1 A TUTORIA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES A DISTÂNCIA: COMPONENTE DA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR? Francisnaine Priscila Martins de Oliveira (PPGE/FCT/UNESP) Claudia Maria de Lima (PPGE/FCT/UNESP) Eixo Temático: Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC no Processo de Ensinar e Aprender e na Formação Docente Agência Financiadora: FAPESP No presente trabalho apresentamos parte das reflexões teóricas e contextualizações realizadas no âmbito da pesquisa de doutorado que temos desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente, que tem como objetivos gerais: 1.Identificar e caracterizar os modelos de tutoria dos cursos de Pedagogia das IES públicas parceiras da UAB; 2. Investigar e analisar como e em que condições, nesses modelos, o tutor virtual constitui sua profissionalidade. Discutir acerca do sistema de acompanhamento e apoio ao processo de ensino e aprendizagem na educação a distância em nível superior nos remete à tutoria e ao trabalho do tutor e, consequentemente, ao trabalho docente nesse nível de ensino. Para tanto, a discussão realizada neste texto se constitui a partir dos seguintes aspectos: 1)A educação a distância como uma das estratégias de expansão do ensino superior; 2)A centralidade da formação de professores nas políticas de educação a distância, especialmente a partir da criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB); 3) A tutoria como elemento constitutivo fundamental da educação a distância e o tutor como um novo agente que passa a compartilhar da docência na educação a distância; 4)O trabalho docente na educação a distância, suas condições e precarizações, com destaque para o trabalho do tutor virtual. Finalizamos o presente texto apontando para urgência de que sejam repensadas e revistas as condições de trabalho, de remuneração e de vínculo institucional dos profissionais que se envolvem com a educação a distância, especialmente o tutor virtual que assume responsabilidades docentes pela formação dos alunos, futuros professores. Revisões essas que precisam ser feitas tanto política quanto institucionalmente. 6904 2 INTRODUÇÃO As experiências de formação de professores em nível superior a distância, legalmente amparadas pelo art. 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), ganharam novas proporções quando em dezembro 2005, o Decreto n. 5.622, equiparou a educação a distância ao ensino presencial estabelecendo que os programas e cursos a distância devem ser projetados com a mesma duração dos presenciais bem como os diplomas e certificados possuírem a mesma validade (BRASIL, 2005). O Plano Nacional de Educação (Lei n.10.172/2001) já apontava para a importância da educação a distância como estratégia de expansão do ensino superior, especialmente para a formação de professores. Amparadas nessas legislações, as experiências de educação a distância vem crescendo continuamente nos últimos anos. Uma breve análise dos dados do Censo da Educação Superior de 2009 nos permite compreender a abrangência da educação a distância no processo de expansão do ensino superior. Segundo dados do referido Censo, os cursos de graduação tiveram um crescimento de 13% em relação ao ano de 2008. Em relação aos cursos de educação a distância, aumentaram 30,4%, enquanto os presenciais apenas 12,5%. O número de matrículas na educação a distância, em 2009, atingiu 14,1% do total de matrículas na graduação. As licenciaturas respondem por 50% dos cursos na modalidade de educação a distância em 2009. Para o curso de Pedagogia, foram realizadas em 2009 um total de 573.898 matrículas, sendo 286.771 dessas matrículas na modalidade de educação a distância, equivalendo a 49,6% do total. Esses números colocam o curso de Pedagogia na primeira posição na oferta de educação a distância no país, correspondendo a 34,2% das matrículas de graduação nessa modalidade no ano de 2009. Esse aumento expressivo da licenciatura na educação a distância é resultante do crescimento da oferta de vagas nas IES privadas, mas também do envolvimento das IES públicas com a oferta dessa modalidade, que ganha maior expressividade quando em 2006, o Decreto n.5.800 institui o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), com a finalidade de sistematizar a oferta de educação a distância no país, congregando esforços e experiências das diversas instituições de ensino superior do país, sobretudo, públicas. A 6905 3 formação inicial e continuada de professores da educação básica assume um lugar central na política da UAB, contribuindo para o aumento de oferta de licenciatura na educação a distância por parte das IES públicas. Das inúmeras experiências de formação a distância que vinham ocorrendo até então no país, quer seja por meio de iniciativas do governo federal ou mesmo de estados e municípios, a criação da UAB trouxe novos elementos para a discussão, pois representa uma iniciativa federal de sistematização da oferta de educação a distância que abrange todo o território nacional e que atribui às IES públicas a responsabilidade por tal oferta. Atualmente a UAB mantém parceria com 92 instituições de ensino superior, que oferecem 978 cursos (bacharelado, licenciatura, tecnólogo, especialização, aperfeiçoamento, extensão, formação pedagógica, mestrado) em 588 pólos de apoio presencia1 em todo território nacional. Do total de cursos 746 (76,2%) são voltados à formação de professores. Entre os 396 cursos de graduação (bacharelado, licenciatura, tecnólogo) oferecidos, 303 (76,5%) são de licenciatura. Esses números indicam a importância que a formação de professores na política de educação a distância. O Decreto n. 6.755 de 29 de janeiro de 2009 estabelece a Política Nacional de Formação de Professores, acompanhada pelo Plano Nacional de Formação de Professores instituído pela Portaria Normativa no 9, do MEC, em 30 de junho de 2009. No referido plano, a educação a distância e a UAB são apontadas como uma das estratégias para se cumprir a meta de formação de professores, sendo essa modalidade responsável pela oferta de 46% da demanda de formação (COSTA e PIMENTEL, 2009). Em se tratando da educação a distância como possibilidade de formação, um dos aspectos que carecem de discussão sistemática e aprofundada refere-se aos novos profissionais que passam a assumir responsabilidades docentes pela formação no ensino superior. O destaque nessa discussão figura em torno do tutor. O trabalho docente no ensino superior a distância não pode prescindir, portanto, da problematização e compreensão do trabalho desse novo agente da formação. Mas, falar do trabalho do tutor como um novo agente da formação, implica também problematizarmos o trabalho docente no ensino superior. 6906 4 TUTORIA E TRABALHO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR A DISTÂNCIA Pesquisas e estudos recentes que abordam o trabalho docente no ensino superior apontam (e denunciam) alguns aspectos que precisam ser problematizados: a intensificação/sobrecarga, a exploração e a desvalorização do trabalho docente (PIMENTA E ANASTASIOU, 2003; BOSI, 2007; FERREIRA, 2010; MARIN e BIANCHINI, 2010). Ao problematizar os principais aspectos de precarização do trabalho docente no ensino superior, Bosi (2007) aponta não apenas a flexibilização dos direitos trabalhistas e dos contratos de trabalho, mas enfatiza as mudanças ocorridas na rotina de trabalho docente em virtude da constituição de novos regimes de trabalho e de novas formas institucionais. O Resumo Técnico do Censo da Educação Superior de 2009 aponta que 36,3% dos docentes do ensino superior trabalham em regime “horista”, representando um universo de 6,8% nas IES públicas e de 53% nas IES privadas. Com a educação a distância, a discussão acerca do trabalho docente no ensino superior é acrescida de novos elementos, pois outros profissionais passam a assumir responsabilidades docentes pela formação: o tutor. A legislação mais recente que regulamenta a educação a distância, o Decreto n. 5.622 de 2005, em seu artigo primeiro aponta como uma das características fundamentais dessa modalidade o fato de estudantes e professores desenvolverem atividades em lugares e tempos diversos (BRASIL, 2005). O que demanda a necessidade de um sistema de apoio e acompanhamento do aluno em formação – o sistema ou modelo de tutoria. Os Referencias de Qualidade para a Educação Superior a Distância, elaborados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC, em 2007, apontam que o sistema de tutoria é componente fundamental para favorecer a interação no processo educacional a distância e oferecer apoio ao estudante. O projeto político pedagógico do curso deve, portanto, apresentar claramente como será desenvolvido o processo de tutoria e explicitar a concepção de tutor que orienta a proposta formativa. O elemento-chave do sistema de tutoria é, portanto, o tutor, e seu papel no processo da educação a distância passa a se constituir como objeto de 6907 5 análise de inúmeros estudos e pesquisas (MILL, 2006; ZIEDE, 2008; FERREIRA, 2009; SEGEREINCH, 2009; BRUNO e LEMGRUBER, 2009). De acordo com os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, o tutor deve ser compreendido como “um dos sujeitos que participa ativamente da prática pedagógica. Suas atividades desenvolvidas a distância e/ou presencialmente devem contribuir para o desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem” (BRASIL, 2007, p.21). Pesquisas apontam que o tutor a distância ou tutor virtual tem sido o profissional que, via de regra, vem compartilhando da docência na educação a distância, assumindo responsabilidades docentes pela formação dos alunos (MILL, 2006; FERREIRA, 2009; BRUNO e LEMGRUBER, 2009; OLIVEIRA, 2010). Ao tutor presencial cabe prestar atendimento aos alunos presencialmente nos pólos de apoio presencial. A figura do tutor como componente fundamental do modelo de tutoria é constituída num contexto de desdobramento da função docente. Belloni (2003) argumenta que do ponto de vista organizacional as funções docentes na educação a distância podem ser divididas em três grupos: o primeiro é responsável pela concepção e realização do cursos e materiais; o segundo assegura o planejamento e organização da distribuição de materiais e da administração acadêmica (matricula, avaliação); o terceiro responsabiliza-se pelo acompanhamento do estudante durante o processo de aprendizagem (tutoria, aconselhamento e avaliação) (p.84). Esse desdobramento da docência na educação a distância, caracterizada pelo envolvimento de vários profissionais no desenvolvimento de uma proposta formativa é chamado por Mill (2006) de polidocência. Se por um lado a polidocência pode ter uma característica promissora de trabalho coletivo e articulado, por outro lado, não se pode desconsiderar os riscos de compartilhar a docência em várias funções, a exemplo de o professor ter a tarefa de preparar a disciplina, elaborar os conteúdos e estratégias de ensino, e o tutor - geralmente o tutor virtual - ser o responsável pelo acompanhamento do aluno e pela mediação pedagógica durante o processo de formação. Ribeiro, Oliveira e Mill (2009), mesmo defendendo a potencialidade da polidocência em relação ao trabalho coletivo, advertem para o fato de que os profissionais envolvidos nos processos de formação a distância desfrutam de prerrogativas diferentes na medida em que há um processo de hierarquização 6908 6 das funções que “tem como consequência, por exemplo, a desvalorização do fazer do tutor frente ao papel desempenhado pelo professor que pensa a disciplina” (p.247). Esses mesmos autores apontam para a importância de que seja superada a dicotomia taylorista entre aqueles que fazem e os que executam, afirmando que se essa dicotomia permanecer “talvez esteja surgindo uma sub-profissão ou uma profissão adjacente – talvez subordinada – à profissão docente” (p. 256). Ferreira (2010) reforça a perversidade presente na divisão entre quem decide e quem executa as atividades docentes, acabando por contribuir com o processo de desprofissionalização dos professores e de descaracterização do trabalho docente.. Segundo a autora é fundamental que os que atuam como professores tenham pleno controle do processo de plano de ação para o ensino a fim de que tal processo não se transforme “em uma divisão burocrática do trabalho docente” (FERREIRA, 2010, p. 90). Para Oliveira (2004) a perda do controle do professor do seu processo trabalho – a proletarização - contrapõe-se à profissionalização como condição de preservação e de garantia de um estatuto profissional. A autora frisa que a profissionalização se constitui de uma saída defensiva dos trabalhadores aos processos de perda da autonomia no seu trabalho e de desqualificação. Para ela “o trabalhador que perde o controle sobre os processos de trabalho perde a noção de integridade do processo, passando a executar apenas uma parte, alienando-se da concepção” (OLIVEIRA, 2004, p.1134). Pesquisas e trabalhos já mencionados denunciam as dificuldades que vem caracterizando o trabalho do tutor na educação a distância. Fragmentações, perda do controle sobre o processo de trabalho e dicotomias que criam condições de precarização do trabalho do tutor e daqueles que assumem responsabilidades docentes pela formação. As dificuldades do trabalho do tutor se remetem também a outros aspectos como: as condições de trabalho, o vínculo institucional, os regimes de trabalho, a carga horária e as formas de remuneração. Na política da (UAB), os profissionais envolvidos com os cursos a distância oferecidos pelas instituições de ensino superior (IES) parceiras são incluídos na categoria de bolsistas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Lapa e Pretto (2010) observam que por meio da UAB a 6909 7 educação a distância tem sido implantada no sistema público de educação superior sem que haja um processo de institucionalização em termos de trabalho docente nessa modalidade. Com tem sido é criada nas IES públicas uma nova figura docente: o professor-bolsista, que irá acumular suas atividades presenciais ao trabalho na educação a distância e a complementação salarial que receberá por meio da bolsa será associada às atividades de extensão que realiza e não às atividades de ensino (LAPA e PRETTO, 2010). Todo o trabalho docente que realizar na educação a distância irá sobrepor-se ao trabalho na modalidade presencial registrado nos respectivos departamentos em que já atuam. Pimentel (2006) observa que a maneira dicotomizada como a educação a distância vem comparecendo nas políticas internas das IES favorece a sobreposição de propostas de formação, criando “verdadeiras universidades paralelas dentro das universidades, em muitos casos com um número de alunos maior que os cursos presenciais. A EAD cresce na maioria das IFES na “paralela” ou “à margem” da academia” (p.55). De acordo com Lapa e Pretto (2010), o aumento crescente do número de alunos de graduação nas IES parceiras da UAB tem se dado “de um lado, com mais uma sobrecarga do trabalho dos docentes e, de outro, com a entrada em cena de outro profissional, o tutor, contratado em regime precário para desempenhar o papel de professor” (p.90-91). É, portanto, em meio a um processo de reconfiguração da docência no ensino superior e, via de regra, em condições de desvalorização e de precarização que o tutor vem se constituindo como um novo agente da formação. A relação entre trabalho docente no ensino superior e as novas formas de docência na educação a distância carece ainda de ser devida e sistematicamente problematizada. Contudo, não pretendemos no espaço reservado a esse texto nos aprofundarmos na discussão exaustiva sobre o trabalho docente no ensino superior na educação a distância, mas apontar a tutoria e o tutor, especialmente o tutor virtual como aspectos essenciais e conflituosos da docência compartilhada nessa modalidade de ensino. O anexo I da Resolução no26 do Conselho Diretivo do FNDE de 05 de junho de 2009 aponta as atividades gerais dos profissionais envolvidos com os cursos da UAB, destacando duas figuras principais que desenvolverão as 6910 8 atividades docentes: o professor-pesquisador e o tutor. Para fins desse texto, convém destacarmos as atividades a serem desenvolvidas pelo tutor, que não é identificado como um professor, mas a quem cabe também mediar o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos e participar nas atividades de avaliação. Entretanto, lhes são reservadas as bolsas com as somas mais baixas. Conforme a Resolução CD/FNDE nº 8 de 30 abril de 2010, o valor da bolsa destinada ao tutor é de R$765,00, enquanto ao professor pesquisador é paga quantias de R$1.100,00 ou R$1.300,00. Cavalcanti (2009) argumenta que inserir os tutores na categoria de bolsistas e estipular valores irrisórios para o pagamento do trabalho docente na educação a distância contribui para legitimar a precarização do trabalho docente nessa modalidade e aumentar a desconfiança social acerca da formação oferecida a distância. Segundo Lapa e Pretto (2010) as resoluções concernentes à regulamentação das atividades dos profissionais envolvidos com a educação a distância na UAB e de suas respectivas remunerações, ao enquadrarem o tutor na categoria de bolsista não lhe dá o direito sequer “à declaração de trabalho mencionando a função “professor”, evitando com isso a consolidação de vínculos empregatícios e a sua inserção na categoria simbólica de profissionais da educação (p.91). Complementando esse conjunto complexo de aspectos que cercam a tutoria e o trabalho do tutor, temos a questão da carga horária de trabalho do tutor e as sobrecargas a que muitas vezes se vêem submetidos. Não só os professores das IES envolvidos com a educação a distância tem sua carga horária de trabalho docente multiplicada e sobrecarregada. A tutoria também parece apontar nessa direção de intensificação do trabalho do tutor. Resultados de pesquisas indicam que o tutor tem realizado as atividades de tutoria quase sempre à noite e aos finais de semana. Como a bolsa de tutoria não se constitui, para a grande maioria dos tutores, a principal fonte de renda, durante o dia esses se dedicam a outras atividades que lhe rendam melhor remuneração (RIBEIRO, OLIVEIRA e MILL, 2009; OLIVEIRA, 2010). Para Ferreira (2010) as precárias condições de trabalho a quem tem sido submetidos os docentes do ensino superior associadas à expansão desenfreada desse nível de ensino por meio da abertura do “mercado educacional”, especialmente considerando o aumento da oferta na iniciativa 6911 9 privada, tem contribuído para a banalização do trabalho docente e fazem “cair o nível de exigência para o docente do ensino superior. O ensino superior passa a ser cada vez mais um emprego e não uma carreira” (FERREIRA, 2010, p.95). Trazendo essa discussão para o âmbito da tutoria e do trabalho dos tutores, principalmente o tutor virtual, resultados de estudos e pesquisas também indicam que as precárias condições de trabalho e remuneração desses profissionais, somadas à sobrecarga de trabalho a que geralmente se submetem acabam por levá-los a encararem a tutoria como um trabalho secundário e temporário que mais se aproxima de um “bico” (MILL, 2006; RIBEIRO, OLIVEIRA e MILL, 2009; CAVALCANTI, 2009; OLIVEIRA, 2010). Recuperamos alguns questionamentos fundamentais feitos por Cavalcanti (2009, p.7) no sentido de problematizarmos o trabalho dos tutores: Como é possível desvalorizar justamente o trabalho daqueles que estarão acompanhando diretamente a formação dos futuros professores nos curso de formação a distância? Se o sucesso de uma proposta de formação a distância depende em grande medida da qualidade da tutoria como será possível motivar e envolver os tutores num trabalho articulado e bem planejado, com a devida dedicação de tempo para orientar e acompanhar os alunos, numa situação de precarização e desvalorização de seu trabalho? Um tutor desmotivado, sobrecarregado e desvalorizado profissionalmente, consequentemente não poderá ser um tutor compromissado com a qualidade da aprendizagem dos alunos. A tutoria será um “bico”, pois o tutor, para poder manter-se e ter uma vida um pouco mais digna, providenciará outras fontes de renda ocupando assim o tempo que seria dedicado à tutoria (CAVALCANTI, 2009, p.8, grifo nosso). Segenreich (2009) adverte que a maneira precarizada, informal e sem vínculos com que a tutoria vem sendo concebida em muitas das propostas de educação a distância tem contribuído para a criação de uma “subclasse docente, apesar da importância do tutor no processo ensino-aprendizagem dessa modalidade de ensino” (p. 219). A ameaça da configuração de uma subclasse docente na educação a distância é uma realidade a ser denunciada e enfrentada. Ao discutir sobre as atuais condições de trabalho docente e as reestruturações que esse vem sofrendo, Oliveira (2004) argumenta que as mudanças recentes na organização do trabalho docente são parte de um 6912 10 processo mais amplo de desregulamentação do mercado de trabalho que vem provocando transformações nas relações de trabalho e emprego e exigido novos perfis de trabalhadores. Novas formas de ocupação surgem nesse contexto de mudança nas relações de trabalho e emprego. Formas de ocupação essas que exigem trabalhadores mais flexíveis e adaptáveis às características do mercado atual, marcado pela flexibilização e desregulamentação da legislação trabalhista. Poderíamos então afirmar que a tutoria e o trabalho do tutor são expressões das reconfigurações e reestruturações do mercado de trabalho e das novas formas de docência que emergem nesse processo? Oliveira (2004) afirma ainda que podemos “considerar que assim como o trabalho em geral, também o trabalho docente tem sofrido relativa precarização nos aspectos concernentes às relações de emprego” (p.1140). A tutoria e o trabalho do tutor na educação a distância parecem compor um quadro mais amplo de reestruturação do trabalho docente no ensino superior e de precarizações sofridas nesse nível de ensino. Problematizações quanto a esses aspectos são ainda incipientes nas pesquisas sobre educação a distância, mas de uma necessidade que não pode ser adiada. Conforme propõe Bosi (2007) “as condições históricas da precarização do trabalho docente nas IES no Brasil carecem de problematização, reflexão e denúncia sistemáticas” (p.1519) a fim de que possamos desenvolver melhores instrumentos de luta para combater essa realidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A UAB vem ganhando um espaço importante no processo de expansão da educação a distância nas IES públicas, sendo os cursos de formação de professores o carro-chefe das propostas implementadas. Se a educação a distância é uma realidade, especialmente para a formação de professores em nosso país, a crítica tão necessária aos seus limites e possibilidades precisa ser devidamente realizada pelos educadores comprometidos com uma formação de professores de qualidade. É preciso que construamos os meios para que tais discussões não sejam feitas nos “porões” da universidade, mas que encontrem lugar nas problematizações realizadas nos departamentos dos cursos. 6913 11 Em dezembro de 2009, foi criada a Associação Nacional de Tutores a Distância (ANATED), que tem como um dos principais objetivos: defender, organizar, incentivar e difundir o trabalho do tutor nas comunidades científicas, acadêmicas e na sociedade. Em 21 de março do presente ano, essa associação realizou, em parceria com a UNICAMP, o I Encontro Nacional dos Tutores a Distância. Foram discutidas questões essenciais acerca da tutoria, incluindo aspectos referentes às funções e responsabilidades atribuídas aos tutores a distância, as condições de trabalho na tutoria, remuneração, vínculo institucional, entre outros. Os desafios e entraves postos à profissionalização do tutor se constituíram como o ponto nevrálgico das discussões. Sem desconsiderar a importância da iniciativa de criação dessa associação e do evento citado, é preciso apontar que a problematização sobre a tutoria precisa ser também devidamente incorporada pelas IES. Os aspectos que cercam o trabalho docente na educação a distância, a tutoria e o trabalho do tutor carecem de ser revistos política e institucionalmente, sobretudo quando as IES públicas passam a ser envolver de forma crescente com essa modalidade. REFERÊNCIAS BOSI, A. P. A precarização do trabalho docente nas instituições de ensino superior do Brasil nesses últimos 25 anos. Educ. Soc., Campinas, vol.28, n.101, p.1503-1523, set./dez., 2007. BRASIL. INEP. Censo da Educação Superior de 2009. Resumo Técnico. Brasília, DF. 2009. Disponível em Acesso em 13 mar 2011. ___Decreto no. 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível: Disponível em . Acxesso 11 fev 2011. ___Decreto no. 5.800, de junho de 2006. 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