56 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 ARQUIVOS ESCOLARES, MEMÓRIA E CULTURA Emery Marques GUSMÃO Resumo: O presente texto busca evidenciar a riqueza dos arquivos escolares para a história da educação e da cultura. Assim, enfatiza a relevância de estudos realizados na França a partir destas fontes, apresenta um breve histórico das mais antigas escolas públicas da cidade de Assis e destaca discrepâncias nos índices de aprovação das várias instituições escolares da cidade a partir de informações obtidas nas atas dos exames finais dos anos de 1958 e 1959, consultadas na Diretoria de Ensino de Assis. Com base nestes dados, talvez se possa pensar que a imagem do “passado de ouro” da escola pública sustenta-se mediante o enaltecimento de algumas escolas e o esquecimento de outras contemporâneas. Palavras-chave: Arquivos Escolares; História da Educação; Memória. Abstract: The following text intends to make clear all the richness of the school files to the history of education and culture. Thus, it emphasizes the relevance of studies done in France from these sources, it presents a brief report of the most ancient public schools of the city of Assis and singularizes discrepancies in the numbers of approbations in the various school institutions of the city from information obtained from the records of the final examans of the years 1958 and 1959, verified in the Teaching Direction of Assis. Based on these data, maybe we can think that the image of the “Golden Past” of the public school is based on the exaltation of some schools and the forgetfulness of the contemporary ones. Key words: School Files; History of Education; Memory A História da Educação, tradicionalmente, privilegia as políticas públicas e a evolução das idéias pedagógicas, haja vista a dificuldade de se resgatar o cotidiano das salas de aula de outros períodos e a tendência de projetar no passado nossas próprias experiências de alunos e professores. Anne Marie Chartier1 destaca que os contornos da escola escapam nas malhas dos discursos pois imagens imprecisas retiradas da experiência do pesquisador freqüentemente compõem a base das investigações; assim, aposta na elaboração de um meta- discurso que permita falar da escola na escola, proposta interessante que poderia enriquecer as aulas do Ensino Fundamental e Médio. No entanto, observa-se que as modernas disciplinas escolares – formalmente dispostas problematizar nosso lugares e inserção sociais – introduzem nos currículos a história dos bairros, minorias e marginalizados (dentre outros) sem refletir a historicidade de suas práticas, o sentido e o significado de seu trabalho diário e de atos aparentemente banais, tais como escrever na lousa, fazer chamada, ler, analisar... O quadro negro fixado na parede a transmitir lições comuns a toda a sala generalizou-se há 57 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 pouco mais de cem anos, em substituição às pedras individuais de ardósia, para consolidar metodologias de ensino capazes de fazer com que todos os alunos aprendam as mesmas coisas a um só tempo2; a freqüência tornou-se obrigatória com a Reforma Francisco Campos de 19313 que também introduziu o ensino seriado; e a valorização da “leitura crítica” impõe-se paralelamente à popularização dos livros impressos que, guardados nas estantes das casas, dispensam o leitor da preocupação de reter na memória informações, versos e até mesmo longas narrativas de centenas de páginas4 . Com o objetivo de abordar o cotidiano das salas de aula, aquilo que Dominique Julia chama de “caixa preta dos sistemas educacionais” 5, um movimento recente da historiografia educacional privilegia novas fontes, tais como as histórias de vida de professores e os documentos das instituições educacionais6. Neste contexto, a organização de arquivos escolares coloca-se como novidade a sugerir abordagens inusitadas para arquivistas, pesquisadores e professores e alunos do Ensino Fundamental e Médio. As atuais escolas de todo o país preservam os registros de suas atividades, importantes fontes de pesquisa pois as mais antigas datam do início do período republicano. Os primeiros governos republicanos procuraram substituir as escolas isoladas e as aulas avulsas, sob responsabilidade de professores leigos, por grupos escolares e ginásios oficiais com vistas à “emancipação” e ao “esclarecimento” do povo que vai às urnas no exercício da democracia7. Durante o império, o professor funcionário público recebia, além do salário, uma verba para comprar os materiais da escola que reunia alunos de diferentes níveis de adiantamento e, muitas vezes, funcionava em sua própria casa8; no caso do ensino secundário, os alunos procuravam os professores das várias disciplinas (aulas avulsas) com vistas ao aprendizado que garantisse aprovação nos exames de seleção para as faculdades9. Os governos republicanos erguem prédios considerados imponentes na época, com arquitetura estruturada conforme os preceitos da medicina e da higiene10 para abrigar o ensino seriado. A maior parte destes prédios chegam aos dias de hoje, ainda abrigam escolas públicas e guardam documentação valiosa em porões úmidos ou salas apertadas. A idéia de que os arquivos públicos representam “lugares da memória”, posta no século XIX11 , ainda não chegou às escolas - pouco atentas à historicidade de suas práticas. As Secretarias Estaduais de Educação, responsáveis administrativamente pela maioria destas instituições, também não assumiram uma política de guarda e preservação dos acervos12 . Nas décadas de 1960 e 70, o Ministério da Educação e Cultura autoriza a eliminação de parte das montanhas de papéis acumulados nas escolas e assume uma política de descarte que parece preocupada com a comprovação da passagem e do desempenho dos alunos. A Portaria no. 200 de 1962 determina a guarda das atas gerais dos exames de admissão, as atas finais, as atas dos exames de segunda época, de exames especiais, revalidação, adaptação, transferência, notas e outros que registram o desempenho do aluno e provam a realização de suas atividades13. O trabalho de organização do acervo da Escola de Aplicação da USP e das 58 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 primeiras Escolas Técnicas do Estado de São Paulo – projetos coordenados pelas professoras Diana Gonçalves Vidal e Carmen Sylvia Vidigal Moraes, respectivamente – comprovam que o acaso fez sobreviver mais documentos do que a legislação obriga. Foram encontradas avaliações de “excelentes” alunos ou daqueles exemplarmente displicentes, registros de indisciplina, planejamentos, fotos, documentação dos docentes ... dentre outros. No caso das Escolas Técnicas, foi possível organizar um álbum com fotos antigas das diversas instituições14. André Petitát15 evidencia a riqueza destas fontes para o entendimento do moderno sistema de ensino quando opõe “explicações freqüentemente esqueléticas da Sociologia” da Educação (p. 45) a trabalhos historiográficos pautados na documentação de instituições escolares que marcaram época na França, durante o Antigo Regime. Remete-se às pesquisas de Frijhoff e Julia (1975) e Chartier, Compere e Julia (1976) que analisam a freqüência e o aproveitamento escolar de diferentes gerações de alunos – dados que os arquivos escolares brasileiros, por força da legislação de 1962, necessariamente devem revelar. Estes autores demonstraram que o ensino secundário rapidamente disseminado no século XVI, voltado para uma formação geral calcada na cultura greco-latina e despreocupada com a formação profissional, longe de atuar no sentido de promover a ascensão social da emergente burguesia (idéia fartamente divulgada), favorece a manutenção de posições e promove a escolarização da elite de poder. Os arquivos escolares evidenciaram a ausência de assalariados nestas instituições e o predomínio de membros da alta e média burguesia de negócios, serviços públicos e profissões liberais nas matriculas dos primeiros anos do curso. Embora os filhos dos burgueses constituam a maioria absoluta do público escolar, eles permanecem no colégio o tempo necessário para obter condições de ocupar funções similares à dos pais (p. 88); assim, anos e anos de estudo de grego, do latim, do Homem, do Belo e do Bem, a partir de uma pedagogia considerada formalista, cabem aos jovens nobres que, após concluir o colégio, muitas vezes, continuam a formação em academias centradas nas artes cavalheirescas e de distinções ou nas disciplinas científicas modernas16. Os filhos da nobreza, embora originassem a menor parte das matrículas nos anos iniciais, preponderavam entre os formandos. Tais dados sugerem, segundo os autores citados, que os colégios encaminhavam os filhos da nobreza para os cargos mais altos da administração pública e a burguesia para os intermediários, dependendo da posição social dos pais; ou seja, o estudo da cultura clássica contribuiu para a manutenção do status quo. No século XIX, as disciplinas científicas substituem a cultura greco- latina no ensino secundário17 e as divisões escolares existentes são organizados pelos sistemas públicos de ensino. No caso brasileiro, esta nova estrutura impôe-se após a Proclamação da República e dissemina-se muito lentamente. No Estado de São Paulo - vanguarda na modernização educacional18 - as instituições escolares “modelo” concentravam-se na capital ou cidades próximas: nos anos dez, os grupos escolares, inovação republicana que introduz o ensino 59 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 seriado, eram numericamente inferiores às escolas isoladas compostas por salas heterogêneas19 ; até 1930 apenas dez cidades do estado contavam com Escolas Normais Oficiais20 e quatro com Ginásios públicos21 . Até o final dos anos 50 o crescimento da rede pública de ensino é lento e o modelo de escola estruturado a partir de 1890 não sofre alterações significativas; na passagem para a década seguinte, os governos populistas intensificam a prática de oferecer escolas aos seus redutos eleitorais, professores são acusados de elitismo/conservadorismo e diferentes segmentos da sociedade exercem pressão para garantir vagas para seus filhos. A década de 1960 marca uma guinada histórica, seja pela flexibilidade curricular que a LDB de 1961 prevê – desde a Reforma Francisco Campos de 1931 até esta data os currículos de todas as escolas eram estruturados a partir de uma lista de conteúdos a serem cumpridos -, pelas “modernas técnicas de ensino” que os governos militares impõem ou pelo sensível aumento na oferta de vagas. É muito provável que as mais antigas escolas de Assis sejam pioneiras na Alta Sorocabana e figurem entre as primeiras do Estado. Localizada na “boca” do sertão do Paranapanema – região distante da capital, pouco habitada e de difícil acesso – a cidade sediou as instituições políticas e administrativas a partir das quais se estruturou a ocupação do extremo oeste do Estado de São Paulo. O povoado criado em 1905 ganha importância quando foi inserido (1915) no traçado da estrada de ferro que ligou a região de Sorocaba às barrancas do rio Paraná, na fronteira com o Mato Grosso. Tornou-se a nova sede da comarca (1918), do bispado (1929) e de uma importante oficina da Estrada de Ferro Sorocabana (1926). Segundo os historiadores, pelo acelerado desenvolvimento, a região firmou-se como zona pioneira, sempre aberta às atividades culturais e educacionais. A transferência da comarca deu para Assis um novo status pois além do Fórum, deslocaram-se de Campos Novos o grupo escolar e um grande número de profissionais qualificados, tais como juízes, promotores, advogados, agrimensores, cartorários, professores, médicos, engenheiros... Segundo depoimentos de antigos moradores22, eram homens estudados na capital que se vestiam com elegância e faziam com que a civilização se fizesse presente “naquela sociedade representada por um punhado de aventureiros ávidos de um futuro promissor, enfrentando o sacrifício de viver sem água, sem esgoto, sem luz (..), mas com uma vontade férrea de vencer”. Durante os anos vinte, eles se destacam na política e na sociedade local: além de assumir cargos públicos, organizaram campanhas para a construção da Santa Casa, do palácio do bispado, prédios para as escolas, da nova igreja, de um clube para bailes... Ainda que alguns tenham se transferido para cidades mais próximas à capital décadas depois, entraram para a história da cidade como grandes benfeitores e promotores da cultura. Os primeiros professores da cidade incluem-se neste grupo. Além desta “elite culta”, instalaram-se no município ferroviários, comerciantes, agricultores (com grau de letramento variável), hotéis, máquinas de beneficiamento de arroz e algodão, máquina de café, farmácias,... O grupo de ferroviários era numeroso e pouco 60 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 entrosado com os demais segmentos da sociedade. Estudos sobre o lazer na cidade, cronistas e antigos moradores afirmam seu isolamento, o caráter endógeno de suas obras culturais e certa rivalidade em relação à elite local. Formaram banda de música, clube esportivo e de futebol23 nos quais eram admitidos exclusivamente ferroviários. Concentravam-se prioritariamente na vila Coelho (atual vila Operária) e, em menor quantidade na vila Xavier, ambas no mesmo lado da cidade. A Escola Técnica de Ferroviários era freqüentada quase exclusivamente por filhos de ferroviários, assim como o núcleo local do Partido Comunista tinha sua base nesta categoria profissional. As partidas de futebol entre a Associação Atlética Ferroviária e a Associação Atlética Assisense eram disputadíssimas e simbolizavam o antagonismo de classes sociais predominante na cidade24. Eram engenheiros, mecânicos, motoristas com um salário fixo que sustentava o comércio local; portanto, formavam um grupo qualificado profissionalmente, diretamente ligado ao trabalho manual e com certo poder aquisitivo. Distante da capital, a cidade parece receber as instituições escolares tipicamente urbanas que os governos estaduais decidem implantar em todo do território paulista. O Anuário do Ensino 1920/1921 apresenta a região de Assis como a penúltima do Estado em número de Escolas Isoladas25, o que sugere baixos investimentos do Estado na educação regional. Assim, os grupos escolares e os ginásios de Assis devem ter realmente a importância a eles atribuída pelos memorialistas e antigos moradores da cidade. As narrativas destes sujeitos são permeadas por forte conotação emocional e pautam-se na valorização de algumas instituições educacionais; em contrapartida, observa-se um incomodo silêncio em torno de algumas escolas mais ou menos contemporâneas. A data da criação, a localização, as características dos prédios e os índices de aprovação das mais antigas instituições educacionais da cidade sugerem que o citado esquecimento pode ser um importante fator para a construção da imagem do “passado de ouro” da escola pública. Das atuais escolas públicas de Assis, seis são anteriores a 1960 e guardam sua própria documentação26; são elas: - o Grupo Escolar João Mendes Jr (1915), transferido de Campos Novos quando Assis torna-se a nova sede da comarca: até 1943 funcionou em um prédio de madeira ao lado da igreja matriz (no terreno do atual Centro Cultural Dona Pimpa) e hoje se localiza na praça São Paulo em uma construção de 1944. No ano 2000 a escola estadual foi transferida ao município; - o Ginásio Anhaia Mello criado em 1937: até o início dos anos 40 foi uma instituição privada, mantida por meio de um convênio da Prefeitura (que subsidiava as mensalidades) com o Ginásio Paulistano da capital e funcionou em um prédio de madeira em frente à estação ferroviária (onde hoje se localiza o cinema). Nesta década foi incorporado pelo governo do estado, passou a oferecer os cursos normal e primário anexo e instalou-se em um edifício erguido com recursos da prefeitura municipal e da população organizada em campanhas (atual EE Carlos Alberto de Oliveira). Em 1964 foi novamente transferido para um grande prédio do 61 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 governo estadual na rua Santa Cecília e passou a se chamar Clybas Pinto Ferraz; neste prédio está toda a sua documentação, desde 1937; - o Grupo Escolar Lucas Thomaz Menk construído no centro da cidade em 1951: também foi transferido ao município no ano 2000; - a atual EE Carlos Alberto de Oliveira, cujo prédio pertence à prefeitura e sediou várias escolas da cidade27: a documentação mais antiga encontrada no colégio refere-se ao Grupo Escolar de Assis criado em 1957. Segundo depoimento de uma ex-professora28, durante anos o grupo escolar que originou a atual EE Carlos Alberto de Oliveira funcionou neste prédio junto com outras escolas cuja documentação era “carregada” quando os prédios ficavam prontos; - o Grupo Escolar Dom Antonio, criado em 1947 na vila Ribeiro: no final dos anos 40 o prédio de madeira que sediou o grupo localizava-se quase no limite entre a zona rural e urbana. O atual prédio data de 1965, localiza-se exatamente no mesmo lugar e guarda toda a sua documentação; - o Ginásio Industrial nascido em 1951 como instituição municipal: localizado no alto da vila Xavier (próximo da EE Dom Antonio José dos Santos), no final dos anos 50 oferecia para os meninos os cursos de marcenaria, mecânica e desenho técnico; as meninas poderiam cursar corte costura, bordado e arte culinária. Na década seguinte, a escola passou ao governo estadual. Os cursos profissionalizantes foram extintos nos anos 70 e atualmente a instituição integra o conjunto de escolas técnicas Paula Souza, como o nome CEETEPS “Pedro d’Arcádia Netto”. O discurso ufanista elege o primeiro Grupo Escolar, o Dr João Mendes Jr (1915), e o primeiro Ginásio, o Anhaia Melo como símbolos do progresso local; às vezes lembra o Grupo Escolar Lucas Thomaz Menk (1951) e nunca menciona o Grupo Escolar Dom Antonio José dos Santos (1947) ou o Ginásio Industrial. Supomos que a memória construída em torno destas instituições escolares somente se fará compreensível a partir do desenvolvimento da sociedade local. Entre as décadas de 1910-40 o pequeno povoado constituído por construções de madeira que rodeavam a igreja acolheu com entusiasmo e/ou solenidades suntuososas a instalação do Grupo Escolar João Mendes Jr (1915) e do Ginásio Anhaia Mello (1937). Nos anos 40 e 50, quando se processava o loteamento de áreas rurais que deu origem às atuais vilas, a proximidade de escolas e de vias de acesso valorizavam os terrenos e integravam tais povoados – quase sempre estruturados em torno de uma igreja – à zona urbana29. Favorecendo este movimento, inúmeras escolas isoladas foram incorporadas por aquelas duas escolas cujas instalações foram transferidas para ruas do centro próximas dos atuais bairros, em prédios de alvenaria imponentes para a época. O Grupo Escolar João Mendes localiza-se próximo às vilas Xavier e Coelho (e incorpora as escolas isoladas destes dois bairros), enquanto o Ginásio Anhaia Melo instala-se no extremo oposto da região compreendida pela área urbana naquele momento. Os dois novos grupos escolares também incorporam escolas 62 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 isoladas: o Lucas Menk (1951), instalado no centro em prédio de alvenaria semelhante ao do João Mendes e o Dom Antônio (1947) na distante vila Ribeiro em prédio de madeira. Há menos de dez quadras do grupo escolar Dom Antonio, a prefeitura instala a Escola Artesanal Industrial de Assis (o Ginásio Industrial) em 1951, no alto da Vila Xavier. O Grupo Escolar Dom Antonio e o Ginásio Industrial, as únicas escolas públicas de bairro30 criadas antes de 1960 com base no ensino seriado, são próximas entre si - ainda que localizadas em bairros diferentes -, têm prédios menores e mais simples que os seus contemporâneos31, quase sempre são esquecidos pelos memorialistas que se esforçam por historiar a educação em Assis e pareciam atender, pela própria localização, a uma população mais carente. Nas diversas polêmicas que se desenvolviam nos jornais da cidade em torno dos melhores locais para a instalação de prédios públicos e melhorias urbanas de um modo geral, jornalistas apontam reivindicações da vila Xavier e certa rivalidade dos seus moradores com a região central32. Em 1951, foram contemplados com uma instituição eminentemente popular, a escola profissionalizante33; no entanto, não tiveram êxito na luta para sediar a escola normal que se desloca para a Vila Santa Cecília no início dos anos 60. A vila Ribeiro, ainda mais distante do centro, talvez deva seu grupo escolar ao dinamismo da vila Xavier, pois, segundo L. Castro Campos Jr34, há relação entre o desenvolvimento deste bairro e de sua rua principal com a criação de bairros próximos – Três Porteiras, Vila Operária, Vila Ribeiro e Prudenciana. Até 1960 apenas o centro e o alto da vila Xavier dispunham de escolas públicas que se pautavam no ensino seriado e, ainda assim, havia diferenças entre as instituições das duas regiões – haja vista a estrutura física do Dom Antonio e o caráter profissionalizante do Ginásio Industrial. O Anhaia Mello, única escola secundária propedêutica pública da cidade, parecia ser a mais prestigiada pois seu aniversário era comemorado com desfiles e notas nos jornais. Talvez se possa pensar que sua proeminência deva-se aos exames de admissão (extintos em 1969 no Estado de São Paulo) que lhe encaminhavam os melhores alunos de todas as outras escolas primárias. Dados referentes à matrícula, freqüência, origem social e aproveitamento de gerações de alunos podem contribuir para pensar a valorização social desta escola que, talvez, tenha sido realmente um “centro de excelência” em termos educacionais. O quadro de exames do ano de 1958 demonstra que o Curso Primário anexo ao então Instituto de Educação Anhaia Mello aprovou 91% dos alunos do 1º ano misto, 97% do 2º ano misto, 93% do 2º ano misto B e 100% no 3º ano misto A, 3º ano misto B e 4º ano misto. Os índices de aprovação da sua escola primária são superiores aos de todos os outros Grupos e Escolas Isoladas da cidade35. Face a este quadro, algumas dúvidas nos inquietam: como explicar o desempenho dos alunos do Anhaia Mello? As metodologias de ensino inovadoras ensinadas na escola normal e implementadas na escola primária anexa (uma espécie de escola de aplicação) faziam a diferença em termos de qualidade de ensino? as escolas dos bairros podem ser identificadas com instituições destinadas aos populares? o Instituto de Educação Anhaia Mello e o Grupo Escolar João Mendes atendiam exclusivamente os filhos elite local? em caso afirmativo, como 63 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 era feita a seleção? haveria alguma relação entre o grupo de ferroviários e a presença de escolas públicas nas vilas Xavier e Ribeiro? qual o papel da cultura escolar moderna, pautada nas disciplinas científicas, no interior da sociedade? em meados do século XX, as escolas públicas afirmaram-se como mecanismos de ascensão das classes médias urbanas? O trabalho de Buffa e Nosela36 sugere que as escolas profissionalizantes foram menos populares do que se supõe e pesquisas anteriormente citadas, desenvolvidas a partir dos acervos dos colégios franceses do antigo Regime, evidenciam que as instituições educacionais podem assumir funções sociais não previstas pelo discurso sociológico. Muitas indagações não podem ser respondidas sem a organização dos arquivos escolares e a sua exploração por meio de bancos de dados capazes de cruzar informações. Os livros de matrícula da EMEF João Mendes Jr - por exemplo - uma série documental que se inicia em 1933, apresentam ano a ano o nome de todos os alunos matriculados, endereço, profissão do pai, nacionalidade e desempenho (aprovação/retenção); dados que podem fornecer categorias sociológicas para se pensar a quem serve a escola pública moderna e, eventualmente, desmitificar o seu “passado de ouro”. Notas 1 CHARTIER, Anne Marie. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para a pesquisa e para a formação. Educação e pesquisa, vol. 26, n. 1, jan./jun. 2000. 2 BARRA, Valdeniza Maria. Da pedra ao pó: o itinerário da lousa na escola paulista do século XIX. 2001. Dissertação (Mestrado em Educação), PUC, São Paulo, 2001. 3 ROMANELLI, O. História da educação no Brasil, 1930-1973. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1980. 4 MANGUEL, Al. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 5 JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação. vol. 1, n. 1, 2001. 6 FARIA FILHO, Luciano Mendes. (Org). Arquivos, fontes e novas tecnologias: questões para a história da educação. Campinas: Autores Associados; Bragança Paulista: EDUSF, 2000. 7 CARVALHO, Marta Maria Chagas. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989. 8 BARRA, Valdeniza Maria. op. cit. 9 Neste contexto de “anarquia educacional” – instituído após a expulsão dos jesuítas em 1759 – o Colégio Pedro II era exceção. Sua criação, em 1838, foi a tentativa de se estabelecer um modelo para o ensino secundário que se organizava naquele momento. Ver: HAIDAR, Maria Lourdes Mariotto. O ensino secundário no império brasileiro. São Paulo: Grijalbo/EDUSP, 1972. 10 MONARCHA, Carlos. “Arquitetura escolar republicana: a escola normal da praça e a construção de uma imagem de criança”. In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: UFS-IFAN, 2001. 11 COUTURE, Carol e ROUSSEAU, Jean-Yves. Os Fundamentos da Disciplina Arquivística. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998. 64 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 12 ZAIA, Iomar Barbosa. A história da educação em risco: avaliação e descarte dos documentos do arquivo da Escola de Aplicação da USP (1958-1985). 2003. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação da USP, São Paulo, 2003. 13 Idem. 14 MORAES, Carmen Silvia Vidigal; ALVES, Júlia Falivene. Escolas Profissionais Públicas do Estado de São Paulo: uma história em imagens (álbum fotográfico). São Paulo: Centro Paula Souza, 2002. 15 PETITÁT, A. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 16 Idem, p. 98. 17 CHEVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, 1990, p. 117-229. 18 O Estado da Paraíba criou seu primeiro grupo escolar em 1916, vinte e seis anos após a iniciativa paulista (PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira. Da era das cadeiras isoladas à era dos grupos escolares na Paraíba. Campinas, SP: Autores Associados; São Paulo: Universidade São Francisco, 2002). 19 SOUZA, Rosa Fatima. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). São Paulo: Ed. UNESP, 1998. 20 TANURI, Leonor. O ensino normal no Estado de São Paulo (1890-1930). São Paulo: Publicação da Faculdade de Educação, 1979 (Coleção Estudos e Documentos, vol. 16). 21 NADAI, Elza. O Ginásio do Estado em São Paulo: uma preocupação republicana (1890-1896). São Paulo: Publicação da Faculdade de Educação, 1987 (Coleção Estudos e Documentos, vol. 26). 22 DANTAS, Antonio de Arruda . Memória do patrimônio de Assis: história. São Paulo: Pannartz, 1978, p. 101. 23 A Associação Atlética Ferroviária surgiu em 1926. 24 “a comunidade assisense, sua elite expressa na AAA e a massa ferroviária, estranha à cidade, marginalizada” (DANTAS, op. cit, p. 157) 25 Apud DEMARTINI, Zeila de Brito.“Cidadãos analfabetos: propostas e realidade do ensino rural em São Paulo na 1a. República. Cadernos de Pesquisa. São Paulo (71):5-19, nov 1989, p. 19. 26 Tais dados foram obtidos a partir: Na EMEF Dr João Mendes Jr, EMEF Lucas Thomaz Menk, EE Dom Antonio Jose dos Santos, EE Carlos Alberto de Oliveira, EE Carolina Burali, EE Clybas Pinto Ferraz, CEETEPS “Pedro d’Arcádia Netto”. As secretárias destas escolas nos apresentaram o decreto de criação da instituição e algumas localizaram a mais antiga documentação de aluno guardada, contaram histórias, mostraram fotos, descreveram antigos prédios, alunos e professores. A desorganização dos acervos inviabiliza pesquisas mais detalhadas. De documentos consultados na Diretoria de Ensino: o Quadro de Exames dos anos de 1958 e 1959, que nos permitiram saber quais escolas funcionavam na cidade antes de 1960 e o índice de aprovação de cada uma delas; a Ficha Informativa do Prédio Escolar, elaborada em 1987, apresenta uma planta de cada escola, indica a área total do terreno e da construção, o proprietário dos prédios e ano das construções. Dos livros: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. A construção do “herói”. Leitura na escola: Assis-SP- 1920/1950. São Paulo: Ed. UNESP, 2001 e DANTAS, Antonio de Arruda . Memória do patrimônio de Assis: história. São Paulo: Pannartz, 1978. Da tese de doutorado: SILVA, Ricardo Silloto. Urdiduras e tessituras urbanas: na história das cidades, a estruturação territorial de Assis. Assis, 1996. Doutorado em História, UNESP. 27 Além do Anahaia Melo, sediou a EE José Augusto Ribeiro e o curso secundário da EE Carolina Burali. 65 UNESP – FCLAs – CEDAP, V.1, n.1, p. 56-65, 2005 28 Maria Sylvia , atual Supervisora de Ensino. 29 BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. op. cit. 30 Havia um grande número de escolas isoladas, quase sempre mantidas pela prefeitura e excluídas deste estudo. Ostensivamente, não nos remetemos às escolas antigas que não funcionam mais pela dificuldade de acesso às fontes – este é o caso das escolas isoladas que pareciam predominar nos atuais bairros e da importante Escola Técnica de Ferroviários que funcionou na cidade dos anos 40 à década de 80. Também deixamos de lado todas as escolas particulares e as públicas criadas a partir de 1960. 31 Ao contrário dos prédios dos Grupos Escolares João Mendes Jr e Lucas Thomaz Menk e do Instituto de Educação Anhaia Mello (que funcionava no edifício do atual EE Carlos Alberto de Oliveira), o Ginásio Industrial e o Grupo Escolar Dom Antonio José dos Santos instalaram–se em construções de um andar, sem ornamentos na fachada. No caso do grupo escolar da vila Ribeiro, o prédio era de madeira e construído muito próximo à rua, de forma tal que não deixava espaço para praças. 32 BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. op. cit. 33 Na década de 1950 legislação educacional diferencia claramente o ensino secundário propedêutico - que encaminha para as faculdades - e o profissionalizante, destinado às classes populares (ROMANELLI: 1980). A vila Xavier, apesar de suas reivindicações, somente foi contemplada com o curso secundário propedêutico após 1960, quando se intensifica o processo de expansão das ofertas de vagas e do número de escolas públicas no Estado de São Paulo. Segundo depoimento do Professor Pedro Marques, ex-Delegado de Ensino e primeiro diretor da EE Ernani Rodrigues, este colégio foi criado em 1961 para atender antigas reivindicações da associação dos moradores da Vila Xavier. A escola foi instalado em frente ao Ginásio Industrial. 34 CAMPOS JUNIOR, Luiz Castro. A agroindústria e o espaço urbano em Assis: Vila Prudenciana, 1970-1991. Assis, 1992. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Ciências e Letras, UNESP. 35 Na maior parte das vezes, os índices de aprovação variavam entre 70 e 90%, com a notável exceção do Grupo Escolar da Nova América. Nesta instituição, a maioria das salas reprovaram, em média, 50% dos alunos matriculados. 36 BUFFA, Ester e NOSELLA, Paolo. A Escola Profissional de São Carlos. São Paulo: CEETEPS, São Carlos: EDUFSCar, 1998.