os clássicos haviam proposto. Ao indicar a atuação do Estado como ente regulador, instituindo mecanismos e promovendo uma política fiscal expansionista que corresponde a um instrumento positivo de intervenção na economia, Keynes construiu uma referência para a política econômica e seus instrumentos. A relevância da política fiscal ao crescimento e ao desenvolvimento econômico é crucial para o desencadeamento do sistema econômico. A função dessa política é considerada uma ferramenta essencial ao progresso econômico, tanto na geração de emprego quanto na promoção do nível de renda e consumo. As medidas econômicas tomadas no âmbito fiscal que tende a esse propósito são consideradas políticas fiscais anticíclicas; as evidências desse tipo de política são constatadas nos efeitos positivos que surgem nas economias. A política fiscal anticíclica tende a inibir os efeitos devastadores que surgem com uma crise, seja ela econômica, cambial, ou financeira, nas economias desenvolvidas ou em desenvolvimento. Quanto mais velozes forem as tomadas de decisões dos governantes quanto à propagação desses efeitos, maior será o nível de renda, consumo e emprego dos agentes dessas economias. A partir das referências keynesiana trata-se dos aspectos práticos da política fiscal no Brasil e seus efeitos sobre a economia brasileira a partir dos tributos federais. O dispêndio do setor público ocupa cerca de 50% do orçamento público com encargos especiais que correspondem ao custo da dívida pública bem como ao seu refinanciamento. O instrumento utilizado pelo Banco Central com a justificativa de conter o processo inflacionário, a taxa básica de juros (Selic), conseqüentemente detém um efeito perverso sobre o endividamento público brasileiro. Apesar da taxa ter demonstrado queda nos últimos anos, ainda assim é relevante sobre a dívida pública brasileira. A subordinação da política fiscal à monetária enquadra a economia brasileira num ambiente desfavorável em prol do crescimento econômico. 14 Esta dissertação tem por objetivo tratar do comportamento da política fiscal na economia brasileira, salientando os resultados fiscais atrelados à taxa de juros e à carga tributária elevadas, por um lado, e a submissão à política monetária, por outro. Com isso, buscam-se como resultados demonstrar que a política fiscal ficou amarrada ao ajuste fiscal, cabendo a essa arrecadar e arrecadar, constantemente, e que os efeitos desse tipo de ajuste inibem e restringem a geração de um nível de investimento sustentável condizente com a economia brasileira, sufocando o desenvolvimento do setor produtivo. O conceito de regras fiscais foi inserido tanto nos países desenvolvidos quanto nos subdesenvolvidos, mas, se as regras foram adotadas, por que ainda não se obteve a consolidação fiscal (eliminação do déficit nominal)? O que há de errado com esse tipo de ajuste? O crescimento da carga tributária saltou de um patamar de 29,74% do PIB, em 1995, para 35,8% do PIB, em 2008. Com isso, é possível visualizar a meta do governo em obter receitas para sustentar a dívida pública diante da necessidade de geração de superávit primário. Essa medida repercutiu explicitamente sobre o nível dos investimentos no setor produtivo. A preocupação com os gastos públicos não se resume à desvinculação do lado das receitas, pois a necessidade de rever a composição dos tributos e o quanto sua arrecadação corresponde à cadeia produtiva permite constatar a restrição desta sobre o investimento e o reinvestimento. A economia brasileira se classifica num sistema tributário regressivo, e, além disso, parte relevante da arrecadação compõe a sustentabilidade da dívida pública, por meio da geração de robustos superávits primários. Por um lado, o governo extrai recursos diante da elevada carga tributária, por outro, restringe a promoção do crescimento no setor produtivo. Diante da constatação do dilema composto entre a política fiscal e o quadro fiscal sobre a trajetória da dívida pública, esta pesquisa tem por objetivo discutir e analisar os efeitos da carga tributária federal sobre o setor produtivo como resultado da dominância monetária. Pretende-se discutir a coordenação executada entre a política fiscal e monetária durante os anos de 1994 a 2008 e analisar de que forma os tributos federais foram usados para financiar os gastos públicos e seus efeitos sobre a cadeia produtiva. A presente pesquisa tem com método analisar o cenário econômico da política fiscal e monetária na economia brasileira, destacando explicitamente a composição e a contribuição dos tributos sobre a cadeia produtiva no período de 1994 a 2008, utilizando a metodologia da Secretaria da Receita Federal quanto à descriminação da carga tributária sobre a economia, explicitamente a cadeia produtiva. Será analisada a evolução dos tributos federais do 15 orçamento fiscal e da seguridade, os quais se classificam em: Imposto de Renda (IR) de pessoas físicas, jurídicas e na fonte; Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Imposto sobre Operações Financeiras (IOF); Imposto sobre Comércio Exterior; Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP); Imposto de Importação (II); e Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A mensuração da carga tributária no cenário econômico atual justifica-se pelo sistema ortodoxo em que se encontra inserida. Quanto aos instrumentos da política monetária e fiscal, englobará dados do Tesouro Nacional, do Banco Central, do Ipeadata e do Ministério da Fazenda. A análise tem como característica o embasamento teórico, crítico e descritivo sobre a inadequada coordenação da política fiscal e monetária inserida no contexto atual da teoria novo-clássica e a conseqüência desta supremacia sobre o setor produtivo. Salienta-se que as medidas adotadas por tais políticas correspondem enfaticamente sobre a ascensão da relação dívida/PIB. A combinação da taxa de juros elevada (Selic)-robustos superávits primários- carga tributária excessiva se sustenta devido à submissão da política fiscal à monetária. A pesquisa está estruturada em três capítulos, além da introdução e da conclusão. O primeiro baseia-se nos aspectos teóricos da política fiscal e monetária aos keynesianos e pós- keynesianos, descrevendo a importância de uma política fiscal anticíclica; ao mesmo tempo, procura relatar os efeitos da política monetária em relação às variáveis reais. A condução da política monetária embasada em um sistema ortodoxo que exige uma regra (monetária) reflete, numa política fiscal rígida, com o pressuposto de seguir regras fiscais. No entanto, esse sistema ortodoxo conduz à desconexão entre as políticas fiscal e monetária. O segundo capítulo mostra a condução da política fiscal e monetária ao cenário macroeconômico recente quanto à dívida pública. Analisa as medidas adotadas pelas políticas monetária e fiscal no período 1994-2008 e a descrição dos aspectos conjunturais do arcabouço teórico da LRF quanto às metas fiscais. Este tópico procura descrever a supremacia da política monetária na economia brasileira e o regimento ao cumprimento das metas fiscais (robustos superávits primários, alta taxa de juros e carga tributária excessiva). O terceiro capítulo desenvolve uma análise da sobrecarga dos tributos sobre a esfera produtiva da economia baseada na sustentação das metas fiscais. Oferece uma abordagem descritiva das medidas provisórias na legislação tributária e seu impacto sobre a economia, destacando o efeito que propicia a demanda agregada quando há redução nas alíquotas dos tributos. A arrecadação tributária bate novo recorde a cada ano, e esse resultado se deve ao ajuste fiscal que exige a geração de receitas para o suprimento dos juros da dívida pública. 16 Além desse, uma determinada despesa gerada ordena, em contrapartida, uma receita vinculada. Dessa forma, há um esforço relevante do governo em gerar receita e mais receita ao ajuste fiscal. No entanto, a maneira como é conduzido esse ajuste fiscal (sistema tributário ostensivo e política monetária com alta taxa de juros) direciona a economia num ambiente árduo à retomada do crescimento e desenvolvimento econômico de forma sustentável. O montante arrecadado é insuficiente para a consolidação das contas públicas, e a função da política fiscal é enquadrada pela rigidez em que se encontra inserida. O nível de investimento público é insuficiente às reais necessidades que a economia necessita, e, ao setor privado, o nível de investimento torna-se ostensivo devido à sobrecarga dos tributos federais e cumulativos da cadeia produtiva. 17 1. A relevância da política fiscal e monetária como termômetro a estabilização econômica O termo estabilização econômica encontra-se sob vários pontos de vistas entre as escolas de pensamento econômico quanto à política fiscal e monetária. A questão relevante quanto ao desenvolvimento deste tema não é apenas relatar sobre o assunto, mas sim poder argumentar frente à inadequada coordenação entre a política fiscal e monetária e suas consequências na esfera macroeconômica. Na abordagem pós-keynesiana, a política monetária é crucial devido os efeitos que proporciona em termos de intervenção e os graus de liberdade que pode proporcionar à política fiscal. Neste sentido, o presente capítulo analisa os efeitos da inadequada coordenação da política fiscal e monetária ao sistema econômico. A discussão salienta a relevância da política fiscal na esfera macroeconômica. O capítulo está organizado em quatro seções, além da introdução. A primeira consiste na discussão teórica da coordenação da política fiscal e monetária na escola keynesiana e pós-keynesiana e mantém uma reflexão em prol de encontrar alternativas para obter uma política fiscal anticíclica. A segunda faz uma breve abordagem teórica das regras fiscais. A terceira salienta as implicações de seguir a regra monetária e seus reflexos na política fiscal (rígida). E, por fim, a última é a conclusão do capítulo. 1.1. Análise teórica da política monetária e fiscal na escola keynesiana e pós-keynesiana Política monetária e fiscal na escola keynesiana No contexto macroeconômico, durante os anos 1930 e, posteriormente, no Pós-Guerra, questões foram levantadas quanto à posição de uma política fiscal e à forma do endividamento público seguido da dívida pública sobre o nível da atividade econômica1. Esse processo se tornou um mecanismo utilizado desde então até os dias atuais. No entanto, a questão problemática revela pelo manejo dos instrumentos da administração da dívida 1 Essa forma de endividamento passou a ser alvo de política econômica, não somente dos países industrializados mas também aos países em desenvolvimento, como, por exemplo, na economia brasileira em 1964 com a criação do Banco Central, a emissão de títulos públicos passou a ser uma ferramenta relevante a política macroeconômica desde então. 18 pública, como se coaduna a política fiscal e monetária para que se possa obter uma estabilização da relação dívida pública/PIB. A importância das respostas quanto à discussão estão, em princípio, nas obras de Keynes, pós-keynesianos e, posteriormente, entre os novos- keynesianos. A Teoria Geral do Juro do Emprego e da Moeda (TG) de Keynes se tornou mais relevante no período Pós-Guerra quanto à atuação do Estado na economia. Porém, cabe enfatizar que, para a teoria de Keynes e dos pós-keynesianos, a política fiscal não significa a geração de déficits estruturais2. Na visão keynesiana, a política monetária tem efeitos reais sobre a atividade econômica, de modo que a alteração nominal na quantidade de moeda tem efeito real, pois a mudança nos preços ocorre de forma não contínua. Um termo relevante à escola keynesiana quanto ao seguimento da política monetária consiste na credibilidade que é capaz de afetar as expectativas dos agentes. A teoria keynesiana se caracteriza pela adoção de um déficit fiscal planejado, e o papel da dívida pública consiste num mecanismo capaz de contribuir para o crescimento econômico. Keynes (1980), no período após a 2ª Guerra Mundial, propôs a idéia de o orçamento público ser dividido em duas partes. A primeira seria o orçamento corrente referente às despesas decorrentes da máquina pública, e a outra abrangeria os gastos relacionados a projetos de investimentos públicos. O autor relata que os recursos quanto à execução destes investimentos decorreriam dos resultados esperados da viabilidade da obras. Seria importante ainda acrescentar outra interpretação de Gobetti (2008, p.20): “Além de rejeitar o aumento indiscriminado do gasto público, Keynes chega a sugerir a geração de superávit no orçamento (ou seja, poupança pública positiva) para ser transferido para o orçamento de capital”. Um dos principais mecanismos no arcabouço keynesiano quanto ao ritmo da atividade econômica corresponde ao princípio da demanda efetiva que diz respeito às decisões de gastos, principalmente, quanto aos gastos do setor privado em investimentos. Segundo Keynes (1980, p.330): “There are decisions which should be taken now on the control of investiment. It should be realised that the forward planning, control and timing of public investment is important both in the immediate transitional period, in order to restrain and spread out the demands for physical reconstruction, and also in the longer period for the stimulation of such 2 Ver Carvalho (1999); (2008). 19 investment. For exemple, it might be decided, in principle, that public authorities should prepare and revise annually a five-year plan for their future capital words, and this should be reviewed periodically by a central body for the purpose of the proper timing of expenditure. Certain inducements might be considered to persuade local authorities to keep in step with such a plan, e.g by varying the rate of state grants for different types of words, according to the period in which they were undertaken”. Em termos de governança, a construção do orçamento público torna-se a peça chave da coordenação entre a política monetária e a fiscal. Além disso, dentro de um conjunto de metas fiscais tem a condição de sinalizar com políticas estruturais e anticíclicas. Keynes (1980) descreve que os gastos privados ocorrem num ambiente de incerteza, e o gasto do governo, nesse aspecto, seria crucial para amenizar e até mesmo corrigir as oscilações que ocorrem nos gastos privados. A construção do orçamento é a maior regra, e a sinalização com os níveis de endividamento seria a melhor meta a partir das mensurações do multiplicador dos gastos. Para Keynes (1979, p.39), “(...) the volume of employment directly depends on the amount of investment”. No enfoque keynesiano, a política fiscal surgiu em decorrência da incerteza, e, como analisamos anteriormente, é importante para amparar o estado de confiança dos agentes frente às flutuações que caracterizam o sistema econômico. A teoria keynesiana atribui ao Estado um papel anticíclico, sendo que o gasto é utilizado com esse fim, no entanto, a política monetária precisa caminhar junto com a fiscal, a qual também influi sobre a taxa de juros. Contudo, a administração da dívida pública é de extrema importância neste processo3. Diante da obra de Keynes (1973), cabe aponta mais dois tipos de política que tendem a propiciar o crescimento à formação de capital que é a política de distribuição de renda e monetária. A primeira é decorrente do aumento da propensão marginal a consumir diante da distribuição e redistribuição de renda que tende a desencadear o nível de investimento em capital nas economias, de uma forma geral. A segunda procura elevar o nível de investimento através de uma baixa taxa de juros que Keynes descreve a importância de reduzir a taxa de juros em relação à curva de eficiência marginal do capital, evidenciando o pleno emprego. O Estado, segundo o autor, deverá atuar no sentido de influenciar o nível da propensão marginal a consumir, através da fixação da taxa de juros e da tributação e outras medidas. 3 Sicsú (2008) desenvolve uma abordagem teórica descrevendo como deveriam ser coordenadas as políticas monetárias, fiscais, entre outras, para que se possa caminhar rumo ao crescimento e desenvolvimento econômico. 20 O gasto público é um instrumento utilizado tanto para diminuir o grau da incerteza como para aquecer o ritmo da atividade econômica. Seu volume dependerá do multiplicador e do perfil do financiamento deste déficit que, na maioria das vezes, requer a emissão de títulos públicos. O aspecto macroeconômico se caracteriza pela forma de financiamento do gasto público que abrange o aumento da arrecadação e pelo aumento da dívida pública, propriamente, e da dívida mobiliária em decorrência das emissões de títulos públicos. Keynes (1973) enfatiza que, num ambiente econômico em que e os preços são flexíveis, há incerteza quanto ao futuro, e os agentes atuam segundo a teoria da preferência pela liquidez, a atuação do governo na economia em detrimento a elevar o nível de investimento na economia corresponde, no âmbito keynesiano, a uma atuação de consistência à promoção do crescimento econômico4, almejando a geração de emprego e renda. As políticas keynesianas atuariam como instrumento estimulando as expectativas dos empresários. O efeito das políticas fiscais expansionistas ocorre via multiplicador do emprego, base sólida de sustentação de uma política fiscal anticíclica. Para tanto, Keynes (1979, p.95): “Loan expenditure by the government, whether on current or capital account, might be brought in as a balancing factor, being increased when private expenditure was falling off relatively to costs and decreased when private expenditure was increasing if necessary negative, i.e, previous loans being repaid”. Keynes (1973) procura descrever a eficácia do multiplicador das despesas públicas, salientando que o Estado deve intervir na economia via elevação de gastos (investimentos públicos), redução de impostos ou aumentando as transferências. Segundo o autor, o multiplicador de gastos é superior ao multiplicador de impostos, e este último é superior ao de transferências. 4 Segundo Oreiro, Siscú & De Paula (2003, p.131): “A ação das políticas macroeconômicas, em especial da política fiscal, deve ser complementar às decisões privadas e deve ser implementada quando os investimentos privados são insuficientes. Os gastos públicos não devem ser concorrentes nem substitutos da livre iniciativa empreendedora”. 21 O conceito de gastos públicos está estritamente relacionado à forma de seu financiamento, que, para os teóricos keynesianos, ocorre via aumento da arrecadação tributária5 ou aumento da dívida pública, colocação de títulos públicos ao mercado. O ônus do financiamento dos gastos públicos sobre a emissão de títulos, para os keynesianos, caracteriza-se pela própria recuperação da economia que elevará a arrecadação que poderá sustentar os encargos financeiros da dívida adquirida no período anterior. Para os keynesianos a dívida pública possui o efeito riqueza (os agentes detentores dos títulos se sentem mais ricos e elevam sua propensão marginal a consumir) e o efeito renda (propicia aos indivíduos uma maior renda decorrente do pagamento dos juros dos títulos em seu poder). A emissão da dívida pública eleva a demanda agregada, influencia as variáveis reais da economia, do produto e o nível de emprego, porém, quanto ao processo inflacionário devido à emissão de títulos, keynesianos argumentam que este somente ocorre caso a autoridade emita títulos no momento em que a economia já esteja em pleno emprego. Política fiscal e monetária na escola pós-keynesiana A escola pós-keynesina6 corresponde a um conjunto de autores heterogêneos7 os quais partiram da TG e trabalhos de Keynes para elaborar teorias e políticas sobre a estabilidade de preços e pleno emprego entre outros temas. Esses autores combinaram a noção de expectativas; a não neutralidade da moeda que afeta as variáveis reais no curto e no longo prazo e a noção do tempo histórico; a preferência pela liquidez; o problema do pleno emprego como ponto central na macroeconomia8; e a articulação entre as políticas; entre outras abordagens relevantes. Segundo Rotheim (1998, p.168): 5 Cabe lembrar que, de acordo com os escritos de Keynes, os impostos deveriam incidir sobre a renda e o patrimônio, e não meramente sobre a produção, como, por exemplo, no Brasil. Desse modo, a resenha sobre o pensamento keynesiano necessita ser repensada quanto à economia brasileira. 6 A escola pós-keynesiana surgiu na década de 70 com o objetivo de resgatar as idéias de Keynes à economia monetária, ver Neves (2007). 7 Cabe lembrar que a teoria pós-keynesiana não pertence ao mainstream da teoria econômica, porém, é de extrema relevância às idéias de Keynes, quando faz menção do princípio da instabilidade de uma economia monetária e os reflexos desta sobre o contexto econômico. Autores heterogêneos correspondem os keynesianos de Cambridge e os keynesianos fundamentalistas. Os de Cambridge, Inglaterra, são compostos pelos N. Kaldor, L. Pasinetti e R. Harrod. E os fundamentalistas são representados pelo P. Davidson e H. Minsky. Ver Ferrari-Filho (1991). 8 King (2002); King (2003) resume em sua obra uma coletânea de artigos referentes a uma visão pós-keynesiana. Embora essa teoria trate de conceitos macroeconômicos, é importante ressaltar que ela contribuiu com a teoria microeconômica. 22 “(...) post Keynesians emphasize true uncertainty regarding the future, reject rational expectations, regard the ISLM model as artificial and static, call for macrofoundations for microeconomics, argue for richer accounts of individual economic behaviour, and draw often on Keynes’s own thinking”. Segundo Hermann (2002), a emissão de título público necessita de um mercado financeiro organizado, capaz de gerenciar as operações de troca de títulos de longo e curto prazo pelo Banco Central. A autoridade monetária se depara com um trade off envolvido nesse processo em que precisa manter um baixo custo de financiamento do governo e ao mesmo tempo manter a estabilidade monetária da economia. Nesse caso, a política monetária e a política fiscal necessitam caminhar juntas. Hermann (2006, p.10) procura descrever este processo de coordenação da política monetária e fiscal. “Reconhecendo que o déficit público tem como contrapartida a expansão da dívida pública e que esta interfere no mercado monetário e, portanto, na taxa básica de juros da economia, atribui-se, no enfoque keynesiano, à autoridade monetária a função de administrar o “mix” de emissão de moeda e de dívidas de diferentes maturidades. O objetivo dessa administração é manter o mais baixo possível o custo do financiamento do governo, sem prejuízo da estabilidade monetária da economia. A coordenação entre as políticas fiscal e monetária torna-se fundamental, já que há um óbvio trade off envolvido neste processo”. A condução da política monetária pode afetar as variáveis reais da economia, seja no curto ou no longo prazo. Sicsú (2001) procura relatar a credibilidade da política monetária na visão pós-keynesiana, uma vez que a política monetária não deveria agir isolada de outras políticas, enfatizando a coordenação da política monetária com outras políticas – pois atos isolados repercutem sobre as variáveis econômicas. Na visão pós-keynesiana, a coordenação não pode ser sinônima de subordinação. Idem (2001, p.675): “Monetary policy tools have to be used in coordination with (not subordinated to) other policy tools, so as to enhance their credibility and increase the probability of achieving their goals. Accordingly, institutional arrangements and rules must be established to create a favorable environment for the implementation of policies that are, at the same time, both flexible and credible”. Roman (2004) relata que credibilidade da política monetária abrange a capacidade da autoridade monetária de difundir uma visão clara sobre o caminho desejável a ser seguido, para que os agentes adotem e tenham elementos suficientes para fazer suposições quanto aos movimentos futuros na economia. Por outro lado, a desconfiança quanto às expectativas formadas em relação aos rumos da política monetária poderá intrinsecamente comprometer a 23 coordenação da política monetária e fiscal, pois o conceito credibilidade está ligado ao de reputação. A reputação refere-se às atitudes da autoridade monetária em sua trajetória, enquanto a credibilidade depende da crença dos agentes do mercado de que é seguro financiar os gastos do governo9. Um aspecto ligado a reputação é a transparência no segmento da política monetária. Os pós-keynesianos salientam que a autoridade monetária não deve intervir na economia por meio de regras, sejam flexíveis ou rígidas, já que essas se encontram num ambiente incerto e os resultados desta intervenção afetam a produção e, conseqüentemente, o emprego. Para tanto, Mollo (2004, p.340): “(...) a Autoridade Monetária não pode intervir na dinâmica monetária a partir de regras, mesmo que flexíveis, porque as regras tornam-se logo inadequadas com as mudanças estruturais provocadas pelas impulsões monetárias. É preciso então um comportamento de sintonia fina que lhes permita perceber a cada momento as necessidades que vão se desenhando na economia, de forma a conduzir a política monetária adequadamente”. Para os pós-keynesianos, a desconexão entre as políticas monetária e fiscal resulta em efeito nocivo do lado real da economia. É necessária a coordenação entre as políticas monetária, fiscal e cambial. A não neutralidade da moeda é evidenciada, a moeda afeta a produção e o nível de emprego, e qualquer política monetária anunciada pelo governo seguinte causará impacto no nível de produção e na taxa de desemprego, e não meramente no nível de preços, como alegam os novo-clássicos. A eficácia da política monetária não limita meramente a estabilização de preços, o efeito da moeda tem efeitos reais tanto no curto quanto no longo prazo, e a política monetária influencia o nível de emprego e produto. Conforme Libânio (2001, p.15): “A visão pós-keynesiana oferece um arcabouço analítico que busca incorporar alguns elementos essenciais ao funcionamento de uma economia capitalista e que são ignorados, ou tratados de forma insatisfatória, pela teoria convencional. A discussão sobre credibilidade e gestão da política econômica adquire novos contornos sob a perspectiva aqui adotada, a partir do reconhecimento da importância de interações entre governo e agentes privados, em um ambiente no qual desempenham papel crucial decisões tomadas com base em expectativas em relação a um futuro incerto. Destacam-se a necessidade de certa flexibilidade na atuação dos policy makers, para adaptar a política a conjunturas específicas, e a conveniência de 9 Para maiores detalhes sobre credibilidade e reputação da política monetária, ver Siscú (1999); (2001). 24 anunciar previamente as metas da política econômica, possibilitando aos agentes a construção de cenários mais claros sobre o futuro”. A alternativa de financiar os gastos do governo via aumento da arrecadação se torna propícia em épocas de normalidade. Sem situações em que há declínio da atividade econômica e ameaça de recessão, o financiamento via tributação torna-se irrelevante, pois a arrecadação declinará em função desta. Para Fontana (2009, pg. 596), “(...) the government may increase expenditure and reduce taxes whenever the economy is predicted to decline”. Devido ao emprego da política fiscal anticíclica, a alternativa sucede na emissão de títulos públicos, propriamente dívida pública mobiliária. Assim, a administração da dívida pública consiste num trade off envolvido entre política fiscal e monetária. Conforme aponta Hermann (2002, p.5) observa que: “Admitindo-se uma “yield curve” (curva de rendimentos) normal, ascendente – taxas de juros crescentes em relação ao prazo dos títulos – o esquema ideal de financiamento do governo seria, em princípio, baseado na emissão de moeda ou de títulos de curto prazo. Isto, no entanto, envolve o risco de inflação, não só pela monetização direta do déficit, mas pelas pressões por monetização que uma dívida concentrada no curto prazo implica”. Segundo Carvalho (2008, p.19): “Com a receita da colocação dos títulos públicos (e dos impostos recolhidos) o governo poderá saldar suas dívidas de curto prazo, recompondo sua capacidade para re-iniciar todo o processo caso fosse necessário”. Essa reflexão merece, por outro lado, alguma ponderação. O efeito riqueza e o efeito renda devem ter a orientação dos tributos para que a ação não se torne propulsora de uma prática rentista. O argumento de Keynes é válido para economias que não pratiquem o déficit público estrutural e com baixa relação com a expansão da renda. Segundo Hermann (2002), a política econômica keynesiana prevaleceu de maneira enfática do período Pós-Guerra até os anos 1960 e até mesmo na década de 1970, em alguns países como, por exemplo, o Brasil. A partir da década de 1970, destacou as instabilidades macroeconômicas as quais correspondiam simultaneamente inflação e desemprego, o que, por 25 sua vez, comprometeu a concepção keynesiana, iniciando uma nova fase econômica passando da concepção monetarista aos novo-clássicos a qual subscreve até os dias atuais10. 1.2. Regras fiscais: uma abordagem teórica O processo de ajuste fiscal foi contextualizado às economias desenvolvidas e subdesenvolvidas na década de 1980. No Brasil, os acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional - FMI nesse período resultaram na adoção de regras fiscais que se tornou uma ferramenta intrínseca a esse processo. Em 1989, foi realizado um encontro na capital dos Estados Unidos, em Washington, o Consenso de Washington, e um conjunto de medidas econômicas foram lançadas, explicitamente, para os países em desenvolvimento, os quais eram caracterizados por alta inflação e déficit no balanço de pagamentos. Desse modo, o conceito de regras fiscais foi sendo intensificado, entre as principais medidas11, cabe destacar algumas: disciplina fiscal; reforma tributária; liberalização da taxa de juros; reordenamento das estruturas de gasto público. A necessidade de estabelecer regras claras na condução da política fiscal foi sendo aprimorada na economia brasileira. As regras fiscais, em grande parte, estão sujeitas à regra de ouro, na qual as despesas correntes não podem ultrapassar as despesas de capital. Essa regra faz com que a elaboração do orçamento tenda a ser conduzida de forma clara, não podendo ocorrer um endividamento para custear as despesas correntes12. O ajustamento fiscal no médio prazo tem, em contrapartida, o declínio do déficit público, a relação dívida pública/PIB e/ou a ascensão dos tributos. A proposta dessa seção é demonstrar que a reflexão do ajustamento fiscal está atrelada ao processo declinante da dívida pública, por um lado, e à elevação dos tributos, por outro. Esta última justificativa tende a evidenciar efeitos contraditórios sobre o lado real da economia, conforme será contextualizado no decorrer da pesquisa13. 10 A pesquisa não pretende fazer menção às diversas escolas de pensamento econômico, mas sim argumentar que o contexto no qual a economia brasileira se encontra inserida (regra monetária) exige em contrapartida uma política fiscal rígida, e isso reflete no lado real da economia. 11 Cabe apontar outras medidas que foram: desregulamentação; privatização; liberalização de investimento externo direto; liberalização dos mercados; competitividade da taxa de câmbio. Para maiores detalhes destas, consultar Willianson (2004). 12 Exceto em casos especiais, como, por exemplo, de calamidade pública. 13 A elevação dos tributos não é contraditória, porém, sua forma de incidência é nociva à realidade de um país subdesenvolvido, como o Brasil. 26 Alesina & Ardagna (2009) procuram demonstrar que cortes nos tributos são mais importantes à expansão da economia do que promover um aumento nos gastos públicos. Para o ajustamento fiscal, os cortes nos gastos são muito mais eficazes do que o aumento dos tributos para a estabilização do déficit público. Os cortes na taxação e/ou aumento dos gastos públicos são considerados efeito riqueza positivo no longo prazo, na visão keynesiana. Os agentes antecipam esse corte dos tributos, levando a um aumento da renda pessoal disponível, promovendo um acréscimo no consumo e na demanda agregada. Um fator adicional nesse processo de ajustamento é a taxa de juros que está atrelada à indexação dos títulos públicos. A autoridade monetária tende de ser clara nas informações via o resultado nas expectativas dos agentes, assim, promoverá maior credibilidade. A queda da taxa de juros ameniza o custo da administração da relação dívida pública/PIB e promove incentivo à extensão do investimento, que reflete no aumento do consumo e da demanda agregada. Os autores, apesar de enfatizarem que cortes nos tributos são importantes para a diminuição do déficit público do governo, reconhecem que não somente cortes nos tributos são importantes para esta redução, mas também cortes nos gastos públicos. O processo de desajuste foi sendo inserido a vários países desenvolvidos e subdesenvolvidos; o pressuposto desse processo é que a diminuição da dívida pública/PIB contribuiria para o crescimento do PIB, porém, o efeito dessa medida é nocivo ao contexto macroeconômico. A evidência é constatada pela restrição do nível de investimento público em que as economias, em sua maioria, ficaram inseridas. Alesina et all (2002) procuram demonstrar que os componentes de gastos do orçamento do governo influenciam o nível de investimento no setor privado14. O processo de ajustamento fiscal consiste na queda de gastos e aumento nos tributos. Os autores mensuram, por meio de um estudo, que o aumento dos tributos tende a variar negativamente os investimentos. A mudança na política fiscal, o ajuste fiscal, conduziu a um deslocamento na estrutura de investimento tanto do setor público quanto do setor privado. O processo de ajuste fiscal nas contas públicas subscreveu devido à imposição de órgãos internacionais, como, por exemplo, o FMI. O conceito de reformas foi sendo conduzido de forma clara na economia brasileira, desde da década de 1980, com destaque para os anos 1990. Alesina; Ardagna & Trebbi (2006. p.2) ressaltam que: 14 O estudo de Alesina at all (2002) se restringe aos países da OCDE. 27 “The term “reform” generally refers to a major change in policy that goes beyond dayto-day policy management. Some reforms are stabilizations; others involve structural changes. A stabilization is normally interpreted as a major fiscal adjustment that significantly reduces a large budget deficit and/or stops a large inflation. Often but not always, large inflations and large deficits go together, especially in developing countries. Structural reforms may involve liberalization of goods markets, changes in the regulatory environment, labor market reforms, or trade liberalizations”. A estabilização está relacionada com o processo de crise que ocorre no sistema econômico, sendo necessárias reformas visando o reordenamento do sistema15. O aumento dos tributos na produção possui um efeito negativo e o aumento dos gastos públicos detém um efeito positivo. Blanchard & Perotti (2002) estimam um modelo VAR para a economia do Estados Unidos para o período Pós-Guerra evidenciando que os choques nos gastos públicos, na economia americana Pós-Guerra demonstraram um efeito positivo sobre a produção e que o contrário ocorre quando evidencia um choque positivo na tributação. O estudo mostra outro resultado, o efeito positivo do gasto público sobre o consumo privado. Para os autores, as elevações dos tributos estão fortemente relacionadas ao aumento dos gastos públicos. Ao estimar o VAR inserindo a variável de cortes nos tributos, o resultado mostrou que o efeito desse corte é pequeno sobre os gastos públicos. O estudo articula os efeitos das variáveis, gastos e tributos sobre a produção (demanda agregada) e aponta que o efeito do multiplicador dos gastos tende a ser maior que o multiplicador de tributos. Essa é a relação keynesiana em que Keynes procura descrever que os gastos do governo são eficazes para elevar a demanda agregada. As evidências de que o aumento de gastos reflete no período “t + 1” com aumento dos tributos foram testadas empiricamente para a economia dos Estados Unidos, no período Pós- Guerra, com destaque para os anos 1960, os quais corresponderam aos gastos militares. Os resultados do estudo evidenciam que o aumento dos gastos do governo conduz ao aumento na produção. Uma adicional conclusão do estudo é que os multiplicadores conduzem a efeitos diferentes; por exemplo, choques nos gastos afetam positivamente o consumo privado e negativamente o investimento privado, porém, segundo os autores, esta conclusão necessita de futuras investigações. E essa última conclusão caminha no sentido oposto da visão 15 Reformas são importantes ao sistema econômico, no entanto, é preciso analisar como são conduzidas as variáveis atreladas a essas reformas, neste caso, na economia brasileira, como a política fiscal ficou restrita com o ajuste fiscal, pois todo esse aumento de despesa não pode ser gerado sem que haja, em contrapartida, um aumento de receita. Esse processo, ajuste fiscal “rígido” enquadrou a economia brasileira num cenário regressivo: o desenvolvimento e crescimento de médio e longo prazo se torna insustentável. 28 keynesiana, pois o aumento nos gastos do governo tende a promover aumento no nível do investimento privado, via efeito de consumo e demanda agregada. Segundo a teoria keynesiana, o aumento no gasto público promove um efeito riqueza, eleva a renda pessoal disponível e o investimento privado, potencializando a demanda agregada. A suposição contrária, de que corte nos gastos do governo tende a promover um efeito riqueza, é defendida pela teoria dos novo-clássicos, tendo como ferramenta a equivalência ricardiana, na qual, no período “t”, o aumento de gastos refletirá no período “t + 1” com aumento dos tributos que tende custear a ascensão dos gastos do governo. A renda pessoal disponível reduzirá com o aumento do tributo no período “t + 1”, inibindo o efeito riqueza do período “t”. Manter o orçamento público em constante equilíbrio não é nocivo à economia, porém, é necessário conduzi-lo de forma condizente à estrutura econômica de cada país. No Brasil, por exemplo, o ajuste fiscal se tornou peça chave para o cenário macroeconômico, no entanto, cabe analisar como são conduzidas as variáveis inseridas neste “desajuste”, na relação dívida pública/PIB e na estrutura dos tributos. Alesina & Perotti (1997) mensuram que o efeito do aumento de 1% nos tributos causa um aumento relativo nos custos de mão-de-obra de aproximadamente 2%, restringindo a competitividade das firmas as quais tiveram um maior custo. O estudo tem como variáveis dois tipos de cortes. O primeiro é o corte nos gastos primários do governo, que reflete na redução das transferências e emprego no setor público; e o segundo tipo de ajuste é o aumento de taxas, particularmente sobre a renda das famílias, e o corte nos investimentos públicos. Sob o aspecto macroeconômico, o ajuste do tipo 2 obteve piores consequências do que o do tipo 1. Os cortes nos gastos públicos têm efeito imediato sobre o nível da produção e emprego e renda das famílias, e o efeito de cortes dos investimentos públicos é visto no nível de produção a médio e longo prazo. O estudo conclui, ainda, sobre os efeitos macroeconômicos do ajustamento fiscal, mostrando que o crescimento econômico é relativamente maior durante o processo de ajuste fiscal do que num período ausente do mesmo16. Essa evidência reflete na credibilidade da política fiscal sobre as expectativas dos agentes. Os cortes nos tributos elevam o consumo, via renda disponível, resultando no efeito riqueza. A credibilidade decorrente do ajuste fiscal resulta na queda da taxa de juros e, conseqüentemente, no custo da administração da dívida pública. A condução da política fiscal de seguir ou não seguir as regras (fiscais) exige a coordenação entre as políticas, para que o 16 Essa visão necessita de reflexão sob a forma de condução das variáveis que estão inseridas no processo do ajuste fiscal. O aumento dos tributos para a cadeia produtiva é nocivo à economia, e os gastos púbicos possuem efeito riqueza aos agentes econômicos. 29 ajuste fiscal (propriamente, dívida pública) seja crível, promova credibilidade, que refletirá no prêmio de risco. A declínio do déficit da relação dívida pública/PIB promove essa credibilidade, que tende a gerar maior nível de crescimento econômico. Ela também está relacionada com a taxa de juros, já que maior déficit público conduz a aumento do prêmio de risco e default da dívida, devido a indexação e taxa de juros. Romer & Romer (2007) constatam que o aumento dos tributos detém efeito negativo sobre os níveis de consumo, produção e investimento17. A elevação nos tributos é altamente contracionista. O trabalho teve a preocupação de demonstrar que a tributação tem, em contrapartida, efeito negativo no lado real da economia. Já a promoção de política fiscal anticíclica tem impacto positivo sobre o lado real da economia. O aumento dos tributos proporcionou um aumento significante na taxa de desemprego. Um choque positivo nos tributos contribuiu para que a queda no nível de investimento fosse maior do que no nível de consumo (neste caso, os autores procuram descrever o nível de investimento sobre o setor privado). As evidências do aumento da taxa dos tributos para reduzir a relação do déficit público têm outros impactos, os quais refletem sobre a taxa marginal de juros, a taxa sobre o nível de investimento. No relatório da OCDE (2002), a evidência da consolidação fiscal não está propriamente evidenciada pela adoção de regras. Para o processo de consolidação fiscal, a adoção de regras fiscais não é suficiente. O conceito de transparência é crucial para o sucesso das regras. Um ambiente ausente de transparência exigirá mais esforços sobre o efetivo cumprimento das regras. E os custos serão maiores, em termos reais, para a sociedade. Regras fiscais e transparência tendem a estar articuladas no processo de ajuste fiscal, no entanto, a adoção de regras fiscais é necessária – mas não suficiente. A consolidação é evidenciada pela coordenação das políticas fiscal, monetária e cambial, para que o ajuste fiscal seja consistente. A disciplina fiscal está fortemente relacionada ao interesse quanto ao cumprimento das regras fiscais. Na década de 1990, os países que tinham o objetivo de fazer parte da União Européia seguiram as regras de redução do déficit público. A aplicação de regras, geralmente é inserida num contexto de desequilíbrio. As regras são conduzidas ao ajuste fiscal com um grau de flexibilidade interligada à transparência. Gavin & Perotti (1997) apontam que, para os países da América Latina, a política fical é pró-cíclica. Para os países da OCDE, em sua maioria, a 17 O estudo de Romer & Romer (2007) tem como objeto avaliar a economia dos Estados Unidos, do período Pós- Guerra até o ano de 2007. Os cortes dos tributos verificados nesta economia aconteceram nos anos de 1948, 1964, 1981, 2001 e 2003. Embora o estudo refira-se, especificamente, à economia americana, é importante a reflexão sobre os efeitos do corte de tributos como estimuladores do crescimento econômico. 30 política fiscal é anticíclica, aumenta os gastos e reduz os tributos na recessão – e o inverso ocorre na fase de boom. 1.3. As implicações de seguir uma regra monetária e os reflexos sobre a política fiscal (rígida) O sistema econômico sofre constantes flutuações. A intervenção do governo por meio de políticas fiscal e monetária tornou-se fundamental. No entanto, as implicações dessa intervenção são verificadas pela rigidez de preços que ocorre no sistema econômico. A preocupação de descrever a Curva de Phillips, o trade-off entre inflação e desemprego, tornou-se fundamental num contexto no qual os agentes detêm expectativas racionais. A abrangência dessa descrição salienta o papel da taxa de juros sobre o lado real da economia18. A importância do trade-off da relação entre taxa de juros e taxa de inflação implica que a rigidez nominal restringe o equilíbrio, dado que o fator condicionante, as expectativas racionais afetam as previsões dos agentes antecipando-as e impactando o nível de emprego. Blanchard (2008) procura descrever que fazer menção da política monetária com o intuito de manter a taxa de inflação constante dependerá dos choques que ocorrerem no nível de produção e como a economia reagirá a estes choques. A antecipação dada pelas expectativas racionais implicará numa maior regra da política monetária, via instrumental taxa de juros, para controlar a inflação. Assim, a Curva de Phillips pode ser explicada por esta antecipação, dado que quando o governo anunciar um aumento na taxa de juros, com o intuito de controlar a inflação, os agentes anteciparão esta previsão e reordenarão suas expectativas. Uma das críticas, se não a principal, às expectativas racionais, é que as informações não são completas. Nesse caso, não está referindo-se meramente às assimetrias de informações, e sim à inexistência de informações que são indispensáveis. Dada a rigidez encontrada na economia, a estabilização de preços resulta no aumento da taxa de desemprego. Ao elevar a taxa de juros para controlar a inflação, o nível de desemprego eleva-se. O aumento no nível de desemprego conduz à elevação de déficit 18 Cabe lembrar que para os pós-keynesianos, a moeda é não neutra mesmo no longo prazo, pois a taxa de juros afeta o lado real da economia mesmo no longo prazo. Assim, cabe a política fiscal atuar como instrumento estabilização automática. Assim, diante do novo-consenso, quando o governo eleva a taxa de juros para manter a estabilização de preços, os efeitos sobre a política fiscal são constados, queda no nível de investimentos. 31 público, por meio de políticas voltadas para o pleno emprego. Por outro lado, no futuro o governo tende a elevar os tributos para poder pagar esse déficit19. Blanchard (2008), ao descrever o papel da política monetária direcionada à estabilização do nível de preços, procura relatar que mudança na taxa de juros tende a propiciar um mercado rentista. Numa economia em que há rigidez nominal, o movimento na demanda agregada não é automático, e o movimento na taxa de juros resultará em movimentos no nível de produção. Ao descrever sobre os novo-keynesianos, o autor aponta a relação da Curva de Phillips, pela qual a taxa de inflação depende tanto da produção quanto da antecipação das expectativas de inflação, com a política monetária, neste caso, utilizada para afetar a taxa real de juros. O agente, ao antecipar um evento, resulta numa regra maior, pois leva esta antecipação a perspectivas da produtividade, dado um aumento na inflação, levando em consideração as expectativas racionais, isso provavelmente acarretará mudança na expectativa dos agentes à futura taxa de inflação, e, assim, a inflação prevista poderá resultar em mudança na inflação de hoje. O autor procura argumentar que reduzir a taxa natural de desemprego a zero, é um processo árduo, dado que sempre terá um agente, o trabalhador, procurando um novo emprego, e uma firma que também estará procurando um empregado. E implicações sobre o nível de salários, custos de trabalho, emprego e até mesmo do desemprego dependem do poder de barganha. A rigidez nominal implica mais flutuação na economia, já que o deslocamento na demanda agregada não é automaticamente direcionado pela taxa de juros, e, desse modo, pode transcorrer em movimento na produção. Diante da rigidez nominal no nível de preços, dado um aumento no preço de um determinado bem (inflação), isso resultará na queda no nível de salário real, que proporcionará um menor nível de produção. A taxa de desemprego aumentará, e isso levará os agentes a aceitarem um menor nível de taxa de salário real. Blanchard (2008) procura descrever que a natureza de uma ótima política que resulta em implicações e flutuações depende de várias respostas, e não apenas da análise sobre um fator. As implicações de um ajuste fiscal, o qual consiste no declínio do déficit público, e de uma política fiscal rígida refletem, por um lado, no declínio do nível de investimento público, gastos de capital e aumento dos tributos e, por outro lado, em manter um orçamento equilibrado. Servén (2007) aponta que o ajuste fiscal verificado na América Latina foi conduzido pelo declínio no nível de investimento público, explicitamente em infra-estrutura. Esse processo se tornou agressivo na década de 1990, o estudo analisa também a diminuição 19 Ver Wray (2005). 32 no investimento público dos países que fazem parte da União Européia, demonstrando que com o episódio do ajuste fiscal, o nível de investimento público em infra-estrutura diminui. As evidências de que o processo do ajuste fiscal conduziu à consolidação fiscal é insustentável. O governo promoveu cortes no orçamento de capital restringindo o crescimento e desenvolvimento no longo prazo. Além da queda no orçamento de capital, o processo do ajuste geralmente é conduzido com o aumento dos tributos. A política fiscal tende a ser anticíclica – num período de insuficiência de demanda agregada, o estímulo à redução dos tributos e do aumento de gastos é instaurado. Conforme Fontana (2009, pg. 599): “(...) fiscal measures could be used to bring aggregate demand up and in line with aggregate supply, and hence, to stimulate output and reduce unemployment. Symmetrically, an overheating economy is characterized by a surplus of aggregate demand. In this case, fiscal measure could be used to cool down the economy—that is, to bring aggregate demand down to the level of aggregate supply prevailing in the economy. This means that the traditional Keynesian view of fiscal policy stresses the cyclical and countercyclical aspects of fiscal policy. In other words, the Keynesian view of fiscal policy emphasizes (1) the automatic movements of fiscal instruments in response to the overall level of income, and especially (2) the discretional systematic response of the government to the particular state of the economy. These fiscal measures were described above as the cyclical and the endogenous structural components of the government budget, respectively”. A preocupação com a estabilização de preços foi sendo inserida às economias na década de 1980, em que os Bancos Centrais de diversos países adotaram o regime de metas de inflação como instrumento de política monetária. A política monetária foi conduzida a um cenário de regras, propriamente, sobre a taxa de juros como mecanismo de manter a estabilização de preços, caracterizando o novo-consenso macroeconômico20. Conforme aponta Piza & Dias (2006, p.3) o conceito de novo-consenso não é nada homogêneo entre os aspectos macroecônomicos, mas um aspecto há em comum que a neutralidade da moeda no longo prazo é aceitável entre os novo-keynesiano e novo-clássico: “Deve-se ter claro que o que vem sendo chamado de “novo consenso macroeconômico” não indica a existência de um consenso generalizado, já 20 Os efeitos da preocupação com a estabilização de preços, novo-consenso, resultam em uma política fiscal restritiva inibindo a geração de uma política fiscal anticíclica. O papel que a taxa de juros assume neste contexto deve ser direcionado as metas de inflação tornando o financiamento do governo, através dos títulos públicos, onerosos e aprofundamento a situação fiscal do governo. 33 que os debates ainda continuam a respeito de vários aspectos. Nem mesmo equivale à Síntese Neoclássica da década de 1960. Mas, a despeito de toda divergência que ainda possa existir, há um núcleo central da macroeconomia cujos elementos são bem aceitos tanto pelos economistas acadêmicos quanto pelos bancos centrais. Entre estes elementos estão a aceitação da neutralidade da política monetária no longo prazo e a não-neutralidade no curto prazo”. Fontana (2009) procura descrever a eficácia de uma política fiscal sob um contexto movido pela dominância monetária, ou seja, entre as políticas adotadas pelos Bancos Centrais com algum grau de independência, somente a política fiscal se caracteriza como instrumento eficaz ao contexto macroeconômico21. Assim, o autor procura descrever, em uma abordagem crítica, o enquadramento da política fiscal sobre o novo-consenso de ter que seguir a regra monetária e as implicações à política fiscal. A contra razão de ter que seguir a regra monetária é exigir, por um lado, uma política fiscal rígida quando, no entanto, um aperto fiscal tem impacto contracionista – as evidências são descritas pela rigidez dos preços. Para Angeriz & Arestis (2009, p. 568): “(...) monetary policy is now the main instrument of stabilization policy with fiscal policy downgraded to a passive role as just described”. O aumento dos gastos públicos, segundo a teoria da equivalência ricardiana, exigirá um aumento dos tributos no período posterior para ostentar esses gastos públicos. No entanto, esse pressuposto é contraditório ao efeito do multiplicador de gastos keynesiano. O debate sobre as implicações do efeito da taxa de juros, de seguir ou não regra para a política monetária, são apontadas pelo novo-consenso. O manuseio da condução da política monetária, via regra, exige, em contrapartida, o equilíbrio da contas públicas, porém, quando a taxa de juros não segue a regra, a política fiscal se torna operante, via aumento de gastos e/ou declínio dos tributos. Angeriz & Arestis (2009, pg. 584): “(...) as the argument goes, monetary policy is better treated as aggregate demand policy in that the interest rate set by the central bank is seen as capable of influencing aggregate demand, which in turn is thought to influence the rate of inflation. Monetary policy has become the only policy instrument for the control of inflation, but it can at best only address demand inflation. Fiscal policy in this framework is downgraded, resigned to a passive role, this being to keep budget deficits balanced, with surplus being the object in “good” times to be used in “bad” circumstances”. 21 O estudo de Fontana (2009) faz uma distinção entre a síntese neoclássica e novo-keynesiana, avalia as implicações do efeito da política fiscal entre as duas sínteses. O autor concluiu que essas duas vertentes necessitam de mais fundamentos das análises empíricas da política fiscal. 34 Estudos empíricos procuram demonstrar que a política fiscal não deveria ser utilizada como instrumento estabilizador de curto prazo. As implicações de seguir a regra, via política monetária, são constatadas pelos efeitos reais na economia, nível de produção e emprego. O postulado do novo-consenso alega que a Curva de Phillips é vertical: não existe um trade-off entre inflação e desemprego a longo prazo. Duas críticas foram levantadas por Angeriz & Arestis (2009) quanto às implicações de seguir a regra monetária, via instrumental taxa de juros, no controle da inflação. A primeira é o nível moderado da taxa de inflação, que é prejudicado pelo crescimento econômico; a segunda é que a política monetária é conduzida somente para o controle do nível de preços (inflação). Essas duas implicações exigem que a política fiscal seja rígida e contracionista. Cabe ainda acrescentar uma outra abordagem à rigidez de preços: uma mudança na taxa de juros implica no aumento do custo para as firmas, o qual resulta na queda no nível de emprego. Mudança na taxa de juros tem um impacto na demanda agregada, nível de investimento e consumo. O aumento da taxa de juros eleva o custo da dívida pública, de títulos públicos atrelados à taxa de juros, e isso exige da política fiscal elevação dos tributos, para suprir o custo da dívida pública. Os autores apontam que a política fiscal não deveria ser utilizada como um instrumento de política de estabilização, os efeitos que a política fiscal detém sobre o nível de produção, emprego, consumo e investimento na economia a longo prazo são relevantes e perspicazes. A política é um instrumento eficiente para a estabilização econômica, os gastos têm de ser conduzidos para o aumento do nível do investimento, e não ao contrário. A sustentabilidade do déficit público depende do nível da taxa de juros. A condução da política monetária, via instrumental taxa de juros, exige regras para manter um déficit público equilibrado, porém, os efeitos da taxa de juros sobre o déficit público (dívida pública) são relevantes. Uma das críticas é que a política monetária preocupa- se somente com a estabilização de preços, e não propriamente com a estabilização econômica, e o papel da política fiscal, diante desse cenário, é altamente contracionista. Sawyer (2009) descreve o efeito da política monetária, via instrumental taxa de juros, sobre o regime de metas para a inflação, sob o aspecto macroeconômico, o qual torna a política fiscal contracionista. O autor argumenta que a política fiscal e da taxa de juros deveriam ser coordenadas, resultando em menor inflação e maior produção. 35 1.4. Conclusão O processo de ajuste fiscal contextualizado às economias desenvolvidas e subdesenvolvidas durante a década de 1980 e 1990 tornou a política fiscal rígida. A abordagem de Keynes e dos pós-keynesianos é de extrema relevância diante das evidências de seguir regras, sejam elas fiscais ou monetárias. Keynes demonstrava uma preocupação com um déficit fiscal planejado, e não fazia menção à adoção de regras, sejam elas rígidas ou flexíveis, pois as implicações são evidenciadas no contexto macroeconômico. O contraposto da manutenção de regra monetária exige, por outro lado, uma política fiscal rígida. Conforme destacou Blanchard (2008), uma das críticas desta constatação é que a natureza de uma ótima política que resulta em implicações e flutuações depende de várias respostas, e não apenas da análise de um fator, como, por exemplo, o manuseio da variável (taxa de juros), visando à estabilização de preços, já que há rigidez de preços. A taxa de juros, além de ter um impacto no nível de investimento, também incide no custo da dívida pública, títulos públicos atrelados à taxa de juros, e isso reflete, conseqüentemente, na elevação dos tributos. A manutenção da condução de seguir a regra monetária resulta em uma política fiscal rígida, com aumentos dos tributos e redução dos gastos públicos. O novo consenso econômico de seguir a regra monetária resulta na estabilização de preços, e não necessariamente na estabilização econômica, levando à descoordenação entre as políticas fiscal e econômica. 36 2. POLÍTICA FISCAL E QUADRO FISCAL: EFEITOS COLATERAIS À ECONOMIA BRASILEIRA A sustentabilidade da política fiscal no Brasil, ou seja, a geração de superávits primários justifica-se pela condução da política monetária. Por meio do mecanismo taxa de juros, tende a elevar os encargos da dívida pública. Diante da constatação do dilema composto entre a política fiscal e o quadro fiscal sobre a trajetória da dívida pública, a necessidade de rever a organização da política fiscal e monetária repercute ao endividamento público brasileiro que detém peso extremo na consolidação das despesas públicas. O cenário ortodoxo sustentado pela taxa de juros elevada (Selic)-robustos superávits primários-carga tributária excessiva inviabiliza a política fiscal condizente ao enfoque keynesiano. O papel da política fiscal se descreve pela subordinação à política monetária, constatando uma política fiscal pró-cíclica, e não meramente anticíclica. A descrição das despesas públicas, com ênfase na dívida pública brasileira, corresponde aos instrumentos atrelados a essa. No cenário macroeconômico recente a maior parte dos títulos públicos se classifica em curto prazo, conduzindo a geração de constante superávit primário atrelado a uma excessiva e ascendente carga tributária. Isto é necessário para manter o grau de segurança (credibilidade) dos títulos públicos. O capítulo está estruturado em quatro seções. A primeira salienta uma descrição da posição da dívida pública brasileira e os instrumentos da política fiscal e monetária inseridos neste contexto. A segunda mostra o perfil da indexação dos títulos públicos e o prazo das emissões dos mesmos. A terceira seção consiste na descrição do quadro fiscal, enfatizando a abrangência da Lei de Responsabilidade Fiscal. E a última seção compreende a conclusão. 2.1. Os impactos da política monetária e fiscal sobre a dívida pública O Banco Central do Brasil22 (Bacen) procura administrar a demanda com o regime de metas de inflação.23. O instrumento de condução da política monetária se caracteriza pela 22 O primeiro país a utilizar o regime de metas de inflação em prol da estabilização do nível de preços foi a Nova Zelândia, em 1990. Desde então, vários países tanto desenvolvidos como subdesenvolvidos tem adotado esse regime. Entre os desenvolvidos estão, além da Nova Zelândia (1990), Austrália (1993), Canadá (1991), Inglaterra (1992), Noruega (2001) e Suécia (1995). Os emergentes são, além do Brasil (1999), México (2001), Chile (1991), Hungria (2001), Peru (1994), Polônia (1999) e África do Sul (2002). Para mais detalhes ver Bacen, relatório de inflação dez/2006. 23 Carvalho (2007) desenvolve ensaios sobre a política monetária na economia brasileira sob o regime de metas de inflação. O resultado demonstra a presença tanto de choques internos quantos externos para a formação das 37 utilização da taxa básica de juros de curto prazo (Selic), de forma a atingir o cumprimento da meta estabelecida24. A política fiscal, diante deste cenário ortodoxo, corresponde ao controle fiscal, que se destaca pela geração constante de superávits primários, distanciando-se cada vez mais do enfoque keynesiano. A partir do Plano Real, a economia transitou por um período de flutuação econômica, devido aos acontecimentos externos. A economia no Plano Real correspondia à dominância monetária. Após 2000, a economia encontrava-se num contexto fortemente de dominância monetária, pois, em 1999, com a adoção de regime de metas de inflação, o governo começou a adotar regimes de metas fiscais com ênfase na geração de superávits primários e, no ano seguinte, aconteceu a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que corresponde à austeridade fiscal visando o equilíbrio no orçamento público25. A dominância monetária é evidenciada pela preocupação do governo em manter a estabilização de preços com o instrumental taxa de juros, restringindo a política fiscal tornando-a rígida. Devido à crise na Ásia, no fim de 1997, e na Rússia, em meados de 1998, o governo teve que alterar de maneira ascendente a taxa de juros (Gráfico 1), o que contribuiu para a trajetória crescente da dívida pública brasileira. Gráfico 1 - Taxa de juros nominal – Selic - acumulado no mês anualizada 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 % a o an o Fonte: Banco Central expectativas de inflação no Brasil, e tenta provar como esses choques afetam a formação da expectativa de metas para a inflação via taxa de juros. 24 Para saber das implicações da política monetária no uso explícito das metas de inflação sobre a economia brasileira, ver Carvalho (2005) & Modenesi (2008). 25 Cabe ressaltar que com a adoção do Plano Real à economia encontra-se movida em um contexto de dominância monetária e a política fiscal é subordinada a esta. 38 O papel da política monetária desde a década de 1990 tem demonstrado relevância quanto à macroeconomia, porém, após a adoção de metas de inflação26, a inflação deve permanecer dentro dos limites estabelecidos pela autoridade monetária. Conduzindo um cenário ultra-ortodoxo, a taxa de juros (Selic) atua como instrumento de medida no controle da inflação27, destarte a condução da política fiscal corresponde ao seguimento das metas fiscais que conduzem à geração de superávits primários. Dessa forma, a política fiscal se caracteriza pela austeridade fiscal. Arestis & Sawyer (2008) desenvolveram um estudo com modelos teóricos e empíricos à utilização das metas de inflação. Nele constata-se que o erro desta aderência consiste em considerar somente a política monetária via taxa de juros e desconsiderar o efeito sobre as outras políticas, pois política monetária tende de ser conduzida, a obter tanto resultado do lado da estabilidade de preços quanto da produção, gerando emprego e renda. E, além do mais, os autores criticam a utilização da política a curto prazo, e, não necessariamente, num horizonte de longo prazo. Desde 1999, o Brasil vem adotando metas fiscais amparado na geração de superávit primário. Nunes & Nunes (2003, p.19): “(...) é fácil constatar que antes de 1999, os resultados primários de todos os níveis de governo eram ou negativos ou gravitavam em torno de zero. Esse ano marca o início da transição. O Governo Federal decidiu adotar o regime de metas fiscais introduzindo uma exigência de superávit primário mínimo como regra na sua LDO enquanto a LRF ainda era discutida. Assim, o resultado primário do Governo Federal atingiu 2,3% do PIB, o que naquela ocasião foi um recorde”. Dando procedência ao regime de metas fiscais, a promulgação da LRF, conduziu o setor público a obter constante superávit primário. A atuação da política fiscal não coaduna com a monetária; uma está direcionada ao equilíbrio do orçamento público, e a outra se move no sentido de manter a estabilização de preços pelo instrumento de curto prazo (taxa de juros Selic). Lopreato (2006) descreve o papel da política fiscal na economia no contexto 26 Para uma análise crítica da eficácia do regime de metas de inflação dos países desenvolvidos que adotaram esse regime, ver Sicsú (2002). Porém, quanto a uma abordagem crítica da relação dos países desenvolvidos com os subdesenvolvidos que adotaram e que não adotaram este regime, consultar Arestis; De Paula & Ferrari-Filho (2009). 27 Cabe ressaltar que o uso do mecanismo taxa básica de juros (instrumento operacional) como regime de metas para a inflação torna-se inconsistente em termos de autonomia operacional do Banco Central, pois a atual estrutura de governança da política monetária encontra-se sustentada sobre diversas áreas de interesses, como, por exemplo, o sistema financeiro e o político (tanto um quanto o outro exercem forte influência sobre a fixação da taxa de juros). A respeito dos desafios de governança da política monetária e quais as soluções para tornar correta a utilização do mecanismo taxa de juros no regime de metas para a inflação, ver Oreiro & Passos (2005). 39 macroeconômico caracterizado pela teoria novo-clássica: a austeridade da política fiscal corresponde a um instrumento relevante à condução da política monetária, no entanto, enfatiza que esta predominância de política fiscal rígida caminha no sentido oposto da visão Keynesiana. Segundo Blanchard (2004), o aumento da taxa de juros contribui para a elevação da relação dívida/PIB e até mesmo com o risco de defaut da dívida. O autor salienta que o aumento da taxa de juros tem efeito contraditório, explicitamente quanto ao endividamento público. Em tese, quando o Bacen eleva a taxa de juros, os títulos públicos atrelados à Selic tornam-se atrativos, elevando o risco de default da dívida pública. Na medida em que se eleva o risco, coerentemente os títulos da dívida se tornam menos atrativos, conduzindo à depreciação da moeda nacional e propiciando o dinamismo inflacionário. Segundo o autor, esse processo se demonstra mais veloz na medida em que eleva o estoque inicial da dívida. Em outras palavras, quanto mais elevado for o estoque da dívida, maior será o risco de default da dívida pública. Desde os anos 1990, a economia brasileira encontra-se sob um arcabouço macroeconômico dominado pela preocupação em conter o processo inflacionário. Nesse sentido, a coordenação da política monetária e fiscal coaduna em prol da estabilização de preços, e o papel da política fiscal, nesse cenário, consiste na disciplina fiscal de longo prazo. Segundo Caetano (2007, p.53): “Para alcançar esta disciplina fiscal e, portanto, não atrapalhar a eficiência da política monetária, o governo tem perseguido um superávit fiscal, que gere credibilidade sobre a manutenção da relação dívida pública/PIB, a até mesmo perspectiva de tendência declinante a longo prazo”. A condução da política monetária sob a variável taxa de juros tem contribuído de forma ascendente com o nível do endividamento público, restringindo o intrínseco papel da política fiscal, evidenciando uma política fiscal pró-cíclica e, não necessariamente, anticíclica28. Caetano (2007) desenvolve ensaios sobre a política monetária e fiscal dentro do arcabouço do regime de metas para a inflação, procurando evidenciar um resultado que conduz à integração de ambas as políticas. 28 Sicsú (2003) procura descrever numa visão pós-keynesiana que a utilização da taxa de juros via controle inflacionário “atacaria os sintomas da inflação e não as suas causas”, pois o erro de percepção é justamente tentar combater o processo inflacionário via uma política e, não necessariamente, a coordenação entre as políticas monetárias, fiscais e cambiais, entre outras. O autor vai além dessas quando enfatiza que o controle permanente de combate à inflação consiste em reformas no sistema econômico, seja estrutural, institucional e utilização de vários instrumentos coordenados entre si. 40 Moreira, Almeida & Souza (2006) testam um modelo para a economia brasileira no período de 1999-2004 e constatam a falta de conexão entre as políticas monetária e fiscal. A passividade da política fiscal conduz a política monetária a não se preocupar com a dívida pública, ou seja, a política monetária atua de forma independente, e isso tende a gerar efeitos contraditórios na economia, pois a falta de coordenação entre as políticas propicia um cenário de instabilidade – a política fiscal deveria ser ativa, e não meramente passiva. No modelo adotado na economia brasileira, a desconexão entre a política monetária e fiscal tem demonstrado um papel relevante quanto ao nível do endividamento público, e o mecanismo taxa de juros contribui demasiadamente com esse processo. Apesar da rigidez da política fiscal quanto à geração de superávits primários, ainda assim a economia apresenta déficit nominal. Conforme o gráfico abaixo, a relação de necessidade de financiamento do setor público, embora tenha mostrado evolução positiva quando se faz uma análise do ano de 1994 em comparação ao de 2008, encontra-se ainda em déficit nominal. Gráfico 2 - Relação de necessidade de financiamento do setor público* -30 -20 -10 0 10 20 30 40 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 % d o PI B Déficit(-) ou superávit(+) operacional Déficit(-) ou superávit(+) nominal Déficit(-) ou superávit(+) primário Juros nominais Juros reais * Com desvalorização cambial sobre estoque da dívida mobiliária interna. O valor em (%) do PIB. Fonte: Ipeadata A utilização da taxa de juros para o cumprimento da meta estabelecida possui efeitos perversos quanto à relação dívida pública/PIB (Gráfico 3). A trajetória da dívida pública é evidenciada pela condução das políticas monetária, fiscal e cambial. Os instrumentos adotados por essas políticas correspondem de maneira ascendente ao endividamento público. Grande parte dos títulos públicos é indexada à taxa de juros (Selic), e, com isso, a necessidade de autoridade monetária no manejo da variável taxa de juros com o advento de cumprir a meta da inflação sobrecarrega a relação dívida pública/PIB. Não obstante a dívida eleva, mas 41 também aumentam as despesas financeiras da dívida já adquirida e o pagamento de juros de futuras emissões de títulos. Gráfico 3 - Relação da dívida pública/PIB 0 10 20 30 40 50 60 70 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 % d o PI B Fonte: Boletim do Banco Central - Relatório Anual (vários números) A evolução da dívida pública mobiliária federal interna, nos últimos anos, tem evidenciado uma trajetória ascendente (Gráfico 4). A composição do endividamento público na economia brasileira se classifica em pós-fixados e prefixados. Os títulos indexados à taxa básica de juros (Selic) compõem parte extrema da dívida pública, e a participação de títulos prefixados tem demonstrado crescimento moderado em relação aos pós-fixados (tabela 1). Gráfico 4 - Dívida Pública Mobiliária Federal Interna-DPMFi ( R$ bilhões) 0,00 200,00 400,00 600,00 800,00 1.000,00 1.200,00 1.400,00 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Fonte: Boletim do Banco Central - Relatório Anual (vários números) e Tesouro Nacional (Plano Anual de Financiamento). 42 Segundo Pires & Andrade (2008, p.3): “Contudo, com os choques internacionais (na Ásia em 1997, na Rússia em 1998 e no Brasil no início de 1999) o esforço efetuado pelo Tesouro Nacional no sentido de ampliar a participação dos títulos prefixados recrudesceu, pois o prazo dos títulos continuou muito curto de forma que o risco de refinanciamento para o Tesouro continuava alto e a taxa de juros exigida em momentos de turbulência foi considerada muito elevada o que fazia com que o Tesouro Nacional recuasse nesse processo”. O processo de endividamento público brasileiro classifica-se em duas fases. A primeira, após a implantação do real, corresponde à contenção do processo inflacionário, câmbio fixo, bandas cambiais e títulos indexados a prefixados. A segunda fase, de 1999 a 2008, classifica-se por medidas adotadas pelo governo que contribuíram para a ascensão da dívida pública. A relevância dessa divisão corresponde ao processo de ajuste fiscal, superávit primário, o qual ocorreu nas despesas públicas, com ênfase no declínio da relação dívida pública/PIB29. 1ª Fase: 1995 a 1998 Analisando a evolução e predominância dos títulos em poder do mercado, a dívida pública mobiliária federal interna – DPMFi, é possível notar que desde 1995 houve uma elevada participação de títulos sendo indexados à taxa básica de juros (Selic) e uma baixa participação de títulos indexados a índices de preços. Houve uma drástica redução dos títulos prefixados entre 1998 e 2002, porém, após 2003, a composição da dívida pública com títulos prefixados começa a atuar gradualmente (Tabela 1). No ano de 1996, após a crise mexicana, a composição da dívida pública mobiliária federal interna se concentrava em títulos prefixados os quais abrangem cerca de 61% do total da participação por indexador. No período de 1995 a 1997, a evolução da dívida pública/PIB (Gráfico 3) se manteve praticamente estável, e após esse ano, esta relação elevou-se em patamares relevantes30. De 1997 a 1998, devido às crises asiática e da Rússia, a composição da dívida pública se inverte, correspondendo em 1998, a títulos indexados à Selic e ao câmbio, os quais abrangiam mais de 90% do total da dívida (Gráfico 5). 29 Cabe lembrar que os limites de endividamento para a dívida pública mobiliária federal interna não foram implantados, apesar de isso estar escrito no artigo 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal. 30 Conforme será verificado na –2ª Fase, após 2003 começa a declinar a relação dívida pública/PIB, no entanto, cabe ressaltar que esta relação, apesar de sofrer um “leve” declínio, ainda sim é relevante aos encargos especiais. 43 Tabela 1 - Composição da DPMFi - Títulos públicos em poder do mercado em R$ de bilhões ( % do montante) por indexador Prefixados Índices de preço Selic Câmbio Tr e outros 1995 42,7% 5,3% 37,8% 5,3% 8,9% 1996 61,0% 1,8% 18,6% 9,4% 9,2% 1997 40,9% 0,3% 34,8% 15,4% 8,6% 1998 3,5% 0,4% 69,1% 21,0% 6,0% 1999 9,2% 2,4% 61,1% 24,2% 3,1% 2000 14,8% 6,0% 52,2% 22,3% 4,7% 2001 7,8% 7,0% 52,8% 28,6% 3,8% 2002 2,2% 12,5% 60,8% 22,4% 2,1% 2003 12,5% 13,6% 61,4% 10,8% 1,7% 2004 20,1% 14,9% 57,1% 5,2% 2,7% 2005 27,9% 15,5% 51,8% 2,7% 2,1% 2006 36,1% 22,5% 37,8% 1,3% 2,3% 2007 37,3% 26,3% 33,4% 0,9% 2,1% 2008 32,2% 29,3% 35,8% 1,1% 1,6% Fonte: Boletim do Banco Central - Relatório Anual (vários números) e Tesouro Nacional O governo teve de elevar a taxa de juros (Selic) com a premissa de se proteger contra os efeitos das crises, pois os investidores que detinham títulos públicos, preocupados com a repercussão da crise sobre a economia brasileira, começaram a se desfazer dos títulos. Tal situação provocou perdas de reservas, e, assim, não restava outra opção ao governo senão elevar a taxa básica de juros. Com o câmbio fixo31, a condução da política monetária consistia em fortes impactos sobre a taxa de juros. Devido às flutuações do fluxo internacional de capitais, a variável taxa básica de juros regia como um mecanismo que se constituía na manutenção do câmbio fixo. Os títulos indexados ao câmbio e à Selic em momentos de crise tenderiam à elevação da dívida pública/PIB. Bresser-Pereira (2003) procura descrever a “armadilha do juro e câmbio”, uma vez que quando o Bacen decide baixar a taxa de juros o câmbio se eleva. Com o aumento da taxa de câmbio, a inflação volta a surtir sinais de sua expansão, e, novamente, a taxa de juros volta a elevar-se em contrapartida de obter uma queda na inflação. Esse processo, que o autor relata como “armadilha”, resulta no aumento da dívida pública32. 31 Cabe apontar o regime de bandas cambiais em que o Banco Central fixa uma taxa de câmbio e um intervalo de variação para cima e para baixa, assim, se a taxa de câmbio situa-se dentro deste interva