São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 53 GEOCRONOLOGIA DO MACIÇO GRANÍTICO SARARÉ NO SW DO CRÁTON AMAZÔNICO Larissa Marques Barbosa de ARAÚJO 1, Antonio Misson GODOY 2, Amarildo Salina RUIZ 3 (1) Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável - ICAD, Universidade Federal da Bahia/Campus Reitor Edgard Santos. Rua Prof. José Seabra, s/n – Centro. CEP 47805-100. Barreiras, BA. Endereço eletrônico: larissamarquesba@gmail.com (2) Departamento de Petrologia e Metalogenia, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, UNESP/ Campus Rio Claro. Avenida 24-A, 1515 – Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. Endereço eletrônico: mgodoy@rc.unesp.br (3) Departamento de Geologia Geral, Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT. Avenida Fernando Corrêa, s/n – Coxipó. CEP 78060-900. Cuiabá, MT. Endereço eletrônico: asruiz@ufmt.br Introdução Contexto Geológico Regional Magmatismo Associado ao Evento Sunsás-Aguapeí no SW do Cráton Amazônico Aspectos Geológicos do Maciço Sararé e Rochas Encaixantes Dados Geocronológicos Conclusões Referências Bibliográficas RESUMO – O Maciço Sararé ocorre no sudoeste do Estado de Mato Grosso, intrusivo em unidades mesoproterozóicas do Bloco Jauru do Cráton Amazônico. Trata-se de um corpo com 80 km2, forma elíptica a alongada, segundo o trend da tectônica regional NW-SE. É constituído por três fácies petrográficas principais de composição monzograníticas, leucocráticas, vermelhas, isotrópicas a foliadas na borda e equi- a inequigranulares a localmente porfiríticas. Constitui num granito do Tipo S, peraluminoso, tardi a pós-cinemático, apresentam idades 40Ar/39Ar obtidas a partir de biotitas e muscovitas de 903 a 906 Ma. interpretada como o período de resfriamento das rochas do maciço e idade U-Pb de 917 ± 18 Ma. interpretada como idade de cristalização do corpo intrusivo. As rochas do maciço foram geradas a partir da fusão de material da crosta superior, em ambiente de colisão continental e/ou de descompressão pós-colisional, pertence ao magmatismo regional tardi a pós-cinemático ao final do evento Aguapeí-Sunsás, e da estabilização tectônica do extremo meridional do Cráton Amazônico. Palavras-chave: Maciço Sararé, Cráton Amazônico, geocronologia. ABSTRACT – L.M.B. de Araújo, A.M. Godoy, A.S. Ruiz - Geochronologic of the Sararé Granitic Massif in the SW Amazonian Craton. Sararé Massif occurs in the southwest Mato Grosso state intruded into Mesoproterozoic units of the Jauru Block inside the Amazonian Craton. It presents an extension of approximately 80 km2 and NW-SE tectonic structures control the elongated shape. It is constituted by three major monzogranitic petrographic facies, represented by leucocratic, reddish, isotropic, equi-inequigranular to locally porphyritic rocks. The composition indicates S-type, peraluminous, with indicatives of late- to post-kinematic magmatism. Geochronological studies with 40Ar/39Ar in biotites and muscovites resulted in ages of 903 to 906 Ma was interpreted as massif rocks cooling period and U-PB 917 ± 18 Ma. ages points to the crystallization of the intrusive body. The massif is formed by melting of material of the upper crust, in an environment of continental collision and/or of post-collisional decompression at the ending of the Aguapeí-Sunsás event, in more stable environments of consolidation and tectonic stabilization of the Amazonian Craton. Keywords: Sararé Massif, Amazonian Craton, geochronology. INTRODUÇÃO A porção do Cráton Amazônico exposta entre a cidade de Pontes e Lacerda e o limite estadual RO– MT, contava apenas com cartografia geológica na escala 1: 1.000.000 (Figueiredo et al., 1974 e Barros et al., 1982), mais recentemente diversas iniciativas de mapeamento geológico em escala de semi-detalhe têm reduzido a lacuna de informações neste setor, como, Menezes et al. (1993), Araújo-Ruiz (2000, 2003a), Ruiz (2003) e Ruiz et al. (2001 e 2003, a,b). Araújo-Ruiz (2003a) ao divulgar carta geológica na escala 1: 100.000 do polígono delimitado pelos paralelos 14o38’30" e 14o49’20" de latitude Sul e meridianos 59o16’ e 59o26’ de longitude Oeste, situado na Folha Rio Pindaituba (SD-21-Y-A-V) (Figura 1), enfatiza a ocorrência de um corpo granítico, isotrópico, denominado de Maciço Sararé, alojado em um conjunto de rochas supracrustais metamorfisadas (Complexo Vulcano-Sedimentar Pontes e Lacerda), ortognaisses São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 54 e migmatitos (Complexo Metamórfico Alto Guaporé) e granitóides deformados (Maciços Sapé e Anhan- güera). Neste trabalho serão apresentados principalmente os dados finais de cunho geocronológico obtidos pelos métodos 40Ar/39Ar, Sm-Nd e U/Pb para as faciologias do Maciço Sararé, integrante do magmatismo tardi a pós-tectônico vinculado ao Evento Sunsás-Aguapeí (1,25 a 1,0 Ga), no sudoeste do Cráton Amazônico. Os resultados, principalmente de natureza geológica, petrográfica e geoquímica encontram-se descritos em Araújo-Ruiz et al. (2003). CONTEXTO GEOLÓGICO REGIONAL O Cráton Amazônico exibe compartimentação tectônica-geocronológica, onde individualizam-se quatro províncias proterozóicas (Maroni-Itacaiúnas 2,2-1,95 Ga., Rio Negro-Juruena 1,8–1,55 Ga., Rondoniano-San Ignácio 1,5-1,3 Ga. e Sunsás-Aguapeí 1,25-1,0 Ga.), dispostas em torno de um núcleo crustal arqueano, a Província Amazônia Central (> 2,3 Ga.) de acordo com Tassinari & Macambira (1999) e Tassinari et al. (2000) (Figura 2). Na década de 90 generalizou-se o emprego do conceito de terrenos e de amalgamação de massas continentais na porção SW do Cráton Amazônico, envolvendo o oriente boliviano, SW de Mato Grosso e sul de Rondônia. Saes & Fragoso César (1996), Saes et al. (1994), Saes (1999), Geraldes (2000) e Geraldes et al. (2001), contribuíram com diferentes propostas de compartimentação em terrenos tectono- estratigráficos. Segundo Saes (1999) são reconhecidos no Brasil, os seguintes terrenos: Paraguá (TP), Rio Alegre (TRA), Santa Helena (TSH) e Jauru (TJ). Esta proposta insere a área objeto deste estudo, em particu- lar, o Maciço Sararé, no domínio do Terreno Santa Helena. No entanto, de acordo com a compartimentação em blocos litotectônicos de Ruiz (2003), o Maciço Sararé e suas encaixantes pertencem ao Bloco Jauru. Com base nos dados lito-estruturais levantados no mapeamento regional, Ruiz (2003) propôs por uma divisão preliminar em blocos tectônicos, sem a conotação de terrenos exóticos. Os limites entre os blocos são definidos por zonas de cisalhamento de expressão regional e apresentando cada um dos blocos uma constituição litoestratigráfica própria. Esta proposta de compartimentação em Domínios Tectônicos é atualizada por (Ruiz, 2005; Ruiz et al., 2005) e utilizada neste trabalho, em que subdivide a porção sudoeste do Cráton Amazônico em cinco domínios tectônicos distintos denominados de Cachoeirinha, Jauru, Rio Alegre, Rio Novo e Paraguá (Figura 3). MAGMATISMO ASSOCIADO AO EVENTO SUNSÁS- AGUAPEÍ NO SW DO CRÁTON AMAZÔNICO Citações de rochas plutônicas félsicas, como, as Intrusivas Ácidas de Figueiredo et al. (1974) no SW de Mato Grosso, surgem a partir dos trabalhos de mapeamento regional conduzidos nas décadas de 60 e 70 pelo DNPM/CPRM. Coube a Barros et al. (1982) a tarefa de agrupar os granitóides isótropos, conside- rados cratogênicos, ocorrentes nesta porção do Cráton Amazônico como pertencentes a Suíte Intrusiva Guapé (1,0 a 0,9 Ga.). FIGURA 1. Mapa de localização e de vias de acesso à área estudada. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 55 FIGURA 2. Províncias Geocronológicas do Cráton Amazônico segundo Tassinari & Macambira (1999) e localização da área. Saes et al. (1994) restringiram a Suíte Guapé aos maciços félsicos, compostos por biotita hornblenda granitos e microgranitos porfiríticos, que ocorrem segundo um alinhamento N-S, na região do alto curso do Rio Jauru. Monteiro et al. (1986), estudando a região entre as bacias dos Rios Jauru e Cabaçal, definiram um conjunto de granitóides isótropos, com idades K- Ar e Rb-Sr mais antigas (1,45 a 1,42 Ga.) e denominaram de Granitos Alvorada. Menezes et al. (1993), ao mapearem a Folha Pontes e Lacerda, aplicam a denominação Suíte Intrusiva Guapé à intrusão situada na fazenda homô- nima, caracterizando-a petrologicamente como quartzo monzonitos, granitos e monzogranitos do tipo I. Os autores descrevem outra intrusão nas proximidades do Distrito de São Domingos, o Granito São Domingos, igualmente isótropo, mas com características petro- lógicas que sugerem derivação crustal. Araújo-Ruiz (2003), Araújo-Ruiz et al. (2001 e 2003b) individualizam o Maciço Sararé como um leucogranito róseo, maciço, de composição monzo- granítica, hospedado em ortognaisses e metassedi- mentos, exibindo formato elíptico e orientado conforme o trend regional NNW. No oriente boliviano, Litherland et al. (1986), asseguram que as atividades magmáticas graníticas, São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 56 FIGURA 3. Compartimentação em blocos lito-tectônicos do SW do Cráton Amazônico (Ruiz, 2005), destacando-se a área mapeada e a ocorrência do Maciço Sararé. vinculadas ao Evento Sunsás, estenderam-se de 1,00 a 0,85 Ga. O magmatismo caracteriza-se pela geração de dezenas de plútons graníticos sin a tardi-cinemáticos com intensa deformação interna e associados às zonas de cisalhamento regionais, apresentando pouca ou nenhuma deformação interna e contatos abruptos, que seccionam as estruturas regionais de idade Sunsás. Ruiz (2005) apresenta uma síntese sobre o evento magmático de idade toniana no oriente boliviano e sudoeste Mato Grosso, sendo reconhecidas, em Mato Grosso, quatro intrusões seguramente relacionadas ao Ciclo Sunsás: (1) Granito Guapé, (2) São Domingos, (3) Sararé e (4) Guaporé, além de intrusões menores não cartografadas (Figura 4). Esses corpos graníticos são comumente constituídos por rochas homogêneas, de granulação média a grossa, coloração rósea e de composição variando de sienogranítica a granodiorítica. São francamente isótropos, ou mostram leve orientação nas bordas, exibem formato subelíptico a arredondado, recortam abruptamente unidades supracrustais metamorfisadas e gnaisses ortoderivados pré-Sunsás ou alojam-se parcialmente em zonas miloníticas. ASPECTOS GEOLÓGICOS DO MACIÇO SARARÉ E ROCHAS ENCAIXANTES Conforme a descrição de Araújo-Ruiz et al. (2001) e de Araújo-Ruiz (2003) as unidades litoestratigráficas que compõem o arcabouço geológico das encaixantes do Maciço Sararé, são representadas por assembléias de rochas supracrustais polideformadas do Complexo Metavulcano-sedimentar Pontes e Lacerda, por ortognaisses e migmatitos do Complexo Metamórfico Alto Guaporé e pelos maciços graníticos Sapé e Anhangüera. O Complexo Metavulcano-Sedimentar Pontes e Lacerda trata-se de uma assembléia de xistos e anfibolitos, que apresentam características petrográ- ficas muito similares às descritas por Menezes et al. (1993). Foram distinguidos três tipos litológicos prin- cipais: os muscovita-biotita xistos, granada-muscovita biotita xistos e, mais esporadicamente, as ocorrências de hornblenda anfibolitos. O Complexo Metamórfico Alto Guaporé é com- posto por ortognaisses, migmatitos e localmente anfibolitos. Os gnaisses exibem marcantes banda- mentos composicionais (máficos e félsicos), irregulares e descontínuos, que se tornam difusos em setores onde prevalecem os processos de migmatização. São petrograficamente caracterizados por biotita gnaisses bandados, cinza claro a escuro, granulação média a grossa e de composição entre monzogranítica a granodiorítica. Os migmatitos são mais restritos, exibem composição similar aos dos gnaisses e destacam-se pelas estruturas pitgmáticas e bandadas. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 57 FIGURA 4. Região sudoeste do Cráton Amazônico com destaque para as Faixas Móveis Aguapeí/Sunsás e os granitóides tonianos tipo Sunsás-Aguapeí no Brasil e Bolívia (Ruiz, 2005). Os enclaves anfibolíticos que, às vezes, constituem enxames, apresentam cor verde escura a cinza escura, granulação fina a média, formato lenticular a ovalado, intensa anisotropia e são constituídos essencialmente por plagioclásio (albita-oligoclásio), hornblenda, actinolita, biotita, clorita e opacos. O Maciço Sapé trata-se de um corpo intrusivo deformado e metamorfisado, de dimensão batolítica, orientado segundo a direção NNW, sendo composto por duas fácies petrográficas distintas: uma mais antiga, dominada por rochas cinza escuras, granodioríticas e outra, a mais jovem, composta por rochas cinza claras, granodioríticas a monzograníticas. O Maciço Anhangüera corresponde a um corpo intrusivo, alongado segundo a direção NNW, relativa- mente homogêneo. É constituído por biotita mon- zogranitos, leucocráticos, de granulação grossa, porfirítica, coloração variando de rósea a cinza rosada, exibem intensa anisotropia manifestada por uma foliação milonítica. O Maciço Sararé trata-se de um corpo granítico de forma elíptica, disposto segundo a direção NNW que perfaz cerca de 80 km2 de área de exposição. Em razão de sua estrutura isotrópica a fracamente foliada nas bordas, destaca-se em área de ocorrência um relevo constituído por suaves morros, com notáveis afloramentos sob a forma de lajedos e matacões iso- lados. Seus contatos são de natureza intrusiva com o Complexo Metamórfico Alto Guaporé, Complexo Vulcano-Sedimentar Pontes e Lacerda, Maciço Sapé, sendo claramente controlados pelas estruturas prévias das encaixantes e pelas foliações miloníticas subver- ticais do Maciço Anhangüera e inclinadas da Zona de Cisalhamento Anhanbiqüara. O mapeamento faciológico do maciço granítico permitiu a definição de três variedades petrográficas identificadas no mapa geológico (Figura 5). A Fácies Monzogranito (A) tardia é constituída por duas ocorrências isoladas como “plugs” graníticos principais. A primeira intrudida nas encaixantes no São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 58 FIGURA 5. Mapa geológico do Maciço Sararé e de suas encaixantes (Araújo-Ruiz, 2003). extremo norte desta área e a segunda mais restrita, apresenta-se em pequenos corpos intrusivos circuns- critos, de menor expressão, constituindo diques aplíticos tardios dentro da Fácies Muscovita na porção sudoeste do maciço. São rochas de tonalidades róseas, isotrópicas, equi- a inequigranulares, de granulação fina a média (0,2-5mm) a localmente porfirítica. Assim como as outras fácies do maciço são constituídas por diferentes porcentagens de microclínio, quartzo, plagio- clásio, biotita, apatita, zircão, opacos e por minerais de alteração como muscovita, sericita e clorita e fluorita. A Fácies Muscovita Monzogranito (B) interme- diária é a mais abundante, distribuindo-se por toda porção norte-central do corpo na forma de matacões, lajedos e suaves morros sub-arredondados do tipo meia- laranja. São rochas leucocráticas, róseas, inequigra- nulares médias com grãos variando de 4,0 mm a 1,3 cm. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 59 Apresentam estruturas isotrópicas, podendo local- mente, mostrar uma fraca anisotropia de origem cataclástica, evidenciada pela orientação sub- verticalizada e estiramento de cristais de quartzo e feldspatos (microclínio e/ou plagioclásio). Esta fácies difere-se das demais, pela presença de dois tipos de muscovita: uma límpida, incolor e outra, pleocróica, incolor a rósea, intersticial e associada aos opacos e biotita. A Fácies Biotita Monzogranito (C) inicial encontra-se na porção sul do maciço e é constituída por rochas de composição monzogranítica, leucocrá- ticas, vermelhas, isotrópicas, inequigranulares, granula- ção fina a média (0,4-3,6mm) e com a presença de biotita variando de 8 a 15%. São rochas constituídas essencialmente por microclínio, plagioclásio, quartzo, biotita, muscovita, clorita e traços de zircão, apatita e opacos. DADOS GEOCRONOLÓGICOS O emprego dos métodos geocronológicos Sm-Nd, U-Pb e Ar-Ar têm se tornado uma ferramenta de inquestionável valor para desvendar as histórias magmáticas e termais dos terrenos gnáissicos e graníticos de quase todo o Cráton Amazônico. No estudo em foco, tais sistemáticas isotópicas foram aplicadas com o propósito de definir a idade do protólito magmático (Sm-Nd), intervalo de idade da cristalização (U-Pb) e de resfriamento (Ar-Ar) do Maciço Sararé e, por conseqüência, do magmatismo tardi a pós- cinemático que afetou o SW do Cráton Amazônico. Os resultados analíticos isotópicos da amostra estudada, representativa da fácies Muscovita Monzogranito, foi coletada na Br-174 (amostra LR-05), nas proximidades da ponte sobre o Rio Sararé. Os resultados Sm-Nd e U-Pb da (Tabela 1) apresentam idades modelo TDM, que evidenciam um episódio de fracionamento do manto em torno de 2,9 Ga., provavelmente resultado da herança isotópica do protólito magmático. Os valores negativos de εNd(t), de -4,97 evidenciam para a geração do magma parental a partir de processos de fusão crustal (Tabela 1). Os resultados da idade U/Pb discutidos a seguir, na (Figura 6) foram obtidos a partir da seleção de algumas frações de zircões que apresentam nítido alinhamento no diagrama concórdia. Foram obtidos 8 pontos analíticos representando análises de grãos de zircão (monocristal) e os resultados estão relacionados na Tabela 2. TABELA 1. Resultados analíticos Sm-Nd e U-Pb do Maciço Sararé. TABELA 2. Resultados analíticos U-Pb de zircões do Maciço Sararé. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 60 FIGURA 6. Diagrama da concórdia para amostra do Granito Sararé construída com os pontos situados acima da curva da concórdia. Os zircões analisados, ainda que raros na amostra, exibem uma dispersão de três frações de diferentes populações de zircões, quando lançados no diagrama concórdia, fato interpretado, como um forte compo- nente de herança isotópica perfeitamente compatível com a derivação crustal proposta para este corpo gra- nítico de natureza tardi a pós-cinemático (Figura 6). O diagrama apresentado foi construído utilizando- se apenas os pontos analíticos melhor alinhados, posicionados acima da curva da concórdia, nota-se a disposição dos pontos analíticos acima da curva da concórdia, indicando um possível evento de ganho de Pb ou perda de U. Para estas frações de zircões, a discórdia construída a partir do alinhamento dos pontos discordantes (fora da curva concórdia) exibe um intercepto inferior próximo de 917 Ma. Nesta discussão é relevante recordar que a intrusão estudada não apresenta registros de eventos tectono-metamórficos regionais superimpostos que pudessem provocar a re-homogeneização isotópica do sistema U-Pb, portanto, a idade de 917±18 Ma (MSWD = 11,0) deve indicar a idade de cristalização do corpo intrusivo. Com respeito ao significado geológico das possíveis idades obtidas no intercepto superior, próximo a 1400 e 1666 Ma, é mais provável que corresponda às idades do protólito ou fonte do magma gerador do Maciço Sararé, ou seja, o magmatismo tardi a pós- cinemático da região pesquisada recebeu forte contri- buição do embasamento regional paleo a mesopro- terozóico, como exemplo pode-se citar as rochas do Complexo Vulcano-Sedimentar Pontes e Lacerda, do Complexo Metamórfico Alto Guaporé e, também, as manifestações magmáticas calymmianas (Batólito Santa Helena e Maciços Anhangüera, Santa Elina etc.). Os resultados analíticos de Ar-Ar foram obtidos a partir da concentração de muscovitas e biotitas no Laboratório de Preparação de Amostras do Centro de Pesquisa Geocronológica da Universidade de São Paulo, através do método de fusão ou aquecimento por etapas (step heating). Os minerais analisados (biotita e muscovita) são descritos como primários sendo, portanto, produtos diretos da cristalização do magma que deu origem ao Maciço Sararé. Na Tabela 3 encontram-se representados os dados analíticos geocronológicos obtidos de Ar-Ar, e na Figura 7 os diagramas com as idades platôs/patamares obtidos em muscovitas e biotitas da amostra LR-05 do Maciço Sararé. Os resultados obtidos de grãos de muscovita expressos nos diagramas 39Ar/40Ar (Figura 7A) a partir de 8 step-heating, apresentam idade platô de 906,2±1,2 Ma e na (Figura 7B) a partir de 11 step-heating, apresentam idade platô de 906,1±0,8 Ma. Os diagramas construídos descrevem platôs bem definidos, que indicam a idade de 906 Ma, interpretadas como a provável idade de fechamento do sistema para Ar-Ar com o resfriamento do mineral. Os resultados obtidos de grãos de biotita expressos nos diagramas 39Ar/40Ar (Figura 7C), elaborados a partir de oito step-heating, apresentam idade platô de 903,8±0,8 Ma e na (Figura 7D) a partir de 11 step- heating, apresentam idade platô de 905,3±8,4 Ma. Os diagramas construídos descrevem platôs bem definidos, que indicam idades variando entre 904 a 905 Ma, interpretadas como a provável idade de fechamento do sistema para Ar-Ar com o resfriamento do mineral. As idades platôs obtidas, tanto em muscovitas como em biotita, mostram um estreito campo de varia- ção 904 Ma a 906 Ma, sugerindo um rápido intervalo de resfriamento das micas da intrusão granítica. O intervalo de idade, entre a idade de cristalização de 917 Ma obtida a partir sistemática U-Pb e 905 Ma Ar-Ar do resfriamento das micas corresponde prova- velmente ao período necessário para o decréscimo da temperatura atingir o fechamento do sistema das micas. A possibilidade de essas idades marcarem períodos de resfriamento provocados por eventos metamórficos regionais é descartada, dada a natureza francamente isotrópica das rochas que, no máximo, apresentam foliações tênues nas bordas. Até o momento a possibilidade de superposições de eventos magmáticos mais jovens é descartada pela ausência de dados geocronológicos. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 61 TABELA 3. Dados analíticos Ar40/Ar39 para biotitas e muscovitas do Maciço Sararé. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 62 FIGURA 7. Diagramas de idade platô Ar/Ar para muscovita e biotita do Maciço Sararé. CONCLUSÕES O Maciço Sararé compreende um corpo de 80 km2 constituído por três (3) fácies petrográficas principais de coloração rósea, isotrópicas, holo a leuco- cráticas, equigranulares dominando a granulação média a levemente microporfiríticas e de composição monzo- granítica. A mineralogia essencial está representada, por microclínio, quartzo, oligoclásio límpido ou saussu- ritizados, abundantes placas de muscovita (primária ou secundária) e raramente de biotita parcialmente cloritizada, além de fluorita metassomática, titanita, apatita e opacos. Os resultados geocronológicos obtidos para a metodologia Sm-Nd apresenta idades modelo TDM, que evidenciam um episódio de fracionamento do manto em torno de 2,9 Ga., provavelmente resultado da herança isotópica do protólito magmático. Os valores negativos de εNd(t), de - 4,97 evidenciam para a geração do magma parental a partir de processos de fusão crustal. A idade U/Pb obtida de 917±18 Ma indica a idade de cristalização do corpo intrusivo, não sendo registrados eventos tectono-metamórficos regionais superimpostos que pudessem provocar a re-homo- geneização isotópica do sistema U-Pb. As idades platôs obtidas Ar-Ar, tanto em muscovitas como em biotita, mostram um estreito campo de variação 904 Ma a 906 Ma, sugerindo um rápido intervalo de fechamento do sistema, com o resfriamento das micas da intrusão granítica. O intervalo de idade, entre a idade de cristalização de 917 Ma. obtida a partir sistemática U-Pb e 905 Ma. Ar-Ar do resfriamento das micas corresponde prova- velmente ao período necessário para o decréscimo da temperatura atingir o fechamento do sistema das micas. A possibilidade de essas idades marcarem períodos de resfriamento provocados por eventos metamórficos regionais é descartada, dada a natureza francamente isotrópica das rochas, bem como também da possibilidade de superposições de eventos magmá- ticos mais jovens pela ausência de dados geocro- nológicos. Estes resultados indicam claramente que o Maciço Sararé participa do evento magmático regional, de idade Toniana, de caráter tardi a pós-cinemático, que contribuiu para a consolidação do processo de cratoni- zação do extremo meridional do Cráton Amazônico. São Paulo, UNESP, Geociências, v. 28, n. 1, p. 53-64, 2009 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ARAÚJO-RUIZ, L.M.B. DE. Caracterização Petrográficas do Granito Sararé e de seu Embasamento Posto Sapé-MT. Cuiabá, 2000. 65 p. Trabalho (Conclusão de Curso de Geologia) – Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Universidade Federal de Mato Grosso. 2. ARAÚJO-RUIZ, L.M.B. DE. 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