FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA – PROFEI DANIELA DE FÁTIMA BARBOSA GONZALES ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: desafios e possibilidades na prática pedagógica no ensino bilíngue de Surdos PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2022 DANIELA DE FÁTIMA BARBOSA GONZALES ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: desafios e possibilidades na prática pedagógica no ensino bilíngue de Surdos Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Inclusiva – Profei, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Presidente Prudente, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Inclusiva. Linha de pesquisa: Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva Temática de investigação: Alfabetização e Letramento de estudantes com surdez Orientadora: Dr.ª Maria Candida Soares Del- Masso PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2022 GONZALES, Daniela de Fátima Barbosa; DEL-MASSO, Maria Candida Soares. CURSO FORMAÇÃO DE CONTINUADA – ATUAÇÃO BILINGUE NA EDUCAÇÃO DE SURDOS. 2022. Produto Educacional resultado da Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Inclusiva – Profei) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista – UNESP, Presidente Prudente – SP, 2022. DANIELA DE FÁTIMA BARBOSA GONZALES ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: desafios e possibilidades na prática pedagógica no ensino bilíngue de Surdos Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Inclusiva – Profei, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Presidente Prudente, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Inclusiva. Orientadora: Dr.ª Maria Candida Soares Del-Masso Data da defesa: 20/10/2022 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientadora: Dr.ª Maria Candida Soares Del-Masso Universidade Estadual Paulista Membro Titular: Dr. Fábio Arlindo Silva Universidade Estadual Paulista Membro Titular: Dr. Elias Paulino da Cunha Júnior Universidade Federal de São Paulo Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Tecnologia Unesp – Campus de Presidente Prudente Dedico este trabalho, primeiramente, a Deus, que me deu forças para vencer todas as dificuldades. Aos meus pais Antônio (In Memoriam) e Wilma (In Memoriam) pela base educacional que me deram durante minha formação, me incentivando sempre a acreditar nos meus sonhos. Aos meus irmãos pelo incentivo e por entender minha ausência. Aos meus amigos Surdos pela confiança, apoio e muitas trocas. À minha orientadora Dr.ª Maria Candida Soares Del-Masso, que me apoiou e me incentivou em todos os momentos. Em especial dedico ao meu amado esposo Eli e meu querido filho Matheus que embarcaram neste sonho comigo e seguraram as pontas nos momentos mais difíceis. Sem vocês nada seria possível. AGRADECIMENTOS “A gratidão é o único tesouro dos humildes” William Shakespeare Agradecer não é uma tarefa fácil, não pelo ato em si, mas pelo temor de esquecermos alguém que durante essa trajetória de dois anos nos inspiraram e deram forças nessa caminhada, foram tantos de longe e de perto que fizeram parte dessa construção nos inspirando, dando apoio e nos encorajando que gostaria aqui de externar minha eterna gratidão. Meu primeiro agradecimento está direcionado a Deus que por sua infinita misericórdia e bondade me proporcionou realizar este Mestrado, me dando força e coragem para chegar até aqui. À Capes/PROEB – Programa de Educação Básica pelo oferecimento do Programa de Pós-Graduação em Educação Inclusiva – PROFEI e particularmente pelo recebimento da bolsa de estudos durante a realização do curso. À minha orientadora Professora Doutora Maria Candida Soares Del-Masso pelo carinho, paciência, zelo e amor durante toda esta trajetória, me incentivando durante todo o processo. Com certeza seus conselhos, sua sabedoria e humildade durante nossas conversas muito me ensinaram, levarei para a vida sua humanidade acadêmica. Aos meus familiares, que são a minha base, meu amor Eli, obrigada por acreditar em mim mesmo em momentos em que nem eu mesmo acreditava, me impulsionando em todos os momentos com palavras de amor e com atenção e paciência, mesmo após ouvir a leitura dessa dissertação por inúmeras vezes. Ao meu filho Matheus pela compreensão e pelo carinho, cuidando de mim nos mínimos detalhes. À minha sogra Iria pelo apoio e cuidado, sendo primordial para que meu foco fosse despendido especialmente aos estudos durante este período. Aos amigos mestrandos do grupo TOP PROFEI Maciel e Rosy, verdadeiros presentes que ganhei nessa trajetória acadêmica. Agradeço pelas inúmeras trocas neste contexto educacional bilíngue e inclusivo dos estudantes surdos, trocas estas que enriqueceram meu saber e trouxeram perspectivas e olhares diferenciados, admiro-os pelo profissionalismo e compromisso para com a comunidade surda, vocês foram inspiração em todo este percurso. Aos demais amigos mestrandos do grupo: Bianca, Gisele, Renan, Isis, Michele e Raquel pelo apoio, ombro amigo e tanto saber partilhado, aprendi muito com cada um de vocês, a cada bate papo sobre as realidades profissionais, a partilha dos conhecimentos sobre inclusão e acessibilidade, com certeza essa partilha enriqueceu muito minha prática pedagógica. Ao meu querido amigo doutorando Prof. Carlos César que, mesmo em meio a sua vida corrida entre trabalho e estudos, dedicou um pouco do seu precioso tempo para contribuir com seus valorosos conhecimentos na produção do projeto inicial desta pesquisa, me incentivando durante todo o processo seletivo para ingresso neste programa de Mestrado, gratidão por todo carinho e companheirismo. Às minhas queridas amigas Mônica e Maria José pelo incentivo, orações e paciência com a minha ausência. À Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo por autorizar minha pesquisa e entender que esta será de grande relevância ao meu contexto profissional. Aos colegas professores da Rede Municipal de Ensino de São Paulo que aceitaram participar desta pesquisa colaborando para o seu desenvolvimento: gratidão a todos. Ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão Social – GEPIS/CNPq pelas trocas enriquecedoras a cada encontro sobre Inclusão e Acessibilidade. Aos Professores Doutores Fábio Arlindo Silva e Elias Paulino da Cunha Júnior por aceitarem participar de minha banca, pelas maravilhosas contribuições e pela generosidade na partilha de tanto saber, sou imensamente grata. Agradeço aos meus familiares Dan, Sula, Michel, Elle, Allan, The, Júlio, Tchuca e os pequenos Heitor e Estevam pelo amor, carinho e por entender a minha ausência, vocês são o meu porto seguro, minha essência, amo vocês. Agradeço em especial aos meus pais Antônio (In memoriam) e Wilma (In memoriam), vocês foram os responsáveis por essa sede de saber, foram e continuarão sendo minha inspiração, pelo exemplo de sabedoria e humildade que me deixaram, me ensinando a buscar meus objetivos e nunca desistir dos meus sonhos. Agradeço a todos os demais amigos de longe e de perto que participaram dessa trajetória acadêmica, muito obrigada! O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Pensar sobre a surdez requer penetrar no 'mundo dos surdos' e 'ouvir' as mãos que, com alguns movimentos, nos dizem o que fazer para tornar possível o contato entre os mundos envolvidos, requer conhecer a 'língua de sinais'. Permita-se 'ouvir' essas mãos, pois somente assim será possível mostrar aos surdos como eles podem 'ouvir' o silêncio da palavra escrita (QUADROS, 1997, p. 119). GONZALES, Daniela de Fátima Barbosa. Alfabetização e letramento: desafios e possibilidades na prática pedagógica no ensino bilíngue de Surdos. Orientadora: Maria Candida Soares Del-Masso. 2022. 127 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Inclusiva - PROFEI) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, SP, 2022. RESUMO A educação de Surdos é um tema que tem ganhado cada vez mais espaço nas discussões, principalmente com a conquista alcançada pela comunidade Surda quanto à inclusão da Educação Bilíngue de Surdos na LDB. Existem documentos oficiais sendo formulados para subsidiar o ensino-aprendizagem desses estudantes de forma que a educação bilíngue se efetive. Diante desse cenário, essa dissertação teve por objetivo refletir sobre as práticas adotadas nas Escolas Bilíngues para Surdos do Município de São Paulo no que tange à Alfabetização e Letramento, além de analisar os entraves enfrentados por estes profissionais no seu fazer pedagógico diário. Utilizando da abordagem de pesquisa qualitativa, buscamos analisar a percepção dos professores bilíngues quanto suas práticas pedagógicas e as dificuldades enfrentadas no “chão da escola”. Os sujeitos da pesquisa foram cinco professoras bilíngues que ministram aulas para os estudantes Surdos dos Anos Iniciais de três EMEBS. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada e utilização de formulários via Google Forms. A análise dos dados se deu segundo os estudos de Bardin (2016). Os resultados sugerem que a Secretaria Municipal de Educação tenha um olhar mais cuidadoso para as formações específicas no que tange aos profissionais das Escolas Bilíngues para Surdos da rede. Nas entrevistas, identificamos que tanto a falta de formação direcionada aos professores bilíngues e gestores atuantes nas EMEBS quanto ao entendimento sobre o que é a Educação Bilíngue trazem embates às metodologias de ensino utilizadas. Sugerimos como Produto Educacional um curso de formação sobre Educação Bilíngue de Surdos a ser oferecido aos gestores das Escolas Bilíngues para Surdos, escolas polos e escolas comuns com estudantes Surdos matriculados. Dessa forma, concluímos que é latente a necessidade de formações que consolidem o fazer pedagógico na perspectiva da Educação Bilíngue, de forma que todos os profissionais atuantes nesses espaços bilíngues saibam com clareza o seu papel no processo de ensino- aprendizagem dos estudantes Surdos. Somente com essa clareza será possível a construção da Alfabetização e Letramento desses estudantes respeitando as duas línguas com igualdade de status. Palavras-chave: Educação bilíngue. Alfabetização. Letramento. GONZALES, Daniela de Fatima Barbosa. Alphabetization and literacy: challenges and possibilities in pedagogical practice in bilingual teaching of the Deaf. Advisor: Maria Candida Soares Del-Masso. 2022. 127 f. Dissertation (Professional Master’s in Inclusive Education - PROFEI) – Faculty of Science and Technology, São Paulo State University, Presidente Prudente, SP, 2022. ABSTRACT The education of deaf people is a theme that has been getting more and more importance in gatherings, mostly because of the achievements by deaf people community concerning the inclusion of the Bilingual Education of the deaf in LDB Act. There are official documents being formulated to subsidize the teaching-learning of these students so that the bilingual education turns out to be effective. In view of this scenario, this dissertation had the objective of a reflection on the practices embraced by the Bilingual Schools for Deaf People of Sao Paulo city concerning literacy in addition to analyzing the obstacles faced by these professionals in their pedagogical activities. Using qualitative research approach, we seek to analyze the bilingual teacher’s perception concerning pedagogical practices and the difficulties in their daily activities. The subjects of the research were five bilingual teachers that teach deaf students in the first years of three EMEBS. The data collect was carried out through half structured interview and using Google Forms. The evaluation of data was done accordingly to Bardin’s studies (2016). The results suggest that Municipal Secretary of Education should have a more careful look to specific training concerning the professionals of the bilingual schools for deaf students on the network. The interviews identified the lack of guidance oriented to bilingual teachers and managers of the EMEBS as far as what Bilingual Education is and the clashes between the teaching methodologies in use. We have suggested as an educational product a course on Bilingual Education for Deaf Students to be offered to managers of the Bilingual Schools for deaf students, pole schools and regular schools with deaf students. Thus, we have concluded that the training that enables pedagogical activities in the Bilingual Education is latent, so that everyone active in such bilingual spaces should know their role in the process of teaching-learning of deaf students with clarity. Only with this mindfulness the literacy of such students will be possible respecting both languages alike. Keyword: Bilingual Education. Alphabetization. Literacy. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Linha do tempo das Políticas Públicas Internacionais .............................. 33 Figura 2 – Políticas Públicas Nacionais .................................................................... 433 Figura 3 – Matriz Curricular do Ensino Fundamental ................................................. 52 Figura 4 – Matriz Curricular do Ensino Fundamental para as Escolas Bilíngues para Surdos da Rede Municipal de São Paulo. .................................................................. 53 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Oferta de Cursos em Nível de Especialização ........................................ 69 Quadro 2 – Perfil profissional dos participantes da pesquisa ................................... 733 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado BNCC Base Nacional Comum Curricular CEFAI Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão CEU Centro Educacional Unificado CIEE Centro de Integração Empresa-Escola CONAE Conferência Nacional de Educação CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação DERDIC Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação DRE Diretoria Regional de Ensino EaD Educação à Distância EDAC Educação para Deficiência da Audiocomunicação EMEBS Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos EMEDA Escola Municipal de Educação Infantil e 1.º Grau para Deficientes Auditivos EMEE Escolas Municipais de Educação Especial ENEM Exame Nacional do Ensino Médio ETEC Escola Técnica Estadual FENEIS Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos FHC Fernando Henrique Cardoso GT Grupo de Trabalho IECE Instituto de Educação de Crianças Excepcionais IFES Instituições Federais de Ensino Superior IMES Instituto Municipal de Educação de Surdos INES Instituto Nacional de Educação de Surdos JEIF Jornada Especial Integral de Formação L1 Primeira Língua L2 Segunda Língua LBI Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LIBRAS Língua Brasileira de Sinais MEC Ministério da Educação e Cultura ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ONU Organização das Nações Unidas PMSP Prefeitura Municipal de São Paulo PNE Plano Nacional de Educação PNEEPEI Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PROFEI Mestrado Profissional em Educação Inclusiva em Rede Nacional PUC Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SECADI Secretaria de Alfabetização Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEE Estatuto da Criança e do Adolescente SEESP Secretaria de Educação Especial SME Secretaria Municipal de Educação SUS Sistema Único de Saúde UE Unidade Escolar UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 24 1.1 Objetivo ............................................................................................................... 28 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E ORIENTAÇÕES PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS 29 2.1 Políticas públicas internacionais: aspectos relevantes ...................................... 29 2.2 Políticas públicas nacionais ................................................................................ 33 2.3 Trajetória histórica da Educação para Surdos no município de São Paulo ....... 44 2.4 Base Nacional Comum Curricular, currículo da cidade de São Paulo e bilinguismo ................................................................................................................... 47 3 IDENTIDADE E CULTURA SURDA EM UMA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS: ASPECTOS DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO 56 3.1 Identidade e cultura Surda ................................................................................. 56 3.2 Trajetória até o bilinguismo ................................................................................ 58 3.3 Alfabetização e letramento ................................................................................. 62 3.4 Pedagogia visual e sua importância na alfabetização e letramento de Surdos 65 3.5 Formação continuada da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na Educação bilíngue para Surdos .................................................................................. 67 4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA ........................................................................ 72 4.1 O campo e os participantes da pesquisa ........................................................... 72 4.2 Elaboração do instrumento ................................................................................. 74 4.3 Instrumentos e procedimentos da coleta de dados ........................................... 75 4.4 Análise dos dados .............................................................................................. 76 4.5 Aspectos éticos ................................................................................................... 77 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................... 78 5.1 Categoria contribuições do bilinguismo para o processo educacional .............. 78 5.2 Categoria concepções sobre alfabetização e letramento no contexto pedagógico bilíngue ........................................................................................................................ 80 5.3 Categoria formação continuada na rede Municipal de Educação de São Paulo 85 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 89 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 92 APÊNDICES.............................................................................................................. 103 APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE ................... 103 APÊNDICE B – Roteiro de formulário ....................................................................... 105 APÊNDICE C – Formulário aos pesquisados ........................................................... 106 APÊNDICE D – Roteiro de Entrevista....................................................................... 107 APÊNDICE E – Entrevistas coletadas ...................................................................... 108 17 APRESENTAÇÃO “Porque para Deus, nada é impossível” (Lc 1,37). Sou uma professora apaixonada pela docência, vinda de uma família humilde, na qual o acesso à universidade era um sonho muito distante. Filha de um torneiro mecânico e de uma servente escolar, me apaixonei pela área educacional desde muito cedo graças aos estímulos de minha mãe que mesmo após muitos anos sem ter acesso à educação, plantou a sementinha dessa paixão por meio de suas atitudes, trazendo inúmeros livros emprestados da escola onde trabalhava para saciar sua sede do saber e assim também nos apresentar o quão importante e libertador é o conhecimento. Minha formação acadêmica ocorreu após alguns anos de formação do ensino médio, já que, devido à falta de oportunidades, não consegui dar sequência aos estudos. No ano de 2009, com idade de 27 anos, já casada com meu marido Eli e com meu filho Matheus ainda bebê, decidi retomar os estudos iniciando o curso de Pedagogia pela Universidade Bandeirante de São Paulo - UNIBAN. Nesse período, já estava em vigor o Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005) que dispõe sobre o ensino de Libras nos cursos superiores, com isso fui contemplada com a disciplina de Língua Brasileira de Sinais em minha formação, a qual despertou-me a paixão por esse universo, porém meu aprendizado desta língua na graduação foi pouco, tendo em vista que a carga horária total da disciplina foi de apenas 80 horas. Nos anos de 2010 e 2011, durante o período em que estudava Pedagogia, trabalhei como estagiária do programa de estágios do Centro de Integração Empresa- Escola – CIEE nas escolas da Prefeitura Municipal de São Paulo. O meu estágio era direcionado às escolas com matrículas de estudantes com deficiência, sendo responsável pela inclusão e acessibilidade destes estudantes adequando atividades e acompanhando-os em suas necessidades sob orientações do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão – CEFAI. Durante este período, acompanhei um estudante autista em sala de aula, realizando adequações das atividades propostas pela professora regente. No ano de 2013, já tendo finalizado a graduação e cessado o contrato de estágio na Prefeitura Municipal de São Paulo, ingressei como inspetora de alunos na rede Estadual de Ensino de São Paulo, oportunidade que obtive por meio de concurso 18 público, neste trabalho minha função era de acompanhar os estudantes de uma escola do Ensino Fundamental de 1.º ao 5.º ano por outra perspectiva, nos momentos de intervalo e nos atendimentos diversos de secretaria. Mesmo estando neste período, distante da sala de aula como professora, ainda pulsava dentro de mim o desejo por me aprofundar no conhecimento da Libras e dessa cultura que tanto me encantou na graduação, portanto iniciei minha primeira Pós- graduação Lato Sensu em Língua Brasileira de Sinais - Libras, pela Universidade Nove de Julho, já que, além do meu encantamento por essa língua, a instituição religiosa ao qual participo contava com alguns participantes Surdos e com poucos intérpretes voluntários para a realização da acessibilidade, neste momento eu já tinha contato com uma colega Surda, mas era difícil nossa comunicação já que eu ainda não tinha um conhecimento substancial da Libras. Finalizando a pós-graduação no ano de 2014, compreendi a dimensão desta língua e sua importância para a comunidade Surda, percebi também que mesmo após finalizar o curso, ainda estava longe de ser proficiente na Libras, que havia a necessidade de me aprofundar mais em estudos para adquirir fluência. Com isso, iniciei o curso de Libras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC em parceria com a Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação – DERDIC, pois tinha um desejo imenso de me aprofundar neste universo que me encantava a cada novo aprendizado. Neste curso, tive a oportunidade de aprender a língua com professores Surdos, o que fez muita diferença em minha formação. Enquanto cursava Libras, participei de alguns concursos públicos para professora e fui aprovada em um desses concursos como professora de Ensino Fundamental pelo Governo do Estado de São Paulo. Com isso, no ano de 2014, exonerei o cargo de inspetora de alunos e ingressei como professora em escola comum1 ministrando aulas para estudantes do 1.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental. Já atuando como professora em escola comum, minha busca por mais formações na área da Surdez continuava, agora já traçava meu objetivo na área educacional específica para estudantes Surdos, pois neste momento já entendia a luta dessa comunidade e me sentia envolvida nessa causa, com desejo de fazer a diferença como educadora na vida dos estudantes Surdos. 1 Escola comum – nomenclatura utilizada conforme Censo Escolar da Educação Básica – 2021. 19 Finalizei os seis módulos oferecidos pela DERDIC/PUC no ano de 2017. Neste mesmo ano, iniciei alguns trabalhos como Intérprete de Libras, realizando a traduções em avaliações institucionais como o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM e o Vestibulinho para ingresso na Escola Técnica Estadual – ETEC. Neste período, também já havia iniciado um trabalho voluntário como intérprete de Libras para Surdos em contexto religioso. No mesmo ano de 2017, na busca por maior aprofundamento na área da Surdez, agora no âmbito educacional, iniciei a minha segunda Pós-graduação Lato Sensu em Educação Especial: Ensino do Aluno com Deficiência Auditiva, pelo Centro Universitário Claretiano. Fiquei ansiosa por essa formação, pois acreditei que seria um curso que me oportunizaria aprender estratégias de ensino para os estudantes Surdos, porém, no decorrer do curso percebi que seria apenas uma formação voltada para a análise clínica da surdez. Essa pós-graduação teve a duração de 10 meses. Em outubro de 2017, fui nomeada e tomei posse de um novo cargo que acessei também por meio de concurso público, agora como professora na Prefeitura Municipal de São Paulo, este foi mais um sonho conquistado, pois o acesso a essa instituição me proporcionaria a oportunidade de trabalhar nas Escolas Bilíngues para Surdos, meu maior desejo. No início do ano de 2018, solicitei remoção para a Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos - EMEBS Madre Lucie Bray e pedi exoneração do cargo de professora do Estado de São Paulo, já que meu objetivo era estar em escola bilíngue e utilizar meu tempo para aperfeiçoar o meu desempenho na língua e em estratégias didáticas levando um ensino de qualidade aos estudantes Surdos. No primeiro ano de trabalho nessa escola, assumi uma turma de 2.º ano do Ensino Fundamental, um ano desafiador pois eu ainda estava com uma concepção de alfabetização pautada nas estratégias para estudantes das escolas comuns que utiliza-se da língua portuguesa como primeira língua, portanto foi preciso muito estudo, pesquisas e ajuda dos professores amigos que já trabalhavam na área para adequar as minhas aulas para os estudantes Surdos, contextualizando o conteúdo para a Libras e não só realizando uma interpretação, confesso que neste momento percebi o quão distante estava a teoria que aprendi nas minhas formações acadêmicas e a prática ao qual estava vivenciando na escola bilíngue. Em 2019, nessa mesma escola, fui atribuída com a disciplina de Libras, lecionando para os estudantes do 1.º ao 9.º ano do Ensino Fundamental. Nessa 20 disciplina, minha função foi ensinar aos estudantes Surdos sua primeira língua, a Libras. Esta foi outra experiência desafiadora que exigiu muitas pesquisas, muito estudo além de contar com as contribuições valiosas dos amigos Surdos Matheus Bueno e Luís Maurício (In Memoriam) professores instrutores que fizeram grande diferença no meu fazer pedagógico. Estava muito feliz nessa escola, conheci profissionais que muito contribuíram com minha evolução profissional como professora bilíngue, mas a distância percorrida diariamente entre minha casa e meu trabalho estava causando um desgaste físico muito grande e devido a isso, no final do ano de 2019, solicitei remoção para outra escola bilíngue, a EMEBS Prof. Mário Pereira Bicudo, localizada no bairro da Cachoeirinha, bem próximo a minha residência. Sendo eu contemplada com a vaga na referida escola, iniciei o ano letivo de 2020 nesta UE, ficando como professora módulo2. Foi um ano de muita expectativa e ansiedade, seria uma nova experiência, conhecer novos estudantes e colegas de trabalho. No mês de março de 2020 fomos surpreendidos com a pandemia do Covid-19 e todas as escolas foram fechadas obrigatoriamente, uma estratégia mundial para minimizar os impactos da doença. Neste período, iniciou-se uma busca incessante por estratégias de ensino de forma remota, na tentativa de minimizar os impactos deste distanciamento. Com isso, fui alocada para auxiliar as professoras da Educação Infantil, realizando vídeos em Libras com estratégias de ensino, atividades impressas, seleções de vídeos educativos, contações de histórias em Libras e alguns encontros via Google Meet com as famílias e os estudantes, foi um ano intenso, pois, a princípio, imaginávamos ser um isolamento de curto período, mas ao passo que a doença se agravava e as inseguranças aumentavam, percebíamos a urgência da realização deste trabalho a fim de minimizar de alguma forma o sofrimento das crianças diante do isolamento social e a falta de comunicação em Libras por maioria das famílias. Neste período, ficou evidente o importante papel da escola neste processo de informação sobre a doença e seus desdobramentos, os estudantes ansiavam por informações sobre as abruptas mudanças da sua rotina, já que não entendiam o que estava ocorrendo devido à falta de comunicação em Libras no seio familiar. Este trabalho perdurou por todo o decorrer de 2020. 2 Professor sem sala de aula atribuída, ficando à disposição da escola para substituir aulas na falta de algum professor na UE. 21 No início do ano de 2021, iniciei um curso de Guia-Intérprete oferecido pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial em parceria com a PMSP, já que temos alguns estudantes com essa especificidade em nossa UE, neste mesmo ano fui atribuída com as aulas das disciplinas de História e Geografia para os estudantes do 6.º ao 9.º ano. Essa atribuição foi possível devido a Instrução Normativa SME Nº 47/2020 (SÃO PAULO, 2020)3 onde informa que, excepcionalmente nas EMEBS, não havendo professor com a formação da disciplina específica lotado na escola, essas aulas poderão ser ministradas por um pedagogo. Com isso, ministrei aulas desses dois componentes curriculares, iniciamos o ano ainda de forma remota, utilizando como ferramentas de ensino-aprendizagem as tecnologias como Google Meet, WhatsApp, Google Classroom e atividades impressas para aqueles que estavam com dificuldades de acesso à internet. Com a proposta de proporcionar aos estudantes Surdos o ensino- aprendizagem de forma remota e com as barreiras da falta de acessibilidade tecnológica evidenciada em muitas famílias de nossos estudantes, foi um desafio enorme produzir atividades impressas haja vista que a primeira língua do estudante Surdo é uma língua gestual-visual, sendo de suma importância as comandas serem executadas em sua primeira língua para a realização das atividades impressas. Diante do exposto, foi latente a dificuldade dos estudantes em entender as comandas escritas em Língua Portuguesa, já que, a maioria dos familiares não conseguiam se comunicar em Libras para auxiliá-los. Realizamos várias estratégias para tentar minimizar os impactos do isolamento social, mas, mesmo diante de tantos esforços, ainda ficaram muitas lacunas neste período. Neste ano de 2022, encontro-me ministrando aula para uma turma de 4.º ano do Ensino Fundamental. É perceptível como este período pandêmico trouxe perdas aos estudantes, percebemos a grande defasagem daqueles que não conseguiram acompanhar as aulas no período remoto devido à dificuldade de conexão à internet e as dificuldades de comunicação em sua primeira língua para a realização das propostas. Com isso, estamos em uma corrida contra o tempo para que os estudantes adquiram o conhecimento necessário e possam avançar qualitativamente. Faço essa introdução do meu percurso profissional para apresentar os motivos de minha trajetória nesta pesquisa. Atuando nas escolas bilíngues para Surdos 3 Essa normativa é publicada anualmente orientando as escolas sobre as atribuições de aulas e organização da unidade escolar para o próximo ano letivo. 22 deparamo-nos com várias dificuldades apresentadas pelos estudantes durante o processo de ensino-aprendizagem, o ingresso na escola sem uma língua adquirida é o mais latente, já que, muitos estudantes iniciam seu entendimento social, entender- se e entender o mundo ao redor após o ingresso escolar, quando aprendem a Libras, diferentemente dos estudantes não ouvintes que recebem inúmeras informações desde o nascimento. Com isso, é um grande desafio alfabetizar esses estudantes em Língua Portuguesa na modalidade escrita sob a perspectiva do letramento tendo em vista o grande prejuízo que apresentam com a falta de uma comunicação desde o nascimento. Somado a isso, as questões de construção de identidade linguística e pertencimento a uma comunidade específica ocorrida tardiamente traz angústia aos educadores em como trabalhar a Libras e a Língua Portuguesa na modalidade escrita, coloco-me nesse bojo de educadores angustiados, que buscam alternativas para diminuir esse prejuízo linguístico dos estudantes. Diante disso, existem vários questionamentos em como ensinar a Língua Portuguesa na modalidade escrita aos estudantes Surdos nos anos iniciais4. Devemos ensinar primeiramente a Libras e somente após a aquisição desse conhecimento introduzir a língua portuguesa na modalidade escrita? Ou devemos trabalhar com as duas línguas, concomitantemente, desde o início da trajetória escolar do estudante Surdo? Quais os caminhos para a alfabetização e letramento do Surdo a partir do visual? Quais estratégias de ensino utilizar para que a Língua Portuguesa tenha sentido para os estudantes Surdos? Essas indagações levaram-me a buscar por qualificação profissional. O ingresso no Mestrado Profissional em Educação Inclusiva em Rede Nacional - PROFEI foi uma oportunidade ímpar já que, nesta formação tive a oportunidade de pesquisar a prática pedagógica ocorrida no chão das Escolas Bilíngues da Cidade de São Paulo, resultando no desenvolvimento de um Produto Educacional que correspondeu às angústias e necessidades apresentadas pelos educadores conforme nos aponta Passos e Cevallos (2012, p. 807): [...] a vivência dos professores no curso de Mestrado Profissional pode criar oportunidades de reflexão sobre suas práticas e compartilhamento dos desafios vividos, perspectivando a construção e consolidação de uma postura criativa e integradora para a atividade educativa. Nessa hipótese, considerou- se que a prática da pesquisa no Mestrado Profissional, ao tornar como objeto de investigação as questões relacionadas ao ensino, pode influenciar 4 Ensino Fundamental de 1.º a 5.º ano. 23 diretamente a forma como o professor lida com o conteúdo e as atividades práticas em sala de aula. Esta pesquisa culminou na produção de um curso de formação para os Gestores das escolas bilíngues, escolas polos e escolas comuns com estudantes Surdos incluídos da Rede Municipal de Ensino da cidade de São Paulo, cujo objetivo foi dar luz a estes profissionais sobre o que é o ensino bilíngue para Surdos, de forma que estes gestores possam corroborar com a prática de ensino e aprendizagem dos professores bilíngues nas Unidades Escolares. 24 1 INTRODUÇÃO Um dos maiores desafios enfrentados pelos professores bilíngues é terem noção de como colocar em prática o ensino que irão garantir que os estudantes surdos sejam alfabetizados em Libras e o Português (PIMENTA; STROBEL; MAESTRI, 2021, p. 248). A partir de nossa vivência como professora de Ensino Fundamental para os estudantes Surdos, na Secretaria Municipal de Educação da Cidade de São Paulo - SME junto a estudantes de diferentes idades, temos observado a grande dificuldade enfrentada por eles durante o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa na modalidade escrita, o que nos levou a realizar a pesquisa de campo qualitativa na busca de descortinar as dificuldades enfrentadas pelos professores bilíngues para Surdos no processo de ensino-aprendizagem nas EMEBS. Antes de adentrarmos a este assunto, faz-se importante e necessário uma breve explanação sobre o uso do “S”5 maiúsculo quando mencionamos o Surdo. Realizamos essa escolha de grafia pois esta representa o Surdo com identidade e cultura próprias, o paradigma socioantropológico da surdez que reconhece o Surdo como um grupo de pessoas que partilham da mesma língua e cultura, conforme convenção instituída em 1972 por James Woodward, na Universidade de Gallaudet (SILVA, 2017). Na cidade de São Paulo, a Educação de Surdos iniciou no ano de 1952, com a criação do I Núcleo Educacional para Crianças Surdas no ano de 1952. Entre 1952 e 1999, foram criadas seis escolas específicas para Surdos na Rede Municipal de Ensino de São Paulo6, as quais passaram por várias mudanças na abordagem linguística, inicialmente utilizando-se do ensino da Língua Portuguesa oral e escrito aos estudantes Surdos, uma abordagem influenciada pela filosofia educacional do Oralismo de forma que os estudantes deveriam desenvolver a leitura labial e realizar a escrita das palavras, sem a utilização de sinais ou gestos (SÃO PAULO, 2019a)7. No ano de 1999, com a criação das Escolas Municipais de Educação Especial - EMEE, houve mudanças na abordagem linguística adotada, sendo agora utilizado a 5 Designação do termo Surdo com “S” maiúsculo identificando conceito de identidade e cultura própria de um grupo linguístico e surdo com “s” minúsculo mantendo a perspectiva médica. 6 Falaremos mais especificamente sobre as EMEBS na próxima seção. 7 Informações coletadas no histórico da Educação de Surdos contido no Currículo da Cidade Língua Portuguesa para Surdos (SÃO PAULO, 2019a). 25 modalidade visual-espacial para a comunicação e educação das pessoas com Surdez, dando maior importância a Libras. Com isso, no ano de 2008, a Secretaria Municipal de Educação - SME desenvolveu de forma coletiva com os professores atuantes na EMEEs, os dirigentes da Secretaria Municipal de Educação e as coordenadoras mediadoras dos debates, a proposição das expectativas de aprendizagem para a Educação Infantil e Ensino Fundamental para as disciplinas curriculares, que foi publicado neste mesmo ano. Especificamente para a implementação da Educação Bilíngue, foram construídos dois documentos, o de Língua Brasileira de Sinais – Libras (SÃO PAULO, 2008a) e o de Língua Portuguesa para Surdos (SÃO PAULO, 2008b). Algum tempo depois, no ano de 2012, a Secretaria Municipal de Educação desenvolveu os Cadernos de Apoio e Aprendizagem do 1.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental e nesses cadernos havia atividades com imagens em Libras e um CD de apoio com instruções em Libras das atividades propostas (SÃO PAULO, 2012a, 2012b). Em 2019, houve a construção do primeiro Currículo da Cidade na perspectiva Bilíngue, sendo o Currículo da Cidade - Língua Portuguesa para Surdos e o Currículo da Cidade - Libras (SÃO PAULO, 2019a, 2019b), estes também foram realizados de forma coletiva, por meio de formação de Grupos de Trabalho - GTs composto por profissionais atuantes na rede municipal de ensino, sendo professores bilíngues para Surdos, instrutores Surdos das escolas bilíngues, professores bilíngues de escolas polos, professores do Atendimento Educacional Especializado - AEE, além de convidados e especialistas da área, tendo por objetivo estabelecer uma base linguística e cognitiva impulsionando o ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares por meio da Libras e da Língua Portuguesa na modalidade escrita. Observando os diversos documentos desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Educação ao longo dos anos, percebemos os esforços para que o ensino- aprendizagem aconteça nas escolas Bilíngues para surdos, escolas polos e escolas comuns com estudantes Surdos, porém, evidenciamos que ainda existem lacunas entre a teoria e o aprendizado real dos estudantes Surdos nestes ambientes. Diante disso, a problemática se desdobra em entender o porquê desses estudos para o ensino de Língua Portuguesa para Surdos ainda se mostrarem insuficientes. Qual a dificuldade enfrentada pelos professores para que o Surdo se aproprie da escrita em Língua Portuguesa? Quais os caminhos para a alfabetização 26 e letramento do Surdo? Quais estratégias de ensino o professor deve utilizar para que a Língua Portuguesa tenha sentido para estes estudantes? Muitos professores, colegas de trabalho, tentam arduamente realizar atividades que tragam significado ao aprendizado da Língua Portuguesa, fazendo adequações que contemplem o aprendizado, mas esses esforços ainda se mostram insuficientes no ensino-aprendizagem dos Surdos. As mesmas dificuldades enfrentadas pelos estudantes, durante a leitura e produção de escrita em Língua Portuguesa observadas no âmbito escolar, evidenciamos também durante alguns serviços prestados como intérprete de Libras na aplicação de avaliações institucionais como o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e o Vestibulinho para ingresso na Escola Técnica Estadual – ETEC. Percebemos claramente a dificuldade dos candidatos em ler, interpretar as perguntas contidas nessas avaliações e produzir as redações. No ano de 2020, com o grave problema decorrente da pandemia do Covid-19, quando todos se viram na situação de isolamento social e trabalho remoto emergencial, houve um desdobramento sem precedentes pela SME com o objetivo de manter o processo de ensino-aprendizagem mesmo que de forma remota aos estudantes de toda a Rede Municipal de Ensino. Nas escolas bilíngues não foi diferente, os professores trabalharam com afinco para disponibilizar aos estudantes Surdos conteúdos e atividades com vídeos em Libras. Foram muitas gravações e edições de vídeos para o envio nas plataformas do Google Classroom e aplicativos como o WhatsApp. A princípio, imaginávamos que seria por um curto período de tempo, mas à medida que o tempo passava, as informações de contaminações cresciam e com isso crescia também a insegurança e as incertezas, foi um momento angustiante para todos. Nós, educadores, passamos a nos preocupar também com as questões emocionais destes estudantes diante deste longo período de isolamento social. A dificuldade comunicacional da maioria dos estudantes que se utilizam da Libras como língua de comunicação mas que, na maioria dos casos, a família não dispõe da mesma fluência em Libras, nos relatavam em vídeos enviados por mensagens de aplicativos a dificuldade em compreender a real situação ao qual estávamos vivenciando no mundo e suas angústias pela falta de informações. Buscamos então realizar aulas síncronas via Google Meet, mas infelizmente percebíamos que muitos estudantes não conseguiam acesso por diversos motivos, 27 seja pela falta de internet ou pela falta de um instrumento tecnológico para este acesso. Muitas famílias alegavam ter vários filhos e não conseguir garantir o acesso de todos, já que, neste período, todas as escolas estavam buscando as mesmas estratégias para minimizar as perdas educacionais. Uma alternativa para dar continuidade ao ensino-aprendizagem dos estudantes foi a realização de atividades impressas e os familiares retiravam-nas e retornavam- nas algum tempo depois para correção. Neste momento, ficou latente a dificuldade dos estudantes em compreender as comandas das atividades em Língua Portuguesa e as dificuldades dos familiares que não conseguiam orientá-los devido à falta de conhecimento na Libras. Foi um período desafiador para todos e agora, com o retorno das aulas presenciais, percebemos o impacto deste isolamento, muitos estudantes com defasagens ainda maiores do que as que já apresentavam quando ingressaram nas escolas bilíngues, estudantes que foram aprovados para o próximo ano de ensino, porém, ainda apresentam grande defasagem em aprendizagem. Para que o estudante Surdo tenha autonomia e consiga ter uma vida independente, é muito importante que seu período escolar seja de aprendizagem significativa, de forma que desenvolva a Libras (L1) e a Língua Portuguesa na modalidade escrita (L2), alcançando o pleno desenvolvimento da sua competência leitora. Nesta pesquisa, dividimos as seções, sendo a primeira seção esta introdução, na segunda seção realizamos uma breve análise sobre as Políticas Públicas, contemplamos as Políticas Públicas Internacionais e as Políticas Públicas Nacionais já que, segundo Pavezi (2018), os documentos internacionais são documentos importantes que tiveram grande influência nas ações nacionais no que se refere a Políticas de Educação Especial no Brasil. Logo em seguida, contemplamos a trajetória histórica da educação para Surdos do Município de São Paulo e as mudanças ocorridas desde a sua fundação até os dias atuais, conforme Lacerda, Albres e Drago (2013, p. 69): “As pesquisas no campo das políticas públicas têm-se mostrado fundamentais aos estudos educacionais, já que os documentos oficiais são instrumentos para a concretização dos direitos dos cidadãos”. 28 Ainda na mesma seção, analisamos a Base Nacional Comum Curricular, o Currículo da Cidade de São Paulo e a educação bilíngue, trazendo um panorama sobre como a Educação de Surdos é contemplada nesses documentos (ROSS, 2021). Na terceira seção, discorremos sobre Identidade e Cultura Surda em perspectiva da Educação Bilíngue de Surdos, apresentando uma reflexão sobre a Identidade Surda, uma breve explanação sobre o percurso educacional percorrido desde a Oralização, Comunicação Total e o Bilinguismo sob as concepções de Goldfeld (1997), Lacerda (1998) e Skliar (2001). Em seguida, abordamos os conceitos de Alfabetização e de Letramento pela ótica de Ferreiro (2000) e Soares (2001), fundamentos estes que nos darão o aporte necessário para explanarmos sobre a Pedagogia Visual no ensino e aprendizagem para estudantes Surdos sob a perspectiva de Campello (2008), finalizando a seção com uma análise crítica sobre a formação continuada oferecida pela Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo no que tange aos profissionais das Escolas Bilíngues para Surdo. Na quarta seção apresentamos o universo pesquisado e os sujeitos da pesquisa, sendo eles cinco professores distribuídos em três EMEBS com aulas atribuídas nas turmas de 1.º ao 5.º ano, de três Diretorias Regionais de Ensino. Na quinta seção apresentamos os resultados da pesquisa, de acordo com os estudos de Bardin (2016) discorrendo sobre nosso arcabouço teórico construído aqui e a ótica das pesquisadas, os resultados dessa análise culminaram no desenvolvimento de um Produto Educacional, sendo a proposta de um curso para formação dos gestores com o foco na Educação Bilíngue para Surdos. Na sexta e última seção, apresentamos nossas considerações sobre essa pesquisa, trazendo informações quanto aos entraves evidenciados e a busca de corroborar com alternativas para melhorias no ambiente educacional. 1.1 Objetivo O objetivo deste estudo consistiu em conhecer e analisar as práticas pedagógicas para a Alfabetização e Letramento realizadas por cinco professores bilíngues para Surdos com aulas atribuídas do 1.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental de três Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos da SME/SP e o suporte recebido por parte da equipe gestora neste processo. 29 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E ORIENTAÇÕES PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS As políticas públicas são importantes norteadores para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes. Apresentaremos nas subseções uma análise sobre as políticas públicas internacionais que fomentaram diversas ações nacionais na área da inclusão, nas quais estão inclusos os estudantes Surdos. Faremos análises de documentos que trouxeram benefícios e outros que trouxeram impactos negativos e causaram retrocessos no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes com Surdez. 2.1 Políticas públicas internacionais: aspectos relevantes Faremos uma breve análise dos documentos internacionais que nos trarão subsídios para compreender sua influência na elaboração dos documentos nacionais que normatizaram a Educação Especial no Brasil e, consequentemente, a educação para Surdos. Iniciaremos com a Conferência Internacional de Educadores Surdos ocorrida em Milão, na Itália, a qual ficou mundialmente conhecida como Congresso de Milão (1880)8. Este Congresso reuniu educadores de Surdos de diversas partes do mundo com a intenção de discutir os métodos de ensino utilizados na época e delinear novos caminhos para a educação desses estudantes (STROBEL, 2009b). Este Congresso reuniu em sua maioria membros ouvintes, sendo desconsiderada a opinião dos Surdos, com isso, após vários dias de discussões e apresentações, os participantes decidiram por meio de votação que o método de ensino oralista seria o mais indicado para os Surdos, sendo necessário a eliminação do uso da língua de sinais ou linguagens gestuais já que, este traria prejuízos no aprendizado dos estudantes (CÂMARA, 2018). Ainda pela ótica do referido autor, essas orientações foram aderidas por muitos países e trouxeram impactos imensuráveis aos Surdos, já que foram proibidos de utilizar a língua de sinais e eram severamente punidos se o fizessem, sendo expostos a técnicas orais como método predominante de ensino, tendo como objetivo o desenvolvimento da língua majoritária do país. 8 O Congresso de Milão se deu entre os dias 06 e 11 de setembro de 1880 na cidade de Milão (Itália) com participação majoritária de professores franceses e italianos. Câmara (2018) afirma que “mais da metade dos participantes eram italianos e entre um terço e um quarto eram franceses. Os demais 15% eram compostos por ingleses, americanos, suecos 1/6 e suíços” (CÂMARA, 2018, p. 272). A exceção de dois Surdos, estrategicamente convocados para o evento, todos os congressistas que propunham discutir o melhor método para a educação de Surdos eram ouvintes. 30 No ano de 1948, houve a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UNESCO, 1948) que buscou regular as relações entre governos e pessoas, trazendo em seu texto a necessidade de garantias de direitos iguais e proteção da humanidade estabelecendo condições de vida digna e de liberdade, favorecendo o progresso social e melhores condições de vida, este documento proclamado em Paris, teve grande importância pois, pela primeira vez, foi criado um documento buscando a garantia de todos, independentemente de etnia, nacionalidade, religião, cor, gênero ou condição (PIOVESAN, 2018). Segundo Zeppone (2011), com a preocupação da falta de acessibilidade de todos à educação, em 1990, na cidade de Jomtien, ocorreu a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990)9. Nesse período, ainda existia um forte movimento excludente no âmbito educacional, não somente dos Surdos, mas de todas as pessoas de classes menos favorecidas e das pessoas com deficiência. O documento apresenta a preocupação também quanto às meninas e mulheres que, nesse período, ainda eram marginalizadas, não tendo o direito igualitário à educação em muitos países. Este documento apresenta a importância de estratégias que contemplem as necessidades básicas de aprendizagem das pessoas com necessidades educacionais especiais, termo que era referido à época. Diante desse cenário, é solicitado neste evento um maior investimento financeiro por parte dos setores públicos em busca de garantias de uma educação para todos e o auxílio de recursos internacionais na busca de implementação de modelos educacionais de sucesso. Em 1993, na Índia, houve então a Conferência sobre Educação para Todos10 (UNESCO, 1993), na cidade de Nova Delhi, com a participação de nove países em desenvolvimento com maior população do mundo, dentre esses países estava o Brasil. Nessa conferência foi reafirmado o compromisso de melhoria na educação e solicitado um maior apoio das instituições internacionais, de forma que, recebendo 9 Declaração Mundial sobre Educação para todos (UNESCO, 1990) – define novas abordagens sobre as necessidade básicas de aprendizagem, tendo em vista estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários a uma vida digna, visando uma sociedade mais humana e mais justa. 10 Conferência sobre Educação para Todos (UNESCOX, 1993) - Países em desenvolvimento reafirmam os compromissos com a meta estabelecida pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos e firmam compromisso com metas estabelecidas em troca de subsídios realizados pelo Banco Mundial. 31 auxílio financeiro do Banco Mundial, estes países teriam maior possibilidade de alcançar as metas estipuladas (DENTZ, 2022). Nesta conferência, os países participantes (Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) se comprometeram a atender as necessidades básicas de aprendizagem ampliando as oportunidades para crianças, jovens e adultos. Com a crescente preocupação com a inserção das pessoas com deficiência na sociedade, no ano de 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha, ocorreu a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, com a participação de mais de 300 participantes representando 82 países que originou a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994)11. Na avaliação de Zeppone (2011), este encontro reafirmou o compromisso com a Educação para Todos, reforçando o direito à uma educação de qualidade, de forma que as escolas se organizassem e se capacitassem para receber todos os estudantes independentemente de suas especificidades. Importante apontarmos também, sob a ótica Barbosa, Fialho e Machado (2018), a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência, ocorrida na Guatemala (UNESCO, 1999). Essa Convenção reafirma a igualdade de direitos das pessoas com deficiência na sociedade e firma o compromisso de que os estados participantes devem contribuir para a prevenção e eliminação de todo e qualquer tipo discriminação além de garantir recursos que possibilitem o pleno desenvolvimento deste público-alvo para uma vida independente. Ainda no mesmo ano de 1999, na Assembleia Governativa da Rehabilitation International ocorrida em Londres, foi aprovada a Carta para o Terceiro Milênio (1999), na qual é proclamado que cada governo implemente os objetivos nela propostos, haja vista a grande preocupação quanto ao preconceito e exclusão das pessoas com deficiência congênita ou adquirida. Esse documento apresenta a urgência em buscar alternativas eficazes para o cuidado dessas pessoas tanto no âmbito social quanto de saúde e educacional, trazendo a necessidade de assegurar a plena inclusão dessas 11 Declaração de Salamanca: reforça o direito à uma educação de qualidade, focando agora na importância de considerar as características e os interesses únicos de cada educando, evitando-se assim, discriminações e a exclusão escolar. Propõe que as escolas se organizem e se capacitem para atender a todos. 32 pessoas na sociedade e em suas comunidades, em suma, este importante documento ratifica a importância de conscientizar a população de que a deficiência é parte comum da variada condição humana garantindo a todo o ser humano a dignidade estimulando a solidariedade entre todos. Após 10 anos, no ano de 2000, em Dakar, Senegal, a Cúpula Mundial de Educação reafirmou o compromisso com a Educação para Todos, visando alcançar os objetivos propostos na Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990), para isso foram traçados os compromissos em desenvolver planos de ações incrementando os investimentos para a Educação Básica, erradicação da pobreza com estratégias de desenvolvimento já que, mesmo após uma década da Declaração Mundial de Educação para Todos, o índice de crianças sem acesso ao ensino primário e de adultos analfabetos era alarmante12 (BARBOSA; FIALHO; MACHADO, 2018). Ainda por Barbosa, Fialho e Machado (2018), no ano de 2007, foi assinado em Nova Iorque o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007) com foco no ideal a ser atingido por todos os povos e nações de promover o direito, liberdade e respeito garantindo a elas acesso à educação, saúde, inclusão social e acessibilidade através do ensino e da educação. Em 2015, as Nações Unidas apresentaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (2015)13, segundo Ramineli e Araújo (2019) um documento iniciado em 2013 após a conferência Rio+20 que tem por objetivo orientar as políticas e as atividades de cooperação internacional nos próximos quinze anos. Este documento traz em seu objetivo n.º 4 assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. A seguir elucidamos uma linha do tempo com o panorama já explanado referente aos Documentos Internacionais que impactam a educação no âmbito internacional: 12 Mais de 113 milhões de crianças sem acesso ao ensino primário e 880 milhões de adultos analfabetos, conforme resultado das avaliações realizadas sobre a Educação Para Todos (EPT) no ano de 2000, informações obtidas na Declaração de Dakar, 2000, disponível em http://www.nepp- dh.ufrj.br/onu12-1.html acesso em 04 set 2022. 13 Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 04 set. 2022. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs 33 Figura 1 – Linha do tempo das Políticas Públicas Internacionais Fonte: Elaborado pelo autora. Todos esses importantes documentos internacionais trouxeram base para as políticas públicas desenvolvidas no Brasil, políticas essas que subsidiaram a inclusão das pessoas com deficiência e trouxeram amparo legal quanto à educação de Surdos. Embora as ações internacionais sejam de grande importância, é possível observar na subseção a seguir que muitas Leis e Decretos foram desenvolvidas para o mero cumprimento de metas estabelecidas pelo Banco Mundial, metas essas que subsidiaram financeiramente o Brasil, mas que, mesmo estando estabelecidas, a morosidade para sua real concretude perdura até os dias atuais. 2.2 Políticas públicas nacionais As Políticas Públicas Brasileiras, em sua maioria, sofreram influências das políticas públicas internacionais, as quais foram importantes marcos dentro do universo legal para as pessoas com deficiência e neste período, os Surdos eram incluídos neste bojo de pessoas com deficiências, sofrendo os impactos de cada mudança ocorrida. Em 1988, após o término do regime militar14, o Brasil convoca uma Assembleia Nacional Constituinte que culminou na elaboração da Constituição Nacional de 198815 14 O regime militar no Brasil teve início no ano de 1964 após o golpe militar contra o presidente João Goulart. Este regime autoritário durou 21 anos findando em 1985, neste período ocorreram perseguições aos opositores do regime, censura à imprensa e restrições aos direitos políticos. REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade (Zahar, 2000). 15 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras. Acesso em: 04 set. 2022. https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras 34 (BRASIL, 1988). Segundo Cury (2018), este documento traz em sua construção a preocupação em “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3.º inciso IV) além de estabelecer a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. No ano de 1990, o Brasil sancionou a Lei n.º 8.069 (BRASIL, 1990) que dispôs sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Para Gomes (2022), o documento além de discorrer sobre as garantias de vida, saúde e segurança das crianças e adolescentes, também traz em seu texto em forma de lei as garantias de acesso à Educação para as pessoas com deficiência: “Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1990, p. 13563). O artigo citado acima trouxe a obrigatoriedade do Estado em assegurar o Atendimento Educacional Especializado aos estudantes com deficiência e nesse bojo encontram-se os estudantes Surdos. Apesar da recente atualização do ECA (RIO DE JANEIRO, 2022), não observamos alterações no que se refere aos estudantes com deficiência e pontualmente ao estudante Surdo. Com a criação da Secretaria de Educação Especial – SEESP16, do Ministério da Educação, as escolas especiais que atendiam os estudantes com surdez ainda apresentavam uma postura terapêutica com o modelo de ensino voltado para o método oralista, sem a utilização da língua de sinais, destaca Lopes (2011). Diante disso, o Brasil sancionou a Portaria nº. 1.793 (BRASIL, 1994), em dezembro de 1994, que dispôs sobre a formação dos docentes e profissionais que trabalham diretamente com “portadores de deficiência”17, recomendando a inclusão de uma disciplina denominada Aspectos Ético-Político-Educacionais da Normalização e Integração da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais, prioritariamente, nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as Licenciaturas. Com isso, o objetivo era preparar os educadores para a inclusão dos estudantes com deficiência no ensino 16 A Secretaria de Educação Especial (Seesp) era responsável por desenvolver programas, projetos e ações a fim de implementar no país a Política Nacional de Educação Especial, esta secretaria foi extinta no ano de 2012, sendo suas atribuições remanejadas para a pasta mosaica da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) (BEZERRA; ARAÚJO, 2014). 17 Terminologia utilizada na época, após a publicação da PEC 25/2017, houve a substituição dessa terminologia por “pessoa com deficiência”. A padronização segue uma definição da Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas. 35 comum, diminuindo a segregação nas escolas especiais, assim como reduzir os investimentos dispensados pelas esferas públicas a elas. No ano de 1996, o Brasil publicou a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), uma substituição da primeira versão publicada no ano de 1961, trazendo em sua organização uma ampliação aos direitos educacionais dos estudantes inclusive dos estudantes com deficiência: “Capítulo III, art. 4.º, inciso III, diz que é dever do Estado garantir o “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1996, p. 27833). Conforme nos aponta Gomes (2022), essa nova legislação nacional designa, pela primeira vez, o Capítulo V – Da Educação Especial (BRASIL, 1996), como modalidade acadêmica com ações expressas em seus artigos 58 a 60. Essa proposta que visou a inclusão dos estudantes com deficiência no ensino comum acabou por afetar os estudantes Surdos pois, nessa busca pela inclusão de “todos” no ensino comum, foi desconsiderada a especificidade linguística dos estudantes Surdos que eram inseridos nesse espaço sem o apoio de um professor bilíngue e sem o acompanhamento de um intérprete de Libras, já que nesse período a Libras ainda não era considerada uma Língua oficial de comunicação dos estudantes com Surdez, nem tampouco havia regulamentado a profissão de tradutor intérprete e/ou professor de Libras, com formação superior. Ainda na busca pela consolidação da inclusão das pessoas com deficiência, no ano de 1999, o Brasil publicou o Decreto n.º 3.298 (BRASIL, 1999), que trata das Políticas Nacionais de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as normas de proteção. Para Lopes et al. (2016), nesse período iniciou-se o movimento de inclusão em massa dos estudantes público-alvo da educação especial nas escolas de ensino comum, porém, houve muitos entraves haja vista que efetivamente não houve formação continuada aos educadores que já faziam parte do quadro de profissionais das escolas públicas do ensino comum, estando esses despreparados para o recebimento dos estudantes com deficiência que antes recebiam atendimento especializado em escolas próprias, o que também não se apresentava como um atendimento adequado. Não queremos com isso desfavorecer o processo de inclusão, o que é fundamental quando temos uma sociedade diversa, mas precisávamos, naquele momento, de preparo adequado visando os estudantes com deficiência, suas 36 especificidades e particularidades decorrentes dela, garantindo assim uma adequada inclusão. É importante salientar que, ainda no mesmo ano, houve um importante movimento da comunidade surda que resultou em um documento intitulado “A Educação que nós, Surdos queremos” (FENEIS, 1999), documento construído por lideranças de instituições voltadas para a educação de Surdos em conjunto com intelectuais Surdos por ocasião do Pré-congresso do V Congresso Latino-Americano de Educação Bilíngue para Surdos. Esse documento representou os anseios da comunidade Surda quanto às políticas e práticas educacionais voltadas para os estudantes Surdos, solicitando o reconhecimento da comunidade Surda, sua cultura e identidade, além de formação específica para a profissionalização dos Surdos, dando acesso para que fossem multiplicadores de sua língua. Essa carta foi encaminhada ao Ministério da Educação em nome de todos os Surdos do Brasil e endossada pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - FENEIS (CUNHA JÚNIOR, 2015). No ano 2000, o Brasil inicia o movimento de promoção e acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida por meio da Lei n.º 10.098 (BRASIL, 2000), com o objetivo de facilitar a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade e garantir-lhes acessibilidade, suprimindo barreiras e obstáculos de diversas natureza, como as arquitetônicas, meio de transporte, mobiliários e comunicacionais. Para as pessoas com surdez, a lei traz informações importantes em seu artigo 19: Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento (BRASIL, 2000, p. 2). A partir da publicação da referida lei, alguns espaços públicos iniciaram o movimento de adequação dos espaços a fim de que as pessoas com deficiência pudessem acessar esses locais tendo conforto e autonomia, como a construção de rampas de acesso, instalação de elevadores, pisos táteis, dentre outros, mas o uso da Libras ainda não era realizado neste período haja vista que a essa língua ainda não era considerada uma língua oficial da comunidade Surda. No ano de 2001, o Brasil promulga a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de 37 Deficiência por meio do Decreto n.º 3.956 (BRASIL, 2001), o qual reafirma que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais, definida como discriminação toda a diferenciação ou exclusão ocorrida por motivo de sua deficiência. Neste decreto, o Brasil assume o compromisso de executá-la integralmente conforme documento original. Com isso, o Brasil publica as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB n.º 2/01, no art. 2.º, determinando que: “Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001). Em 2002, o Brasil reconheceu a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão dos Surdo por meio da Lei n.º 10.436: Art. 1.º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002, p. 23). Mesmo após o reconhecimento da Libras, os Surdos ainda continuam na luta pela efetiva garantia de seus direitos linguísticos, já que dentro das escolas comuns os Surdos permaneciam excluídos dentro do ambiente escolar já que não dispunham de pares linguísticos para a difusão e comunicação em sua primeira língua. Com isso, a FENEIS iniciou um movimento por todo o país, pois havia Surdos, pais de Surdos, professores e políticos questionando acerca da inclusão realizada aos estudantes Surdos nas escolas comuns sob a ótica da nova política de inclusão imposta (CUNHA JÚNIOR, 2015). No ano de 2004, no estado do Rio de Janeiro, foi sancionada a Lei 4.309/2004 (RIO DE JANEIRO, 2004) que dispõe sobre o ingresso de pessoas com deficiência auditiva nas universidades públicas estaduais, garantindo a elas o direito à acessibilidade em sua língua materna. Essa Lei foi aprovada parcialmente em abril de 2004, tendo sido vetado o seu artigo 1.º, considerado o mais importante para a comunidade surda. Após a reivindicação da comunidade surda pela aprovação deste 38 artigo, o mesmo foi sancionado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em novembro do mesmo ano. Art. 1.º - As universidades públicas estaduais deverão observar, em seus processos seletivos, bem como no transcorrer dos cursos, critérios pedagógicos, inclusive com adoção da Língua Brasileira de Sinais – Libras, para fins de acessibilidade das pessoas com deficiência auditiva (RIO DE JANEIRO, 2004, documento eletrônico). Diante da necessidade de regulamentar a Lei 10.436/2002 (BRASIL, 2002), foi sancionado o Decreto 5.626 (BRASIL, 2005), no ano de 2005, que dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular. Este Decreto orienta a inserção da disciplina de Libras nas graduações universitárias nos cursos de formação de professores, ou seja, todas as licenciaturas e nos cursos de Fonoaudiologia (bacharelado) das instituições públicas e privadas, assim como a formação de professores e instrutores de Libras sendo disponibilizado curso de Graduação em Letras Libras18 tendo como prioridade a matrícula de pessoas surdas nessa graduação conforme art. 4.º e parágrafo único: Art. 4.º A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua. Parágrafo único: As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. (BRASIL, 2005. p. 28). O uso e a difusão da Libras e da Língua Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação foi fortalecido neste documento, sendo orientado às instituições Federais sobre a necessidade de garantir “obrigatoriamente” o acesso à comunicação e à informação aos Surdos, além de estabelecer as regras para a formação dos tradutores e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa. A partir desse decreto, a comunidade Surda passou a ter o direito de acesso às escolas e/ou classes bilíngues, espaços onde a aula é ministrada em sua primeira língua – Libras, respeitando seu direito linguístico, identitário e cultural. 18 O primeiro curso de Letras Libras foi ofertado pela Universidade Federal de Santa Catarina no ano de 2006 na modalidade a distância, sendo matriculados 447 Surdos e 53 ouvintes bilíngues, sendo estes participantes dos estados do Amazonas, Ceará, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (QUADROS; STUMPF, 2009, p. 169). 39 Em 2008, foi aprovada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI, cujo documento estabeleceu como público-alvo da educação especial: pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Neste documento, ficou estabelecido a organização do AEE além do incentivo à formação de profissionais especializados para atuação nesses ambientes (BRASIL, 2008c). Ainda neste mesmo ano, como resultado das lutas da comunidade Surda na busca do reconhecimento de sua identidade e cultura, foi sancionada a Lei n.º 11.796 (BRASIL, 2008b) instituindo o Dia Nacional do Surdo, uma data muito importante para a comunidade Surda já que foi a data da fundação da primeira escola de Surdos no Brasil19, o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, localizado no estado do Rio de Janeiro. Desde então, o mês de setembro é marcado por eventos apresentando as lutas e conquistas da comunidade Surda quanto aos seus direitos linguísticos, culturais e identitários. Ainda em 2008, foi sancionado o Decreto 6.571/2008 (BRASIL, 2008a) que teve por finalidade ampliar o Atendimento Educacional Especializado - AEE no ensino comum. No ano de 2009, o Brasil promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 sob o Decreto 6.949 (BRASIL, 2009a), afirmando a execução e cumprimento integral do mesmo da forma como foi redigido, sendo realizado ações para a garantia dos direitos de acessibilidade, saúde, educação e inclusão social através do ensino e da educação. Nessa mesma época, o Brasil publicou a Resolução n.º 4 (BRASIL, 2009b) determinando que o ensino às pessoas com deficiência deveria ser oferecido somente pelas escolas comuns, sendo as escolas especializadas responsáveis somente pelo AEE. Segundo Cunha Júnior (2015), essa resolução trouxe a ameaça ao fechamento das escolas de Surdos já que, essa era incluída no bojo de escolas especiais, que 19 Em 26 de setembro de 1857, foi fundado no Rio de Janeiro o Instituto Imperial de Surdos-Mudos, que mais tarde passaria a se chamar Instituto Nacional de Educação de Surdos. O professor francês Édouard Huet, também Surdo, apresentou a proposta de uma escola especializada no ensino de pessoas surdas a Dom Pedro II. A proposta foi aceita e o governo imperial designou o Marquês de Abrantes para acompanhar o processo da criação da primeira escola para Surdos no país. Disponível em: https://www.libras.com.br/ines. Acesso em: 01set. 2022. https://www.libras.com.br/ines 40 foram consideradas como espaços segregatórios e de pouco aprendizado aos estudantes com deficiência. Algum tempo depois, já no ano de 2011, o Brasil lançou por meio do Decreto n.º 7.612 o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver sem Limite (BRASIL, 2011). O objetivo deste plano foi a articulação de políticas públicas para desenvolver as ações estabelecidas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência garantindo a inclusão equitativa, tendo acesso a recursos humanos e materiais, tendo como eixos de atuação o acesso à educação, atenção à saúde, inclusão social e acessibilidade. Neste mesmo ano, a ameaça ao fechamento das escolas de Surdos tornou-se realidade quando a direção do INES recebeu a informação sobre o fechamento do Ensino Básico da instituição que deveria ocorrer até o final daquele ano. Essa notícia foi de grande impacto para a comunidade Surda que, em inúmeros atos e reivindicações pelo não fechamento organizaram-se em um grande ato político ocorrido em Brasília nos dias 19 e 20 de março de 2011 com o lema “Nada sobre Nós, sem Nós”, o qual foi fundamental para o cancelamento do fechamento dessas escolas (CUNHA JÚNIOR, 2015). Em 2013, foi publicado no Diário da União Portaria n.º 1.060 (BRASIL, 2013) que instituiu Grupo de Trabalho com objetivo de elaborar subsídios para a Política Nacional de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, com orientações para a formação inicial e continuada de professores para o ensino da Libras e da Língua Portuguesa como segunda língua, tendo um olhar pontual às reivindicações da comunidade Surda. Esse grupo de estudos foi composto por representantes de instituições de Surdos, além de outras entidades conforme descrito no Artigo 2.º: O Grupo de Trabalho será composto pelos seguintes membros: I- 7 (sete) representantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos - FENEIS; II- 3 (três) representantes do Ministério da Educação MEC; III-3 (três) representantes de Instituições Federais de Ensino Superior-IFES; IV- 1 (um) representante do Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES; V- 1(um) representante da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME; e VI- 1 (um) representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED (BRASIL, 2014, p. 44). 41 É possível observar que o movimento “Nada sobre Nós, sem Nós” teve impacto importante, já que, diante de lutas e embates, os Surdos finalmente passaram a participar dos grupos de trabalho para o desenvolvimento de um ensino bilíngue específico para os estudantes Surdos, agora tendo voz, apresentando subsídios para a valorização da cultura e identidade Surda. Das atividades desse grupo de estudos resultou o Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL 2014) em cujo documento é apresentada a desvinculação da Educação de Surdos da Secretaria de Educação Especial - SEESP que tem como foco o Atendimento Educacional Especializado e a vinculação à Secretaria de Alfabetização Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI, conquistando com isso o status de Comunidade linguístico-cultural e deixando de ser considerado como deficiência. Nesse documento, é abordado o ensino bilíngue, solicitando que os estudantes tenham garantido o ensino em espaços bilíngues onde a primeira língua seja a Libras e a Língua Portuguesa na modalidade escrita seja ofertada como segunda língua. Também fica registrado nesse relatório que o Atendimento Educacional Especializado, caso necessário, deve ser ofertado somente aos estudantes que possuam outros comprometimentos como Surdocegos, Surdos autistas, Surdos com deficiência visual, Surdos com deficiência intelectual, com síndromes diversas ou com outras singularidades (BRASIL, 2014). Em 2015, foi aprovada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - LBI, Lei N.º 13.146 (BRASIL, 2015) que dispõe sobre a inclusão das pessoas com deficiência, a promoção da igualdade de condições com as demais pessoas, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais visando sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015, p. 1). No ano seguinte, o Brasil publicou a Lei n.º 13.409 (BRASIL, 2016) que dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de Ensino Médio e Superior das instituições federais de ensino. Essa lei foi de grande importância pois, após sua publicação as pessoas com deficiência foram incluídas no programa de cotas das instituições federais de Ensino Superior. Algum tempo depois, no ano de 2020, foi publicado o Decreto N.º 10.502 (BRASIL, 2020) que Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Neste documento é apresentado a 42 organização que se daria ao ensino para os estudantes com deficiência, porém, em seu art. 2.º inciso IV consta a proposta de criação de escolas especiais: [...] escolas especializadas - instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos (BRASIL, 2020. p. 6). Este inciso foi responsável por grande mobilização e manifestações contrárias ao referido decreto, sendo considerado um grande retrocesso nas políticas de inclusão já que abre o precedente para a criação de escolas especiais, escolas estas consideradas espaços segregatórios. Portanto, em dezembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal realizou uma audiência pública ao longo de dois dias que resultou na suspensão do mesmo, tendo em vista que este fragiliza a prerrogativa da inclusão. Em agosto de 2021 a comunidade Surda comemora mais uma conquista, a inclusão da modalidade de educação bilíngue de Surdos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. A Lei n.º 14.191 (BRASIL, 2021a). Essa Lei alterou a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 incluindo a Educação bilíngue de Surdos como modalidade educacional. Essa conquista é de grande importância pois a surdez deixa de ser vista como deficiência e passa a ser considerada como especificidade linguística de uma comunidade que possui Língua, cultura e identidade próprias, com isso a Comunidade Surda tem conquistado mais espaços, direitos e respeito. A lei traz importantes avanços, como a delineação do perfil dos educadores que realizarão o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes Surdos, conforme aponta Cunha Júnior: “Temos um precedente histórico neste documento ao oportunizar abertura de espaço para que as entidades representativas das comunidades Surdas se posicionem no que se refere aos “processos de contratação e de avaliação periódica dos professores”” (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 89). Portanto, com a referida Lei, os Surdos começam a ocupar espaços importantes, tendo voz na construção da educação escolar bilíngue, contemplando os aspectos linguísticos e culturais das diversas identidades Surdas. Construímos uma linha do tempo com as publicações aqui explanadas para melhor visualização deste percurso histórico das Políticas Públicas no Brasil: 43 Figura 2 – Políticas Públicas Nacionais Fonte: Elaborado pela autora. 44 Com este panorama, é possível observar que, mesmo diante de tantas Leis, Decretos e Portarias, ainda encontramos barreiras para a real garantia dos direitos das pessoas com Surdez. Encontramos barreiras comunicacionais nas instituições públicas diversas como na saúde, na segurança e na educação. Porém, esses documentos oficiais são de grande importância para que os Surdos possam exigir a efetivação desses direitos, conforme observamos no último movimento que incluiu a modalidade de Educação Bilíngue de Surdos na LDB (BRASIL, 2021), por este motivo acreditamos na importância da alfabetização e letramento dos estudantes Surdos, para que estes tenham independência e desenvolvam a criticidade para exigir a efetivação desses direitos já garantidos nos documentos oficiais. Na próxima subseção abordaremos a trajetória da educação para Surdos no município de São Paulo e seus desdobramentos até os dias atuais. 2.3 Trajetória histórica da Educação para Surdos no município de São Paulo A educação de Surdos no Município de São Paulo teve início no ano de 1952, após o Capitão da Polícia Militar, Francisco Vieira Fonseca encaminhar para a Secretaria de Educação de São Paulo uma proposta para a criação de um Núcleo de Recuperação que prestasse assistência à criança Surda, já que era pai de três crianças Surdas. Foi instituído o I Núcleo Educacional para Crianças Surdas, no ano de 1952, no bairro de Santana, zona norte de São Paulo20. No ano de 1954, o Núcleo de Recuperação foi transferido para o bairro do Ipiranga, neste período as atividades desenvolvidas com os estudantes eram voltadas à leitura labial, educação sanitária, atividades manuais, educação física, recreação e jogos sensoriais. A restrição de atividades se dava por falta de profissionais qualificados (PENA, 2018). Ainda sob a ótica de Pena (2018), em 1956, o Núcleo foi novamente transferido, agora para uma biblioteca infantil localizada no bairro da Aclimação. Nessa época, houve a criação do Instituto Municipal de Surdos-Mudos. Após dois anos, por meio do Decreto n.º 3827/58 (SÃO PAULO, 1958) o Instituto passou a ser denominado Escola Municipal de Crianças Surdas, sob a responsabilidade da Secretaria de Educação e Cultura. 20 História da EMEBS Helen Keller conhecida por meio de informações cedidas pela Diretoria Regional de Ensino Ipiranga e por pesquisas no material de PENA, Fernanda Santos et al. Educação bilíngue e geografia nas escolas de Surdos. 2018. 45 No ano de 1960, foi criado o Instituto Municipal de Educação de Surdos - IMES por meio do Decreto n.º 4884/60 (SÃO PAULO, 1960). Em 1967, novamente houve mudanças, agora o IMES passou a se chamar Instituto de Educação de Crianças Excepcionais - IECE, ficando subordinado ao departamento de Assistência Escolar. No ano de 1969, o nome foi alterado para Instituto de Educação de Crianças Excepcionais Helen Keller. Neste período, a concepção educacional adotada era Oralista, pois os estudantes Surdos deveriam ser treinados a falar, para participar da sociedade, um modelo educacional de reabilitação (LACERDA; ALBRES; DRAGO, 2013). Em 1976, o Instituto Educacional de Crianças Excepcionais Helen Keller passou a ser chamado de Escola Municipal de Educação Infantil e 1.º Grau para Deficientes Auditivos - EMEDA Helen Keller por meio da Lei Municipal n.º 8.381/76 (SÃO PAULO, 1976). Em 1987, um grupo composto por pais, professores, sociedades de amigos de bairro e Associações de Surdos reivindicam a abertura de mais escolas especiais, solicitando uma unidade em cada região pois somente a EMEDA Helen Keller não absorvia a demanda de estudantes Surdos. Esse movimento resultou na aprovação da Lei 10.567/88 (SÃO PAULO, 1988) em sessão extraordinária na Câmara Municipal. Neste ano, foram inauguradas quatro Escolas Municipais de Educação Infantil e de 1.º Grau para Deficientes Auditivos, sendo elas a EMEDA Anne Sullivan localizada na zona sul de São Paulo, EMEDA Neusa Basseto na zona leste, EMEDA Prof.ª Vera Lúcia Aparecida Ribeiro na zona oeste e a EMEDA Madre Lucie Bray na zona norte. No ano de 1999, as Escolas Municipais de Educação Infantil e de 1.º Grau para Deficientes Auditivos - EMEDA passaram a ser denominadas Escolas Municipais de Educação Especial EMEE, e inaugurada a sexta unidade escolar por nome EMEE Professor Mário Pereira Bicudo localizada também na zona norte de São Paulo. Considerando a necessidade de reestruturação das escolas para Surdos, no ano de 2011, foi publicado o Decreto 52.785/11 (SÃO PAULO, 2011) que altera as Escolas Municipais de Educação Especial - EMEE para Escolas Municipais de Educação Bilíngue Para Surdos, delineando agora como se dará o ensino destes estudantes no modelo Bilíngue, utilizando a Libras como língua de comunicação e instrução e a Língua Portuguesa na modalidade escrita (LACERDA; ALBRES; DRAGO, 2013). 46 As diretrizes compostas por essa lei, estabelece que a Libras deve ser oferecida como L1 e a Língua Portuguesa na modalidade escrita como L2 e traz orientações de como as EMEBS devem ser organizadas. A exigência de formação do professor deverá ser específica na área de surdez e ter o domínio de Libras. No caso do professor que irá trabalhar com estudantes Surdocegos, deverá ter formação específica em Surdocegueira, na falta deste profissional, é autorizado a contratação por tempo determinado para atuação na UE. Essa lei também estabelece a contratação de Instrutores de Libras preferencialmente Surdo, estes são responsáveis por dar suporte aos professores regentes de classe/aula, sendo eles, o modelo linguístico dentro das unidades escolares. No ano de 2012, a PMSP criou duas Escolas Polos Bilíngues para Surdos e Ouvintes no CEU21 Capão Redondo (zona Sul de São Paulo) e no CEU São Rafael (zona Leste de São Paulo). Essas diretrizes permaneceram sendo seguidas no decorrer dos anos, sendo ela ratificada pela PMSP no ano de 2016 pelo Decreto n.º 57.379 e regulamentada no mesmo ano pela Portaria n.° 8.764 reconhecendo o direito dos Surdos a uma Educação Bilíngue de qualidade que respeite sua identidade e cultura (SÃO PAULO, 2019a). No ano de 2017, teve início os Grupos de Trabalhos - GTs para a elaboração do Currículo da Cidade Língua Portuguesa para Surdos (SÃO PAULO, 2019a) e Currículo da Cidade de Libras (SÃO PAULO, 2019b), documentos estes que tiveram sua publicação no ano de 2019. Atualmente, as EMEBS possuem professores com formação específica na área da surdez, embora essa formação não lhe traga proficiência na Libras, tema este que abordaremos mais à frente. Nessas escolas, a Libras deve ser adotada como primeira língua, a Língua Portuguesa adotada como segunda língua na modalidade escrita e estes espaços contam com instrutores de Libras contratados preferencialmente 21 Centro Educacional Unificado - Os CEUs são compostos por: Centro de Educação Infantil (CEI) para crianças de 0 a 3 anos; Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) para alunos de 4 a 6 anos e uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), que também oferece Educação de Jovens e Adultos (EJA). Alguns CEUs também possuem polos UniCEUs, que são cursos universitários na modalidade a distância, nestes dois específicos, ainda contam com salas bilíngues para Surdos multisseriadas do 1.º ao 5.º ano. A partir do 6.º ano os estudantes acompanham as aulas em turmas comuns com apoio do intérprete de Libras. 47 Surdos. As EMEBS realizam a oferta de curso de Libras para familiares de estudantes Surdos e para a comunidade. Entendemos que, o Currículo da Cidade - Língua Portuguesa para Surdos e Currículo da Cidade - Libras devam estar em consonância com a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, de forma que os professores tenham claros os caminhos a serem percorridos para um ensino-aprendizagem bilíngue nas EMEBS. Na próxima subseção, falaremos mais sobre este tema. 2.4 Base Nacional Comum Curricular, currículo da cidade de São Paulo e bilinguismo Nesta subseção, discorremos sobre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) e seus desdobramentos quanto ao currículo e o ensino bilíngue de Surdos22. A BNCC foi elaborada de acordo com o Plano Nacional de Educação – PNE, um importante documento que tem por objetivo consolidar o sistema educacional a partir das 20 metas estabelecidas nele. Essas metas têm como foco eliminar barreiras educacionais, efetivando a Constituição Federal de 1988 no que se refere a Educação para Todos (BRASIL, 1988). Porém, ao analisar a BNCC percebemos que a comunidade Surda continua invisível, não tendo seus direitos linguísticos respeitados. Embora a BNCC contemple educação bilíngue em língua estrangeira e o currículo multicultural respeitando as etnias indígenas e suas especificidades linguísticas e culturais, os Surdos não foram contemplados nesse bojo, conforme observamos na citação a seguir: [...] No caso da Educação Escolar Indígena, por exemplo, isso significa assegurar competências específicas com base nos princípios da coletividade, reciprocidade, integralidade, espiritualidade e alteridade indígena, a serem desenvolvidas a partir de suas culturas tradicionais reconhecidas nos currículos dos sistemas de ensino e propostas pedagógicas das instituições escolares. Significa também, em uma perspectiva intercultural, considerar seus projetos educativos, suas cosmologias, suas lógicas, seus valores e princípios pedagógicos próprios (em consonância com a Constituição Federal, com as Diretrizes Internacionais da OIT – Convenção 169 e com documentos da ONU e Unesco sobre os direitos indígenas) e suas referências específicas, tais como: construir currículos interculturais, diferenciados e bilíngues, seus sistemas próprios de ensino e aprendizagem, tanto dos conteúdos universais quanto dos conhecimentos indígenas, bem 22 Ensino Bilíngue de Surdos, terminologia utilizada nos documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e também será a terminologia adotada nessa dissertação. 48 como o ensino da língua indígena como primeira língua (BRASIL, 2018, p. 18). Evidenciamos que na BNCC o ensino bilíngue para Surdos ficou reduzido somente a tradução em Libras da língua majoritária que é a Língua Portuguesa, sem existir nenhum projeto de ensino bilíngue para Surdos respeitando a Libras como sua primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua na modalidade escrita, conforme previsto na Lei 10.436/2002 (BRASIL, 2002). Outro fator importante a ser destacado refere-se ao silêncio quanto à disciplina de Libras, pois não existe nenhuma informação na BNCC sobre a obrigatoriedade da mesma, o que causa estranheza já que, foi uma língua reconhecida como língua de comunicação e expressão da comunidade Surda. Observamos aqui a controvérsia entre Educação para Todos e a escancarada exclusão dessa minoria linguística (ROSS, 2021). A BNCC tem sua estrutura de alfabetização dos estudantes da Educação Básica fundamentado na aprendizagem da consciência fonológica objetivando o desenvolvimento da técnica da escrita por meio do método fônico. Assim, A criança aprende que a escrita alfabética representa os sons das palavras, isto é, das mesmas palavras que ela usa para pensar e se comunicar com os outros. Aprendendo as relações entre as letras e os sons, a criança começa a fazer escrita por codificação fonografêmica, ou seja, falando consigo mesma e convertendo os sons da fala nas suas letras correspondentes (CAPOVILLA et al., 2004, p. 17). Trata-se de sua língua materna oral para a Língua Portuguesa escrita, realizando relações entre sons e hipóteses escritas. Se analisarmos a condição do estudante Surdo nesse contexto, não há hipótese a partir de sua língua materna visual, ou seja, a BNCC não contempla como deverá desenvolver a alfabetização desses estudantes utilizando-se de sua língua de comunicação, a Libras. Em busca rápida pelo documento, a palavra Libras é encontrada sete vezes, mas está vinculada a informações sobre as diferentes linguagens, diversidade cultural, apresentando a necessidade de conscientizar os estudantes da necessidade do respeito às particularidades linguísticas da comunidade Surda e em linguagens e suas tecnologias além de apresentar a necessidade de aplicação de diferentes linguagens como estudo e a reflexão sobre as linguagens. Em nenhum momento a BNCC contempla a alfabetização dos estudantes Surdos dos Anos Iniciais utilizando-se de 49 sua língua de comunicação – Libras como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita. Com isso, Ross (2021) afirma que o documento não traz em sua organização uma real inclusão sobre como alfabetizar esses estudantes Surdos, apenas apresenta a necessidade de tradução para a Libras dos conteúdos desenvolvidos na língua oral. Ainda sob a ótica de Ross, a BNCC como um documento norteador dos currículos, quando refere-se à alfabetização dos estudantes falha na orientação da base teórica e métodos em se tratando da alfabetização dos estudantes Surdos, sendo contemplados neste documento somente os estudantes ouvintes. É possível observar que a teoria metodológica adotada no documento apresenta a alfabetização dos estudantes por meio do método fônico, trazendo a importância de desenvolver as relações fono-ortográficas (relações entre sons do português oral e a escrita), percepção de sons e escritas, variações da língua oral falada e língua escrita. Essas são algumas orientações que se encontram organizadas no documento de forma a nortear os currículos para a alfabetização dos estudantes. No documento é citado que: [...] alfabetizar é trabalhar com a apropriação pelo aluno da ortografia do português do Brasil escrito, compreendendo como se dá este processo (longo) de construção de um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento fonológico da língua pelo estudante. Para isso, é preciso conhecer as relações fono-ortográficas, isto é, as relações entre sons (fonemas) do português oral do Brasil em suas variedades e as letras (grafemas) do português brasileiro escrito. Dito de outro modo, conhecer a “mecânica” ou o funcionamento da escrita alfabética para ler e escrever significa, principalmente, perceber as relações bastante complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas), o que envolve consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons, como se separam e se juntam em novas palavras (BRASIL, 2018, p. 90). Podemos observar, portanto, que em se tratando dos estudantes Surdos, a BNCC é falha quando estabelece a mecânica de alfabetização utilizando-se dos sons, sem considerar as especificidades linguísticas dos estudantes com surdez, sendo esse método totalmente ineficaz para esse público que, me