Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 732 Predação de morcegos (Phyllostomidae) pela cuíca d’água Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) (Didelphimorphia, Didelphidae) e uma breve revisão de predação em Chiroptera Crasso Paulo Bosco Breviglieri¹* & Wagner André Pedro² 1. Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, Ecologia e Comportamento Animal. Laboratório de Chiroptera , Departamento de Zoologia e Botânica, IBILCE/UNESP, Rua Cristóvão Colombo 2265, Jd. Nazareth, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. 2. Laboratório de Chiroptera, Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, Universidade Estadual Paulista, 16050-680 Araçatuba, São Paulo, Brasil. * Corresponding author. Email: crassopaulo@yahoo.com.br Abstract Predation of bats (Phyllostomidae) captured in mist nets for Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) and lifting previous on the subject of predators what present the same behaviour. Bats are predated for some of vertebrates and invertebrates. Some opportunistic species preys these animals’ prisoners in nests during procedures of capture in field. This study records the predation of Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) and Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) for Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) on riparian forest of the brook Talhadinho belonging of the São Paulo, São Paulo, Southeast Brazil, and also presents a lifting previous of mammalian what they present the same one behavior opportunistic predatory, discussing measures simple to avoid this type of predation. Keywords: behavior opportunity, predator, mist nets. Resumo Morcegos são predados por uma variedade de animais vertebrados e invertebrados. Algumas espécies de predadores oportunistas predam morcegos presos em redes durante atividades de pesquisas. Este estudo registra a predação de Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) e de Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) pela cuíca d’água Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) na mata ciliar do córrego Talhadinho, pertencente ao município de Talhados, São Paulo, Sudeste do Brasil, e também apresenta um levantamento de mamíferos que apresentam o mesmo comportamento oportunista, discutindo sugestões para evitar este tipo de predação. Palavras chaves: Comportamento oportunista, predadores, redes neblina. Introdução A pressão predatória sobre os morcegos é baixa quando comparada com outros mamíferos, contudo se considerarmos sua longevidade e a lenta taxa reprodutiva, o efeito da predação pode influenciar negativamente as populações destes animais (Tuttle & Stevenson 1982). Os principais predadores naturais dos morcegos são as serpentes (Rodríguez & Reagan, 1984), mamíferos (Fellers 2000; Oprea et al. 2006; Nogueira et al. 2006), aves (Vernier 1994) e alguns invertebrados (Molinari et al. 2005). Contudo, os morcegos podem reduzir os riscos de predação adotando mudanças em sua atividade (Watanuki 1986; Crespo et al. 1972; Morrison 1978; 1980, Crespo et al. 1972) ou então quando são favorecidas por mecanismos sensórios particulares, podem detectar com maior facilidade a presença de predadores (Caraco et al. 1980). Mas quando os morcegos estão emaranhados em redes neblina, o que poderiam fazer para evitar a predação? As redes de neblina são instrumentos utilizados há algumas décadas, principalmente em pesquisas envolvendo aves e morcegos e seu surgimento favoreceu a obtenção de informações antes praticamente inacessíveis (Straube & Bianconi 2002). No entanto, já existem relatos de que alguns morcegos são eficientes em evitar as redes detectando-as por meio da ecolocalização (Kunz & Kurta 1988) ou mesmo evitando as áreas onde elas estão localizadas (Simmons & Voss 1998). Quando enroscados nas redes, os morcegos podem representar presas fáceis para algumas espécies, principalmente os morcegos possuidores de glândulas de cheiro e/ou que emitem vocalizações quando presos (Patricio-Costa et al. 2010). Segundo Gardner et al. (1992) neste momento, os morcegos tornam-se mais vulneráveis e indivíduos imaturos parecem ser mais susceptíveis a predação que os adultos (Boinski & Timm 1985). Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 733 Existem vários registros de morcegos sendo predados em rede (Oprea et al. 2006, Gazarini et al. 2008), porém seus autores não são citados com freqüência (Patricio-Costa et al. 2010). Desta forma os objetivos deste estudo foram: (i) registrar a predação das espécies Sturnira lilium e Carollia perspicillata presos em rede pela cuíca d’água Chironectes minimus (Zimmermann, 1780), e (ii) fazer um levantamento bibliográfico das espécies de vertebrados que apresentam o mesmo comportamento predatório oportunista. Material e Métodos Os dados sobre a predação de morcegos em rede por C. minimus foram obtidos de maneira casual, durante um levantamento de espécies associadas à mata ciliar do córrego Talhadinho, durante o período de junho de 2005 a maio de 2006 (detalhes em Breviglieri & Pedro 2010). Este remanescente florestal está localizado no município de Talhados, região noroeste do estado de São Paulo (20º 42’ S e 49º 18’ W). A vegetação é caracterizada como Floresta Estacional Semidecidual e Cerrado o qual se restringe atualmente a 4% de sua área original (SMA/IF 2005), bioma que vem sendo substituído por pastagens, culturas diversas ou áreas urbanas (São Paulo/Probio 1998). A matriz do fragmento é pasto, sendo que o cultivo de braquiária destinado à pecuária ocupa as maiores áreas produtivas do município. O levantamento de relatos sobre animais que apresentam o comportamento (oportunista) de predar morcegos capturados em redes neblina foram baseadas em publicações de conceituadas revistas científicas e em depoimentos pessoais de pesquisadores. Os registros incluem várias espécies de predadores vertebrados, tanto domésticos como selvagens. Resultados Predação por Chironectes minimus No dia 14 de março de 2006, ao aproximarmo- nos das redes de neblina as 0045 AM foi possível observar um espécime de cuíca d’água (Chironectes minimus Zimmermann, 1780) atacando um morcego adulto (fêmea) pertencente à espécie Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810), que estava preso na última bolsa de uma das redes, sob a superfície d’água (Figura 1). Com a aproximação de C. P. B. Breviglieri, C. minimus soltou à presa e foi para a margem oposta, mantendo-se imóvel por alguns instantes e depois mergulhando e desaparecendo em meio a galhos e folhas em um trecho do córrego que apresentava aproximadamente 35cm de profundidade por 3m de largura. Foram capturados 17 morcegos durante a noite em que foi registrada a predação. Destes, três eram da espécie Sturnira lilium o que representa 17,6% do total de capturas. Figura 1. Sturnira lilium morto em rede após ataque de Chironectes minimus (Zimmermann,1780). Foto Gustavo Cauê de Oliveira Piccoli. Na mesma noite, em outra visita a mesma rede, por volta da 01:00 AM, foi possível observar C. minimus atacando um macho da espécie Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) que também estava emaranhado na região inferior da rede, próxima à superfície d’água. Após coletar o morcego, já morto, foi constatado que sua cabeça estava parcialmente dilacerada e suas duas asas foram parcialmente arrancadas de seu corpo, o qual apresentava várias mordeduras tanto na porção ventral como dorsal. Foi capturado apenas um espécime pertencente à espécie C. perspicillata durante esta noite, o que representa 5,9% do total de morcegos capturados. Com a presença de C. P. B. Breviglieri o animal fugiu por uma das margens do córrego. Ao segui-lo, foi possível constatar que estava abrigando-se nas imediações, em uma cavidade na margem do córrego formado pela queda de uma árvore da espécie Nectandra megapotamica Mez (Lauraceae), também conhecida como Canela preta. Levantamento bibliográfico Foram incluídas seis publicações relatando a predação de morcegos capturados em redes por vertebrados silvestres e duas comunicações pessoais. A primeira indicando a observação de uma espécie silvestre, e a outra, uma espécie doméstica adotando o mesmo comportamento predatório. Nestas publicações foi possível obter dados referentes ao comportamento oportunísticos dos predadores (animais pertencentes às ordens Chiroptera, Carnívora e Didelphimorphia), além da descrição da ecologia e comportamento natural de cada espécie de predadores (Tabela 1). Os dados referentes a cada espécie de predador, do morcego predado, da localidade do evento e dos autores que os descreveram estão representados na Tabela 1. Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 734 Tabela 1. Lista de predadores vertebrados que predam oportunisticamente morcegos emaranhados em redes neblina (tipo mist-net), no território brasileiro. Ordem/espécies de predadores Espécies de morcegos predadas Localidade (estado/pais) Referências Chiroptera Chrotopterus auritus (Peters 1856) Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) RJ /Brasil Nogueira et al. 2006 Chrotopterus auritus Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) SP /Brasil Wilson Uieda (com. pess.) Phyllostomus hastatus (Pallas 1767) Myotis nigricans (Schinz 1821) ES /Brasil Oprea et al. 2006 Phyllostomus hastatus Glossophaga soricina (Pallas 1766) C. perspicillata RJ /Brasil Oprea et al. 2006 Carnívora Felis silvestris catus (Linnaeus, 1758) Artibeus lituratus (Olfers, 1818) S. lilium SP /Brasil Breviglieri (Obs. pess.) Felis silvestris catus C. perspicillata AM, PA /Brasil Wilson Uieda (com. pess.) Leopardus wiedii (Schinz, 1821) Artibeus fimbriatus Gray, 1838 A. jamaicensis Leach, 1821 A.lituratus S. lilium PR/Brasil Rocha-Mendes e Bianconi, 2009. Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) Pygoderma bilabiatum (Wagner, 1843) RJ/Brasil Novais et al. 2010. Didelphimorphia Didelphis albiventris (Lund, 1840) Artibeus lituratus S. lilium PR /Brasil Gazarini et al. 2008 Philander frenatus (Olfers, 1818) Anoura caudifera (E. Geoffroy, 1818) Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) Myotis sp. PR/Brasil Patricio-Costa et al. 2010 Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) C. perspicillata S. lilium SP /Brasil Este estudo Discussão Chironectes minimus, também conhecido como cuíca d’ água (Marshall 1978), é o único marsupial que possui membranas interdigitais e pêlos impermeáveis como adaptações ao ambiente semi-aquático (Thompson 1988). Esta espécie possui comprimento da cabeça e corpo entre 259 e 400 mm, o comprimento da cauda entre 310 e 430 mm e massa corporal entre 550 e 790 g (Marshall 1978; Eisenberg & Redford 1999; Nowak, 1999; González 2001; Reis et al. 2006). Esta espécie é classificada como piscívora por se alimentar de crustáceos e outros animais aquáticos, podendo também consumir algumas plantas aquáticas e frutos (Mondolfi & Padilla 1957; Cabrera & Yepes 1960; Fonseca et al. 1996; Emmons & Feer 1997; Nowak 1999). Distribui-se do sul do México até o sul do Peru, centro da Bolívia, sul do Paraguai, do Brasil e nordeste da Argentina e habita áreas de floresta, estando sempre próximo à água, geralmente em riachos isolados (Emmons & Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 735 Feer 1997; Reis et al. 2006; Acosta & Azurduy 2009). Como descrito por Rossi et al. (2006) C. minimus nada com a cabeça e as orelhas acima da superfície d’água, porém com o corpo submerso, comportamento observado durante a predação dos morcegos e que possibilita que esta espécie busque alimento embaixo da superfície d’ água (Hamrick 2001). Esta espécie também possui a capacidade de escalar (Nowak 1999) o que favorece a busca de alimento em diferentes substratos. Chironectes minimus está sempre associado a cursos d’água e constrói suas tocas nas margens de rios, logo acima do nível da água (Massoia et al. 2000), usando folhas secas e gravetos (Emmons & Feer 1997), ou então cavidades como constatado neste estudo. Por apresentar hábito noturno (Cabrera & Yepes 1960), e estar utilizando um abrigo próximo ao local de coleta, C. minimus provavelmente foi atraído pelo ruído dos movimentos do morcego na tentativa de se libertar da rede. Voss et al. (2001) durante um estudo na Guiania Francesa, constataram que marsupiais eram atraídos por ruídos produzidos por morcegos presos em redes. Este comportamento predatório oportunista já foi observado por outros autores envolvendo várias espécies de vertebrados, tanto domésticos como selvagens: Chrotopterus auritus (Peters 1856) é considerada de hábito alimentar carnívoro consumindo aves, répteis e mamíferos (Peracchi & Albuquerque 1976; Sazima 1978; Medellín 1988; Bonato et al. 2004), mas também utilizando frutos e insetos (French 1997; Uieda et al. 2007) como recurso alimentar. Morcegos também estão incluídos na dieta de C. auritus (Acosta & Lara 1951; Peracchi & Albuquerque 1976; McCarthy 1987; Medellín 1988; Arita & Vargas 1995; Bonato et al. 2004; Bordignon 2005). Existem relatos de predação de morcegos por esta espécie, não somente em redes (observação pessoal do pesquisador Wilson Uieda professor da UNESP de Botucatu), mas também no ambiente natural, quando estes predadores após predarem morcegos nos abrigos ou em pleno vôo, os transportam para o abrigo, assumindo o comportamento típico dos morcegos retornando ao refúgio com o alimento (Nogueira et al. 2006). Phyllostomus hastatus (Pallas 1767) é classificado como um animal de hábito onívoro podendo consumir frutas, flores, néctar, pólen, insetos e pequenos vertebrados (Gardner 1977; Santos et al. 2003), inclusive morcegos (Gardner et al. 1992; Nowak 1999; Fischer et al. 1997; McNab 2003; Bordignon 2005 e Oprea et al. 2006). É possível que seu comportamento predatório possa controlar populações de morcegos devido à sua relativa alta densidade, se comparada a de outros predadores, em algumas áreas de Mata Atlântica (McNab 2003; Nowak 1999). Oprea et al. (2006), ao relatar um dos eventos predatórios de morcegos presos em redes, descreveu-o ao redor de uma árvore em floração, Pseudobombax sp. (Malvaceae, segundo Judd & Manchester 1997), a qual é considerada um importante recurso alimentar para P. hastatus durante o inverno. Os eventos de predação observados no estudo de Oprea et al. (2006) sugerem que esta espécie ataca tanto indivíduos adultos, quanto jovens e filhotes, cujas habilidades de voar possam ser restritas. Neste mesmo estudo Oprea et al. (2006) descrevem a predação de Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) e Anoura caudifer (E. Geoffroy, 1818) em rede no estado do Rio de Janeiro. Contudo, segundo os pesquisadores não foi possível identificar em campo qual foi o autor da predação. Felis catus domesticus (Linnaeus, 1758) tem uma longa associação com os homens desde o início da civilização, juntamente com os cães (Martin 1994). Estes animais tiveram grande importância na história humana devido ao controle de pestes agrícolas e de hospedeiros intermediários de doenças, como na Europa durante a peste negra, e também foram adorados como ídolos religiosos, principalmente no antigo Egito (Martin 1994). O gato doméstico originou- se da espécie Felis lybica (gato selvagem africano) e seu comportamento era exclusivamente noturno e solitário, alimentando-se de pequenos roedores. Hoje Felis catus domesticus possui comportamento social e é encontrado em quase todos os ambientes (Beaver 1994). As predações presenciadas pelos pesquisadores W. Uieda e C. P. B. Breviglieri, (citadas aqui como observações pessoais, Tabela 1), indicam o reconhecimento do morcego como presa deste felino. Este comportamento oportunista demonstra o possível impacto deste predador nas populações naturais de pequenos mamíferos, isto graças ao aumento da sua densidade que, provavelmente, acompanha o crescimento da população humana. Leopardus wiedii (Schinz, 1821) é um felino conhecido popularmente como gato-maracajá, possui hábito solitário e predominantemente noturno. É classificado como carnívoro, consumindo pequenos mamíferos, répteis e aves (Emmons & Feer 1997). Esta espécie é adaptada à vida arbórea, mas também é bastante ágil no solo sendo considerado um animal escansorial (Konecny 1989; Fonseca et al. 1996). Os membros traseiros desta espécie possuem uma excelente flexibilidade, fator que permite uma rotação de 180º, o que facilita a escalada em árvores (Emmons & Feer 1997; Miranda 2003). Devido ao hábito arborícola desta espécie, sua dieta é predominantemente constituída por animais arbóreos (Konecny 1989; Oliveira 1994). Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 736 Segundo Rocha-Mendes e Bianconi (2009) L. wiedii atacou morcegos presos em redes durante um estudo em um fragmento florestal localizado no município de Fênix, Paraná. Considerando que esta espécie se abriga no alto das árvores explorando tanto o solo como o dossel, juntamente com sua agilidade, é possível propor que esporadicamente ela venha consumir morcegos que encontre dentro de troncos ocos de árvores e/ou abrigados em folhagens, desde que tenha acesso a estes agrupamentos. Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) também conhecido popularmente como graxaim ou cachorro-do-mato, é um dos canídeos que possui maior área de distribuição, ocorrendo em grande parte da América do Sul. No Brasil já foi registrado em praticamente todos os biomas (Cheida et al. 2006). É encontrado em áreas florestadas e cerrados bem conservados, assim como em ambientes abertos alterados por ação antrópica e regiões agrícolas (Berta 1982). Esta espécie é considerada como onívora generalista, consumindo o que estiver disponível no ambiente (Facure & Monteiro-Filho 1996), o que inclui morcegos presos em redes (Novais et al. 2010). Segundo Novais et al. (2010) esta espécie dificilmente teria acesso aos morcegos no ambiente natural, contudo poderia consumi-los se os encontrassem no solo. Philander frenatus (Olfers, 1818) também chamada de cuíca-de-quatro-olhos, possui hábito alimentar onívoro, período de atividade predominantemente noturno e, assim como os outros representantes da ordem Didelphimorphia, possui hálux oponível e cauda preênsil (Miranda et al. 2009), características que podem conferir certa habilidade a estes animais para a predação dos morcegos enroscados na rede (Patricio-Costa et al. 2010). Contudo, este animal buscava os morcegos presos em redes quando estavam localizados próximos ao nível do solo (Patricio- Costa 2010) não adotando o comportamento de escalada. Didelphis albiventris busca abrigo sob troncos no solo, em meio a raízes, em ocos de árvores possuindo o hábito arborícola principalmente quando jovem (Rossi et al. 2006). Considerando os tipos de abrigos utilizados é possível que, de maneira fortuita, estes animais encontrem e consumam morcegos. Segundo Fonseca et al. (1996), este animal é classificado como de hábito frugívoro-onívoro e pode consumir roedores e aves de pequeno porte, rãs, lagartos, serpentes, insetos, caranguejos e frutos (Lange & Jablonski 1998; Eisenberg & Redford 1999; Nowak 1999), como também morcegos (Gazarini et al. 2008). A espécie D. albiventris (Lund, 1840) foi citada como predadora de morcegos por Gardner et al. (1992), sugerindo que esta pode facilmente consumir um morcego por inteiro, mas que freqüentemente não tem acesso a este tipo de presa, consumindo-o de forma oportunista. Estes registros de predação indicam uma desvantagem na utilização de redes em coletas de morcegos, mesmo considerando que os exemplares são predados em pequeno número. Podemos considerar que estudos que foquem espécies raras para uma determinada região seriam prejudicados com predações desta natureza. Em diversas outras ocasiões foram encontrados buracos na região inferior das redes, os quais poderiam ser vestígios de animais retirados por predadores. Contudo, a eficiência na captura de morcegos por redes neblina é superior do que a utilização de harps traps, além de causar menos injuria aos animais (Pedro & Taddei 1997; Dai et al. 2001). A praticidade da utilização das redes neblinas no momento da montagem e durante o deslocamento destas no interior de fragmentos florestais, ainda fazem delas um método extremamente importante e eficaz nos trabalhos de campo, compensando as desvantagens descritas acima. Sugerimos que o intervalo de tempo entre as vistorias das redes seja o menor possível, desde que não haja grande interferência na capturabilidade das espécies devido ao movimento e perturbação no ambiente pelos pesquisadores. Há ainda a vantagem de se preservar as redes de possíveis avarias. A nossa experiência em campo leva a sugerir que esse intervalo seja de 15 a 20 minutos, obviamente, levando-se em consideração o número de pesquisadores em campo, e as peculiaridades de cada estudo. Os dados aqui apresentados constituem, segundo nosso conhecimento, o primeiro registro da predação de morcegos por C. minimus, contribuindo para a ampliação do conhecimento nesse tema. O impacto da predação de morcegos capturados em redes ou mesmo, de modo, geral na estrutura das comunidades de Chiroptera, ainda é pouco esclarecido e, provavelmente, subestimado. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 98/08940-0, pelo apoio à infra-estrutura concedido a Wagner André Pedro; e à bolsa de estudos concedida pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ao pesquisador Crasso Paulo Bosco Breviglieri. À Wilson Uieda pelas sugestões e comunicações referentes aos nossos resultados. Referências Allen J.A. 1910. Mammals from the Caura District of Venezuela, with description of a new species of Chrotopterus. Bulletin of the American Museum of Natural History 28(12): 145-149. Chiroptera Neotropical 16(2), December 2010 737 Acosta L. e Lara E.F. 1951. Notas ecológicas sobre algunos quirópteros del Brasil. Comunicaciones Zoologicas del Museo de Montevideo. 3(1): 1-2. Acosta L.S. e Azurduy F.H. 2009. Nuevos Registros Y Apuntes Sobre La Carachupa De Agua Chironectes minimus, En Los Valles Cruceños (Bolivia). Kempffiana 5(1):83-89. Arita H.T. e Vargas J.A. 1995. Natural history, interspecific association, and incidence of the cave bats of Yucatan, Mexico. Southwestern Naturalist 40(1): 29–37. Beaver B.V. 1994. Disorders of Behavior. In: The Cat diseases and clinical management. (edited by Sherding R.G.), pp. 191-213. Library of Congress Cataloging-in-Publication Data, Saunders. Berta A. 1982. 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