UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FRANCA-SP RODRIGO DA SILVA SOUZA A INTERPRETAÇÃO DO SAEB EM UM MUNICÍPIO DO INTERIOR PAULISTA FRANCA-SP 2024 RODRIGO DA SILVA SOUZA A INTERPRETAÇÃO DO SAEB EM UM MUNICÍPIO DO INTERIOR PAULISTA Dissertação a ser apresentada à Banca Examinadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Linha de pesquisa: Políticas, gestão e formação na educação. Orientadora: Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva. FRANCA-SP 2024 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. S729i Souza, Rodrigo da Silva A interpretação do SAEB em um município do interior paulista / Rodrigo da Silva Souza. -- Franca, 2024 201 f. : tabs. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Hilda Maria Gonçalves da Silva 1. Políticas públicas. 2. Educação. 3. Sistemas de avaliação. 4. Avaliação em larga escala. I. Título. IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA O impacto potencial se dará por meio do acesso às dimensões relativas à avaliação e aos sistemas de avaliação da educação básica, enquanto elementos indutores de formulação de políticas públicas educacionais, especialmente, apoiar as redes de ensino que referenciam o SAEB no planejamento e acompanhamento de políticas voltadas para a Educação. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH The potential impact will be accessed to dimensions related to the evaluation and assessment systems of basic education, as elements that induce the formulation of public education policies, especially supporting the education networks that reference SAEB in the planning and monitoring of education policies. RODRIGO DA SILVA SOUZA A INTERPRETAÇÃO DO SAEB EM UM MUNICÍPIO DO INTERIOR PAULISTA Dissertação a ser apresentada à Banca Examinadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. BANCA EXAMINADORA Orientadora:_________________________________________________________ Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCHS 1º Examinador:_________________________________________________________ Profa. Dra. Vânia de Fátima Martino. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCHS 2º Examinador:_________________________________________________________ Profa. Dra. Priscila Alvarenga Cardoso. Universidade Federal de Uberlândia – FACED Franca, 25 de março de 2024. Dedico este trabalho às minhas avós Doralice e Rosária (in memoriam), à Darci, minha mãe, ao Marcos, meu pai. À educação pública e a todas as políticas públicas educacionais implantadas para o desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes, principalmente, para aqueles que encontraram nestes espaços a única possibilidade de transformação de suas vidas. AGRADECIMENTOS A Deus, primeiramente, por mais essa oportunidade de realização em minha vida. À Darci, minha mãe, por ser a minha amiga e parceira de todas as horas, companheira e tutora na minha vida pessoal e profissional. Ao Marcos, meu pai, pelo apoio e torcida de sempre. À minha orientadora, Profa. Dra. Hilda Maria Gonçalves da Silva, pelo aceite do meu projeto, pela confiança, pelo conhecimento, por todas as dicas tão pontuais e que tanto favoreceram o desenvolvimento deste trabalho e por me encorajar nos momentos em que não acreditei em minha capacidade. À UNESP, por me proporcionar esta qualificação acadêmica e profissional. Aos professores Genaro Fonseca, Tatiana Noronha e Alessandra David, por todas as contribuições nas sessões dos Seminários de Projetos. Ao Prof. Dr. Sebastião de Souza Lemes, pelas contribuições na qualificação desta pesquisa. Aos meus amigos do Programa PAPP, por todos os encontros, conhecimentos compartilhados e apoio mútuo. Aos meus amigos dos grupos de trabalho Alana, Cristiane, Elaine, Eliane, Kellen, Rodolfo, Vanderson, Vinícius Argenti, Vinícius Prado e Wanessa. Aos colegas do grupo de pesquisa: Andréia, Caio, Carla, Maísa, Marina e Vinícius. Às minhas amigas Ana Rita Barbosa, Aretha Amorim, Bárbara Maniglia e Jacqueline Paula pelo carinho e palavras de encorajamento nos momentos desafiadores. À minha família, tias, madrinha, padrinho, primos, primas, afilhados e sobrinhos do coração, por serem a minha base e por compreenderem a minha ausência em tantos momentos. Aos meus amigos e amigas, por todo o apoio de sempre e pela compreensão da minha ausência em muitos momentos, em especial, ao Anderson, Everton e Flávia. À Secretaria Municipal de Educação de Franca (SP), em nome da gestão Edgar Ajax dos Reis Filho e da gestão Márcia de Carvalho Gatti e suas respectivas lideranças da Gestão Pedagógica: Renata Natal, Karina Stefano, Tatiana Pucci, Andréa Melo e Priscila Donadeli, por todas as oportunidades, pela confiança depositada a mim e por estarem comigo em um espaço privilegiado de aprofundamento e conhecimento das “engrenagens” que movem uma educação pública. A todos que não foram nomeados aqui, mas que estiveram comigo neste percurso. “Dizem que a vida é para quem sabe viver, mas ninguém nasce pronto. A vida é para quem é corajoso suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender”. Clarice Lispector RESUMO SOUZA, Rodrigo da Silva. A interpretação do SAEB em um município do interior paulista. 2024. 201 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento e Análise de Políticas Públicas) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2024. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), denominado como avaliação externa da educação básica brasileira, tem como propósito declarado realizar um diagnóstico da educação básica pública. Esse sistema visa identificar fatores que possam interferir no desempenho do estudante, além de oportunizar às redes públicas de ensino um indicativo da qualidade do ensino ofertado e subsídios para a elaboração, monitoramento e planejamento de políticas públicas educacionais, bem como a estruturação de intervenções no âmbito técnico-pedagógico. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo central analisar as interpretações do SAEB, por uma rede municipal de educação básica do interior do Estado de São Paulo, para a promoção de melhorias na educação e na constituição de políticas públicas educacionais de forma mais efetiva. Para apoiar a análise, foi construído um corpus teórico sobre a avaliação educacional; uma contextualização acerca da inserção da Secretaria de Educação de um município interiorano paulista em relação às evidências e indicadores publicamente divulgados e, por fim, a identificação de possíveis avanços e permanências tanto em relação ao uso desta avaliação externa, quanto ao desempenho dos estudantes na série histórica de 2016 a 2021. O percurso metodológico tem como referência os estudos e reflexões acerca das avaliações enquanto políticas educacionais de Balzan (2000), Sobrinho (2003) e Afonso (2010) a fim de subsidiar o entendimento acerca desse sistema avaliativo e suas pretensões. A partir de uma abordagem documental, a pesquisa foi levada a termo por meio da análise de conteúdo de Bardin (1977). Foi realizado um levantamento dos documentos disponibilizados pelo MEC, Inep e Secretaria Municipal de Educação, bem como dos resultados da Rede nas avaliações do SAEB no período estudado, a fim de desvelar quais compreensões mobilizam as ações voltadas para a implementação de políticas públicas educacionais com vistas aos prováveis avanços na qualidade do ensino. Como resultado, espera-se identificar a aplicabilidade do SAEB pela Secretaria Municipal de Educação selecionada e as possíveis contribuições dessa avaliação para o planejamento e implementação de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento da Rede Municipal de Ensino. Palavras-chaves: Educação Municipal; SAEB; Usos da avaliação; Políticas Públicas Educacionais; Avaliação em larga escala. ABSTRACT SOUZA, Rodrigo da Silva. SAEB’s interpretation in a city from the countryside of São Paulo 2024. 201 f. Dissertation (Master’s in Planning and Analysis of Public Policies) – Faculty of Human and Social Sciences, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Franca, 2024. The Basic Education Assessment System (SAEB), named as a Brazilian External Evaluation, has stated the purpose of carrying out a diagnosis of public education. This system aims at identifying factors that may interfere with student performance, in addition to offering public network an indication of the quality of teaching and supporting the preparation, monitoring and planning of public policies, as well as the structuring of interventions in the pedagogical technical scope. In this context, the present study aims at analysing the interpretations concerning SAEB in a municipal basic education network in the countryside of the state of São Paulo, Brazil, in order to present conditions for improvement and the constitution of public educational policies. The purpose of supporting this analysis, it was intended to build a theorical corpus on educational evaluation, to explore the context in which the Department of Education of a city in the São Paulo State, Brazil, relates to the publicly disclosed evidences and indicators so that, finally, it may be available to identify the possible advances and permanences reffered to the comprehensions about the external evaluation and the students performances between 2016 e 2021. The methodological path had as reference the studies and refletions concerning the assessment system as an educational policy brought by Balzan (2000), Sobrinho (2003) e Afonso (2010), in order to sustain the understanding about this evaluation system and its intentions. From a documentary approach, the research was carried out through Bardin´s content analysis (1977). A survey of documents available by the governments, as well as the results of the public educational network in the SAEB evaluations were considered to reveal actions and the implementation of educational public policies. As a result, it was expected to identify the applicability of the SAEB System by the selected Department of Education and the possible contributions of this evaluation for the planning and the implementations of public policies which may contribute to the development of the municipal educational network. Keywords: Municipal Department of Education; SAEB; Evaluation uses; Educational Public Policies; External Evaluation System. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Níveis, Etapas e Modalidades da Educação Brasileira ........................... 32 Figura 2 – Os Eixos da Qualidade da Educação Básica .......................................... 86 Figura 3 – Organograma da Secretaria Municipal de Educação de Franca-SP ..... 110 LISTA DE TABELA Tabela 1 – Taxas de Rendimento Escolar – SME Franca 2010 – 2016 ................. 115 Tabela 2 – Taxas de Rendimento Escolar – SME Franca 2010 – 2019 ................. 128 Tabela 3 – Categoria: “Políticas de Bonificação” – Lei nº 8.763 de 17 de janeiro de 2019 .................................................................................................................. 134 Tabela 4 – Categoria: “Políticas de Bonificação” – Lei nº 375 de 17 de fevereiro de 2022 .................................................................................................................. 136 Tabela 5 – Taxas de Rendimento Escolar – SME Franca 2020 e 2021 ................. 151 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Princípios da Avaliação, na perspectiva de Dilvo Ristoff, segundo o Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras (PAIUB) .............................. 66 Quadro 2 – Organização dos documentos para análise ........................................ 107 Quadro 3 – Critérios para Promoção e Retenção – Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental ........................................................................................ 150 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução do fluxo na rede municipal – Franca-SP .............................. 114 Gráfico 2 – Evolução do desempenho Nota SAEB – Rede Municipal – Franca 2007- 2015 .................................................................................................................. 116 Gráfico 3 – Evolução do IDEB – Rede Municipal – Franca 2007-2015 .................. 119 Gráfico 4 – Categoria “disposição” – Codificação por item (documento) ............... 122 Gráfico 5 – Categoria “diretrizes” – Codificação por item (documento). ................ 125 Gráfico 6 – Evolução do desempenho nota SAEB – Rede Municipal – Franca 2007 – 2019 .................................................................................................................. 129 Gráfico 7 – Categoria “Políticas de Bonificação” – Alcance de Codificação I ........ 133 Gráfico 8 – Categoria “Políticas de Bonificação” – Alcance de Codificação II ....... 133 Gráfico 9 – Categoria “disposição” – Codificação por item (documento) ............... 140 Gráfico 10 – Categoria “disposição” – Codificação por item (documento) ............. 141 Gráfico 11 – Gráfico de hierarquia – codificação por categoria ............................. 142 Gráfico 12 – Indicador “Não aprovação” – Rede Municipal – Franca 2020 ............ 152 Gráfico 13 – Indicador “Não aprovação” – Rede Municipal – Franca 2021. ........... 153 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANA Avaliação Nacional de Alfabetização ANEC Avaliação Nacional da Educação Básica Anresc Avaliação Nacional do Rendimento Escolar BID Banco Interamericano de Desenvolvimento Bird Banco Mundial BNCC Base Nacional Comum Curricular CEE Conselho Estadual de Educação CNE Conselho Nacional de Educação Conae Conferência Nacional de Educação DCN Diretrizes Curriculares Nacionais EJA Educação de Jovens e Adultos Encceja Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FMI Fundo Monetário Internacional FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização da Educação FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDH Índice de Desenvolvimento Humano Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho OMC Organização Mundial do Comércio OMS Organização Mundial da Saúde ONG Organização não-governamental ONU Organização das Nações Unidas Otan Organização do Tratado do Atlântico Norte PAR Plano de Ações Articuladas PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PEC Proposta de Emenda Constitucional PNE Plano Nacional de Educação PPA Plano Plurianual PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira PT Partido dos Trabalhadores RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SME Secretaria Municipal de Educação TRI Teoria de Resposta ao Item Undime União dos Dirigentes Municipais da Educação UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17 1.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................ 21 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................. 22 1.3 JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 22 1.4 ESTRUTURA DE TRABALHO ........................................................................... 23 2 O HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO BRASIL E SUA ESTRUTURA ........................................................................................................... 25 2.1 EDUCAÇÃO COMO DIREITO ........................................................................... 25 2.2 ESTRUTURAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO BRASIL ...... 33 3 AVALIAÇÃO NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: CONCEPÇÕES E ALCANCES................................................................................ 60 3.1 DA AVALIAÇÃO À AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E DE SISTEMAS................. 60 3.2 O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA – SAEB ...................... 77 3.3 O SAEB E SUAS RELAÇÕES COM O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO NOS MUNICÍPIOS .................................................................................................. 95 4 PERSPECTIVAS ACERCA DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA (SAEB) NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FRANCA-SP .............. 104 4.1 CONTEXTO DE PESQUISA ............................................................................ 104 4.2 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS .............................. 105 4.3 A ORGANIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS E DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ................................................................................................................ 106 4.3.1 A organização dos documentos .................................................................... 106 4.3.2 As categorias de análise ............................................................................... 107 4.4 ESTRUTURA GERAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE FRANCA-SP .......................................................................................................... 109 4.5 OS PROCESSOS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FRANCA FRENTE AO SAEB – PRÉ 2016 ................................................................................................. 112 4.5.1 Evolução do fluxo – Taxas de aprovação (P) ................................................ 114 4.5.2 Evolução do desempenho – Nota SAEB ....................................................... 116 4.5.3 Evolução do IDEB ......................................................................................... 118 4.6 DESENVOLVIMENTO 2017 A 2019 ................................................................ 121 4.6.1 Desenvolvimento – SAEB 2017 a 2019 ......................................................... 121 4.6.2 Desenvolvimento – SME Franca em relação ao SAEB 2017 – 2019 ............. 128 4.7 CRIAÇÃO DE POLÍTICAS DE BONIFICAÇÃO AO EDUCADORES PÓS 2019 SME FRANCA ....................................................................................................... 132 4.8 DESENVOLVIMENTO – 2020 A 2021 ............................................................. 139 4.8.1 Desenvolvimento – SAEB 2020 a 2021 ....................................................................... 139 4.8.2 Desenvolvimento – SME Franca em relação ao SAEB 2021 .............................. 146 5 A MATRIZ-MESTRE DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA DO SAEB: UMA PROPOSIÇÃO DE PLANO DE AÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO PÚBLICA DA EDUCAÇÃO ................................................................................... 155 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 161 ANEXOS ................................................................................................................ 167 17 1 INTRODUÇÃO Os estudos acerca das políticas públicas no âmbito das instituições, modelos de avaliação, especialmente a partir da década de 1980 com a intervenção do Estado, nas políticas econômicas, sobretudo, nos países em desenvolvimento, têm asseverado uma significância no âmbito educacional. Com as premissas da organização dos sistemas de avaliação externa em larga escala com o intuito de produzir informações sobre as condições que concernem o processo de ensino e aprendizagem, tal ação vem ganhando consistência na cultura escolar brasileira e estabelecendo relações entre as instâncias governamentais e a sociedade enquanto mecanismo de medida de qualidade e de proposição de ações. Nesse sentido, no que diz respeito à avaliação, como fundamento para o seu entendimento, José Dias Sobrinho (2000) destaca que as instituições sociais de caráter pedagógico abrangem um conjunto de processos e relações que são construídas no cotidiano. A essência dinâmica e processual do contexto educativo e, particularmente, a avaliação, a diversidade, as diferenciações e as convergências fazem parte dessa construção histórica e social. Sobrinho afirma também que: A Avaliação Institucional reafirma o sistema de valores dominantes da instituição: valores fundamentalmente de caráter científico e pedagógico. Como produção social, autônoma e pública, esse processo não pode ser senão democrático. Não se trata, como na “qualidade total” das empresas, de medir (aí é mais mensuração do que avaliação) o os níveis de satisfação do consumidor ou os indicadores de eficiência e eficácia dos processos e dos indivíduos em função do lucro. Não se trata de fundar o conceito de qualidade sobre a equação do produto-consumidor. A qualidade educacional ultrapassa as camadas técnicas e científicas atingindo os mais profundos e diferenciados sentidos filosóficos, sociais e políticos (Sobrinho, 2000, p.34). Em outras palavras, a avaliação se configura como um objeto vital de conceituações e compreensão do dinamismo social, público e político e quais tarefas merecem os esforços para o enfrentamento dos problemas e para a renovação. Por meio das políticas de descentralização, outros prismas têm sido considerados para a construção de ações e objetivos levando em conta a avaliação como indutora de descrições, análises e considerações dos processos e o tratamento 18 aos diversos fatores que a envolvem a partir das informações disponibilizadas e das decisões. Com as políticas de accountability nos mais diferentes contextos e, especificamente, na educação, a responsabilização tem se relacionado com as concepções democráticas e de participação e refutação do ponto de vista público. Em contrapartida, mesmo com o avanço nos processos de transparência e envolvimento público nas sociedades democráticas, “[...] os discursos que reclamam a introdução de mecanismos de accountability não são necessariamente democráticos, ou não são sempre motivados por razões explicitamente democráticas.” (Afonso, 2010, p.148). Embora a política de prestação de contas possa representar diversos significados, no campo do estudo da avaliação é fundamental analisarmos a sua esfera no que condiz à informação, justificação, para que possamos compreender o caráter das políticas implementadas nessa área e entender os dispositivos que coagem imputando obrigações, aqueles que sancionam negativamente ou ainda os que atribuem alguma forma de recompensa pelas ações. O exercício da accountability é essencialmente uma “atividade discursiva, uma espécie de indagação benigna e de diálogo amigável” entre as partes envolvidas. No entanto, as dimensões de informação e justificação não são tudo. Para além delas, a accountability também contém elementos de responsabilização (enforcement), premiando o bom e punindo o mau comportamento (Schedler, 1999, p.15 apud Afonso, 2010, p.151). Nesse contexto, a avaliação pode representar um instrumento relevante de transparência, justificação e de aprofundamento crítico e de comunicação a fim de que todas as informações e argumentos favoreçam a construção de políticas, ações e qualificação do processo educativo. Na seara de um sistema avaliativo e as relações deste nas redes públicas de ensino, podemos levantar documentos que evidenciam as suas finalidades, o que é avaliado, quais subsídios são oferecidos para a construção, acompanhamento e melhoramento de políticas públicas educacionais. Bonamino e Sousa (2012) destacam a significância dos marcos na implementação de políticas públicas educacionais no Brasil e, primordialmente, nas duas últimas décadas, as avaliações têm representado elementos muito semelhantes com as propostas de outros países desvelando uma agenda mundial. Para as autoras, ao analisar o percurso do desenvolvimento da avaliação na educação brasileira, 19 destacam-se três gerações de larga escala e com um peso relevante nos currículos escolares. Desse modo, com o fortalecimento do uso de testes educacionais na década de 1960 até a uma estruturação mais consistente no que condiz a uma avaliação de âmbito nacional no Ensino Fundamental e Médio na década de 1980, o Sistema de Avaliação da Educação Básica, o SAEB, se consolida em 1990 pelo Ministério da Educação e se formaliza em 1994 por meio da Portaria nº 1.795 de 27 de dezembro com foco no campo das políticas públicas e corrobora, a priori, em um conjunto de avaliações externas em larga escala que permite ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira) realizar um diagnóstico da educação brasileira e de fatores que podem interferir no desempenho do estudante (Inep, 2022). No âmbito da primeira etapa deslindado por Bonamino e Sousa e levando em conta o próprio documento que institucionaliza o sistema de avaliação, o intuito desta política é “diagnosticar e monitorar a qualidade da educação básica” (Bonamino; Sousa, 2012, p. 376) por meio de recursos metodológicos que estruturam a sua concepção: a Teoria de Resposta ao Item com o propósito de estimar as habilidades dos estudantes independentemente do conjunto específico de itens respondidos (Bonamino; Sousa, 2012, p. 376 e 377), a atuação em etapas escolares conclusivas (5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental de nove anos e 3ª série do Ensino Médio), a priorização nas áreas de Língua Portuguesa tendo a competência leitora como foco avaliativo e Matemática tendo como eixo principal a Resolução de Problemas, além de questionários socioculturais aos estudantes avaliados que abrangem os seus hábitos e o universo no qual estão inseridos. Ainda, os testes cognitivos, fundamentados em uma Matriz de Referência sistematizada a partir de aspectos curriculares em comum nas instâncias federais, estaduais e municipais, consideram os conhecimentos e capacidades essenciais ao final de cada etapa escolar. Contudo, os testes não relevam resultados do desempenho de cada estudante, pelo contrário, as informações são amalgamadas de modo que demande uma compreensão aprofundada dos instrumentos para a análise, planejamento e promoção de políticas públicas educacionais. Os resultados não refletem a porcentagem de acertos de um aluno respondendo a uma prova, mas a de um conjunto de alunos, respondendo às habilidades do currículo proposto, distribuídas em várias provas diferentes (IBGE, 2022). 20 Com a Prova Brasil (atual Prova SAEB) como parte desse sistema avaliativo, no ano de 2005, passa a agregar à perspectiva diagnóstica a noção de responsabilização (Fernandes; Gremaud, 2009 apud Bonamino; Sousa, 2012). Ademais, a estrutura amostral referente às peculiaridades dos municípios e das unidades escolares ainda indicavam fragilidades para a elaboração de ações quanto às políticas públicas por parte dos dirigentes da educação nos estados e municípios. Numa segunda etapa, com a implantação da Prova Brasil sendo realizada a cada dois anos, os indicadores divulgados encaminharam as possibilidades de análises e comparações entre um determinado período. A partir de 2007, a Prova Brasil integra à operacionalização do SAEB, partindo do pressuposto de que os dois instrumentos avaliativos apresentavam uma mesma metodologia, bem como o Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)1. Com a divulgação pública dos resultados a partir de 2006, após a primeira edição da Prova Brasil, por meio dos canais de comunicação e de boletins publicados e enviados às escolas públicas evidenciaram as médias e as escalas de desempenho, rankings foram apresentados enfatizando os melhores e piores resultados. Em contrapartida, os instrumentos públicos do Inep e do Ministério da Educação demonstravam a relevância das devolutivas às escolas acerca dos resultados para subsidiar o planejamento de ações. A estratégia da mídia de divulgação, por meio de rankings, embora não oficial, juntamente com a distribuição nas escolas da matriz de conteúdos e habilidades utilizada na elaboração dos testes de língua portuguesa e matemática, introduz perspectivas concretas de interferência mais direta no que as escolas fazem e em como o fazem (Bonamino; Sousa, 2012, p. 380). A partir dessa introdução, ainda que de forma subjacente, no contexto escolar, percebe-se o início dos processos de responsabilização, haja vista o intuito desses dados na construção de metas por escolas ou por redes de ensino sem quaisquer formas de premiação ou sanção. Posteriormente, com o avanço das propostas de políticas de avaliação nos sistemas estaduais e municipais de educação básica aliadas às tendências do SAEB e da Prova Brasil tendo como referência a sua matriz e o modelo de itens para a 1O Ideb foi criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Mais informações estão explicitadas na página oficial Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conheca- o-ideb. Acesso em: 27 abr. 2023. http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb 21 configuração desses instrumentos, as políticas de responsabilização aos profissionais da educação se fortalecem a partir de plano de bonificação alinhados às proposições de metas. Considerando esse cenário, a despeito desses instrumentos servirem como norteadores do planejamento e análise de políticas públicas educacionais, é valoroso ressaltarmos a preocupação sobre o foco do ensino para os testes diante dessas ações de responsabilização aos educadores, em detrimento de pontos relevantes do currículo na aprendizagem dos estudantes, além de descaracterizar o papel da escola na promoção do desenvolvimento cognitivo, social e cultural. Nesse contexto, evidenciamos o seguinte problema: O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) representa uma política potencializadora de melhorias para uma Rede Municipal de Ensino no interior do Estado de São Paulo? Para nortear os estudos, as conceituações, as análises e apresentações de possíveis recomendações para o apoio ao planejamento de ações voltadas para o progresso educacional, tomamos, como campo de estudo e análise, uma Rede Municipal de Educação Básica do interior do Estado de São Paulo, que conta com aproximadamente 13.000 estudantes e 700 docentes que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental da Educação Básica. Esta rede pública de educação básica, por meio de informações divulgadas publicamente, tem sido avaliada pelo SAEB desde 2005 e cujos primeiros indicadores foram evidenciados no ano de 2007 juntamente com a criação do novo indicador, o Ideb. Por acreditarmos que o SAEB não se constitui como uma política em si mesmo, mas também engloba uma série de outras políticas públicas educacionais, planejá-las e qualificá-las ao longo de suas implementações é fundamental para garantirmos, na medida do possível, programas eficientes que atendam à comunidade escolar e à própria sociedade civil em seus direitos a uma educação de qualidade. 1.1 OBJETIVO GERAL A presente investigação tem por objetivo geral analisar as interpretações e os desdobramentos do SAEB em uma rede municipal de educação básica do interior paulista. 22 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Os objetivos específicos deste trabalho são: a) Construir um corpus teórico sobre a estrutura das políticas públicas de educação e de avaliação educacional, que irá orientar este estudo. b) Caracterizar o SAEB recorrendo aos documentos públicos disponíveis, identificando objetivos e possíveis mudanças entre 2016 e 2021. c) Construir um panorama histórico do SAEB na rede municipal de ensino básico de um município do interior paulista a ser investigada. d) Analisar o contexto no qual a Secretaria Municipal de Educação se insere em relação aos documentos publicamente divulgados. e) Identificar avanços e permanências em relação às compreensões do SAEB pela Secretaria Municipal de Educação, bem como a série histórica dos resultados dessa avaliação entre 2016 e 2021. 1.3 JUSTIFICATIVA No que tange ao tema escolhido para análise, este justifica-se pelo fato de que as redes públicas de educação básica têm pensado em seus planejamentos pedagógicos e de políticas públicas na área a partir das informações apresentadas pelos sistemas de avaliação. Considerando a perspectiva de que além de ser um importante instrumento para a produção de conhecimento e de juízos de valor, a avaliação permite sistematizar e dar coerência aos estudos, análises e demais formas de contemplação, concepções e tomadas de decisões. Tendo em vista o valor das políticas públicas que possam atender a demanda de um ensino e aprendizagem de qualidade, a análise e o planejamento devem ir além do mero ranking e construir fundamentos e regulamentos que possam fortalecer a elaboração de programas e projetos que a curto e a longo prazo podem favorecer o alcance de objetivos da gestão pública educacional. Desta forma, investigar uma rede de ensino básico e sobre como suas ações se estruturam a partir dos instrumentos do SAEB emana do interesse em aprofundar as percepções acerca de um sistema avaliativo e cujo período a ser observado é recente, principalmente, em contexto em que a educação foi impactada por uma 23 pandemia. Além disso, os estudos que englobam essa temática, embora recorrentes no campo acadêmico, têm a sua valia na contribuição de percepções nas diferentes modalidades da educação e que, em alguma circunstância, podem ser consideradas tanto na pesquisa quanto no campo profissional do ensino atendendo as peculiaridades de um referido contexto. Levando em conta que o intuito desta investigação é verificar sobre como uma rede básica de educação interpreta os instrumentos de um sistema avaliativo, no decorrer das análises, fatores favoráveis poderão ser evidenciados ao passo que outros aspectos inerentes poderão ser aclarados de modo que a Secretaria Municipal de Educação ou demais órgãos que auxiliam na gestão educacional possam avaliar a sua trajetória e reconduzir caminhos. 1.4 ESTRUTURA DE TRABALHO A primeira seção tem como propósito levantar e apresentar tópicos relevantes à dimensão dos aspectos legais e políticas públicas que estruturam a educação brasileira. O percurso inicia-se pelo aparato legal que embasa os direitos à educação estabelecidos pelas Constituições Federais, em especial, a Constituição Federal de 1988 e pela LDB nº 9.394/96, em especial, no tocante à Educação Básica, perpassando pela estruturação das políticas públicas educacionais no Brasil, tendo como referência os trabalhos de Ferreira (2009), Cury (2002) e Raposo (2005). No que tange à estrutura das políticas públicas educacionais no Brasil, as reflexões tiveram como referência o trabalho de Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), Sander (2008) e Souza e Faria (2004). Deste itinerário, espera-se expor um breve detalhamento desses elementos como aporte para o entendimento e análise das políticas educacionais no campo da avaliação. A segunda seção, por meio das contribuições de Luckesi (2011), Afonso e Esteban (2000) e Balzan e Sobrinho (2000), apresenta as concepções de avaliação ao longo da história. Quanto aos conceitos de avaliação de sistemas educacionais e às características que abrangem o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), cujo objeto de estudo apoia a análise das políticas públicas educacionais implementadas a partir da aplicação de seus instrumentos na gestão de uma rede municipal de ensino básico do interior do Estado de São Paulo, considera-se como 24 suporte as ponderações de Bonamino e Sousa (2012), Bonamino, Bessa, Franco (2004) e Sobrinho (2003). A terceira seção, por conseguinte, elucida os processos metodológicos da pesquisa, seus elementos e a apresentação dos documentos que foram analisados com base na metodologia de pesquisa análise de conteúdo de Bardin (1977), considerando os níveis da União por meio do Inep e suas Portarias, do município por meio dos Projetos de Lei que consideram o SAEB e o IDEB do município e as Resoluções da Secretaria Municipal de Educação que abarcam os aspectos referentes à avaliação e ensino. Sobretudo, esta terceira seção deslinda uma análise dos documentos organizados a fim de evidenciar avanços e ou permanências na educação municipal de Franca no período histórico de 2016 a 2021. 25 2 O HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO BRASIL E SUA ESTRUTURA 2.1 EDUCAÇÃO COMO DIREITO As marcas de ausências de políticas públicas na história da educação brasileira perpassam os períodos que a constituiu. Elucidar considerando o aparato legal e as premissas da Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional como instrumentos de asserções ideológicas que transpassaram as reformas educacionais nas duas últimas décadas do século XX permite compreender as conquistas no âmbito dos direitos políticos e sociais, bem como a condução de políticas no campo econômico e social a partir de premissas neoliberais frente aos processos de globalização (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012; Ferreira, 2009). No Brasil, é recente o entendimento de que todos os cidadãos são iguais face à lei, à medida que todos tenham acesso a condições essenciais a uma vida com mais dignidade. Neste sentido, os estudos2 acerca dos desdobramentos da organização da educação básica no Brasil são complexos, especialmente, após a Constituição Federal de 1988, haja vista que os estudos demonstram a multiplicidade de fatores e cenários que cerceiam as leis, as políticas e os programas. O Estado Democrático de Direito reverbera na consideração da educação como direito primordial de todos e para todos, ou seja, validar os direitos individuais e o desenvolvimento de direitos sociais. A educação, na perspectiva da Constituição de 1988 (Brasil, 1988), a qual deslinda que este campo se trata de interesse coletivo e que cabe ao poder público a garantia do direito e acesso a todo cidadão, é importante compreendê-la enquanto direito social para entender o contexto que nos abarca, bem como as possíveis formas de minimizar as desigualdades. Levando em conta a Constituição como instrumento e fundamento de legitimação e autoridade do direito, as Constituições brasileiras incorporaram, progressivamente, elementos de inclusão da Educação como direito essencial de todo cidadão. 2Para o entendimento do tema indica-se NEVES, Lúcia Maria Wanderley (1999); CURY, Carlos Roberto Jamil (2002); RAPOSO, Gustavo de Rezende (2005); DUARTE, Clarice Seixa (2007); FERREIRA, Siddharta Legalle (2009). 26 Historicamente, decorre, em um único artigo da primeira Constituição no Período Imperial, em 1824, a gratuidade do ensino primário e a supressão da exclusividade do Estado na oferta dessa modalidade de educação, com ausência de regulamentação e a garantia de recursos. Neste período, a organização e as formas de garantia para a educação primária ocorriam, preferencialmente, por meio da família e da Igreja (Teixeira, 2008). Em 1934, de acordo com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil3, estabelece a União enquanto competência legislativa para traçar diretrizes da educação nacional. Com base no Capítulo II desta Constituição, a educação é direito de todos, sendo dever da família e dos poderes públicos oportunizar meio de garanti-la aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no país, sob valores de ordem moral e econômica. Além disso, a referida Constituição discorre sobre um Plano Nacional de Educação com vistas a organização nacional da educação, competências do Conselho Nacional de Educação e criação de Sistemas Educativos nos Estados. Promulgada a Constituição de 1934 após um ano de Assembleia Constituinte, observou-se a virada do Estado que reconhecia constitucionalmente direitos individuais para um Estado em que, pela primeira vez na história constitucional brasileira, considerações sobre a ordem econômica e social estiveram presentes. Uma legislação trabalhista garantia a autonomia sindical, a jornada de oito horas, a previdência social e os dissídios coletivos. Trata-se da primeira Constituição programática do país (Ferreira, 2009, p. 12). Deste modo, a Constituição de 1934 outorga os direitos de âmbito social, econômico e cultural. E da mesma maneira, os valores morais e econômicos refletem nas proposições da educação: A Constituição de 1934 apresenta dispositivos que organizam a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação dos sistemas educativos nos estados, prevendo os órgãos de sua composição como corolário do próprio princípio federativo e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Também há garantia de imunidade de impostos para estabelecimentos particulares, de liberdade de cátedra e de auxílio a alunos necessitados e determinação de provimento de cargos do magistério oficial mediante concurso (Raposo, 2005). 3A Constituição de 1934 é marcada por elementos liberais e de descentralização com influências da constituição alemã. Caracterizou-se pelas leis trabalhistas, direitos democráticos e nacionalismo econômico (ALESP, 2022). 27 Em contrapartida, a Constituição de 19374 não explicita claramente uma atenção voltada para o ensino público, haja vista que o primeiro dispositivo dispõe que a educação se trata de um campo da livre iniciativa. Além disso, durante esse período marcado pelo regime ditatorial, o retrocesso é marcado por evidências de que a responsabilidade do Estado é relativa quanto à oferta, ao passo que, a centralização do ponto de vista dos aspectos legislativos referentes às diretrizes e bases da educação nacional sem quaisquer menções aos sistemas de ensino dos Estados, representa a rigidez como marca dessa época. A Constituição de 1946, ao resgatar alguns princípios das constituições de 1891 e 1934, define a educação como direito de todos, tendo prevalência do ensino público apesar da liberdade à iniciativa particular. Dentre os princípios postos, sob influência de concepções democráticas, a educação se dá pela partilha entre família e escola, o ensino primário se torna obrigatório e gratuito, além da oferta por parte de empresas com mais de cem empregados para empregados e filhos, o ingresso no magistério por meio de concurso de provas e títulos, a oferta pública e privada em todos os níveis de ensino. A Constituição de 1946 simbolizava a redemocratização. Voltou-se aos princípios liberais e democráticos, sem esquecer algumas conquistas do Estado social iniciadas na Era Vargas. Devolvia-se ao Judiciário e ao Legislativo suas funções. O ideário social permeou o texto em equilíbrio com as liberdades básicas. Reservou-se um título próprio para a “Ordem Econômica e Social” no qual eram disciplinados os direitos trabalhistas, a nacionalização das empresas de seguro e dos bancos de depósito, entre outras medidas (Ferreira, 2009, p.14). Com o golpe de 1964, os militares assumiram o poder com o compromisso de tornar a sociedade brasileira preparada para a democracia. Por meio dos atos institucionais, outorga-se a Constituição de 1967. De acordo com Raposo (2005), a Constituição de 1967 manteve a estrutura organizacional da educação nacional e preservou os sistemas de ensino dos Estados. Por outro lado, com marcas de retrocessos no âmbito do investimento público, uma vez que fortaleceu as instituições particulares mediante a “substituição de ensino oficial gratuito por bolsas de estudo”. 4A Constituição de 1937 é marcada por elementos que fortaleciam o poder do Executivo e de uma polícia política, além de retrocessos no campo da democracia e Direitos Humanos ante a um golpe de Estado. (ALESP, 2022) 28 Além disso, no que se refere à Emenda Constitucional de 1969, esta não modificou o modelo educacional de 1967. Ainda, conforme Raposo (2005, s. p.), a emenda “limitou a vinculação de receitas para manutenção e desenvolvimento de ensino apenas para os municípios”. No que tange à Constituição de 1988, Ferreira (2009) afirma que, com a sua promulgação, inaugura-se uma nova fase do constitucionalismo brasileiro, com uma gama de direitos sociais e de proteção de ordem social. Com a conquista de ideais voltados para a cidadania, a educação, enquanto direito social, enuncia o acesso universal, gratuito, democrático, comunitário e com vistas a elevar o padrão de qualidade dessa oferta por meio de princípios5 norteados pela igualdade de condições, o acesso e a permanência na escola, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino, a valorização dos profissionais do magistério, a gestão democrática no ensino público. Neves assevera que: A Constituição de 1988 tentou dar conta das profundas mudanças ocorridas em nosso país na economia, nas relações de poder e nas relações sociais globais, nos últimos 20 anos, introduzindo temas, redefinindo papéis, incorporando às instituições sociais segmentos historicamente 5Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria. II – Progressiva universalização do ensino médio gratuito; III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – Educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V – Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – Oferta do ensino noturno regular, adequando às condições do educando; VII – Atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. 29 marginalizados, sem, no entanto, alterar substantivamente as relações sociais vigentes (Neves, 1999, p. 99). Por outro lado, para efeitos de análise, Cury (2002, p. 170-179) reitera a importância de separar os fatores condicionantes para que se tenha, na medida do possível, uma visão contextualizada das situações. Para tanto, ele sugere quatro preliminares importantes para as situações e cuidados de análise: a 1ª preliminar é não ignorar os aspectos socioeconômicos do Brasil, haja vista a relação dialética entre sociedade e educação em que a “distribuição de renda e da riqueza no país determina o acesso e a permanência dos estudantes na escola” e que “a permanência depende da realização do direito ao saber, sob um padrão de qualidade possível de ser incrementado”, além de compreender que não deve exigir da escola, a solução de problemas que não cabem a ela. A 2ª preliminar se trata do próprio entendimento da educação básica, cujo conceito além de ser novo, também traz uma nova significação levando em conta a legislação educacional, que representa a luta e os esforços de educadores em forma da lei. A 3ª preliminar se trata da “mola que põe em marcha” o direito a uma educação básica: as ações de responsabilidades do Estado e obrigações correspondentes. Considerando que o Brasil é um país federativo, supõe- se o compartilhamento de poder e autonomia relativa quanto às delimitações federadas e suas próprias competências. A 4ª preliminar e determinante para todos os contextos é a extrema desigualdade socioeconômica que, em outras palavras, é representada pelo sinônimo de pobreza ou miséria, que reverbera a exclusão histórica expressiva de estudantes de famílias de baixa renda. Em conformidade com Cury (2002, p. 179), tal medição é realizada por instrumentos como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Considerando o preâmbulo da Constituição de 1988, cujo conteúdo ideológico institui o Estado Democrático de Direito, o mesmo assegura o exercício dos direitos individuais e sociais a todos cidadãos brasileiros. Nessa perspectiva, Raposo elucida que: A expressão “direitos fundamentais” guarda sinonímia com a expressão direitos humanos. São direitos que encontram seu fundamento de validade na preservação da condição humana. São direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis para a própria condição humana (Raposo, 2005, p. 1). 30 Por esta razão, os direitos fundamentais se desvelam enquanto direitos humanos e históricos advindos de um processo construído pela humanidade e que perpassa as especificidades culturais e sociais pelos diversos Estados da Federação. Raposo (2005, p.1) ainda explicita que, numa dimensão mais ampla e de caráter axiológico, os direitos fundamentais devem estar atrelados ao ponto de vista da sociedade no processo de valoração e efetivação desses direitos. Ainda, tendo em conta o “contexto da sociedade da informação e da globalização”, a demanda pela garantia ao direito fundamental do direito à educação se intensifica. Por outro lado, do ponto de vista do indivíduo, eleva-se também a exigibilidade direta pelo cidadão, cristalizando, num plano mais objetivo, o dever do Estado em viabilizar a sua efetivação. A Constituição Federal de 1988, por meio do capítulo da Educação, engendrou condições para uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que culminou na Lei nº 9.394/96, que compreende uma Lei Geral da Educação com atributos amplos que favorece a durabilidade da mesma, além de poder ser suplementada pelo Poder Legislativo e regulamentada pelo Poder Executivo, além do próprio Ministério da Educação, que detém de funções normatizadoras por meio de portarias, pareceres e resoluções que são encaminhadas para aprovação do Conselho Nacional de Educação. No que tange à concepção de “Educação Básica”, a Lei nº 9.394/96, em seu artigo 21, conceitua essa etapa em três modalidades: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. E o artigo 22 estabelece a finalidade da educação básica: Art. 22 A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996). Na perspectiva de Cury (2002, p. 170), esta concepção evidencia um conjunto sequencial de etapas essenciais para a os diferentes momentos da vida dos estudantes. Se trata de um conceito moderno e vasto que visa superar a ideia tradicional de preparar os educandos para a qualificação do trabalho que não seja além das demandas do mercado, como favorece as possibilidades de trabalho como exercício da educação cidadã, além de prosseguimento nos estudos subsequentes. 31 Ademais, o termo (base)6 emana do grego básis,eós, e denota “fundamento”, “pedestal”, “suporte”, “raiz”, “elemento essencial”. Deste modo, espera-se que a educação básica resulte em uma proposição em que a educação infantil se configure como a raiz de todo o processo, garantindo às crianças o direito às aprendizagens por meio do brincar e cuidar; que o ensino fundamental seja a ascendência e o suporte dessa raiz em que os estudantes possam desenvolver as inúmeras capacidades individuais e expandir nos aspectos físicos, intelectuais, sociais, morais e criativos e, por fim, que o ensino médio seja o topo como representação e perspectiva de todas as partes. Duarte (2004) complementa acerca do papel do sistema educacional na garantia desses direitos: O sistema educacional deve proporcionar oportunidades de desenvolvimento nestas diferentes dimensões, preocupando-se em fomentar valores como respeito aos direitos humanos e a tolerância, além da participação social na vida pública, sempre em condições de liberdade e dignidade. Assim, no Estado Social, a proteção do direito individual faz parte do bem comum (Duarte, 2004, p.115). A LDB nº 9.394/96 também estabelece formas de acesso ao ensino superior àqueles que concluíram o ensino médio, além de tratar de modalidades que transversam os diversos níveis: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissional e Tecnológica, além de prever formas de educação para as comunidades indígenas e explicitar disposições voltadas para os Profissionais da Educação e Recursos Financeiros. A LDB nº 9.394/96 ainda formaliza a organização e a estrutura da educação brasileira da seguinte forma: 6Definições deste parágrafo disponíveis em: https://michaelis.uol.com.br/moderno- portugues/busca/portugues-brasileiro/base/. Acesso em: 09 mar.2023. https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/base/ https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/base/ 32 Figura 1 - Níveis, Etapas e Modalidades da Educação Brasileira Fonte: Brasil Escola (2023). A Constituição Federal de 1988 consolida a educação como um direito social a todos os cidadãos brasileiros como condição de desenvolvimento enquanto indivíduos e sociedade frente a um mundo cada vez mais global e com fortes intervenções nas formas de comunicação, informações e construção do conhecimento. Enquanto direito fundamental, a educação ocupa um lugar de extrema relevância no arranjo constitucional juntamente com outros direitos essenciais que dão dignidade aos cidadãos brasileiros. Cabe ao Estado a incumbência de oportunizar a todos a condição mínima para o acesso à educação e garantir que cidadãos a permanência e a possibilidade de desenvolvimento de sua personalidade, senso crítico e participativo, a sua emancipação para o exercício pleno da cidadania. Num contexto ainda de desigualdades exacerbadas, é primordial compreender o fundamento do sistema econômico vigente de modo que esse conhecimento favoreça as decisões e os caminhos enquanto sociedade nos seus diversos âmbitos. 33 Em suma, é por meio da educação como direito fundamental que se oportuniza a efetivação das conquistas para o exercício da cidadania na sua universalidade. 2.2 ESTRUTURAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NO BRASIL A educação, enquanto campo de políticas e atividades sociais, se estrutura em categorias de políticas educacionais, diretrizes e sistemas que englobam intencionalidades, concepções, valores, práticas, por muitas vezes contraditórias, que resultam em modelos de gestão da educação e de dinamismo organizacional de âmbitos pedagógicos, curriculares e administrativos. As formas de organização da educação são acompanhadas por marcas históricas que denotam contextos de lutas e forças sociais, de imposições arbitrárias, de decisões políticas que envolvem grupos da sociedade civil e grupos que detêm poder econômico e político que influenciam nas decisões que orientam a seara educacional. Nesse sentido, o entendimento das políticas educacionais e suas formas de organização deve ser considerado e compreendido sob um espectro dos contextos políticos, culturais, econômicos e geográficos, bem como as correlações do mundo contemporâneo que coincidem com os processos de reestruturação global. Dando importância aos estudos de Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), Sander (2009) e Souza e Faria (2004), o cenário educacional vigente, especialmente no âmbito da gestão e organização administrativa e pedagógica, é resultado de uma consolidação da Revolução Industrial moderna cujas orientações neoliberais hodiernas demandam desenvolvimento econômico que deve ser mobilizado por meio de desenvolvimento técnico-científico como forma de garantir o desenvolvimento social. Por outro lado, as contradições desse movimento desvelam desconsiderações referentes às consequências nos domínios sociais e humanos, haja vista a perspectiva tecnocrática e economicista do sistema capitalista. De um lado, o conhecimento e a informação integram a força motriz do desenvolvimento econômico, do outro lado, os mecanismos deste processo resultam em adversidades sociais tais como a pobreza, a fome e o desemprego. 34 Ainda, segundo Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), as transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e educacionais, iniciadas com a primeira revolução tecnológica no século XVIII e consolidadas no início do século XXI com a terceira base da Revolução Industrial marcada pelo desenvolvimento da microtecnologia, microbiologia e energia termonuclear, desencadearam em contextos notáveis do ponto de vista social e econômico evidenciados pelo desemprego estrutural e pela flexibilidade das produções advindas do processo de globalização dos mercados. Ante a isso, a centralização da educação e da produção do conhecimento, bem como do desenvolvimento profissional dos trabalhadores se configuram como componentes potencializadores do avanço técnico-científico. Em contrapartida da realidade, “as transformações técnico-científicas resultam da ação humana concreta, ou seja, de interesses econômicos conflitantes que se manifestam no Estado e no mercado, polos complementares do jogo capitalista” (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012, p.70). Sendo assim, os meios de manutenção do sistema dependem da figura humana em meio aos matizes da sociedade e às formas de controle, produção e manutenção do capital. Considerando as propriedades do processo de modernização advindas das revoluções científicas e tecnológicas tais como: o controle do tempo, a disciplina, a fiscalização, a divisão do trabalho, a concentração do capital e o domínio sobre o trabalho, o aumento da gerência do trabalho e das formas de produção propostos pelas abordagens tayloristas e fordistas, a fragmentação e hierarquização das tarefas conforme os padrões de qualidade, qualificação e produção, as formas de comunicação, de informatização, de organização e gestão do trabalho, a tecnoburocracia se sistematiza enquanto base da administração pública e da gestão empresarial, especialmente no sistema capitalista europeu e estadunidense entre os séculos XIX e XX. Com o prelúdio da revolução microeletrônica, principalmente com a potencialidade das ferramentas e da aplicabilidade do computador, a cultura digital implica em uma “cultura da obsolescência” tanto nas ferramentas quanto nas atividades desempenhadas por humanos. Desse modo, os reflexos dessa evolução no campo industrial e técnico- científico no âmbito da informatização têm evidenciado no decréscimo do trabalho humano tendo vista a modernização da produção. Segundo Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), as novas tecnologias e formas de gerenciamento avigoraram a criatividade da 35 agricultura, da indústria e do ramo de serviços. Em relação a este último, “os postos de trabalho reorganizados ou criados nesse setor não conseguem atender ao contingente de desempregados gerados pelos outros setores” (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012, p. 77), o que implica em novas formas de planejamento, gestão e políticas públicas que reverberem na solução destes problemas, ainda que com vistas à manutenção do sistema econômico corrente e, obviamente, numa educação que qualifique os cidadãos para as demandas do campo do trabalho vigente e para as próprias transformações da sociedade de forma responsável. Portanto, sob as perspectivas de Sander (2008), os novos modelos de desenvolvimento da informação e da produção de mercado apenas têm corroborado a globalização já existente antes mesmo do capitalismo. A globalização é um fenômeno essencialmente europeu que se confunde com a formação da própria civilização ocidental nos primórdios da era moderna, passa pelo estabelecimento dos Estados nacionais nos séculos XVII e XVIII à luz do Acordo de Westfalia e do desenvolvimento da pré- industrialização, para ampliar-se, no século XIX, com a consolidação generalizada dos Estados-Nação, com limites territoriais definidos e um crescente desenvolvimento industrial. No século XX, com o término da Segunda Guerra Mundial, se esgota a fase da chamada globalização colonial. No final da Guerra Fria, consolida-se a atual fase da globalização econômica, capitaneada pelo capitalismo norte-americano (Sander, 2008, p. 158-159). Sendo assim, no que tange ao fenômeno da globalização, é importante compreendê-lo e relacioná-lo ao âmbito da educação, sobretudo, a construção ou a busca pela real identidade desta seara, cujo contexto é amalgamado à dependência, à exploração internacional, às desigualdades, dentre outras manifestações presentes no mundo contemporâneo evidenciados pela ordem neoliberal. Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p. 91) ressaltam que a globalização do sistema financeiro é uma “das marcas típicas do processo de globalização da economia”. Hodiernamente, essa dinâmica é marcada pelo fortalecimento dos bancos, corporações, organizações e investidores internacionais que buscam formas de realização de transações, aplicações e investimentos que sejam favoráveis e lucrativos em países que se abrem para as relações de mercado e de capital. 36 Por outro lado, Sander desvela que: O grande desafio que enfrentamos hoje é o de fazer da globalização um instrumento efetivo de desenvolvimento humano sustentável para todos e uma oportunidade de desvendar e desenvolver as numerosas civilizações que enriquecem a humanidade (Sander, 2008, p. 159). Não obstante o processo da globalização evidencia os arranjos e formas de poder no âmbito da política e da economia mundial. Isso se deve à ampliação dos sistemas de mercado num modelo de cooperação para o exercício da democracia e desenvolvimento econômico, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1950 por meio das instituições dos organismos internacionais e, especialmente, sob influência dos países triunfantes da Segunda Guerra Mundial. Embora a democracia represente a “palavra-chave” do protagonismo neoliberal, principalmente no âmbito da autonomia do mercado, “o poder decisório do capital transnacional não é desconcentrado e desarticulado, como pode parecer em um primeiro momento; ao contrário, é cada vez mais articulado e concentrado” (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012, p.93). Dessa maneira, com o intuito de promover a paz e o desenvolvimento dos povos, organismos foram fundamentados por países com representatividade econômica, política e militar que, juntamente às grandes corporações financeiras e industriais e às conciliações com o Estado, organizam planos de desenvolvimento e a estrutura político-econômica. De acordo com Sander (2008) e Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), no âmbito político, econômico e militar podemos citar alguns órgãos que integram essa estrutura: a Organização das Nações Unidas (ONU), o G8 com os oito países mais ricos ou com forte poder, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). No que tange ao âmbito socioideológico, Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p. 93) apresentam algumas organizações que têm desempenhado papéis relevantes mundialmente: a Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), 37 a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e organizações não-governamentais (ONGs). Assim sendo, embora esses organismos multilaterais tenham o intuito de exercer, por excelência, a cooperação para o desenvolvimento econômico e da democracia, de acordo com a própria OCDE7 (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico da Europa), “a globalização da economia e da atividade humana oferece oportunidades a sociedades e indivíduos de todo o mundo, mas seus benefícios não se distribuem de forma equitativa” (Sander, 2008, p.159). Portanto, compreender o processo histórico, em especial, o recorte do período das fases da Revolução Industrial, cujos contextos avultam na história da educação diferentes cenários, percepções e conflitos que reverberam em posicionamentos políticos e em construções sociais. Especialmente, nos dois últimos séculos, é valoroso apreender as concepções e trajetórias da gestão da educação, sobretudo, os três momentos que conceituam e apontam subsídios para entender as raízes das práticas educacionais. Do ponto de vista histórico-político, Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p.95) salientam que o capitalismo-liberalismo é caracterizado por dois polos clássicos: concorrencial e estatizante. Ambos orientam “historicamente os projetos de sociedade capitalista-liberal, de educação e de seleção de indivíduos”. A primeira delas, a concorrencial, cuja preocupação central é a liberdade econômica (economia de mercado autorregulável), define-se nas seguintes características: a livre concorrência e o fortalecimento da iniciativa privada com a competitividade, a eficiência e a qualidade de serviços e produtos; a sociedade aberta e a educação para o desenvolvimento econômico, em atendimento e exigências do mercado; a formação das elites intelectuais; a seleção dos melhores, baseada em critérios naturais de aptidões e capacidades. A segunda tendência, a estatizante, apresenta características cuja preocupação central é de conteúdo igualitarista-social, com o objetivo de efetivar uma economia de mercado planejada e administrada pelo Estado; promover políticas públicas de bem-estar social (capitalismo social); permitir o desenvolvimento mais igualitário das aptidões e capacidades, sobretudo por meio da educação e da seleção dos indivíduos baseada em critérios mais naturais (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012, p. 96) 7A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE - com sede em Paris, França, é uma organização internacional composta por 38 países membros, que reúne as economias mais avançadas do mundo, bem como alguns países emergentes como a Coreia do Sul, o Chile, o México e a Turquia. São países membros: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Chile, Colômbia, Coréia, Costa Rica, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, México, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia, Suíça e Turquia. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/ocde/membros-e- estrutura-organizacional-da-ocde. Acesso em: 27 abr. 2023. https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/ocde/membros-e-estrutura-organizacional-da-ocde https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/ocde/membros-e-estrutura-organizacional-da-ocde 38 Do ponto de vista histórico-político-educacional, Sander (2009) destaca três importantes momentos: o da construção, o da desconstrução e o da reconstrução; momentos esses que foram marcados por caracterizações distintas, principalmente do ponto de vista intelectual, teórico, metodológico e político. Em conformidade com Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p.96), num cenário de paradigmas presentes nesse percurso do desenvolvimento e da modernização do capitalismo, é primordial evidenciar dois deles e que se diferenciam na forma de conduzir as suas intenções: “o paradigma da liberdade econômica, da eficiência e da qualidade e o paradigma da igualdade.” No que tange ao paradigma da liberdade econômica, da eficiência e da qualidade, cujas características são evidenciadas pelos ideais do Iluminismo, liberalismo clássico de John Locke e Adam Smith, liberalismo conservador e positivismo se alinham ao primeiro momento da construção liberal apresentada por (Sander, 2009). No que concerne ao paradigma do primeiro momento ao qual denominamos de “construção liberal”, elucidado por Sander (2009), a estrutura da administração pública e da gestão empresarial capitalista foi projetada e difundida entre o século XIX e consolidada no século XX na Europa e nos Estados Unidos da América sob as teorias clássicas da administração de Taylor, Fayol, Weber e Gulick e Urick. Nesse contexto: O reinado da eficiência econômica, da produtividade a qualquer custo e da tecnoburocracia como sistema de organização. Nesse reinado as considerações políticas, as necessidades humanas e os valores éticos são relegados ao segundo plano (Sander, 2009, p. 71). Sendo assim, numa perspectiva de paradigma de liberdade econômica, da eficiência e da qualidade como aparato para delinear os modos de competitividade aberta em uma sociedade, a eficiência, a eficácia e qualidade se tornam atributos essenciais para um cenário de modos de produção, mercado e consumo e, principalmente, para a própria manutenção dessa estrutura que visa a lucratividade. Em vista disso, esse paradigma tem oportunizado ao Estado mecanismos de reorganização e avaliação das ações no que toca às políticas públicas. Um exemplo disso é a universalização do ensino fundamental após a Segunda Guerra Mundial enquanto objetivo de igualdade e modernização econômica que, a partir da década 39 de 1950, do ponto de vista de Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), o discurso da eficiência e da qualidade vem para controlar as formas de expansão do acesso à educação pública e gratuita, e cujo contexto começa a revelar as ineficiências do Estado em gerir a educação e a inserção da iniciativa privada na busca pela eficiência e qualidade desse campo. Com o intuito de aclarar a dimensão educacional nesse contexto, Sander (2009) ressalta a relevância da “construção comportamental de administração” a fim de coibir as limitações de âmbito político e cultural na gestão tecno burocrática. Numa ascendência aos estudos da psicologia e da sociologia, Sander (2009, p.71) destaca que a construção comportamental consagra a eficácia, em oposição a eficiência, como critério central da administração, disputando espaço na empresa, no setor público e na educação. Essas concepções, portanto, integram às manifestações do positivismo filosófico e do funcionalismo sociológico que faziam evidentes no movimento científico e cultural desse período, sobretudo, nas formas de administração na Europa e nos Estados Unidos. No que condiz ao contexto do Brasil, em conformidade com Sander (2009), não é uma exceção, uma vez que o modelo nomotético ou burocrático encontrou solo fértil nos governos militares nas décadas de 1960 e 1970. Embora houvesse algumas disputas de concepções de gestão educacional entre o modelo ideográfico, que considerava uma apercepção comportamental de gestão, o nomotético ou burocrático sobressaiu nesse cenário, haja vista os princípios centralizadores e homogeneizados de gestão presentes nessa época e a valorização de um “modelo-máquina” para a alta produção e eficiência a favor do desenvolvimento econômico. Deste modo, os ideais de ordem, disciplina, centralização das formas de controle e uniformização de princípios e práticas resplandeceram na organização e administração dos sistemas de ensino do Brasil, dando início às formas e modelos de gestão da educação levando em conta as práticas normativas e modelos dedutivos com interesses primados pela manutenção e reprodução das estruturas e culturas voltadas para a gestão políticas e institucionais dos sistemas de ensino do país. Sander (2009) destaca os precursores que representaram as exceções no campo acadêmico que planificaram novos caminhos para a gestão da educação. Denominados como Pioneiros da Educação, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes e 40 Lourenço Filho integraram, na década de 1930, o movimento de ampliação dos estudos nesta temática para o campo das ciências sociais. No que diz respeito ao segundo momento histórico-político-educacional de construção e formulação de perspectivas para a administração da educação no Brasil apresentado por Sander (2009), ao qual denominamos de “desconstrução para a reconstrução paradigmática”, conjuga ao paradigma de igualdade na ótica liberal apresentada por Libâneo, Oliveira, Toschi (2012). Com o ideal de isonomia dos gregos, os princípios essenciais de democracia baseados no pensamento de Rousseau e presentes na corrente da Revolução Francesa, o novo-liberalismo ou social-liberalismo também se fortaleceram após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo entre 1945 e 1973 com os adventos do fordismo e keynesianismo. De acordo com Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p.101), essa tradição “adotou o estatismo como forma de assegurar a existência da sociedade livre, mediante certa igualdade nas condições materiais de existência”. Levando em conta as considerações de Sander (2009), entre 1970 e 1990, houve uma renovação intelectual no Brasil quanto aos debates entre teóricos que ponderavam acerca das ideias e do consenso positivista e funcionalista e aqueles que preconizavam um certame de conflito interacionista baseados nas críticas de orientações marxistas, fenomenológicos, existencialistas e anarquistas. Os debates favoreceram não só a ampliação da concepção de gestão educacional estruturalista, que apresentam um caráter concreto e determinista, mas também fundamentou o modelo interpretativo de gestão, que valoriza a reflexão e o intersubjetivismo. Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p. 102) consideram que a democracia política só é factível quando há algum grau de democracia social, econômica e cultural. Nesse sentido, Sander (2009) desvela um fator preponderante que marca a presença de paradigmas de igualdade ao formularem concepções para a gestão de educação durante as décadas de 1970 a 1990. De um lado, teóricos críticos que fundamentaram a “administração interacionista do conflito” contradiziam os teóricos que, de outro lado, defendiam a concepção de “administração funcionalista do consenso” afirmando que: As perspectivas tradicionais da gestão não têm sido capazes de oferecer explicações suficientes e adequadas acerca dos fenômenos do poder, da ideologia, da mudança e das contradições e disputas que caracterizam os atos e fatos educacionais no contexto da sociedade contemporânea (Sander, 2009, p. 72). 41 Sendo assim, Sander (2009) reitera que, com período de transição histórica e política no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980, especialmente, com os movimentos da sociedade civil organizados em prol da democratização e anistia política, cristalizados consecutivamente em movimentos da “Diretas Já”8 e da Constituinte que culminaram na nova Constituição em 1988, potencializaram as intervenções também no âmbito da comunidade científica e da sociedade civil a favor de uma reforma educacional que prevalecesse o acesso e a qualidade da pública, da valorização do quadro do magistério, das formas de gestão democrática na educação e que, como resultado, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 1996 e aprovado o Plano Nacional de Educação no ano de 2021. Além disso, há um empenho incisivo e recorrente de construção e reconstrução das formas de gestão da educação com o intuito de sobrelevar o caráter positivista por uma perspectiva mais crítica e social tendo o contexto histórico como um dos aspectos norteadores de análises e aprofundamento dos paradigmas. No tocante ao terceiro momento histórico-político-educacional apresentado por Sander (2009), este período se destaca pela internacionalização do capitalismo e pelo reforço do paradigma liberal de essências corporativas e competitivas advindas do campo da administração, no qual os eixos do poder estabeleceram objetivos e mecanismos de respostas às novas demandas para a hegemonia econômica e cujas características predominaram o processo de globalização no final do século XX e início do século XXI. Por esse ângulo, o paradigma da liberdade econômica, da eficiência e da qualidade apontado por Libâneo, Oliveira, Toschi (2012) corrobora o entendimento para essa nova fase, uma vez que o movimento neoliberal se prolifera fortemente no âmbito da administração e da economia com ideais de modernização nos processos e que resultam em reformas nos mais diversos setores da administração pública, inclusive na educação. De um lado, Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p. 106) ressaltam, à luz desse paradigma, “a necessidade de criar uma cultura tecnológica para a expansão do capital, além da requalificação dos trabalhadores e da ampliação do mercado de 8As Diretas Já foi um movimento político que ocorreu entre 1983 e 1984 no Brasil que defendia a aprovação da Emenda Dante de Oliveira a fim de garantir as eleições presidenciais no ano de 1985. O movimento unificou a oposição à ditadura e a referida emenda não foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/direta-ja.htm. Acesso em: 02 mai. 2022. https://brasilescola.uol.com.br/historiab/direta-ja.htm 42 consumo”. Do outro lado, Sander (2009) reforça a influência da renovação dos conceitos e práticas neofayolistas e neotayloristas nas formas de gestão empresarial e comercial para o setor público e para a educação, cujos princípios de eficiência, qualidade, produtividade, racionalização administrativa, avaliações estandardizadas de desempenho, descentralização, privatização e aplicação vigorosa de ferramentas tecnológicas da informação. Deste modo, uma pedagogia corporativa com enfoque nos métodos gerenciais e na total qualidade para o desenvolvimento de mais alto nível de capital humano compõe uma nova agenda para a expansão do conhecimento e da educação necessários para apoiar os ideais de modernização em uma sociedade globalizada e tecnológica. Nesse contexto, as organizações internacionais tiveram um papel fundamental no campo da educação e suas formas de administração em várias regiões do mundo tendo como referência os modelos de países desenvolvidos multiplicados pelas comunidades internacionais de conhecimento e assistência financeira. De acordo com Sander (2008), Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), as organizações internacionais e regionais têm influenciado os processos de formulações de políticas públicas para a educação e encaminhamentos para o seu desenvolvimento. Nesse conglomerado de organismos e organizações, quatro deles têm tido atuações significativas que resultaram em uma agenda com programas e documentos públicos com vistas à transformação e produção da educação num contexto de equidade: a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (BIRD). O primeiro fator de influência desses organismos na educação se estrutura nas décadas de 1950 e 1960 sob uma “corrente desenvolvimentista da administração do Estado e do poderoso movimento internacional da economia do bem-estar social e, no campo do ensino, da economia da educação e suas áreas correlatas” (Sander, 2008, p. 161). O segundo fator de influência é o planejamento técnico da educação impulsionado por esses organismos internacionais com o intuito de constituir mecanismos de progresso técnico como meio de seleção e ascensão social. Neste cenário, programas de cooperação internacional foram mobilizados para contribuir 43 com a educação latino-americana: o Programa Regional de Desenvolvimento Educacional da OEA, em 1970, voltado para um modelo de gestão de projetos, de preservação da identidade pedagógica e de planejamento e supervisão educacional. Em conformidade com Sander (2008), nesse período, a OEA patrocinou fortemente programas de formação de administradores e planejadores educacionais em parcerias com as universidades de países latino-americanos, inclusive o Brasil, que resultaram em planos setoriais por tempos determinados. O terceiro fator e mais duradouro teve influência da UNESCO em projetos regionais, em consonância com o terceiro momento histórico-político-educacional deslindado por Sander (2009), que fortaleceram a nova fase da modernização capitalista sob um paradigma liberal e corporativo. A década de 1980, marcada por dificuldades no âmbito econômico dos países latino-americanos, implicou consecutivamente em uma redução radical de recursos para a educação em todo o mundo, principalmente com a saída dos Estados Unidos, Inglaterra e Singapura da Organização. Consequentemente, os bancos internacionais, em especial, o Banco Mundial (BIRD) assumiu os investimentos em educação nos países em desenvolvimento com veemência. Ao final dessa década, sob o contexto de eficiência econômica e inovação institucional, a UNESCO alinhava os pontos para uma agenda educacional com caráter liberal e de responsabilidade social por meio do conceito de accountability nas formas de gestão educacional na América Latina e Caribe. Com os mecanismos do Banco Mundial na implementação da agenda neoliberal na educação e por meio da preponderância dos Estados Unidos nas condutas dos aspectos econômicos e sociais, uma das primeiras atividades de grande relevância, a Conferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990, resultou em uma Declaração Mundial sobre Educação para Todos com os princípios de satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, universalização da educação com equidade e de acessos e apoios à educação básica por meio do fortalecimento da comunidade internacional. Deste modo, Sander (2008), Libâneo, Oliveira, Toschi (2012) ressaltam a significância de dois documentos que foram marcos decisivos para efetivação da agenda neoliberal e dos paradigmas da globalização sob os princípios da competitividade e equidade: Transformação produtiva com equidade e o livro Educação e conhecimento: transformação produtiva com equidade. 44 Como resultado e impacto no Brasil, foi construído e divulgado o documento Plano Decenal de Educação para Todos em 1993 pelo Ministério da Educação com o objetivo cumprir em uma década as resoluções da Conferência de Jomtien. Nesse pacto, um conjunto de diretrizes políticas voltado para a recuperação e a melhoria da educação fundamental do país. O Plano foi apresentado pelo governo brasileiro em Nova Delhi, num encontro promovido pela Unicef e pelo Banco Mundial que reuniu os países mais populosos do mundo. Segundo Menezes e Santos (2001), o Plano apresenta sete objetivos para o desenvolvimento da educação básica9 com os compromissos assumidos pelo governo para atender as necessidades básicas educacionais no Brasil e que, posteriormente, são mencionados na homologação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, com o principal intuito de consolidar e ampliar as responsabilidades do poder público com a educação em geral. Cury (2002, p.173) define a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional enquanto dispositivo que “denominará tal pluralidade consociativa de Sistema de Organização da Educação Nacional” e cuja “concepção articulada entre os sistemas que decorre a exigência de um Plano Nacional de Educação (art. 214 da Constituição Federal) que seja, ao mesmo tempo racional nas metas e nos meios, e efetivo nos seus fins”. Diante desses paradigmas, pontos de ações iniciais para a implementação da agenda neoliberal e a própria Constituição Federal de 1988 foram fundamentais para o processo de reforma do Estado brasileiro, bem como nas formas de descentralização da educação. De acordo Souza e Faria (2004), a promulgação da Constituição Federal de 1988 explicita a efetividade inédita da tese da descentralização por meio do Artigo nº 211, por meio do qual se propugna. 91.Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, provendo-lhes as competências fundamentais requeridas para a participação na vida econômica, social, política e cultural do país, especialmente as necessidades do mundo do trabalho; 2. Universalizar, com equidade, as oportunidades de alcançar e manter níveis apropriados de aprendizagem e desenvolvimento; 3. Ampliar os meios e o alcance da educação básica; 4. Favorecer um ambiente adequado à aprendizagem; 5. Fortalecer os espaços institucionais de acordos, parcerias e compromissos; 6. Incrementar os recursos financeiros para manutenção e para investimentos na qualidade da educação básica, conferindo maior eficiência e equidade em sua distribuição e aplicação; 7. Estabelecer canais mais amplos e qualificados de cooperação e intercâmbio educacional e cultural de caráter bilateral, multilateral e internacional. (Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC, 1993). 45 A organização dos sistemas de ensino entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pela via do chamado Regime de Colaboração, mais tarde reformulado pela Emenda Constitucional (EC) nº 14, de 1996, que viabilizou, no ano seguinte, a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) (Souza; Faria, 2004, p. 926). O avanço das reformas políticas e econômicas a favor de mecanismos de redemocratização política, de liberalização e privatização da economia revela um período marcado por políticas de desinvestimentos na Educação Básica no Brasil ao longo dos vinte anos de período ditatorial que agravaram os índices educacionais do país. Desta forma, Souza e Faria (2004, p. 927) elucidam que, principalmente na década de 1990, por meio do Consenso de Washington e por ações conseguintes das relações internacionais, sistematizou-se a ideia de que os países periféricos deveriam “focar sua atuação nas relações exteriores e na regulação financeira, com base nos critérios negociados diretamente com os organismos internacionais”. Nesse contexto, todas as estruturas sofreram reformas, bem como em novos aparatos de funcionamento por meio de processos de desregulamentação da economia e abertura de mercados, privatização de empresas estatais, reformas nos sistemas de saúde, educação e previdência social, com a descentralização dos serviços e com a intenção de aprimorar os dispositivos de encaminhamento e administração dos recursos. Partindo do pressuposto supracitado, Souza e Faria ainda reiteram que: A otimização de recursos significa criar condições para uma maior eficiência e, em consequência, maior agilidade e transparência na prestação de serviços públicos pelo Estado, presumindo, ainda, maior envolvimento direto do poder local na captação das demandas, no controle de gastos e na inspeção do cumprimento das metas estabelecidas e, a um só tempo, o acompanhamento dessas ações pelo setor público (Souza e Faria, 2004, p. 927 apud Menezes; Santos, 2001). Portanto, considerando este panorama deslindado, é evidente a minudência nos processos de intervenção dos organismos e organizações internacionais sobretudo nas políticas de educação dos países nas linhas das economias centrais, América Latina e principalmente no Brasil. Para um melhor entendimento, em concordância com Libâneo, Oliveira, Toschi (2012), após a Conferência de Jomtien e a edição do Plano Decenal de Educação para Todos de 1993, o mesmo foi abandonado pela gestão do presidente 46 Fernando Henrique Cardoso logo após a sua posse e, num movimento intencional de reformar toda a educação brasileira, apresentou-se o Plano Nacional de Educação como continuidade do Plano Decenal de 1993 em conformidade com o artigo nº 87, §1º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996. Nessa conjuntura, a Lei nº 9.394/1996 evidencia que a União deve incumbir- se de elaborar o Plano Nacional de Educação (PNE) em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Em relação a este período, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) destacam que o plano foi elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) e contou poucos interlocutores nesse processo, tais como o Conselho Nacional de Educação e os presidentes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e cujo projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados em 12 de fevereiro de 1998. Por outro lado, Libâneo, Oliveira, Toschi (2012) complementam que foi protocolado na Câmara dos Deputados o PNE da sociedade brasileira, cujo documento foi construído pela sociedade civil e sistematizado em uma plenária do Congresso Nacional da Educação (CONED II) em novembro de 1997, em Belo Horizonte. O projeto foi construído de forma colaborativa com representantes do corpo político, da sociedade civil – com representatividade das entidades científicas, acadêmicas, estudantis e sindicais a nível nacional e local – em um movimento de retomar a garantir o modelo democrático e participativo envolvendo a sociedade na criação das leis juntamente com os representantes parlamentares. Embora houvesse diferenças consideráveis em relação às duas propostas, que foram discutidas e votadas a nível de Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal, dentre elas a proposição do PNE da sociedade civil em utilizar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) em investimento público para a educação como forma de reverter o histórico brasileiro de exclusão social a qual a educação foi subordinada, o projeto formulado pela sociedade civil teve relevância e validação para as discussões subsequentes e que foram impedidas por conta das eleições de 1998. Além disso, as diferenças entre as duas propostas se concentravam no diagnóstico de problemas, na identificação das necessidades educacionais e qual montante de recursos financeiros deveria ser destinados para a execução do Plano. Deste modo, o PNE foi aprovado em 9 de janeiro de 2001 por meio da lei nº 10.172 homologada pelo Congresso Nacional com vigência até o ano de 2010. O 47 Plano contemplava “um projeto de educação que tivesse duração e vigência independentes dos governos no poder, garantindo a continuidade das políticas públicas para a educação” (Libâneo; Oliveira; Toschi, 2012, p.181). O PNE representa o resultado da expressão da sociedade brasileira de um projeto para a educação nacional previsto na Constituição Federal de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/1996 com vistas à erradicação do analfabetismo, universalização ao atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do país. Segundo Aguiar (2010), o PNE representa um “plano de Estado”, cujo resultado não só apresenta um esforço coletivo, mas também demanda uma responsabilidade conjunta entre os entes federados, principalmente os estados e municípios, que deveriam estabelecer uma estreita articulação a favor da educação básica, contando com a participação da União, para efetivar as ações e políticas presentes no Plano. A Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001 previa que o PNE deveria ser avaliado periodicamente pelo Poder Legislativo e acompanhado pela sociedade civil organizada. O plano, que continha metas referentes a todos os níveis e modalidades da educação, não houve efetividade nesse processo. De acordo com Libâneo, Oliveira, Toschi (2012, p.184), o acompanhamento “ficou a desejar, pois foram poucas e fragmentadas as iniciativas do Legislativo, do Ministério da Educação ou do Conselho Nacional de Educação nessa direção”. Além disso, o não cumprimento das metas tiveram relações estreitas aos vetos do presidente Fernando Henrique Cardoso referentes aos recursos financeiros, principalmente quanto aos percentuais do PIB para a manutenção e desenvolvimento da educação. Embora a lei favorecesse a inserção do PNE nos Planos Plurianuais da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, a fim de dar o devido suporte ao cumprimento das metas, muitas delas não foram alcançadas por falta de recursos. Próximo do final da vigência do Plano, a Conferência Nacional de Educação (CONAE) mobilizou o campo da educação para as discussões de formulação do novo PNE 2011-2020. Diante das transformações sucedidas no final do século XX, principalmente, na década de 1990, com a introdução no Brasil nas participações e ao capital 48 internacional, as relações com o mercado globalizado ecoaram em medidas públicas de cunho social, inclusive, a educação. Dentre as políticas públicas instituídas a partir deste período marcaram o processo de reforma da educação brasileira, além do alinhamento às diretrizes dos organismos financeiros internacionais como o Banco Mundial, por exemplo. Tendo como ponto inicial desse processo em 1995 com o governo Fernando Henrique Cardoso, em conformidade com Libâneo, Oliveira, Toschi (2012) e Fundação Fernando Henrique Cardoso (2021), a reforma educacional brasileira compreendeu uma série de ações, embora sem uma ampliação dos recursos para a manutenção e desenvolvimento deste campo. Além disso, com o intuito de universalizar o acesso à educação no Brasil para crianças entre 7 e 14 anos, denominado como ensino fundamental, haja vista o atraso em relação aos demais países vizinhos, como Argentina, Uruguai e Chile, o governo centralizou os recursos em nível federal por meio das definições de políticas do FUNDEF (Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e que, dez anos posteriores, abarcou o ensino infantil e ensino médio garantindo políticas para toda a educação básica brasileira, dando origem ao FUNDEB (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica). Essa política não apenas viabilizou avanços não muito significativos em áreas mais pobres do país, como também perdeu o padrão educacional presente em centros mais notáveis. Além disso, uma das prioridades de ampliação do acesso à educação, foi a qualificação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que foi instituído em 1990, e cuja política tinha como condição principal melhorar a educação brasileira a partir dos recursos do Banco Mundial e do seu apoio no planejamento e construção de indicadores para todos os níveis de ensino a fim de orientar as políticas públicas educacionais. Tendo como programa de governo Acorda Brasil: Está na Hora da Escola, o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve cinco importantes ações que merecem destaque: distribuição de verbas diretas para as escolas por meio Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), melhoria da qualidade dos livros didáticos, formação de professores por meio de educação à distância, reforma curricular com os princípios e parâmetros curriculares nacionais por meio dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) e dos RCNEI (Referenciais Curriculares Nacionais par