UNESP Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá VITROCERÂMICAS PARA BLINDAGENS BALÍSTICAS Guaratinguetá 2011 DALTON DANIEL DE LIMA GUILHERME AUGUSTO DE MELO VITROCERÂMICAS PARA BLINDAGENS BALÍSTICAS Orientador: Prof. Dr. Alexandre Zirpoli Simões Guaratinguetá 2011 Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Engenharia de Materiais. L732v Lima, Dalton Daniel de Vitrocerâmicas para blindagem balística / Dalton Daniel de Lima, Guilherme Augusto de Melo – Guaratinguetá : [s.n], 2011. 35 f. : il. Bibliografia: f. 33-35 Trabalho de Graduação em Engenharia de Materiais – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2011. Orientador: Alexandre Zirpoli Simões 1. Cristalização 2. Cristais – crescimento I. Melo, Guilherme Augusto de II. Título CDU 66.065.5 DADOS CURRICULARES DALTON DANIEL DE LIMA NASCIMENTO 17.09.1986 – PIRACICABA/SP FILIAÇÃO Onivaldo de Lima Maria Helena Daniel Lima 2007/2011 Curso de Graduação Engenharia de Materiais – Universidade Estadual Paulista – Guaratinguetá GUILHERME AUGUSTO DE MELO NASCIMENTO 29.07.1987 – ARARAQUARA/SP FILIAÇÃO Jairo Assad de Melo Arlete Cecílio de Melo 2007/2011 Curso de Graduação Engenharia de Materiais – Universidade Estadual Paulista – Guaratinguetá DEDICATÓRIA DALTON em memória de minha mãe, Maria Helena, que infelizmente não pode presenciar todas as etapas de minha formação, contudo pode realizar o sonho de ver seus filhos entrar em universidade e ter a certeza que seus valores e ensinamentos foram passados para nós. DEDICATÓRIA GUILHERME de modo especial, em memória do meu pai Jairo Assad de Melo, que foi o principal incentivador para que eu seguisse a carreira de engenheiro e que, quando em vida, me ensinou os valores de vida como integridade, caráter, respeito e humildade, sendo modelo de ser humano e de pai. AGRADECIMENTOS Agradecemos a Deus pela nossa saúde e por nos trilhar sempre no caminho correto. Agradecemos a nossa família aos nossos amigos, tanto os anteriores à faculdade quanto aos que moram e moraram conosco, pelas experiências trocadas e principalmente por serem amigos até nos momentos mais difíceis das nossas vidas, ao nosso primeiro orientador, Prof. Dr. Eduardo Bellini Ferreira que foi o grande incentivador e o responsável pela criação desse estudo e fez que nós acreditássemos em sua realização, mesmo sendo uma nova área e pouco estudada no país. Sua orientação, motivação, auxílio e conselhos foram de enorme valia para o andamento do trabalho e para nosso crescimento pessoal, ao orientador, Prof. Dr. Alexandre Zirpoli Simões, que apesar das dificuldades, assumiu a responsabilidade de nos orientar, possibilitando a continuação do trabalho, aos nossos amigos da faculdade, em especial Diego, Victor, Heitor, Laise, Vivian, Marina e Juliana pelas inúmeras horas destinadas ao estudo, pela sincera amizade e pelo companheirismo, ao funcionário Neto, responsável pelo laboratório de materiais cerâmicos, pelo auxílio e alegria nas ajudas prestadas, ao Laboratório de Materiais Vítreos da Universidade Federal de São Carlos pelos equipamentos utilizados nesse estudo. Por fim, eu, Dalton, agradeço ao meu pai Onivaldo, minhas irmãs Carolina e Andréia e todos da minha família que me apoiaram, incentivaram e me encorajaram para me esforçar cada vez mais, e eu, Guilherme, agradeço à minha mãe Arlete, meu irmão Gustavo e minha avó Saada que apesar de todas as dificuldades, sempre apoiaram e incentivaram meus estudos. Henry Ford “O insucesso é apenas uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência.” LIMA, D. D.; MELO, G.A. Vitrocerâmicas para blindagens balísticas. 2011. 34f. Trabalho de Graduação em Engenharia de Materiais – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2011. RESUMO O emprego de materiais cerâmicos em blindagens balísticas é considerável. Tais materiais podem ser muito duros e mais leves que materiais metálicos comumente utilizados, podendo substituí-los com vantagem quando a tenacidade necessária pode ser alcançada. Entretanto, cerâmicas como SiC e Al2O3, tradicionalmente usadas para blindagens, ainda têm alto custo de fabricação ou não possuem densidade baixa o suficiente para aplicações como em blindagem de aeronaves. Uma alternativa são as vitrocerâmicas, cerâmicas obtidas pela cristalização controlada de vidros, cujas propriedades podem ser ajustadas através da escolha da composição química do vidro, do tratamento térmico de cristalização e de tratamentos especiais, como troca iônica na superfície, resultando em aumento da resistência mecânica. O objetivo do presente projeto é estudar a cinética de cristalização de um vidro de composição baseada na cordierita (2MgO.2Al2O3.5SiO2), de baixa densidade e elevada dureza, para a fabricação de vitrocerâmicas para ensaios balísticos. Neste trabalho são mostrados resultados de tratamentos térmicos de cristalização e caracterização por análise térmica (DSC) de um vidro previamente obtido, indicando distribuição irregular de cristais, e os processos de secagem, pesagem, mistura de matérias-primas e fusão de um novo vidro, da mesma composição. Observou-se que o material possui um grande potencial de aplicação comercial devido à viabilidade produtiva e por apresentar baixa densidade, elevada dureza e uma cristalização fina e volumétrica, fatores que aumentam as propriedades balísticas. PALAVRAS-CHAVE: blindagem, vitrocerâmica, cristalização, cordierita, nucleação, crescimento de cristais. LIMA, D. D.; MELO, G.A. Glass-ceramic for balistic armour. 2011. 34f. Thesis of Graduate in Materials Engineering – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2011. ABSTRACT The use of ceramic materials in ballistic armor is considerable. Such materials can be very harder and lighter than metallic materials commonly used and it presents advantages to replace metallic materials when necessary toughness can be achieved. However, as SiC and Al2O3 ceramic, traditionally used for shielding, still have high manufacturing cost or low density do not have enough to shield applications such as aircraft. An alternative is the glass-ceramics, ceramics obtained by controlled crystallization of glasses, whose properties can be adjusted by choosing the chemical composition of glass, heat treatment of crystallization and special treatments such as ion exchange on the surface, resulting in increased mechanical strength . The objective of this project is to study the kinetics of crystallization of a glass composition based on cordierite (2MgO.2Al2O3.5SiO2), low density and high hardness, for the manufacture of glass-ceramics for ballistic tests. Shown in this report are results of heat treatment of crystallization and characterization by thermal analysis (DSC) glass obtained previously, indicating uneven distribution of crystals, and drying, weighing, mixing of raw materials and a new fusion of glass, the same composition. KEYWORDS: Armour, glass-ceramic, cristalization, cordierita, nucleation, grow of the cristals. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS PIFE - Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo JMAK - Johnson Mehl Avrami Kolmogorov PIBIC - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica UNESP - Universidade Estadual Paulista DMT - Departamento de Materiais e Tecnologia FEG - Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá LaMaV - Laboratório de Materiais Vítreos DEMa - Departamento de Materiais UFSCar - Universidade Federal de São Carlos IAE - Instituto de Aeronáutica e Espaço DCTA - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial DSC - Calorimetria Exploratória Diferencial (Differential Scanning Calorimetry) DTA - Análise Térmica Diferencial (Differential Thermal Analysis) LISTA DE SÍMBOLOS fração volumétrica cristalizada I taxa de nucleação Ns número de cristais por unidade de área Nv número de núcleos por unidade de volume densidade R raio dos cristais Tg temperatura de transição vítrea Tm ou TL temperatura de fusão t tempo T temperatura u taxa de crescimento de cristais SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................17 1.1 OBJETIVO ........................................................................................................................................18 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: .........................................................................................................18 3 METODOLOGIA .............................................................................................................................21 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................................................25 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................................32 6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................33 17 1 Introdução Sistemas de blindagens são freqüentemente compostos por metais. Entretanto, esses sistemas têm sido cada vez mais construídos com materiais cerâmicos quando esses proporcionam um nível de proteção balística suficiente, com a vantagem de significativa redução de massa e com isso maior mobilidade. Carbeto de boro (B4C), alumina (Al2O3), nitreto de silício (Si3N4) e carbeto de silício (SiC) são compostos que se prestam a esse propósito, por apresentarem alta dureza e tenacidade, sendo a alumina a mais utilizada, por satisfazer demandas de projeto tanto do ponto de vista técnico como econômico. Entretanto, blindagens cerâmicas em geral se limitam a montagens planas, na forma de placas quadradas ou hexagonais encaixadas, formando anteparos. O tamanho de cada placa varia de acordo com o projétil que ela deve resistir. Entretanto, as cerâmicas acima ainda têm alto custo de fabricação, tecnologia restrita ou não possuem densidade baixa o suficiente para determinadas aplicações, como em blindagem de aeronaves. Para tais aplicações, as vitrocerâmicas podem ser uma alternativa. Esses materiais possuem grande flexibilidade de produção. É possível variar sua composição química e mineralógica, sua microestrutura e, portando, as propriedades do produto final. Além disso, é possível usar diferentes métodos de conformação, adicionar agentes de aumento da tenacidade e fabricar compósitos com outros materiais. Vitrocerâmicas poderiam assim ser utilizadas na fabricação de blindagens de baixo custo (menor que do SiC, que é uma cerâmica das mais caras, usada quando o peso específico impede a utilização de Al2O3) e baixa massa específica, se alcançar desempenho balístico compatível. Recentemente, em um trabalho de desenvolvimento de vidros à base de cordierita (2MgO.2Al2O3.5SiO2), de baixa densidade e elevada dureza, para fabricação de vitrocerâmicas sinterizadas para revestimentos cerâmicos [Pipe/Fapesp 04/02484-6], observou-se que uma das composições estudadas apresentou fina cristalização no volume, levantando à possibilidade de sua utilização em sistemas de proteção balística. 18 1.1 Objetivo O objetivo do presente projeto foi estudar a cinética de cristalização volumétrica do vidro, à base da cordierita, para a obtenção de monólitos policristalinos, realizar tratamentos térmicos controlados, obter corpos de prova, e avaliar suas propriedades e seu desempenho em testes balísticos. 2 Revisão Bibliográfica: Cerâmicas são materiais sólidos, inorgânicos e não-metálicos, fabricados pelo homem para alguma aplicação prática. Suas ligações em geral variam de iônica a covalente. São obtidas a partir de matérias-primas naturais, como argilas e areia (SiO2), ou sintéticas, como Al2O3 e SiC, geralmente através da compactação de pós e sinterização em temperaturas elevadas. Em geral, não são tenazes como metais, mas quanto à refratariedade, dureza e as resistências à corrosão, química e ao desgaste mecânico seu desempenho é dos mais elevados. Nos últimos vinte anos, o desenvolvimento científico e tecnológico dos materiais cerâmicos possibilitou melhorar muito a tenacidade dos produtos fabricados, permitindo sua aplicação, por exemplo, na blindagem das bordas dianteiras de máquinas agrícolas e em partes de motores alternativos, turbinas e turboalimentadores. Materiais cerâmicos também têm sido utilizados com sucesso em sistemas de blindagem [1,2,3,4,5]. Por sua vez, vitrocerâmicas são materiais relativamente recentes, descobertos acidentalmente a pouco mais de quarenta anos, classificados como cerâmicas obtidas a partir da cristalização controlada de vidros. Para todos os fins práticos, vidros podem ser considerados sólidos amorfos [6], embora ainda não exista consenso sobre a real natureza do estado vítreo [7,8]. Podemos considerar vidros como materiais de estrutura amorfa, como a de líquidos, mas que na prática não apresentam organização estrutural espontânea observável, ou seja, se comportam como sólidos. Os vidros são fabricados a partir de misturas de matérias-primas (naturais ou sintéticas) fundidas e resfriadas rapidamente, que assim endurecem pelo aumento contínuo de viscosidade, até atingir, abaixo da transição vítrea (Tg), não cristalizando no processo, uma condição de sólido amorfo. A transição vítrea pode ser entendida como o intervalo de temperaturas onde se detecta a mudança de comportamento do material, de um sólido elástico para um líquido viscoso, no aquecimento, ou vice-versa no resfriamento. Caso o vidro seja reaquecido acima de Tg, embora abaixo da temperatura de fusão (Tm) ou liquidus (TL) do sistema, e mantido nesse intervalo de temperaturas por tempo suficiente, sua estrutura se rearranjará através da nucleação e crescimento 19 de cristais, e ele se transformará em um material policristalino. Esta possibilidade é utilizada na fabricação de vitrocerâmicas. Vitrocerâmicas podem ser utilizadas para diversas aplicações, das quais se podem destacar o uso em espelhos para observatórios astronômicos, panelas de uso doméstico (de baixo coeficiente de expansão térmica e, consequentemente, alta resistência a choques térmicos), substratos para discos rígidos de computadores, superfície de aquecimento em fogões elétricos e revestimentos cerâmicos [9,10]. A nucleação dos cristais, que corresponde ao estágio inicial da organização dos átomos ou moléculas em pequenos grupos cristalinos, pode ser homogênea ou heterogênea. A nucleação é homogênea quando os núcleos se formam espontaneamente através do agrupamento de átomos ou moléculas do próprio material, por todo o volume do mesmo, sem que existam locais preferenciais para tal agrupamento. Por outro lado, a nucleação heterogênea ocorre em regiões energeticamente mais favoráveis do material, tais como na superfície e sobre defeitos ou impurezas. Na prática, entretanto, a nucleação homogênea é observada em poucas composições formadoras de vidro. Para a grande maioria, para induzir a cristalização no volume, é necessário adicionar compostos catalisadores, chamados agentes de nucleação ou “nucleantes”. As interfaces com partículas não dissolvidas no processo de fusão ou precipitadas em tratamentos subsequentes, no interior do vidro, ou a própria superfície do vidro são locais onde a energia livre é maior, em relação à matriz, e onde a cristalização ocorre preferencialmente [11]. Dependendo do processo de nucleação, as vitrocerâmicas podem ser obtidas, basicamente, por dois processos distintos: pela cristalização no volume [9] e por sinterização [12]. A grande maioria dos vidros não cristaliza facilmente no volume, por não apresentarem nucleação homogênea. Nesse caso, para promover a cristalização por todo o volume do material, agentes de nucleação são adicionados à composição do vidro. Entretanto, agentes de nucleação dependem da composição do vidro, o que torna esse método de difícil aplicação. Mesmo assim, a cristalização de vidros por nucleação no volume permite a obtenção de uma variedade de microestruturas e tem grande potencial para a obtenção de novos materiais. Como os cristais crescem a partir do vidro original, desde a formação dos primeiros grupos atômicos, o controle do processo em escala nanométrica pode ser previsto. O controle da microestrutura para a obtenção de vitrocerâmicas de alta resistência mecânica e tenacidade tem sido relatado na literatura. Vitrocerâmicas com microestruturas altamente cristalinas e intertravadas, que alcançam resistência à flexão acima de 700 MPa [13,14,15,16], e vitrocerâmicas com tenacidade à fratura de 4,3 20 MPa.m1/2, módulo de elasticidade de 139 GPa e dureza de 9,5 GPa são exemplos de avanços recentes [17]. Embora não seja o foco do presente projeto, é interessante mencionar que a sinterização é uma rota alternativa de fabricação de vitrocerâmicas e também pode vir a ser uma solução para a fabricação de blindagens no futuro. Sinterização e cristalização de compactos de vidro em pó possibilitam obter vitrocerâmicas com cristais no volume devido à nucleação heterogênea na superfície das partículas, mesmo sem a adição de agentes nucleantes. No entanto, tanto a cinética de sinterização como de cristalização precisam ser controladas para a obtenção de vitrocerâmicas por esse processo. Nesse caso, a sinterização ocorre por fluxo viscoso com simultânea cristalização superficial das partículas de vidros. Sendo assim, a cristalização superficial pode limitar o processo de sinterização e densificação. Vitrocerâmicas sinterizadas transparentes, de composições não convencionais, à base de Al2O3 e terras raras [18], apresentaram altíssima dureza, comparável à da alumina obtida por prensagem a quente, sendo assim promissoras para aplicações em blindagens. Outra possibilidade que se vislumbra para melhorar as propriedades mecânicas de vitrocerâmicas sinterizadas é a inclusão de agentes duros ou de reforço na microestrutura [19,20,21]. Vitrocerâmicas podem ainda ser fabricadas em formatos curvos, permitindo o ajuste às necessidades geométricas da aplicação em particular. Conhecendo-se a taxa de nucleação ou densidade de núcleos por unidade de volume e a taxa de crescimento de cristais, o modelo de transformação de fases de Johnson-Mehl-Avrami- Kolmogorov (JMAK) [22,23,24,25,26] pode ser aplicado para a descrição da cinética de cristalização de vidros. Um exemplo de material vitrocerâmico para blindagens foi desenvolvido a partir do sistema CaO-Al2O3-SiO2 com adição de 5% em massa de B2O3, resultando em um material de baixa densidade (2,42 g/cm3) e microdureza da ordem de 9 GPa [27], o que permite sua utilização em sistemas que necessitem de maior mobilidade na prática, comparada a da alumina, cuja densidade é de 3,98 g/cm3 e que já é empregada em blindagens. A cordierita (2CaO.2Al2O3.5SiO2) é uma fase cristalina interessante, devido à baixa densidade ( = 2,55 a 2,75 g/cm3), relativa dureza (semelhante à do quartzo) e alta durabilidade química, por não possuir álcalis. Anteriormente, no desenvolvimento de vidros à base de cordierita (2MgO.2Al2O3.5SiO2) para revestimentos cerâmicos por sinterização [Pipe/Fapesp 04/02484-6], uma composição apresentou uma fina cristalização no volume, despertando a possibilidade de sua utilização para proteção balística. Identificou-se com isso a possibilidade de ampla e sistemática pesquisa para o 21 desenvolvimento de vitrocerâmicas à base de cordierita para a fabricação de blindagens. Pretendeu- se, assim, no presente projeto, partir de um vidro de baixa densidade e elevada dureza à base de cordierita, estudar sua cinética de cristalização, e realizar tratamentos térmicos controlados para obtenção de vitrocerâmicas. A avaliação de suas propriedades para utilização em blindagens balísticos foi objetivo de um outro projeto (PIBIC/UNESP), cujo andamento ocorreu em conjunto com esse, mas que ainda não chegou a um termo conclusivo. 3 Metodologia O projeto de desenvolvimento de vitrocerâmicas para blindagens foi dividido em duas etapas. A primeira, do âmbito do presente trabalho, incluiu a caracterização da cinética de cristalização de um vidro cuja composição é baseada na cordierita, não estequiométrica, previamente obtido, e o desenvolvimento de tratamentos térmicos para a obtenção de microestruturas finas, visando maximizar a resistência mecânica. A segunda parte consistiu em preparar corpos de prova com dimensões apropriadas, a partir da fusão e tratamentos térmicos do vidro citado, segundo os tratamentos de cristalização desenvolvidos, e realizar ensaios mecânicos e balísticos para avaliar seu desempenho. Essa segunda parte foi conduzida em outro projeto de pesquisa, também em nível de iniciação científica (PIBIC/FAPESP), complementar a este. Os experimentos contaram com o apoio do Departamento de Materiais e Tecnologia, da UNESP em Guaratinguetá (DMT-FEG/UNESP), e do Laboratório de Materiais Vítreos do Departamento de Engenharia de Materiais, da Universidade Federal de São Carlos (LaMaV- DEMa/UFSCar), de acordo com a disponibilidade de equipamentos de cada laboratório. Um vidro com composição não estequiométrica próxima a da cordierita, por ter apresentado fina cristalização no volume em um trabalho prévio (já mencionado), foi selecionado para estudo. Nosso objetivo consistiu em tratar amostras desse vidro em condições controladas de tempo e temperatura, e determinar a cinética de cristalização no volume do mesmo, visando maximizar sua resistência mecânica e tenacidade. A cinética de cristalização pode ser estudada pela determinação da taxa de nucleação e crescimento de cristais em uma série de amostras parcialmente cristalizadas, a partir de análises microestruturais por microscopia óptica e eletrônica. A taxa de nucleação ou a densidade de núcleos por unidade de volume é determinada pela contagem do número de cristais por unidade de área, Ns, de secções polidas de uma série de amostras submetidas a diferentes tempos e temperaturas de tratamento térmico (acima de Tg e abaixo de TL). Obtém-se NV, o número de núcleos por unidade de volume, dividindo-se NS pelo diâmetro do maior cristal observado na microestrutura. Se NV variar com o tempo de tratamento 22 térmico, a taxa de nucleação, I (m-3.s-1) é obtida através do coeficiente angular de uma reta ajustada aos pontos experimentais em um gráfico de NV(t), onde t é o tempo de tratamento a uma dada temperatura. Variando-se a temperatura de tratamento, pode-se então obter a variação da taxa de nucleação com a temperatura. Quando a nucleação é heterogênea, como se espera no presente trabalho, o número de cristais por unidade de volume (NV, m-3) não deve variar com o tempo e a temperatura de tratamento térmico, sendo função apenas da composição química, ou melhor, da concentração de agentes de nucleação adicionados à composição inicial. Nesse caso, NV é constante e determinada apenas pela contagem de cristais em secções transversais polidas de amostras tratadas para cristalização. Há um método alternativo de determinação da temperatura ótima de nucleação através de análise térmica por Calorimetria Exploratória de Varredura (DSC, da sigla em inglês) ou Análise Térmica Diferencial (DTA). [28] Utilizando desse método, amostras de vidro são tratadas para nucleação em diferentes temperaturas, por um período de tempo relativamente longo, antes de curvas de DSC ou DTA serem determinadas. Quanto mais nucleação ocorrer no tratamento prévio, mais o pico de cristalização observado no DSC desloca-se para temperaturas mais baixas, em relação a uma amostra sem tratamento ou com menor grau de nucleação, indicando que a cristalização foi promovida por esse tratamento. O gráfico do inverso da temperatura do pico de cristalização em função da temperatura do tratamento prévio de nucleação, nesse caso, apresenta um pico onde a nucleação é máxima, indicando assim sua posição. Esse método é indicado como alternativa, quando há dificuldades para observação dos cristais por microscopia. A taxa de crescimento de cristais (u, m/s), por sua vez, pode ser determinada pela medida das dimensões de um número suficiente de cristais em secções transversais polidas de amostras, submetidas a diferentes tempos e temperaturas de tratamento térmico. Colocando-se os valores do raio dos cristais medidos em um gráfico, em função do tempo, para uma dada temperatura, a taxa de crescimento corresponderá ao coeficiente angular de uma reta ajustada aos pontos correspondentes. Realizando-se tratamentos térmicos em diferentes temperaturas, pode-se obter a variação da taxa de crescimento de cristais em função da temperatura. De posse dos valores experimentais de I(T) ou NV e u(T), onde T é a temperatura, é possível construir curvas da variação da fração volumétrica cristalizada em função do tempo, (t), de acordo com a teoria cinética de transformação de fases de JMAK [29]: 23 ) 3 exp(1)( 43tIut ou ) 9 4exp(1)( 22tuNt V As curvas de (t) assim calculadas podem ser averiguadas pela determinação experimental da fração volumétrica cristalizada em função do tempo, a partir de medidas da fração cristalizada em áreas de secções transversais polidas de amostras submetidas a diferentes tempos de tratamentos térmicos, a uma dada temperatura. O estudo dos parâmetros cinéticos da cristalização do vidro em questão, a saber, I(T) ou NV, u(T) e (t) para dadas temperaturas, é realizado por microscopia e análise de imagens. A análise de imagens pode ser realizada por computador através de softwares livres tais como o ImageJ (http://rsbweb.nih.gov/ij/). É preciso, nesse caso, determinar as melhores condições de preparo de seções polidas e controlar o contraste nas imagens para maximizar a precisão dos parâmetros determinados automaticamente pelo software. Conhecendo-se como a fração cristalizada, o número e o tamanho dos cristais variam com o tempo e a temperatura, para uma dada composição de vidro, podem-se projetar tratamentos térmicos de cristalização, variando-se a microestrutura da vitrocerâmica obtida, para alcançar objetivos específicos (o menor tamanho de cristais, por exemplo). A partir daí, diferentes microestruturas podem ser testadas, ante aos parâmetros de desempenho balístico (dureza, resistência mecânica, módulo de Weibull, resistência ao impacto de projéteis, etc), e os melhores resultados direcionados para essa aplicação. Inicialmente, testes preliminares foram realizados em um vidro de composição não- estequiométrica, baseada na cordierita, previamente fabricado. Ensaios de análise térmica diferencial (DTA) foram realizados em um banco de análise térmica BP, de fabricação nacional, com a finalidade de determinar a temperatura de transição vítrea e a temperatura do pico de cristalização do vidro. Amostras para tratamentos térmicos foram cortadas em uma máquina de corte de precisão IsoMet 1000, Büehler, com disco diamantado. Tratamentos térmicos para cristalização foram realizados em um forno EDG 1800, em temperaturas que variaram de 800 a 1000 C. Amostras foram preparadas para microscopia óptica por desbaste em lixas Norton de SiC de granulometrias 320, 400, 600, 1000, e polimento em uma politriz Struers DP-10, Panambra, sobre pano de polimento e suspensão de polimento de vidros Policer, comercializado pela Engecer. Análises microscópicas foram realizadas em um microscópio óptico Nikon Epiphot 200 e em um 24 estereomicroscópio Leica GZ-6 com câmera digital. Os experimentos acima descritos foram realizados no Departamento de Materiais e Tecnologia (DMT), da UNESP, Guaratinguetá. Posteriormente, uma mistura para fusão de vidros foi preparada no Laboratório de Materiais Vítreos do DEMa/UFSCar. Foram utilizadas matérias-primas de grau comercial. As pesagens foram realizadas em uma balança OTHAUS, modelo "Precision Standard", com precisão de 0,01 g. Antes da pesagem final, as matérias-primas foram secas em uma estufa FANEM modelo 315 SE. A homogeneização da mistura das matérias-primas foi realizada em um pote plástico, com bolas de Al2O3 de 30 mm de diâmetro, rolado em um moinho de bolas SOLAB, sem modelo. A fusão dessa mistura também foi realizada no Laboratório de Materiais Vítreos do DEMa/UFSCar em um forno CN, um forno para fusão de vidros com carregamento pela base, com a utilização de um cadinho de platina cujo volume era aproximadamente de 200 mL, onde as adições e os horários para cada uma são mostrados na tabela 1. Durante a fusão, o forno foi aquecido com uma taxa de 700 ºC/h até atingir a temperatura de 1650 ºC no momento em que o vidro foi vertido. Paralelamente à fusão, foi realizada uma análise térmica do tipo DSC (Calorimetria Exploratória Diferencial) em uma amostra do vidro antigo, em um equipamento NESTCHZ DSC 404, também no laboratório da UFSCar, cuja taxa de aquecimento foi de 10 ºC/min. 25 4 Resultados e discussão Ensaios de análise térmica diferencial (DTA) foram inicialmente realizados com a finalidade de encontrar a temperatura de transição vítrea e a temperatura do pico de cristalização do vidro em estudo. O conhecimento desses parâmetros permite estimar o intervalo de temperaturas onde tratamentos controlados de cristalização do vidro são possíveis. Os resultados para duas amostras (réplicas) são mostrados na Figura 1. Em ambas as curvas mostradas, podemos observar um acidente térmico característico da transição vítrea a 573 ºC. Não se observam picos exotérmicos característicos de cristalização até 1000 ºC, o que pode ter dois significados: i) a taxa de cristalização do vidro é muito lenta e não é observada no DTA usado, em um nível significativo, com a taxa de aquecimento utilizada; e/ou ii) o pico de cristalização ocorre em uma temperatura mais alta que 1000 ºC, a máxima temperatura alcançada pelo DTA. 7 8 9 10 11 12 13 14 0 200 400 600 800 1000 1200 Temperatura (oC) D TA (o C ) Análise 1 Análise 2 Figura 1: Análise térmica diferencial (DTA) de amostras (réplicas) de vidro de composição à base de cordierita, não estequiométrica, com agentes de nucleação incorporados (aquecimento a 10 ºC/min). Como um pico de cristalização não foi observado nas análises de DTA, testes de cristalização foram realizados para se determinar uma faixa de trabalho para a determinação da cinética de cristalização. Para isso, uma amostra do vidro foi submetida a um tratamento térmico a uma taxa de aquecimento de 10 ºC/min até a temperatura de 800 ºC, na qual foi mantida por uma hora. Esperava-se que a amostra se tornasse opaca devido à cristalização, caso essa ocorresse, 26 entretanto isso não foi observado. Um tratamento posterior, a 1000 ºC por 1 h (com aquecimento a 10 ºC/min), indicou a opacidade característica da cristalização da amostra, em uma inspeção visual. Tratamentos de cristalização em temperaturas que variaram de 950 a 1000 ºC por tempos de 30 min até 4 h foram então realizados em 10 amostras de vidro, separadamente. As amostras na forma aproximada de paralelepípedos de 10 x 10 x 2 mm foram obtidas a partir do corte do vidro em uma máquina de corte de precisão com disco diamantado para que em seguida fossem tratadas termicamente em um forno mufla. Posteriormente, foi feita uma preparação metalográfica, necessária para a análise microscópica, que inclui embutimento em baquelite, desbaste, polimento e ataque químico das amostras. As amostras foram atacadas em uma solução 0,1% vol. HF em água de 1 a 5 min e lavadas em água para observação por microscopia com maior aumento. O tempo de ataque variou com a intensidade de cristalização, quanto menor a fração cristalizada aparente (mais fase vítrea residual), menor o tempo de ataque. Os resultados podem ser observados em diferentes gradações de opacidade, decorrente da cristalização, mostrados na figura 2, conforme as temperaturas e os tempos indicados. Figura 2: Macrografias de amostras de vidro tratadas para cristalização em diferentes tempos e temperaturas. 27 Na Figura 2, observa-se um efeito maior da temperatura que do tempo de tratamento térmico no aumento da opacidade e, portanto, da fração cristalizada (a princípio) das amostras. As amostras tratadas a 1000 C se mostraram claramente mais opacas que as tratadas em temperaturas menores. O efeito do tempo não é tão sensível pela análise visual das amostras. Não foi possível observar cristais na microestrutura por microscopia óptica, provavelmente devido ao pequeno tamanho dos cristais resultantes e o baixo limite de resolução do microscópio utilizado, impedindo que os gráficos de cinética de cristalização (NV x t, R x t, I ou NV x T, x t e x T) pretnedidos fossem construídos. Ao fim dos tratamentos térmicos, heterogeneidades (distribuições irregulares dos cristais em regiões opacas) foram claramente observadas ao longo das amostras (figura 2). Isso ocorreu, provavelmente, devido ao preparo pouco cuidadoso do vidro inicial, resultando em amostras quimicamente heterogêneas. Devido à heterogeneidade observada, concluiu-se ser necessário preparar um novo vidro, com mais cuidado, para que os efeitos gerados devido a uma má homogeneização da matéria-prima e do material fundido não causassem variações nas propriedades mecânicas das placas após cristalização, o que tornaria o material inútil para o tipo de aplicação desejada. Uma nova mistura de matérias-primas para a obtenção do vidro foi então preparada no Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) do DEMa/UFSCar, em São Carlos. Essa mistura foi preparada visando obter 1 kg de vidro com a composição planejada, descontando-se o que é liberado na forma de fumos durante a fusão, devido à decomposição das matérias-primas e saída de CO2 e outros gases. Os componentes da mistura foram separados, tomando-se o cuidado de pesar aproximadamente 10% em massa a mais de cada matéria-prima, considerando eventuais perdas de umidade na secagem, e acondicionados em recipientes refratários (cadinhos cerâmicos) individuais. A secagem das matérias-primas foi realizada em uma estufa a 150 °C com o objetivo de eliminar a umidade das mesmas, proveniente da atmosfera. Os cadinhos foram cobertos com papel alumínio perfurados para impedir a contaminação das matérias-primas no interior da estufa durante a secagem sem impedir a saída da umidade. Os cadinhos foram mantidos à temperatura de 150 °C durante treze horas e quarenta minutos (durante a noite), tempo longo o suficiente para garantir a saída total de umidade das matérias-primas. Após o tempo decorrido, os cadinhos foram retirados da estufa e resfriados à temperatura ambiente. A perda de massa na secagem variou dependendo da matéria-prima: 30,90% para o ácido bórico (H3BO4) e 0,08% para o carbonato de bário (BaCO3) por exemplo, fato que comprova a necessidade da secagem controlada dos componentes da matéria- prima para que se possa ter a composição correta, não afetando as propriedades desejadas no 28 produto final. Em seguida foi realizada a pesagem dos constituintes secos de acordo com a formulação planejada. As massas assim obtidas foram então misturadas em um recipiente de plástico, tampado e deixado rolar em um moinho de bolas, durante aproximadamente 100 min, para que ocorresse uma melhor homogeneização das matérias-primas. A qualidade da homogeneização foi constatada por inspeção visual, após total mistura de compostos coloridos no restante do material. Passado o tempo do processo de homogeneização, o recipiente foi retirado do moinho após a observação de que todo o pó apresentava uma característica homogênea. A partir dessa mistura, foi realizada a fusão, com aquecimento de 700 °C/h até 1550 °C, inicialmente. Devido à pequena capacidade do cadinho, o mesmo necessitou ser abastecido em frações, acarretando diversas aberturas do forno, causando relativa variação da temperatura, fato que a princípio não influencia as características finais para qual o vidro será utilizado. Ao completar um nível máximo seguro de abastecimento do cadinho, visando não haver perdas pelo trasbordamento da massa fundida no forno, a temperatura final foi elevada para 1620 °C e assim mantida por 1 hora e, após isso, foi elevada novamente à temperatura de 1650 °C, visando a fusão total da massa e baixar a viscosidade do fluido obtido, facilitando assim o vertimento do mesmo no respectivo molde. Imediatamente após o vertimento do fundido e conformação de blocos de vidro em um molde de aço inoxidável previamente limpo, foi realizado o recozimento do material visando a redução de tensões residuais. O recozimento foi realizado em um forno a 730 °C, por 120 min, seguido de resfriamento até 680 °C à taxa de 1 °C/min, e posterior resfriamento em forno (10 °C/min) até a temperatura ambiente. A temperatura de recozimento foi estabelecida com base em um DSC de uma amostra do vidro anterior. Tanto a fusão quanto o recozimento foram baseados em anotações dos mesmos processos feitos no vidro antigo (cujo DSC é mostrado na Figura 3). A temperatura para recozimento foi 730 ºC, entretanto o recozimento atual apresentou um patamar de 120 min ao passo que no vidro antigo foi de 60 min, e ambos foram resfriados a uma taxa de 1 ºC/min até 680 ºC. 29 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1,20 1,25 1,30 1,35 1,40 1,45 1,50 1,55 1,60 D S C Temperatura (oC) T g = 789 oC T os = 1047 oC T c = 1095 oC Figura.3: DSC do vidro cord5-12, baseado no qual a nova composição foi desenvolvida. Paralelamente à fusão do novo vidro, também foi feita uma análise térmica do tipo DSC (Calorimetria Exploratória Diferencial) do vidro antigo com a finalidade de determinar as temperaturas de transição vítrea e de cristalização, para que se pudesse comparar com as do novo vidro, posteriormente (ainda não efetuada). Para isso utilizamos um equipamento do tipo NETZSCH DSC 404 do LaMaV, com taxa de aquecimento de 10 ºC/min e massa da amostra de 62,6 mg. A figura 4 mostra duas curvas distintas, sendo que a curva vermelha foi obtida pelo aquecimento dessa amostra até 1200 ºC para localizar e caracterizar os acidentes térmicos, ao passo que a curva representada pela cor preta foi obtida com o objetivo de determinar uma referência para a correção da linha base da curva vermelha. Entretanto observamos variações térmicas também nessa curva preta, as quais não eram esperadas, pois considerávamos que todas as transformações já houvessem ocorrido no primeiro aquecimento. 30 0 200 400 600 800 1000 1200 0,0 D S C ( V/ m g) Temperatura (oC) T g = 785oC T c-onset = 988oC T c-max = 1081oC T c-endpoint = 1176oC T g' = 741ºC E nd o E xo Figura 4: Curvas obtidas pelo DSC a fim de obter as temperaturas de transição vítrea e cristalização. Como referência no DSC foi utilizado um cadinho de platina semelhante ao da amostra, mas vazio. Analisando os gráficos, primeiramente pode-se notar um desvio brusco da curva no sentido endotérmico, no intervalo de temperatura que vai de 30 ºC até aproximadamente 100 ºC, portanto no início do aquecimento, que ocorreu devido a uma estabilização térmica a fim de equilibrar a temperatura do porta-amostra e todo o bloco de aquecimento (recipientes de amostra e referência), sendo então, desconsiderado para qualquer análise. Em seguida nota-se uma mudança da linha base no sentido endotérmico, cuja temperatura “onset” (ou seja, a temperatura convencional de início do fenômeno) é de 785 ºC, seguido de um pico também endotérmico. A linha base crescente da curva DSC da Figura 4 dificulta a visualização da transição vítrea (Tg) bem como a determinação da temperatura de início da mesma, mas mesmo assim essa transição pôde ser identificada. Já o pico endotérmico que aparece em seguida é típico de amostras com tensões residuais [30, 31], que é o caso da nossa amostra, pois a mesma foi submetida a um tratamento de recozimento para alívio dessas tensões a 730 C, temperatura bem abaixo da transição vítrea observada (Tg = 785 C – Figura 4). Ou seja, o tratamento de recozimento prévio foi suficiente para aliviar parcialmente as tensões residuais, permitindo que as amostras fossem cortadas posteriormente para os tratamentos térmicos de cristalização, mas ainda restaram tensões 31 residuais significativas para o DSC. Com isso, esse pico ilustra uma relaxação estrutural que ocorre quando o vidro tem mobilidade para recuperar a estrutura do líquido de equilíbrio, após Tg. Com a continuação do aquecimento, nota-se um pico cujas temperaturas de início (“onset”) e final (“endpoint”) são respectivamente 988 ºC e 1176 ºC. Esse pico exotérmico, com um máximo em 1081 ºC, representa a cristalização que a amostra sofreu, de uma forma lenta, pois ocorreu em uma faixa relativamente larga de temperatura de aproximadamente 188 ºC. Cristalizações mais rápidas apresentam picos mais intensos e estreitos. Tanto Tg quanto a cristalização da amostra, cujo DSC é visto na Figura 4, coincidem aproximadamente com esses valores medidos para o vidro cord5-12 do DSC da Figura 3. O pico de cristalização menos intenso do novo vidro, entretanto, indica que a cristalização é relativamente mais lenta que a do primeiro. Observando a curva representada pela cor preta no DSC da Figura 4, podemos notar que ela apresentou uma temperatura de transição vítrea inferior (Tg’ = 741 ºC) em relação à curva vermelha, indicando a presença de um vidro residual, resultante do consumo parcial do vidro na cristalização do aquecimento anterior até 1200 ºC. O vidro residual cujo DSC é a curva preta da Figura 4 tem, portanto, composição química diferente do vidro inicial, pois este foi aquecido até 1200 ºC na primeira etapa do DSC, ocorrendo assim uma cristalização parcial. Em relação ao pico de cristalização, não foi possível observá-lo com clareza nessa segunda curva, pois a maior parte da fase vítrea presente na primeira etapa pode ter sido consumida, entretanto nota-se uma reação térmica na mesma faixa de temperatura da cristalização da curva vermelha. Para confirmar que corresponde mesmo à cristalização, seria necessário fazer outros aquecimentos posteriores no DSC. Feito essas análises térmicas, podemos definir uma faixa de temperatura adequada para realização dos tratamentos térmicos entre aproximadamente 800 C e 1200 C, faixa esta que deverá permitir que o material sofra a cristalização, processo fundamental para nossa aplicação em blindagens balísticas, mas com diferentes cinéticas, dependendo da temperatura. Resta agora estudar a cinética de cristalização do vidro nessa faixa para otimizar os tratamentos de cristalização de amostras para ensaios balísticos, uma etapa futura para a continuidade da presente pesquisa. 32 5 Conclusão Primeiramente foi definida a composição química do material a ser usado através de pesquisas na literatura, optando pelo material que apresentou uma baixa densidade e uma elevada dureza comparando com outras cerâmicas utilizadas em blindagens. Em seguida foram feitas análises e tratamentos térmicos, os quais demonstraram que a composição se enquadra no objetivo da aplicação devido ao aparecimento de uma cristalização volumétrica e a formação de pequenos núcleos na microestrutura, o que pode ser otimizado de acordo com a variação da temperatura e do tempo do tratamento térmico. Apesar de todas as dificuldades e contratempos encontrados desde 2008, quando o projeto teve início, foram obtidos diversos resultados satisfatórios, possibilitando uma continuidade num trabalho de pós-graduação, visto que o projeto se encontra avançado e possuí uma aplicação promissora. Por fim, observou-se que o projeto é viável e o material possui um grande potencial de aplicação em escala comercial, pois apresenta uma grande variabilidade geométrica de produção, uma menor temperatura de fusão, quando comparado a outras cerâmicas comumente utilizadas, gerando uma melhor relação custo/benefício. 33 6 Referências 1 R. Klement, S. Rolc, R. Mikulikova, J. Krestan Transparent armor materials. J. Eur. Ceram. Soc. 28, 1091–1095 (2008). 2 Advances in Ceramic Armor: A Collection of Papers Presented at the 29th International Conference on Advanced Ceramics and Composites. Ceramic Engineering and Science Proceedings, Vol. 26, No. 7, ed. J. J. Swab, general eds. D. Zhu and W. M. 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