2024 MARINA GONÇALVES DE MATTOS ABORDAGENS PARTICIPATIVAS PARA AVALIAÇÃO DE RISCOS E DESASTRES EM CARAGUATATUBA/SP, BRASIL São José dos Campos 2024 MARINA GONÇALVES DE MATTOS ABORDAGENS PARTICIPATIVAS PARA AVALIAÇÃO DE RISCOS E DESASTRES EM CARAGUATATUBA/SP, BRASIL Dissertação apresentada ao Instituto de Ciência e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de São José dos Campos; Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), como parte dos requisitos para obtenção do título de MESTRA pelo Programa de Pós-Graduação em DESASTRES NATURAIS. Área: Desastres Naturais. Linha de pesquisa: Desastres associados a eventos extremos, inundação e movimento de massa. Orientadora: Profa. Dra. Luciana de Resende Londe Co-orientadora: Profa. Dra. Tatiana Sussel Gonçalves Mendes IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA As abordagens participativas para avaliação de riscos e desastres no município de Caraguatatuba/SP representam o reconhecimento da necessidade de envolver as comunidades locais e as partes interessadas nos processos de planejamento, prevenção e redução de riscos e desastres. Usualmente, decisões sobre a gestão de riscos e desastres são feitas por especialistas e órgãos governamentais, sem considerar o conhecimento local e as necessidades das comunidades afetadas. As abordagens participativas buscam superar estas limitações e sugerir meios para integrar perspectivas e experiências ao processo de gestão de riscos e desastres. Ao integrar as comunidades na elaboração de políticas públicas, se fortalece a capacidade das comunidades de identificar e responder aos riscos, além de melhorar as informações das bases de dados. A metodologia participativa para análise de riscos e desastres tem o potencial para a promoção de cidades resilientes, ao incluir os conhecimentos e preocupações das comunidades nas estratégias de Gestão de Riscos e Desastres (GRD). POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH The participatory methodology for risk and disaster assessment in the municipality of Caraguatatuba/SP represents the acknowledge of the need for involving local communities and interested parties in the planning, prevention and reduction of risks and disaster. Experts and government agencies often make decisions without considering local knowledge and the needs of affected communities. The participatory methodology seeks to overcome these limitations and integrate perspectives and experiences. By integrating communities in the development of public policies, it strengthens the capacity of communities to identify and respond to risks and improve databases. The participatory methodology for risk and disaster analysis fosters the promotion of resilient cities, by including the knowledge and concerns of communities in Risk and Disaster Management (DRM) strategies. BANCA EXAMINADORA Dra. Luciana de Resende Londe (Orientadora) UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Ciência e Tecnologia Cemaden – Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais São José do Campos/SP Dr. Victor Marchezini UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Ciência e Tecnologia Cemaden – Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais São José do Campos/SP Dr. Allan Yu Iwama de Mello USP - Universidade de São Paulo Instituto Oceanográfico São Paulo SP São José dos Campos, 02 de maio de 2024. PREFÁCIO E AGRADECIMENTOS Esta pesquisa de metodologia participativa para análise do risco de desastre em Caraguatatuba/SP surgiu de meus questionamentos como moradora do lugar. Em 2019, como professora da rede estadual de ensino, tive a oportunidade de fazer o curso de formação “Educação para Redução de Risco e Desastre” (ERRD), na Diretoria de Ensino de Caraguatatuba/SP, quando pude conhecer e aprender sobre a Ciência dos Riscos e Desastres e me inspirar em mulheres como Débora Olivato e Raquel Trajber do Cemaden/Educação, Célia Régina Souza e outros profissionais que compuseram o curso multidisciplinar. Nesse tempo eu estudava Arquitetura e Urbanismo, e outra oportunidade que me levou à essa escolha acadêmica foi a de participar do projeto de extensão “Rios Urbanos: Rio Juqueriquerê é Preciso Preservar”, do professor Aloísio Lélis de Paula, cujo trabalho com projeto de extensão universitária correspondeu a sua tese de doutorado no Programa de Pós- Graduação em Desastres (Não)Naturais da Unesp/Cemaden. Com ele aprendi a ser uma observadora de bacia hidrográfica, e nessa lida, conseguimos organizar uma iniciação científica em Urbanismo e Riscos e Desastres. Finalizei o curso universitário com o projeto de regeneração urbana numa área de inundação, próxima ao Rio Juqueriquerê, em Caraguatatuba/SP, carregando inspirações para continuar seguindo adiante. Há 10 anos vivo na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, e essa pesquisa é uma busca por respostas e soluções, por entender as situações de riscos que vivenciamos e por refletir, coletivamente, sobre métodos para reduzir, prevenir e resistir e a riscos e desastres. A abordagem participativa, ligada à veia de pesquisadora, não é apenas um grito de socorro, é sobre acreditar no valor do conhecimento local para a Gestão e Redução de Risco e Desastre. Por isso, agradeço aos moradores participantes dos mapeamentos de indicações de riscos, que confiaram, para esse estudo, o compartilhamento de suas experiências e anseios. Às minhas orientadoras, Luciana e Tatiana, que me guiaram nessa história científica e conseguiram compreender as emoções que envolveram a integração de abordagens distintas. Agradeço aos meus professores e amigos da pós-graduação, que me incentivaram, ouviram, apoiaram e auxiliaram ao longo dos desafios do mestrado acadêmico em Riscos e Desastres. E agradeço a sinergia do universo que me conduziu a encontrar respostas. RESUMO MATTOS, Marina Gonçalves de. Abordagens participativas para avaliação de riscos e desastres em Caraguatatuba/SP, Brasil. 2024. Dissertação (Mestrado em Desastres Naturais) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Ciência e Tecnologia; Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), São José dos Campos, 2024. Os desastres são frequentes no Brasil e geram perdas humanas e materiais. A literatura científica atual sobre desastres tem apontado para a importância de atividades de prevenção, com envolvimento da população local. A discussão sobre a prevenção de desastres em nível comunitário auxilia os cientistas na validação de suas análises e dá suporte aos cidadãos para que compreendam melhor os riscos aos quais estão expostos e as atitudes de proteção que podem ser tomadas individual e coletivamente. A cartografia social tem sido frequentemente usada para a promoção de atividades participativas, com várias iniciativas no país, mas ainda há lacunas de conhecimento sobre as formas de organização local e as estratégias para responder ao risco com trabalhos em parcerias. Nesse contexto, esta pesquisa propôs analisar a percepção de risco de grupos locais na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, no município de Caraguatatuba/SP. A metodologia incluiu cartografia social, pesquisa documental, levantamento de indicadores de análise e gestão do risco por meio das matrizes FPEIR e SWOT/FOFA, e análises de indicadores de risco e vulnerabilidade. Foram realizadas três oficinas buscando diversidade entre os participantes com relação à faixa etária, gênero e locais de moradia, dentro do recorte geográfico proposto. Houve compatibilidade entre os dados produzidos nas oficinas e os dados oficiais de áreas de risco locais. Os participantes que moram próximo à Serra do Mar foram capazes de indicar riscos de deslizamento de terra, enquanto os participantes que moram próximo às praias deram ênfase aos riscos de inundação ou alagamento. Os participantes também mencionaram outros temas correlatos, como a poluição das águas e os riscos associados à pedreira local. Os dados produzidos podem servir de embasamento para melhorar os planos municipais atuais e para o desenvolvimento de novos planos, de acordo com as necessidades apontadas pela população. Palavras-chave: coprodução de conhecimento sobre riscos e desastres; planejamento urbano; inundações; deslizamentos; popularização da ciência. ABSTRACT MATTOS, Marina Gonçalves de. Participatory approaches for disaster risk assessment in Caraguatatuba/SP, Brazil. 2024. Dissertation Master's degree in Natural Disasters - São Paulo State University (Unesp), Institute of Science and Technology, National Center for Monitoring and Early Warning of Natural Disasters (Cemaden), São José dos Campos, 2024. Disasters are frequent in Brazil and cause human and material losses. Current scientific literature on disasters has pointed to the importance of prevention activities, with the involvement of local communities. The discussion about disaster prevention at the community level is important for scientists to validate their analyses and to support citizens to better understand the risks they are exposed to, acknowledging the protective attitudes that can be taken both individually and collectively. Social cartography has often been used to promote participatory activities, with several initiatives in the country, but there are still knowledge gaps about forms of local organization and strategies to respond to risk by working in partnerships. In this context, this research aimed to analyze the risk perception of local groups in the Massaguaçu River Basin, in the municipality of Caraguatatuba/SP. The methodology included social cartography, documentary research, diagnosis of risk and management indicators using the FPEIR and SWOT/FOFA matrices, analysis of risk and vulnerability indicators. Three workshops were held seeking diversity among participants in relation to age, gender and neighborhood, within the proposed geographical area. There was compatibility between the data produced in the workshops and official data for local risk areas. Participants who live close to Serra do Mar were able to point risks of landslides, while participants who live close to beaches emphasized the risks of flooding. Participants also mentioned other related topics, such as water pollution and the risks associated with the local stone quarry. The produced data can provide a basis for improving current municipal plans and developing new plans, according to the needs identified by the population. Keywords: coproduction of knowledge on risks and disasters; urban planning; floods; landslides; popularization of science. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa dos municípios do Litoral Norte do Estado de São Paulo .......................................... 35 Figura 2 - Bacias Hidrográficas do Município de Caraguatatuba/SP .................................................... 35 Figura 3 - Geomorfologia do Município de Caraguatatuba/SP ............................................................. 36 Figura 4 - Divulgação das oficinas de mapeamento participativo......................................................... 41 Figura 5 - Matriz de Avaliação FPEIR .................................................................................................. 43 Figura 6 - Matriz de Avaliação FPEIR e conteúdo programático ......................................................... 44 Figura 7 - Mapa de uso e cobertura da terra do município de Caraguatatuba/SP ................................. 54 Figura 8 - Região Norte do município de Caraguatatuba/SP ................................................................ 60 Figura 9 - Mapa de uso e cobertura da terra da bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu e canais de drenagem, Caraguatatuba/SP ................................................................................................................. 65 Figura 10 - Mapeamento participativo de indicações de riscos na Escola Estadual Benedito Miguel Carlota ................................................................................................................................................... 66 Figura 11 - Mapas produtos da cartografia social com os estudantes do Ensino Médio com indicações de áreas de inundação e/ou alagamento................................................................................................. 66 Figura 12 - Rancho dos Pescadores e Maricultores, moradores da comunidade MAPEC, estudantes e pesquisadores da Pós-Graduação em Desastres Naturais da Unesp/Cemaden ...................................... 68 Figura 13 - Mapeamento participativo de indicação de risco com a MAPEC ...................................... 69 Figura 14 - Mapas produtos da cartografia social com a MAPEC com indicação dos pontos de risco de inundação .............................................................................................................................................. 69 Figura 15 - Matriz de avaliação FOFA realizada com a MAPEC ......................................................... 71 Figura 16 - Horta Comunitária do Alto do Jetuba ................................................................................. 79 Figura 17 - Mapeamento participativo de indicações de riscos com o grupo da Horta Comunitária do Alto do Jetuba ........................................................................................................................................ 80 Figura 18 - Mapas produtos da cartografia social com o grupo da Horta Comunitária do Alto Jetuba 82 Figura 19 - Mapa de cartografia social de identificações de riscos na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu ........................................................................................................................................... 83 Figura 20 - Registros de eventos de inundação no bairro Getuba - Rodovia Rio-Santos para os anos de 2017 e 2023 ........................................................................................................................................... 85 Figura 21 - Cicatrizes de deslizamentos de terra na Praia da Cocanha nos anos de 2022 e 2023 ......... 86 Figura 22 - Orla da Praia do Massaguaçu, comprometida pelas erosões costeiras ............................... 86 Figura 23 - Canais de drenagens do Rio Capricórnio ............................................................................ 87 Figura 24 - Mapa de suscetibilidade a movimento de massa no município de Caraguatatuba/SP elaborado pela CPRM ........................................................................................................................... 89 Figura 25 - Resultado da cartografia social indicando locais de risco de movimento de massa sobreposto às áreas de alta e média suscetibilidade a movimentos de massa da carta elaborada pela CPRM .................................................................................................................................................... 90 Figura 26 - Mapa de percepção de risco de movimento de massa na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu ........................................................................................................................................... 91 Figura 27 - Mapa de suscetibilidade a inundação no município de Caraguatatuba/SP elaborado pela CPRM (2017) ........................................................................................................................................ 92 Figura 28 - Resultado da cartografia social indicando locais de risco de inundação sobrepostos às áreas de alta e média suscetibilidade a inundação conforme carta elaborada pela CPRM ............................. 93 Figura 29 - Mapa de percepção de risco de inundação na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu ...... 95 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Etapas metodológicas do mapeamento participativo .......................................................... 27 Quadro 2 - Políticas públicas para RRD em Caraguatatuba/SP ............................................................ 58 Quadro 3 - Loteamentos aprovados na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu de 1960 a 1990 .......... 61 Quadro 4 - Propostas de alterações no Plano Diretor do Município de Caraguatatuba/SP ................... 63 Quadro 5 - Zoneamento do Plano Diretor do Município de Caraguatatuba/SP .................................... 63 Quadro 6 - Indicações de riscos no mapeamento participativo pelos estudantes da E. E. Benedito Miguel Carlota ....................................................................................................................................... 67 Quadro 7 - Indicações de riscos do mapeamento participativo pelo grupo da Horta Comunitária do Alto do Jetuba ........................................................................................................................................ 80 Quadro 8 - Total de indicações de riscos nas oficinas de mapeamento participativo ........................... 84 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAI APA APAMLN APP BATER CBHLN CEAGESP CEMADEN CPRM DPSIR EIA ERRD ESEC FOFA FPEIR GGPD GPS GRD HIS Avaliação Ambiental Integrada Área de Preservação Ambiental Área de Preservação Ambiental Marinha do Litoral Norte Área de Preservação Permanente Base Territorial Estatística de Áreas de Risco Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais Driving forces/Pressure/State/Impact/Response Estudos de Impactos Ambientais Educação para Redução de Riscos e Desastres Estações Ecológicas Força/Oportunidade/Fraqueza/Ameaça Força/Pressão/Estado/Impacto/Resposta Grupo Gestor do Plano Diretor Global Positioning System Gestão de Risco e Desastre Habitação de Interesse Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDHM INMET INPE IPT IPVS MAPEC ODS ONU OSM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Instituto Nacional de Meteorologia Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Instituto de Pesquisas Tecnológicas Índice Paulista de Vulnerabilidade Social Associação dos Pescadores e Maricultores da Praia da Cocanha Objetivo de Desenvolvimento Sustentável Organização das Nações Unidas Open Street Map PDN PEMC PESM PETROBRAS PIB PMRR PNA PNMC PNPDC PPDC QGIS RIMA RPPN RRD S2ID SABESP SIG SIRGAS SNIS SNUC SWOT TBC TEBAR TI UC UGRHI/LN-3 UNESP UTGCA UTM ZAR ZEE ZEEC Programa Estadual de Prevenção de Desastres Naturais e de Redução de Riscos Geológicos Plano Estadual de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo Parque Estadual da Serra do Mar Petróleo Brasileiro S. A. Produto Interno Bruto Plano Municipal de Redução de Risco Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima Plano Nacional sobre Mudança do Clima Política Nacional de Proteção e Defesa Civil Plano Preventivo de Defesa Civil Quantum Geographic Information System Relatório de Impacto Ambiental Reservas Particulares do Patrimônio Natural Redução de Risco e Desastre Sistema Integrado de Informações sobre Desastres Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo Sistema de Informação Geográfica Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza Strength/Weakness/Opportunity/Threat Turismo de Base Comunitária Terminal Aquaviário Almirante Barroso Terras Indígenas Unidade de Conservação Unidade de Gerenciamento de Recurso Hídrico do Litoral Norte 3 Universidade Estadual Paulista Unidade de Tratamento de Gás de Caraguatatuba Universal Transversa de Mercator Zona de Área de Risco Zoneamento Econômico Ecológico Zoneamento Econômico Ecológico Costeiro ZEIS ZER ZEU Zona Econômica de Interesse Social Zona Estritamente Residencial Zona de Expansão Urbana SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 15 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 18 2.1 Gestão de Risco e Desastre (GRD) e principais conceitos ..................................... 18 2.2 Desastres no Brasil e na região de estudo ............................................................... 21 2.3 Pesquisas em percepção de risco e ferramentas participativas ............................. 23 2.4 Mapeamento participativo ....................................................................................... 26 3 PROPOSTA DE PESQUISA....................................................................................... 33 3.1 Justificativa ................................................................................................................ 33 3.2 Objetivos .................................................................................................................... 33 4 MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................ 34 4.1 Área de estudo ........................................................................................................... 34 4.2 Dados e softwares ....................................................................................................... 38 4.3 Mapeamento Participativo: cartografia social ....................................................... 39 4.4 Indicadores de Risco e Vulnerabilidade .................................................................. 42 4.4.1 FPEIR ...................................................................................................................... 42 4.4.2 FOFA/SWOT .......................................................................................................... 46 5 RESULTADOS ............................................................................................................. 47 5.1 Pesquisa documental sobre a área de estudo .......................................................... 47 5.1.1 Litoral Norte do Estado de São Paulo .................................................................. 47 5.1.2 Caraguatatuba/SP .................................................................................................. 50 5.1.3 Bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu ................................................................ 59 5.1.4 Rio Capricórnio e Rio Massaguaçu/Bacuí ........................................................... 64 5.2 Mapeamento participativo na Escola Estadual Benedito Miguel Carlota ........... 65 5.3 Mapeamento participativo na Associação dos Pescadores e Maricultores da Praia da Cocanha (MAPEC) .......................................................................................... 67 5.3.1 Matriz FOFA: Forças ............................................................................................ 70 5.3.2 Matriz FOFA: Fraquezas ...................................................................................... 71 5.3.3 Matriz FOFA: Oportunidades .............................................................................. 75 5.3.4 Matriz FOFA: Ameaças ......................................................................................... 76 5.4 Mapeamento participativo na Horta Comunitária do Alto do Jetuba ................. 79 5.5 Mapeamento participativo: panorama geral .......................................................... 82 5.5.1 Inundação ................................................................................................................ 84 5.5.2 Movimento de massa .............................................................................................. 85 5.5.3 Erosão costeira ........................................................................................................ 86 5.5.4 Falta de sinalização de pedestres .......................................................................... 87 5.5.5 Qualidade da água .................................................................................................. 87 5.5.6 Desmatamento ........................................................................................................ 88 5.5.7 Queimada ................................................................................................................ 88 5.5.8 Impactos da pedreira ............................................................................................. 88 5.6 Análise comparativa do mapeamento participativo com o mapeamento de suscetibilidade a movimento de massa .......................................................................... 88 5.7 Análise comparativa do mapeamento participativo com o mapeamento de suscetibilidade a inundação ............................................................................................ 92 6 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 95 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 97 APÊNDICE .................................................................................................................... 106 ANEXO .......................................................................................................................... 119 15 1 INTRODUÇÃO Os desastres são frequentes no Brasil e geram perdas humanas e materiais. Para mitigar alguns impactos dos desastres, são necessários trabalhos de prevenção direcionados à população em geral, políticas públicas integradas e sistemas de alerta eficazes e atuantes. Na literatura científica se reconhecem quatro eixos para o bom funcionamento de sistemas de monitoramento e alerta de desastres: (1) conhecimento dos riscos, (2) monitoramento e alerta, (3) educação e comunicação e (4) capacidade de resposta (BASHER, 2006; MARCHEZINI et al., 2017; UNDRR, 2017). As iniciativas para promoção do conhecimento dos riscos pela população têm ganhado destaque na Ciência de Riscos e Desastres, como estudos e registros do conhecimento local e tradicional no enfrentamento dos desastres (WISNER et al., 2004). Os sistemas de alerta devem ser planejados, implementados e operados com o objetivo de empoderar as pessoas que mais precisam deles (VILLAGRÁN DE LEÓN, 2012). O empoderamento da população engloba o acesso a informações adequadas sobre os riscos de desastres e a capacidade de planejar formas de minimizar as perdas, caso ocorra um desastre. A capacidade de resposta para o enfrentamento do risco ultrapassa as capacidades físicas e cognitivas de cada pessoa, relaciona-se às condições socioambientais que a cercam, e pode se acumular progressivamente, intensificar-se e transformar-se diante de crises socioambientais. Este processo não é homogêneo e atinge classes sociais de modo distinto (MARCHEZINI, 2015). As atividades de produção de conhecimento com os moradores das áreas de risco e o estudo com metodologias participativas, como a cartografia social, por exemplo, tem sido usado como ferramenta necessária na Gestão de Riscos e Desastres (GRD), capaz de integrar os valores das partes envolvidas junto à população, aos órgãos públicos responsáveis e aos especialistas. A GRD tem o desafio de adaptar e integrar novas tecnologias e engajar comunidades a participarem e dialogarem com os governos nos processos de planejamento público. Requer estratégias complexas para integrar métodos computacionais, matemáticos, ambientais, urbanos, históricos e culturais na prática de políticas públicas. A multidisciplinaridade que envolve o conhecimento do risco exige abordagens inovadoras de coletas de dados para alcançar o aprimoramento da percepção do risco da comunidade e refletir sobre as ações e os impactos no território (UNDRR, 2022). O Marco de Ação de Hyogo: Construindo a Resiliência das Nações e Comunidades Frente aos Desastres (2005-2015) representa o documento internacional que guia estratégias de 16 RRD, realizado durante a Conferência Mundial sobre a Redução de Riscos e Desastres, e mais adiante reestruturado no Marco de Sendai para Redução de Riscos e Desastres (2015-2030). Estes Marcos apontam para a urgência de abordagens e medidas que se amparem no planejamento sustentável, por meio de métodos que integrem políticas públicas, planos, programas e distribuição dos orçamentos governamentais. Em 2005, o Marco de Ação de Hyogo registrou progressos na mitigação dos riscos e desastres nos níveis local, nacional, regional e global, levando à diminuição da mortalidade e de alguns perigos (evento físico, fenômeno ou atividade humana que podem causar mortes, ferimentos, danos, ruptura social, econômica ou ambiental, de origem natural ou humana) (UNISDR, 2005; UNISDR, 2015). Ao elencar os fatores de risco, pobreza e desigualdade, mudanças climáticas, urbanização não planejada, má gestão do solo, demografia, políticas ineficazes, falta de regulamentação e incentivos na redução dos riscos, tecnologia limitada, usos insustentáveis, entre outros, os países participantes do Marco de Sendai responsabilizaram-se por garantir mais práticas multissetoriais, que sejam inclusivas e eficazes, abordagens tanto de fácil acesso como científicas, que prescrevam a complexidade de relações entre governo democrático, pesquisa científica e cooperação das autoridades. Planos de ação que deveriam ser prioridade nos países menos desenvolvidos. As práticas multissetoriais são consideradas como estratégias que envolvem monitoramento, avaliação e compreensão dos riscos e desastres, na finalidade de compartilhar informações para melhoria de sistema de alerta de desastres, contribuindo para plataformas globais de registros e consultas de dados e para elaboração de planos e metas de mitigar os riscos e desastres (UNISDR, 2005; UNISDR, 2015). Considerando que é preciso promover abordagens participativas para o funcionamento da GRD, esta pesquisa usou estratégias de cartografia social e outras dinâmicas de grupo para analisar a percepção de riscos dos moradores de Caraguatatuba/SP. A delimitação da área de estudo, a bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, localizada da Região Norte do município, é uma área em que as medidas estruturais (obras de drenagem e de contenção, implantação de ciclovias e vias de pedestres) têm sido insuficientes para mitigação dos riscos, sendo mais uma problemática de alta manutenção do que uma estrutura protetiva. Com o desenvolvimento do estudo foi possível estabelecer um diagnóstico sobre os riscos locais e comparar as atividades de mapeamento participativo, realizadas em campo, com as cartas de suscetibilidade à inundação e movimentos de massa produzidas por órgãos oficiais. A análise da percepção de riscos dos moradores locais, por meio de metodologias participativas, pode auxiliar estratégias na GRD e na atualização de políticas públicas, em 17 projetos de Educação para Redução de Risco e Desastres (ERRD) e também no empoderamento da população para o enfrentamento de riscos e desastres. 18 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Gestão de Risco e Desastre (GRD) e principais conceitos Desastres são “uma séria disfunção do funcionamento de uma comunidade ou de uma sociedade em qualquer escala, devido à interação de perigos/ameaças com condições de exposição, vulnerabilidade e capacidade, levando a um ou mais dos seguintes impactos ou perdas: humanos, materiais, econômicos e ambientais” (UNDRR, 2017). A Gestão de Riscos e Desastres (GRD) deve ser considerada no dinamismo social, sendo um processo permanente e constante, que integra políticas públicas na redução e prevenção de riscos, na finalidade de lidar com as vulnerabilidades e ameaças que se manifestam na sociedade (SULAIMAN, 2018 apud COUTINHO et al., 2021). A GRD opera meios para elaborar políticas públicas e instrumentos legais, propor medidas estruturais e não-estruturais e planejar e preparar ações de mitigação de risco e de reconstrução após os desastres (SULAIMAN et al., 2021). Um dos principais obstáculos enfrentados pela gestão de riscos está na necessidade de aprimorar a comunicação entre os setores envolvidos, a fim de estabelecer respostas que tragam mais segurança à sociedade. Para elaborar um programa de Gestão de Riscos e Desastres, deve ser estabelecida uma equipe multissetorial, considerando desde o monitoramento das condições climáticas ao acompanhamento das políticas e demandas públicas. Em 1997, com relação à vulnerabilidade da população do litoral paulista, teve início o Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC), específico para escorregamentos nas encostas da Serra do Mar (Decreto Estadual nº 30.860 de 04/12/1989, redefinido pelo Decreto nº42.565 de 01/12/1997). O PPDC opera com a participação do Instituto Geológico, da Defesa Civil Estadual e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e desenvolve ações de monitoramento dos índices pluviométricos e da previsão meteorológica, vistorias de campo e atendimentos emergenciais paulistas. Em 2003, o governo federal iniciou um programa de RRD, associado aos riscos de inundação e deslizamento, a fim de orientar os municípios a construírem o Plano Municipal de Redução de Riscos e Desastres (PMRRD). Em 2011 foi criado o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), para monitoramento e alertas de desastres em nível nacional. Este estudo teve foco em riscos associados a movimentos de massa e inundação, frequentes no município de Caraguatatuba/SP. Nos próximos parágrafos estão descritos os 19 conceitos de risco, movimento de massa e inundação, além de conceitos associados. Marchezini et al. (2017a) definem o risco como termo que engloba quatro conceitos gerais: (1) exposição a uma ameaça, (2) sensibilidade a danos ou perdas, (3) grau de proteção pessoal ou social e (4) capacidade para lidar ou se adaptar ao impacto da ameaça. A compreensão do risco de desastres envolve a compreensão da necessidade de políticas públicas e planejamento urbano, acesso aos bens naturais e aos serviços de infraestrutura, a comunicação e os veículos de informações, a exposição ao risco e a capacidade de proteção e prevenção. O risco é uma construção social, por reunir fatores ambientais, sociais, econômicos, culturais e individuais. As pessoas não estão expostas aos riscos de forma equivalente, o que evidencia a desigualdade de acesso aos recursos naturais e aos serviços básicos (WISNER et al., 2012). Os riscos de movimento de massa estão relacionados à movimentação de solos e rochas sob o efeito da gravidade, e podem ocorrer devido à combinação de fatores climáticos, como chuvas intensas em lugares de maciços montanhosos, e fatores antrópicos, como cortes em talude, aterros, depósitos de lixo, modificações na drenagem e desmatamentos. Os movimentos de massa são classificados em quatro tipos principais: Quedas/Tombamentos/Rolamentos, Deslizamentos/Escorregamentos, Fluxo de Detritos e Lama e Subsidência e Colapsos (Cemaden, 2016a). As condições de vulnerabilidade impulsionam as ocupações irregulares em áreas de encosta e sem acesso a infraestrutura adequada, aumentando a exposição da população ao risco de deslizamentos. Entende-se por inundação o fenômeno de extravasamento de um curso de água para a área de planície, afetando a zona urbana. O transbordamento da água em áreas de planície está relacionado com a distribuição e grande volume de precipitação na bacia hidrográfica (Cemaden, 2016b). A ocupação urbana nas áreas de planície dos rios e a carência de planejamento urbano resultam no aumento da probabilidade de inundação. Os alagamentos acontecem quando a capacidade de escoamento dos sistemas de drenagem urbana não é suficiente e gera acúmulo de água nas ruas, nas calçadas e nas infraestruturas urbanas, devido ao alto índice de precipitação (Cemaden, 2016b). A construção social do risco compreende que as causas básicas da vulnerabilidade estão atreladas às estruturas sociais e econômicas (OLIVER-SMITH et al., 2017). Na mesma proporção em que estes aspectos podem determinar vulnerabilidades individuais ou coletivas, as ações humanas são poderosas ferramentas para reduzir ou evitar impactos ao meio ambiente e, principalmente, à vida humana. A falta de participação popular nos planos de reconstrução e recuperação dos espaços 20 públicos é considerada uma das causas da vulnerabilidade, ligada à especulação imobiliária, valorização dos imóveis em áreas privilegiadas, promoção de megaeventos, entre outros. Sendo assim, uma estratégia para identificar fatores de redução de risco é conhecer as vulnerabilidades, garantindo à população espaços consultivos e deliberativos na gestão das políticas públicas, de forma justa e qualificada. Considerar a transparência pública dos recursos financeiros é uma forma de diminuir fatores de vulnerabilidade (MARCHEZINI, 2015). A densidade populacional nas áreas urbanizadas agrava a capacidade de enfrentamento dos riscos, principalmente devido à falta de planejamento urbano ou a planejamentos urbanos pouco eficientes (UNDRR, 2022). Os fatores de risco estão relacionados à ação e percepção humana (OLIVER-SMITH et al., 2017). Nos sistemas de alerta para RRD, a capacidade de resposta refere-se a estratégias adotadas para enfrentar e se recuperar dos desastres. A melhora da capacidade de resposta envolve projetos multidisciplinares, que a sociedade e as organizações possam desenvolver simultaneamente, ações e aprendizados contínuos de integrar instituições, políticas públicas, economia, tecnologia e meio ambiente (UNDRR, 2017). Na construção de comunidades resilientes, a capacidade de resposta de um grupo de pessoas é avaliada dentro do seu sistema organizacional, na combinação de todos os fatores e recursos disponíveis, como identificar as potencialidades e as fragilidades para gestão e redução de riscos e desastres (UNDRR, 2017). O estabelecimento de uma cidade resiliente a desastres envolve a valorização de um lugar seguro para viver, com serviços e infraestruturas adaptados às mudanças do clima, sem ocupações nas áreas de planícies de inundação e nas encostas íngremes, onde o planejamento público privilegia a urbanização sustentável e investe em planos para redução e prevenção do risco, por meio de políticas públicas integradas e abordagens participativas, que valorizem o conhecimento local (UNISDR, 2012). O trabalho em conjunto de uma comunidade resiliente, tecnologias de monitoramento e sistemas de alerta, torna a população mais capacitada para enfrentar e se recuperar dos desastres, evitando perdas de vida e de bens materiais (UNISDR, 2012). “O desenvolvimento resiliente ao clima integra a adaptação e a mitigação para promover o desenvolvimento sustentável para todos” (IPCC, 2023, p. 41). De modo geral, o desenvolvimento sustentável é o consumo eficiente dos bens naturais, que visa suprir as necessidades das gerações presentes, sem comprometer as próximas gerações. Compreendido pelo equilíbrio dos fatores sociais, econômicos e ambientais na gestão de práticas inclusivas, equitativas e preventivas (IPCC, 2023). 21 Nesse panorama, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015) é um conjunto de objetivos e metas estabelecidos pelas Organização das Nações Unidas (ONU), composto por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Destacam-se o ODS 11, “Cidades e comunidades sustentáveis, tornar as cidades e comunidades mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis” e ODS 12 “Consumo e produção responsáveis, assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. A Agenda 2030 aborda a erradicação da pobreza e a promoção da vida digna para a população mundial, dentro dos limites do planeta, de uma forma que integra crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade. A abordagem participativa para redução de riscos e desastres e o desenvolvimento sustentável deve ser inclusiva e equitativa. Cidades resilientes integram os governos, a sociedade civil e o setor privado nos planos de mitigação e prevenção de riscos, em processos que consideram o conhecimento local (IPCC, 2023). Cada região está inserida em contextos históricos que devem ser levantados nas iniciativas centradas na população e na capacidade de resposta, a fim de proteger os grupos vulneráveis. 2.2 Desastres no Brasil e na região de estudo Segundo o Atlas de Desastres Naturais do Brasil - 1991 a 2012 (CEPED e UFSC, 2013), os desastres ocorridos no país apresentaram tendência de aumento, os registros de casos somaram 38.996 ocorrências de desastres. 22% aconteceram nos anos 1990 e 56% nos anos de 2000, sendo os mais críticos 2010, 2011 e 2012, que representaram 22% das ocorrências de desastres. Nesse período, os desastres com mais incidências foram: estiagem/seca (51,31%), enxurrada (20,66%), inundação (12,04%) e movimento de massa (1,79%). Os riscos que mais causaram perdas de vidas humanas foram: enxurrada (58,15%), movimento de massa (15,60%) e inundação (13,40%), alcançando o total de 3.144 óbitos. Entre o período de 2013 a 2023, o Atlas Digital de Desastres no Brasil (BRASIL, MIRD, 2023) indicou 35.640 registros de desastres no país, sendo que os anos 2022 e 2023 corresponderam a 28,3%. Os desastres com mais ocorrências foram: estiagem e seca (41,72%), chuva intensa (18,84%), enxurrada (7,44%), vendaval e ciclone (6,45%), inundação (5,51%), incêndio florestal (5,54%), granizo (2,83%) e movimento de massa (2,75%). Nesse período, foram registrados 1.998 óbitos por desastres. Em 2023, o Cemaden registrou o maior número de ocorrência de desastres no país, no total de 1.161, sendo 716 de desastres hidrológicos e 445 de desastres geológicos. As capitais 22 Manaus/AM e São Paulo/SP foram as mais atingidas, com 23 e 22 ocorrências respectivamente. Petrópolis/RJ registrou 18 ocorrências e Ubatuba/SP 9 ocorrências de desastres. Segundo o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), nesse mesmo ano, houve 132 óbitos vinculados a incidentes relacionados a precipitações pluviométricas, 9.263 pessoas atingidas, 74 mil desabrigadas e 524 mil desalojadas. As regiões mais impactadas foram: o Sul do país, regiões metropolitanas das grandes capitais, Vale do Maranhão, Sudeste do Pará e municípios ribeirinhos do Rio Amazonas. Os desastres mais marcantes de 2023 estão relacionados a eventos com grande volume de chuva em poucas horas (MCTI, 2024). A Região Sudeste do Brasil é uma das regiões mais impactadas por eventos extremos meteorológicos, como chuvas intensas, vendavais, granizos, geadas e friagens, secas, baixa umidade do ar e nevoeiro, e as consequências desses eventos são agravadas em áreas de alta densidade demográfica, com ocupações em áreas de risco. Uma das características da região é a diversidade dos regimes climáticos, o território estende-se pela transição entre climas quentes de latitude baixa e climas mesotérmicos de latitude média, que influenciam a variação de temperatura, precipitação e vento (NIMER, 1979; NUNES, KOGA-VICENTE, CANDIDO, 2009 apud CEPED, UFSC, 2013). No período de 1991 a 2012, a Região Sudeste apresentou 7.265 registros de desastres: 31% de estiagem e seca, 30% de enxurrada, 20% de inundação, 6,8% de movimento de massa e 6,4% de vendaval. O desastre na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, causou a morte de mais de 900 pessoas e deixou mais de 100 desaparecidas. O relevo escarpado da Serra do Mar, presente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, é propenso a movimento de massa, caracterizando o Sudeste com alta incidência de riscos de desastres (CEPED e UFSC, 2013). De acordo com o Atlas Digital de Desastres no Brasil (BRASIL, MIRD, 2023), nos anos de 2013 a 2023, a Região Sudeste foi marcada por 7.349 registros de desastres, causando a morte de 1.068 pessoas. Os eventos que mais causaram morte foram chuvas intensas, (698 ocorrências), seguidos por movimentos de massa (89) e inundações (58). Os anos críticos foram 2020, 2022 e 2023. Em 2020, os desastres relacionados a chuvas intensas atingiram a morte de 57 pessoas na região de Belo Horizonte/MG. Em fevereiro de 2022, em Petrópolis/RJ houve morte de 241 pessoas. Em fevereiro de 2023, ocorreram desastres no Litoral Norte de São Paulo e os municípios de São Sebastião, Ubatuba, Guarujá, Caraguatatuba e Ilhabela decretaram estado de emergência. Segundo a Defesa Civil de São Paulo, foram registrados mais de 600 mm de chuva em 24 horas (SP NOTÍCIAS, 2023). A Barra do Sahy, em São Sebastião, foi uma das áreas mais afetadas pelo evento chuvoso extremo, quando mais de 1.700 pessoas ficaram 23 desalojadas e 64 morreram (MCTI, 2024). O litoral brasileiro é caracterizado com alta vulnerabilidade, com altos índices de desigualdades e falta de acesso a infraestruturas básicas como saneamento, energia, comunicação e mobilidade urbana (LONDE et al., 2018). Assim como na maior parte do país, o crescimento demográfico não foi proporcional ao desenvolvimento de projetos urbanos, políticas públicas e ofertas de serviços públicos. A carência de atendimentos públicos essenciais tem como algumas consequências a ocupação habitacional nas áreas de preservação, deficiência na implantação de redes de saneamento básico e de coleta de lixo, aumento da poluição dos rios e dos solos por lançamento de esgoto sem tratamento ao meio ambiente, afetando a saúde da população. Essa situação se configura na interrelação entre a urbanização, o crescimento mal planejado e a vulnerabilização (LONDE et al., 2018). Nos desastres que acometem o litoral do Estado de São Paulo, nem todos os grupos sociais estão expostos aos perigos e ameaças de forma equivalente. Portanto, a compreensão do risco deve ser vista como a interrelação de várias causas, por exemplo: o grau de exposição, nível do risco, conhecimento, comunicação e coesão social, vulnerabilidades individuais e de populações, suscetibilidade dos lugares, intensidade e recorrência dos processos físicos, dentre outros aspectos. Observando a necessidade de escalas mais finas para estudos de áreas de risco no Brasil, Saito et al. (2022) analisaram a distribuição da população em áreas de risco no país considerando a escala intraurbana. A metodologia assimilou fontes de dados distintas: população em área de risco, usando a Base Territorial Estatística de Áreas de Risco (BATER); população exposta ao risco de acordo com o porte do município, analisando os dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,) e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com o objetivo de associar os riscos de inundação e deslizamento aos do censo demográfico. Os resultados justificam uma maior proporção de pessoas afetadas por riscos de desastres nos municípios de pequeno porte em relação às capitais do país. Como consequência, os autores destacam que os pequenos municípios não apresentam Planos Municipais de Redução de Riscos (PMRR). A pesquisa apresenta uma abordagem inovadora de espacialização do risco de desastre no Brasil, passo essencial para planos de ações preventivas. 2.3 Pesquisas em percepção de risco e ferramentas participativas 24 A percepção de riscos e desastres é subjetiva, diz respeito ao modo como as pessoas identificam e avaliam o risco, permeando vivências e valores socioculturais. A análise da percepção de risco dos moradores contribui para a gestão de riscos e traz benefícios tanto para o sistema de comunicação de riscos como para a capacidade de resposta, de modo a tornar a preparação mais eficiente e a comunidade mais resiliente (RASOOL, 2022). A escala urbana, a cidade vista como objeto e o modo como os habitantes a percebem, interferem na identidade social e na familiaridade entre os grupos e amplia a complexidade no decorrer do tempo. As imagens consensuais, formadas por grupos de indivíduos, chamadas de imagens públicas, correspondem às imagens mentais dos habitantes, construídas nos ambientes coletivos e de interações culturais (LYNCH, 1960). A cidade é composta pelos elementos urbanos. “Nenhum elemento existe isoladamente, bairros são estruturados com pontos nodais, limites, vias e marcos” (LYNCH, 1960, p. 54). Mapear diversos elementos urbanos em relação à visibilidade, força, fragilidade, conexões, desconexões, vantagens e dificuldades da estrutura da paisagem é considerada uma estratégia de reconhecimento sistemático da área. Olivato (2013) analisou a participação individual e coletiva, a partir da integração de conhecimentos empíricos e teóricos, no processo de planejamento e gestão de risco na bacia hidrográfica do Rio Indaiá em Ubatuba/SP. A metodologia privilegiou o diagnóstico por meio de mapeamentos participativos com lideranças comunitárias, ambientalistas, servidores públicos municipais, moradores e comerciantes locais, com o objetivo de levantar informações sobre riscos e desastres enfrentados pela população, proporcionar a reflexão crítica-analítica sobre o tema e mapear as percepções de riscos das comunidades. O trabalho foi conduzido pelo diálogo, com perguntas abertas: Quais são os perigos e riscos que você enfrenta na sua casa? Você consegue representá-los e localizá-los no mapa? Para esta finalidade, a autora usou um mapa da área de estudo na escala 1:25.000, canetas coloridas e nove tipos de símbolos para representar os diferentes riscos. Para o levantamento dos dados de percepção de risco da comunidade foi aplicado um questionário semiestruturado, para identificação da vulnerabilidade e dos riscos em diferentes situações socioeconômicas. A pesquisa de Olivato (2013) resultou na elaboração de três mapas: percebe e não percebe o perigo, tipos de perigos percebidos e um mapa de sobreposição de informações da população com os dados técnicos. Com este último foi feita a correlação com o mapa de riscos de inundação e movimento de massa do Estado de São Paulo (2006) e com as pesquisas de erosão costeira de Souza e Luna (2009). O estudo proporcionou espaços de entendimento do risco entre moradores e responsáveis de órgãos públicos sobre o lugar onde vivem, demonstrou 25 a viabilidade de espacializar a percepção de riscos e a troca de informações entre os participantes, frente ao empoderamento da população e de trazer melhoras para a capacidade de resposta tanto individual como coletiva (OLIVATO, 2013). Marchezini e Londe (2020) analisaram as percepções sobre as mudanças do clima por professores da Educação Básica de escolas de São José dos Campos/SP. Por meio do questionário, difundido pela Secretaria Municipal de Educação, os professores responderam a 22 perguntas relacionadas aos eixos: O que os professores aprendem/sabem sobre as Mudanças Climáticas? O que eles pensam? O que eles ensinam? Estas perguntas foram feitas considerando que as percepções dos professores sobre as mudanças climáticas direcionam a prática de ensino e se refletem na aprendizagem dos estudantes. Entre os resultados, 47% associaram as mudanças climáticas ao aumento dos gases emitidos pela queima de combustíveis fósseis, enquanto 41,88% dos professores associaram as mudanças climáticas ao aquecimento global. Uma observação é a lacuna que existe na fonte de informação dos professores sobre as mudanças do clima, como a pouca oferta de atividades formativas no sistema educacional e a confiabilidade nas informações fornecidas pela mídia e pelo governo, dada uma posição neutra dos participantes. Estabelecer um panorama das percepções sobre mudanças climáticas dos professores é uma estratégia de avaliação das políticas públicas e formas para atualizar as discussões pedagógicas quanto às mudanças climáticas. O estudo da percepção sobre a mudança climática por agentes da Defesa Civil (MARCHEZINI et al., 2022) utilizou o método de questionário para analisar três parâmetros principais: (1) percepções sobre as mudanças climáticas; (2) fontes de informação e níveis de confiança; e (3) percepções sobre as funções e responsabilidades da defesa civil para lidar com os riscos e as mudanças climáticas. A pesquisa contou com 1.063 entrevistados e os dados foram analisados de acordo com o gênero, idade e nível de escolaridade. A discussão dos resultados explica que parte significativa dos agentes da defesa civil não percebem a associação entre as mudanças climáticas e a intensificação de eventos extremos, mesmo enfrentando os impactos das mudanças do clima e as dificuldades de estratégias para a GRD. Os autores evidenciaram a necessidade de planos e ações que abordem metodologias de ciência cidadã e etnografia, apontando a necessidade dos órgãos responsáveis de criar um plano nacional que integre a população local (MARCHEZINI et al., 2022). Pereira et al. (2022) analisaram a percepção de desastres por professores de escolas estaduais no Litoral Norte de São Paulo, através do uso de aplicação de questionário semiestruturado para identificar e integrar participantes na gestão de riscos e desastres. A 26 pesquisa envolveu a abordagem quali-quantitativa, pelos seguintes eixos: como os professores da rede pública da região percebem as mudanças climáticas e os desastres; quais ações e atividades desenvolvem sobre o tema; qual é sua perspectiva em relação ao grau de responsabilidade atribuído a cada um dos envolvidos na RRD. A pesquisa foi divulgada e orientada pelas instituições parceiras, o Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte (CBH- LN) e a Diretoria de Ensino de Caraguatatuba, para então o questionário ser aplicado via formulário Google Forms. A pesquisa contou com 65 participantes, professores da rede estadual de ensino. Como resultado, 89,2% afirmaram perceber os efeitos das mudanças climáticas, como aumento da temperatura e chuvas mais fortes e 95,4% concordaram que ocorrem desastres socioambientais no Litoral Norte de São Paulo. A análise dos questionários evidenciou que 90,8% dos participantes não tiveram experiências profissionais e nunca participaram de cursos ou formações para RRD. Mesmo com a ausência de preparo para lidar com a gestão do risco, 98,5% dos professores declararam ter preocupação sobre o assunto. Quanto à responsabilidade da escola em desenvolver ações de prevenção de riscos, 35,4% afirmaram que a escola não desenvolve atividades, 36,9% não tem certeza e 27,7% afirmaram que ocorrem ações para prevenir desastres nas suas escolas. Os estudos em Educação para Redução de Riscos e Desastres (ERRD) no Brasil destacam a importância da formação e mobilização dos professores para o aumento de iniciativas e participação popular na prevenção dos desastres (MARCHEZINI; LONDE, 2020; GOTO; PICANÇO, 2021; MATSUO et al., 2021; SULAIMAN et al., 2021). 2.4 Mapeamento participativo A produção de mapas está atrelada aos valores culturais: a representação cartográfica se dá através de signos e elementos gráficos que possuem um significado, representando uma determinada informação espacial (GARBIN et al., 2012). No contexto histórico, os mapas foram produtos de poder da classe dominante, aperfeiçoados para os serviços militares. Com os avanços tecnológicos houve o impulso na disseminação do uso de mapas, com ferramentas de localização precisa, através do Sistema Global de Navegação por Satélite, por exemplo o Global Positioning System (GPS), permitindo mais eficácia na coleta de dados georreferenciados (MARCHEZINI et al., 2017c). Com a evolução tecnológica, os tipos de atributos espaciais mapeados expandiram-se indo além dos valores locais, incluindo atributos preferências, lugares especiais, experiências, 27 trilhas, serviços paisagísticos, ameaças ou riscos ambientais e observações da vida selvagem (BROWN, REED, RAYMOND, 2020). Diferentemente do mapeamento convencional, realizado por órgãos e empresas técnicas, no mapeamento participativo/colaborativo os integrantes mapeiam de acordo com as próprias experiências e memórias, predominando a informação gerada com a localização espacial e localmente, podendo ser realizado tanto por especialistas como por leigos em cartografia (SOUTO, 2021a). O mapeamento participativo é uma metodologia de coleta e análise espacial de dados organizada por um grupo social sob um recorte territorial predeterminado: cada indivíduo colabora para a construção coletiva de um mapa de interesse (SOUTO, 2021a). Quando o participante contribui diretamente na elaboração do mapa, por exemplo, indicando os pontos de interesse, acompanhado de um facilitador, considera-se o mapeamento como “participativo”. Se a inserção de dados pelos participantes for realizada via plataformas digitais, por exemplo, é compreendido como mapeamento “colaborativo”. A cartografia social é um instrumento de mapeamento participativo que considera as dimensões econômicas, ambientais e sociais e tem sido usada para diagnósticos socioambientais e na resolução de diferentes tipos de conflitos, como uso e ocupação do solo, avaliação dos recursos naturais, projetos urbanos, delimitação de zoneamentos e unidades de preservação, mapeamento de áreas de risco. A escolha de metodologias participativas é uma forma de ouvir e incluir a comunidade na gestão do risco (SOUTO, 2021b). As fases do mapeamento participativo/colaborativo correspondem a: acesso, propriedade, confiança, validação e aplicação de métodos e técnicas (Quadro 1). Estas são etapas que precisam ser estudadas no planejamento da pesquisa, para atingir os objetivos de forma prática e de acordo com os preceitos da ética em pesquisa científica (SOUTO, 2021a). Quadro 1 - Etapas metodológicas do mapeamento participativo ACESSO O acesso do participante ao mapeamento é primordial para realizar o mapeamento participativo, principalmente se for em comunidades tradicionais ou vulneráveis a riscos e desastres. A prática pode empoderar os participantes a valorizar a história e identidade local e favorece a preservação cultural. O acesso às informações exige ética e respeito, sendo necessário o parecer do Comitê de Ética em Pesquisa e autorizações pessoais para o uso e publicação dos resultados, sobretudo, o respeito quanto à colaboração da comunidade ao analisar os dados coletivamente. 28 PROPRIEDADE A propriedade dos dados condiz com os processos realizados para atingir os resultados e prioridades atribuídos pela comunidade, que participa ativamente da criação e divulgação dos dados. De acordo com os princípios FAIR, os dados devem ser Findable, Accessible, Interoperable, Reusable (Wilkinson et al., 2016), garantindo a acessibilidade e reutilização de dados em pesquisas científicas. E os princípios CARE (Collective benefit, Authority to control, Responsibility, Ethics) orientam que a gestão dos dados seja feita de forma ética e responsável. CONFIANÇA A confiança é uma relação mútua entre o facilitador e os participantes na proposta de mapeamento, assim como na acurácia dos dados. No mapeamento participativo espera-se uma maior acurácia representacional do que posicional, pois os participantes realizam as identificações espaciais por aproximação, de acordo com as percepções e experiências de vida. Isso requer uma orientação cartográfica ao grupo do mapeamento participativo, porém os facilitadores não devem interferir na construção do mapa, e sim prezar pela liberdade dos participantes de criar símbolos e legendas de suas representações cartográficas. VALIDAÇÃO A validação é a confirmação dos dados de entrada com os resultados obtidos. No caso do mapeamento participativo in loco, a validação dá-se por meio da apresentação dos resultados às comunidades, que são responsáveis em avaliar se os mapas processados correspondem à realidade local. Essa etapa deve passar por constantes avaliações e validações, devido às mudanças sociais e ambientais. APLICAÇÃO A aplicação do mapeamento exige pessoas capacitadas no uso dos programas e softwares para gerar os resultados em forma de mapas. No caso do mapeamento participativo in loco pode haver dificuldade em representar aspectos intangíveis e outros de difícil mensuração para a linguagem do mapa, em ícones, cores, escalas e legendas. Fonte: Adaptado de Souto (2012a). Cada categoria de mapeamento apresenta suas características e aplicabilidade, no entanto, há questionamentos que são pertinentes no plano do mapeamento (Souto, 2021b): 1. Público-alvo do mapeamento. Qual o perfil demográfico do grupo? Os participantes possuem familiaridade com programas e equipamentos? 2. Representatividade do público-alvo. Quem foi chamado a participar representa o coletivo? 3. Preservação de dados sensíveis. Os dados pessoais dos participantes e de outros envolvidos estão protegidos? Há autorização para seu uso e divulgação? 4. Tipos de dados a serem levantados. Os dados levantados são importantes para representar o fenômeno? 5. Necessidade de validação dos dados. Há necessidade de validação dos dados e 29 resultados derivados? Como será feita a validação? 6. Pós-processamento dos dados. Quais tratamentos de dados são necessários na etapa de pós-processamento do mapeamento? O mapeamento participativo com suporte de mapas e imagens é aquele em que os participantes interferem com pontos, ou outras feições de interesse, diretamente nos mapas e imagens pré-estabelecidas. A simbologia da legenda pode ser definida previamente pelos organizadores do mapeamento, mas a abordagem mais usada é aquela elaborada posteriormente pelos participantes, por permitir que os integrantes expressem o que consideram relevante (International Fund for Agricultural Development/IFAD, 2009 apud Souto, 2021b). Uma vez que os símbolos representam elementos de construção social da comunidade, o mapeamento participativo pode contribuir para a preservação da cultura local. Nesse processo, é importante considerar o modo de vida dos participantes e escolher ferramentas adequadas (KLONER et al., 2016). Outro benefício do mapeamento participativo é a acurácia posicional, por utilizar-se de imagens aéreas e de satélites, tendo a referência das principais feições naturais, como os cursos d’água e morros, por exemplo, com bases cartográficas disponíveis para plotagens. Além disso, os telefones celulares atuais podem auxiliar os participantes, por oferecerem recursos de geolocalização (SOUTO, 2021b). A aplicabilidade desse tipo de mapeamento é de baixo investimento e rápida, a acurácia posicional pode ser averiguada por equipamentos de GPS. Porém, há desvantagens dependendo da região de estudo, pois os mapas podem encontrar-se desatualizados e o uso de mapas e imagens aéreas e de satélites pode ser de difícil compreensão para quem não tem conhecimentos cartográficos, sendo necessária uma etapa de alfabetização cartográfica (IFAD, 2009 apud SOUTO, 2021b). “Os mapas são instrumentos de comunicação visual, possuem variadas possibilidades de informar o conteúdo geográfico de forma gráfica, proporcionando ao leitor visualizar a organização do espaço de forma ampla e integrada das relações do mundo” (MARCHEZINI et al., 2017c). Pela história da produção de mapas, a cartografia social é uma prática reconhecida como mais inclusiva pelas circunstâncias que envolvem o mapeamento, um instrumento recomendado na construção do conhecimento por tomar iniciativas de descentralizar o poder. O mapeamento participativo é uma forma de representar a realidade sob a perspectiva e interesse da comunidade, promover ações inclusivas para aprimorar medidas de prevenção de risco e valorizar as forças locais (MARCHEZINI et al., 2017c). 30 A criação de mapas participativos de riscos socioambientais, feitos a partir da percepção de risco dos participantes, possibilita reunir dados qualitativos e quantitativos, importantes para a gestão do risco e a construção do conhecimento com as pessoas que vivem no local. A aplicação do método possibilita a coleta de dados geográficos de forma interdisciplinar e sua combinação com ferramentas e dados dos órgãos oficiais, podendo ser realizado em áreas remotas, de difícil acesso para obtenção de dados oficiais, sem dados históricos e pela inviabilidade de coletar dados por sensores técnicos. O mapeamento participativo, portanto, pode contribuir para a atualização de mapas de risco oficiais, além de ser um instrumento nas etapas da gestão do risco (KLONNER et al., 2016). O mapeamento participativo foi uma estratégia adotada para criar o diagnóstico participativo da região costeira do Estado do Ceará, com o objetivo de atualizar o Zoneamento Econômico Ecológico Costeiro (ZEEC). O planejamento colaborativo resultou em mapas sociais criados pelas comunidades litorâneas do Ceará, bem como registros de reivindicação para maior inclusão da participação popular nas mudanças de zoneamento e de debate sobre conflitos e ameaças presentes no território (GORAYEB et al., 2021). A etapa de levantamentos de informações da cartografia social na zona costeira do Ceará usou o processo de avaliação qualitativa pela matriz SWOT/FOFA (Strength/Força, Weakness/Fraqueza, Opportunity/Oportunidade, Threat/Ameaça). Trata-se de uma metodologia participativa de análise utilizada em amplo contexto, identificando os fatores internos e externos, positivos e negativos e importantes pelos participantes. A junção dos métodos propicia a análise participativa e crítica, ao levantar questionamentos, reflexões, problematizações e soluções, destacando as vantagens e desvantagens do território e as consequências do uso e ocupação (GORAYEB et al., 2021). Carpi Junior e Dagnino (2021) abrangiram as experiências em mapeamento participativo de identificação de riscos e desastres junto às análises ambientais, utilizando a matriz de avaliação SWOT/FOFA. As experiências ocorreram em três municípios: Ourinhos/SP (2016), Campinas/SP (2017) e Inconfidentes/MG (2018). Nas três experiências relatadas, o mapeamento participativo foi ressignificado em outros estudos no âmbito da graduação e da pós-graduação e em ferramenta para o planejamento público, com potencial para uma melhor resolução de conflitos com soluções mais democráticas. Trejo-Rangel et al. (2021) aplicaram estratégia de mapeamento participativo em São Luiz do Paraitinga/SP como medida de mitigação de riscos e desastres, cujo município foi atingido por um evento extremo de inundação em 2010. A atividade colaborativa de identificar 31 as áreas de risco de inundação e deslizamentos envolveu a participação de pesquisadores e estudantes do Ensino Médio. O grupo de pesquisa do programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais da Unesp/Cemaden foi capacitado para atuar como monitor nas oficinas de mapeamento das áreas de riscos e dos fatores de vulnerabilidade da comunidade. Com o objetivo de protagonizar os jovens em ações cidadãs, na fase seguinte do curso, os estudantes apresentaram propostas para RRD a serem inseridas no planejamento público, que foram analisadas junto à Defesa Civil e aos especialistas. Esse estudo integrou a academia e a comunidade local, sobretudo os jovens de 14 a 18 anos. Em Caraguatatuba, o Projeto de Extensão Rios Urbanos (PAULA, 2023), promoveu a metodologia participativa para análise de riscos e desastres com os estudantes de graduação. Dentro do recorte territorial proposto - a bacia hidrográfica do Rio Juqueriquerê - a atividade foi organizada pela coleta de dados colaborativos sobre indicadores de infraestrutura urbana e a aplicação da matriz de avaliação ambiental FPEIR (Força Motriz, Pressão, Estado, Impacto, Resposta), com o objetivo de despertar o interesse da comunidade pelo diagnóstico ambiental e a compreensão territorial da bacia hidrográfica. A atividade de extensão demonstrou a necessidade de avaliar os fatores de risco e de vulnerabilidade, tendo como referência as características pertinentes de cada bacia hidrográfica que forma o município, a fim de promover medidas que incentivem a participação da população na gestão do risco e ferramentas capazes de formar comunidades resilientes. A comunidade de Quilicura, localizada na periferia de Santiago (Chile), é exemplo de mapeamento participativo na gestão do risco de inundação urbana. O estudo de caso de Quilicura fez uso do recurso Field Paper do Open Street Map (OSM) e de questionário para analisar a percepção de risco da comunidade e criar o mapa de conhecimento do risco. Os dados coletados em campo foram processados em ambiente de Sistema de Informação Geográfica (SIG) e o mapa do conhecimento de risco foi construído a partir do número de vezes que cada polígono foi marcado pelos participantes com o risco de inundação. O estudo de caso apontou que as ruas principais são as que sofrem mais com alagamentos, indicando que os canais de drenagem são insuficientes para o escoamento da água, tornando os moradores dessas vias os mais afetados pelas inundações. O mapa do conhecimento do risco fornece informações complementares ao questionário e pode servir de suporte, especialmente, em áreas onde não há outras bases cartográficas para comparação (KLONNER et al., 2016). Baseando-se no estudo de caso de Quilicura, Klonner et al. (2021) aplicaram o método de mapeamento participativo com o uso de questionário na cidade de Eberbach (Alemanha), a 32 fim de mapear dados de inundação fluvial. A pesquisa analisou duas áreas distintas, uma localizada no centro da cidade e afetada pelas cheias do Rio Neckar e outra, denominada de área de controle, localizada em uma zona residencial que não é afetada pelas inundações. Como resultados, na área central, os residentes da área afetada por inundação identificaram um valor maior para o risco do que os pedestres transeuntes e aqueles que moram em imóvel próprio demonstraram maior conhecimento do risco de inundação em relação aos que moram em imóveis alugados. Para a área controle, os pedestres indicaram maior extensão territorial do risco de inundação. Os mapas de conhecimento do risco produzidos na pesquisa foram comparados com os mapas de suscetibilidade de inundação, disponíveis pelo órgão oficial da Alemanha, indicando áreas de riscos similares (KLONNER et al., 2021). O estudo de caso nas comunidades rurais de Muzafargarh, ao longo dos Rios Chenab e Indus, no Paquistão, RASOOL (2022), avaliou a percepção de risco de inundação das comunidades usando a metodologia de mapeamento cognitivo, tendo como público-alvo pessoas que vivenciaram as inundações de 2010 nas proximidades dos rios (365 entrevistados, apenas do sexo masculino, devido à cultura e à religião). A inundação de 2010 no Paquistão impactou infraestruturas e a agricultura, deixando milhões de pessoas vulneráveis a doenças transmitidas pela água e à desnutrição. O mapeamento cognitivo da percepção de risco de inundação da comunidade considerou fatores sociodemográficos, econômicos, localização e acesso a serviços de infraestrutura, que foram associados aos relatos das experiências sobre a inundação. As informações coletadas em campo foram georreferenciadas em ambiente de SIG e um mapa de densidade de Kernel foi gerado, de modo a representar a percepção da extensão territorial das inundações de 2010 e construir o mapa cognitivo do risco de inundação. Os resultados mostraram que a percepção da extensão espacial do risco é maior é mais acurada pela faixa etária mais avançada, provavelmente devido às experiências acumuladas e às memórias sobre as inundações. 33 3 PROPOSTA DE PESQUISA 3.1 Justificativa O município de Caraguatatuba/SP tem um amplo histórico de desastres, sendo alguns deles de grandes proporções, como o deslizamento de terra que ocorreu em 1967 e provocou pelo menos 450 óbitos. O município possui áreas de risco de inundações e deslizamentos. A Região Norte de Caraguatatuba apresenta alta pressão ambiental e social, devido a obras viárias, expansão de loteamentos e obras civis, especulação imobiliária, demanda por uso da água, gentrificação, entre outros. Na região, é necessário analisar a implantação das obras estruturais para prevenção e mitigação de desastres, como também desenvolver iniciativas não- estruturantes de prevenção e resiliência comunitária. As abordagens participativas integradas aos planos de RRD são incentivadas e orientadas pelo Marco de Sendai para Redução de Riscos e Desastres (2015-2030), pela Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC). Entender o risco e o desastre é compor um conjunto de possibilidades para usar e criar conhecimentos que se interconectam. A GRD deve considerar a aprendizagem mútua, relacionar os conhecimentos da população e os conhecimentos científicos para criar hábitos e valores de mitigação de risco e desastre (UNDRR, 2022). É preciso reavaliar e atualizar os planos de redução de riscos e desastres junto a metodologias participativas para a construção de cidades resilientes. 3.2 Objetivos O objetivo geral da pesquisa é analisar a percepção de risco da população local utilizando metodologias participativas, como a cartografia social, tendo como recorte territorial a bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, em Caraguatatuba/SP. São objetivos específicos:  Aplicar metodologias participativas para análise de riscos de desastre;  Analisar os dados coletados em campo, comparando a distribuição espacial do conhecimento local com as áreas de risco de registros oficiais;  Identificar estratégias de mitigação de riscos e desastres, por meio da dinâmica SWOT/FOFA e da matriz de avaliação FPEIR. 34 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 Área de estudo O Litoral Norte do Estado de São Paulo é composto pelos municípios de Caraguatatuba, São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba (Figura 1) e está inserido na Mesorregião Vale do Paraíba, caracterizada pela topografia montanhosa da Serra do Mar, da qual grande parte da extensão abriga o Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), uma importante área de conservação da Mata Atlântica. Na década de 70, a intensificação das obras rodoviárias impulsionou o turismo e a urbanização nestes municípios, acarretando a especulação imobiliária e a desapropriação das comunidades tradicionais. O aumento populacional e a expansão urbana, sem o planejamento adequado, ocasionaram pressões sobre o meio ambiente, evidenciando a necessidade de preservação ambiental para mitigar riscos socioambientais (Basso, 2008 apud Instituto Supereco, 2022). Grandes projetos de infraestrutura, como a Rodovia Nova Tamoios, Rodovia Rio-Santos, Porto de São Sebastião e o Terminal Aquaviário Almirante Barroso (TEBAR) contribuíram para o crescimento econômico e ao mesmo tempo para impactos socioambientais. As principais bacias hidrográficas de Caraguatatuba (Figura 2) são: Rio Juqueriquerê, a maior bacia hidrográfica do Litoral Norte e com trechos navegáveis, Rio Santo Antônio, Rio Guaxinduba e Rio Massaguaçu/Bacuí, responsáveis pelo abastecimento de água para todo o município. Esta pesquisa teve como recorte geográfico a bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, na região norte do município de Caraguatatuba, no litoral norte do estado de São Paulo. As bacias hidrográficas são formas importantes de organização da paisagem. Portanto, qualquer perturbação em uma área da bacia impacta as áreas localizadas à jusante. Por exemplo, o desmatamento desordenado provoca aumento de enchentes e erosão e práticas agrícolas inapropriadas trazem consequências como eutrofização e aumento na mortalidade de peixes. As mudanças no uso e ocupação do solo impactam diretamente o escoamento na bacia hidrográfica. Nas áreas urbanizadas ocorrem menor escoamento e maior vazão de pico do que nas áreas de florestas e vegetação nativa, onde é maior o fluxo de base. 35 Figura 1 - Mapa dos municípios do Litoral Norte do Estado de São Paulo Fonte: Elaborada pela autora (Apêndice A). Figura 2 - Bacias Hidrográficas do Município de Caraguatatuba/SP Fonte: Elaborada pela autora (Apêndice B). 36 A unidade geomorfológica do município de Caraguatatuba (Figura 3) apresenta a variação de altitude entre 800 e 1.200 metros, desde as escarpas íngremes da Serra do Mar até a zona litorânea, área de cabeceiras de drenagens em relevo de montanhas rochosas, vales profundos e encaixados e canais em rocha contendo blocos e matacões. A formação morfológica é composta por camadas de areias finas a grossas intercaladas por camadas de argila de origem fluvial, fluviomarinha e marinha, constituídas por conchas e detritos vegetais. Esse tipo de solo é proveniente de ações erosivas e dos materiais depositados pelos mares e rios e, com menor intensidade, pelos ventos. A morfologia apresenta dois planos de níveis, entre 3 e 5 metros. Os terraços de pequenas elevações são dispersos, em relação a topografia mais plana, com topos arredondados (IYOMASA, 2022). Figura 3 - Geomorfologia do Município de Caraguatatuba/SP Fonte: Elaborada pela autora (Apêndice C). Com as elevações do relevo distribuídas entre 0 e 1318 metros, 60% do território encontra-se no nível acima de 200 metros de altitude, nas escarpas da Serra do Mar, alcançando níveis do conjunto rochoso do Planalto, entre 800 e 1200 metros, características 37 geomorfológicas do relevo da Unidade de Conservação do PESM. A área urbanizada de Caraguatatuba ocorre nos relevos de Planície Flúvio Marinha, com níveis de relevo de 4 a 25 metros, e de Planície Marinha, com elevação de 2 a 4 metros até a formação da Praia no nível de 0 a 2 metros. O intervalo de elevação de 201 a 400 metros de altitude é identificado como os mais suscetíveis aos escorregamentos rasos, nos locais escarpados (BATEIRA et al., 2018). Grande parte do território de Caraguatatuba (cerca de 65%) apresenta uma declividade acima de 10º, enquanto 11% encontram-se acima de 30º. A área urbana ocupa as Planícies Flúvio Marinha e Marinha, é a porção mais aplainada em até 16,5º de declividade. Nas Escarpas da Serra do Mar, a declividade é maior que 25°, podendo alcançar declividade em torno de 70°. As ocorrências de escorregamentos estão ligadas ao ângulo da encosta, os incidentes são propícios em encostas de ângulos maiores a 30°, junto a presença de material a ser sedimentado. O município costeiro de Caraguatatuba, apresenta alta declividade no relevo escarpado na Serra do Mar, estudos demonstraram a suscetibilidade a escorregamentos rasos na região, principalmente entre as elevações 201 e 400 metros (BATEIRA et al., 2018). O relevo escarpado da Serra do Mar caracterizado pela alta declividade topográfica, o aspecto íngreme e as escarpas entalhadas formam as cachoeiras, quedas d’água e poços. O relevo entre 50 e 850 metros nas áreas escarpadas é denominado suscetível a erosões do tipo laminar, sulcos, rastejo, escorregamento e queda de blocos, associados aos cursos fluviais e corpos de tálus a montante das serras mais íngremes. Na Serra do Mar, os principais rios são perenes, os outros cursos fluviais demarcados nas escarpas são torrentes e sazonais, conhecidos como as "cabeças d’água” ocorridas no verão, fatores que engrenam as enxurradas (IYOMASA, 2022). A geomorfologia influencia a velocidade de escoamento da água sobre o solo, interfere na capacidade de armazenamento de água, tendo as áreas com maiores declives, geralmente, menor capacidade de armazenamento superficial. A análise do tipo do solo reflete diretamente na taxa de infiltração e na capacidade de retenção da água. Enquanto a topografia pode indicar a maior ou menor capacidade de armazenar água. Elementos que devem ser considerados dentre outras investigações, como a precipitação de chuva, cobertura e uso da terra e obras hidráulicas (SANTORO, 2015). De acordo com a plataforma S2ID (BRASIL, MIRD, 2024), entre os anos de 1991 e 2019, Caraguatatuba registrou 13 ocorrências de riscos e desastres, 12 correspondendo a desastres hidrológicos e 1 a vendaval e ciclone, acarretando 51 mil pessoas afetadas, 8 óbitos e 798 pessoas desabrigadas ou desalojadas. A inundação apontou ser a ocorrência mais incidente 38 no município, com mais de 50 mil pessoas afetadas em 5 ocorrências, marcadas por 4 óbitos e 410 pessoas desabrigadas ou desalojadas. A ocorrência de inundação em março de 2005 afetou 52 pessoas, a de abril de 2006 afetou 5 pessoas e causou 4 óbitos, a inundação de março de 2017 afetou 50 mil pessoas e deixou 358 pessoas desabrigadas ou desalojadas. Os registros de alagamentos mostraram 353 pessoas afetadas em 4 ocorrências, 4 óbitos, 328 pessoas desabrigadas ou desalojadas. Em dezembro de 2009, a ocorrência de alagamento impactou em 4 óbitos e em janeiro e março de 2013, as duas ocorrências de alagamentos afetaram 330 pessoas e deixaram 328 desabrigadas ou desalojadas. No estudo das vulnerabilidades social e ambiental em áreas de riscos de desastres no município de Caraguatatuba/SP (BORTOLETTO, 2017), a análise climática local da distribuição espacial da precipitação, em relação com o histórico de ocorrências de inundação e deslizamento, entre os anos de 2000 a 2015, apontou que as inundações e alagamentos são mais frequentes no setor Sul de Caraguatatuba, que compreende os bairros Barranco Alto, Morro do Algodão, Pontal Santa Marina, Porto Novo, Perequê Mirim, Pegorelli e Travessão Esses bairros se localizam nas áreas de menor relevo, com declividade inferior a 5%, e maior concentração de canais fluviais, o que propicia a concentração da água da chuva. O crescimento populacional da região de 28.000 para 41.000 moradores e o aumento de ocupações nas áreas de preservação ambiental são fatores que contribuem para o crescente número de eventos e de pessoas afetadas. A respeito dos riscos de deslizamentos no município, os setores mais críticos são Centro e Norte: as faixas de planície favorável à urbanização nessas áreas são mais estreitas do que na região Sul, os bairros localizam-se próximos às encostas da Serra do Mar, apresentando áreas com declividade superior a 20%. Como resultado, a autora demonstra a correspondência entre a localização das moradias e a vulnerabilidade socioeconômicas: as áreas de Zona Econômica de Interesse Social (ZEIS), onde se situam bairros com menor renda econômica e ocupações irregulares, com pouco saneamento básico, correspondem às áreas de risco do município. 4.2 Dados e softwares Parte deste estudo, analisou um conjunto de dados organizado em ambiente SIG com o uso do software ArcGIS Pro (Licença Educacional pela Unesp). Os dados foram projetados em Sistema de Coordenadas Planas no Sistema de Projeção Universal Transversa de Mercator (UTM - Zona 23S), no datum Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIRGAS 39 2000). Por exemplo, o mapa de uso e cobertura da terra do município de Caraguatatuba/SP, obtido a partir do Projeto MapBiomas (2021), interpretado no processo histórico de ocupação e urbanização na matriz de avaliação FPEIR. Em outra etapa do estudo, os pontos coletados em campo, através do mapeamento participativo, foram georreferenciados para produção dos mapas de indicação de riscos e desastres: Mapa de cartografia social de identificações de riscos na bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, Mapa de cartografia social indicando locais de risco de movimento de massa e Mapa de cartografia social indicando locais de risco de inundação. Os mapas de cartografia social foram comparados as cartas de suscetibilidade de riscos de movimento de massa e inundação da CPRM (2017). 4.3 Mapeamento Participativo: cartografia social As oficinas de mapeamento participativo foram programadas com três comunidades localizadas na Bacia Hidrográfica do Rio Massaguaçu: estudantes da Escola Estadual Benedito Miguel Carlota, integrantes da Associação dos Pescadores e Maricultores da Praia da Cocanha (MAPEC) e o grupo da Horta Comunitária Alto Jetuba. A primeira oficina de mapeamento participativo aconteceu no dia 25 de maio de 2022. Tendo em vista o recorte territorial da pesquisa, a Bacia Hidrográfica do Rio Massaguaçu, a oficina foi realizada na Escola de Ensino Médio da Região Norte de Caraguatatuba. O mapeamento participativo, do tipo cartografia social, foi organizado com quatro turmas de terceiro ano do Ensino Médio, monitoradas pelos professores e estudantes universitários do curso de Arquitetura e Urbanismo, do Centro Universitário Módulo em Caraguatatuba/SP. A base cartográfica para o mapeamento participativo com os estudantes da Escola Estadual Benedito Miguel Carlota foi preparada no software QGIS. Optou-se pela plotagem das imagens em tamanho de folha A3, desta forma configurou os recortes territoriais em 20 mapas- folhas distribuídos em escala entre 1:3.000 a 1:10.000, e um plotter em A0 com abrangência espacial de toda Bacia Hidrográfica do Rio Massaguaçu. Para a cartografia social de identificação dos riscos foram disponibilizados 20 imagens-mapas em cada oficina. No ambiente de sala de aula, esse mapeamento participativo foi realizado em duas rodadas, com duas turmas por vez. Para início de conversa houve a apresentação dos monitores e das instituições proponentes, em seguida o diálogo para o entendimento de risco, ameaça, exposição ao risco, vulnerabilidade e quais riscos a comunidade local enfrentam. A conversa 40 foi pautada por uma apresentação, com conteúdo sobre a Ciência de Riscos e Desastres, construída pelos monitores e com uso do recurso áudio visual disponível pela escola. Na sequência, iniciou-se o mapeamento participativo, os estudantes se organizaram-se espontaneamente em grupos de 2 a 4 pessoas. Cada grupo escolheu uma ou mais bases cartográficas para a identificação de áreas ou pontos de riscos, principalmente de inundações e deslizamentos, os quais foram sinalizados nos mapas com etiquetas redondas vermelhas. Os monitores orientavam os estudantes na leitura cartográfica e na compreensão das áreas e dos riscos de desastres, numa perspectiva em que os alunos pudessem fazer intervenções nos mapas criando símbolos e legendas em seus registros. A segunda oficina foi realizada no dia 11/05/2023 na MAPEC, que é formada por famílias tradicionais que sobrevivem da pesca e da maricultura, que juntas conseguiram implantar iniciativas de Turismo de Base Comunitária (TBC), acompanharam as transformações físicas, sociais e econômicas do lugar e resistem aos processos de urbanização conflitantes com a preservação ambiental. A sede da MAPEC está localizada na Praia da Cocanha, conhecida como o Rancho dos Pescadores, espaço mantido pela associação para manipular a produção de mariscos, armazenar equipamentos e receber e acomodar estudantes, professores e turistas para realizar atividades de Educação Ambiental. Um dos objetivos deste grupo é preservar e disseminar a cultura caiçara e a pesca artesanal, com destaque para informar que a Praia da Cocanha é habitat de mariscos e local de cultivo. Para a atividade de cartografia social na MAPEC, foram organizadas as bases cartográficas da Bacia Hidrográfica do Rio Massaguaçu em imagens de mapas plotadas em folha A3, a área da bacia hidrográfica foi recortada em três níveis de escala: 3 mapas em escala 1:25.000; 5 mapas em escala 1:10.000; 15 mapas em escala 1:5.000, totalizando 23 mapas- folhas para o apontamento dos riscos pela população. A terceira oficina foi realizada no dia 01/07/2023 com o grupo da Horta Comunitária Alto Jetuba, que é composto por pessoas que se reúnem para trocar experiências sobre práticas agroflorestais e promover feiras de produtos e artesanatos locais. É uma rede de apoio que fortalece a Educação Ambiental, preocupada com meios de consumo mais sustentáveis. Atualmente o grupo cultiva a horta comunitária no bairro Alto Jetuba, os moradores usufruem da plantação e proporcionam atividades socioambientais, como oficinas de ervas medicinais, pintura dos muros e mutirão de plantação. A organização da base cartográfica, em folhas no formato A3, para a atividade de cartografia social foi feita da mesma forma como nas oficinas anteriores. A oficina de cartografia social na Horta Comunitária teve como base cartográfica a 41 parte sul da bacia hidrográfica, o que correspondeu a 11 mapas-folhas. O território foi divido em três partes, possibilitando trabalhar por escolha de reconhecimento por bairros. Para a realização das oficinas de cartografia social, primeiramente estabeleceu-se um diálogo com os líderes comunitários da MAPEC e da Horta Comunitária Alto do Jetuba, para apresentar a proposta e acordar a data, o horário, o local e o número de participantes. Um convite digital foi então elaborado (Figura 4) para divulgação da oficina participativa de identificação de riscos de inundação e deslizamento na região da bacia hidrográfica do Rio Massaguaçu, para compartilhar nos grupos de associações de moradores via whats app e outros aplicativos. Figura 4 - Divulgação das oficinas de mapeamento participativo Fonte: Elaborada pela autora. Para conduzir as oficinas participativas de cartografia social organizou-se uma equipe de trabalho de campo formada por voluntários, pesquisadores e estudantes do Programa de Pós- Graduação em Desastres Naturais da Unesp/Cemaden. Nessa fase utilizou-se de material plotado da área estudada, material escolar (caneta, lápis, borracha, papel, adesivos, marcadores), recursos audiovisuais para apresentação e gravação das oficinas. Em relação à dinâmica de mapeamento participativo, foram distribuídas bases cartográficas contendo imagem de satélite da Bacia Hidrográfica Massaguaçu para que os participantes pudessem apontar as áreas onde já ocorreram ou são suscetíveis a eventos de 42 inundação e deslizamentos. Para isso, a bacia hidrográfica foi dividida por partes com o propósito de organizar os mapas para impressão nas folhas de formato A3 nas escalas 1:25.000, 1:10.000 e 1:5.000, a fim de permitir a visualização dos principais pontos de referência e das vias urbanas do local de análise. Os participantes puderam escolher a parte territorial do seu conhecimento para identificar as situações de riscos. A cartografia social é um tipo de dinâmica que considera toda informação apresentada pelo grupo e/ou individualmente, na qual não se espera resultados quantitativos, mas qualitativos. A identificação dos riscos de inundações e deslizamentos feita pelos moradores nas oficinas de cartografia social foi analisada no contexto histórico de ocupação do território, comparada à geomorfologia do lugar e as classes da carta de suscetibilidade a movimentos gravitacionais de massa e inundação disponibilizadas pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM (CPRM, 2017). A partir da comparação da cartografia social com os mapas de suscetibilidade de risco da CPRM (2017), criou-se os Mapas de percepção de risco, um para inundação e outro para movimento de massa, através do cálculo de densidade de Kernel, para estabelecer qual região é vista como mais propensa aos riscos, de acordo com o conhecimento local dos moradores. A estimativa de Kernel é “uma alternativa simples para analisar o comportamento de padrões de pontos é a estimar a intensidade pontual do processo em toda a região de estudo” (CÂMARA e CARVALHO, p. 5, 2004). Este cálculo faz a contagem de todos os pontos e realiza a ponderação de acordo com a distância de cada ponto na região de interesse. O estimador pode ser um raio de influência definido pela centralidade do ponto, como resultado, permite espacializar e calcular a intensidade do evento de análise (CÂMARA e CARVALHO, 2004). 4.4 Indicadores de Risco e Vulnerabilidade 4.4.1 FPEIR O planejamento urbano para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis é estruturado por diretrizes integradas entre as condições ambientais e as ações antrópicas e a participação de todos os setores da sociedade para tomadas de decisões mais eficientes. O Geocities Manual: Guidelines for Integrated Environmental Assessment of Urban Areas (UNEP, 2020) é um instrumento de orientação para diagnósticos de avaliações e relatórios ambientais, suporte para analisar os fatores condicionantes no processo de urbanização e a 43 relação ecossistêmica, a fim de reduzir os impactos ambientais. A análise sobre cidades gera progressões estatísticas, denominadas de indicadores, que correspondem a bases de dados de formulação de estratégias de planejamento urbano e de redução de riscos e desastres. O manual orienta a metodologia de avaliação ambiental FPEIR (em inglês DPSIR) - Força motriz/Driving forces - Pressão/Pressure – Estado/State – Impacto/Impact – Resposta/Response – usado tanto nos relatórios de Avaliação Ambiental Integrada (AAI) quanto para descrever questões ambientais a nível local. A matriz de avaliação ambiental estabelece uma integração de causa e efeito entre os componentes, sob a ótica de espaço e tempo, analisa o estado atual e as tendências do meio ambiente, lista os fatores que exercem as pressões sobre os bens naturais, geralmente as causas dos impactos, enquanto as respostas apontam como a localidade lida com os problemas ambientais. Nesse sentido, a matriz de avaliação ambiental FPEIR (Figura 5) resume-se nas seguintes perguntas norteadoras (UNEP, 2020): Figura 5 - Matriz de Avaliação FPEIR Fonte: Elaborada pela autora 1. O que está acontecendo com o meio ambiente e por quê? É a tarefa de compilar e analisar o estado e as tendências socioambientais, incluindo as pressões e as forças 44 motrizes e as possibilidades de associações. 2. Quais são as consequências para o meio ambiente e a Humanidade? Corresponde às análises dos impactos dos processos de urbanização e das mudanças ambientais nos serviços ecossistêmicos, bem-estar e qualidade de vida nas cidades. 3. O que está sendo feito e quão eficaz é? Identificação de políticas públicas de preservação ambiental, prevenção dos riscos e práticas de Educação Ambiental. 4. Para onde estamos indo? Reflexão sobre os desafios que a cidade enfrenta e enfrentará mais adiante, dependendo do(s) caminho(s) escolhido(s) e a influência do mundo exterior. 5. Que ações poderiam ser tomadas para uma vida mais sustentável? Descrição das oportunidades para inovação política e respostas concretas. O conteúdo pragmático da matriz de avaliação FPEIR (UNEP, 2020): pode ser definido em (Figura 6): Figura 6 - Matriz de Avaliação FPEIR e conteúdo programático Fonte: Elaborada pela autora. 45 a) Forças motrizes (Driving forces) referem-se às atividades antrópicas que impactam no desenvolvimento sustentável. Nos assentamentos humanos, existem três principais forças motrizes: dinâmica populacional, economia e bases territoriais. b) Pressão (Pressure) são fatores econômicos e sociais, como crescimento populacional, consumo ou pobreza. A pressão é o ponto de partida para enfrentar os problemas socioambientais. As informações sobre a pressão estão disponíveis em bancos de dados socioeconômicos. Procuramos responder à pergunta: Por que algo está acontecendo com o meio ambiente? c) Estado (State) reflete a condição atual do meio ambiente, resultante das pressões; por exemplo, qualidade da água, desmatamento ou erosão costeira. As informações sobre o estado do meio ambiente respondem à pergunta: O que está acontecendo com o ambiente? d) Impacto (Impact) é o efeito produzido no estado do meio ambiente, aspectos como qualidade de vida e saúde humana, nos bens naturais, no ambiente construído e na economia. Por exemplo, o aumento na erosão do solo causa um ou vários impactos: redução da produção, aumento das importações de alimentos, aumento do uso de fertilizantes ou desnutrição. e) Resposta (Response) refere-se a ações coletivas ou individuais de redução ou prevenção dos riscos socioambientais, corrigir os danos causados à sociedade e ao meio ambiente, conservar os recursos naturais ou contribuir para melhorar a qualidade de vida da população local. As respostas podem incluir atividades sobre regulamentação, custos ambientais ou de pesquisa, opinião pública e preferências da comunidade, mudanças nas gestões administrativas e na aquisição de informações sobre o meio ambiente. Os instrumentos incluídos nesta categoria da matriz tentam responder à pergunta: O que estamos fazendo? A matriz de avaliação ambiental FPEIR é uma metodologia global aplicada para levantar indicadores ambientais de análise e diagnósticos territoriais, podendo ser contextualizada a nível local. As informações se completam e se interpolam, os conceitos da matriz são uma busca por várias fontes, como considerar as pesquisas científicas existentes, os dados disponíveis pelos institutos responsáveis, as legislações e mudanças de zoneamentos do uso e ocupação do solo, estudo de relatórios e diagnósticos ambientais e implantação de políticas públicas, compreendendo todos os fatores envolvidos pela trajetória histórico-cultural da população e dos processos de urbanização. 46 4.4.2 FOFA/SWOT A matriz de avaliação FOFA/SWOT forma quatro eixos de análises. Dois eixos correspondem a aspectos internos, Forças e Fraquezas (Strenghts, Weaknesses) e outros dois a aspectos externos, Oportunidades