Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 36, n. 3, 3701 (2014) www.sbfisica.org.br Notas e Discussões O exemplo mais simples do uso do método das imagens (The simplest example of the use of the method of images) Antonio S. de Castro1 Departamento de F́ısica e Qúımica, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Guaratinguetá, SP, Brasil Recebido em 11/4/2014; Aceito em 10/5/2014; Publicado em 7/8/2014 Mostra-se que o sistema constitúıdo por dois planos infinitos e paralelos, sendo um plano condutor e o outro um plano isolante com carga distribúıda uniformemente, é o exemplo mais simples do uso do método das ima- gens, em constraste com o que é difundido na literatura. Palavras-chave: método das imagens, equação de Poisson, carga induzida. It is shown that the system consisting of two infinite and parallel planes, one of them a conductor, and the other an insulator with a uniform distribution of charges, is the simplest example of the use of the method of images, in contrast to what is usually written in the literature. Keywords: method of images, Poisson equation, induced charge. 1. Introdução Em eletrostática, o potencial elétrico gerado por uma prescrita distribuição de cargas na presença de condu- tores não é um problema que possa ser resolvido por meio da integral V (r) = 1 4πε0 ∫ dq′ |r− r′| . (1) Isto se dá porque dq′ não é somente devida à dada dis- tribuição de cargas, mas também à distribuição de car- gas induzida nas superf́ıcies dos condutores, sendo esta desconhecida a priori. Contudo, o problema pode ser resolvido por meio da equação de Poisson ∇2V (r) = −ρ(r) ε0 , (2) acrescida de condições de contorno. O potencial é uma função cont́ınua, exceto nos pontos em que ρ exibe sin- gularidades expressas em termos de funções delta de Dirac como é o caso, por exemplo, de uma carga pon- tual q localizada em −→r0 ρ(r) = qδ(r−−→r0). (3) As condições de contorno apropriadas são os potenciais ou as cargas especificados em cada condutor. Assim sendo, o potencial é unicamente determinado em to- dos os pontos do espaço. Então, qualquer solução da equação de Poisson que satisfaça as condições de con- torno é solução do problema, não importando o método utilizado, sendo cab́ıvel até mesmo o recurso à intuição e à analogia. O método das imagens é uma técnica poderosa na resolução de problemas eletrostáticos envolvendo uma dada distribuição de cargas na presença de condutores. O método apoia-se na unicidade da solução e consiste na simulação das condições de contorno pela adição de cargas imagens localizadas fora da região de interesse. Contudo, sua efetividade depende da simetria do sis- tema, depende da geometria da prescrita distribuição de cargas e das superf́ıcies dos condutores, e assim, como ilustrado nos livros-texto, o método é restrito a um punhado de sistemas. Landau e Lifshitz [1] chegam a mencionar que o mais simples uso do método das ima- gens é a determinação do campo elétrico devido a uma carga pontual nas proximidades de um meio condutor que ocupa o semiespaço. Feynman, Leighton e Sands [2] não deixam por menos, e referem-se ao problema da carga pontual na vizinhança de um plano (folha) condutor infinito aterrado como sendo a mais simples aplicação do metódo das imagens. É instrutivo observar que os sistemas mais simples mencionados nas Refs. [1] e [2] são aparentemente similares, contudo o condutor da Ref. [1] é aterrado por construção, enquanto o con- dutor da Ref. [2] pode ter qualquer potencial ou carga prescritos. O problema da carga pontual na vizinhança de um plano condutor infinito aterrado, como primeiro 1E-mail: castro@pq.cnpq.br. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 3701-2 Castro exemplo da aplicação do método das imagens, é ub́ıquo na vasta literatura sobre a eletrodinâmica clássica, e Griffths [3] o denomina “o problema clássico da carga imagem”. Neste trabalho, consideramos a aplicação do uso do método para dois planos infinitos e paralelos, sendo um plano condutor, e o outro um plano isolante com carga distribúıda uniformemente, conforme está ilustrado na Fig. 1. A bem da verdade, o plano condutor é uma placa condutora infinita com superf́ıcies planas (a es- pessura da placa é irrelevante). Mostramos, então, que os sistemas mais simples mencionados nas Refs. [1] e [2] são tão somente os mais simples dentre todos aqueles outros patentes nos livros-texto. Em nosso exemplo, tal como no caso da Ref. [2], o condutor pode ter qualquer potencial ou densidade superficial de carga explicita- mente antecipados. Começaremos nossas considerações com a especificação do potencial do condutor, e depois cuidaremos do condutor carregado. Figura 1 - Plano isolante com carga distribúıda uniformemente (σ) separado pela distância d de uma placa condutora infinita com superf́ıcies planas. 2. Condutor com potencial prescrito Considere o condutor com potencial V0 com sua su- perf́ıcie superior (superf́ıcie mais próxima ao plano iso- lante) coincidente com o plano xy (z = 0), e o plano isolante carregado uniformemente com densidade su- perficial de carga σ em z = d. Com esta geometria, o potencial é independente de x e y de forma que o problema é realmente unidimensional: V = V (z). A região de interesse é a região z > 0 e a condição de con- torno é V (0) = V0. A função V (z) é cont́ınua apesar da existência da carga superficial em z = d. O potencial na região z > 0 é devido a todas as cargas presentes no sistema. Porém, a distribuição das cargas induzidas nas superf́ıcies do condutor não é conhecida. Pode- mos simular o problema real na região z > 0 com um plano isolante carregado uniformemente com densidade superficial de carga σ em z = d e um plano isolante carregado uniformemente com densidade superficial de carga −σ em z = −d. Neste caso, encontramos V (z) =  σ ε0 d+ V0, z ≥ d, σ ε0 z + V0, 0 ≤ z ≤ d. (4) Note que V (0) = V0 e que o potencial é cont́ınuo em z = d. O potencial dado pela Eq. (4) foi obtido pela su- pressão do condutor e a introdução de uma imagem em z = −d, mas satisfaz à equação de Poisson na região z > 0 e à condição de contorno em z = 0. Então, devido à unicidade da solução do problema, o poten- cial expresso pela Eq. (4) é a solução de nosso pro- blema original consistindo de um condutor com poten- cial V0 em z = 0 separado por uma distância d de um plano isolante carregado uniformemente com densidade de carga σ. Tendo resolvido este problema, podemos agora calcular todas as grandezas f́ısicas relevantes, tais como o campo elétrico, a carga induzida no condutor, a força por unidade de área entre as duas distribuições de carga, a energia potencial por unidade de área acu- mulada no sistema, e etecetera. A propósito, o campo elétrico E = (−dV/dz) k̂ é expresso por E(z) =  0, z > d, − σ ε0 k̂, 0 < z < d. (5) Lembrando que o campo elétrico em pontos infinita- mente próximos à superf́ıcie de um condutor é Ec = (σc/ε0) n̂, onde σc é a densidade de carga do condutor e n̂ é um vetor unitário perpendicular à superf́ıcie, po- demos concluir que a distribuição de cargas induzidas na superf́ıcie superior do condutor é −σ. 3. Condutor com densidade superficial de carga prescrita Em vez da especificação do potencial do condutor, bem que podeŕıamos ter especificado sua densidade de carga σc. Neste caso, podemos aproveitar o resultado da seção anterior e escrever V (z) =  −σc+σ 2ε0 z + σ ε0 d+ Ṽ0, z ≥ d, −σc−σ 2ε0 z + Ṽ0, 0 ≤ z ≤ d, (6) só que desta vez o potencial do condutor (Ṽ0) é uma constante desconhecida. A parcela σd/ε0 presente no potencial na região z ≥ d assegura a continuidade de V (z) em z = d. Até o momento a distribuição de car- gas nas superf́ıcies do condutor ainda não entrou na história. Da Eq. (6) conclúımos que o campo elétrico na região z > 0 é expresso por E(z) =  σc+σ 2ε0 k̂, z > d, σc−σ 2ε0 k̂, 0 < z < d. (7) Dáı, lembrando mais uma vez a expressão do campo elétrico em pontos infinitamente próximos à superf́ıcie de um condutor, conclúımos que a distribuição de car- gas induzidas na superf́ıcie superior do condutor (su- perf́ıcie mais próxima ao plano isolante) é (σc − σ) /2. O exemplo mais simples do uso do método das imagens 3701-3 Podemos então afirmar que uma carga com densidade −σ se distribui na superf́ıcie superior do condutor. A carga restante, com densidade superfial σc + σ se dis- tribui igualmente entre as superf́ıcies superior e inferior do condutor. Em suma, há uma carga com densidade (σc − σ) /2 na superf́ıcie superior do condutor e uma carga com densidade (σc + σ) /2 em sua superf́ıcie in- ferior. 4. Comentários finais Embora simples em prinćıpio, o método das imagens pode se tornar um tanto complicado para outras ge- ometrias e, neste contexto, destaco o comentário de Feynman e cols. na Ref. [2, p. 6.9] (tradução livre): Nos livros, pode-se encontrar listas lon- gas de soluções para condutores de for- mas hiperbólicas e outras coisas aparen- temente complicadas, e você se pergunta como alguém pode ter resolvido essas for- mas terŕıveis. Elas foram resolvidas ao contrário! Alguém resolveu um problema simples com cargas prescritas. Então viu que alguma superf́ıcie equipotencial apare- ceu em uma nova forma, e escreveu um tra- balho no qual salientou que o campo fora dessa forma particular pode ser descrito de uma certa maneira. Esse comentário sarcástico poderia ser imputado à configuração adotada neste trabalho, haja vista que po- deŕıamos ter obtido todas as nossas conclusões usando a expressão para o potencial gerado por um plano isolante infinito com carga distribúıda uniformemente, e ape- lando simplesmente à nulidade do campo elétrico no in- terior do condutor. É inegável, contudo, que os dois ca- sos abordados neste trabalho revelam-se os mais simples exemplos que podem ilustrar a aplicação do método das imagens com um mı́nimo de confusão anaĺıtica. O po- tencial na região de interesse é função de uma variável, o campo elétrico é secionalmente uniforme, e a carga induzida no condutor não requer integração. Agradecimentos O autor é grato ao CNPq pelo apoio financeiro. Um árbitro atencioso contribuiu para proscrever incorreções constantes na primeira versão deste trabalho. Referências [1] L.D. Landau and E.M. Lifshitz, Electodynamis of Continuous Media, Course of Theoretical Phy- sics(Pergamon, Oxford, 1960), v. 8 p. 8-9. [2] R.P. Feynman, R.B. Leighton and M. Sands, The Feyn- man Lectures on Physics (Addison-Wesley, Reading, 1964), v. II, p. 6.9-6.10. [3] D.J. Griffths, Introduction to Electrodynamics (Pren- tice Hall, Upper Saddle River, 1981) p. 121-124.