UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Campus de Ourinhos CAROLINA STEFANI BALDO KERHART GESTÃO PARTICIPATIVA NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL: IMPLANTAÇÃO DO CONSELHO CONSULTIVO NO PARQUE ESTADUAL DO JARAGUÁ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SP) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Avaliação de TCC do Curso de Graduação em Geografia – Bacharelado, do Campus de Ourinhos – UNESP, como parte das exigências para o cumprimento da disciplina Estágio Supervisionado e Trabalho de Graduação no 1º semestre letivo de 2010, sob orientação da Profª. Drª. Luciene Cristina Risso. Orientador: Profª. Drª. Luciene Cristina Risso Ourinhos (SP)/2010 2 UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Campus de Ourinhos CAROLINA STEFANI BALDO KERHART GESTÃO PARTICIPATIVA NAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL: IMPLANTAÇÃO DO CONSELHO CONSULTIVO NO PARQUE ESTADUAL DO JARAGUÁ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (SP) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de Avaliação de TCC do Curso de Graduação em Geografia – Bacharelado, do Campus de Ourinhos – UNESP, como parte das exigências para o cumprimento da disciplina Estágio Supervisionado e Trabalho de Graduação no 1º semestre letivo de 2010, sob orientação da Profª. Drª. Luciene Cristina Risso. Ourinhos (SP)/2010 3 À minhas avós, com todo o meu carinho e admiração! e Em Memória aos meus avôs: Estanislau Kerhart Oswaldo Baldo ... saudades imensas! 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a minha família pelo amor incondicional, por toda paciência dedicada a mim durante anos, por darem sentido aos meus dias, amo vocês! Um agradecimento especial ao meu irmão, Rafael, pela companhia nas noites em claro durante o desenvolvimento deste trabalho e a minha mãe e ao meu pai por terem me incentivado a permanecer em Ourinhos. Ao Fernando de Souza Bordinhão por agüentar o meu mau humor nos momentos de tensão, por todo o carinho e dedicação, por fazer parte da minha vida e por ser essa pessoa maravilhosa que está sempre ao meu lado. Ao Mauro e a Néia por toda hospitalidade e pela paciência. Ao Maurinho pelas conversas e risadas e agradeço, também, a Patrícia pelas gargalhadas e confidências. Agradeço do fundo do meu coração, a Alessandra dos Santos Júlio, uma amiga que eu amo muito e que me deu suporte em diversos momentos da minha vida desde que a conheci. Obrigada pelas palavras sábias, pelos conselhos certeiros, pelas frases de apoio e por acreditar na minha capacidade. Obrigada pela companhia nestes anos de faculdade. Eu jamais teria conseguido sem você. Agradeço a todas as pessoas que moraram comigo durante estes anos de faculdade e que tornaram a minha vida muito mais divertida. Ao Daniel Bruno Vasconcelos por todo apoio, compreensão e confiança. Sempre tornando minha vida mais fácil e engraçada. A Elisa Yamauchi Ferreira, Daiana Damasceno, Thiago Xabay, Rodrigo Caetano por todos os momentos em que estive ausente durantes os anos da faculdade. Agradeço a Olinda Keiko Fukuda pelos incentivos, ensinamentos, oportunidades e por todo carinho. Um sincero agradecimento a minha orientadora, Luciene, por toda paciência no decorrer deste trabalho e pela extrema atenção. Agradeço a diretora do Parque Estadual do Jaraguá que me recebeu inúmeras vezes e que foi sempre doce e atenciosa, sempre disposta a responder todas as minhas indagações. Por fim agradeço a todas as pessoas que me auxiliaram, direta ou indiretamente, na conclusão deste trabalho, finalizando esta etapa da minha vida. Obrigada!!! 5 BANCA EXAMINADORA Dra. Luciene Cristina Risso (orientadora) ___________________________________________ (Assinatura do membro) Dra. Maria Cristina Perusi ___________________________________________ (Assinatura do membro) Dr. Paulo Fernando Cirino Mourão ___________________________________________ (Assinatura do membro) Ourinhos, 02 de agosto de 2010. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12 CAPÍTULO 01 1. A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM ATRAVÉS DA OBTENÇÃO DA TÉCNICA: RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA ................................................................16 1.1 Surgimento da idéia de área protegida e das Unidades de Conservação............................18 1.1.1 Categorização mundial das Unidades de Conservação....................................................25 1.2 Unidades de Conservação no Brasil....................................................................................29 1.2.1 Categorização das Unidades de Conservação no Brasil..................................................35 1.3 Gestão das Unidades de Conservação no Brasil.................................................................44 1.3.1 Gestão participativa das unidades de conservação..........................................................50 1.3.1.1 Conselhos – técnica adotada para a efetivação da gestão participativa nas unidades de conservação...............................................................................................................................56 CAPÍTULO 02 2. HISTÓRICO DO DISTRITO DO JARAGUÁ, MUNICÍPIO DE SÃO PAULO/SP...............................................................................................................................60 2.1. Criação e Concessões do Parque Estadual do Jaraguá.......................................................70 2.2 Aldeia Indígena M‘BYA Guarani, no município do Jaraguá.............................................76 CAPÍTULO 03 3. PARQUE ESTADUAL DO JARAGUÁ...........................................................................85 3.1. Caracterização Fisiográfica do Parque Estadual do Jaraguá .............................................86 3.1.1. Geomorfologia e Geologia .............................................................................................86 3.1.2. Clima...............................................................................................................................90 3.1.3. Vegetação........................................................................................................................93 3.1.3.1. Flora................................................................................................. ............................96 3.2. Gestão do Parque Estadual do Jaraguá..............................................................................97 3.2.1. Estrutura Física e Uso Público........................................................................................99 3.2.2. Trilhas e Educação Ambiental......................................................................................106 3.2.3. Entorno do Parque.........................................................................................................110 3.2.4. Plano de Manejo............................................................................................................115 7 CAPÍTULO 04 4. IMPLANTAÇÃO DO CONSELHO CONSULTIVO NO PARQUE ESTADUAL DO JARAGUÁ.............................................................................................................................116 4.1 Reuniões............................................................................................................................122 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................128 REFERÊNCIAS....................................................................................................................131 ANEXOS................................................................................................................................136 8 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 01: Ciclo de gestão e avaliação proposto pela Comissão Mundial de Áreas Protegidas da União Mundial pela Natureza. ......................................................................................... 47 Figura 02: Uso e Ocupação do entorno do Parque Estadual do Jaraguá (SP), em 1962.......... 65 Figura 03: Uso e ocupação do Entorno do Parque Estadual do Jaraguá (SP) no ano de 2001. 66 Figura 04: Parque Estadual e Parques Municipais na região da Subprefeitura Pirituba/Jaraguá. ............................................................................................................................................ 68 Figura 05: Localização do Parque Estadual Paulista. ............................................................ 85 Figura 06: Seção Geológica Esquemática do Estado de São Paulo (Ab`Saber, 1956). ........... 87 Figura 07: Classificação Climática de Koppen do Estado de São Paulo. ............................... 91 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 01: Estimativa habitacional dos distritos da Sé, Pirituba e Perus-Jaraguá, nas décadas de 1940, 1959 e 1960. .......................................................................................................... 63 Tabela 02: Dados demográficos da região da Subprefeitura Pirituba/Jaraguá. ....................... 67 Tabela 03: Composição do Cosnelho Consultivo do Parque do Jaraguá. ............................. 117 Tabela 04: Associações de bairro na região da Subprefeitura Pirituba/Jaraguá. ................... 121 Tabela 05: Participantes da primeira reunião do Conselho Consultivo do Parque Estadual do Jaraguá............................................................................................................................... 124 9 ÍNDICE DE FOTOS Foto 01: Casa de Afonso Sardinha no Parque Estadual do Jaraguá, atual albergue da juventude. ............................................................................................................................ 61 Foto 02: Torre de transmissão da Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda. ............................... 72 Foto 03: Vista de São Paulo no Pico do Jaraguá. .................................................................. 74 Foto 04: Área cedida a Polícia Militar no Pico do Jaraguá para instalação de uma torre de comando. ............................................................................................................................. 75 Foto 05: Área em concessão para a Rede Cultura de Televisão, para instalação de uma torre de transmissão no Pico do Papagaio. .................................................................................... 75 Foto 06: Ribeirão das Lavras: Limite entre aldeia Tekoa Ytu e o Parque Estadual do Jaraguá. Observa-se aos fundos a proximidade das residências indígenas ao Ribeirão. ....................... 81 Foto 07: Rua Comendador José de Matos e aldeia Tekoa Pyau. ............................................ 82 Foto 08: Afloramento rochoso na Estrada Turística do Jaraguá. ........................................... 89 Foto 09: Vegetação no Pico do Jaraguá: Campo de altitude ou cerrado?. .............................. 95 Foto 10: Lanchonete localizada no Pico do Jaraguá. ........................................................... 100 Foto 11: Concha acústica localizada na parte de baixa do Parque Estadual do Jaraguá........ 101 Foto 12: Área bosqueada destinada para piquenique, ao fundo quiosque com churrasqueira. .......................................................................................................................................... 102 Foto 13: Auditório do Parque Estadual do Jaraguá. ............................................................ 103 Foto 14: Área administrativa do Parque Estadual do Jaraguá. ............................................. 103 Foto 15: Brinquedos pertencentes a ambulantes . ............................................................... 104 Foto 16: Estrada Turística do Jaraguá. ................................................................................ 106 Foto 17: Trilha do Silêncio. ................................................................................................ 107 Foto 18: Primeira reunião do Conselho Consultivo do Parque Estadual do Jaraguá ............ 125 10 LISTA DE SIGLAS APA – Área de Proteção Ambiental CECI – Centro de Educação e Cultura Indígena CEU – Centro de Educação Unificado DER – Departamento de Estrada de Rodagem DERSA – Desenvolvimento Rodoviário S.A. IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IUPN – International Union for Protection of Nature IUCN – International Union for Conservation of Nature FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNASA – Fundação Nacional de Saúde MMA – Ministério do Meio Ambiente NEAPEJ – Núcleo de Educação Ambiental do Parque Estadual do Jaraguá ONG – Organização Não Governamental ONU – Organizações das Nações Unidas PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente SABESP – Saneamento Básico do Estado de São Paulo SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação SVMA – Secretaria do Verde e do Meio Ambiente UICN – União Internacional de Conservação da Natureza UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization 11 RESUMO O Parque Estadual do Jaraguá localiza-se no distrito do Jaraguá, município de São Paulo. Caracteriza-se pelo expressivo remanescente florestal insulado em área urbana, onde abriga o ponto mais alto da cidade de São Paulo, o Pico do Jaraguá, e apresenta em sua vizinhança uma aldeia Guarani M´bya. No contexto ao qual está inserido, tornam-se necessárias medidas administrativas eficazes para a conservação de seu ecossistema já muito degradado. Sendo assim, este trabalho visa acompanhar a implantação da gestão participativa na unidade de conservação em questão, pois a interação desta com a comunidade ao seu entorno torna-se fundamental para a diminuição da degradação ambiental da área, conscientizando-os sobre a importância da manutenção dos recursos naturais não só para o lazer, mas para a continuidade da vida. Para a realização deste trabalho foi necessária a análise de formação das unidades de conservação no Brasil e no mundo e o processo histórico e administrativo do parque e seu entorno, através de entrevistas e participações das reuniões do conselho consultivo. PALAVRAS- CHAVE: Unidade de conservação, gestão participativa, conselho consultivo, parque estadual ABSTRACT Jaragua State Park is located in the Jaragua‘s district, São Paulo. It is characterized by a significant forest remnant insulated in urban areas, where houses the highest point of the city of São Paulo, Pico do Jaragua, and features a M´bya Guarani village in your neighborhood. In the context to which it is inserted, become necessary administrative measures for the preservation of its ecosystem, already severely degraded. Thus, this study aims to monitor the implementation of participative management in this protected area, because its interaction with its surroundings community is fundamental to reducing the environmental degradation of the area, raising awareness of the importance of maintaining natural resources not only for leisure but for the continuity of life. To carry out this work was necessary to analyze the formation of protected areas in Brazil and around the world, besides of the historical process and administration of the Jaragua State Park and its surroundings, through interviews and meetings of the advisory board. KEYWORDS: Protected area, participative management, consultative council, state park 12 INTRODUÇÃO Foi em meados do século XIX que a sociedade começou a ter uma maior percepção das mudanças ambientais ocorridas em virtude do modelo de desenvolvimento econômico que ascendeu no início do século XV. Com as visíveis alterações paisagísticas que a revolução industrial trouxe para as grandes cidades, a população começou a desejar lugares desabitados, com uma incontestável beleza cênica, onde se pudesse contemplar a natureza e se isolar junto com a família, dos centros urbanos desordenados, escuros e poluídos. Nasce, neste período, a atração pela natureza selvagem, diferente do homem do século XVIII que contemplava, apenas a natureza domesticada e cultivada (PEPPER apud RISSO, 1998). Com a urbanização em ritmo acelerado e a intensificação da produção industrial, iniciou-se a valorização do mundo natural pelos escritores românticos, foi neste mesmo período que surgiram os movimentos ambientalistas. Dentro dessa conjectura, tornou-se imprescindível a criação de uma reserva natural para lazer da população (DIEGUES, 1996). Apesar de existirem relatos sobre áreas protegidas desde a antiguidade, a primeira grande área natural, legalmente criada, foi nos Estados Unidos em 1872: o Parque Nacional do Yellowstone, com a finalidade de oferecer distração longe do congestionamento das cidades. Muitas famílias indígenas foram desabrigadas na região para que o parque fosse preservado. A partir daquele momento o ser humano entraria ali somente como visitante (BENSUSAN, 2006). Como esse modelo de preservação foi adotado por diversos outros países ao redor do mundo, inclusive no Brasil, muitas discussões sobrevivem até hoje sobre a desapropriação de comunidades, dos locais onde viviam tradicionalmente, para a criação de áreas de proteção integral. A idéia de natureza intocada, descrita por Diegues (1996) como a de um mito, é uma percepção da população urbana, sem levar em consideração a percepção das populações que habitam o ambiente selvagem e, tem neste, o seu lar e sua fonte de sobrevivência. Durante muitas décadas as áreas protegidas não foram criadas com a intenção de conservação da biodiversidade, mas sim com o interesse de preservar belezas cênicas para o turismo, e também para as futuras gerações (IUCN, 1993). Além disso, a criação dessas unidades era considerada por muitos, como limitadores de oportunidades de desenvolvimento futuro (TERBORGH, SCHAIK, 2002). Em muitos países, os parques protegem aquilo que restou dos hábitats naturais, pois tornou-se inevitável que as áreas naturais, privadas de proteção, fossem apropriadas pelo homem. Os interesses e as necessidades do homem moderno seguiram o conhecimento 13 técnico-científico, adquirido com o capitalismo industrial, alocando, os interesses das sociedades humanas de um lado e a preservação da natureza do outro (ROSS, 1996 apud SILVA, 2006). Na década de 1930, o número de áreas protegidas estava em ascensão e a categoria de parque nacional era a mais popularmente conhecida, mas estas poderiam ser um complemento de muitas outras categorias de unidades de conservação (IUCN, 1986). Sendo assim, novas categorias propagaram-se pelos países. Cada governo identificava a área protegida da forma que lhes eram compreendidas, e não havia até então uma organização mundial para padronização das unidades. Após diversas conferências e convenções sobre as áreas protegidas mundiais, a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) percebeu que se houvesse um padrão pré- estabelecido de categorias pelo mundo, facilitaria as trocas de informações/experiências entre os países. Desta forma, reforçaria as unidades de conservação para uma base mais sólida, visando alcançar prósperos resultados de conservação e manejo perante as unidades. A UICN lança, então, em 1978 uma categorização das unidades de acordo com o manejo pré-estabelecido, não importa a diferenciação dos nomes de cada unidade contanto que se assemelhassem no tipo de manejo da área. Este sistema foi aprimorado e reestruturado em 1992 e é utilizado como apoio entre diversos países. Essa categorização auxiliou, também, na criação das legislações pertinentes a cada tipo de área protegida, nas estratégias de manejo adotadas por cada unidade, além do maior controle da intensidade do uso e da forma de uso de cada área (IUCN, 1993). No Brasil, idéias para a implantação de um parque nacional surgiu logo após a criação de Yellowstone, contudo, só em 1937 é que foi estabelecido, legalmente, o Parque Nacional do Itatiaia. Na década de 1930/1940, o Brasil começa a se estruturar legislativamente em relação às áreas ambientais, devido a percepção dos impactos da industrialização na exploração e apropriação dos recursos naturais no país (VIANNA, 1996). Em 1944, foram definidas em escala nacional, as características de um parque nacional. Em 1979, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) elaborou o Plano de Sistema de Unidades de Conservação Nacional, a fim de categorizar as áreas protegidas existentes. Este plano não desempenhava um papel jurídico importante perante as unidades de conservação. Somente em 2000 o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) entra em vigor, dividindo as unidades em dois grupos: Unidade de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. 14 Os parques nacionais encontram-se na categoria de Proteção Integral, e caracterizam-se como uma unidade de preservação de ecossistemas naturais para realização de pesquisas científicas, desenvolvimento de atividades de educação ambiental, recreação da população e para turismo ecológico. O SNUC ainda prevê para os parques nacionais a criação de um conselho consultivo, onde a comunidade deve participar da gestão da unidade de conservação junto à administração, partilhando opiniões e construindo um maior envolvimento da população com a natureza. Este conselho consultivo deve ser formado pela comunidade que vive ao redor da área, por pessoas que se identificam e que direcione essa identificação com a natureza para as demais pessoas da região. Neste contexto, o objeto de estudo deste trabalho é a implantação do conselho consultivo no Parque Estadual do Jaraguá, localizado na zona noroeste do município de São Paulo. Alguns o caracterizam como um parque urbano, administrado atualmente pela Fundação Florestal. O Parque encontra-se em uma área de expansão urbana, não possui zona de amortecimento, integra o distrito Pirituba/Jaraguá, o qual faz divisa com o município de Osasco, distrito de Perus e com o distrito Anhanguera. As visitações do parque aos finais de semana são intensas, fato caracterizado devido à carência de parques urbanos na região, e por abrigar o pico mais alto da cidade de São Paulo, o Pico do Jaraguá. Vizinho ao Parque Estadual do Jaraguá vive uma comunidade indígena Guarani M‘bya, com aproximadamente 135 famílias. Essas famílias vivem basicamente de auxílios financeiros do governo e de doações. Metade das terras dessa comunidade foram demarcadas em 1986. Atualmente, eles trabalham como uma instituição, a Associação República Amba Verá, pois segundo o representante da Associação, Alísio Gabriel, essa foi a forma que eles encontraram para garantirem os seus direitos. Segundo o decreto estadual nº 49.672 de junho de 2005, todas as Unidades de Conservação de Proteção Integral do Estado de São Paulo devem prover de um conselho consultivo. Em setembro de 2009 foi lançada a portaria normativa nº 099/2009, pela Fundação Florestal, sobre a instituição e organização do Conselho Consultivo do Parque Estadual do Jaraguá. A comissão de apoio à gestão do parque é composta por três representantes de instituições públicas, e cinco instituições representando a sociedade civil. Contudo, ao longo do trabalho percebemos que o quadro de membros do conselho consultivo instalado na unidade, não corresponde às necessidades desta para efetivação da gestão participativa. Percebemos assim, as dificuldades de implantação de um conselho consultivo numa unidade de proteção integral, no caso, o Parque Estadual do Jaraguá, local onde se faz 15 necessária a participação de diversas instituições da comunidade do seu entorno, para garantir a continuidade da preservação da biodiversidade devido a presente pressão urbana na área. Para analisar a implantação do conselho consultivo no Parque Estadual do Jaraguá, e cumprir os objetivos que avaliem a participação da população local na gestão participativa da unidade de conservação, foram utilizados alguns procedimentos metodológicos, tais como: revisão bibliográfica referente ao surgimento da idéia de unidade de conservação, surgimento das categorias de unidades de conservação e, também sobre a utilização da gestão participativa das unidades de proteção ambiental integral, com o intuito de estabelecer uma análise histórica das áreas protegidas e da legislação brasileira sobre o assunto; levantamento de bibliografias, de informações e de dados secundários sobre o Parque Estadual do Jaraguá e entrevistas livres com a diretora do Jaraguá, e com os membros do conselho. Foram realizados alguns trabalhos de campo para a obtenção de dados primários e acompanhamento de todas as reuniões previstas com o conselho consultivo, até o período de fechamento deste trabalho. A utilização desta metodologia deu origem aos quatro capítulos deste trabalho. Para evidenciar os problemas da implantação do conselho consultivo do Jaraguá, precisamos levar em consideração todo o processo histórico das unidades de conservação no Brasil e no mundo, para que seja possível uma compreensão da relação homem-natureza. Esta discussão pode ser averiguada no Capítulo um. O Capítulo dois apresenta o processo histórico do distrito do Jaraguá, desde os bandeirantes, quando estes encontraram na região a existência de ouro. Além disso, demonstra todo o processo histórico de formação da unidade de conservação e da aldeia indígena da região. O Capítulo três, por sua vez, caracteriza toda a estrutura física do Parque Estadual do Jaraguá, mostrando suas condições fisiográficas e a infra-estrutura para atendimento dos visitantes, além de mostrar o histórico de administração da unidade, caracterizando-a num parque urbano. Já o último Capítulo, apresenta todo o acompanhamento das reuniões dos conselhos consultivos e caracteriza os problemas encontrados, num primeiro momento, para a efetivação da gestão participativa da unidade. 16 CAPÍTULO 01 1. A TRANSFORMAÇÃO DA PAISAGEM ATRAVÉS DA OBTENÇÃO DA TÉCNICA: RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA O homem, desde os primórdios, interfere e modifica a natureza por onde permeia e habita, deixando rastros de suas ações e de suas necessidades, alterando, continuamente, a paisagem destes lugares. Segundo Luchiari (2001), a idéia de paisagem inicia-se com as representações feitas, principalmente pelos viajantes, em pinturas e relatos detalhados dos locais por onde passavam. Neste primeiro momento a paisagem possui uma denotação puramente estrutural – formas e belezas cênicas dignas de serem admiradas e representadas. Posteriormente, com as demais técnicas de reproduções culturais, como, por exemplo, a literatura e, mais tarde, a fotografia e o cinema, o homem observa que a paisagem não é estática, pelo contrário, está em constante mudança. A paisagem torna-se, para a Geografia Cultural, a cristalização das ações antrópicas no espaço ao longo do tempo (SANTOS, 2002). Sendo assim, a paisagem está carregada de histórias e simbologias da relação do homem com a natureza. ―A técnica conecta o homem com a natureza. É a técnica que possibilita o homem de se envolver com o espaço [...]‖ (SANTOS, 2004. p. 17). Sua criação iniciou-se na pré-história apenas com o instinto animal do homem para sua sobrevivência, mas o seu aprimoramento foi fundamental para o desenvolvimento humano. O aprimoramento das técnicas transformam continuamente a cultura do homem e, principalmente, a sua relação com o meio. Com o passar dos séculos, o homem passou a buscar melhores técnicas para o conforto e evolução da sociedade e, segundo Cosgrove (apud MELO, 2001) esta passou a transformar e codificar a paisagem, de acordo com o modo de produção econômico vigente, uma vez que o que distingue as épocas passadas é o valor relativo, dos elementos de um sistema (SANTOS, 2002). Schier (2003, p.82) completa ao dizer que as paisagens (...) são, em quase todas as abordagens dos séculos XIX e XX, entidades espaciais que dependem da história econômica, cultural e ideológica de cada grupo regional e de cada sociedade e, se compreendidas como portadoras de funções sociais, não são produtos, mas processos de conferir ao espaço significados ideológicos ou finalidades sociais com base nos padrões econômicos, políticos e culturais vigentes. 17 É o homem que transforma a paisagem, mas são as diferenças culturais de cada sociedade que são capazes de provocar transformações diferenciadas nela. Não se trata mais da interação do homem com a natureza da paisagem, mas sim de uma forma intelectual na qual, diferentes grupos culturais percebem e interpretam a paisagem, construindo os seus marcos e significados nela. (SCHIER, 2003, p.81) Na pré-história as técnicas são criadas inconscientemente, pelo instinto animal de sobrevivência. Como, por exemplo, a utilização do fogo para afugentar os animais, e para aquecer e iluminar as cavernas onde poderiam ―fixar‖ moradia. (RISSO, 2009) Contudo, a criação de uma técnica é procedida de outra técnica, as mudanças culturais acontecem rápido e continuamente, assim como as mudanças paisagísticas. A técnica para acender o fogo, por exemplo, foi de grande importância para a criação da agricultura, e foi com o desenvolvimento das primeiras técnicas agrícolas que ocorreram mudanças culturais radicais, onde o homem deixava de ser nômade e se territorializava. O sedentarismo, para Almino (1993), foi um dos momentos cruciais para a degradação ambiental, pois a partir deste período a sociedade começa a se desenvolver e as técnicas passam a ser necessárias de acordo com as dificuldades encontradas pela sociedade. Com o sedentarismo novas técnicas foram criadas e junto com elas a idéia de propriedade, sociedade, divisão do trabalho, acumulação, etc. Com o desenvolvimento da sociedade, as técnicas deixam de ser buscadas unicamente para a sobrevivência humana, e passam a ser desejadas pelo homem, seja simplesmente por conhecimento ou porque esta adquire um valor, conseqüentemente a natureza também adquire valor, torna-se um recurso natural necessário para o desenvolvimento de novas técnicas. Para Luchiari (2001, p.20) a evolução da sociedade ―mediatiza suas relações com a natureza e lhe atribui um valor, uma representação e um controle sobre as paisagens que os homens disputam em um campo relacional de poder.‖. O poder que o homem adquire em relação à natureza advém da evolução da sociedade e da conscientização de controle do homem sobre a paisagem, o que para Santos (2002, p.16), subverteu a idéia da ―relação do homem com o meio, do homem com o homem, do homem com as coisas, bem como as relações das classes sociais entre si e as relações entre nações‖. Assim, a natureza tornou-se um mero recurso para o desenvolvimento da sociedade, sem a preocupação e conscientização da importância desta para o futuro das nações. A Revolução Industrial, por sua vez, é o ponto culminante e decisivo da degradação ambiental, pois foi favorecida pela fusão da ciência e da tecnologia, pelo modo de produção 18 capitalista e pela cultura de acumulação, além da determinada visão de progresso da sociedade. (ALMINO, 1993). Para Luchiari (2001, p.18), foi a visão geográfica cultural da paisagem que tornou o modelo de desenvolvimento capitalista questionável, uma vez que: Saltam aos olhos as paisagens destituídas de beleza e as paisagens-símbolos de um risco socioambiental iminente: florestas devastadas pelas madeireiras ou pelo uso agrícola e pecuário: desertos que o manejo inadequado do solo provocaram; rios que se transformaram em canais de esgoto industrial e doméstico; favelas; ocupações grandes lixões etc. A paisagem natural antes retratada formidavelmente pelas pinturas e pelo lirismo da literatura cede lugar à intensa urbanização das grandes cidades. Sabemos que as paisagens se transformam, mas sendo estas um produto da ação do homem, não se esgotam, o que se esgota é o recurso natural do qual criamos os instrumentos para o desenvolvimento cultural de uma sociedade. Assim, podemos dizer que a natureza é alvo da dependência do ser humano pelas estruturas desenvolvidas ao longo dos séculos, e que caracteriza a cultura do consumo e da acumulação de riquezas. 1.1. Surgimento da idéia de áreas protegidas e das unidades de conservação Atualmente, em pleno século XXI, ainda encontra-se muitos problemas em relação a conservação ambiental devido à cultura de consumo e de acumulação, a qual estamos incorporados desde os séculos XVIII e XIX com a evolução do capitalismo industrial. Contudo, ao longo dos séculos, percebemos que a preocupação com a natureza e com a qualidade de vida da população era destacada, em alguns momentos, durante o desenvolvimento da sociedade, entretanto não era uma preocupação eminente e pouco foi feito para a preservação da natureza antes da Revolução Industrial. Na idade Antiga, por exemplo, alguns planejadores apresentavam certa preocupação com o crescimento das cidades e a perda futura da qualidade de vida da população. Almino (1993) cita o planejador grego, Constantino Doxiadis, o qual deu origem a palavra grega ‗entopia‘ – lugar – sugerindo a construção de assentamentos humanos que aproveitassem as condições locais da área, ou seja, que aproximasse as características da natureza para o planejamento. Vianna (1996, p.25) cita a criação de alguns parques de caça ainda na Antiguidade: (...) um parque para ursos e leões criado pelo Rei da Pérsia em 1800 a.C. E os parques de caça, que aparecem pela primeira vez na Assyria em 700 a.C. Em 400 a.C. tem-se notícia do estabelecimento de parques de caça na Índia e de uma reserva natural criada pelo imperador Açoka neste mesmo país no século III a.C. 19 No entanto, os parques de caças e as reservas criadas na antiguidade eram florestas cercadas para uso exclusivo dos Reis e Imperadores da época. Quem ousasse se aventurar pelos parques seria condenado à morte (RISSO, 2009). Estes parques foram criados por uma preocupação da elite, para garantir recursos necessários para a sobrevivência, além de uma inicial noção de finitude desses recursos, como demonstra Vianna (1996, p.31) a seguir: McCormick (1992) descreve casos de destruição ambiental há 3.700 anos nas cidades sumérias, com a salinização e alagamento de terras irrigadas. Menciona denúncias de Platão contra a destruição das condições naturais entre os gregos. O mesmo para os romanos no século I, na Mesopotâmia no séc. VII, com a civilização Maia, no século X, e com a Inglaterra Medieval, vítima de poluição atmosférica pela queima do carvão. Uma certa concepção de finitude da natureza surge, desse modo, expressa inclusive na decretação dos parques de caça, cuja preocupação era de reservar recursos específicos, finitos, para usufruto de uma elite. Sempre houve divergência de opinião em relação a natureza durante a idade Antiga, e a idéia de dominá-la sempre esteve ao alcance da sociedade. Aristóteles, filósofo que viveu até 322 a.C, argumenta em uma de suas obras que a natureza existe com o propósito de fornecer ao ser humano condições de sobrevivência. Segundo o filósofo ―a natureza não fez nada em vão e tudo tem um propósito. As plantas foram criadas para o bem dos animais e estes para o bem dos homens. Os animais domésticos existiam para labutar e os selvagens para serem caçados‖ (THOMAS, 1989, p.21 apud VIANNA, 1996, p.27) Sendo a dominação humana sobre a natureza a principal causa de degradação da diversidade biológica mundial, Almino (1993) coloca a doutrina Judaico-Cristã como uma das principais causas dessa dominação e degradação da natureza, uma vez que denomina o homem como ser superior a esta, devendo, assim, dominá-la. Keith Thomas (apud VIANNA 1996, p. 27) também partilha dessa opinião O jardim de Éden, afirmavam, era um paraíso preparado para o homem, no qual Deus conferiu a Adão o domínio sobre todas as coisas vivas (Genêsis, III, 18 apud Thomas, op.cit.:22). (...) ‗Tentam e tremam em vossa presença todos os animais da terra, todas as aves do céu, e tudo o que tem vida e movimento na terra. Em vossas mãos pus todos os peixes do mar. Sustentai- vos de tudo o que tem vida e movimento.‘ (Gênesis, IX, 2-3 apud Thomas, op.cit.:22). (...) Nesta lei do Antigo Testamento o domínio do homem sobre a natureza se fundou. Na Idade Média, a relação do homem com a natureza pode ser caracterizada de acordo com a ética cristã argumentada por Almino e Vianna, uma vez que a sociedade era dirigida pela Igreja Católica Romana e esta influenciava nas ações sobre o meio ambiente. Contudo, Risso (1998) apresenta a antítese dessa idéia, a ética ecológica de São Francisco de Assis que 20 coloca o homem e os demais seres vivos em condição de igualdade, onde todos tem importância para a sociedade. São Francisco buscava a união do homem com a natureza e os animais e, assim, influenciou as ações positivas sobre o meio ambiente. Todavia, com o humanismo e, posteriormente, com a revolução industrial, os impactos causados ao meio natural tomaram proporções preocupantes à sociedade. Nota-se neste período que a religião pouco influenciou a degradação ao meio natural, e tão pouco exerceu influência na preservação dos recursos. Torna-se claro que foi a idéia de acumulação, ou seja, o sistema capitalista de produção que levou o homem a exploração intensa dos recursos naturais (VIANNA, 1996), uma vez que tudo o que existia na natureza deveria servir ao homem – idéia antropocêntrica. O homem do século XVIII valorizava o mundo natural domesticado, os campos de cultivo eram os únicos que possuíam algum valor, enquanto as áreas silvestres deveriam ser exploradas e dominadas. Neste período, os animais eram mal tratados no ocidente e quando a sociedade ocidental foi informada que no oriente a natureza era venerada e os animais bem cuidados, a reação foi de desaprovação e descontentamento, uma vez que, para eles o homem ―era considerado o rei da criação e os animais, destituídos de direitos e de sentidos e, portanto, insensíveis a dor‖, além disso, a domesticação dos animais ―era o ponto mais alto da humanização, entregar gado aos indígenas, por exemplo, eram introduzi-los na civilização.‖ (DIEGUES, 1994. p. 19) Com o advento do capitalismo industrial, a utilização dos recursos naturais acelerou demasiadamente a transformação da natureza. Como conseqüência a natureza não teve tempo o suficiente para se reestruturar. Risso (2009, p.05) argumenta que ―o tempo do capitalismo industrial não era o mesmo tempo na natureza‖. O homem ao utilizar das técnicas para a revolução industrial, não pensou nas conseqüências naturais que as futuras gerações iriam sofrer. Acreditando demasiado no progresso histórico, endeusando o novo e o moderno, favorecendo uma razão puramente instrumental e a crença na capacidade transformadora ilimitada da tecnologia, levou à destruição da natureza para atingir objetivos estreitos do presente, prejudiciais ao homem numa perspectiva longa da história. (ALMINO, 1993. P.17) A industrialização prejudicou o meio físico em que vivemos, uma vez que aumentou o consumo de recursos naturais, desmatando grande parte da vegetação natural dos países, o que conseqüentemente, extinguiu parte da fauna e da flora mundial. Foi com a percepção da sociedade sobre os efeitos prejudiciais da industrialização que atitudes foram tomadas para a 21 preservação da natureza. A preocupação com as questões ambientais estão intimamente ligada à perda de qualidade de vida dos seres humanos. Para Almino (1993), a revolução industrial trouxe as manifestações das preocupações ecológicas, no entanto, as atitudes para o cuidado do meio ambiente foram tardias, pois num primeiro momento a sociedade acreditava que a realidade da natureza não precisava ser urgentemente modificada, só na 2ª metade do século XIX que expressões preservacionistas começaram a surgir. Almino (1993, p.21) liga este fato com a percepção tardia da aristocracia e da burguesia sobre os problemas ecológicos causados pela revolução, uma vez que os problemas de poluição atingiam primordialmente ―a classe de pobres e miseráveis dos subúrbios industriais‖. O primeiro movimento ambientalista surgiu na Inglaterra, em 1865 – o British Commons, Open Spaces and Footpaths Preservation Society, e foi com o biólogo alemão Ernst Haeckel que a palavra ecologia foi utilizada pela primeira vez, em 1866, para caracterizar o estudo da relação das espécies com o meio. (ALMINO, 1993, p.19) Neste primeiro momento, segundo Almino (1993), a ecologia encontrou mais espaço na Grã- Bretanha, Alemanha e Estados Unidos, devido ao grau intensificado da urbanização. Diegues (1994) ressalta a importância que os escritores românticos tiveram para o surgimento dos movimentos ambientalistas e, posteriormente das áreas protegidas. ―Estes fizeram da procura do que restava de natureza selvagem na Europa, o lugar da descoberta da alma humana, do imaginário do paraíso perdido, da inocência infantil, do refúgio e da intimidade, da beleza e do sublime‖ (DIEGUES, 1994, p.20) Nesta época, existiam duas correntes de pensamento para a preservação/conservação dos recursos naturais. A corrente ‗preservacionista‘ pretendia proteger a natureza contra o desenvolvimento industrial e moderno, com áreas naturais protegidas, sem nenhuma intervenção humana. E a outra corrente foi a ‗conservacionista‘, na qual o uso racional dos recursos naturais seria permitido sem desperdício, defendendo o uso democrático da natureza pela população. Este último tornar-se-ia uma corrente de pensamento crítico sobre o desenvolvimento a qualquer custo. No entanto, no contexto urbano que a sociedade estava inserida, a população começou a desejar lugares desabitados, com uma incontestável beleza cênica, onde se pudesse contemplar a natureza, e se isolar junto com a família dos centros urbanos desordenados, escuros e poluídos. Para Tuan apud Risso (2009, p.06) ―quando uma sociedade alcança um certo nível de desenvolvimento e complexidade, as pessoas começam a observar e apreciar a 22 relativa simplicidade da Natureza‖. Nesta conjectura, tornou-se imprescindível a criação de uma reserva natural para lazer e meditação da população (DIEGUES, 1996). Segundo Vianna (1996), a idéia de reservas naturais já havia sido salientada por Thoreau, em 1853, ao dizer que a preservação das áreas virgens era importante para a preservação da civilização, Marsh completaria, posteriormente, dizendo que a preservação dessas áreas tinha importância tanto econômica quanto poética para a sociedade. Thoreau e Marsh foram grandes defensores e precursores da preservação das áreas naturais, ambos anteciparam os métodos e as preocupações da ecologia e do ambientalismo. Foi então, com o intuito de prover área de lazer para a população urbana meditar, e se divertir longe dos centros caóticos e poluídos da cidade industrializada, e também a fim de resguardar as paisagens naturais para as futuras gerações que, em 1872, foi criado o primeiro Parque Nacional do Mundo: o Parque Nacional de Yellowstone, localizado a oeste dos Estados Unidos. Sendo a paisagem natural o que foi criada pela ação ―divina‖, ou seja, o que prescinde a ação humana, fica decretado que a área natural protegida nos termos da lei dos Estados Unidos deve ser intocada – selvagem -, fica proibida sua ocupação ou qualquer forma de intervenção humana na área. No Parque Nacional de Yellowstone, o ser humano seria sempre o visitante e nunca o morador. (BENSUSAN, 2006) Esta visão de restrição de população no interior das áreas protegidas desconsiderou completamente o fato da existência de populações sobrevivendo dos costumes culturais primitivos, totalmente diferente dos costumes urbanos da modernidade. Este fato trouxe grandes conseqüências mundiais, uma vez que este modelo de área protegida foi adotado por diversos países ao redor do mundo. Nas regiões tropicais, por exemplo, a existência de famílias tradicionais era comum nas áreas naturais e, com esta noção preservacionista desapropriou muitas comunidades de seus locais de origem, deixando-as destituídas de suas culturas e de seus lares. Muitas comunidades tradicionais1 foram dizimadas como conseqüência dessa percepção de preservação. Segundo Diegues (1994), para a criação do Parque Nacional de Yellowstone muitas famílias indígenas tiveram que ser desapropriadas, o local era território dos índios Crow, Blackfeet e Shoshone-Bannock e pelo que se têm notícias, eles não deixaram a área espontaneamente. Pouco se sabe o que aconteceu com essas famílias, entretanto, sabe-se que 1 Entende-se neste trabalho como comunidades tradicionais, as populações que tradicionalmente utilizam os recursos naturais para sobreviver, com técnicas que causam impactos mínimos aos recursos naturais e que habitam remanescentes florestais detendo o conhecimento ecológico da região (VIANNA, 1996). 23 ocorreram muitos conflitos na área e que muitas pessoas das comunidades tradicionais foram mortas nesses confrontos, o que tornou central o embate sobre a presença humana em unidades de conservação (...) cinco anos depois da criação de Yellowstone, 1877, os shoshone entraram em conflito com as autoridades do parque, resultando em um saldo de 300 mortos. Nove anos depois, a administração do Parque Nacional de Yellowstone passou para as mãos do Exército americano (Colchester, 1997). Desde então, os casos se multiplicaram (...) (BENSUSAN, 2006, P.113) Essa concepção de preservação de área desabitada, sempre foi e será criticada pelos estudiosos ambientalistas. Para Vianna (1996, p.40) O que vingou foi uma concepção antropocêntrica e etnocêntrica, que restringe qualquer tipo de população no interior das áreas protegidas, o que se justifica pela generalização, a qualquer tipo de organização social, daquela sobre a qual se baseia a sociedade industrial, refletindo uma concepção única de homem como depredador da natureza. Na visão de Diegues (1994, p.23), essa idéia de preservação de áreas selvagens sem intervenção humana, surgiu com a concepção cristã de paraíso, existente na idade média, ―uma região natural, de grande beleza e rigorosamente desabitada, de onde o homem tinha sido expulso após o pecado original.‖. Desta forma, Diegues (1994) apresenta esta idéia como o mito moderno da natureza intocada, onde se anula o fato da existência de pessoas que vivem harmoniosamente no ambiente natural, do qual dependem como fonte de matéria-prima para a sobrevivência, e passa a representar um ―refúgio de contemplação, ―ilha‖ onde a mente humana poderia se proteger da devastação da sociedade urbano-industrial.‖ (DIEGUES, 1994, p.52). Os Parques Nacionais nasceram de um susto coletivo devido à intensificação da industrialização e da demanda pela população de áreas com uma beleza cênica natural, onde pudessem respirar ar puro e descansar da rotina dos centros urbanos. Sendo assim, Vianna (1996, p.40), acredita que nas primeiras áreas protegidas, pouco se pensou na conservação da diversidade biológica, uma vez que ―(...) os parques eram concebidos como recursos recreativos para o homem urbano. Este objetivo acabou por privilegiar áreas naturais com apelo estético, discriminando áreas essenciais para o funcionamento dos ecossistemas.‖. Contudo, houve uma evolução na concepção de conservação das áreas de preservação ambiental, considerando todas as formas físicas da natureza como a água, o ar e a biodiversidade. Alguns Parques, por exemplo, começaram a surgir para o desfrute da ciência, uma vez que a sociedade pouco conhecia sobre a biodiversidade mundial. Vianna (1996) descreve o caso do primeiro Parque Nacional da Suíça, em 1914, o qual era um enorme 24 laboratório para estudos da fauna e da flora e não privilegiava a área para lazer da população, e sim a ciência. Nota-se nessa época, também, uma preocupação com a preservação das espécies animais para caça. Na década de 1930, Tansley sugere o conceito de sistema ecológico, ou ecossistema, denominação para a interação de todos os organismos de uma determinada área com o ambiente físico (VIANNA, 1996). Morán (1990) apud Vianna (1996, p.42) descreve o ecossistema como a ―dimensão dinâmica das relações entre organismos e seu ambiente físico (...)‖. Desta maneira, este conceito busca compreender os processos, ou fluxos, entre componentes vivos (bióticos) e não vivos (abióticos)‖. Este conceito ampliou os objetivos de preservação das áreas naturais protegidas para além das espécies ameaçadas de extermínio. Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) sobre as áreas de conservação ambientais criadas no mundo desde 1930 até 1989, totalizam 3.360 unidades de preservação, levando em consideração somente as áreas de proteção ambiental a nível federal (DIEGUES, 1994). Esta estatística representa cerca de 4.237,311 km² de área preservada (GHUIMIRRE, 1993 apud VIANNA 1996). A partir da década de 1970, houve um aumento considerável do número de unidades de conservação no mundo, isso ocorreu devido a intensa degradação ambiental neste período, como acrescenta Feldman (1994)2: No intervalo de apenas 20 anos que separam a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, os problemas ambientais, antes locais e regionais, assumiram proporções globais, como a destruição da camada de ozônio e o aquecimento do planeta. A escala do processo de degradação da natureza que se observa atualmente implica não apenas na redução das possibilidades de desenvolvimento e satisfação das necessidades e aspirações das gerações futuras, mas constitui uma ameaça à própria sobrevivência da humanidade. Assim, em 1989, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) afirma que seria ideal se 10% da superfície da Terra fosse uma unidade de conservação ambiental, pois dessa forma o saldo começaria a ser positivo para a biodiversidade mundial. Mesmo assim, em estatísticas da World Database on Protected Areas3 apud Bensusan (2006) apenas 3,4% da superfície terrestre são legalmente protegidos, espalhados por 130 países e em níveis desiguais. Os Estados Unidos, que apresenta um alto índice de poluição e destruição 2 Parecer Preliminar do projeto de Lei nº 2.892 de 1992 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação do Brasil. 3 World Database on Protected Areas é o Banco de Dados sobre Áreas Protegidas em todo o mundo, mantido e organizado pela UICN. 25 ambiental, possui apenas 2% de suas terras ambientalmente protegidas. Além disso, Bensusan (2006) chama nossa atenção para o fato de que muitas áreas estão legalmente criadas, mas ainda não foram implantadas, nestes casos são denominadas como Parques de Papel, já que existem no papel, mas não existem fisicamente. Conforme a UICN (2010), atualmente cerca de 22% dos mamíferos, 30% dos anfíbios, 12% dos pássaros, 28% dos répteis, 37% dos peixes e 70% das plantas estão sob ameaça de extinção, uma vez que 60% dos ecossistemas mundiais estão degradados. Na Convenção da Diversidade Biológica de 2002 foi feito um trato entre 190 países para a diminuição da perda de biodiversidade a ser alcançado num período de oito anos, mas em 2010, as estatísticas não mostraram uma melhora eficiente em relação ao assunto e, segundo a direção geral da UICN, na convenção biológica deste ano, a qual ocorrerá em Outubro, serão realizados novos acordos entre os países. Percebe-se, em pleno século XXI, uma falta de comprometimento entre os governos para com a conservação da biodiversidade. A sociedade ao revalorizar as paisagens naturais, constrói um novo modelo perceptivo em relação ao meio e lhe impõe novas territorialidades. (LUCHIARI, 2001) Conforme Bensusan (2006), atualmente as áreas de proteção são o principal instrumento – a principal técnica – da sociedade para a conservação da biodiversidade. Contudo, sabemos que essas áreas, mesmo sendo de grande importância para a preservação, estão longe de prevenir o desaparecimento da biodiversidade, uma vez que os recursos biológicos fora dos limites das áreas protegidas são de extrema importância para a manutenção dos ecossistemas. 1.1.1 Categorização mundial das unidades de conservação Com a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, houve uma proliferação de Parques Nacionais nos países urbano-industrializados. No entanto, as unidades continham características e objetivos próprios, ou seja, não existia uma diretriz base para a gestão de um Parque Nacional. Os países tinham a liberdade para criar seus Parques Nacionais e lhes conferir diretrizes pertinentes as condições de seus países. Este fato dificultava a troca de experiências entre as nações para o aprimoramento das técnicas de conservação ambiental. Segundo a UICN (1993), dos Parques criados após o Yellowstone poucos receberam condições suficientes para atingirem um grau satisfatório de conservação ambiental. Os orçamentos eram insuficientes, a infra-estrutura inadequada e, na maioria dos casos, não havia uma boa relação com as comunidades ao redor. Para a UICN (1993), parte destes problemas ocorria devido à falta de um conhecimento objetivo sobre as funções das áreas protegidas, e 26 sobre os benefícios que estas poderiam trazer para a sociedade. Para inverter este quadro, as convenções, os congressos e as conferências realizadas, ao longo dos anos para aprimoramento das técnicas de conservação – além das trocas de experiências entre os países – foram de grande importância para o desenvolvimento da preservação ambiental mundial. Em 1933, foi realizada em Londres a primeira Convenção para a Preservação da Flora e Fauna, com o intuito de tentar alcançar uma conceituação mundial para o manejo dos Parques. Três características dos Parques Nacionais foram definidas neste encontro: ―áreas controladas pelo poder público; áreas para preservação da fauna e da flora, objetivos de interesse estético, geológico e arqueológico, onde a caça é proibida; e áreas de visitação pública.‖ (BENSUSAN, 2006, p.15). Uma nova Convenção é realizada em 1940, em Washington nos Estados Unidos, Convenção de Proteção à Natureza e Preservação da Vida Selvagem no Hemisfério Ocidental, segundo Risso (2009), os países que fossem signatários deveriam empreender esforços para criar novas áreas de proteção ambiental em seu território. Em 1948, a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) convocou um Congresso Internacional para desenvolver um trabalho de colaboração internacional entre as organizações conservacionistas. Assim, criaram a União Internacional para Proteção da Natureza (IUPN), a qual passa a se chamar em 1965 de União Internacional para Conservação da Natureza (UICN). (VIANNA, 1996) Segundo o Estatuto e o Regulamento da UICN, esta União foi formada com o intuito de “(...) implement laws, policy and Best-practice by mobilizing organizations, providing resources and training, and monitoring results”. Em 1959, a UICN produziu, com o auxílio das Nações Unidas, a primeira lista de Parques e reservas ambientais que se tinha conhecimento (RISSO, 1998). E em 1960, a UICN estabeleceu a Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas para assessorar no monitoramento e manejo das unidades de conservação, de acordo com as condições nacionais e locais de cada governo. Além disso, a Comissão tinha como objetivo fazer com que os governos se conscientizassem sobre a importância das áreas protegidas; diminuir os problemas causados pela utilização de muitos términos diferentes para descrever as áreas protegidas; e melhorar a comunicação entre os participantes em atividades de conservação (UICN, 1994) Em 1962, houve a primeira conferência mundial sobre Parques Nacionais, realizada em Seattle (EUA). Ficou determinado na conferência o princípio geral dos Parques Nacionais e, pela primeira vez se utiliza a idéia de zoneamento, onde criaria condições da categoria de 27 Parque Nacional haver grandes extensões de áreas para proteção do ecossistema, e também de áreas habitadas ou utilizadas pelo homem. ―Neste sentido, esta primeira referência à zoneamento refletiu a preocupação e, de certo modo, aceitou a existência de assentamentos humanos dentro das áreas naturais protegidas, pelo menos temporariamente.‖ (VIANNA, 1996, P. 46). Segundo Vianna (1996), a conferência da Biosfera, que ocorreu em 1968, em Paris, ampliou a conceituação do termo conservação, discutindo pela primeira vez a dimensão política, social e econômica da conservação da biodiversidade. Na 10ª Assembléia geral da UICN, em Nova Delhi (Índia), defini-se, finalmente, a caracterização dos Parques Nacionais e recomenda-se a criação destes em áreas onde pelo menos um ecossistema não esteja antropizado; e onde o Estado deveria tomar todas as providências para a conservação da área. Fica definido, também, no Congresso que as áreas que não se enquadrassem nas definições de parque nacional deveriam ser reclassificadas. Foram propostas, então, outras terminologias de unidades de conservação, baseadas na forma de uso e no tipo de manejo realizado nas áreas. Segundo Vianna (1996), é neste momento que surge a reserva científica, natural ou especial. Em 1972, a ONU realiza a conferência de Estocolmo, onde se produziu a Declaração sobre o ambiente humano e o Plano de Ação Mundial, além da criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Em 1978, a UICN publica um informe da Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, onde definem 10 categorias de unidades de conservação, suas definições e objetivos. As categorias são estas (UICN 1994): I. Reserva Científica ou Reserva Natural Estrita II. Parque Nacional III. Monumento Natural ou Elemento Natural Destacado IV. Reserva de Conservação da Natureza; Reserva Natural Manejada ou Santuário de Vida Silvestre V. Paisagem Protegida VI. Reserva de Recursos Naturais VII. Área Biótica Natural ou Reserva Antropológica VIII Área Natural Manejada para Múltiplos Fins ou Área de Manejo dos Recursos Naturais IX. Reserva da Biosfera X. Área Natural de Patrimônio Mundial 28 Segundo a UICN (1994, p.183), estas categorias foram incorporadas nas legislações nacionais, ―utilizado para entablar diálogos entre los administradores de las áreas protegidas del mundo, y ha sentado las bases de la estructura orgânica de la Lista de las Naciones Unidas de Parques Nacionales y Areas Protegidas. Mas foi em 1982 com o 3º Congresso Mundial de Bali, na Indonésia, que houve uma evolução na conceituação de Parques Nacionais, no que concerne sua relação com as comunidades tradicionais. Perde-se a idéia de área Natural desabitada – selvagem. O congresso de Bali reafirmou os direitos das sociedades tradicionais à determinação social, econômica, cultural e espiritual; recomendou que os responsáveis pelo planejamento e manejo das áreas protegidas investigassem e utilizassem as habilidades tradicionais das comunidades afetadas pelas medidas conservacionistas e que fossem tomadas decisões de manejo conjuntas entre as sociedades que tradicionalmente manejavam os recursos naturais e as autoridades das áreas protegidas, considerando a variedade de circunstâncias locais (DIEGUES, 1994 P.90) Como a realização dessa reunião era feita a cada 10 anos, ficou determinado a realização de um plano de ação para a conservação da biodiversidade, onde o governo teria o prazo de dez anos para efetuar os planos e as metas traçados. Segundo a UICN (1993), o maior objetivo do Plano de Ação de Bali era expandir as áreas protegidas para 10% de toda a superfície terrestre. Essa meta não foi realizada, contudo, notou-se um grande desempenho nacional para a preservação da biodiversidade. Além disso, ficou estabelecido que a criação das unidades de conservação só faria sentido se houvesse ajuda externa da população, com a redução do consumismo nos países industrializados e com a melhoria da qualidade de vida dos países em desenvolvimento, para que estes não explorassem os recursos naturais (DIEGUES, 1994. p.90) A década de 1980 foi de extrema importância para a desmistificação da natureza intocada. Ganha força a idéia de comunidades tradicionais auxiliando, com o seu vasto conhecimento, o manejo das áreas protegidas (RISSO, 1998). Algumas áreas protegidas poderiam garantir a sobrevivência dos recursos naturais e das populações tradicionais, uma vez que a diversidade cultural também deveria ser preservada, pois é o acumulo de conhecimento ao longo dos tempos. Com o passar do tempo, logo se pode perceber que havia uma necessidade de revisar e atualizar as categorias de áreas protegidas de 1978, uma vez que as diferenças entre as categorias nem sempre estavam claras e faltava referências para conservação das áreas marinhas. Além disso, ficou claro que as categorias IX e X tinham características mais 29 amplas, as quais se superpõem a outras categorias, logo, não poderiam ser conceituadas como categorias de unidades de conservação. Segundo a IUCN (1994), em 1984 a Comissão de Parques Nacionais e Áreas Protegidas criou um Grupo de Tarefas Especiais para analisar a efetivação do sistema de categorias, e proceder com as modificações necessárias. Desta forma em 1992 as categorias de Unidades de Conservação foram revisadas e atualizadas sendo adotada, em 1994, pela Assembléia Geral da UICN e validadas até os dias atuais (RISSO 2009). As categorias4 de áreas protegidas reconhecidas pela UICN são: Categoria Ia: Reserva Natural Estrita – Área destinada a fins científicos. Categoria Ib: Área de Vida Selvagem – Área destinada unicamente à proteção ambiental Categoria II: Parque Nacional – Área para a conservação dos ecossistemas e para fins recreacionais, educacionais e científicos aos visitantes. Categoria III: Monumento Natural – Áreas contendo elementos naturais de valor excepcional, seja por valores culturais, por qualidade estética ou por representatividade. Categoria IV: Área de Manejo de Hábitat e Espécies: Área protegida com possibilidades de intervenção humana para manutenção de habitats de algumas espécies. Categoria V: Paisagens protegidas silvestres ou marinhas – Paisagem com valor estético, cultural e biológico. Categoria VI: Área Protegida para Manejo de Recursos Naturais: Área manejada para uso sustentável fornecendo produtos naturais para a comunidade. Para a definição das categorias das unidades de conservação, a UICN levantou alguns critérios, o principal seria o manejo da biodiversidade aplicado em cada área protegida. Pois, desta forma o sistema de conservação teria uma base sólida com praticidade em seu manejo (UICN 1994). Estas categorias definidas pela UICN possuem um caráter geral e foram criadas como uma base para comparação internacional e para efetivação da conservação mundial. Desta forma, cada nação ao aplicá-las em seu território deve interpretá-las com flexibilidade e ajustá-las de acordo com a realidade cultural nacional. 1.2. Unidades de conservação no Brasil O Brasil foi um dos países que mais demorou em criar um Parque Nacional. No entanto, apesar desta demora legal, algumas iniciativas de conservação da biodiversidade foram 4 A relação das categorias reconhecidas pela UICN foi tirada do livro Directrices para las Categorias de Manejo de Áreas Protegidas, em 1994. 30 traçadas durante o reinado português no país (MEDEIROS, 2006). Segundo Bensusan (2006) e Diegues (1994), as iniciativas de conservação ambiental durante o período colonial são caracterizadas por documentos legais pouco aplicados no Brasil, sendo assim, não devem ser consideradas adequadas para a conservação do patrimônio natural do país. Desde a descoberta do Brasil, o país chamou atenção por sua exuberância natural. Segundo Diegues (1994), os europeus o descreviam como se tivessem reencontrado o paraíso perdido. Desde então, o país sofre continuamente com a exploração de seus recursos naturais, primeiramente por seus colonizadores e posteriormente por sua urbanização. Os portugueses não tinham a intenção de se estabelecerem no Brasil, mas nunca abriram mão dos recursos encontrados por eles na colônia e levavam o que podiam para Portugal. Nesta época, a Europa não demonstrava uma preocupação com a conservação dos recursos naturais, principalmente com o Brasil que era uma terra onde não pretendiam habitar, apenas usufruir dos bens que possuíam. A destruição da natureza no Brasil, desde o início parece estar ligada ao interesse do colonizador de não se fixar aqui, mas levar tudo para o Reino, como afirmava Frei Vicente: ―Por mais arraigados (os colonizadores) que na terra estejam, e por mais ricos que sejam, tudo pretendem levar para Portugal e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que de cá nasceram, que uns e outros usam a terra não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruídas‖ (FREI VICENTE SALVADOR. In: PÁDUA, 1987: 47 apud DIEGUES, 1994, p.101). Além disso, a sociedade européia do séc. XVII já sentia necessidade de áreas para lazer5, o que nos leva a crer numa sociedade de dominação dos recursos naturais, utilizando- os indiscriminadamente. Sendo assim, o europeu utiliza de suas experiências européias ao chegar na América, dominando a natureza da forma que dominou na Europa. Observa Janice T. da Silva que ―o olhar do europeu sobre a natureza, apesar de procurar o novo — plantas ou animais desconhecidos —, realiza-se enquanto unidade discursiva, estruturando velhas significações. As referências européias constituem-se no centro organizador da descrição que ordena as espécies. Assim, o imaginário europeu permite à natureza americana ser reconhecida e hierarquizada segundo padrões estabelecidos na metrópole. [...]. A flora e a fauna descritas por este ângulo indicam que podem ser utilizadas indiscriminadamente pelos humanos, sugerindo, portanto, a destruição e não a preservação como elemento constitutivo da ordem colonial.‖ Assim, ainda segundo a historiadora, ―o paraíso não pode ser encontrado porque a natureza americana, a selva e o selvagem passam a responder por tudo que foi desejado, reprimido e dominado. Incapaz de se identificar com a natureza, o descobridor inicia sua obra colonial, 5 Foi neste período que a urbanização, na Europa, começou a adotar espaços públicos, como parques ajardinados em seus planejamentos. Estas áreas de lazer não eram áreas com natureza protegida, mas apresentavam uma arborização agradável para os moradores de uma determinada região. (SEGAWA, 1996) 31 sacrificando a própria fertilidade da terra descoberta.‖ (SILVA, 1991-92, p. 22-3 apud SEGAWA, 1996, p.52) Como acontece em todas as nações do mundo, a preocupação com a degradação ambiental surge quando atinge o bem estar da elite nacional. Segundo Medeiros (2006), a água e a madeira foram os dois principais recursos que trouxeram preocupações para os colonizadores, onde o primeiro era importante para o abastecimento das cidades e o segundo para as construções de embarcações e residências, além de servir de combustível para aquecer os palácios da nobreza. Em 1605, segundo Medeiros (2006), é lançado o ―Regimento do Pau-Brasil‖, o qual o autor considera como uma das primeiras leis de proteção florestal brasileira, por estabelecer limites à exploração do Pau-Brasil na colônia. Deixa expresso que para cortar uma árvore de Pau-Brasil seria necessário uma licença de Portugal, e a penalidade para quem não utilizasse desse meio seria a pena de morte, ou a fazenda do responsável pelo corte seria confiscada pelo Império. O Conde Maurício de Nassau chegou ao Brasil em 1637, para tomar posse dos bens holandeses, e durante o período que se estabeleceu no país trouxe a apreciação da natureza e em certos momentos, auxiliou na conservação da mesma. Segundo Segawa (1996), foi Nassau que criou o primeiro jardim do Brasil. Admirado com a beleza natural brasileira, resolveu migrar diversos tipos de árvores de todo o país para sua casa de lazer, em Recife6, deixando a vegetação se regenerar. Dedicava-se a jardinagem e a arboricultura. Segundo Vianna (1996), foi Maurício de Nassau quem tomou medidas para evitar o fim das florestas do nordeste, além de evitar a poluição dos rios com os bagaços da cana-de-açúcar. Nassau imigrou diversos tipos de vegetação para o Brasil, além de animais, constituindo o primeiro zoológico brasileiro. Com toda esta estrutura em sua casa, Nassau auxiliou nos estudos científicos biológicos, meteorológicos, da história da natural, além da Astronomia (SEGAWA, 1996). O século XVIII foi marcado por decretos e resoluções de Portugal para com a natureza brasileira: a Carta Régia de 7 de novembro de 1796, e o Aviso Régio de 19 de novembro de 1798. Ambos determinavam a criação de estabelecimentos botânicos para organização de espécies naturais para intercâmbio com a economia portuguesa (BARRETO FILHO, 2004). Houve também, a Carta Régia de 13 de março de 1797, na qual se afirmava necessidade para a conservação da natureza do Brasil para que elas não fossem arruinadas e destruídas. Para Medeiros (2006, p.43), ―Este decreto real, entre outras providências, visava coibir o corte não 6 Conhecida, no século XVII, como cidade Maurícia (SEGAWA 1996). 32 autorizado pela coroa de determinadas espécies de árvores cuja madeira, considerada nobre (...), representava importante recurso para a metrópole.‖. Com a chegada da família real no Brasil, em 1808, houve um crescimento populacional instantâneo, e a degradação ambiental se manifestou rapidamente pela condição sanitária da corte e pela falta de abastecimento de água potável (BARRETO FILHO, 2004). As primeiras medidas de D. Pedro II para com a Conservação Ambiental foram os decretos reais de 1817 e 1818, para a proteção dos mananciais do Estado do Rio de Janeiro. No primeiro, fica proibido o corte de vegetação próximo aos mananciais, e o segundo demonstra o intuito de apropriação de fazendas para a preservação de rios ameaçados. Este último é reforçado em 1844, pelo ministro do Império, onde algumas áreas acabam sendo desapropriadas para o reflorestamento da vegetação local (BARRETO FILHO, 2004 E MEDEIROS, 2006). Segundo Vianna (1994) e Barreto Filho (2004), em 1833, ocorreu uma Decisão Imperial de nº 429 criando uma Reserva de Florestas na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, em algumas áreas onde o reflorestamento estava em processo, foi instituída, pelo Ministro do Império, em 1861, a Floresta da Tijuca e a Floresta das Paineiras, no Rio de Janeiro. Para Medeiros (2006), estas podem ser consideradas como as primeiras áreas protegidas no Brasil. E foi o entorno dessas áreas, segundo Barreto Filho (2004, p.55), que surgiu o ―refúgio permanente de ricos e poderosos contra o calor e a insalubridade do Rio de Janeiro‖. Durante este mesmo período, o Império criou o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras-públicas do Brasil, o qual ficou responsável pela administração das duas florestas criadas e que mais tarde seria responsável pelas Unidades de Conservação que surgiriam. Um grande nome para a conservação ambiental no século XIX foi José Bonifácio. No início do século, em 1821, Bonifácio já sugeria a criação de um setor administrativo responsável pela administração das florestas brasileiras, uma vez que boa parte da Mata Atlântica, principalmente no Nordeste, tinha sido desmatada para a utilização de madeiras (DIEGUES, 1994 e MEDEIROS 2006). Mas foram cem anos depois, em 1921, que foi criado o Serviço Florestal7 do Brasil, pelo decreto federal de nº 4.421, subordinado ao Ministério da Agricultura. Após a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, muitos foram as personalidades que se engajaram na criação de áreas protegidas no Brasil. Todavia, essas idéias demoraram a se consolidar, André Rebouças, por exemplo, lançou em 1876 um artigo 7 O Estado de São Paulo cria o seu Serviço Florestal no início do século XX, em 1911, por meio do decreto estadual nº 2.034, contudo foi estruturado somente em 1945 (VIANNA, 1996). 33 intitulado ―Parques Nacionais‖, onde sugere a criação de dois parques nacionais no país, um em Sete Quedas e o outro na Ilha do Bananal. Para Rebouças, estas eram duas áreas de belezas incontestáveis e deveriam ser preservadas para as futuras gerações (BENSUSAN, 2006. VIANNA, 1996. MEDEIROS, 2006). O próprio Rebouças, em 1911, criou o decreto que firmava uma Reserva Florestal de 2,8 milhões de hectares, no Estado do Acre (VIANNA 1996). O botânico Albert Loefgren, em 1913, solicita ao ministério da Agricultura a criação de um parque nacional na região de Itatiaia, para pesquisas científicas e, principalmente, para o lazer dos moradores de centros urbanos (DIEGUES, 1994). No entanto, só em 1937 que surge o primeiro parque nacional do Brasil, O Parque Nacional do Itatiaia8, na divisa dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, abrangendo uma área de 30.000ha. O primeiro Parque brasileiro surge como monumento natural para fins científicos e estéticos, ou seja, surgem com os mesmos valores dos parques nacionais dos Estados Unidos, onde o homem seria apenas o telespectador. Acrescenta Diegues (1994, p.104): (...) os parques nacionais e categorias similares são áreas geográficas extensas e delimitadas, dotadas de atributos naturais excepcionais, devendo possuir atração significativa para o público, oferecendo oportunidade de recreação e educação ambiental. A atração e uso são sempre para as populações externas à área e não se pensava nas populações indígenas, de pescadores, ribeirinhas e de coletores que nela moravam. (...) o objetivo é conservar uma área ―natural‖ contra os avanços da sociedade urbano- industrial, sem se atentar para o fato de grande parte dessas ―áreas naturais‖ estarem sendo habitadas por populações que nada têm de ―modernas‖ e ―tecnológicas‖. Ao contrário, em sua maioria são populações que vivem de atividades de subsistência, com fracas vinculações com o mercado e com pequena capacidade de alteração significativa dos ecossistemas. Vianna (1996, p.56) acredita que a demora para o surgimento de áreas protegidas no Brasil, aconteceu porque foi só na década de 1930/1940 que houve uma aceleração na industrialização e urbanização brasileira. Para ela, a ―relação entre os dois eventos históricos existe na medida em que a industrialização mais intensa impôs um novo padrão de exploração e apropriação de recursos naturais, com um rápido avanço sobre novas áreas.‖. Sendo assim, torna-se necessário, no mínimo no nível da legislação, atitudes protecionistas. Percebe-se que a criação de unidades de conservação, principalmente os parques nacionais, ocorre de acordo com o processo de urbanização. Até a década de 1960, os parques estavam localizados na região sudeste-sul do Brasil, na proximidade das grandes capitais, em áreas mais populosas e urbanizadas no país. 8 Criado pelo decreto 1.713 de 14 de junho de 1937, durante o governo Getúlio Vargas. 34 O primeiro parque nacional criado no centro-oeste, o Parque Nacional do Araguaia foi criado em 1959, apenas um ano antes de ser inaugurada a nova capital da República. Além disso, as unidades de conservação, num geral, durante a década de 1950 e 1960 se concentravam na região centro-oeste, e isso se explica pela migração da população devido ao movimento geopolítico do país. De 1959 à 1961, foram criados 12 parques nacionais, todos na região centro-oeste (DIEGUES, 1994; BARRETO FILHO, 2004). Segundo Diegues (1994), a expansão da fronteira agrícola para a Amazônia carregou consigo a criação de importantes unidades de conservação na região. Somente relacionado a parques em nível federal, em 1974, foi criado o Parque Nacional da Amazônia, em Itaituba, com 1.000.000 hectares, e em 1979, mais três parques nacionais. Além disso, o II Plano Nacional de Desenvolvimento previa a criação de novas unidades de conservação na região Entre 1979 a 1985, foram criados dez Parques Nacionais e treze Reservas Biológicas. Entre 1981 a 1985, totaliza vinte unidades de conservação ambiental. Segundo o IBAMA (apud DIEGUES 1994), foi na década de 1980, que o Brasil saltou com o número de unidades de conservação em todo o país. E em 1990, o Brasil possuía cerca de 430 unidades a nível federal, estadual e municipal, ocupando, aproximadamente 48.720,109 ha do território nacional, onde 40.000,000ha localizam-se na região Amazônica. A região sul-sudeste apresentava, até então, cerca de 4.043,390 ha e as demais estavam espalhadas pelo Brasil (DIEGUES, 1994). Na atual Constituição Brasileira proclamada em 1988, encontra-se um capítulo referente ao meio ambiente, que traz no artigo 225 um princípio enunciativo do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para a efetividade desse direito, a Constituição, impôs alguns deveres, tanto da coletividade, quanto do Poder Público de preservar o meio ambiente. Dentre eles, está o dever de definir espaços territoriais a serem protegidos: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (...) 35 Atualmente, o Brasil possui, teoricamente, 10,52% da superfície do país coberto por unidades de conservação, o que representa 101.474,971 hectares (BENSUSAN, 2006). No entanto, assim como as áreas protegidas de diversos países, muitas áreas existem só no papel. Além disso, muitas áreas protegidas não possuem sua demarcação ou fiscalização correta destas, e acabam perdendo parte de suas áreas pela pressão da urbanização. As áreas de preservação brasileiras são representadas por um número considerável, contudo, sabemos da necessidade de formas de conservação mais eficazes para garantir a integridade da biodiversidade. As áreas protegidas isoladas demonstram eficiência na diminuição da taxa de desmatamento, no entanto, não são eficientes para a perpetuação das espécies. Hoje restam apenas 7% da Mata Atlântica, um dos principais biomas da Floresta Tropical e segundo Bensusan (2006), estima-se que 1/3 das árvores remanescentes da Mata Atlântica do Nordeste se extinguirão regionalmente por estarem em unidades isoladas, não facilitando a dispersão necessária para a perpetuação da espécie. Vale ressaltar que muitas áreas utilizadas por populações durante milhares de anos permaneceram preservadas, a ponto de se caracterizarem como áreas em prioridades para a conservação. Assim, ambientalistas defendem que deve haver uma modificação na cultura da sociedade para que esta consiga se estabelecer harmoniosamente com a natureza um modelo de desenvolvimento sustentável. As unidades de conservação isoladas privam as áreas do tradicional uso humano, o que acarreta conseqüências como a falta de conhecimento da população sobre a utilização das espécies e as experiências de uso da terra (BENSUSAN, 2006). 1.2.1. Categorização das unidades de conservação no Brasil Apesar da categorização da UICN valer como uma base internacional sobre as áreas protegidas do mundo, cada país possui sua própria categorização, pois as unidades devem ser implantadas e estruturadas de acordo com a paisagem nacional, levando em consideração as diferenças culturais, econômicas e naturais das nações. El sistema de categorias se há establecido, entre otras cosas, com el fin de proporcionar uma base para la comparación internacional. Además, está concebido de forma que se pueda utilizar em todos los países. Por lo tanto, las directrices son, forzosamente, de carácter bastante general y se tendrán que interpretar com flexibilidad a nível nacional y regional. (UICN, 1994. P.187) A conscientização ambiental no Brasil ganhou uma maior importância na década de 1930, quando com a Revolução Industrial as paisagens brasileiras modificaram-se 36 inteiramente. O que antes era dominado pelas elites rurais passa a encarar a industrialização e a urbanização das principais capitais do país. As áreas protegidas caracterizadas como unidades de conservação, de acordo com os critérios norte-americanos, começam a surgir nesta década, e é num curto espaço de tempo (1934-1937) que se estabelecem instrumentos legais para a criação dessas unidades, contrapondo com o imobilismo que o governo vinha tratando o assunto desde a proclamação da República (MEDEIROS, 2006). A proteção da natureza torna-se um objetivo da política nacional desenvolvimentista do Brasil, e é neste cenário que os dispositivos legais foram criados. Durante o ano de 1934. foi realizada em pró da conservação ambiental a 1ª Conferência para a Proteção da Natureza, o primeiro Código de Caça e Pesca (23.793/1934), o Código de Minas, o Código das Águas (24.643/1934), o Código Florestal (23.672/1934) (DIEGUES, 1994 e MEDEIROS 2006). Na Constituição Brasileira de 1934, a proteção da natureza aparecia pela primeira vez como um princípio fundamental para o qual deveriam concorrer a União e os Estados. A União fica responsável em proteger suas belezas naturais e monumentos de valor histórico (DIEGUES,1994; VIANNA, 1996; MEDEIROS, 2006). Essa concepção, para Vianna (1996), é uma expressão da concepção de unidade de conservação, ao modelo de Yellowstone, preservar locais com belezas cênicas naturais. Segundo Medeiros (2006, p.50), de todos os códigos criados no ano 1934, o mais importante para a implementação das unidades de conservação foi o Código Florestal, ―pois definiu objetivamente as bases para a proteção territorial dos principais ecossistemas florestais e demais formas de vegetação naturais do país‖. Além disso, foi o primeiro código florestal nacional9 que inseriu a idéia de unidade de conservação na legislação. E apresenta os Parques Nacionais Brasileiros com a idéia de Monumentos Públicos Naturais para perpetuar áreas que tivessem valor científico e estético (WWF, 1994) O Código Florestal de 1934 já classificava a conservação da natureza em três categorias (BENSUSAN, 2006): Floresta Protetora; Floresta Remanescente e Floresta de Rendimento. A Floresta Protetora abrangia as áreas de conservação do regimento das águas, de fixação de dunas, áreas que assegurem as condições de salubridade pública, e que sirvam como proteção, do ponto de vista militar, das fronteiras do país. 9 Decreto nº 23.793 de 23 de janeiro de 1934, reproduzido no Diário Oficial no dia 21 de março de 1935. 37 A Floresta Remanescente abrangia as áreas apontadas para criação dos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, onde a conservação se faria necessária devido a valores biológicos e estéticos para garantir bem estar à população. A Floresta de Rendimento por sua vez, seriam as áreas com susceptibilidade para exploração econômica, nelas figuravam-se as Florestas Nacionais. Fica responsável pela classificação das florestas protetoras e remanescentes do Brasil o Serviço Florestal (1921) do Ministério da Agricultura, o órgão deveria ―localizar os parques nacionais, e organizar florestas modelo, procedendo para tais fins, ao reconhecimento de toda a área florestal do país‖ (Art. 10º do Código Florestal de 1934). Em 1944, pelo decreto nº 16.677, atribui-se os encargos de orientar, fiscalizar e coordenar os Parques Nacionais para a Seção de Parques Nacionais do Serviço Florestal. Segundo Diegues (1994, p.104) o decreto estabeleceu os objetivos dos Parques Nacionais: ―conservar para fins científicos, educativos, estéticos ou recreativos as áreas sob sua jurisdição, promover estudos da flora, fauna e geologia das respectivas regiões; organizar museus e herbários regionais.‖. O Código de caça e Pesca de 1934 também estabeleceu medidas para a criação de áreas protegidas, onde indicava a destinação de terras públicas, em domínio da União, dos Estados ou dos Municípios para a implantação de parques de criação e de refúgios (MEDEIROS, 2006). Com o Código Florestal e a reafirmação da Constituição em 1937, foram criadas as condições necessárias para a oficialização do Parque Nacional de Itatiaia10, após 61 anos da proposição de André Rebouças. O Parque, como já foi dito anteriormente, foi criado com o objetivo de perpetuar o aspecto primitivo da natureza e, também, a fim de atender o conhecimento científico e o turismo. Mesmo depois de diversos massacres e discussões nos Estados Unidos, sobre a criação de áreas protegidas em locais onde habitavam comunidades tradicionais dependentes dos recursos naturais ali presentes, o governo brasileiro adotou a concepção norte-americana. O Brasil é um país Tropical, onde a existência de comunidades tradicionais vivendo em harmonia com a natureza é muito mais comum, devido toda a historicidade da nação. Desta forma, as comunidades indígenas, de pescadores, ribeirinhas teriam que ser meros telespectadores daquela paisagem que o homem urbanizado acreditava ser intocada. Segundo a WWF (1994), desde a aprovação do Código Florestal de 1934 até o novo código Florestal de 1965 existiam, ao todo, cinco categorias de áreas reservadas existentes no 10 Decreto de criação nº 1713, datado de 17 de junho de 1937. 38 Brasil: Os Parques Nacionais, as Florestas Nacionais, as Florestas Protetoras, as Florestas Remanescentes e as Reservas Florestais. Nenhuma categoria permitia a interação do homem com a natureza, o homem seria apenas o visitante. O Código Florestal de 196511, que se mantém até hoje, define Floresta Nacional, Estadual e Municipal; Parque Nacional, Estadual e Municipal e Reservas Biológicas12, além de criar a Reserva Legal e a Área de Preservação Permanente. Estas duas últimas não se caracterizam como unidade de conservação13 e ampliam a concepção de conservação para além de áreas protegidas. A mudança mais consistente do Código foi a divisão de categorias das unidades de conservação (VIANNA, 1996). Os Parques e as Reservas Biológicas formam áreas proibidas para a exploração dos recursos naturais, com finalidade de resguardar atributos naturais para as presentes e futuras gerações. Em contrapartida as Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais são áreas que possibilitam a utilização dos recursos naturais para fins econômicos, dentro de medidas sustentáveis. A década de 1960, assim como a década de 1930, foi muito expressiva a títulos legais sobre a conservação da natureza. Durante esta década, foram criados, além do Código Florestal, a Lei de Proteção à Fauna, o Decreto de Proteção e Estímulos à Pesca e a Legislação para a Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, além do Código de Mineração e o Estatuto da Terra (VIANNA, 1996). Segundo Monosowski (1989) apud Vianna (1996), o objetivo principal do governo, nesta época, era regulamentar a apropriação de cada recurso natural, tendo em vista as necessidades futuras das indústrias nascentes. Com as transformações sócio-econômicas do país, o desenvolvimento urbano acelerado e a exigência das novas leis ambientais, o poder público teve que se reestruturar para atender a demanda ambiental. Nesta época, são criados diversos órgãos ambientais como o Ministério de Minas e Energia, Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica, IBDF, Departamento Nacional de Prospecção Mineral, Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (VIANNA, 1996). 11 Lei federal nº 4771, promulgada em 15 de setembro de 1965 12 Segundo Vianna (1996), por se assemelhar muito com a categoria de Parque Nacional, a categoria de Reserva Biológica é redefinida pelo Código de Fauna de 1967, lei nº 51.179. 13 Em 2006, foi instituído no Brasil o Plano Nacional de Áreas Protegidas pelo Ministério do Meio Ambiente. Este plano foi uma repercussão da Convenção da Diversidade Biológica ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, e tem como compromisso uma integração das unidades de conservação até 2015, para isso, serão incluídas as terras indígenas, os territórios Quilombolas, as áreas de preservação permanente e as reservas legais (IBASE, 2006). 39 O IBDF14 foi criado, em 1967, interligado ao Ministério da Agricultura, para implementar, gerir e fiscalizar as áreas protegidas em todo o território nacional, além de fiscalizar o cumprimento da legislação referente aos recursos naturais. Para Diegues (1994), a concepção de áreas protegidas pelo Instituto não evoluiu até o fim de suas atribuições. As comunidades tradicionais sempre foram tratadas como um problema para o desenvolvimento turístico das unidades. Além disso, para se implantar uma unidade de conservação, nunca se consultou as comunidades que seriam envolvidas, o que afastou ainda mais a interação social da conservação – as unidades muitas vezes não eram bem quistas por onde eram criadas. Nesta configuração, Vianna (1996, p.60) coloca que ―em meados da década 1970, o Brasil ainda não possuía uma estratégia nacional articulada para estabelecer áreas protegidas. A criação ainda se justificava face as suas belezas cênicas.‖. Em 1973, cria-se a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA)15 , a qual passa a dividir com o IBDF a responsabilidade pela gestão e fiscalização da política brasileira para áreas protegidas. Todos os conjuntos de áreas criadas até então ficaram submetidos ao IBDF, enquanto a SEMA fica responsável pelas novas categorias criadas por ela, como as Estações Ecológicas e as Áreas de Proteção Ambientais (APA)16, criadas em 1981; as Reservas Ecológicas e as Áreas de Relevante Interesse Ecológica, criadas em 1984; e mais tarde as Reservas Particulares de Patrimônio Natural, em 1996. (MEDEIROS, 2006). A criação dessas novas unidades de conservação traz uma reconfiguração da conservação ambiental. A natureza deixa de ser somente ―fonte de recursos‖ e passa a ser vista como ―suporte de vida‖ (VIANNA, 1996). A APA, por exemplo, é a primeira unidade de conservação que estabelece um modelo de proteção com certo número de ocupação, sem pertencer a União (VIANNA, 1996; MEDEIROS, 2006). Com o intuito de se estabelecer um sistema brasileiro de unidades de conservação, em 1979 é criado o I Plano de Sistemas de Unidades de Conservação do Brasil e em 1982 é lançado a II etapa do Plano. Segundo Risso (2009), as categorias dos Planos de Sistemas de Unidades de Conservação eram diferenciadas por seus objetivos. Os recursos e a infra-estrutura para as unidades de conservação no país sempre foram escassos e, assim, muitas categorias nunca saíram do papel, como os parques de caça, rio cênico e estradas-parques. 14 Decreto-Lei Federal nº 289 de 28 de fevereiro de 1967. 15 Decreto Federal nº 73.030 em 30 de outubro de 1973. 16 Define as Estações Ecológicas e as Áreas de Proteção Ambiental a Lei Federal de nº 6.902 de 1981. 40 Em 1989, foi criado o IBAMA pelo governo federal, o qual ficou responsável pelo estabelecimento e administração das unidades de conservação, antes destinadas ao IBDF. Neste mesmo período, o Plano de Sistemas de Unidades de Conservação é reavaliado pela organização não governamental FUNATURA. Diegues (1994) argumenta que as categorias revisadas foram norteadas pela criação de áreas protegidas em países industrializados, não levando em consideração as condições de um país de terceiro mundo como o Brasil. Nessa proposta nada se diz a respeito do uso sustentado dos recursos naturais nas áreas fora das unidades de conservação, nem se valoriza o comportamento das comunidades chamadas tradicionais que, por seu modo de produção e tecnologia patrimonial, contribuíram para a manutenção da diversidade biológica e dos ecossistemas. Perde-se, portanto, uma ocasião histórica de se rever as várias categorias de unidades de proteção adaptadas às realidades dos países subdesenvolvidos que apresentam uma grande diversidade de culturas não-industriais (populações indígenas, de seringueiros, pescadores, extrativistas, etc). A única inovação, incluída ainda que desconfortavelmente nessa proposta, é a da reserva extrativista, na verdade, uma categoria que brotou da luta das populações de seringueiros da Amazônia (DIEGUES, 1994, p. 107) A reavaliação da ONG é encaminhada ao IBAMA e intitulada como Sistema Nacional de Unidade de Conservação. Neste, a Funatura divide as unidades de conservação em nove categorias distintas, organizadas em três grupos (BRASIL, 1989 apud MEDEIROS, 2006): - UCs de Proteção Integral: Parque Nacional, Reserva Ecológica (fusão de Reserva Biológica com a Estação Ecológica), Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre (absorvendo os objetivos da Área de Relevante Interesse Ecológico, que seria Extinta); - UCs de Manejo Provisório: Reservas de Recursos Naturais; - UCs de Manejo Sustentável: Reserva de Fauna (em substituição aos Parques de Caça), Área de Proteção Ambiental, Floresta Nacional e Reserva Extrativista. Com algumas modificações do IBAMA, em 1992 o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei sob nº 2892 ao Congresso Nacional e foi aprovado somente em 2000 sob a Lei de nº 9.985. Até a sua aprovação, houve muitos debates entre conservacionistas, preservacionistas e ruralistas em relação ao sistema, pois a Lei 2892/92 possuía uma visão muito conservadora sobre as Unidades de Conservação. Para Diegues, o Brasil estava muito aquém da idéia de conservação do que se debate a nível nacional, principalmente em relação as comunidades tradicionais e ao processo de participação popular no desenvolvimento de criação e gestão das unidades. Além disso, categorias importantes não foram incluídas no sistema, como as áreas de preservação permanente, as reservas legais e as terras indígenas. Essas áreas deveriam ser 41 consideradas de extrema importância para a conservação e preservação dos recursos naturais, uma vez que funcionam ―como componentes acessórios que, integrados às áreas protegidas, poderiam transformar o que é, hoje, um conjunto de unidades de conservação em um verdadeiro sistema‖ (BENSUSAN, 2006. P.66). Durante esses oitos anos, foram feitos dois substitutivos que foram aprovados com alguns vetos pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Alguns aspectos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foram regulamentados pelo decreto nº 4.340 de 2002 e outros ainda se encontram em fase de regulamentação. O SNUC dividiu as unidades de conservação em dois grupos: as áreas de proteção integral e as de uso sustentável. Isso ocorre devido à diferenciação do tipo de manejo para cada área. As unidades de proteção integral tem por objetivo ―preservar a natureza, sendo permitido o uso indireto dos recursos naturais‖ (Art. 7º Inciso 1º), e as unidades de uso sustentável devem ―promover e assegurar o uso sustentável dos seus recursos naturais‖ (Art. 7º Inciso 2º). Formam o grupo de Unidades de Proteção Integral, de acordo com o SNUC (2000):  Os Parques Nacionais17: caracterizam-se pelo objetivo à preservação dos ecossistemas naturais de grande beleza cênica, para pesquisas científicas, para atividades educacionais, além de recreação e turismo. É de domínio público, portanto, as áreas ocupadas devem ser desapropriadas. A visitação pública está sujeita às normas e restrições impostas pela administração do parque.  As Estações Ecológicas18: objetivo de preservar a natureza, e também os interesses científicos. Exclusiva de domínio público, visitação pública apenas com objetivo educacional. Nesta categoria, há a possibilidade de alterações no ecossistema, a fim de restaurar os ecossistemas modificados, preservar a diversidade biológica e auxiliar nos interesses científicos.  As Reservas Biológicas: objetivo de preservação integral do ecossistema natural, sem interferência humana direta ou modificações ambientais. A visitação pública é proibida excetuando as visitações educacionais e científicas, no entanto estas duas últimas devem possuir alteração direta do órgão responsável. Domínio inteiramente público.  Os Monumentos Naturais: preservação de paisagens naturais raras, singulares e de grande beleza cênica. Podem ser estabelecidas em áreas particulares. Há a possibilidade de visitação pública, no entanto esta está sujeita às normas e às restrições da administração. 17 Regulamentado pelo decreto nº84.017, de 21 de setembro de 1979. 18 Definido pela Lei 6.902, de 27 de abril de 1981. 42  Os Refúgios d