C ul tu ra A ca dê m ic a Organizadores Laurence Duarte Colvara, José Brás Barreto de Oliveira NÚCLEOS DE ENSINO DA UNESP Artigos 2014 Volume 4 Os Processos de Interação na Escola e Educação Inclusiva A presentação C apa Sum ário C réditos Universidade Estadual Paulista Reitor Julio Cezar Durigan Vice-Reitora Marilza Vieira Cunha Rudge Pró-Reitor de Graduação Laurence Duarte Colvara Pró-Reitor de Pós-Graduação Eduardo Kokubun Pró-Reitora de Pesquisa Maria José Soares Mendes Giannini Pró-Reitora de Extensão Universitária Mariângela Spotti Lopes Fujita Pró-Reitor de Administração Carlos Antonio Gamero Secretária Geral Maria Dalva Silva Pagotto Chefe de Gabinete Roberval Daiton Vieira Pró-Reitor Laurence Duarte Colvara Secretária Joana Gabriela Vasconcelos Deconto Larissa Constantino Luque Assessoria José Brás Barreto de Oliveira Maria de Lourdes Spazziani Valéria Nobre Leal de Souza Oliva Técnica Bambina Maria Migliori Camila Gomes da Silva Gisleide Alves Anhesim Portes Ivonette de Mattos Maria Emília Araújo Gonçalves Renata Sampaio Alves de Souza Sergio Henrique Carregari Valéria Nagashima Artéa Projeto e Diagramação Estela Mletchol equipe ©Pró-Reitoria de Graduação, Universidade Estadual Paulista, 2015. Ficha catalográfica elaborada pelo Grupo de Informações Documentárias da Unesp N964 Núcleos de Ensino da Unesp [recurso eletrônico] : artigos 2014 / organiza- dores Laurence Duarte Colvara, José Brás Barreto de Oliveira – Dados eletrônicos (1 arquivo). – São Paulo : Cultura Acadêmica : Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria de Graduação, 2015. Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: World Wide Web http://www.unesp.br/prograd Conteúdo: v. 4. – Os Processos de Interação na Escola e Educação Inclusiva ISBN 978-85-7983-719-7 1. Educação – Projetos. 2. Análise de interação em educação. 3. Educação inclu- siva. I. Colvara, Laurence Duarte. II. Oliveira, José Brás Barreto de. III. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Pró-Reitoria de Graduação. CDD 378.8161 A presentação C apa Sum ário C réditos Conselho Editorial das publicações do Programa Núcleos de Ensino da Unesp: Profa. Dra. Claudete de Souza Nogueira – Araraquara/FCL Prof. Dr. Antonio Carlos Barbosa da Silva – Assis/FCL Profa. Dra. Thaís Cristina Rodrigues Tezani – Bauru/FC Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi Campos – Botucatu/IB Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva – Franca/FCHS Profa. Dra. Alice Assis – Guaratinguetá/FE Prof. Dr. Hermes Adolfo de Aquino – Ilha Solteira/FE Profa. Dra. Tatiana Noronha de Souza – Jaboticabal/FCAV Profa. Dra. Luciana Aparecida de Araújo Penitente – Marília/FFC Profa. Dra. Carla Cristina R. Gimenes de Sena – Ourinhos/Câmpus Experimental Profa. Dra. Claudemira Azevedo Ito – Presidente Prudente/FCT Profa. Dra. Laura Noemi Chaluh –Rio Claro/IB Prof. Dr. Fábio Fernandes Villela – São José do Rio Preto/IBILCE Prof. Dr. Agnaldo Valente Germano Silva – São Paulo/IA Núcleos de Ensino da Unesp, coletânea de artigos 2014. Volume 1 Processos de Ensino e de Aprendizagem dos Conteúdos Escolares Volume 2 Metodologias de Ensino e a Apropriação de Conhecimento pelos Alunos Volume 3 Políticas Públicas e Organização Escolar e Tecnologias da Informação e Comunicação Volume 4 Os Processos de Interação na Escola e Educação Inclusiva Volume 5 Formação de Professores e Trabalho Docente 4 | A presentação C apa Sum ário C réditos APRESENTAÇÃO A soberania e o desenvolvimento econômico, tecnológico e social de uma na- ção são indissociáveis da capacidade de seus cidadãos de pensar, de compreen- der desde as questões da vida cotidiana até as questões sociais e políticas, de se comunicar e se fazer entender. Assim, a Educação desempenha papel da mais alta relevância na construção e valorização da cidadania, e todos os programas, projetos e ações que contribuem para isto tem também destacado valor social. É neste âmbito que se insere o Programa Núcleos de Ensino da Unesp. De um lado a Universidade, que tem como missão produzir, além de dissemi- nar conhecimento e de outro a rede pública de ensino básico, que tem como mis- são propiciar a educação principalmente às crianças e aos jovens, desenvolvem neste programa uma parceria extremamente salutar, uma vez que, ao mesmo tempo em que se promove na Educação ações com potencial de diferenciação qualitativa e de inovação, também se possibilita na Universidade um ambiente de ações práticas favorável à produção de conhecimento voltado à Educação, fe- chando-se assim um círculo virtuoso. A estrutura multicâmpus da Unesp proporciona oportunidade excepcional de interação com a Rede Pública, alcançando não só abrangência geográfica de todo o Estado de São Paulo, como também a diversidade de condições no Ensino Pú- blico. Assim, por meio dos 52 cursos de graduação em licenciaturas distribuídos em 15 câmpus, a Unesp dedica mais de um terço de seu esforço acadêmico de ensino na Educação e os Núcleos de Ensino desempenham um papel importante nestas ações. A parceria entre a Universidade e a rede pública de ensino ocorre sempre por meio de projetos previamente avaliados academicamente com foco no favoreci- mento da formação dos licenciandos e contribuição significativa para o aperfei- çoamento das escolas parceiras. Neste volume estão organizados 10 artigos que abordam o tema “Os Proces- sos de Interação na Escola e Educação Inclusiva” resultado dos projetos desen- volvidos no Programa Núcleos de Ensino da Unesp no ano de 2014, que espera- mos possam contribuir para a reflexão e a prática de todos os envolvidos com a educação. Pró-Reitoria de Graduação da Unesp | 5 A presentação C apa Sum ário C réditos SumáRiO 1 Colaboração Escola-Universidade: Valorizando as Diferenças no Contexto de Inclusão Escolar ................................................................................... 6 2 Anatomia da Pele: Ensino Direcionado a Deficientes Visuais (DV) ......... 16 3 Recursos de Tecnologia Assistiva para Alunos com Deficiência Visual: com a Palavra alguns Professores de Educação Infantil ............................... 32 4 Espaço e Tempo na Brinquedoteca Escolar Terapêutica .............................. 41 5 Práticas Pedagógicas Diferenciadas junto a Crianças com Dificuldades de Aprendizagem Escolar: Trabalhando com Atividades Musicais ......... 63 6 Tecnologia Assistiva utilizada pelo Professor de Educação Física na Inclusão de Estudantes Cegos e com Baixa Visão ...................................... 83 7 Apoio Pedagógico para Alunos com Dificuldades na Aprendizagem: Parceria entre Universidade e Escola ................................................................... 99 8 Estimulação Sensório-Motora com Realidade Virtual em Crianças com Dificuldades de Aprendizagem ...................................................................... 112 9 Educação em Direitos Humanos e Convivência no Ambiente Escolar: Dar Voz aos Estudantes e aos seus Responsáveis ............................................ 127 10 Tutela Pré-Violatória em Direitos Fundamentais para Crianças .............. 143 6 | A presentação C apa Sum ário C réditos 1 COLABORAÇÃO ESCOLA-uNiVERSiDADE: VALORiZANDO AS DiFERENÇAS NO CONTEXTO DE iNCLuSÃO ESCOLAR Vera Lúcia messias Fialho Capellini Danniella Regina dos Santos Faculdade de Ciências/Unesp/Bauru Resumo: Este texto tem como objetivo relatar a experiência desenvolvida por meio do Pro- grama Núcleos de Ensino/Prograd/Rede Estadual de Ensino da Diretoria de Ensino de Bau- ru/SP. Tendo em vista a importância dessa parceria e a necessidade da unidade escolar de tornar suas práticas, políticas e cultura mais inclusiva, a direção da escola solicitou junto a universidade, uma formação continuada com toda a equipe escolar. Assim, desenvolveu-se ao longo de dois anos ações de formação continuada, utilizando o Index para a inclusão. Com o apoio de dois bolsistas e a parceria da Clínica de Psicologia da Unesp/Bauru, realizou-se identificação e atendimento dos alunos com dificuldades de aprendizagem, com deficiência intelectual e com superdotação, por meio de testes específicos. Como resultado, obtivemos a implantação de duas salas de recursos na área da deficiência intelectual e da superdotação. Na classe comum desenvolveu-se um apoio pedagógico aos professores das classes que ti- nham alunos com dificuldade de aprendizagem. A escola procurou incluir em seu Projeto Pedagógico a perspectiva do desenvolvimento de cultura, políticas e práticas mais inclusivas, atendendo aos anseios de toda a comunidade e sistematizando ações de aproximação esco- la/famílias. Palavras-chave: Educação especial; diversidade; inclusão escolar. Ao refletirmos mais atentamente sobre o paradigma da inclusão escolar, ve- rificamos que cada vez mais ele está presente nas políticas públicas educacio- nais brasileiras. Quais mudanças as escolas precisam realizar para garantir, de fato, o acesso e a permanência de todos os alunos? Quais princípios permeiam este discurso? O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deve- riam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas ne- cessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de COLABOrAçãO ESCOLA-UNIVErSIDADE: VALOrIzANDO AS DIFErENçAS NO CONtExtO DE INCLUSãO ESCOLAr | 7 A presentação C apa Sum ário C réditos aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currícu- lo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade [...]. Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva [...]. (UNESCO, 1994, p. 61) O Brasil já avançou consideravelmente em termos de legislação no que se refere as orientações para a implementação da Educação Inclusiva (CARVALHO, 2005; PEREIRA; NASCIMENTO, 2008; ANDRÉ, 2011; JESUS; BARRETOS; GON- ÇALVES, 2011). Além de estar presente na legislação nacional, estadual e muni- cipal, a temática acerca da educação inclusiva, cada vez mais, se impõe e ganha espaço na esfera social e nas reflexões teóricas. Porém, na prática, no que se refe- re ao nosso sistema educacional, são vários os fatores que contribuem para uma assistência incompleta aos alunos público alvo da educação especial. Todavia, os sistemas de ensino encontram dificuldade para garantir o acesso, permanência e sucesso de seus alunos. Em termos legais a escola precisa atender integral- mente os alunos, inclusive o público da Educação Especial, ou seja, indivíduos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Desta forma, neste novo cenário de inclusão escolar, se faz necessário cons- truir práticas pedagógicas flexíveis e inclusivas, que atendam todos os alunos, considerando suas potencialidades e necessidades. Cronologicamente, o movimento inclusivo no campo educacional, teve seu início oficializado com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), o qual foi reafirmado, no contexto nacional com a Declaração Mundial sobre Edu- cação para Todos (UNESCO, 1990). No Brasil, especificamente, o direito à educa- ção está garantido na Constituição Federal (BRASIL, 1988), sendo reforçado como status constitucional pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 (BRASIL, 2008), que aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Por conseguinte, as implicações desse processo legal, consistiram no reco- nhecimento da igualdade de valor (BOOTH; AINSCOW, 2012) e de direitos entre seres humanos e na consequente tomada de atitudes e decisões. Os referidos autores esclarecem que entende por “cultura inclusiva”: 8 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos [...] a criação de comunidades estimulantes, seguras, colaboradoras, em que cada um é valorizado, como base para o maior sucesso de todos os alunos. Ela se preocupa com o desenvolvimento de valores inclusivos, compartilhados entre todos os funcio- nários, alunos e responsáveis, e que são passados a todos os novos membros da es- cola. Os princípios derivados nas escolas de culturas inclusivas orientam decisões sobre as políticas e as práticas de cada momento de forma que a aprendizagem de todos seja apoiada através de um processo contínuo de desenvolvimento da escola. (BOOTH; AINSCOW, 2012, p. 45) Já em relação às “políticas inclusivas”, os autores afirmam que têm como propósito […] assegurar que a inclusão esteja presente no bojo do desenvolvimento da escola, permeando todas as políticas, de forma que estas aumentem a aprendizagem e a participação de todos os alunos. Considera-se apoio aquelas atividades que aumen- tem a capacidade de uma escola em responder à diversidade dos alunos. Todas as formas de apoio são consideradas juntas em uma estrutura única, e são vistas a par- tir da perspectiva dos alunos e seu desenvolvimento, ao invés de serem vistas da perspectiva da escola ou das estruturas administrativas do órgão responsável pela organização da educação. (BOOTH; AINSCOW, 2012, p. 45) Para completar, os autores esclarecem que as práticas inclusivas deveriam refletir as culturas e políticas de inclusão de cada instituição, de tal modo que todas as atividades de sala de aula ou extracurriculares fomentassem a participa- ção de todos os alunos. O ensino e o apoio são integrados na orquestração da aprendizagem e na supera- ção de barreiras à aprendizagem e à participação. O staff mobiliza recursos dentro da instituição e nas comunidades locais para sustentar uma aprendizagem ativa para todos. (BOOTH; AINSCOW, 2012, p. 45) Estudos direcionados a pessoas com Altas Habilidades ou Superdotação, na perspectiva da educação inclusiva, tem sido amplamente discutido com relação ao aluno que se destaca por um potencial superior, e que o ambiente educacional típico não está preparado para atender, de forma adequada, as necessidades des- se aluno. De modo geral, o ensino regular é direcionado para o aluno médio e abaixo da média e o superdotado, além de ser deixado de lado neste sistema, COLABOrAçãO ESCOLA-UNIVErSIDADE: VALOrIzANDO AS DIFErENçAS NO CONtExtO DE INCLUSãO ESCOLAr | 9 A presentação C apa Sum ário C réditos é visto, muitas vezes, com suspeita por professores que se sentem ameaçados diante do aluno que questiona e os pressiona, com suas perguntas e comentários. Tal dado sugere as dificuldades de muitos para lidar com os alunos que se desta- cam por um potencial superior e o reduzido grau de preparação docente para favorecer o desenvolvimento mais pleno do potencial humano. No Brasil, as oportunidades e programas oferecidos aos alunos que se desta- cam por um desempenho ou potencial superior são muito limitados. Fora algu- mas iniciativas esparsas em algumas cidades brasileiras, nada se faz no sentido de se promover um atendimento diferenciado àqueles alunos com altas habilida- des e/ou que se destacam por um desempenho superior nas áreas intelectuais/ acadêmica. Há uma resistência à implementação de programas especiais, além de ideias errôneas sobre o superdotado que continuam arraigadas no pensamento popular. É frequente ainda, a concepção da superdotação como um fenômeno raro, acreditando-se que poucas crianças e jovens poderiam ser considerados su- perdotados, em função da ideia de que estes necessariamente apresentam habili- dades excepcionalmente elevadas. Estas e outras ideias errôneas constituem mais um entrave à provisão de condições favoráveis à educação dos mais capazes. Porém, existem barreiras que impedem a consolidação da inclusão educacio- nal. Algumas são bastante significativas e têm sido exaustivamente apontadas na literatura científica, por diversos pesquisadores (GLAT; NOGUEIRA, 2002; MAR- TÍNEZ, 2005; RODRIGUES, 2006) os quais revelam como causa principal o des- preparo dos professores, o número excessivo de alunos nas salas de aula, a pre- cária ou inexistente acessibilidade física das escolas, a rigidez curricular e as práticas avaliativas mal sucedidas. Ressaltamos ainda que, apesar das dificuldades supracitadas, algumas pesqui- sas colaborativas em torno da equipe escolar (CAPELLINI, 2004; MENDES; MAR- QUES; LOURENÇO, 2012), demonstram avanços na prática educativa no que tan- ge ao atendimento da diversidade, considerando as singularidades dos alunos. Deste modo, por meio de pesquisa colaborativa e da intervenção propiciada pelo Programa do Núcleo de Ensino, este projeto teve como objetivos: • implementar um programa de colaboração na formação continuada da equipe escolar a partir do INDEX para a inclusão: desenvolvendo aprendi- zagem e a participação nas escolas. 10 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos • apoiar as práticas pedagógicas no cotidiano escolar de tal modo a valori- zar a diversidade, buscando dar respostas às necessidades de todos os alunos, tanto aqueles com deficiência, quanto aqueles com altas habilida- des ou superdotação. mETODOLOgiA A pesquisa colaborativa, de acordo com Clark et al. (1996), não é sinônimo de participação em todas as fases do projeto. A premissa básica tem sido a par- tilha de opiniões por meio do diálogo. Complementando, a ideia chave que per- meia as várias concepções de pesquisa colaborativa é “a potencialidade para melhorar o desenvolvimento profissional por meio de oportunidades para a reflexão sobre prática, críticas partilhadas e mudanças apoiadas” (MIZUKAMI et al., 2002, p. 129). A formação continuada realizada nos horários de atividade de trabalho peda- gógico coletivo (ATPC), tendo como referencial o INDEX da Inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2012) foi desenvolvida uma vez por mês na escola, durante os dois anos de duração do projeto. O INDEX para Inclusão é um guia elaborado por Tony Booth e Mel Ainscow (2012), da Inglaterra, para as escolas refletirem, planejarem e executarem ações que promovam a aprendizagem de todos os alunos. O INDEX parte da problema- tização de pensar a escola em três dimensões: a de construção de culturas de in- clusão; a do desenvolvimento de políticas de inclusão; e a da orquestração de práticas de inclusão, num movimento de empoderamento de nossa categoria pro- fissional – a docência, vermo-nos como agentes prováveis da mudança, da crítica construtiva e da transformação. Para além deste trabalho, o projeto possibilitou atuação direta de duas bolsis- tas no cotidiano escolar, sendo uma em cada período, as quais participaram das atividades pedagógicas durante dois a três dias por semana. Ao longo da intervenção, os questionários de mapeamento das práticas, cultu- ras e políticas inclusivas sugeridos pelo Documento Index da Inclusão foram apli- cados aos três seguimentos da comunidade escolar, pais, alunos e equipe escolar. Com ao apoio da Clínica de Psicologia da Unesp de Bauru, durante o trabalho na escola, confirmamos e completamos a avaliação de 11 alunos com superdota- ção e 13 alunos com deficiência intelectual. COLABOrAçãO ESCOLA-UNIVErSIDADE: VALOrIzANDO AS DIFErENçAS NO CONtExtO DE INCLUSãO ESCOLAr | 11 A presentação C apa Sum ário C réditos ALguNS RESuLTADOS Em relação às atividades com os alunos com superdotação consideramos que o trabalho foi muito efetivo, visto que os pais lutaram pela sua continuidade, tan- to que a sala de recursos foi criada na escola, sendo a primeira da rede estadual de São Paulo. Foram atendidos em 2014 onze alunos, divididos em dois grupos em função do turno escolar: Grupo 1 (alunos do matutino) e Grupo 2 (alunos do vespertino). As atividades foram desenvolvidas nas dependências da escola e contamos, para as atividades de Enriquecimento Curricular, com o material produzido pelo MEC (FLEITH, 2007) que traz um Modelo de Enriquecimento Escolar proposto por Joseph Renzulli (2001), que tem como objetivo tornar a escola um lugar onde os talentos sejam identificados e desenvolvidos. As estratégias pedagógicas visa- vam à estimulação do potencial de alunos com superdotação, de forma a contri- buir com o pensamento crítico e criativo, pois estes alunos necessitam de uma variedade de experiências de aprendizagem enriquecedoras, significativas e de- safiadoras que estimulem o seu desenvolvimento e favoreçam a realização plena do seu potencial. Durante o trabalho, as bolsistas utilizaram uma série de jogos educativos, li- vros, globo terrestre, bem como recursos tecnológicos, como computador, filma- doras e outros materiais didáticos e acadêmicos que tinham disponíveis na esco- la, para o atendimento aos alunos com superdotação e para os alunos com deficiência intelectual. Este trabalho teve como ênfase, o apoio direto na classe comum, com vistas a melhorar o processo de alfabetização, tendo como base o material ler e escrever da rede estadual. Percebendo a necessidade, a equipe escolar, com o apoio dos pais, percebeu a necessidade da continuidade do trabalho iniciado pelo Projeto do Núcleo de En- sino e, para isto, solicitaram a implantação das salas de recursos. Este processo efetivado por meio da parceria com a Clínica de Psicologia da Unesp que, após avaliação multimodal com diferentes instrumentos, completou a avaliação pedagógica realizada pela escola, emitindo os laudos dos 13 alunos identificados com deficiência intelectual, que em 2015, estão sendo atendidos pela professora especializada no contraturno. Concernente ao trabalho desenvolvido com o Index da Inclusão, alguns exem- plos ilustram a avaliação realizada. No item edificando cultura inclusiva, a equipe 12 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos escolar, em sua maioria (89%), respondeu que concordava que todos na escola estavam se esforçando para tornar a escola mais inclusiva. Foi indagado à equipe escolar o que mais gostavam e o que mudariam na esco- la para que se tornasse um espaço acolhedor para todos e obtivemos os seguintes resultados: Tabela 1 O que mais apreciam na escola. O que você mais gosta na escola? Nº Participantes Espaço físico 1 Participação dos pais 3 Comunicação 1 Direção 0 Frequência alunos 9 Estímulo estudo dos alunos 7 Flexibilidade 3 Ludicidade 3 Organização 2 Total 29 Tabela 2 O que mudariam na escola. O que você mudaria na escola? Nº sugestões do que mudariam Espaço físico 13 Participação dos pais 7 Comunicação 7 Direção 6 Frequência alunos 3 Estímulo estudo dos alunos 2 Flexibilidade 1 Ludicidade 1 Organização 1 Total 41 Obs.: Cada participante respondeu mais de uma alternativa de mudança. COLABOrAçãO ESCOLA-UNIVErSIDADE: VALOrIzANDO AS DIFErENçAS NO CONtExtO DE INCLUSãO ESCOLAr | 13 A presentação C apa Sum ário C réditos Por meio destas duas indagações diretas e objetivas, podemos verificar as percepções acerca do ambiente escolar e quais mudanças, mesmo que sutis, po- dem fazer com que se torne ainda mais agradável e acolhedor para todos que nela convivem. As instalações físicas de muitas instituições escolares não atendem às exigên- cias legais de acessibilidade, não dispõem de materiais didáticos adequados que atendam as expectativas de desenvolver um bom trabalho do professor, tampou- co corresponde ao que anseia os alunos. Todavia, muito já foi e tem sido realizado em prol de um ambiente escolar que possa ser classificado como de fato inclusivo. CONSiDERAÇõES FiNAiS Podemos aferir o quão significativo e transformador é quando existe o com- prometimento e envolvimento de toda a comunidade com o trabalho desenvolvi- do intramuros escolares. Quando a sociedade passa a compreender a escola como um ambiente de convivência e que beneficia a todos, desperta sentimentos de cuidados e proteção. Quando a Universidade, ao se aproximar das escolas de educação básica, ao invés de apontar falhas da equipe escolar, deve buscar um planejamento e desen- volver ações coletivas capazes de fomentar a reflexão sobre uma escola para to- dos, que garantam acesso, mas também aprendizagem dos alunos. Observamos que a mudança de crença sobre pessoas com deficiência ou su- perdotação se constituiu no ambiente escolar vivenciado como fundamental para as práticas educativas. A equipe escolar revelou que muitas vezes ficava imobili- zada por ignorância em relação ao tema. A ação comunitária tende a apresentar resultados imediatistas que atende dificuldades mais pontuais, dessa forma, projetos universitários tendem a apre- sentar reflexos substanciais que melhora a vivência e convivência do ser com o meio em que está inserido. A inclusão não está restrita ao aceitar ou não aceitar determinado indivíduo no ambiente escolar, a fazer com que minorias se sintam acolhidas como se estivessem fazendo um favor para estas. A inclusão significa compreender que todos possuem os mesmos direitos e deveres, que ninguém aprende da mesma forma, ninguém realiza os mesmo trabalhos, ninguém apre- senta as mesmas características físicas e psíquicas que outro, somos seres dife- 14 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos rentes com direitos iguais, sendo assim, deverá haver modificações em diversas áreas e conceitos para que os direitos sejam respeitados e assegurados. Com o referido trabalho do Núcleo de Ensino, constatamos que alunos univer- sitários se comprometeram com um trabalho, buscando alternativas metodológi- cas para o pleno desenvolvimento de todos os alunos. Num primeiro momento, os alunos citados fizeram um levantamento das carências materiais da escola. Nos horários de trabalho pedagógico coletivo, iniciamos um estudo sobre o que seria necessário para conquistar a implantação de uma sala de recursos, visto que a escola não dispunha deste serviço e tanto a equipe escolar quanto os pais consi- deravam uma prioridade, para apoiar os professores e garantir o atendimento pedagógico especializado aos alunos público alvo da educação especial. Quem sabe não descobriremos aí os alicerces de uma ponte, cuja construção deveria ter sido lançada há muito tempo, ou talvez até já tenha sido, sem que te- nhamos, entretanto, tido o cuidado de explorar devidamente toda a riqueza des- sa possibilidade em favor de um desenvolvimento mútuo. De um lado, crescem a escola básica inclusiva e seus professores, recebendo estes uma complementa- ção e orientação, e ao longo de toda a sua carreira, por certo. De outro lado, cres- ce a universidade, pelo contato direto com os problemas vitais da educação bási- ca inclusiva, assegurado pelos seus professores/alunos e voluntários. REFERêNCiAS ANDRÉ, M. Pesquisa sobre formação de professores: tensões e perspectivas do campo. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE, 10, 2011, Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2011. BOOTH, T.; AINSCOW, M. Índex para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Trad. Mônica Pereira dos Santos. 2. ed. Bristol: Unesco, CSIE. p. 45, 2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998. _____. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo grupo de trabalho nomeado pela Portaria n. 555/2007, pror- rogada pela Portaria n. 948/2007, entregue ao ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008. Brasília, jan. 2008. _____. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasí- lia: MEC, Seesp, 2008. http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/ebook2.pdf http://www.fe.ufrj.br/anpedinha2011/ebook2.pdf COLABOrAçãO ESCOLA-UNIVErSIDADE: VALOrIzANDO AS DIFErENçAS NO CONtExtO DE INCLUSãO ESCOLAr | 15 A presentação C apa Sum ário C réditos CAPELLINI, V. L. M. F. Avaliação das possibilidades do ensino colaborativo para o processo de inclusão escolar do aluno com deficiência mental. São Carlos, 2004. Tese (Doutorado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2004. CARVALHO, R. E. Educação inclusiva: com os pingos nos is. Porto Alegre: Mediação, 2005. CLARK, C. et al. Collaboration as teachers and researchers engaged in conversation and professional development. American Educational Research Journal, n. 33, p. 193-231, 1996. FLEITH, D. S. A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/ superdotação. 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Salamanca: Unesco, 1994. http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm 16 | A presentação C apa Sum ário C réditos 2 ANATOmiA DA PELE: ENSiNO DiRECiONADO A DEFiCiENTES ViSuAiS (DV) Selma maria michelin matheus Beatriz Caroline Dinofre Julia de Almeida monteiro Silva iasmim Santos de Souza maria Dalva Cesário Instituto de Biociências/Unesp/Botucatu Resumo: Diante da possibilidade de elaboração de material a ser utilizado por alunos defi- cientes visuais, propomos a elaboração de modelos que representem a anatomia do tegu- mento humano, incluindo a pele e seus anexos, os quais foram elaborados levando-se em conta materiais de natureza didático-pedagógica: com diferentes texturas, cores fortes e fluo rescentes. Acompanhando o modelo foi elaborado um texto transcrito em braile, cujo conteúdo descreve a anatomia e fisiologia das estruturas contidas no modelo. A avaliação do material foi realizada com grupo de alunos DV com idade entre 16-20 anos no Museu de Anatomia/IB/B; além dos deficientes visuais o modelo também foi apresentado a uma aluna com deficiência auditiva, acompanhada por uma intérprete de Libras que participou da aula. Palavras-chave: Tegumento comum; pele; educação especial; deficientes visuais. BREVE hiSTóRiCO A Inclusão social que é um conceito que começou a ser discutido em 1950 em órgãos e instituições como a ONU, que engloba uma série de projetos, políticas, leis e serviços, voltados inicialmente a atender pessoas com necessidades espe- ciais, visando a sua integração na sociedade, por meio da educação e do trabalho digno (FONTANA & NUNES, 2006). Segundo Sassaki (1997), a inclusão é “um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessi- dades educacionais especiais e, simultaneamente, estas se prepararam para as- sumir seus papéis na sociedade”. A ação inclusiva implica numa reorganização do sistema educacional, o que acarreta a revisão de antigas concepções e paradigmas educacionais, na busca de ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 17 A presentação C apa Sum ário C réditos possibilitar o desenvolvimento cognitivo, cultural e social desses alunos, respeitan- do suas diferenças e atendendo às suas necessidades (GLAT & NOGUEIRA, 2002). A implantação de respostas com vistas à construção de uma educação inclusiva requer mudanças nos processos de gestão, na formação de professores, nas meto- dologias educacionais, com ações compartilhadas e práticas colaborativas que res- pondam às necessidades de todos os alunos (http://portal.mec.gov.br/seesp). De acordo com Baumel & Castro (2002), a formação de professores envolve área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da didática e da organização escolar, estuda os processos por meio dos quais os professores, em formação ou em exercício, individualmente ou em equi- pe, em experiências de aprendizagem por meio das quais adquirem ou melhoram os conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir pro- fissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem. Espera-se que o educador empenhe-se em cumprir esses “requisitos” da pro- fissão e, além disso, é imprescindível que o profissional leve em consideração as particularidades presentes em sala de aula, para que as ações pedagógicas atin- jam e, principalmente, sejam eficazes a todos os alunos. Crianças com necessi- dades especiais, deficientes físicos, mentais, auditivos, visuais, etc. tem direito a educação de qualidade, entretanto, a exigência de métodos diferenciados para o sucesso do processo educativo e inclusão social são indispensáveis. Há muito por se fazer para que o conhecimento, em sua íntegra, seja transmi- tido a este público e uma das tarefas é a elaboração de material especifico para cada tema abordado em sala de aula, uma vez que os deficientes visuais frequen- tam classes regulares no ensino fundamental, médio e na universidade, partici- pando das aulas em conjunto com alunos sem problemas visuais. O maior problema enfrentado pelos deficientes visuais até os dias de hoje é a dificuldade de contato com o ambiente físico. Em nenhuma outra forma de educação existe tanta necessidade de recursos didáticos eficientes como na educação especial de deficientes visuais. Muitas vezes desvinculada da reali- dade, a aprendizagem desses deficientes pode ser ineficiente, carente de mate- rial didático e apenas verbal (CERQUEIRA & FERREIRA, 2000). Segundo Camar- go et al. (2009), práticas audiovisuais não correspondem aos anseios de um contexto inclusivo. 18 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos No caso de disciplinas em escolas e outras instituições, sempre é necessário o uso de instrumentos ópticos, o que torna a abordagem de alguns tópicos desfavo- ráveis para deficientes, como o estudo de biologia, por exemplo. Nessa disciplina, que tem como um dos focos centrais o estudo da célula, geralmente é feito o uso de microscópios e imagens para distinção de diversos aspectos, como as diferen- ças entre tecidos, as funções e formas dos componentes celulares e a diferença entre eu e procariontes, por exemplo. Além de microscopias e imagens, também é feita a utilização de textos explicativos ou apenas descritivos, o que torna a aprendizagem para deficientes difícil de ser realizada (BATISTETI et al., 2009). Todas as crianças necessitam de motivação para que aprendam, e a formação de conceitos por parte das crianças depende do contato com as coisas do mundo e de recursos que possam suprir necessidades no momento de obtenção de in- formações e manuseio de materiais de diferentes formas. Esses recursos possibi- litam um treinamento de percepções táteis e que o deficiente saiba discriminar detalhes através do toque (CERQUEIRA & FERREIRA, 2000). Recursos didáticos podem ser classificados como todos os recursos físicos utilizados em quaisquer disciplinas e áreas de estudos ou atividades, indepen- dente da frequência utilizada. Tais recursos são utilizados para facilitar e auxiliar o processo de ensino-aprendizagem por parte do educando e do deficiente visual (CERQUEIRA & FERREIRA, 2000). Entre esses recursos podemos considerar os modelos didáticos. Para Justina & Ferla (2006), “modelos didáticos são represen- tações, confeccionadas a partir de material concreto, de estruturas ou partes de processos biológicos”. É importante construir modelos para explicar o que não se pode ver ou não se pode tocar. Cada modelo, independente de já existir outro mais sofisticado ou rebuscado, pode ser usado dependendo da necessidade, o que mostra o quanto a ciência lança mão dos modelos para explicar o invisível e facilitar a aprendiza- gem de conceitos teóricos (SIMÕES e SOARES, 2009). Além disso, a vantagem do uso de modelos tridimensionais é que além de serem instrumentos fundamen- tais para deficientes visuais, também podem ser utilizado por outros alunos nas salas regulares de ensino. Muitos fatores estão envolvidos no bom aproveitamento dos recursos didáti- cos, como a capacidade do aluno e a experiência do educando, além de quais técnicas serão empregadas e do tempo a serem utilizados, já que podem causar ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 19 A presentação C apa Sum ário C réditos desinteresse. Também existem critérios a serem analisados por parte do profes- sor, como o tamanho do material, a significação tátil, a aceitação por parte dos alunos, a estimulação visual para deficientes com baixa visão, a fidelidade ao mo- delo a ser representado, a facilidade de manuseio, a resistência do material e a segurança dos mesmos (CERQUEIRA & FERREIRA, 2000). Considerando toda a problemática envolvida no aprendizado de DV’s, e que o Museu de Anatomia IB/B recebe visitas de escolares de Botucatu e região duran- te todo o ano, propomos e realizamos a elaboração de um modelo tridimensional sobre anatomia da pele e seus anexos, os quais foram feitos com materiais didá- tico-pedagógicos específicos, com diferentes texturas, cores fortes e fluorescen- tes; incluindo um texto conceitual em Braile, para que os alunos pudessem rela- cionar a leitura com as estruturas contidas nos modelos. DESENVOLVimENTO Os modelos foram elaborados levando-se em conta materiais de natureza di- dático-pedagógica: materiais com diferentes texturas (para atender as necessi- dades dos deficientes visuais) e com cores fortes e fluorescentes (para atender as necessidades de indivíduos com visão subnormal) (BECK-WINCHATZ e OSTRO, 2003; GRADY et al., 2003). Foram desenvolvidos modelos tridimensionais de pele e mama a partir da utilização dos seguintes materiais: Placas de isopor 12 x 15,5 x 30 cm, massa de biscuit, cerdas de vassoura, EVA texturizado, tecido texturizado, barbante, caninho de sonda, bolinhas de isopor, grãos de arroz, ração de peixe de variados tamanhos, tinta acrílica ou guache de cores variadas, bolinhas de isopor, rede de espuma EPE, espuma, glit- ter, molde de seio, cola branca, cola de isopor, cola de EVA, supercola, tesoura, estilete, pincéis. O Sistema Tegumentar é composto pelas camadas epiderme, derme e hipo- derme; e pelas glândulas sebáceas e sudoríparas (Figura 1), além das estruturas anexas, como pêlos, unhas e mamas. Foram confeccionados dois tipos de mode- los, o da pele em si, com seus respectivos estratos, e o da mama e suas estruturas internas (Figuras 2, 3 e 4). Para o primeiro modelo, foram sobrepostas e aderidas com cola específica, placas de isopor de 12 x 15,5 x 30 cm, até atingir uma altura suficiente para 20 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos representação didática. Na superfície superior do bloco de isopor foi colado o EVA texturizado, simbolizando a aparência da pele humana (1A). A fim de diferenciar as camadas da pele, a epiderme foi separada da derme pela colagem de um barbante, e diferenciada pelos grãos de arroz na sua parte mais superior, representando as células mortas e queratinizadas, e ração de pei- xe de dois tamanhos diferentes, sendo que as bolinhas maiores foram coladas na base da epiderme (células jovens) e as menores em todo o espaço restante. É na epiderme também que está o folículo piloso (1B), com o bulbo piloso (base dila- tada) modelado com massa de biscuit e o pêlo feito a partir da junção e colagem de cerdas de vassoura. A próxima camada é a derme (1C), onde se encontram as glândulas sebáceas (1D) e sudoríparas (1E). A primeira foi produzida com espuma pintada de laran- ja e caninhos de sonda cortados para fazer o papel dos ductos. Já a sudorípara foi conseguida a partir da torção também de caninhos de sonda, posteriormente pintados de verde, e que atravessa toda a extensão da derme e epiderme, e emer- ge na superfície da pele. É na derme também que podemos encontrar as veias e artérias do sistema circulatório (1F). Ambas confeccionadas com barbante. Veias representadas em azul e artérias em vermelho, sendo essas ultimas diferenciadas das veias em es- pessura e textura pela colagem de glitter em toda extensão do barbante. Também há as terminações nervosas (1G), capazes de captar estímulos térmicos, mecâni- cos ou dolorosos, feitas com pedaços de espuma EPE recortadas em tiras, entre- laçadas e ramificadas no final. Por fim, relacionado com o folículo piloso, está o músculo eretor do pelo (1H), responsável pela movimentação do mesmo; representado no modelo por um pedaço de tecido vermelho com textura no sentido horizontal, simbolizando as fibras do tecido muscular. A hipoderme (1I), terceira e última camada, é constituída por tecido adiposo (gordura), sendo uma reserva de material nutritivo e ainda responsável por im- pedir a perda de calor. Foi feita a partir de bolinhas de isopor pintadas com tinta amarela e coladas em camadas irregulares, dando um efeito de alto relevo. Para a confecção do modelo de mamas, foi usado um molde de mama compra- do em loja de $ 1,99, no qual as glândulas mamárias (4A) foram representadas por bolinhas de biscuit coladas de forma a aparentarem um pequeno cacho de uvas, ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 21 A presentação C apa Sum ário C réditos com ductos de cano de sonda pintados de vermelho e o tecido adiposo (4B) ao redor feito com as mesmas bolinhas de isopor amarelas usadas no modelo de pele. Foi redigido texto transcrito em Braille contendo a anatomia da orelha. Sendo que os modelos confeccionados e os textos foram utilizados durante aula reali- zada no Museu de Anatomia/IB/B, onde participaram deficientes visuais e defi- cientes auditivos que frequentavam o ensino médio. É importante ressaltar a necessidade de um educador acompanhando os alu- nos para auxiliá-los no momento de apresentação dos modelos didáticos. RESuLTADOS No início da visita ao Museu, os alunos acompanhados pela professora res- ponsável por essa sala, foram identificados com crachás, proporcionando uma interação maior entre os alunos e os monitores do Museu. A seguir os alunos fo- ram questionados em relação ao conteúdo que seria oferecido com a finalidade de despertar maior interesse sobre o tema e estimulá-los para a leitura do texto. A avaliação dos modelos foi realizada por 5 alunas deficientes visuais, sendo 2 com visão subnormal, e 1 aluna deficiente auditiva, com idades entre 16 e 20 anos, em visita ao Museu de Anatomia do Instituto de Biociências, Unesp Câmpus de Botucatu. As estudantes da escola E.E Prof. Pedro Torres estavam acompanha- das por duas professoras da sala de recursos especiais da instituição, sendo uma delas especialista em Libras. Iniciamos a conversa de forma despretensiosa e in- formal, questionando-as sobre o que já sabiam sobre o Sistema tegumentar, a pele e seus anexos. Todas se mostraram participativas e interessadas em relação ao tema abordado. Através dessa conversa informal nos situamos a respeito dos conhecimentos prévios dos alunos e assim foi possível abordar o tema de uma forma mais eficiente para a aquisição do conhecimento por parte dos mesmos. Em seguida, elas receberam o texto conceitual impresso em braile, sendo que a de visão subnormal e a deficiente auditiva receberam o texto com impressão a tinta, impresso em letras tamanho grande. Realizamos a leitura do texto em voz alta, com pausas para explicações e comentários, e, concomitantemente à leitura, as alunas foram apresentadas aos modelos anatômicos, fazendo as correlações dos conceitos que ouviam com as estruturas que pertenciam aos modelos e, no caso das meninas de visão subnormal, além das diferentes texturas, as cores for- tes e contrastantes também auxiliaram na diferenciação das partes do modelo. 22 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos Abordamos não só conceitos e definições anatômicas, mas também assuntos do dia a dia relacionados à pele, como a importância do protetor solar e os perigos da exposição excessiva ao sol, podendo ocasionar câncer. As alunas demonstra- ram interesse pelo assunto e aproveitaram o espaço para tirarem dúvidas. Após essa aula novas dúvidas surgiram, as quais foram prontamente escla- recidas. Entre elas destaca-se a diferença na cor da pele, uso de filtro solar e queimaduras. Ao final da aula prática os alunos demonstraram domínio do conteúdo e des- treza no manuseio dos modelos, sendo que tomaram a frente para esclarecer perguntas de seus colegas utilizando os modelos para suas respostas. Essa ava- liação consistiu em monitoramento constante, durante toda a aplicação do texto e do modelo, por meio de observação do contato dos alunos com o modelo elabo- rado, questionamentos realizados pelos alunos que demonstravam o nível de compreensão sobre o tema e, a sistematização feita pelos alunos sobre conteúdo abordado. Segue abaixo o texto descritivo que foi transcrito em braille: O corpo humano é constituído de um conjunto de sistemas, cada um com determinada função a ser executada para manter o organismo em ordem. Um desses sistemas é o tegumentar. O sistema tegumentar abrange a pele, os pelos, as unhas, as mamas e as glândulas sebáceas e sudoríparas. A pele é formada por duas camadas dife- rentes, mas unidas entre si por junções de células. Essas duas chamadas são chamadas Derme e Epiderme. A epiderme é formada por várias camadas, chamadas de estratos, justa- postas. A camada mais interna possui células que se multiplicam constante- mente, empurrando as mais velhas para a superfície do corpo. Essas células mais velhas, conforme envelheceram, produziram uma substância proteica resistente e impermeável, chamada queratina. Essa queratina torna a pele re- sistente a atritos. Certos locais do corpo possuem mais queratina, como as mãos e os pés, pois sofrem mais atritos e são expostos com mais frequência, então precisam de maior proteção. Na epiderme, na sua porção mais interna, estão presentes células chama- das melanócitos. São elas que determinam a coloração da pele, mas também ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 23 A presentação C apa Sum ário C réditos dos olhos. Elas também auxiliam na proteção contra raios solares, nocivos à pele. As conhecidas sardas e pintas decorrem de acúmulos de melanina. É na epiderme que se originam as glândulas – sudoríparas e sebáceas –, apesar de estarem mergulhadas em outra camada – a derme. A derme está localizada logo abaixo da epiderme. Ela possui vários vasos sanguíneos e terminações nervosas, além de células que produzem fibras elásticas e colágenas, que dão elasticidade e resistência à pele. As termina- ções presentes na derme são importantes, pois são responsáveis por captar estímulos térmicos, mecânicos ou de dor. As glândulas sudoríparas nela presente possuem a importante função de regular a temperatura do corpo. Isso ocorre através do suor, que absorve ca- lor por evaporação da água presente no nosso corpo. Elas são caracterizadas por um longo ducto que atravessa a epiderme e se abre na superfície mais externa da pele, onde, por meio de poros, excretam sua secreção, chamado suor. Ele tem por função refrescar o corpo quando a temperatura do ambiente ou do corpo está elevada. As sudoríparas são abundantes nas palmas das mãos e na planta dos pés. Nas axilas e nos órgãos genitais também existem glândulas com função excre- tora parecida com a das sudoríparas, mas com odor que se caracteriza por contato com bactérias. As glândulas sebáceas também estão inseridas na derme, menos nas re- giões da palma da mão e da planta dos pés. Semelhantes às sudoríparas, sua secreção, também chamada de sebo, serve para lubrificar a pele e os pelos. Anexos à pele, estão os pelos, as unhas e as mamas. Os pelos cobrem praticamente toda a pele, exceto as palmas das mãos e planta dos pés. São divididos em duas partes; uma haste, que fica acima da pele e exposta, e uma raiz, que fica presa no chamado folículo piloso, que está inserido na derme ou na tela subcutânea. A tela subcutânea é uma camada abaixo da derme, cheia de células que armazenam gordura, chamadas adiposas ou adipócitos. Também chamada hi- poderme, ela tem a função de reservar energia, proteger o corpo contra cho- ques mecânicos e como isolante térmico. Voltando ao pelo, ele possui uma base dilatada, chamada de bulbo piloso. Ao lado dele, horizontalmente, está um feixe de fibras musculares lisas, deno- 24 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos minadas músculo eretor do pelo. Esse músculo é responsável pela ereção dos pelos. O pelo está inserido num espaço chamado folículo piloso. É nele que a glândula sebácea se abre. As unhas são placas de queratina que estão presentes na ponta dos de- dos. Também são produzidas por glândulas; essas secretam camadas de que- ratina que ficam aderidas na pele até sua extremidade, quando geralmente são cortadas. As mamas também são anexos da pele, formadas por glândulas que se mo- dificam e se especializam na produção de leite na mulher gestante. Essas glândulas são chamadas mamárias. A forma da mama é semelhante a um cone, mas há variações, dependendo da quantidade de células adiposas na tela subcutânea, de gestação ou da idade. O desenvolvimento dela se inicia na puberdade e podem mudar conforme as gestações e a idade, que influencia na elasticidade das estruturas que a sustenta. Câncer de pele O câncer de pele é caracterizado pelo crescimento anormal e descontro- lado de células que compõem a pele. Como existem vários tipos de células, qualquer uma delas pode dar origem a um câncer, portanto, existem vários tipos do mesmo. A prevenção do câncer, seu diagnóstico e tratamento é acompanhado pelo dermatologista, médico especializado em pele. Existem fatores de risco que podem agravar um caso de câncer ou até mesmo iniciar um, como a exposição solar. Pessoas que tomaram muito sol ao logo da vida sem proteção, sofrem uma agressão do sol contra e pele, que pode levar a alterações celulares e um posterior câncer. A idade e o sexo também podem influenciar. O câncer de pele incide na maioria dos casos pessoas na idade adulta e homens com mais frequência do que mulheres. A pele em si também influencia na ocorrência do câncer. Pessoas com a pele, cabelos e olhos claros tem mais chances de sofrer dessa alteração celu- lar, assim como as albinas e com sardas distribuídas pelo corpo. Pessoas com muitas pintas também devem estar atentas a qualquer alteração, como o apa- recimento de novas pintas ou alteração na cor e formato das que já existiam. ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 25 A presentação C apa Sum ário C réditos Outro fator que influencia nos casos de câncer é o histórico familiar, pois segundo estudos, ele é mais comum em pessoas com antecedentes familiares que tiveram a doença. Nesses casos, as visitas ao dermatologista devem ser ainda mais frequentes. E por último, mas não menos importante, o fato imu- nológico. Pessoas com a imunidade enfraquecida tem o risco aumentado de câncer de pele. importância do uso de protetor solar O uso do protetor solar é cada vez mais anunciado. Ele ajuda a combater o câncer de pele, ajuda a evitar insolações, queimaduras, manchas de pele, en- velhecimento precoce, flacidez, lesões e outras complicações na pele. Segundo especialistas, ele deve ser utilizado não apenas em dias ensola- rados, mas também em dias nublados e de inverno. Sua eficácia está relacio- nada à quantidade e ao modo de aplicação, que deve ser uniforme e conforme a cor e o tipo de pele. A pele é classificada em tipos, e conforme esses tipos é indicado um tipo de protetor solar. Os tipos 1 e 2 são as peles muito brancas e peles brancas, que jamais se bronzeiam e se queimam com facilidade. Para pessoas com esse tipo de ele é recomendado o fator de proteção 60, que são capazes de bloquear até 98,5% dos raios ultravioletas. Os tipos 3 e 4 são as peles ligeiramente morenas e peles morenas, que já contam com uma proteção natural vinda dos melanócitos. Apesar de se quei- mar com facilidade, se bronzeiam e são protegidas com um fator menor, o 30, que filtra 96% dos raios ultravioletas. Os tipos 5 e 6 são as peles muito morenas e as peles negras. Para essas, que se bronzeiam com facilidade e raramente se queimam, o fator 15% é suficien- te e o mais indicado. Deve-se usar sempre a palma das mãos para aplicar aproximadamente 30 ml de protetores e bloqueadores solar, sem esquecer das orelhas, pés, pesco- ço e face, e de reaplicar após contato com a água. A seguir o registro fotográfico dos modelos confeccionados. 26 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos Figura 1 modelo de pele humana (1A – epiderme, 1B – folículo piloso, 1C – Derme, 1D – Glândula sebácea, 1E – Glândula sudorípara, 1F – vasos sanguíneos, 1G – terminação nervosa, 1H – músculo eretor do pelo, 1I – hipoderme). Figura 2 modelo de mama. ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 27 A presentação C apa Sum ário C réditos Figura 3 Visão interna da mama. Figura 4 Detalhe da visão interna da mama (4A – glândula mamária, 4B – tecido adiposo, em vermelho – ductos lactíferos). COmENTáRiOS gERAiS Segundo Nunes & Lomonaco (2010), é preciso ter em mente que a cegueira é uma condição do indivíduo, assim como sua classe social, gênero, cor e raça, fatores que, infelizmente, influenciam sim no processo de aprendizagem e de- 28 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos senvolvimento humano, porém são limitações possíveis de serem superadas. No caso da deficiência visual especificamente, as informações do mundo podem ser transmitidas de diferentes formas, não apenas a visual, fazendo com que a crian- ça deficiente tenha também oportunidade de aprender, assim como os colegas videntes. Se a visão é uma função importante, é preciso destacar, como o faz Vigotski (2000), que a sua ausência ou deficiência não impede o desenvolvimento, embo- ra possa limitar, principalmente, a sua dimensão social. Para combater esse efeito (secundário) da deficiência visual é preciso investir de forma consciente e plane- jada na organização de um ambiente que promova a interação social e a partici- pação dessas crianças. A relação didática pode ser considerada, como o conjunto de interações que os alunos e o professor mantêm entre si na realização de uma ação direcionada a uma finalidade a propósito de um conteúdo de ensino e aprendizagem em um quadro espaço-temporal determinado, em geral o quadro escolar (JONNAERT & BORGHT, 2002). Os métodos de ensino devem contribuir para que o aluno mobilize seus es- quemas operatórios de pensamento e participe ativamente do processo de apren- dizagem. As técnicas de ensino empregadas de maneira correta contribuem em vários aspectos na aprendizagem (NÉRICI, 1991): motivam e despertam o inte- resse dos alunos; favorecem o desenvolvimento da capacidade de observação; aproximam o aluno da realidade; propiciam visualização ou concretização dos conteúdos da aprendizagem; oferecem informações e dados; permitem a fixação da aprendizagem; ilustram conceitos mais abstratos; desenvolvem a experimen- tação concreta; possibilitam a oportunidade de o aluno manifestar aptidões e desenvolver habilidades manuais. Os sentidos são o elo entre o homem e mundo exterior, e, portanto, a estimu- lação de vários sentidos facilita a aprendizagem. Pesquisas demonstram que es- tímulos combinados (ver e escutar, ver e debater, ouvir e experimentar) aumen- tam a eficácia dos registros quando comparado a estímulos únicos (ler ou ouvir ou ver) (PILETTI, 2001). Para os deficientes visuais a formação de imagens e conceitos se dá pela expe- riência tátil, auditiva, e olfativa, inter-relacionada com a linguagem das pessoas que interagem com elas (ORMELEZZI, 2000). ANAtOmIA DA PELE: ENSINO DIrECIONADO A DEFICIENtES VISUAIS (DV) | 29 A presentação C apa Sum ário C réditos Proporcionar uma maior eficiência na aprendizagem é papel do professor, e o uso adequado de diferentes procedimentos e de recursos de ensino pode colabo- rar para o desenvolvimento do aluno (PILETTI, 2001). A educação escolar de alunos especiais necessita de recursos específicos para ser bem sucedida. Materiais adaptados, adequados ao entendimento tátil-cines- tésico, auditivo, e sensitivo no geral, são de extrema importância, assim como o uso da escrita em Braile. Entretanto, recurso nenhum é suficiente se há falta de preparo do educador e desconhecimento sobre a grande capacidade de aprendi- zagem desses alunos deficientes visuais. Para Laplane & Batista (2008), as características do funcionamento do siste- ma educacional fazem com que muitas vezes a dinâmica escolar interponha bar- reiras entre a criança com deficiência visual e o conhecimento. A estrutura que agrupa muitos alunos na mesma classe e privilegia aqueles com bom desempe- nho acadêmico dificulta a personalização do ensino e o atendimento dos que apresentam necessidades especiais. Dessa forma, os exemplos de confecção e uso de materiais acessíveis em atividades concretas e projetos de ensino reme- tem ao conjunto de informações que constitui a base sobre a qual as estratégias pedagógicas serão construídas, utilizando-se recursos específicos, materiais di- versos e pequenas adaptações, segundo a necessidade. A realidade é que o mecanismo visual é supervalorizado no que diz respeito aos processos de aquisição de conhecimento, o que acarreta na ideia de restrição do cego ao seu próprio desenvolvimento. Estima-se que a visão é responsável por 80% do conhecimento. Enquanto Ba- tista & Enumo (2000) questionam esse fato alegando que, mesmo sendo a visão uma importante via de informação, ela não é única. O desenvolvimento do defi- ciente visual é passível de dificuldades como o de qualquer ser humano, o que não se deve é deixar que a situação diferenciada impeça-os de se esforçar o má- ximo, e que o professor saiba exigir do aluno toda capacidade que ele possui. Outra questão importante no momento da educação especial é a escolha de uma literatura específica que auxilie o educador no momento da aula, o que é um problema, já que existe uma carência bibliográfica. É claro que existem arti- gos, mas ainda existe uma lacuna na bibliografia especial (CAMARGO, 2011). A maior questão é saber que são muitas as possibilidades de ensinar e explorar alguns fatos, basta apenas ter um olhar diferente sobre recursos táteis que irão 30 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos auxiliar o aluno com deficiência não só a conhecer nomes e funções, mas tam- bém conhecer os passos da construção até chegar aos modelos utilizados (BA- TISTETI et al., 2009). Há muito por se fazer para que o conhecimento, em sua íntegra, seja transmi- tido a este público e uma das tarefas é a elaboração de material específico para cada tema abordado em sala de aula, uma vez que todos frequentam classes re- gulares no ensino fundamental, médio e na universidade, participando das aulas em conjunto com alunos sem problemas visuais. Pode-se dizer que o objetivo do projeto foi alcançado com êxito, pois se percebe que a maioria dos visitantes tem certo conhecimento sobre o tema abordado mas nem sempre esses conceitos estão bem esclarecidos. Desse modo conseguimos conduzir os alunos por cami- nhos nos quais o processo educativo se apresente de forma mais significativa, incluindo-os em uma realidade que lhes permite explorar o desconhecido por meio de um conhecimento por eles construído no ambiente escolar e em outros espaços educativos. Essa experiência pode proporcionar uma troca de conheci- mento muito rica e recheada de momentos prazerosos que o conhecimento aca- dêmico na maioria das vezes não proporciona aos alunos da graduação, e tam- bém estimulou a sede de conhecimento e a vontade de estar envolvido com questões de tanta importância. REFERêNCiAS BATISTA, C. G.; ENUMO, S. R. F. Desenvolvimento humano e impedimentos de origem orgânica: o caso da deficiência visual. In: NOVO, H. A.; MENANDRO, M. C. S. (Ed.). 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Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, em uma única etapa que con- tou com um procedimento para coleta e análise de dados. Realizou-se uma entrevista com os professores do ensino regular que tinham em suas classes alunos com deficiência visual ma- triculados, a fim de obter informações mais precisas sobre suas necessidades educacionais especiais. Os dados revelaram que dispositivos e as ferramentas de informática, considera- dos de grande relevância, ainda são inacessíveis para a maioria dessas crianças; a falta e a precariedade de serviços especializados são indicadas como fatores que dificultam e com- prometem a sua escolarização; as crianças com cegueira reclamaram a necessidade de aces- so à literatura especializada em braile e as educadoras o acesso às tecnologias assistivas em diversas áreas do conhecimento e no mundo do trabalho. Palavras-chave: Tecnologia assistiva; ensino de crianças com deficiência visual; educação inclusiva. iNTRODuÇÃO A construção coletiva de uma nova escola que trabalhe as diferenças e poten- cialidades individuais como fator de crescimento, para todos os educandos, é hoje uma tarefa que se impõe aos profissionais da educação. Nesse sentido, tor- na-se urgente buscar alternativas que resultem em transformações positivas nas escolas regulares que estão recebendo cada vez mais alunos com necessidades educacionais especiais. Esse processo, na perspectiva de inclusão educacional | 33 A presentação C apa Sum ário C réditos iniciou-se na década de 90 tendo sido precedido por diferentes etapas, caracteri- zando três paradigmas: segregação, integração e inclusão. Estudos recentes têm constatado a necessidade de intervir e auxiliar a prática pedagógica dos profissionais envolvidos no processo de inclusão de alunos com deficiências (FREITAS, 2006; GOMES e SOUZA, 2011; OLIVEIRA, 2013). Essa ini- ciativa se justifica pela sua relevância tanto na formação de profissionais de edu- cação com uma visão diferenciada da inclusão, quanto na atualização constante dos conceitos de tecnologia assistiva para os profissionais da rede de ensino que atuam com deficientes visuais. Para Cortelazzo (2006, p. 47) “o professor precisa, também, ser preparado para trabalhar em equipe, desenvolvendo atitudes de ação e de recepção, de comunicação, de produção de conhecimento e de divulga- ção e socialização de suas descobertas, de seu conhecimento e de seus saberes”. Grande parte dos professores das escolas comuns, segundo Mantoan (2006), acredita que ensino escolar individualizado e adaptado é o mais adequado para o atendimento das necessidades escolares das crianças deficientes. Por outro lado, os professores especializados, acreditam que o ensino escolar especializa- do é o ideal para os alunos com deficiência e que só alguns deles poderiam fre- quentar as salas de aula de ensino regular nas escolas comuns. O processo de inclusão das crianças com deficiência visual na escola e na so- ciedade requer conhecimentos específicos dos profissionais envolvidos. Quais são as necessidades educacionais das crianças deficientes visuais na educação infantil? Quais seriam as adaptações necessárias para um bom desempenho aca- dêmico do aluno com limitação visual? Quais atitudes e conhecimentos necessá- rios deveriam ser dominados pelos professores? Tais questionamentos motiva- ram a investigação do desempenho acadêmico de crianças deficientes visuais e a indicação dos recursos e dos procedimentos de ensino adequados ao seu ensino. Hoje, tendo em vista a perspectiva de uma escola inclusiva, acredita-se que o co- nhecimento de adaptações curriculares com o apoio da tecnologia assistiva, por parte dos professores do ensino comum, pode tornar-se elemento facilitador para a inclusão escolar de crianças com deficiência visual. Njoroge (1994) salienta que é preciso auxiliar os estudantes com baixa visão a alcançarem a utilização máxima do sentido visual com a maior quantidade de adaptações. Também é preciso ajudá-los a manter um equilíbrio real entre o que é possível e o que é prático. Assim, para o professor que tem em sua sala um alu- rECUrSOS DE tECNOLOGIA ASSIStIVA PArA ALUNOS COm DEFICIÊNCIA VISUAL 34 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos no com baixa visão, não deve haver limite para a criatividade e para a utilização de recursos que motivem sua vontade de aprender. No momento em que se fize- rem necessárias as adaptações curriculares às necessidades do aluno com baixa visão não se trataria de modificar os conteúdos de ensino, mas, sim, como e quan- do ensiná-los. Para que a utilização do recurso adaptado, pelos alunos com baixa visão, alcançasse a melhor eficiência possível, foram levados em conta os crité- rios acima em sua seleção, adaptação e na elaboração. A tecnologia assistiva tem sido reconhecida como elemento fundamental na inclusão social de pessoas com deficiência. Entretanto, apesar de se afirmar que 14,5% da população brasileira apresente algum tipo de deficiência, a prática da tecnologia assistiva no Brasil ainda está bastante tímida. Os alunos com deficiên- cia visual, cegos ou com visão subnormal, compõem um grupo que necessita de alguns recursos didáticos, tecnológicos e adaptações curriculares para que pos- sam participar ativamente do processo de ensino e aprendizagem. Apesar dos esforços realizados para a capacitação dos professores do ensino regular a realidade educacional brasileira aponta lacunas e graves problemas no processo de inclusão de alunos com deficiências visuais. Bersch (2007) salienta que construir e criar Tecnologia Assistiva no ambien- te escolar é o mesmo que buscar, com criatividade, uma alternativa para que o aluno realize o que deseja ou necessita. Significa encontrar uma estratégia para que ele possa “fazer” de outro jeito, valorizando o seu jeito de fazer e aumentan- do suas capacidades de ação e interação, a partir de suas capacidades. Represen- ta também inovação na comunicação, escrita, mobilidade, leitura, brincadeiras e artes, com a utilização de materiais escolares e pedagógicos especiais. O defi- ciente pode também lançar mão do computador como alternativa de escrita, fala e acesso ao texto, assim, provendo meios para que possa desafiar-se a experi- mentar e conhecer, permitindo que construa individual e coletivamente novos conhecimentos. Ainda segundo a autora são exemplos de T.A. nas escolas: cane- tas e pincéis engrossados; material pedagógico ampliado ou em relevo; textos em braile; lupas; máquinas braile; mouses alternativos; softwares com acessibi- lidade; sinalizações visuais e em braile, entre outras. Os alunos com deficiência visual possuem grandes possibilidades de desen- volvimento pessoal e intelectual desde que sejam a eles oferecidas oportuni- dades de aprendizagem que utilizem metodologias e recursos didáticos adequados a sua forma de perceber e sentir o meio em que vivem. | 35 A presentação C apa Sum ário C réditos Cerqueira e Ferreira (1996) já destacaram a importância dos recursos didáti- cos na educação de pessoas com deficiência visual considerando: a dificuldade de contato com o ambiente físico; a carência de material adequado para a condução da aprendizagem; a necessidade de contato com os objetos para formar concei- tos; a motivação para aprender; e, o manuseio de diferentes materiais para o trei- namento da percepção tátil. Pereira, Roberto e Oliveira (2004) desenvolveram pesquisa junto a professores do ensino comum e do ensino especializado e cons- tataram a necessidade de realizar as adequações de recursos com criatividade para favorecer um melhor desempenho acadêmico dos alunos deficiência visual. As pessoas com baixa visão apresentam alteração da capacidade funcional da visão, em consequência de inúmeros fatores tais como: baixa acuidade visual sig- nificativa, redução importante do campo visual, alterações corticais e/ou de sen- sibilidade aos contrastes que interferem ou limitam o desempenho visual do in- divíduo. A perda da função visual pode apresentar nível severo, moderado ou leve, podendo ainda também decorrer de fatores ambientais inadequados (BRA- SIL, 2006). As pessoas cegas apresentam perda total da visão até a ausência de projeção de luz. Educar na diversidade é sinônimo de ensinar em um contexto educacional no qual as diferenças individuais e entre todos os membros do grupo (classe) são destacadas e aproveitadas para enriquecer e flexibilizar o conteúdo curricular previsto no processo ensino-aprendizagem. Ao realizar a flexibilização e o enri- quecimento do currículo, com a ativa participação dos seus estudantes, o docente oferece oportunidades variadas para o desenvolvimento acadêmico, pessoal e social de cada aluno. E foi tentando respeitar esses princípios que esse trabalho questionou: quais são as necessidades educacionais dos alunos com deficiência visual no contexto da educação infantil? O objetivo desta pesquisa foi investigar junto a professores de educação infantil da cidade de Marília quais as necessida- des educacionais de seus alunos com deficiência visual, bem como, indicar recur- sos de tecnologia assistiva que atendessem a essas necessidades. méTODO Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, em uma única etapa que contou com um procedimento para coleta e análise de dados. Realizou-se uma entrevista com os professores do ensino regular que tinham em suas classes alunos com rECUrSOS DE tECNOLOGIA ASSIStIVA PArA ALUNOS COm DEFICIÊNCIA VISUAL 36 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos deficiência visual matriculados, a fim de obter informações mais precisas sobre suas necessidades educacionais especiais. Segundo Lüdke e André (1986) a in- vestigação qualitativa destina-se a coletar dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao pesquisador desenvolver uma cadeia de pensa- mento sobre como os sujeitos interpretam os aspectos do mundo. Participantes: cinco professoras da Educação Infantil que tinham entre seus alunos crianças com deficiência visual. Após obter autorização dos diretores das escolas de educação infantil, as professoras foram identificadas em suas respec- tivas escolas, para confirmar sua participação na pesquisa e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Assim, foram agendados os dias e os locais mais adequados para realização da entrevista. Coleta de dados: foi realizada nas Escolas Municipais de Educação Infantil da cidade de Marília das professoras que participaram do estudo proposto pela pes- quisadora. Para a coleta de dados, utilizou-se um roteiro de entrevista semiestru- turado que forneceu as informações sobre as necessidades educacionais espe- ciais das crianças com deficiência visual. O roteiro de entrevista foi previamente elaborado contemplando o objetivo do estudo e, posteriormente, passou pela avaliação de três juízes que conhecem a temática estudada e que tem o domínio sobre avaliação de um roteiro de entrevista. Após atender as modificações solici- tadas pelos juízes, o roteiro foi reestruturado e construiu-se então a versão final do instrumento. O roteiro de entrevista contou com duas partes: a) caracterização das partici- pantes: identificação pessoal das entrevistadas, proporcionando maior interação para a continuidade da entrevista; b) perguntas relacionadas ao tema em ques- tão: com o objetivo de obter informações sobre o que as professores conhecem sobre deficiência visual o roteiro foi dividido em temas – características da crian- ça (seu aluno) com deficiência visual, comportamento da criança na sala de aula/ hora do lanche/pátio, respostas acadêmicas da criança durante o desenvolvi- mento das atividades curriculares. A entrevista teve como base o roteiro previa- mente definido, porém, quando necessário, a pesquisadora realizou adaptações aprofundando o questionamento das respostas emitidas pelas professoras, esti- mulando-as a falarem mais sobre o tema. As entrevistas foram gravadas e poste- riormente os conteúdos verbais foram transcritos. Análise de dados: A realização de entrevistas foi, para este estudo, experiência bastante enriquecedora, pois nelas foram revelados os fatos de quem trabalha | 37 A presentação C apa Sum ário C réditos diariamente com o problema que se buscou elucidar. As professoras das Escolas Municipais de Educação Infantil que trabalham com crianças com deficiência vi- sual proporcionaram com seus relatos um entendimento maior das questões pertinentes às necessidades educacionais desses alunos. Nessa etapa do traba- lho, as informações foram transcritas analisadas e categorizadas, considerando os objetivos propostos. Em continuidade, a transcrição das falas e a leitura dos textos possibilitou a realização da análise de conteúdo verbal e a identificação dos relatos significativos para o objetivo do trabalho, agrupados de acordo com a semelhança dos assuntos categorizados. Bardin (1997) define análise de conteú- do como um instrumento de diagnóstico que leva a cabo interferências específi- cas ou interpretações sobre um dado aspecto. A pesquisadora elaborou um quadro de temas, de forma que as falas das en- trevistadas fossem recortadas e distribuídas de forma adequada nas categorias estabelecidas com a análise realizada. Depois da categorização das entrevistas, realizou-se um levantamento de significado das respostas apresentadas pelas professoras. Na investigação dos conteúdos verbais foram observados vários te- mas que foram agrupados em seis categorias. RESuLTADOS E DiSCuSSÃO Os dados revelaram que dispositivos e as ferramentas de informática, consi- derados de grande relevância, ainda são inacessíveis para a maioria dessas crian- ças. A falta e a precariedade de serviços especializados são indicadas como fato- res que dificultam e comprometem a sua escolarização. As respostas detectadas revelam a escassez de material pedagógico adequado e de livros transcritos para o Sistema Braille, sonoros ou em suporte digital acessível. Para os alunos com baixa visão as docentes revelaram as limitações do ambiente físico e das condi- ções de iluminação. Estes alunos necessitam de material ampliado, de desenhos, imagens e gráficos em relevo; para as crianças com cegueira os profissionais ex- plicitam a necessidade de acesso à literatura adaptada e às tecnologias assistivas em diversas áreas do conhecimento e no mundo do trabalho nessa esfera da edu- cação infantil. Segundo o MEC é no espaço das salas de recursos, que é destinado ao atendi- mento especializado, na escola, que o aluno experimentará várias opções de equipamentos, até encontrar o que melhor se ajusta à sua condição e necessi- rECUrSOS DE tECNOLOGIA ASSIStIVA PArA ALUNOS COm DEFICIÊNCIA VISUAL 38 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos dade. Após identificar que o aluno obteve sucesso com a utilização do recurso de TA, o professor especializado deverá providenciar que esse recurso seja transfe- rido para a sala de aula ou permaneça com o aluno, como um material pessoal (BRASIL, 2003). É importante ressaltar a importância que a utilização de tecnologia assistiva teve para esses alunos porém não se pode perder de vista que o recurso necessita da ação eficiente e consciente de quem o utiliza. Conforme as palavras de Manto- an (2005) salientando que: o desenvolvimento de projetos e estudos que resul- tam em aplicações de natureza reabilitacional tratam de incapacidades espe- cíficas. Servem para compensar dificuldades de adaptação, cobrindo déficits de visão, audição, mobilidade, compreensão. Assim sendo, tais aplicações, na maio- ria das vezes, conseguem reduzir as incapacidades, atenuar os déficits ao auxilia- rem na fala, no caminhar independente, na audição, na visão e na aprendizagem. Mas tudo isto só não basta. O que é o falar sem o ensejo e o desejo de nos co- municarmos uns com os outros? O que é o andar se não podemos traçar nossos próprios caminhos, para buscar o que desejamos, para explorar o mundo que nos cerca? O que é o aprender sem uma visão crítica, sem viver a aventura fantástica da construção do conhecimento? E criar, aplicar o que sabemos, sem as amarras dos treinos e dos condicionamentos?. Daí a necessidade de um encontro da tecnologia com a educação, entre duas áreas que se propõem a integrar seus propósitos e conhecimentos, buscando complementos uma na outra (MANTOAN, 2005). A entrada da criança na escola proporciona-lhe situações de participação em um grupo social mais amplo que o da família e ajuda-a a adquirir hábitos, fazer experimentações, formar conceitos e ampliar o vocabulário. Dessa forma, essa fase inicial de aquisição de conhecimentos vai requerer da criança maior atenção concentrada e motivação para a aprendizagem formal da leitura e da escrita, fa- cilitada pelos estímulos visuais e sonoros do ambiente familiar, da escola e dos meios de comunicação. Podem ser citados como sugestão para produção e a utilização da tecnologia assistiva, a confecção de recursos didáticos adaptados aos alunos de baixa visão, tais como: exercícios matemáticos ampliados e em relevo, exercícios de alto con- traste, mapas geográficos de localização espacial com contraste, e, para os alunos com cegueira foram construídas maquetes de localização, corredores sensoriais | 39 A presentação C apa Sum ário C réditos para percepção espacial e figura-fundo, recursos de estimulação tátil em relevo para alunos em fase de alfabetização, dominós de cores e formas (em relevo), mapas em alto relevo, utilização de softwares educativos, o que constitui-se im- portante iniciativa para o processo de inclusão desses alunos no ensino regular da cidade de Marília e região. Este trabalho pretendeu contribuir com sugestões importantes aos professo- res regulares sobre a necessidade de se utilizar recursos adaptados para facilitar a aquisição de conhecimentos por parte de alunos com baixa visão e cegueira. Enfatizou-se porém que para a construção de uma escola, de uma família, enfim, de uma sociedade que se quer inclusiva há que se pesquisar, estudar e intervir de forma decisiva para o êxito desse processo. REFERêNCiAS BARDIN, L. História e teoria. In: _____. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997. p. 11-46. BERSCH, R. Tecnologia assistiva e educação inclusiva. In: _____. Ensaios pedagógicos. Bra- sília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006. BRASIL. Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Org. Maria Salete Fábio Aranha. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2003. _____. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. 2. ed. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006. (Saberes e práticas da inclusão). CERQUEIRA, J. B.; FERREIRA, E. de M. B. Recursos didáticos na educação especial. Benja- mim Constant, p. 24-8, 2000. CORTELAZZO, I. B. de C. Formação de professores para a inclusão de alunos com neces- sidades especiais: colaboração apoiada pelas tecnologias assistivas. In: FÓRUM DE TEC- NOLOGIA ASSISTIVA E INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA DEFICIENTE, 1, 2006. GOMES, C.; SOUZA, V. L. T. de. Educação, psicologia escolar e inclusão: aproximações necessárias. Revista Psicopedagogia, v. 28, n. 86, p. 185-93, 2011. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MANTOAN, M. T. E. A tecnologia aplicada à educação na perspectiva inclusiva. 2005. (Mimeogr.). rECUrSOS DE tECNOLOGIA ASSIStIVA PArA ALUNOS COm DEFICIÊNCIA VISUAL 40 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos NJOROGE, M. El trabajo con alumnos con baja visión: algunas consideraciones útiles. In: SEMINÁRIO PARA PROFESORES DE ALUMNOS CON DISCAPACIDAD VISUAL, Kajiado, Kenia, 1994. OLIVEIRA, F. I. W.; ROBERTO, V. R. J; PEREIRA, C. M. O processo de inclusão de alunos com deficiência visual no ensino regular e a importância dos recursos didáticos adaptados. In: JORNADA DO NÚCLEO DE ENSINO DE MARÍLIA, 4, 2005. OLIVEIRA, J. B. G. A perspectiva da inclusão escolar da pessoa com deficiência no Brasil: um estudo sobre as políticas públicas. Disponível em: . Acesso em: 2013. | 41 A presentação C apa Sum ário C réditos 4 ESPAÇO E TEmPO NA BRiNQuEDOTECA ESCOLAR TERAPêuTiCA Fabio Camargo Bandeira Villela mônica Aparecida Pusso Faculdade de Ciências e tecnologia/Unesp/Pres. Prudente Resumo: O presente artigo aborda a singularidade do espaço e do tempo constituídos no trabalho terapêutico realizado em uma Brinquedoteca Escolar marcada por uma perspectiva lúdico terapêutica. O artigo representa uma extensão e um aprofundamento de artigo ante- rior intitulado Brinquedoteca Escolar e intervenções lúdicas destinadas a alunos com dificul- dades emocionais e discute a singularidade do espaço e do tempo possíveis de serem consti- tuídos em Brinquedotecas Escolares em uma intervenção lúdico terapêutica envolvendo um aluno e um discente de pedagogia. A partir de um atendimento realizado em 2014, verifi- cou-se a fertilidade da combinação entre espaço potencial e tempo intermitente, possível na intervenção lúdica realizada no contexto da Brinquedoteca Escolar. O artigo não faz uma estimativa da importância dessa classe de brinquedoteca no interior da escola – portanto, não há a pretensão de firmar a Brinquedoteca Escolar Terapêutica como o tipo de brinque- doteca que seja único, prioritário ou mesmo imprescindível no interior da escola – antes busca a elucidação de questões teóricas suscitadas pelo atendimento lúdico a alunos que apresentavam significativas dificuldades emocionais, bem como fornece elementos para uma discussão mais ampla referente a possibilidades terapêuticas em contextos diversos. Palavras-chave: Brinquedoteca escolar; espaço terapêutico; tempo terapêutico; lúdico tera- pêutico; Winnicott. BREVE hiSTóRiCO O desenvolvimento de sucessivos projetos vinculados ao Núcleo de Ensino da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp, Câmpus de Presidente Prudente, relativos a uma Brinquedoteca Escolar terapêutica sob a coordenação do profes- sor Fabio Camargo Bandeira Villela e sob a influência da teoria psicanalítica de Winnicott, permitiu: a) a constituição de uma expertise no atendimento – no es- paço escolar – a alunos com dificuldades emocionais; b) um aprofundamento teórico envolvendo a teoria de Donald Winnicott e o atendimento a crianças com necessidades especiais em um contexto diverso do atendimento clínico clássico; 42 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos c) trazer questões em relação a aspectos importantes da teoria de Winnicott que servira de referência principal ao trabalho desenvolvido. O presente artigo tem por objeto esse terceiro item, ou seja, as questões teóricas suscitadas pelo aten- dimento a crianças que apresentavam significativas dificuldades emocionais. É certo que diferentes tipos de brinquedoteca são possíveis no interior da esco- la. O presente artigo, entretanto, refere-se a uma discussão teórica relativa à brinquedoteca escolar com foco em elaboração de conflitos e angústias, assim, discute uma brinquedoteca escolar com precípua função terapêutica. Do artigo anterior (VILLELA e HOSOKAWA, 2012), surge a questão não com- pletamente resolvida naquele momento sobre a possibilidade e a pertinência de obtenção de efeitos terapêuticos com crianças e jovens com deprivação1 e que eventualmente apresentassem certo distúrbio de caráter2 a partir de um vínculo que se estabelece através de um contato intermitente – apenas um encontro lúdi- co relacional de uma hora por semana entre a estagiária e o aluno de série inicial do Ensino Fundamental –, em oposição aos contatos contínuos, postulados por Winnicott como usualmente necessários para a condição psíquica acima referida . Para Winnicott (2008, p. 260), o atendimento a crianças ou jovens com depri- vação pode assumir duas formas muito diferentes e não excludentes: o atendi- mento clínico regular e o manejo de situações ambientais. Podemos claramente inferir que a primeira modalidade de atendimento, dada a sua natureza, seria ti- picamente intermitente, com a presença do sujeito/paciente durante alguns mi- nutos por dia e alguns dias por semana no consultório do psicanalista. Em opo- sição, o manejo de situações ambientais exigiria, para Winnicott (2005, p. 82), a vivência cotidiana, extensiva e contínua, entre o sujeito que necessitasse de ajuda e quem cuidasse dele e que, além disso, por ele, de alguma forma, estivesse res- ponsável. Winnicott, referindo-se à criança privada de vida familiar – portanto, 1 O termo deprivação, aqui utilizado como tradução direta do termo em inglês deprivation, apresenta grande proximidade com o termo privação, mas, em seu sentido próprio, envolve a perda de proteção, cuidados e afetos que eram correntes na vida de uma criança e que possi- bilitaram a sua integração em momento anterior. Esse sentido particular de deprivation acaba tendo enorme importância teórica em Winnicott, envolvendo questões de etiologia, diagnós- tico, tratamento e prognóstico, entre outras (cf. WINNICOTT, 2000 e 2005). 2 Termo utilizado por Winnicott, expressa constituição de quadro psicopatológico a partir da cristalização de tendência antissocial (WINNICOTT, 2005, p. 277). ESPAçO E tEmPO NA BrINqUEDOtECA ESCOLAr tErAPÊUtICA | 43 A presentação C apa Sum ário C réditos sujeita a nível considerável de privação –, discute as duas formas de tratamento disponíveis, bem como apresenta sua breve estimativa sobre cada uma delas: Podem ser submetidas à psicoterapia pessoal, ou podem ser dotadas de um forte ambiente estável, com amor e carinho pessoal e doses crescentes de liberdade. De fato, sem este último método, o primeiro, (a psicoterapia pessoal) não tem probabi- lidade de ser bem sucedida. E com o fornecimento de um apropriado substituto para o lar, a psicoterapia pode-se tornar desnecessária, o que é boa coisa porque, pratica- mente, nunca é acessível. (WINNICOTT, 2008, p. 260) Assim, sinteticamente, ao lado de um tratamento clínico intermitente, haveria outro envolvendo um manejo do ambiente e da relação cotidiana e contínua no tempo, realizada por aqueles que se dispõem a cuidar da criança. Não obstante a postulação de Winnicott sobre essas duas formas de atendi- mento para crianças ou jovens com deprivação, mostra-se particularmente reti- cente em relação aos benefícios do atendimento clínico para pacientes nessa condição, seja tal atendimento realizado de forma isolada, seja de forma combi- nada com a outra modalidade de atendimento acima descrita. Da citação prece- dente, infere-se que o atendimento clínico clássico não seria, em geral, condição necessária nem suficiente para o adequado tratamento e para a obtenção de re- sultados terapêuticos consideráveis para pacientes jovens com deprivação. Win- nicott manifesta seu ceticismo em relação ao atendimento clínico clássico para esses pacientes, em oposição às esperanças que deposita no tratamento reali- zado através de manejo ambiental para os mesmos, embora, em qualquer dos casos – mas especialmente àqueles com um quadro consolidado de distúrbio de caráter –, o atendimento a pacientes com deprivação costume ser relativamente complexo, difícil, desafiador. Em publicação anterior (VILLELA e HOSOKAWA, 2012), discutiu-se a questão referente à evolução do tratamento para crianças e jovens que apresentassem reiterados comportamentos antissociais, decorrentes do estado de deprivação, que pareceu claramente diversa daquela postulada por Winnicott. Para aquele autor, faz parte necessária do tratamento e da evolução psíquica do paciente o ataque deste, bem como sua agressão sistemática, ao analista – ou a quem esti- vesse responsável por seu tratamento. Se o analista ou o cuidador do paciente sobreviver emocionalmente ao ataque, o tratamento seguiria seu curso de modo relativamente promissor. Caso contrário, o tratamento fracassaria. 44 | NE/2014: Os PrOcEssOs dE INtEraçãO Na EscOla E EducaçãO INclusIva A presentação C apa Sum ário C réditos Em relação ao ataque da criança ao seu cuidador, aborda, em seu texto Trata- mento em regime residencial para crianças difíceis, do livro Privação e delinquên- cia, as três fases recorrentes de adaptação da criança a um novo lar, e a segunda delas refere-se precisamente a esse ataque sistemático da criança a quem dela trata e ao espaço em que se relacionam: Mais cedo ou mais tarde, a criança entra na segunda fase: o colapso desse ideal [dos cuidadores como ideais de bom pai ou de boa mãe – FV]. Primeiramente, dis- põe-se a testar fisicamente o prédio e as pessoas. Quer saber que danos poderá cau- sar e até que ponto poderá causá-los impunemente. Então, se descobre que pode ser fisicamente controlada, isto é, que o lugar e as pessoas nada têm a temer fisicamente dela, começa a testar mais sutilmente, jogando as pessoas umas contra as outras, tentando fazê-las brigarem, tentando fazer com que uma denuncie a outra, e empe- nhando-se ao máximo em se favorecer à custa de todas essas manobras [...] (WINNI- COTT, 2005, p. 79) Dado o ataque, o tratamento – ou cuidado – bem sucedido dependeria do ade- quado manejo dos cuidadores frente ao ataque da criança: Se o alojamento passa sem problemas por esses testes, a criança entra na terceira fase; acalma-se, dá um suspiro de alívio e adere à vida do grupo como um membro comum. (WINNICOTT, 2005, p. 79) Na mesma direção, Espero que, do que eu disse, seja possível perceber que, do meu ponto de vista, a assistência residencial pode ser um ato deliberado de terapia realizado por profissio- nais num contexto profissional. Pode ser uma espécie de amor, mas, com freqüência, tem que parecer mais um ato de ódio e a palavra-chave não é tratamento ou cura, mas sobrevivência. Se vocês sobreviverem [do ponto de vista psíquico – FV], a criança terá oportunidade de crescer e vir a ser algo parecido com a pessoa que deveria ter sido se um infausto colapso ambiental não estivesse acarretado o desastre. (WINNICOTT, 2005, p. 258) A presença de comportamentos antissociais não é exclusiva de crianças com deprivação, conforme aponta Winnicott em seu livro A criança e seu mundo (WIN- NICOTT, 2008, p. 256-257), mas para essas crianças tais comportamentos seriam ESPAçO E tEmPO NA BrINqUEDOtECA ESCOLAr tErAPÊUtICA | 45 A presentação C apa Sum ário C réditos típicos, sistemáticos e exacerbados – em grande parte pela provisão ambiental falha –, bem como o decorrente ataque ao tratamento, ao terapeuta, ao cuidador. O curioso para nós é que as formulações de Winnicott, baseadas em sua ex- periência clínica e pediátrica, estavam em contradição com o que pudemos ob- servar no curso de vários atendimentos realizados no âmbito da brinquedoteca escolar. Assim, observamos alunos com deprivação e com reiterados comportamen- tos antissociais estabelecer de forma precoce um constante e excelente vínculo com o estagiário que o atendia: não atacava o vínculo ou o estagiário em pratica- mente nenhum momento do atendimento realizado ao longo de meses. Além dis- so, observamos tais alunos passarem por enormes transformações e melhoras ao longo do atendimento e essas melhoras se consolidarem e se generalizarem para contextos diversos do ambiente da brinquedoteca escolar: a sala de aula e outros espaços importantes ao aluno, como sua casa ou o espaço da escola como um todo (VILLELA e HOSOKAWA, 2012). Dessa divergência com os achados de Winnicott, os autores se questionavam se teriam exagerado ao considerar tais alunos como apresentando um quadro de deprivação e apresentando de forma reiterada comportamentos antissociais, nos termos discutidos por Winnicott (VILLELA e HOSOKAWA, 2012, p. 192). Os auto- res consideraram, naquele artigo, essa hipótese pouco provável, mas preferiram não ter uma conclusão taxativa sobre o tema (VILLELA e HOSOKAWA, 2012, p. 195). Na hipótese oposta, considerada bastante provável, de haver sim depri- vação e comportamento antissocial reiterado, a questão passa a ser: “O que have- ria no tratamento realizado pela Brinquedoteca Escolar que possibilitaria uma melhora considerável, abrangente e relativamente estável do paciente sem que ele atacasse o vínculo com seu terapeuta, ou atacasse o próprio terapeuta?”. A resposta formulada, ainda que preliminar, considerada plausível para eluci- dar essa questão, foi que a própria característica de intermitência dos atendi-