UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS LUIZ GUSTAVO VICENTE PENNA O DIREITO PENAL E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA DE EMBRIÃO HUMANO FRANCA 2013 LUIZ GUSTAVO VICENTE PENNA O DIREITO PENAL E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA DE EMBRIÃO HUMANO Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania. Orientador: Prof. Dr. Paulo César Correa Borges FRANCA 2013 LUIZ GUSTAVO VICENTE PENNA O DIREITO PENAL E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA DE EMBRIÃO HUMANO Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Sistemas Normativos e Fundamentos da Cidadania. BANCA EXAMINADORA Presidente:__________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo César Corrêa Borges 1º Examinador: _____________________________________________________ 2º Examinador: ______________________________________________________ Franca, ___de ______________de _____. À minha esposa Janaina De Brino Penna, presente de Deus para minha vida. Aos meus filhos Pedro e Marina, razões do meu viver. AGRADECIMENTOS Agradeço à minha esposa Janaína de Brino Penna, por todo o amor, carinho e paciência que teve comigo durante o discorrer deste trabalho. Peço desculpas aos meus filhos Pedro e Marina pelas inúmeras ausências e pouca paciência. Agradeço ao meu Sogro Roberto Braz de Brino e Carmem Lidia Freitas de Brino (in memoriam) pela confiança, amizade e incentivo. Agradeço ao meu pai João Bosco Penna, por ter apoiado neste projeto, bem como á minha mãe Nilza Maria Vicente (in memoriam) pela educação e inspiração. Agradeço, imensamente, ao meu orientador Professor Paulo César Corrêa Borges, pelos sábios conselhos, pela amizade e pela motivação. Às generosas e bem ponderadas observações das Professoras Patricia Borba Marchetto e Ana Gabriela Mendes Braga durante o exame geral de qualificação. Fundamental importância foi a colaboração dos funcionários da Unesp, em especial Icaro (setor de pós-graduação) e Laura (Biblioteca). Não poderia ainda me esquecer de agradecer a todas as pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para a concretização deste trabalho, especialmente minha amiga Nadia Cristina Franco e Doutor Kennedy Gomes Martins. Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito. (Georges Ripert) PENNA, Luiz Gustavo Vicente. O direito penal e a manipulação genética de embrião humano. 2013. 111 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013. RESUMO O presente trabalho demonstra as implicações penais que podem surgir do resultado das pesquisas relativas à manipulação genética de embrião humano. Sabe-se que a evolução científica no campo da engenharia genética e técnicas de reprodução humana assistida tem sido responsável por grandes avanços na área da saúde. Entretanto, com o dinamismo em que estão sendo adquiridos tais conhecimentos, surgem necessidade de serem fixados limites e responsabilidades. Neste trabalho, é abordada a temática específica da manipulação genética de embriões humanos, estabelecendo sua correlação com os valores éticos, morais e jurídico-penais. É dada ênfase à necessidade de uma tutela penal acerca do tema, bem como às diversas técnicas de manipulação de embrião humano que podem lesar o patrimônio genético e atentar contra a vida. São desenvolvidas as teorias de maior relevância que tentam definir o momento de inicio da vida, bem como a compatibilização entre os interesses de desenvolvimento tecnológico e a indispensável proteção do ser humano. Na busca da legislação adequada, capaz de incentivar as pesquisas e, ao mesmo tempo, impedir abusos, são analisadas as lacunas existentes no ordenamento jurídico-penal no que tange à proteção do embrião, bem com demonstra-se a urgente necessidade da legislação que seja efetiva na proteção do direito à vida e a intangibilidade e inalterabilidade do patrimônio genético, apontando possíveis caminhos para a devida tipificação e responsabilização jurídico-penal dos desvios. Palavras-chave: direitos humanos. direito penal. bióetica. engenharia genética. reprodução assistida. PENNA, Luiz Gustavo Vicente. Criminal law and the genetic manipulation of the human embryo. 2013. 111 f. Dissertation (Mastering in Law ) - Humanities and Social Sciences College, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", France, 2013 . ABSTRACT This article discusses the criminal implications that may arise from the results of research on the genetic manipulation of the human embryo. It is known that the scientific developments in the field of genetic engineering and assisted reproduction techniques has been responsible for major breakthroughs in healthcare. However, the dynamism that is being acquired such knowledge arise needs to be fixed boundaries and responsibilities. In this paper, we addressed the specific theme of genetic manipulation of human embryos, establishing its correlation with the ethical, moral, legal and criminal. It is intended to emphasize the need for a criminal oversight on the subject as well as the various techniques for manipulating human embryo that can damage the genetic heritage and attacking the living. It will highlight the most relevant theories that attempt to define the moment of the beginning of life as well as the challenge of achieving compatibility between the interests of technological development and the necessary protection of the human being. In search of appropriate legislation, able to encourage research and at the same time prevent abuse, we intend to analyze the gaps in the legal - criminal in regard to the protection of the embryo, as well as demonstrate the urgent need for legislation that is effective in protecting the right to life and to inviolability and inviolability of genetic heritage, pointing possible paths for proper classification and criminal legal accountability of deviations. . Keywords: human rights. criminal law. bioethics. genetic engineering. assisted reproduction. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 ÉTICA, MORAL, BIOÉTICA E DIREITO ............................................ 17 1.1 Ética....................................................................................................................17 1.2 Moral...................................................................................................................18 1.3 Costume como fonte do direito........................................................................19 1.4 Bioética e direito ............................................................................................... 19 CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA ENGENHARIA GENÉTICA E REPRODUÇÃO ASSISTIDA ............................................................. 22 2.1 A Genética Humana .......................................................................................... 23 2.2 Engenharia Genética ......................................................................................... 23 2.2.1 Terapia Gênica ................................................................................................. 24 2.2.2 Clonagem ......................................................................................................... 26 2.3 Reprodução Assistida ....................................................................................... 28 CAPÍTULO 3 OBJETIVIDADE JURÍDICA NA PROTEÇÃO PENAL DO EMBRIÃO .......................................................................................... 31 3.1 Caracterização do objeto de proteção ............................................................. 32 3.1.1 Conceituação da vida no ordenamento jurídico brasileiro ................................ 34 3.2 Teorias do início da vida .................................................................................. 35 3.2.1 Teoria da fecundação ou concepcionista ......................................................... 36 3.2.2 Teoria genético-desenvolvimentista ................................................................. 37 3.2.2.1 Teoria da nidação .......................................................................................... 38 3.2.2.2 Teoria do pré-embrião ................................................................................... 38 3.2.2.3 Teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso .............................. 40 3.2.3 Teoria da pessoa humana em potencial........................................................... 41 3.2.4 Teoria Natalista ................................................................................................ 42 3.2.5 Teoria que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana ................. 43 3.3 Início da vida para o Supremo Tribunal Federal ........................................... 44 CAPÍTULO 4 O EMBRIÃO HUMANO E SUA (DES)PROTEÇÃO JURÍDICO PENAL ............................................................................................... 48 4.1 A revogada Lei Federal nº 8.974/95 .................................................................. 48 4.2 A Lei de Biossegurança (Lei Federal nº 11.105/2005) .................................... 50 4.3 Os tipos penais dos artigos 24 a 26 da Lei de Biossegurança ..................... 53 4.4 Estatuto do pré-embrião ................................................................................... 56 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 59 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61 GLOSSÁRIO ............................................................................................................. 77 ANEXOS ANEXO A – Projeto de Lei nº 478/07 e substitutivos ............................................ 81 ANEXO B – Anteprojeto do Estatuto da Reproduzida Assistida – OAB/SP ....... 94 ANEXO C – Propostas para Novas Figuras Penais ............................................ 109 10 INTRODUÇÃO Os avanços das ciências biomédicas, em especial o ramo da engenharia genética e a reprodução medicamente assistida, provocaram sérias consequências nos mais diversos campos do conhecimento humano, levando estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento a refletirem acerca dos parâmetros éticos, jurídicos e sociais (CANOLA, 2009, p. 10). Inúmeras sociedades médicas e países, à partir da década de 90, cientes dos possíveis danos advindos dos novos riscos que poderiam decorrer desta investigação cientifica, resolveram, por bem, estabelecer diretrizes éticas e legislação tendo como objetivo a obtenção de um equilíbrio entre a liberdade de pesquisas cientificas e a efetiva proteção da dignidade da pessoa humana. A Constituição Brasileira com o objetivo primordial de garantir a dignidade, a intimidade, o direito á saúde reprodutiva, a fiscalização as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, bem como o controle e emprego de técnicas que importem risco ao patrimônio genético e à vida, traçou,- em seus artigos 1º, inciso III; art. 5º, X; art. 196, artigo 225, incisos II e V e no art. 226, parágrafo 7º (BRASIL, 1988, online) -, alguns limites. Em 05 de maio de 1986, o Brasil tornou-se signatário do Protocolo do Centro Internacional de Engenharia Genética e Biologia que foi aprovado pelo Decreto-legislativo nº. 76, de 29 de novembro de 1989 (BRASIL, 1989, online). Seu Estatuto, por sua vez, foi aprovado através do Decreto nº 2929, em 11 de janeiro de 1999 (BRASIL, 1999, online). Após a aprovação do Estatuto de Centro Internacional de Engenharia Genética e Biologia, houve a necessidade de regulamentar os incisos II, IV e V do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988, online). Para tanto, sempre pautando nos Princípios baseado na dignidade, no respeito à inviolabilidade, à integridade, ao direito á saúde reprodutiva e á vida, foram edificadas algumas normas a saber: 11 a) Leis e Decretos-Lei: - Lei nº 8.974/95 Esta lei estabelece normas para uso de técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados (a fertilização in vitro está excluída conforme redação do artigo 3º e inciso). As figuras típicas estão elencadas no artigo 13º e seguintes. Referida lei, além de conter algumas contradições e imprecisões, não descreve com clareza a conduta proibida (BRASIL, 1995, online). - Lei nº 11.105/05 Denominada como Lei de Biossegurança Nacional, a Lei nº 11.105/05 foi elaborada com o objetivo de estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização que envolve os Organismos Geneticamente Modificados e a utilização de células-tronco para fins de pesquisa e terapia (BRASIL, 2005a, online). - Decreto-Lei nº 5.591/05 Este decreto-lei foi editado com o intuito de regulamentar dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Nele encontramos um conceito bastante utilizado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, qual seja, o conceito de viabilidade e embriões congelados disponíveis (artigo 3º) (BRASIL, 2005b, online). b) Projetos de Lei: Além das normas acima elencadas, ressalta-se a existência de alguns projetos de leis que encontram-se aguardando parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara, dentre eles, destacam-se: - Projeto de Lei nº 1.184/03 Apresentado em 03 de junho de 2003, pelo Senador Lucio Alcantara, referido projeto define normas para a realização de inseminação artificial 12 e fertilização “in vitro”; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical (ALCANTARA, 2003, online). - Projeto de Lei nº 478/07 Aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação em 05 de junho 2013, este projeto denominado Estatuto do Nascituro encontra-se aguardando a sua aprovação pela Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania para, após, ser analisados pelo Plenário do Congresso Nacional (BASSUMA; MARTINI, 2007, online). Objeto de estudo em capítulo próprio, este projeto de lei possui disposições que estão em flagrante desacordo com o ordenamento jurídico vigente. - Projeto de Lei nº 3.977/12 Apensado ao projeto número 1184/13; este projeto foi apresentado em 30 de maio de 2012, pelo Deputado Lael Varella, com o objetivo de regulamentar o acesso às técnicas de preservação de gametas e Reprodução Assistida aos pacientes em idade reprodutiva submetidos a tratamento de câncer (VARELLA, 2012, online). Este projeto de lei, juntamente com o projeto de número 1184/13, encontra-se aguardando parecer na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. - Projeto de Lei nº 4.982/12 Apensado ao Projeto de Lei nº 1.184/13, referido projeto pretende instituir o Estatuto da Reprodução Assistida, bem como regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais (PAIVA, 2012, online). c) Resoluções e Portarias Considerando os avanços biotecnológicos e os impactos destas inovações na vida cotidiana, o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Federal 13 de Medicina e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, com objetivo de regular e proteger os eventuais abusos que venham ocorrer, resolveram editar algumas normas. Vejamos: c.1) Conselho Nacional de Saúde (CNS)/Ministério da Saúde (MS): - Resolução nº 001/88 (revogada pela posterior) Regulamenta o credenciamento de Centros de Pesquisa no país e recomenda a criação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em cada centro (CNS, 1988, online). - Resolução nº 196/96 Estabelece diretrizes e normas éticas regulamentadoras para utilização das técnicas de reprodução medicamente assistida (CNS, 1996, online). - Resolução nº 240/97 Define o termo “usuários” para efeito de participação dos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições, conforme determinada a Res. CNS 196/96, item VII. Ou seja, define representação de usuários nos CEPs e orienta a escolha (CNS, 1997a, online). - Resolução nº 251/97 Contempla a norma complementar para a área temática especial de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos e delega aos CEPs a análise final dos projetos nessa área, que deixa de ser especial (CNS, 1997b, online). - Resolução nº 292/99 Estabelece normas específicas para a aprovação de protocolos de pesquisa com cooperação estrangeira, mantendo o requisito de aprovação final pela CONEP, após aprovação do CEP (CNS, 1999, online). - Resolução nº 303/00 Contempla norma complementara para a área de Reprodução Humana, estabelecendo sub-áreas que devem ser analisadas na Conep e 14 delegando aos CEPs a análise de outros projetos da área temática (CNS, 2000a, online). - Resolução nº 340/04 Esta resolução aprova as Diretrizes para Análise Ética e Tramitação dos Projetos de Pesquisa da Área Temática Especial de Genética Humana (CNS, 2004, online). - Portaria nº 2.526/05 Dispõe sobre as informações de dados necessários à identificação de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro (MIMINSTÉRIO DE SAÚDE, 2005, online). c.2) Resoluções Conselho Federal de Medicina (CFM): - Resolução nº 1.358/92 Revogada pela Resolução nº 1957/10, esta resolução adota normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida (CFM, 1992, online). - Resolução nº 1.931/09 Aprova o código de ética médica. Seus artigos 15º e 16º estão em perfeita sintonia com a Lei nº 11.105/05 (CFM, 2009, online). - Resolução nº 1.957/10 (revoga a Resolução nº 1.358/92) Esta resolução adota normas éticas para a utilização de técnicas de reprodução assistida, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos (CFM, 2011, online). - Resolução nº 2.013/13 (revoga a Resolução nº 1.957/10) Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos (CFM, 2013, online). 15 c.3) Resoluções Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA): - Resolução da ANVISA, exarada pela DIRETORIA COLEGIADA, nº 33 – de 17/12/06 Estabelece critérios para criação de bancos de células e tecidos germinativos (ANVISA, 2006, online). - Resolução da ANVISA, exarada pela DIRETORIA COLEGIADA, nº 29 – de 12/05/08 Aprova o regulamento técnico para o cadastramento nacional dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTG) e o envio da informação de produção de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados nos respectivos procedimentos. Com base no exposto, após analisar com acuidade as principais leis, portarias e resoluções vigentes, pode-se concluir, sem medo de errar, que o Direito Brasileiro ainda carece de uma legislação adequada e eficaz na contenção dos riscos e eventuais abusos inerentes à manipulação genética do embrião humano. Contudo, na tentativa de suprir as lacunas existentes no ordenamento jurídico vigente, os operadores do Direito, na maioria das vezes, busca proteger as pessoas envolvidas nos procedimentos de engenharia genética através dos princípios gerais baseados na dignidade, na integridade, na proteção ao corpo humano e na vida. Como será examinado no capitulo 2 deste trabalho, vários são os procedimentos utilizados pela Engenharia Genética que incluem a manipulação genética de embriões humanos para fins de pesquisa. Estas manipulações levantam, entre outras questões, a polêmica da produção dos embriões excedentários que, nem sempre inseminados, são congelados por tempo indeterminado, ii) a necessidade de estabelecer limites aos métodos utilizados na engenharia genética, iii) as diversas formas de lesões ao patrimônio genético, iv) bem como os eventuais riscos à vida do embrião. 16 Para melhor analise destas indagações, indispensável será definir substância embrionária, embrião, feto, bem como traçar conceitos sobre vida humana dependente, isto é, anterior ao nascimento, e vida humana independente. Para tanto, identificar-se-á substrato como pressuposto para o reconhecimento do bem jurídico digno de proteção pelo Direito. Após, será possível identificar as condutas e os bens jurídicos atingidos pelas diversas intervenções tecno- científicas, bem como verificar eventual necessidade destes bens jurídicos serem protegidos pelo Direito, por qual ramo do Direito e com que proporção. Na posse destes elementos, será examinada as imprecisões jurídicas e as lacunas existentes na legislação penal vigente, apontando possíveis caminhos para a devida tipificação e responsabilização jurídica aos atos envolvendo a manipulação genética de embriões humanos. 17 CAPÍTULO 1 ÉTICA, MORAL, BIOÉTICA E DIREITO 1.1 Ética Apesar das dificuldades que o tema sinaliza, uma compreensão dos termos de ética e moral é de suma importância para o que se propõe neste trabalho. Ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens. A ética estuda uma forma de comportamento humano que os homens julgam valioso, obrigatório e inescapável. Ela fornece a justificação e a compreensão racional do comportamento dos homens. A função da ética não é prescrever normas de conduta para as ações morais dos homens, mas sim tentar explicar a razão de vigorarem aquelas e não outras normas morais (SILVA, J. A. L., 2005, p. 31). É verdade que cada sociedade possui seu código de ética, ou seja, seu modo de comportar-se. No entanto, uma sociedade é considerada ética quando seu conjunto de regras, princípios e modos de pensar busca o bem estar de todos de forma democrática (FABRIZ, 2003, p. 76). Ao tratar de temas relacionados à ética não há como negar a existência de inúmeros posicionamentos sobre seu conceito. Contudo, dentre os diversos entendimentos sobre a ética, não seria errôneo considerar que o termo é utilizado para designar a investigação sobre as dimensões daquilo que é bom (SILVA; PENNA, 2012, p. 35). Ao analisar os diversos conceitos apresentados pela doutrina, pode-se concluir que tanto a ética quanto a moral são elementos indissolúveis e indispensáveis na produção e na consolidação da realidade social, devendo compor um elemento intimamente ligado a todo tipo de atuação humana (CANOLA, 2009, p. 18). 18 1.2 Moral A ética é o gênero do qual a moral é uma espécie. Numa breve definição de moral, é possível defini-la como a ética materializada pelo costume social, independentemente de cominação de qualquer sanção (CUNHA, 2009, p. 29). A moral, para Barchifontaine, é o conjunto de atos repetidos, tradicionais e consagrados, utilizados para preservar um sistema ou uma organização. A ética e moral não se confundem, sendo a primeira, uma ciência especifica; a segunda, seu objeto (BARCHIFONTAINE, 2004, p. 55). Enquanto ciência, a ética esta voltada para a compreensão e explicação do comportamento moral do homem e a moral, por sua vez, se constitui especificamente pelos atos humanos concretos, os quais são orientados por princípios, valores e normas éticas (SILVA, J. A. L., 2005, p. 42). Portanto, não seria errôneo considerar que a moral é mutável, em razão do meio cultural e do momento histórico em que é analisada. Ética e moral, muitas vezes, podem apresentar-se como sinônimos, porém, a ética, segundo Canola (2009, p.17), busca a valoração do comportamento humano sob o ponto de vista do bem ou do mal, buscando visualizar os pressupostos necessários para moralizar tal conduta. Já a moral, que é um ato espontâneo, busca designar o próprio agir do homem, levando em consideração a análise dos costumes de determinada sociedade ou pessoa. Para Cunha (2009, p. 30), a espontaneidade que marca os deveres morais advém da inexistência de sanção em razão de sua inobservância. Quando a moral é incorporada ao Direito, não há que se falar em obrigação moral, pois a moral é incompatível com a violência, com a força, ou seja, com a coação, mesmo quando a força se manifesta juridicamente organizada. Assim, a ética mesmo com sua origem em modelos de conduta abstratos passou a ser incorporada por diversos ramos do conhecimento. Dessa interação surgiram normas que deixaram de ser preceitos subjetivos para ser tornarem obrigações de comportamento que podem ser coercitivamente exigidas (CANOLA, 2009, p.18). 19 1.3 Costume como fonte do direito Entende-se por costume a prática de determinada conduta, repetida de maneira uniforme e constante pelos membros de uma comunidade contida na sociedade. A doutrina pátria classifica os costumes da seguinte forma: secundum legem (costume expressamente indicado pela lei), praeter legem (comportamento que não é previsto pela lei) e contra legem (conduta contrária a lei). Os costumes secundum legis estão expressos no próprio texto legal e, por isto, acabam perdendo sua noção de costume propriamente dito (CUNHA, 2009, p. 35). Podemos tomar como exemplos, deste tipo de costume, o inciso II do artigo 569, No que pertine ao costume praeter legiem, destaca-se que os mesmos servem para suprir as lacunas da lei em sua interpretação. Diz-se isso haja vista o ordenamento jurídico consagrar o acolhimento de tais regras não escritas como fonte do direito no caso concreto. Neste sentido o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil assim determina “[...] quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” (BRASIL, 1942, online). Os costumes, neste caso, passam a servir como complemento da lei (costume praeter legem). Como bem salientado por CUNHA (2009, p. 37), apesar da ética e a moral não possuírem a necessária coação que possui o Direito, por meio dos costumes, que as materializam e instrumentalizam, acabam por servir de diretrizes e matrizes para a formação do ordenamento jurídico. 1.4 Bioética e Direito Os avanços da biotecnologia possibilitam a reflexão sobre questões atinentes a dignidade do ser humano, objeto da bioética. A bioética indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, que tem como objetivo elucidar 20 e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço das tecnociências biomédicas. Este termo foi usado pela primeira vez em 1971 no título da obra de Van Rensseldaer Potter, da Universidade de Wisconsin, em sua obra Bioética: a Ponte para o Futuro (MARTINS, A. B, 2011, p. 37). Em 1978, a Encyclopedia of Bioethics definiu a bioética como sendo “[...] o estudo sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar.” (DINIZ, 2001, p. 10). Para Silva e Penna (2012, p. 36), a bioética deve ser compreendida e estudada como “[...] uma ética aplicada ás inúmeras dimensões da vida humana, que visa pautar a conduta do homem nas áreas da ciência da vida, com a finalidade de inserir certos valores e princípios morais em tais condutas.” Com o avanço incomensurável das pesquisas tecno-científicas, o campo da bioética encontra-se em flagrante expansão. Todas as questões atinentes à manipulação genética, abortamento, eutanásia, eugenia, genoma humano, transplantes, recombinação gênica, clonagem, reprodução assistida e, inclusive, a destinação dos embriões in vitro encontram-se inseridas no campo da Bioética (MARTINS, A. B., 2011, p. 37). A Bioética deve-se se preocupar em estabelecer regras que possibilitem a melhor utilização da evolução tecnológica. Contudo, as regras por ela criadas, às vezes, sem coerção, são interpretadas apenas como conselhos morais para a utilização correta dessas técnicas e, por isto, muitas vezes, tornam- se inócua (CANOLA, 2009, p. 28). A íntima relação entre a Bioética e o Direito, teve e ainda tem como finalidade principal, incorporar aos valores defendidos pela bioética a exigibilidade necessária para que tenham uma atuação efetiva no sentido de controlar a atividade cientifica (CANOLA, 2009, p. 29). Desta forma, a bioética nada mais é que o estudo ético-filosófico de dimensão moral, enquanto o biodireito, por sua vez, é a positivação das normas delas derivadas (MARTINS, A. B., 2011, p. 37). Dúvidas não há que o Biodireito é de suma importância para o desenvolvimento da coletividade, pois mediante a sua atuação, será possível 21 atingir um equilíbrio entre a liberdade de pesquisas científicas e a dignidade de pessoa humana em todos os seus aspectos. Quando a atuação científica não resultar em qualquer violação aos direitos fundamentais, o que se deve fazer é permitir ampla liberdade de investigação científica. Contudo, segundo Canola (2009, p. 35), essa liberdade “[...] não pode ser irrestrita, devendo ser submetida a limitações necessárias na busca pela preservação de uma vida digna por parte dos seres humanos, sendo que tais restrições serão implementadas através das prerrogativas pregadas pelo Biodireito.” 22 CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA ENGENHARIA GENÉTICA E REPRODUÇÃO ASSISTIDA O desenvolvimento das pesquisas científicas encontram-se em um ritimo acelerado, resultando no frequente surgimento de novas técnicas. Atualmente o progresso científico é parte integrante e permanente no dia-dia das pessoas. O consumo de alimentos transgênicos, a existência de animais clonados e modificados, o mapeamento genético das plantas e o tratamento de doenças de células-tronco são alguns exemplos deste avanço científico. Este progresso científico, em razão de suas implicações éticas e jurídicas, deve ser discutido exaustivamente com todo sociedade, seja com a realização de audiências públicas, seja como com a viabilização de outros mecanismos de participação. Há oito anos foi aprovada a Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que regulamenta o plantio e a comercialização de produtos geneticamente modificados e permite as pesquisas com células-tronco humanas. Contudo, mesmo com o advento desta legislação e algumas resoluções, em especial a de nº 2.013/13, recentemente edita pelo Conselho Federal de Medicina; o direito brasileiro ainda carece de uma legislação adequada. É verdade, segundo Maluf (2002, p. 55), que o Direito sempre intervém muito tarde nos problemas surgidos na realidade social, enquanto as ciências caminham mais rapidamente. Contudo, a dificuldade na regulamentação da matéria deve-se à velocidade com que a ciência avança em comparação ao Direito. Para Paulo Vinicius Sporleder de Souza (2001, p. 38), as técnicas de engenharia genética e reprodução assistida são as grandes responsáveis pelos delitos genéticos. 23 2.1 A Genética Humana Antes de adentramos as questões atinentes às técnicas de engenharia genética e reprodução assistida, bem como analisar os crimes de manipulação genética, deve-se destacar que genética humana pode ser considerada como a ciência que estuda a trasmissão da hereditariedade dos organismos vivos. O estudo da Genética Humana engloba tanto as questões relativas ao generare e ao genus (MALUF, 2002, p.11). A palavra generare esta conectada aos problemas de procriação, ou seja, às técnicas de reprodução assistida. Já a palavra genus, por sua vez, significa espécie, e esta relacionada com a possibilidade de investigação e alteração do patrimonio genetico humano pela engenharia genética. 2.2 Engenharia Genética A Engenharia Genética compreende, assim, a totalidade das técnicas dirigidas a alterar ou modificar a carga hereditária de alguma espécie, seja com o fim de superar a enfermidade de origem genética (terapia genética), seja com objetivo de produzir modificações ou transformações com fins experimentais. Maluf (2002, p. 17), ao definir Engenharia Genética, a destaca como o conjunto de técnicas que alteram ou modificam os caracteres hereditários de uma espécie, procurando eliminar malformações ou enfermidades de origem genética ou mesmo efetuar alterações ou transformações, com fins experimentais, isto é, de conseguir a concepção de um individuo com características até então inexistentes na espécie. Não poderia deixar de mencionar que a Lei de Biossegurança Nacional, por sua vez, define Engenharia Genética como sendo a “Art.3º [...] VI – atividade de produção e manipulação de ADN/ARN recombinante.” (BRASIL, 2005a, online). 24 A recombinação genética, segundo Maluf (2002, p.19), “[...] é o processo de intercâmbio de informação hereditária entre dois organismos independentes, acarretando a produção de novas combinações de genes e facilitando o aparecimento de organismos variantes dentro de uma espécie determinada.” O objetivo desta técnica é obter novos produtos biotecnológicos, bem como promover a cura ou prevenção de enfermidades, anomalias ou defeitos graves devido a causas genéticas (SOUZA, P. V. S, 2001, p. 39). 2.2.1 Terapia Gênica A engenharia genética está proporcionando a ocorrência de diversas intervenções nos componentes genéticos humanos. Dentre estas potencialidades destaca-se a terapia gênica. Esse tipo de terapia consiste na adição, modificação, substituição ou supressão dos genes relacionados ao aparecimento de determinadas enfermidades, anomalias ou defeitos graves, por outro, geneticamente modificado. A terapia gênica pode ocorrer tanto nas células-tronco humanas germinais, quanto nas somáticas. A terapia gênica em células-tronco humanas germinais esta relacionada com a manipulação de células de reprodução (espermatozóide, óvulos ou até mesmo pré-embriões) e consiste em promover a cura de patologias genéticas mediante a introdução de genes em células que se encontram em processo germinativo e ainda não alcançaram uma fase de desenvolvimento celular diferenciado, ou seja, células-tronco (totipotentes). A terapia gênica germinal, em outras palavras, ocorre quando genes são inseridos no ovo fertilizado, havendo a possibilidade das conseqüências da manipulação genética ser transmitidas hereditariamente. A terapia genética somática consiste na inserção de “novos” genes em células somáticas, quais sejam, todas as células do corpo, exceto os óvulos, os espermatozóides e as células que os originam. 25 Na terapia genética de célula somática o genoma do indivíduo é modificado, todavia, ao contrário do que ocorre com as células germinais, a referida alteração não interfere de maneira irreversível e imprevisível no patrimônio genético e pode ser apresentada como uma terapia médica curativa. Diante a interferência irreversível e imprevisível no patrimônio genético, a Lei nº 11.105/05, em seu art. 6º, incisos II e III, em consonância com o artigo 225, caput, da Constituição Federal, veda expressamente a manipulação genética de células germinais humanas, a intervenção de material genético humano in vivo e o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, salvo para fins terapêuticos (ROCHA, 2007, p. 226). É relevante salientar que, além da terapia gênica, outras técnicas científicas ganharam destaque na sociedade, entre elas destacam-se o mapeamento do genoma humano, a questão da eugenia genética, a clonagem e a problemática dos embriões excendentários. O estudo do genoma humano está relacionado com o objetivo de desvendar todas as estruturas genéticas que compõem o ser humano. O seu conhecimento total desvelará a origem do conjunto de proteínas responsáveis por todas as características do individuo, possibilitando a manipulação desses elementos e a obtenção de diversas informações, como a predisposição para doenças genéticas incuráveis. Com o estudo do genoma humano, inúmeras discussões eclodiram sobre a possibilidade de se escolher as futuras características de uma pessoa através da seleção (artificial) do embrião com determinada composição genética especifica. A seleção artificial para o aprimoramento de uma determinada espécie através de uma seleção artificial (Eugênia) foi dissecada por Francis Galton. Francis Galton (1822-1911) utilizou o termo Eugenia para designar as atividades cientificas intimamente voltadas a melhorar o pool gênico humano, dando às características desejáveis maiores chances de prevalecer. Vale ressaltar que esta técnica, atualmente, é realizada através da analise do material genético do embrião, por meio de uma biopsia, chamado diagnóstico pré-gestacional (PGD). Esta técnica visa, primordialmente, o 26 diagnóstico de doenças genéticas. Contudo, a seleção do sexo também pode ser realizada dessa maneira, a fim de evitar doenças ligadas ao sexo. O Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de impedir que a genética fosse, bem como ainda seja utilizada na busca de uma seleção na raça humana, proíbe a seleção de características e do sexo no embrião a ser implantado, salvo no caso de doença genética hereditária. 2.2.2 Clonagem A clonagem é definida no artigo 3º, inciso VIII, da Lei de Biossegurança Nacional (Lei nº 11.105/05). Referido artigo define clonagem como o processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem a utilização de técnicas de engenharia genética. Um clone, segundo Cunha (2009, p. 40) é cópia geneticamente idêntica de um ser vivo. É um organismo ou grupo de organismos que deriva de outro mediante a reprodução assexuada. Duas são as técnicas de clonagem conhecidas na literatura biomédica que poderiam ser aplicadas em seres humanos: a) clonagem por divisão embrionária e b) clonagem por transferência de núcleo. Quanto à clonagem por divisão embrionária cabe frisar que este fenômeno i) pode acontecer espontaneamente na natureza, como por exemplo, no caso dos gêmeos monozigóticos ou univitelíneos, ii) bem como artificialmente, de forma induzida em laboratório, mediante a divisão de um embrião nos seus primeiros estágios de desenvolvimento (SOUZA, P. V. S., 2001, p. 211). A clonagem por transferência nuclear, por sua vez, diferentemente da clonagem por divisão embrionária, acontece através da transferência do núcleo de uma célula somática (embrionária ou adulta) qualquer (de um individuo já nascido ou mesmo morto) a um óvulo previamente desnculeado. A fecundação ocorre mediante impulsos elétricos – mesmo sem participação do gameta 27 masculino (espermatozóide), na qual será obtido então um organismo embrionário clônico. O conhecimento mais importante extraído desta técnica é o de que as células adultas, e, com isso, já diferenciadas para atuarem como uma célula específica podem ter a sua composição genética reprogramada, para voltarem a um estágio equivalente ao embrionário, fazendo com que, ao serem transferidas para um óvulo desnucleado, sejam capazes de criar um embrião e, caso implantadas em um útero, se desenvolver até gerar um novo individuo adulto, com as mesmas características genéticas do indivíduo originário. A clonagem pode ser realizada para fins reprodutivos, que consiste naquela com o objetivo de obter um individuo idêntico ao que foi submetido à técnica, ou para fins terapêuticos, que tem por finalidade a obtenção de células- tronco embrionárias, a serem utilizadas em futuras terapias. Na clonagem terapêutica, as células são cultivadas em laboratório, dando origem a células-tronco, ainda indiferenciadas. Essas células são estimuladas a se transformar em um tecido especifico e, após, utilizadas para a reposição de órgãos humanos afetados por doenças, como o mal de Parkinson, câncer e leucemia. Na clonagem terapêutica o embrião nunca será introduzido em um útero e, com isso, nunca se desenvolverá até o nascimento de um novo ser, mas apenas será aproveitado como fonte de células-tronco, que serão utilizadas na implementação de terapias em favor do próprio doador do material genético. Essa identidade genética entre o doador e o receptor do material, em teoria, impede que se desenvolva um processo de rejeição A Lei de Biossegurança Nacional, em seu artigo 26, considera delituosa a clonagem humana. Contudo, ao determinar a conduta da clonagem humana, não promove a distinção entre clonagem terapêutica e fins reprodutivos, proibindo, desta forma, em tese, ambas as espécies. 28 2.3 Reprodução Assistida Uma outra face da Genética Humana é a Reprodução Assistida, que tem por finalidade o auxilio aos casais na luta contra a esterilidade, a infertilidade ou a sub-fertilidade, que podem ser origem tanto masculina quanto feminina. É relevante salientar que ela também pode ser utilizada na prevenção de doenças genéticas ligadas à descendência. Isso porque mencionada técnica permite analisar as características genéticas do embrião antes de implementá-lo, possibilitando a exclusão daqueles que são do sexo em que uma doença genética especifica se manifesta ou portadores de uma enfermidade de origem genética. Contudo, repisa-se, o histórico genético e familiar do casal deve justificar tal conduta, visando, com isso, combater a eugenia genética e a simples vaidade dos pais (banal seleção de características do filho por uma simples vontade dos pais). O parágrafo 7º do artigo 226, da Constituição Federal, estabelece que, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito, o que resulta na criação de um verdadeiro direito à reprodução assistida. A reprodução assistida pode ser conceituada como o conjunto de técnicas que tem como fim provocar a gestação mediante a substituição ou a facilitação de alguma etapa que se mostre deficiente no processo reprodutivo. A Resolução nº 2013/13 do Conselho Federal de Medicina a define como o conjunto de técnicas cujo papel é auxiliar na reprodução dos problemas da infertilidade humana. Esta resolução estabelece as normas técnicas a serem observadas pelos profissionais médicos na utilização de mencionadas técnicas e, quando realizadas de acordo com as regras estabelecidas, não resultam em grandes conseqüências ético-jurídicas, salvo quando utilizadas de forma abusiva. As principais questões delineadas por este regramento são: a) consentimento informado dos envolvidos na realização da técnica; b) a seleção do sexo; c) a criopreservação de gametas e embriões. 29 São vários os métodos e técnicas de reprodução humana assistida, entre eles destacam-se: a) a inseminação intra-cervical e intra-uterina; b) a transferência de gametas para a tuba uterina (GIFT); c) a transferência de zigoto para a tuba uterina (ZIFT) e, por fim, b) a fecundação in vitro com posterior transferência do embrião para o útero (FIVETE). Utilizando procedimento adequado de modo que a informação genética contida no sêmen seja preservada, a inseminação intra-uterina consiste no recolhimento de espermatozóides do cônjuge (homologa), companheiro (homologa) ou terceiro (heteróloga) doador. Após, os mesmos são inseridos através da cavidade vaginal, por meio de um cateter flexível para que possam atingir com maior facilidade o óvulo e promover a fecundação. O método de transferência Intratubária de Gametas (GIFT), por sua vez, consiste na captação de óvulos da mulher através de laparoscopia, via pequena incisão na parede do abdome feminino, ao mesmo tempo em que se colhe o esperma do marido. Assim que os óvulos estiverem recolhidos, eles são introduzidos em um fino cateter com o esperma do cônjuge que imediatamente é transferido em uma ou nas duas trompas (geralmente um ou dois óvulos, com aproximadamente, cem mil espermatozóides por trompa). Eventuais óvulos excedentes serão fecundados “in vitro” e os embriões obtidos poderão ser congelados e conservados a fim de serem recolocados posteriormente, em caso de fracasso da tentativa, ou para uma segunda e até terceira criança. Na Transferência Intratubária de Zigotos (ZIFT), ambos os tipos de gametas – espermatozóide e óvulo – são postos em contato “in vitro” (ambiente artificial), em condições apropriadas para sua fusão. O zigoto ou zigotos resultantes dessa fertilização são transferidos diretamente para a tuba uterina. Essa transferência se dá no momento em que o embrião a ser implantado no corpo da mulher já passou por uma divisão celular, estando em um estágio entre duas e oito células (PORTO; MELLO FILHO, 2012, p. 93). Por fim, tem-se a Fertilização “in vitro” (FIV ou FIVETE) que é a técnica mais utilizada atualmente. Nesta técnica, a fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões ocorrem fora do corpo, no laboratório, e os embriões com maior probabilidade em gerar gestação saudável são transferidos para o útero. 30 A transferência por volta do quinto dia é compatível com os acontecimentos in vivo, pois é nesta fase de blastocisto que, no processo natural, o embrião estaria atingindo o útero, o que representa uma maior possibilidade de que a sua eclosão e a sua nidação na parede uterina ocorram de maneira mais eficiente. O Conselho Federal de Medicina, através da sua Resolução 2013/13, permite que seja inserido o número máximo de quatro embriões por tentativa, aumentando desta forma as chances de sucesso da técnica e impedindo uma gravidez com um grande número de fetos. Os embriões não utilizados nesta técnica são congelados por volta do terceiro ou quarto dia, na denominada fase de mórula. Isso porque, nesta fase, além de não ter eclodido, também é possível determinar a sua viabilidade Como se pode perceber, é plenamente possível promover o desenvolvimento do embrião em um ambiente laboratorial. Contudo, após um determinado período, ele não poderá mais ser implantado no útero feminino, pois, segundo pesquisas científicas, terá perdido a capacidade de estabelecer a nidação e, por isto, servirá apenas para analises cientificas (Lei nº 11.105/05) ou descartes (Resolução CFM nº 2013/13). 31 CAPÍTULO 3 OBJETIVIDADE JURÍDICA NA PROTEÇÃO PENAL DO EMBRIÃO A natureza jurídica do fruto da concepção tem gerado, nas primeiras etapas de sua evolução, incessantes discussões de posições irredutíveis, convertendo-se, assim, num dos problemas centrais a elucidar. Em todas as áreas em que a teoria da vida é analisada não há uma uniformidade nas conclusões, e estas podem ser modificadas com a evolução dos tempos. Somente para se ter uma idéia, a disciplina religiosa, por exemplo, entende o início da vida de forma diferente, o colocando em períodos distintos (GUIMARÃES, 2012, p. 11). No Budismo há o entendimento que a vida não possui um ponto inicial, sendo a mesma contínua e presente em tudo que existe. O Espiritismo, perfilhando este entendimento, entende que a alma sempre existiu, sendo o corpo apenas um meio para a sua reencarnação (GUIMARÃES, 2012, p.11). Os Católicos, hinduístas e protestantes possuem a mesma opinião, qual seja, que a vida se inicia no momento da concepção; todavia os protestantes admitem o uso de embriões e aborto em determinados casos, como para salvar uma outra vida. Ao contrário do catolicismo, hinduísmo e protestantes, os dogmas do Espiritismo ensinam que a alma sempre existiu, sendo o corpo mero instrumento para a reencarnação (GUIMARÃES, 2012, p.11). Perfilhando os ensinamentos do espiritismo, tem-se o Budismo que, por sua vez, considera a vida como um processo sempre contínuo e ininterrupto. Acredita que a vida não começa apenas com a fecundação mas sim, esta presente em tudo que existe em volta (REIS, online). Atualmente, filósofos e cientistas, mesmo diante tantas tecnologias e frentes de estudo neste sentido, ainda não chegaram a um consenso quanto à definição do momento exato em que a vida humana tem início. No Brasil, essa pergunta relevante teve recente evidência devido à votação no Supremo Tribunal Federal sobre o aborto de fetos anencéfalos e também a utilização de células- tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. 32 3.1 Caracterização do objeto de proteção Os avanços tecnológicos existente na sociedade pós-industrial, bem como os riscos causados pelo progresso científico à dignidade humana vieram confirmar a indiscutível necessidade do direito penal intervir como instrumento de garantia da sociedade contra os riscos provocados pelas decisões humanas. Para gerir estes riscos, a atual política criminal passou a reclamar uma atuação mais preventiva do Sistema Criminal. Por este motivo, para muito além da inserção do risco não permitido no epicentro da teoria do injusto, com a mudança pragmática da política criminal, a prevenção passou a ser entendida como objetivo principal do Direito Penal, fazendo, com isto, fato gerador de diversos delitos intitulados crimes de perigo abstrato. Perfilhando este entendimento, Alessandra Beatriz Martins (2011, p. 42) preconiza, em sua obra, que na sociedade de risco, o Direito como um todo – e o Direito Penal como um particular subsistema social – passa atuar “[...] como instrumento de gestão de riscos, atividade esta que pressupõe o conhecimento e a definição dos riscos permitidos e não permitidos, assim como a definição e a aplicação de medidas preventivas ou reparadoras de eventual dano.” Os riscos provocados i) pela colheita de material genético para a realização de diagnósticos pré-natal, ii) as experiências ocorridas utilizando-se de substância embrionária (pré-embrião), iii) a terapia embrionária e fetal, que tem por finalidade a cura ou a prevenção de doenças ou defeitos congênitos, iv) as radiações e v) intervenções cirúrgicas no interior do ventre materno, fizeram com que novas formas de agressão à dignidade humana viessem a existir Para Paulo Vinicius Sporleder de Souza (2001, 81-82), a vida, a integridade genética, a identidade e intimidade genéticas, a individualidade, a diversidade, a inalterabilidade e a intangibilidade do patrimônio genético são simples derivativos do princípio ou direito á dignidade, dignidade esta, por sua vez, que pode ser: subjetiva, quando relacionada ao próprio ser humano individualmente; ou objetiva, quando relativa à humanidade como um todo. 33 Como é sabido, atualmente a Ciência Jurídica tem revelado vocacionada à defesa desta dignidade. Tanto assim é que a Constituição da República de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, inciso III, a insculpiu no titulo dedicado aos princípios fundamentais e direitos/ garantias fundamentais. Para alguns doutrinadores, os direitos fundamentais possuem status de intangibilidade, cujo sacrifício não pode ser legitimado sob qualquer justificativa. Os direitos fundamentais – direitos humanos concretizados- adquirem a função de irrenunciabilidade e inviolabilidade, devendo, assim, ser tutelado pelo Direito Penal em suas diversas formas, não aceitando qualquer relativização através de políticas criminais haja vista ser da essência do próprio ser humano (GUIMARÃES, 2012, p. 24). O Código Penal Brasileiro em seus artigos 121 a 128, tipifica as hipóteses de crimes contra a vida humana, dispondo sobre os delitos de homicídio; induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio, infanticídio e aborto. Tal localização demonstra, com clareza, que para o Direito Penal a vida humana é o bem jurídico- penal mais valioso. No que pertine ao patrimônio genético humano, ressalta-se que o artigo 225, § 1º, II, da Constituição Federal prescreve que incumbe ao Poder Público “[...] preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.” Assim, com a intenção de evitar os excessos na área da engenharia genética, o legislador, resolveu, por bem, regulamentar os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, com o advento da Lei nº 8.974/95, a qual foi recentemente revogada pela Lei nº 11.105/2005. Por sua ligação com o tema, as condutas consideradas pela legislação como atentatórias ao patrimônio genético humano serão analisadas oportunamente, destacando os procedimentos relacionados a manipulação genética de células germinais humanas; a intervenção em material genético humano in vivo e a produção, o armazenamento, bem como manipulação de embriões humanos. 34 3.1.1 Conceituação da vida no ordenamento jurídico brasileiro Embora a teoria mais aceita pelo Direito brasileiro para conceituar o início da vida é a Teoria Concepcionista, alguns estudiosos do tema, em razão da inexistência de prescrição legal específica, apontam a teoria do nascimento com vida como sendo a adotada no Brasil, principalmente pelo fato de estar implícito na redação do artigo 2º do Código Civil vigente, bem como o artigo 53, § 2º da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), prescrever ser considerada viva a criança ao respirar (CUNHA, 2009, p. 69). Porém, não parece ser o entendimento mais aceitável, uma vez que o artigo 2º do Código Civil apenas determina o início da personalidade civil, ou seja, a capacidade de ser titular de direitos, de relações jurídicas. Enquanto que a Lei de Registros Públicos, ao delimitar a respiração como o termo inicial da vida, parece apenas referir-se ao nascimento civil, para fins registrais apenas, e não à vida propriamente dita (CUNHA, 2009, p. 69). Como o artigo 2º do Código Civil, na sua 2ª parte resguarda os direitos do nascituro desde a sua concepção, alguns autores se apóiam nisso para afirmar que a teoria adotada pelo Brasil é a concepcionista. Em que pese o posicionamento de renomados autores, tais como Maria Helena Diniz, entende-se que a menção feita pelo Código Civil à concepção, como termo inicial de proteção de direitos, é meramente atinente ao prazo inicial para o qual deve retroagir a esfera de interesses da criança após o nascimento com vida (CUNHA, 2009, p. 70). Não existe no nosso ordenamento jurídico um dispositivo que dite expressamente quando se dá o início da vida. Na realidade, o sistema jurídico brasileiro possui uma definição legal sobre o momento da morte. A morte, na legislação brasileira, é definida como morte encefálica, constatada por exame clínico feito por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplantes de órgãos, dentro dos critérios clínicos definidos pelo Conselho Federal de Medicina, por resolução administrativa (CUNHA, 2009, p. 71). Esta definição está na Lei Federal nº 9.434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. (BRASIL, 1997, online). 35 Para Cunha (2009, p. 73), [...] a capitulação legal acerca da definição de morte no ordenamento pátrio, para alguns doutrinadores, é possível, a contrario sensu, concluir que o início da vida humana no ordenamento jurídico brasileiro se dá com início das ondas eletroencefálicas (atividade elétrica cerebral) após a formação do sistema nervoso superior, por volta da oitava semana de gravidez. 3.2 Teorias do início da vida Ao analisarmos as técnicas de reprodução assistida uma interessante questão vem à tona: Em que momento se inicia a vida humana? Antes de adentrar no mérito da questão, indispensável incursionar sobre as teorias existentes acerca do inicio da vida humana e qual dela foi acolhida pelo ordenamento pátrio. As teorias do inicio da vida humana foram criadas a partir das diversas etapas do desenvolvimento embrionário e possuem como finalidade a orientação na implementação, por parte do Estado, de normas jurídicas que determinem a real natureza jurídica do embrião humano (ROCHA, 2007, online) Dentro do conhecimento científico, biológico e sociológico, destacam-se algumas teorias de maior relevância que tentam definir o momento de inicio da vida, quais sejam, i) teoria concepcionista, ii) teoria genético- desenvolvimentista, iii) teoria da nidação, iv) teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso, v) teoria do pré-embrião; e vi) teoria natalista. Recentemente uma nova corrente passou a ser ventilada. Entre os adeptos desta corrente encontra-se o Professor Doutor Fernando Andrade Fernandes. Esta corrente reconhece o feto como sendo um ente independente e autônomo e, por isto, necessitado de proteção. Referida proteção, diga-se de passagem, encontra-se devido ao fato do feto estar vinculado ao valor da dignidade humana, independentemente da sua vinculação à vida (FERNANDES, F. A., 2009, online). 36 3.2.1 Teoria da Fecundação ou Concepcionista A teoria da fecundação ou também conhecida como teoria concepcionista baseia-se no fato da vida humana ter sua origem na fecundação do óvulo pelo espermatozóide, que é o momento chamado de concepção. Portanto, para os adeptos desta teoria, não poderia haver pesquisas com embriões, mesmo que fertilizados in vitro, pois para eles isto implicaria em um crime, ou seja, aborto, pois haveria a destruição do embrião já considerado ser humano com vida própria. Segundo Stella Maris Martinez (1998, p. 77), numerosos são os autores que reivindicam pleno status de ser humano para o embrião desde o momento que se inicia seu processo evolutivo, repudiando toda manobra que tenha como resultado sua destruição, quaisquer que sejam seus fins, reivindicando, assim, legislação repressiva neste sentido. Esta teoria levanta duas questões principais, uma delas é do ponto de vista estritamente biológico, onde se faz com que se apresente como um instante o que é na verdade um processo que dura entre dez e vinte e cinco horas, tratando-se de fecundação in vitro. Não se sabe ao certo o momento exato em que se considera que já existe um novo ser, pois a união dos gametas inicia-se com a entrada da cabeça do espermatozóide no citoplasma do óvulo, mas não se pode considerar completa até que se realize a profusão dos pronúcleos de ambas as células, o que é um desenvolvimento complexo e temporalmente mensurável (MARTINEZ, S. M., 1998, p. 78). Alguns estudiosos, tomando por base as divergências dentro da própria teoria, fazem uma bipartição da mesma em: Teoria verdadeiramente concepcionista - defende que a personalidade inicia-se na concepção, onde o nascituro passa a ser tratado como uma pessoa e possui personalidade jurídica, no entanto, os direitos patrimoniais só podem ser exercidos a partir do nascimento com vida; e Teoria concepcionista da personalidade condicional - afirma que o feto adquire personalidade na concepção. Porém, ela será exercida apenas com a ocorrência do nascimento com vida (MENEGHIN; SANCHEZ, 2009, p. 1-13). Como pode-se ver, mesmo com divergências doutrinárias dentro da própria teoria, a teoria da concepção entende que o embrião humano é um 37 indivíduo em desenvolvimento, e, portanto merece o respeito e dignidade que é dado a todo ser humano vivo, a partir do momento da concepção. 3.2.2 Teoria genético-desenvolvimentista Para os adeptos desta doutrina, o desenvolvimento do ser humano passa por uma série de fases. O Desenvolvimento pré-natal é um processo ativo e organizado, que se inicia no momento em que um óvulo é fecundado por um espermatozóide e que se estende por 40 semanas após a fertilização, dentro das quais, as primeiras 8 (oito) semanas são caracterizadas por intensas alterações morfológicas do embrião. Essa etapa é dividida em três fases: pré – embrião, embrião e feto. Entende-se como período pré-embrionário o lapso temporal existente entre a fecundação e a 3ª semana de gestação. Como período embrionário o período entre a 4 ª e 8 ª semana. E, por fim, como período fetal o que consiste entre a 9 ª semana até o nascimento. Vale ressaltar que, ao contrário da teoria da fecundação, para os adeptos desta teoria não existe vida humana desde a concepção e, desta forma, o ente formado pela união dos gametas não teria o caráter humano, e sim é apenas comparado a um aglomerado celular. Para a teoria genético-desenvolvimentista o embrião humano adquire status jurídico e moral gradualmente, à medida do seu desenvolvimento. O reconhecimento de sua dignidade e proteção jurídica se dá no momento que já é possível identificar a união como um ser individualizado, para tanto há a necessidade de se estabelecer critérios de identificação dos elementos determinantes da sua individualidade (SOUZA, P. B., 2008, online). Desta forma, como bem salientado por Rocha (2007, online) [...] tomando-se como ponto de partida os diferentes estágios constantes do processo evolutivo embrionário, decorrem desta teoria as mais diversas teorias acerca do início da vida humana, dentre elas destaca-se: teoria da nidação do ovo, a teoria da 38 formação dos rudimentos do sistema nervoso central e a teoria do pré-embrião1. 3.2.2.1 Teoria da Nidação Esta teoria tem seguidores em diferentes âmbitos e é uma das que conta com maior consenso. Como proposta de entendimento, utiliza o termo pré- embrião fazendo alusão ao blastócito antes da sua implantação na parede do útero – nidação, fixando uma valoração diferenciada para o produto da concepção em seus primeiros catorze dias (MARTINEZ, S. M., 1998, p. 79). A nidação está compreendida entre o final da primeira semana após a fecundação até a segunda semana após a fecundação (aderência completa à parede do útero). Para esta teoria a vida só tem inicio com este processo pois somente assim o ovo fecundado possui as condições propícias para seu desenvolvimento. Defendem ainda que sem esse fenômeno o desenvolvimento se torna inviável (GUIMARÃES, 2012, p. 13). Esta teoria é defendida por um grande número de profissionais da medicina, sob o argumento de que o embrião fecundado em laboratório, caso não seja implantado no útero da mulher, fatalmente morrerá, tornando-o, assim, sem relevância jurídica. 3.2.2.2 Teoria do pré-embrião A teoria do pré-embrião busca relativizar o estatuto da vida humana, pois defende que a união dos gametas sexuais ou qualquer outro método de clonagem, fora do corpo feminino, com o intuito de criar uma célula zigoto humana para a geração de uma nova espécie, não seria considerado um embrião na sua definição mais pura, e sim, um pré-embrião ou um embrião precoce, pois não seria considerando um individuo humano, mas apenas uma célula ou conjunto 1 Texto grifado pertence a Stella Maris Martinez (1998, p. 88). 39 pequeno de células dotadas de características progenitoras humanas, capazes de gerar um ou mais indivíduos da espécie humana, desde que colocada em ambiente propicio para o seu desenvolvimento (SILVA, R. P., 2003, p. 110). Esse critério está presente em alguns documentos, tais como: informe Warnock sobre Fertilização e Embriologia (Inquiry Warnock into Human Fertilisation and Bryology), publicado no Reino Unido em 1984; Relatório Walter, publicado do Estado de Vitória, na Austrália, também de 1984 e no Informe Palacios, publicado na Espanha em 1986 (SILVA, R. P., 2003, p. 110). Como resultado desse informe, o entendimento criado é que até o 14º dia após a concepção não existe ser humano, o que existe, no entanto, é uma célula progenitora dotada de capacidade para gerar um ou mais indivíduos da mesma espécie, sendo assim, todo e qualquer experimento cientifico até essa data não seria um atentado à vida humana. Para servir de argumento sobre o relatório apontado sobre essa teoria, o informe adota o critério do 14º dia, para diferenciar o sentido de pré- embrião e embrião, pois é no décimo quarto dia do desenvolvimento do zigoto que não é possível mais a formação de gêmeos monozigóticos, o concepto perde a qualidade de totipotência e aparece as primeiras linhas primitivas que organizam a estrutura do corpo embrionário e, portanto, a formação de um novo ser humano. Com o intuito de melhor elucidar o tema, Reinaldo Pereira e Silva (2003, p. 112) assim diz: Escorada neste dado, a teoria do pré-embrião também entende que não se pode falar em individualidade genética enquanto a totipotência, que caracteriza o zigoto e as primeiras células decorrentes de sua clivagem, não for superada pela especialização. Isto porque, antes de definidas as células que formarão o embrião propriamente dito, ou os embriões monozigóticos, e as células que se destinarão às estruturas extra-embrionárias, que servem às necessidades de seu desenvolvimento, não é possível falar em vida humana em ato. Para a teoria do pré-embrião, somado à possibilidade de cisão gemelar, o período de indiferenciação celular veda o reconhecimento da individualidade humana. 40 3.2.2.3 Teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso O conceito de morte cerebral serve para embasar tal teoria. Os adeptos desta teoria defendem que, se levamos em consideração que um ser humano morre quando o cérebro deixa de funcionar, ou seja, se a vida acaba quando o cérebro pára, seria correto afirmar que ela só começa quando o cérebro se forma (SOUZA, P. B., 2008, online). Esta teoria cujo principal defensor é o biólogo Jacques Monod, defende o entendimento de que por ser o homem um ser fundamentalmente consciente, não é possível reputá-lo como tal até o quarto mês de gestação, onde já é possível verificar, eletroencefalograficamente, a atividade do seu sistema nervoso central, diretamente ligada à sua possibilidade de possuir consciência. Do ponto de vista jurídico, esta teoria é particularmente atraente a partir do momento em que numerosas legislações estabeleceram que o fim da vida humana é dado pela falta de atividade elétrica do encéfalo (MARTINEZ, S. M., 1998, p. 87). A grande celeuma que envolve esta teoria é sobre o exato momento em que se daria a formação encefálica no feto, já que a doutrina não é unânime nesse lapso temporal. Alguns cientistas dizem haver sinais cerebrais na oitava semana, e o feto, já teria as feições faciais mais ou menos definidas, e um circuito básico de três neurônios. A segunda hipótese aponta para a vigésima semana, quando a mulher consegue sentir os primeiros movimentos do feto, é nessa fase que o tálamo, a central de distribuição de sinais sensoriais dentro do cérebro, está pronto (SOUZA, P. B., 2008, online). Para afirmar o pensamento desta teoria, Stella Maris Martinez (1998, p. 87-88), assim escreve: O conceito de morte cerebral, ao contrário, serve para avalizar a teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central, já que, se aceitamos que um ser humano dotado de uma estrutura corporal na plenitude de seu desenvolvimento – mas possuidor de um cérebro que não revela a existência de impulsos elétricos - é um cadáver cujos órgãos podem ser extraídos e implantados em outra pessoa, não podemos, simultaneamente, proclamar a qualidade de 41 pessoa, no sentido jurídico-penal do termo, de uma criatura vivente muito menos evoluída, que não possui ainda nem sequer os princípios do órgão suscetível de emitir tais impulsos. Como pode-se ver, o inicio da vida não é um tema pacifico na doutrina brasileira, porém a teoria defendida por nós, é esta teoria, qual seja, a teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso. 3.2.3 Teoria da pessoa humana em potencial Essa teoria, que considera o embrião humano um ser humano em potencial vem apresentar-se como uma alternativa à teoria concepcionista e à teoria genético-desenvolvimentista. Para os seguidores desta teoria, não seria possível identificar totalmente o embrião humano com a pessoa humana, uma vez que o embrião ainda não é dotado de personalidade, para tanto, este teria que ser capaz de exercer direitos e de contrair obrigações. Porém, a teoria também não admite reduzir o status do embrião a um mero aglomerado de células, pois o seu desenvolvimento dará formação a um ser humano (ROCHA, 2007, online). Diante deste entendimento reconhece-se no embrião uma pessoa humana em potencial, isto é, reconhece-se a potencialidade de ser humano para conceituar a autonomia do embrião, porém, os dois não devem ser regidos pelo mesmo estatuto jurídico. Para Rocha (2007, online), os adeptos da teoria da pessoa humana em potencial defendem que as propriedades relacionadas à pessoa humana, como a consciência e a inteligência, encontram-se no embrião desde o momento da concepção, todavia, encontram-se em um estado latente. Sendo assim, para fins de se determinar efetiva proteção jurídica ao embrião, continua a questão de se saber ao certo em que momento em que haverão tais características, ou seja, o momento de passar da potência ao ato. 42 3.2.4 Teoria Natalista Segundo a teoria natalista, a personalidade da pessoa tem início a partir do nascimento com vida, ou seja, o nascituro seria um ser em potencial, pois para que tenha os direitos que lhes são reservados ainda em sua existência intra- uterina, é necessário o nascimento com vida (SOUZA, P. B., 2008, online). A teoria natalista é mais difundida no meio jurídico e está implícita no nosso Código Civil vigente, que assim descreve: Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. O único direito resguardado pela lei é o direito à vida, a lei garante esse direito ao nascituro que possui efetivas chances à vida. Na defesa deste argumento, se posicionou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que na votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra parte da Lei de Biossegurança (nº 11.105/2005) assim argumentou: “[...] acontece uma mudança para se tornar outro ser, assim como a semente que ainda não é planta.” (GUIMARÃES, 2012, p. 17). Nas palavras de Rocha (2007, online): A teoria natalista é fruto de uma construção doutrinária decorrente da não compreensão da autonomia biológica do concepto humano. De acordo com essa teoria, o concepto humano é um hospedeiro do organismo materno, isso porque a referida teoria foi elaborada em uma época na qual a ciência ainda não havia comprovado o que hoje já é uma realidade cientifica incontestável, que o concepto humano, desde a concepção, é um individuo autônomo e autogerenciador do seu próprio desenvolvimento. De acordo com Guimarães (2012, p. 17), esta teoria tem uma definição puramente jurídica e sem base científica. O Direito, como é matéria de conhecimento geral, relativiza direitos e garantias e com esta teoria relativiza a vida para que haja resoluções de impasses provocado pelas diversas teorias. Conclui-se que o nascituro, de acordo com a teoria Natalista, não tem personalidade jurídica nem capacidade de direito, sendo protegido pela lei 43 apenas os direitos que terá possivelmente ao nascer com vida, os quais são taxativamente enumerados pelo Código Civil Brasileiro (SOUZA, P. B., 2008, online). 3.2.5 Teoria que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana Para os adeptos desta teoria, a Constituição Brasileira reconhece que o feto é um ente dotado de valor, independente e autônomo e, por isto, necessitado de proteção (FERNANDES, F. A., 2009, online). Entendem que esta proteção deve ocorrer em virtude do feto estar vinculado ao valor da dignidade humana, independentemente da sua vinculação à vida, portanto, deve ser concedida mesmo antes de ser feita qualquer referência á sua viabilidade ou vitalidade (FERNANDES, F. A., 2009, online). A questão referente à viabilidade e existência de vida poderá ser encontrada, como exemplo, na discussão sobre a possibilidade da antecipação do parto de fetos anencéfalos (FERNANDES, F. A., 2009, online). A anencefalia resulta de uma falha no fechamento da porção anterior (cranial) do tubo neural carecendo de grande parte do sistema nervoso central. Em entrevista concedida à um determinado meio de telecomunicação, o professor Doutor Rui Geraldo Camargo Viana ressalta que o anencéfalo, pela ausência dos hemisférios cerebrais e córtex, é um ser sem vida, podendo ser considerado como uma espécie de boneca (ausência de pensamento e afetividade). Como os fetos portadores de anencefalia possuem um quadro semelhante ao individuo com morte encefálica, com supedâneo na Lei Federal nº 9.434/07, combinado com a Resolução nº 1.480/97, editada pelo Conselho Federal de Medicina, diz-se que realmente é possível admitir que o portador de anencefalia não possui vida humana, ante a inexistência de ondas cerebrais (CUNHA, 2009, p. 81). 44 3.3 Início da vida para o Supremo Tribunal Federal O Supremo Tribunal Federal, instado a se manifestar sobre temas com raízes inculcadas na ciência, ética, religião e direito, proferiu recentemente decisões relacionadas as pesquisas com células tronco e o aborto de feto anencéfalo. Mencionada Corte decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana. Esses argumentos foram utilizados pelo ex-procurador-geral da República Claúdio Fonteles em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 3510) ajuizada com o propósito de impedir essa linha de estudo científico e declarar inconstitucional parte da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005). Para seis ministros, portanto a maioria da Corte, o artigo 5º da Lei de Biossegurança não merece reparo. Votaram nesse sentido os ministros Carlos Ayres Britto, relator da matéria, Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello. Os ministros Cezar Peluso e Gilmar Mendes também disseram que a lei é constitucional, mas pretendiam que o Tribunal declarasse, em sua decisão, a necessidade de que as pesquisas fossem rigorosamente fiscalizadas do ponto de vista ético por um órgão central, no caso, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Outros três ministros disseram que as pesquisas podem ser feitas, mas somente se os embriões ainda viáveis não forem destruídos para a retirada das células-tronco. Esse foi o entendimento dos ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Eros Grau. Esses três ministros fizeram ainda, em seus votos, várias outras ressalvas para a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no país (STF..., 2008, online). É conveniente deixar claro que a Lei de Biossegurança permite a utilização de embriões humanos produzidos por inseminação in vitro, desde que não sejam utilizados no procedimento de procriação, ou que sejam inviáveis para essa finalidade, além de estarem congelados há três ou mais anos, com a aquiescência dos genitores. 45 Conforme votação disponibilizada no sitio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, os principais argumentos lançados por cada ministro, na ordem de votação da matéria, foram: Relator da ADIN nº 3.510, o ministro Carlos Ayres Britto votou pela total improcedência da ação, ao fundamentar seu voto em dispositivos da Constituição Federal que preservem o direito à vida, à saúde, ao planejamento familiar e à pesquisa científica (STF..., 2008, online). Carlos Britto qualificou a Lei de Biossegurança como um perfeito e bem concatenado bloco normativo. Sustentou ainda o argumento de que, para existir vida humana, é preciso que o embrião tenha sido implantado no útero humano. Segundo ele, tem que haver a participação ativa da futura mãe. No seu entender, o zigoto (embrião em estágio inicial) é a primeira fase do embrião humano, a célula-ovo ou célula-mãe, mas representa uma realidade distinta da pessoa natural, porque ainda não tem cérebro formado (STF..., 2008, online). A ministra Ellen Gracie, por sua vez, ao acompanhar integralmente o voto do relator, defendeu que não há constatação de vício de inconstitucionalidade na Lei de Biossegurança. (STF..., 2008, online). De forma diversa do relator, o ministro Menezes Direito julgou a ação parcialmente procedente, no sentido de dar interpretação conforme ao texto constitucional do artigo questionado sem, entretanto, retirar qualquer parte do texto da lei atacada. Segundo Menezes Direito, as pesquisas com as células-tronco podem ser mantidas, mas sem prejuízo para os embriões humanos viáveis, ou seja, sem que sejam destruídos (STF..., 2008, online). A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o voto do relator, por entende que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, muito pelo contrário, contribuem para dignificar a vida humana. (STF..., 2008, online) O ministro Ricardo Lewandowski, ao exarar o seu volto, votou de forma favorável às pesquisas com as células-tronco. No entanto, restringiu a realização das pesquisas a diversas condicionantes, conferindo aos dispositivos questionados na lei interpretação conforme a Constituição Federal (STF..., 2008, online). 46 Na linha dos ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, o ministro Eros Grau votou pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, com três ressalvas. Primeiro, que se crie um comitê central no Ministério da Saúde para controlar as pesquisas. Segundo, que sejam fertilizados apenas quatro óvulos por ciclo e, finalmente, que a obtenção de células-tronco embrionárias seja realizada a partir de óvulos fecundados inviáveis, ou sem danificar os viáveis (STF..., 2008, online). O atual Presidente do STF, Joaquim Barbosa, ao acompanhar integralmente o voto do relator pela improcedência da ação, ressaltou que a permissão para a pesquisa com células embrionárias prevista na Lei de Biossegurança não recai em inconstitucionalidade. Ele exemplificou que, em países como Espanha, Bélgica e Suíça, esse tipo de pesquisa é permitida com restrições semelhantes às já previstas na lei brasileira, como a obrigatoriedade de que os estudos atendam ao bem comum, que os embriões utilizados sejam inviáveis à vida e provenientes de processos de fertilização in vitro e que haja um consentimento expresso dos genitores para o uso dos embriões nas pesquisas. Para Joaquim Barbosa, a proibição das pesquisas com células embrionárias, nos termos da lei, “[...] significa fechar os olhos para o desenvolvimento científico e os benefícios que dele podem advir.” (STF..., 2008, online). O ministro Cezar Peluso proferiu voto favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias. Para ele, essas pesquisas não ofendem o direito à vida, porque os embriões congelados não equivalem a pessoas (STF..., 2008, online). Os ministros Celso de Mello Marco Aurélio acompanharam o voto do relator. O Ministro Marco Aurélio, ao votar, considerou que o artigo 5º da Lei de Biossegurança está em harmonia com a Constituição Federal, notadamente com os artigos 1º e 5º, bem como com o princípio da razoabilidade. O artigo 1º estabelece, em seu inciso III, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana e o artigo 5º, caput, prevê a inviolabilidade do direito à vida (STF..., 2008, online). Para o ministro Gilmar Mendes, o artigo 5º da Lei de Biossegurança é constitucional, mas defendeu que a Corte deixasse expresso em sua decisão a ressalva da necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética 47 e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde. Também disse que o Decreto 5.591/2005, que regulamenta a Lei de Biossegurança, não supre essa lacuna, ao não criar de forma expressa as atribuições de um legítimo comitê central de ética para controlar as pesquisas com células de embriões humanos (STF..., 2008, online). Para relator da ADIN, o ministro Carlos Ayres Brito, em extenso e fundamentado voto, decidiu que a vida humana é confinada a duas etapas: entre o nascimento com vida e a morte encefálica, período em que a pessoa é revestida de personalidade jurídica, que a ela confere direitos e obrigações na vida civil. Evidenciou ainda o ministro julgador que as pesquisas estavam ligadas aos embriões congelados e que não seriam utilizados. “O único futuro, sentenciou ele, é o congelamento permanente e descarte com a pesquisa científica. Nascituro é quem já está concebido e que se encontra dentro do ventre materno. Não em placa de petri.” O ministro enfatizou finalmente que, “[...] embrião é embrião, pessoa humana é pessoa humana e feto é feto.” Apenas quando se transforma em feto este recebe tutela jurisdicional. Em suma, na interpretação feita pelo STF com relação a esse acalorado tema, a vida tem início in ventre e não in vitro. O locus definidor passou a ser intra-útero, casulo acolhedor do embrião, proporcionando a ele todas as condições para seu desenvolvimento. O embrião quando analisado no ambiente extra-útero, não passa de um aglomerado de células, que, por si só, não tem condições de progressão para atingir a vida (OLIVEIRA, online). Como pode-se perceber, este julgamento afastou a discussão escolástica, relegou interdições religiosas, abandonou conceitos científicos e enveredou somente pela área do Direito, definindo, com propriedade e coerência do pensamento jurídico, o início da vida, no estado laical (OLIVEIRA, online). 48 CAPÍTULO 4 O EMBRIÃO HUMANO E SUA (DES)PROTEÇÃO JURÍDICO PENAL 4.1 A revogada Lei Federal nº 8.974/95 A Lei nº 8.974/95 foi revogada no ano de 2005, com a redação e publicação da nova Lei de Biossegurança, qual seja, a Lei nº 11.105/2005. O maior problema da revogada Lei nº 8.974/95 era a imprecisão jurídica quanto aos tipos penais descritos no artigo 13 e seus incisos, o que acabava por levantar vários aspectos dúbios em relação à adequada proteção ao embrião humano (PARISE, 2001, p. 41). As normas que regulavam o uso de técnicas de Engenharia Genética estabelecidas pela revogada Lei, ensejavam algumas dificuldades na aplicação prática, pois o legislador não utilizou a técnica tradicional de construção de figuras típicas em todas hipóteses de incriminação, ou seja, não descreveu com clareza a conduta proibida. Usando esta técnica, o legislador definiu como criminosa a atividade violadora do bem jurídico, não a conduta humana que a realiza. Esta mudança de paradigma usada na confecção da referida lei criou uma série de críticas. Alguns autores que defendiam a lei argumentavam que é a norma, como proposição jurídica, que expressava um valor sobre a conduta humana. O tipo somente descrevia a conduta proibida, mas cabia à norma, determinar a contrariedade do fato com a ordem jurídica (PARISE, 2001, p. 43). Há também autores que defendem que essa forma utilizada na legislação fere o princípio da legalidade, pois a conduta é o requisito primeiro na construção de um tipo penal, portanto constitui uma forma de autoritarismo negar tal figura. Além disso, eles defendem que os tipos previstos na Lei nº 8.974/95 não definem as condutas capazes de desenvolver as atividades proibidas, bem como acabam por constituir tipos abertos, que necessitam da interferência do juiz nos casos concretos (PARISE, 2001, p. 45). O artigo 13 da citada lei traz algumas imprecisões técnicas e contradições. O inciso I cita a manipulação genética de células germinais humanas, ou seja, possui redação imprecisa, pois a manipulação genética proibida 49 é uma atividade que importa, necessariamente, em alteração na estrutura genética de cromossomos. A questão é que o tipo penal refere-se à manipulação prática que, contudo, nem sempre implica na produção de um organismo geneticamente modificado (PARISE, 2001, p. 46). Para Paulo Vinicius Sporleder de Souza (2001, p.99), [...] a substituição da composição típica pela mera e genética denominação jurídica acarreta, na hipótese, não obstante a expressa exclusão da fecundação in vitro do âmbito da Lei 8974/05 (parágrafo único, do artigo 3º), a possibilidade de incriminação dos operadores em técnicas de reprodução assistida. Como pode-se perceber, a real intenção do legislador foi proteger a dignidade e o patrimônio genético hereditário não-patológico haja vista os procedimentos atinentes às manipulações poderem dar origem à clonagem, seleção ou hbridação do genoma, com fins eugênicos, afetando, assim, a intangibilidade, inalterabilidade e a identidade do futuro indivíduo, como o da própria humanidade (SOUZA, P. V. S, 2001, p.100). Além disto, referido inciso trata de células germinais e, portanto, excluía as células somáticas, ou seja, aquelas responsáveis por originar as diferentes partes do organismo, que podem ser modificadas em laboratório, passando a funcionar como células germinais. Dessa forma o revogado dispositivo deveria tratar também de células somáticas, uma vez que modificadas, elas se transformam em células germinais (PARISE, 2001, p. 47). O revogado inciso II, por sua vez, traz imprecisões ao determinar que intervir em material genético humano in vivo, salvo para tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos tais como princípio da autonomia e o princípio da beneficência, e com aprovação prévia da CTNBio seria considerado crime. Diz-se isso pois, analisando com acuidade mencionado inciso, percebe-se claramente que a norma autoriza a utilização de material celular embrionário para tratamento de defeitos genéticos. Contudo, com a hiperestimulação ovariana, embriões excedentes serão produzidos e criopreservados, contrariando, assim, como veremos adiante, o inciso III do artigo em questão (PARISE, 2001, p. 48). 50 No que tange à aplicação das formas agravadas em relação ao mencionado inciso, entendemos não haver qualquer problema em sua interpretação pois a intervenção genética humana in vivo pode, quando realizada, provocar as figuras elencadas nos parágrafos 1º, 2º, 3º na paciente (SOUZA, P. V. S, 2001, p. 105). Com relação ao inciso III do artigo 13 da lei revogada, percebe-se claramente que o legislador ao determinar que a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível, tinha, bem como ainda tem a pura e cristalina intenção de tutelar o embrião. Contudo, na ausência de uma definição sobre o embrião, dúvidas surgiram qual seria a etapa do desenvolvimento denominado período embrionário (PARISE, 2001, p. 49). Essa figura típica tinha a intenção de evitar a coisificação do embrião humano, através o comércio ou sua utilização para fins industriais, hipótese esta já vedada pela Constituição Federal, em seu artigo 199, parágrafo quarto (SOUZA, P. V. S, 2001, p.106). Diante de as divergências, lacunas e obscuridades, a Lei comentada teve algumas revisões, no sentido de sanar essas imperfeições, porém, após anos de estudos e discussões de profissionais de diversas áreas, foi criada a nova Lei em 2005. 4.2 A Lei de Biossegurança (Lei Federal nº 11.105/2005) Nesta lei não há sequer sinalizados os critérios que orientarão a realização das pesquisas nelas citadas; muito menos estão delimitados os critérios objetivos ao trabalho da Comissão Nacional de Biossegurança. Contudo, com o intuito de proteger o patrimônio genético humano, as figuras penais foram elencadas nos artigos 24 e 26. Ressalta-se que artigo 24 dispõe que será considerado crime utilizar o embrião humano em desacordo com seu artigo 5º, ou seja, devem ser inviáveis, congelados há três anos ou mais, bem como deve haver o consentimento 51 dos genitores. Neste artigo, em seu parágrafo terceiro, também é vedada a comercialização do material biológico (embrião humano). Embora tenha sido muito estudada e avaliada, polêmicas não faltam a respeito dessa lei, por diversos motivos. Primeiramente, questiona-se a diversidade dos temas a que a Lei se refere. Os temas por ela tratados são muito abrangentes e abertos à discussão, o que talvez merecesse leis específicas para a regulamentação de cada um dos assuntos. Em segundo lugar, pode-se citar o próprio conteúdo da Lei, uma vez que Biossegurança é um termo de significado amplo, discutível e ainda não totalmente estabelecido. Afinal, o que é biossegurança? Alguns estudiosos relacionam o conceito a questões sobre os organismos geneticamente modificados, radiações e substâncias tóxicas que provoquem alterações genéticas nos seres humanos, capazes de gerar doenças ou má-formação nos fetos. Há outro posicionamento, onde os autores entendem a Biossegurança como um termo mais restrito, que se refere apenas aos organismos geneticamente modificados. De acordo com este entendimento, a questão da utilização das células-tronco embrionárias não deveria ser tratada nesta lei e sim outra mais específica. As células-troncos são uma espécie de curinga, ou células neutras, que possuem capacidade de se autorenovarem e de se dividirem ilimitadamente, in vitro ou in vivo, transformando-se em diversos tipos de células especializadas. Basicamente, existem três grupos: células-tronco germinativas, embrionárias e adultas. As células-tronco embrionárias são as que têm revelado maiores possibilidades de utilização medicinal, pois se mostram capazes de formar ou recompor qualquer tecido corporal. Porém, para que se extraia esse tipo de célula, conforme já visto, o embrião acaba sendo destruído, e isso acaba por criar novos dilemas acerca do início da vida e consequentes crimes que seriam cometidos com a manipulação dessas células. As críticas à essa lei vem de diversos segmentos. Juridicamente falando, temos a linguagem utilizada na lei, que do ponto de vista semântico, tem uma linguagem confusa, ambígua, e demasiadamente aberta. 52 Corroborando com as críticas à lei, Costa, Fernandes e Goldim (2005, p. 19, grifo do autor) escrevem que: [...] mesmo o manuseio de noções estritamente técnicas não estão imunes a críticas, como, por exemplo, no artigo 3º quando pretende delimitar as noções-chave com as quais opera, tais como organismo, ácido desoxirribonucléico, moléculas de ADN/ARN recombinante, células germinais humanas, clonagem terapêutica, clonagem para fins reprodutivos, entre outros. A lei torna-se contraditória ao apontar conceitos como os de ADN e RDN recombinante, pois tais conceitos já tinham sido estabelecidos anteriormente pela biologia, e estes não sofreram alterações, mesmo com a ampliação das técnicas biotecnológicas e de biologia molecular (Art. 3º, inciso III). Ainda com relação aos conceitos, a lei é deficiente com outras noções, por exemplo, clonagem para fins reprodutivos, a deficiência está no fato em que a lei apenas estabelece que essa é uma clonagem para fins de obtenção de um indivíduo (art. 3º, inciso IX). O uso do termo „Clonagem Terapêutica‟ também é equivocado, mais adequado seria usar o termo „Clonagem não- reprodutiva’, pois os indivíduos gerados seriam apenas fornecedores de material biológico. Também há deficiências no próprio conteúdo da Lei, uma vez que o termo Biossegurança tem vários sentidos, sendo estes especificamente ligados a diversas áreas do conhecimento. O termo biossegurança pode ser entendido em uma acepção mais ampla, que inclui questões referentes a organismos geneticamente modificados ou patógenos, radiações ionizantes e não ionizantes, substâncias citotóxicas ou mutagênicas que provoquem alterações capazes de gerar doenças ou mal-formações fetais. Também pode-se entender o termo no seu sentido mais restrito, referente apenas aos organismos geneticamente modificados. Cabe ressaltar que nos dois sentidos tratados na lei de biossegurança, a questão da utilização de células-tronco embrionárias não se enquadra (COSTA; FERNANDE; GOLDIM, 2005, p. 19-21). Ainda segundo referidos autores, é fácil perceber que na Lei nº 11.105/05 não são sequer sinalizados, previamente, e de forma abstrata e geral, como compete à Lei num Estado de Direito, os critérios que orientarão a realização das pesquisas nela citadas; nem estão delimitados os critérios objetivos ao 53 trabalho da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), tais como exigências de estudos prévios ou de impacto ambiental. Mesmo com tamanha relevância social, e com a legislação em vigor, nota-se que o legislador tratou da matéria de forma precária e deficiente, criando assim lacunas jurídicas, estando uma matéria de tão grande relevância jurídica e científica sintetizada em breves artigos extremamente deficitários, estando assim aberto às mais diversas críticas. 4.3 Os tipos penais dos artigos 24 a 26 da Lei de Biossegurança A Lei de Biossegurança introduziu seis novas modalidades de delitos no ordenamento jurídico: i) utilização ilegal de células-tronco embrionárias humanas; ii) a prática de engenharia genética humana; iii) a realização de clonagem humana; iv) a liberação ou descarte de organismos geneticamente modificados em desacordo com as normas vigentes; v) o uso, comercialização, registro, patenteamento e licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso; e vi) a produção, armazenamento, transporte, comercialização, importação ou exportação de organismos geneticamente modificados ou derivados sem autorização, ou em desacordo com as normas vigentes. Tal lei visa proteger ora patrimônio genético humano ou também conhecido como genoma humano nos artigos 24 a 26, ora o patrimônio ambiental nos artigos 27 a 29 (MARTINS, A. B., 2011, p. 117). Dispõe o artigo 24: “[...] utilizar embrião humano em desacordo com o que dispõe o art. 5º desta Lei: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.” O tipo penal descrito neste artigo relaciona-se com a previsão legal sobre pesquisa científica no campo das células tronco. Desta forma, a norma penal incriminadora afirma que a utilização de embrião humano para pesquisa e terapia que não sejam inviáveis, reveste-se de característica delituosa. Ressalta-se que o bem jurídico tutelado é a vida, protegida a partir da ótica da dignidade da pessoa humana, uma vez que a proibição incorre sobre o embrião humano viável, assim considerado a partir de conceitos diversos, pré-determinados na área biológica. A 54 lei ainda determina que seja respeitado o prazo de 3 anos de congelamento, para que se proceda a utilização dos mesmos no campo da pesquisa terapêutica, considerando a perspectiva de vida futura de embrião viável (LEHFELD; CORRÊA NETO; CORRÊA NETO JÚNIOR, 2010, online). Perfilhando este entendimento, Alessandra Beatriz Martins (2011, p. 130), ao comentar sobre o artigo 24 da Lei de Biossegurança ressalta que [...] a integridade físico-biológica do embrião in vitro é tutelado pelo Direito Penal pátrio não em virtude de qualquer referência imediata ao bem jurídico-penal vida humana, como se dá nos delitos clássicos da Parte Especial do Código Penal, mas em razão da presença do bem identidade genética humana, contido no genoma humano, diretamente remetido ao valo dignidade humana, do qual o embrião é certamente portador. Ademais, segundo a autora, qualquer intervenção no embrião in vitro co