MARIA ISABEL BRITO DE SOUZA GÊNESE�DO�CRISTIANISMO:�a�relação�entre�judeus�e�gentios�no� discurso�de�Paulo�em�meados�do�I�século�d.C.� � � � � � � ASSIS 2009 � 2 MARIA ISABEL BRITO DE SOUZA � � � GÊNESE�DO�CRISTIANISMO:�a�relação�entre�judeus�e�gentios�no� discurso�de�Paulo�em�meados�do�I�século�d.C.� � Dissertação� apresentada� à� Faculdade� de� Ciências� e� Letras� de� Assis� –� UNESP� –� Universidade� Estadual� Paulista� para� a� obtenção� do� título� de� Mestre� em� História� (Área� de� Conhecimento:� História� e� Sociedade)� � Orientador:�Dr.�Ivan�Esperança�Rocha� � � Assis 2009� � � 3 � � � � � � � � Dados�Internacionais�de�Catalogação�na�Publicação�(CIP)� Biblioteca�da�F.C.L.�–�Assis�–�UNESP� � � ��������������Souza,�Maria�Isabel�Brito�de� S729g���������Gênese�do�cristianismo:�a�relação�entre�judeus�e�gentios�no� ��������������discurso�de�Paulo�em�meados�do�I�século�d.C.�/�Maria��Isabel� ��������������Brito�de�Souza.�Assis,�2009� ��������������������130�f.�:�il.� � ���������������������Dissertação�de�Mestrado�–�Faculdade�de�Ciências�e�Letras� ���������������de�Assis�–�Universidade�Estadual�Paulista.� � 1. Judaísmo.�2.�Cristianismo.�3.�Paganismo.�4.�Helenismo.� ���������������5.�Roma�–�História�–�Império,�30�aC�284dC.�I.�Título.��� CDD 230 296� 937� �� � 4 � Dedico aos meus pais com todo amor e carinho � � 5 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a Deus, aos meus pais Antonio Gabriel de Sousa e Maria Madalena de Brito,meus primeiros orientadores, que mesmo com uma pequena formação me guiaram com muito sacrifício dedicação e amor durante todos meus anos de estudo. Aos meus irmãos Patrícia e Eduardo que sempre estiveram por perto me apoiando nessa trajetória. Agora passo a agradecer a um pessoa muito importante que vem me orientando desde o primeiro ano de faculdade, são quase oito anos de convivência e aprendizado, ao professor Ivan Esperança Rocha, a quem chamo de Mestre, procurei durante todos esses anos seguir suas orientações, que esteve presente em todos os momentos importantes da minha vida acadêmica, interrompendo suas férias para assinar meu termo da FAPESP, que passou o último dia dos pais corrigindo incansavelmente meus textos e me dando força sempre. Muito obrigada Mestre! A professora Andrea Lúcia Dorini de O. C. Rossi que sempre me deu força, me guiando nesse processo de desenvolvimento acadêmico e humano, com suas palavras de incentivos, suas correções, suas sugestões na minha Banca de Qualificação, enfim, sua amizade e carinho. Agradeço ao professor Paulo Roberto Garcia por sua arguição na Banca de Qualificação, com sugestões muito pertinentes que contribuíram para o desenvolvimento dessa dissertação. Agradeço imensamente a algumas pessoas que se dedicaram a me ajudar nessa caminha do Mestrado, como a Rita, que esteve presente durante o primeiro ano de mestrado e � 6 durante a dureza do processo seletivo. A Daniela com suas palavras de carinho e força que muito me ajudaram nesse caminho. A Camila que sempre me ajudou nas partes burocráticas da FAPESP, me orientando e me dando força. A Mari que me ajudou muito com suas traduções, a Vanessa (Nega), que esteve presente em todos os momentos desde o cursinho pré-vestibular, dando força, mandando energia, dando colo, uma grande amiga. A Carol que sempre tem uma palavra de incentivo. Ao Antonio que esteve ao meu lado desde o primeiro ano de faculdade me incentivando e me ajudando em todos os momentos, a sua mãe dona Maria que sempre me acolheu nesses momentos decisivos e me transmite paz, ao seu Brasil, que com suas palavras bem humoradas me dão força. A Clarice com toda sua energia sempre me dando apoio e carinho, a Regina que sempre me ajuda, assim com a Zaíra e Cida. Agora gostaria de agradecer muito as meninas da minha antiga república, Ricely, Margarete, Roberta, Michelle e a Vanessa que durante toda a graduação estiveram do meu lado, me ajudando em todas as dificuldades, como quando perdi por uns meses a bolsa BAE e elas me deram a maior força e se dispuseram a custear minha parte nos gastos. Enfim, com palavras carinhosas, com abraços e muita afeição são fundamentais na minha trajetória. Quero agradecer em especial a Vanessa por suas leituras e correções em meu texto. Agradeço imensamente a pessoa a quem chamo de Mãe de Assis, dona Cida, que me acolheu desde o primeiro ano de mestrado, me dando força em todos os sentidos, com sua visão de mundo passa muita energia para todos que a cerca. Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram direta ou indiretamente nessa caminhada. Finalizo agradecendo a FAPESP pelo suporte financeiro que possibilitou o desenvolvimento da pesquisa. � � � 7 RESUMO Esta dissertação tem por objetivo a análise e avaliação do discurso de Paulo em Antioquia, em meados do I século d.C., com enfoque no texto de 2,11-14 da Carta aos Gálatas, onde ele discute com os líderes da Igreja a relação entre judeus e gentios, os limites da adoção dos rituais da Torá. O posicionamento de Paulo é entendido no contexto da cultura helenística e dos ideais do império Romano e o judaísmo é discutido a partir de suas múltiplas e complexas facetas e com toda a dinâmica cultural, social, econômica e religiosa em que se insere no período. Palavras-chaves: judaísmo; cristianismo; paganismo; helenismo; império romano. � � 8 ABSTRACT This research aims at the analysis and evaluation of speech of Paul in Antioquia, in mid of I century BC, with focus in the text 2,11-14 in the Letter to the Galatians, where he discusses with the others leaders of the Church the relationship between Jews and Gentiles, the limits of the adoption of the rites of the Torah. The position of Paul is understood in the context of Hellenistic culture and the ideals of the Roman Empire and the Judaism is discusses from its multiple and complex facets and with the dynamic cultural, social, economic and religious which includes the period. Keywords: Judaism, Christianity, Paganism, Hellenism, Roman Empire. � � � � � � � � � � � � � � � � 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO DISCURSO DE PAULO EM GÁLATAS: TEXTO E CONTEXTO 13 1. A delimitação do espaço da influência do Cristianismo: ......................................... 25 2. As configurações sociais em um mundo dinâmico ................................................... 30 3. Os grupos judaicos: a diversidade na gênese do Cristianismo................................... 42 CAPÍTULO II: ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA DA RELAÇÃO ENTRE OS PRIMEIROS CRISTÃOS EM ANTIOQUIA 49 1. Os primeiros conflitos dentro das comunidades cristãs............................................. 53 2. As formas de representação dentro do discurso de Paulo ......................................... 59 3.As justificativas dentro do discurso paulino............................................................... 71 CAPÍTULO III: ANÁLISE DO DISCURSO PAULINO EM SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 86 1. A presença apocalíptica no discurso de Paulo em Gálatas........................................ 87 2. A relação entre os primeiros cristãos......................................................................... 91 3. Análise do discurso de Paulo em Gálatas.................................................................. 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 115 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 120 1. Fontes: ....................................................................................................................... 120 2. Obras de referência: ................................................................................................... 121 3. Bibliografia................................................................................................................. 122 � 10 Introdução A presente dissertação tem por objetivo apresentar a análise do discurso de Paulo na perspectiva de se buscar compreender a relação entre as primeiras comunidades cristãs apresentadas por Paulo em suas cartas, dimensionando a pesquisa para o grupo de judeus e gentios crentes em Cristo. Buscar-se-á apresentar as interfaces do discurso de Paulo. Optou-se por esses dois segmentos em meio a diversidade de grupos existentes na atmosfera paulina, por ter na análise de sua relação uma das teses centrais de articulação do autor, a defesa dos gentios. Analisando a conjuntura social de meados do I Século, percebeu-se a necessidade de se estabelecer em meio a diversidade judaica uma possível análise do que seria esse conflito entre judeus crentes em Cristo e o grupo dos gentios que também adotaram a fé no Cristo. � 11 Compreender como Paulo trabalha esse conflito na carta aos Gálatas, especificamente na perícope Gl 2, 11-14, e em vários momentos de sua narrativa. Por se tratar de um tema presente em quase toda sua narrativa optou-se por Gálatas por ter no conflito de Antioquia um ponto forte dessa discussão. A diversidade de práticas religiosas cúlticas é marcante nesse momento em que Paulo está pregando, como não se tratava de comunidades religiosas uniformes, o relacionamento é marcado por conflitos e negociações. Portanto, havia disputas por liderança e manutenção dessas comunidades no cristianismo primitivo. Dentro do grupo dos crentes em Cristo têm-se variantes – como no caso dos judeus e gentios – esse conflito interno na interpretação das regras judaicas, como de se aceitar ou não os gentios incircuncisos é sintomático no discurso paulino. Esse trabalho analisa os meandros trilhados por Paulo e seu grupo para adaptar essas regras judaicas, além de buscar legitimar a presença dos gentios em meio ao grupo dos Crentes em Cristo. Em seu discurso aos Gálatas – Paulo aborda a questão com Pedro em Antioquia, criticando sua alteração no que tange ao convívio com os gentios – o conflito observado em Antioquia reflete as indagações que estavam passando os primeiros cristãos, isso também será notado em outros lugares. Serão apresentados os grupos que compunham esse cenário de dúvidas e permeado de crenças e alternativas religiosas, onde as esferas de poder se coadunam e se confundem, com suas fronteiras fluídas e complexas. A participação do Império Romano na narrativa paulina pode ser observada em diferentes momentos e circunstâncias. No caso da Carta aos Gálatas a retórica de legitimação é apresentada como alternativa a realidade presente de dominação. Seja em temas como a liberdade, igualdade, ou mesmo, quando não deixa transparecer seus � 12 reais motivos. Será apresentado as relações dentro do sistema de Padroado romano e como isso será visto pelos primeiros cristãos. Partindo do princípio da relação dentro do Patronato Romano, pode-se questionar como era visto esse sistema de troca dentro do mundo romano e como esse mundo dominado foi se adaptando a essa forma de poder nesse mundo romanizado. Também se pode questionar como tais negociações eram compreendidas e percebidas nas comunidades cristãs primitivas. O discurso paulino é produzido a partir de suas leituras de mundo e de seu grupo, buscando responder aos anseios do momento em que estão sendo produzidos, sendo escrito no calor dos acontecimentos. Isso fica evidenciando na Carta aos Gálatas que foi produzida para dar resposta imediata a questão da relação entre judeus e gentios, além de abordar outras questões comuns dentro das comunidades da Galácia. Os pressupostos da história cultural possibilitarão observar as dinâmicas dentro das primeiras comunidades, suas representações, sua leitura de mundo. Essas manifestações sociais serão apresentadas no discurso de Paulo, os conflitos e os jogos de interesses. Pode-se com isso levantar algumas hipóteses: primeiro como esses primeiros cristãos se relacionavam, como elaboravam seus discursos; segundo quais os interesses do grupo paulino ao entrar em confronto com os líderes da comunidade cristã além de perceber os recursos utilizados por Paulo para legitimar seu discurso. No primeiro capítulo será apresentada a relação de Paulo em seu ambiente de origem, buscando perceber de que forma seu contexto aparece em seu discurso, como as manifestações sociais são traduzidas em sua narrativa. De que modo é representado os agentes dessas primeiras comunidades cristãs, seus conflitos e seus objetivos. Além, de perceber como as relações dentro do Império Romano e a influência da cultura helenística � 13 podem ter influenciado na gênese do Cristianismo e de que maneira isso foi representado por Paulo em seu discurso aos Gálatas. Serão apresentadas no segundo capítulo as discussões historiográficas sobre a relação entre os primeiros cristãos, as disputas internas, os jogos de interesse. De que maneira o discurso paulino é percebido, suas legitimações, suas negociações. E como as trocas entre os grupos podem ser observadas na Carta aos Gálatas. Também serão apresentadas as relações dentro da sociedade judaica, suas tradições e como isso aparece no texto de Paulo. Procura-se observar como a origem judaica é utilizada por Paulo para legitimar a inserção dos gentios dentro da comunidade de crentes em Cristo, além de perceber os mecanismos de justificativa baseada na Lei mosaica. No terceiro capítulo serão apresentados o discurso de Paulo aos Gálatas destacando a passagem Gl 2, 11-14, onde se apresenta o conflito entre os grupos dos primeiros cristãos. Analisando a narrativa paulina a partir da construção histórica, percebe-se que o uso da retórica grega se faz presente nas argumentações de Paulo, esse artifício utilizado por ele demonstra seu domínio da cultura grega, dando maior legitimidade em seu discurso. Discutindo as interfaces do discurso, seus interesses no quadro político-social em que Paulo está inserido, de modo a apresentar a análise de tal discurso e suas representações. Portanto, esse trabalho se propõe a analisar o discurso paulino e de seu grupo inserido em um mundo de dominação romana, permeado de culturas helenísticas e judaicas que se coadunaram às romanas formando e transformando o contexto da gênese do Cristianismo, onde se procura perceber suas formas de pensar e representar suas visões de mundo. � 14 Capítulo I O processo de construção do discurso de Paulo em Gálatas: texto e contexto Esse capítulo tem por objetivo traçar as relações existentes dentro do mundo romano no qual Paulo está inserido, para isso buscar-se-á compreender a atuação de Paulo dentro do Império Romano, em seu meio social, tendo em vista toda a complexidade do período e as dificuldades de análise. Serão analisadas algumas passagens de Gálatas e Romanos, onde o autor trabalha sua relação com seu mundo e, quando necessário, serão utilizadas outras cartas paulinas com este escopo. Deve-se analisar o discurso do grupo paulino e sua relação com o poder, quais são seus reais interesses, além de analisar os outros grupos que configuraram seu espaço relacional. Basear-se-á em uma bibliografia que permite compreender o entorno desse � 15 movimento paulino. É necessário observar a conjuntura social do espaço onde o cristianismo surgiu e se desenvolveu. A dominação romana da Palestina judaica começou com uma conquista violenta, seguida de um prolongado período de devastadoras lutas pelo poder. O controle da área era disputado por facções asmonéias rivais, pelo império dos partos, a leste, e até por facções rivais das guerras civis romana, que então assolavam o Mediterrâneo Oriental e a Itália. Ao governo opressivo dos reis dependentes de Roma (Herodes e seus filhos), seguiu o governo direto dos governadores do império estrangeiro, algo que os judeus não tinham experimentado desde a conquista babilônica e persa. Também se deve considerar o período helenístico, com os reis Selêucidas e ptolomaicos. Horsley e Hanson afirmam que além disso, após meados do século I d.C., o comportamento da aristocracia sacerdotal judaica foi cada vez mais predatório. Para os camponeses judeus, a dominação herodiana e romana geralmente significava pesada tributação e, mais do que isso, uma séria ameaça para a sua existência, visto que muitos foram expulsos das suas terras. Significativamente, o período de mais interesse em relação a movimentos e líderes populares, como Jesus de Nazaré, está enquadrado por rebeliões camponesas de grande escala: as insurreições que seguiram à morte de Herodes, no ano 4 a.C.; e a maciça revolta contra Roma, em 66-70 d.C., seguida de uma segunda grande revolta contra Roma, a revolta de Bar Kokhba, em 132-135 d.C. (HORSLEY & HANSON, 1995, p. 43). Horsley e Hanson apresentam um quadro geral dos conflitos dentro do território palestino sob a dominação romana, a opressão e a revolta judaica contra Roma. É nessa conjuntura de dominação e de grandes perturbações que se desenvolveu o cristianismo, com suas raízes judaicas associadas em constantes mutações com o mundo gentílico. É a partir dessa perspectiva de aproximações e de distanciamentos, de desvios e novas propostas que � 16 será analisada a pregação de Paulo em seu contexto social, seus embates com os ideais do império estabelecidos por Roma e suas apropriações desses mesmos ideais. Deve-se entender Roma e suas estratégias de relacionamento com os povos conquistados, pois, trata-se de um Império que trás em sua trajetória inúmeras formas de pensar e agregar pessoas e culturas, impondo-se quer seja pela força quer por sua habilidade político-administrativa. O período helenístico deve ser considerado como de suma importância para as ações romanas. Essa sua forma de governar concedeu aos romanos, sucesso e um longo governo, cujo poder era legitimado também por fatores religiosos. Os romanos, em muitos casos eram vistos como possuidores de um direito divino de governo. É na questão dos mecanismos imperiais e, particularmente, na questão religiosa dos ideais romanos que a atuação de Paulo se faz presente. Quando Paulo afirma que é só por meio da fé em Cristo, e não do homem, que se chega à salvação, está questionando o caráter divino do Imperador. Aliado a isso tem-se o confronto entre dois reinos. No decorrer do segundo e, principalmente, do primeiro século a.C., os romanos conquistaram ou herdaram os reinos helenísticos no mediterrâneo Oriental. Neste processo, Roma basicamente assumiu e perpetuou a civilização e o império helenístico no Oriente. Depois da conquista da Palestina em 63 a.C., os territórios judeus estiveram continuamente sob o controle romano, exceto os poucos anos do temporário sucesso da rebelião de alguns grupos judaicos. Pompeu cercou Jerusalém e, quando a cidade e o templo caíram em suas mãos, violou seu principal espaço, o Santo dos Santos (Josefo Ant. 14.105). Os romanos “libertaram” e restauraram as cidades helenísticas e outras áreas da Palestina que tinham sido conquistadas e judaizadas pelos asmoneus. Os demais territórios judeus (Galileia, Pereia, Idumeia juntamente com a Judeia) foram submetidos a um tribuno romano. À conquista de Pompeu seguiu um período de quase uma geração de distúrbios, em que facções asmoneias e exércitos romanos disputavam o controle da área. Em determinado momento, os partos � 17 enviaram exércitos à Palestina em apoio a um dos líderes asmoneus rivais. Os efeitos desta e de outras ações da guerra civil na Palestina foram a repetida devastação do país, cobranças de impostos extraordinários e agitação social generalizada. (HORSLEY & HANSON, 1995, 43- 44). É necessário compreender como viviam essas pessoas dentro do Império Romano, como os cidadãos romanos eram vistos. Grimal faz uma apresentação breve de algumas dessas categorias: Partindo para o interior do imperium, o estatuto das pessoas e o das cidades variam consideravelmente. No topo da hierarquia encontram-se os cidadãos de pleno direito, vivendo em Roma ou nas colônias. Em seguida, vêm os cidadãos de direito latino que possuem apenas alguns dos privilégios dos primeiros. Vêm, por fim, os peregrinos (peregrini), considerados estrangeiros, ainda que não “fora-da-lei”. Entre as cidades, umas são totalmente romanas, outras colônias, outras fundações novas ou refundações. Outras existiam antes da chegada dos conquistadores. São os municípios. Possuem os seus próprios magistrados, provenientes da tradição nacional; mas, aos poucos, a sua aristocracia confunde-se com a de Roma. (GRIMAL, 1999, p. 22). Analisando a conjuntura de distribuição e poder durante o Império Romano percebe-se o quão significativo isso seria na abordagem de Paulo e do grupo paulino, além de também moldar os demais grupos sociais. Koester chama atenção para o contexto da produção dos textos que abordam o cristianismo primitivo; pouco se sabe sobre a pregação de Paulo por seus contemporâneos, os textos que existem, como Atos dos Apóstolos, foram escritos bem depois da morte de Paulo, e mesmo os Evangelhos. Deve-se considerar que muitas obras de críticos do cristianismo surgiram depois de Paulo e, com isso, é preciso atentar para as alterações de objetivos de cada texto, que tem em sua época seu alvo concreto. É o que acontece, afirma Koester, quando Plínio, o Jovem, escreve suas cartas ao Imperador Trajano, relatando o crescimento do número de cristãos na Bitínia “a doença contagiosa dessa falsa religião (superstitio)” e apontando para o fato de eles terem se espalhado não somente nas cidades, mas nas aldeias, e � 18 de incluírem pessoas de todas as idades e classes sociais (2005, p. 357). Plínio relata os fatos do início do II Século d.C., com isso, percebe que o cristianismo estava naquele momento ganhando força, mas o momento que aqui se analisa, meados do I Século com a presença da figura de Paulo, o grupo que ele reúne era apenas mais uma das diversas ramificações dos judaísmos. O grupo de Paulo constitui uma dessas ramificações, mas trata-se de um segmento de cristãos ligado, sim, às tradições judaicas, mas que tinha uma visão que pode ser definida como agregadora, posto que aceitava a presença de não-judeus entre seus membros. No período em análise, ainda não existem relatos de perseguição a cristãos, visto que eles não constituíam um grupo unitário, nem ameaçador. Isso só começa a acontecer quando as autoridades romanas passam a perceber que a religião cristã poderia prejudicar seus interesses, depois do século II; no contexto de Paulo os cristãos foram considerados apenas como mais um grupo pertencente ao judaísmo. No entanto o discurso paulino afeta, de alguma forma, a concepção de mundo dos romanos. Talvez não diretamente no período da pregação de Paulo, mas com certeza nos anos subsequentes. A questão do patronato, por exemplo, tão importante dentro do contexto do Império Romano é fundamental para entender as interações no mundo de Paulo. O sistema de patronato surge como uma rede de relações de dependência entre cidadãos que reconheciam suas diferenças de poder e status, funcionando como uma relação moral e social entre patronos e clientes. A postura de Paulo narrada em suas cartas, seu modo de pensar e agir se articula conforme as circunstâncias e lugar; defendendo a reciprocidade entre todas as pessoas e grupos; ao mesmo tempo alterando as relações estabelecidas na sociedade romana na qual se insere. Desta forma, a inter-relação entre os membros dos grupos judaicos e gentios configura � 19 e transforma seu discurso, pois sua retórica lhe facilitava observar e argumentar em favor de seus interesses e de seu grupo. Durante o Império Romano, o patronato foi ainda uma estrutura que garantia a manutenção, legitimação e reprodução de poder. O patronato criou as condições necessárias para que o poder central do Imperador fosse sentido em todos os lugares do Império, de forma rápida e sutil. Mesmo com o fim da República, o patronato continuou agora ancorado na figura mais representativa do Imperador. Deve-se analisar o patronato não só como instrumento de controle social, mas também como um recurso de produção da coesão social que envolvia os diferentes povos do Império Romano. Isso depende de como as pirâmides de relações pessoais se enquadravam nos níveis mais elevados da sociedade hierárquica romana e, depois, nos níveis superiores da ordem imperial. Nos primórdios da República Romana, as redes de relações patrono-cliente atravessavam os interesses das classes conflitantes dos plebeus e dos patrícios, bem como as tensões de menor monta entre famílias e facções nas ordens mais elevadas da sociedade romana. (HORSLEY, 2004, p. 98). Esse cenário complexo e dinâmico no qual surge o cristianismo é essencial para compreender o que Paulo dizia, e como isso se refletia numa sociedade como a romana, onde o sistema de patronato dominava as relações. Quando Paulo, em (Gl 3, 28), aborda o tema das divisões sociais “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois vós sois um só em Cristo Jesus”, sinaliza uma quebra da estrutura social imposta pelos romanos. A unidade em Cristo não envolve apenas uma questão teológica, mas indica que o grupo paulino está em busca de poder, de se manter e de se estruturar nesse mundo. Assim essa universalidade deve ser entendida como um agregacionismo com interesses político-sociais e não apenas religiosos, mesmo tendo em mente, a linha tênue entre essas esferas de poder na Antiguidade. � 20 O patronato era um mecanismo utilizado para a manutenção e obtenção de poder e recursos, e que incluía certa ideia de caridade que seria transformada com o advento do cristianismo, que tinha na caridade uma expressão da fé em Deus, sem que exigisse nada em troca neste mundo: Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Tende a mesma estima uns pelos outros, sem pretensões de grandezas, mas sentindo-vos solidários com os mais humildes: não vos deis ares de sábios. A ninguém pagueis o mal com o mal; seja vossa preocupação fazer o que é bom para todos os homens, procurando, se possível, viver em paz com todos, por quanto de vós depende. Não façais justiça por vossa conta, caríssimos, mas dai lugar à ira [divina], pois está escrito: a mim pertence a vingança, eu é que retribuirei, diz o senhor. Antes, se o teu inimigo tiver fome, dar-lhe de comer, se tiver sede, dar-lhe de beber. Agindo desta forma estarás acumulando brasas sobre a cabeça dele. Não te deixes vencer o mal pelo mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12, 14-21). As primeiras comunidades cristãs emergem dessa rede de relações e interesses, inicialmente muito próximas aos ideais judaicos, mas que foram aos poucos se distanciando, seja com Paulo e seus companheiros, seja com o próprio processo de consolidação e de afirmação de uma nova ou readaptada forma de pensar e ver o mundo. Nas primeiras décadas do Império Romano, a nova “seita” do judaísmo apareceu e difundiu-se rapidamente, embora não envolvendo um grande número de adeptos. Ela não se sobressaía entre os muitos cultos “orientais” levados de um lugar para o outro por imigrantes e comerciantes. Poucas pessoas importantes deram atenção a ela. Suas origens eram desconhecidas dos escritores da época. Meeks (1992) afirma que, não obstante, o cristianismo deveria transformar-se em nova religião, separada das comunidades judaicas que lhe deram origem, e até hostil lhes era. Em poucos séculos se tornaria não só a religião dominante do Império Romano, mas também a única que gozava da proteção imperial (MEEKS, 1992, p. 9). A compreensão da estrutura do Império Romano possibilita uma melhor identificação de como se deram os choques entre ele e o cristianismo. Horsley argumenta que como estava � 21 situado no vórtice entre o divino e o humano, o Imperador representava a divindade na sociedade, mas também precisava de proteção divina garantida pelos sacrifícios aos deuses em seu beneficio. Assim, o poder, ou as relações de poder assumem formas tanto religiosas como políticas (HORSLEY, 2004, p.32). �Paulo aparece em cena como aquele que, em nome de Jesus, vem pregar para toda a humanidade a liberdade encontrada na fé de Cristo. Como já foi abordado acima, não era bem esse o intuito, mas sim, uma questão de poder e disputa. Muito do que ele prega contrasta com o sistema político no qual está inserido, ou seja, o Império Romano; Paulo descreve a vinda do Senhor como a vinda de um rei ou César para a qual se deve preparar. Quando Paulo considera a vinda do Messias como a de um rei, traz em seu discurso uma posição anti- imperial.�� Flávio Josefo, no I século, não se refere em seus escritos a essa nova seita judaica, apenas faz um breve comentário da morte de Jesus, mas sem dá nenhum destaque, isso também é sintomático e deve ser considerado. No entanto, sua obra é importante para se estabelecer o contexto político-social no qual se desenvolveu o cristianismo, e nos ajuda a compreender esse momento que sem dúvida foi propicio não apenas para o surgimento dessa nova seita, o cristianismo, como para sua propagação e consolidação. Compreender a relação entre judaísmo e cristianismo é principalmente colocá-los em seu ambiente de origem, mas sem deixar de considerar as transformações efetuadas em seus segmentos, suas ambições e o que os aproximava e distanciava. Dentre as muitas facetas existentes entre os dois segmentos destacar-se-á duas possibilidades de leitura, de um lado há um cristianismo que busca, com Paulo e seus adeptos, uma universalidade para além do judaísmo; de outro lado há um judaísmo que não abre mão de seus preceitos e tradições e que impactam sua vida social, política e econômica. � 22 Quando se observa o quadro geral onde nasceu e proliferou o cristianismo se percebe que a compreensão das características do domínio romano no período é marcante para se situar o cristianismo dos primeiros Séculos. É preciso aqui destacar o papel da religião no âmbito do Império Romano: Intelectuais romanos como Varrão compreendiam a religião de acordo com três divisões: a mítica, que se refere a histórias tradicionais sobre os deuses; a física, que se refere a doutrinas sobre a natureza do universo; e a civil, concernente aos deuses, templos, rituais e santuários que constituíam e guardavam a cidade-Estado. O Estado romano achava-se intimamente ligado à religião e não teria podido funcionar sem ela. Quase todas as várias leis listadas por Cícero, destinadas a governar o Estado, têm cunho religioso (Leis 2. 18-25). (HORSLEY, 2004, p. 23). É importante entender o emaranhado das inter-relações político-religiosas no Império Romano e como isso possibilitou novas ideias no grupo paulino. O cristianismo, desde a sua origem, aparece como uma nova proposta de pensar o indivíduo e a sociedade como um todo. No campo religioso, pretende ser universal, além de assumir uma atitude de exclusividade, considerando-se a única religião verdadeira. O fato de o cristianismo ter nascido num mundo espiritualmente judeu, politicamente romano e culturalmente helenístico explica, em grande parte, porque os conteúdos básicos necessários à sua formação e estruturação institucional foram buscados nessas esferas pelos ideólogos cristãos primitivos. É nessa perspectiva que se analisam as interações em meio a toda essa diversidade, que com suas negociações foram caracterizando o ambiente de origem do cristianismo. Segundo Grimal, até o governo de Nero não havia sido registrado grandes distúrbios entre os seguidores de Cristo e o Império Romano: As desavenças entre o Império Romano e os cristãos iniciam-se a partir de Nero, quando uma seita recentemente surgida, os sectários “de Crestos”, fora acusada de ter provocado o grande incêndio de 64. Para os castigar, o � 23 Imperador mandou queimá-los vivos, depois, surgiram comunidades cristãs por todo o Império, primeiro no Oriente, libertando-se progressivamente do judaísmo e criando a sua própria ortodoxia. Houve uma Igreja cristã em Jerusalém, outra em Antioquia, outra ainda em Damasco. A Igreja de Roma parece datar do reinado de Cláudio (41-54 d.C.). Um pouco mais tarde, quando Cláudio expulsou os judeus de Roma, Paulo fundou as Igrejas de Filipos, de Tessalônica e de Corinto. Mas as autoridades romanas julgam a doutrina que apregoa cada vez mais suspeita. Não se anuncia que se aproxima o final dos tempos, que o império vai desmoronar, assim como o resto do mundo? Paulo é preso e executado em Roma, em 67, enquanto a guerra, na Judéia, estava prestes a eclodir. Mas o cristianismo é agora bem diferente das suas origens judias. (GRIMAL, 1999, p. 129). Chama a atenção o fato de o governo de Roma reconhecer os seguidores de Cristo como uma das muitas seitas judaicas presentes na Palestina, ele também registra o fato de que o cristianismo, nos quatro primeiros séculos, também segue esta mesma tendência, qual seja: ele se apresenta como um movimento multifacetado, que traz dentro de si vários grupos distintos na medida em que ele é o resultado de um processo lento e variado, que se deu em tempos e lugares diferentes, com etapas e processos divergentes. A visão que os romanos têm dos primeiros cristãos como pertencente a mais uma seita judaica, em um primeiro momento, os favoreciam, pois eram neutros nas questões judaico- cristãs. Chevitarese destaca que o ponto de virada na relação entre as autoridades romanas e a religião cristã ocorre entre o final de 62 e inicio de 63. Esta mudança de atitude não deve ser associada apenas aos cristãos. Há outros dados que precisam ser considerados: a morte não natural do prefeito do pretório Afrânio Burro, a saída da cena pública de Sêneca, o repúdio de Nero a Otávia, a filha de Cláudio, sob o argumento de que ela era estéril, em favor de Popea, e a assimilação cada vez maior dos atributos orientais de poder por parte deste imperador, abandonando de vez a tradição do Princeps. A mudança de comportamento de Nero em relação aos cristãos coincide com sua mudança geral de política, e a coincidência não é apenas cronológica. Membros estóicos da classe dirigente romana foram julgados e � 24 condenados em 65-66, um pouco depois das perseguições aos cristãos. (VENTURA DA SILVA; MENDES, 2006, p. 165-66). Na complexa rede do patronato, a relação patrono-cliente mais formal entre Roma e a cidade ou reino súdito era complementada por inúmeros vínculos patronais informais entre membros da elite romana. Numa linguagem que para muitos é mais conhecida a partir das cartas de Paulo do que de autores e inscrições latinos e gregos, uma característica central da ideologia do imperialismo romano, derivada das relações patrono-cliente, era a de que os romanos demonstravam sua fides1, ou lealdade, ajudando seus “amigos”, ao mesmo tempo em que os amigos de Roma são louvados por sua fides, ou lealdade, a Roma. (HORSLEY, 2004, p. 100). O lugar de um romano na sociedade era ocupado de acordo com a função de sua posição na hierarquia social da família de que era membro e de seu envolvimento numa rede de relacionamentos pessoais que iam além de seu lar. Os romanos eram obrigados a obter, e podiam esperar, apoio de suas famílias, de seus parentes e de seus dependentes tanto dentro como fora de casa, bem como de amigos, de patronos, protégés e de clientes. De acordo com Sêneca, cujo mais longo ensaio moral é dedicado ao assunto, à troca de favores e de serviços (beneficia), que estava na base dessas relações, “cria de modo bem especial a coesão da sociedade humana” (Ben. 1.4.3). A ênfase de Sêneca na troca mútua justifica-se sob vários aspectos: a troca mútua atenuava tensões e conflitos provocados por divisões e desigualdades; ������������������������������������������������������������ 1 A Fides, conceito essencial na compreensão das estruturas sociais romanas, foi debatida à exaustão por muitos autores. A profa. Maria Helena da Rocha Pereira conceitua fides como “um juramento que compromete ambas as partes na observância de um pacto ‘bem firme’.” Seria, portanto, a observância plena de um compromisso ou juramento, a lealdade absoluta, da qual os romanos se orgulhavam. Grimal, define fides como fidelidade, lealdade às amizades e aos negócios empenhados, eram um dos ideais contidos na Humanitas que dominava a vida social, política, econômica na sociedade romana. GRIMAL, Pierre. A Civilização Romana. Lisboa: Edições 70, 1984, p. 71. � � 25 além disso, proporcionava muitos dos serviços hoje proporcionados pelas instituições governamentais ou privadas impessoais. (HORSLEY, 2004, p. 103). Os lugares de reunião dos grupos paulinos, e provavelmente da maioria de outros grupos cristãos primitivos, eram casas particulares. Em quatro lugares nas cartas paulinas, comunidades específicas são designadas pela “a assembléia na casa de Fulano”. (MEEKS, 1992, p. 121). As comunidades cristãs se reuniam onde era possível, nas casas das pessoas que aceitavam receber outras pessoas do grupo que tinham ideias próximas, dessa forma foi se formando a Ekklesia2 (assembleia) onde se reuniam para discutir suas opiniões e faziam suas orações. As comunidades crentes em Cristo são, em sua origem, urbanas; surgiram nas cidades do Império Romano após os anos 30. Paulo começa sua pregação nas cidades da diáspora, que tem em sua essência um caráter multicultural e dinâmico. Essas circunstâncias nos chamam a atenção, por se tratar de ambientes de ampla efervescência social e cultural, que propicia diversas formas de manifestações e de interações. Compreender essa multiplicidade cultural, que nesse momento se mistura a outros setores, como o político e o econômico, é fundamental para traçar o perfil do espaço de divulgação das ideias cristãs, que acontecem nesse ambiente urbano, durante a pregação de Paulo anos 40 e 50 d.C. É preciso destacar que quando se fala de urbano, não se pode pensar em cidades muito desenvolvidas, mas sim em um espaço de maior aglomeração de pessoas e de ideias. ������������������������������������������������������������ 2 O conceito neotestamentário mais importante para as comunidades crentes em Cristo, a palavra grega Ekklesia, é utilizado para comunidades domésticas individuais, para as comunidades locais constituídas eventualmente por diversas comunidades domésticas e para todos os crentes em Cristo. A sua tradução para o português varia: “comunidade”, reunião comunitária, igreja (STEGEMANN, E. W., STEGEMANN Wolfgan. História social do protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. Tradução: Nélio Schneider. São Leopoldo, RS: Sinodal; São Paulo, SP: Paulus, 2004, p. 297). � � 26 Os autores que escrevem no século I, como Josefo, Filon de Alexandria, apresentam um ambiente com maior desenvolvimento social, e com isso as cidades do Império Romano se tornam grandes centros de divulgação da nova forma de pensar o judaísmo. A aceitação ou não de determinados grupos dentro do judaísmo não é algo inventado por Paulo, mas já era uma realidade que o antecedia. O que se percebe é que talvez ele tenha, por meio de seus escritos, deixado maior material para a comprovação de suas ideias, com isso, de certa forma houve uma institucionalização desses preceitos de aceitação e de interpretação da Lei judaica. Aqui não cabe discutir a iniciativa dessas formas de pensar e interpretar as manifestações judaicas, mas, apresentar suas dinâmicas sócio-culturais, seus reflexos dentro da sociedade judaica do século I. 1. A delimitação do espaço da influência do Cristianismo: É difícil definir uma delimitação geográfica precisa do espaço de influência do Cristianismo em seus primeiros anos. As informações sobre Paulo e suas extensas viagens, em cidades do mediterrâneo, como Antioquia, Damasco, Corinto são explícitas. O campo de atuação dos primeiros grupos cristãos foi se difundindo a partir dessas cidades, mas deve levar em consideração a fluidez das fronteiras nesse período, tanto espacial como cultural. É nesse espaço que se dá a pregação dos ideais pregados por Paulo e outros seguidores de Jesus, que tinham aproximação ou repulsa por outros grupos de adeptos, como a adesão ou não dos gentios nas comunidades cristãs primitivas. No segundo capítulo dessa dissertação onde se discutirá sobre o conflito entre Paulo e Pedro em Antioquia, ficará patente que Paulo é defensor da ideia da aceitação da total integração entre judeus e gentios crentes em Cristo, o que incluía a realização de refeições em comum, enquanto que Pedro, que antes aceitava essa relação de proximidade entre os grupos, � 27 passa a demonstrar outra postura: exclui a possibilidade da refeição em comum recebendo severas críticas de Paulo. É possível que com isso Pedro quisesse evitar atritos com os cristãos de origem judaica. A questão não é apenas teológica, mas também social, percebe-se que há uma disputa entre Paulo e Pedro. O fato é que, no contexto que estamos analisando, se percebe que a questão não é apenas teológica, mas também um problema social, o que permite a definição sociológica das comunidades crentes em Cristo: o problema da comunhão social irrestrita entre judeus e não-judeus. � � � Mapa do Oriente Próximo no período paulino (TOYNBEE, Arnold. Brasília: Martins Fontes, 1987, p. 533)� � 28 Crossan em seus estudos sobre as refeições em comum nas comunidades cristãs primitivas estabelece um paradigma que procura explicar as questões que envolvem as reuniões eucarísticas, discutindo que o Patronato não consegue interpretar essas refeições. Em seu livro “O nascimento do cristianismo: O que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Paulo” de 2004, Crossan dedicada uma parte do seu trabalho à análise das refeições em comum nas comunidades cristãs primitivas, onde estabelece um debate com os textos de Helmut Koester, indicando relações de proximidade e discordância. Ali apresenta uma discussão sobre as refeições rituais, focadas na Eucaristia e sobre as refeições comunitárias. O autor compara as comunidades de judeus essênios e judeus cristãos, não para reivindicar uma ligação genética direta entre elas, mas para considerar aspectos comuns de radicalização e resistência comunitária à comercialização imperial nas comunidades judaicas do século I d.C. (2004, p. 458). A respeito das refeições, discute seu valor não apenas religioso mas político, social e econômico. Segundo Crossan (apud BROWN), a população não tinha muita fartura: Talvez uma das mudanças mais profundas associadas ao surgimento do cristianismo no mundo mediterrâneo seja a ascensão à proeminência de uma única refeição (a Eucaristia), que, embora cheia de associações de elos interpessoais em uma única sociedade humana, foi cuidadosamente despojada, desde o início, de quaisquer insinuações de abundância orgânica não-humana. Anteriormente, uma difundida disposição de espírito tendia a considerar natural a solidariedade de toda comunidade estabelecida, ao redor dos artigos raros de comida e espairecimento, e pretendia, por meio de momentos de alta e sossegada comensalidade, fazer o mundo invisível da natureza envergonha-se de sua costumeira avareza. Tudo que sabemos a respeito das festas da igreja cristã no fim da antiguidade mostra a resiliência da mentalidade antiga... Só uma elite insistente de clérigos se opunha à tendência mediterrânea ao banquete... Na verdade, no mundo fatigado do Mediterrâneo, o Reino do céu tinha de ter algo a ver com comida e bebida (1982, p. 18-20). Crossan trabalha a temática da refeição na perspectiva de uma interligação entre as necessidades do mundo terreno e celeste, e como isso se manifesta dentro das comunidades de � 29 judeus cristãos e não cristãos. (CROSSAN, 2004, p. 457). No caso dos judeus gentios isso se manifesta de maneira mais enfática, posto que, se transfigura numa questão religiosa conflitante entre membros dos grupos dos segmentos cristianizados e não cristianizados. Isso se deve às regras ritualísticas judaicas para refeição. Não é por acaso que o problema das refeições em comum inflamou-se, pois, por um lado, as refeições em conjunto constituem um elemento fundamental da sociologia dos grupos na Antiguidade. Famílias ou diversos grupos reuniam-se para realizar banquetes – constituídos da refeição propriamente dita (deîpnon) e do subsequente simpósio (sympósion), caracterizado, por exemplo, por conversas filosóficas, mas também por certas formas de entretenimento (música, canto). Refeições em conjunto também eram muito importantes para as reuniões sociais tanto dos judeus como dos não-judeus. Refeições pagãs helenistas eram organizadas por motivos culturais (em conexão com sacrifícios e ofertas religiosas), bem como por ocasião do culto aos mortos, por associações e por diversas religiões de mistérios. Os banquetes das associações também tinham implicações religiosas. (STEGEMANN & STEGEMANN, 2004, p. 303). Desta forma percebe-se que as refeições em grupo na Antiguidade proporcionavam ambientes de comunicação social, de ver e ser visto, de inclusão e de exclusão, assim, se observa que a defesa de Paulo pela comensalidade, refeição conjunta, entre judeus cristãos e gentios cristãos não pode ser pensada apenas como ato religioso, mas sim, com implicações dentro da própria sociedade em que ele está inserido. Assim, as posturas paulinas devem não ser vistas isoladamente, mas como reflexo do seu momento e do seu espaço social em que se insere. Os agentes sociais procuram realizar seus objetivos traçando caminhos próprios. Paulo pode ser considerado um agente que, ao se dar conta das próprias estruturas sociais e das relações existentes dentro dela, procura por meio de um universalismo religioso, adesão de � 30 membros a seus ideais visando à concretização de seus interesses sociais e políticos, pois ele estava levando suas ideias cada vez mais longe, e não poderia ser agora, com o episódio de Antioquia (Gl 2, 11-14) que ele deveria por tudo a perder; sendo assim, ele defende que as refeições conjuntas era o meio mais eficiente de integração e interação dos grupos cristãos. Os autores que reforçam o viés teológico em Paulo, afirmam que seus objetivos são religiosos, mas é preciso ler as cartas paulinas além desta perspectiva, compreendendo que suas ações e propósitos estão muito além do mundo religioso: o texto paulino também demonstra interesse social. Mas não se pode afirmar diretamente o que motivava Paulo quando este entrou em conflito com os líderes do segmento dos que creem em Cristo, o que pode-se fazer é tecer conjecturas a respeito das possibilidades existentes lendo o contexto, o que pode auxiliar a perceber seus medos e anseios. Uma questão levantada por Ekkehard Stegmann e Wolfgan Stegmann chama a atenção: a restrição feita à refeição em conjunto entre judeus cristãos e gentios cristãos seria por conta das pessoas ou dos alimentos? Pedro e outros membros da comunidade judaica abrem mão de sua práxis anterior de comer em conjunto com não-judeus. Os autores afirmam que só poderiam fazer suposições sobre os motivos dessa mudança de comportamento, tendo em vista que segundo Paulo (Gl 2,12), antes do conflito em Antioquia, Pedro comia com os cristãos gentios. O fato de ter passado a evitar a refeição em conjunto com não-judeus por ter razões pragmáticas: os alimentos utilizados nas refeições das comunidades de cristãos gentios podiam não corresponder às prescrições alimentares judaicas (2004, p. 304). Percebe-se, assim, que a questão do conflito entre Paulo e o grupo que defendia a circuncisão poderia ter ocorrido por questão da práxis da alimentação judaica, que tem muitas restrições, a comida kosher, alimentos preparados segundo os preceitos da lei judaica. Paulo responde a isso: “Mas quando vi que não andavam retamente segundo a verdade do evangelho, eu disse a Pedro diante de todos: se tu, sendo judeu, vives à maneira dos gentios e � 31 não dos judeus, por que forças os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2,14). Tais refeições em conjunto devem ser pensadas como um momento de comunhão não apenas de alimentos, mas também de ideias; nessas reuniões se discutiam questões do cotidiano dessas comunidades. Afastar os gentios, ou os não circuncidados desses grupos, poderia significar uma exclusão do espaço social. Essas ideias devem ser observadas no contexto em que estão inseridas, meados do século I, sob o domínio político romano e com grandes influências das tradições gregas. Esse debate retórico de Paulo é fruto de sua época, das questões vivenciadas por ele e pelas comunidades; seu discurso deve ser percebido dentro do viés imperial, num período de grande complexidade. O texto paulino é carregado de ideologias que necessitam ser explicitadas, não podemos analisar apenas as ações de Paulo, mas sim, as ações das comunidades paulinas e não paulinas. Tais comunidades buscam apoio para suas ideologias no interior da própria lei judaica. É o que acontece quando Tiago se defende dos ataques paulino aos circuncisos em Gl 2, 11-14. O que chama a atenção são as circunstâncias em que se deram tais discursos. Quem eram os ouvintes? E quais eram as motivações? Sabe-se que a linguagem retórica adotada em seu sentido sócio-político se altera de acordo com as modificações em seu contexto. Para se analisar esse tipo de discurso é preciso, antes de tudo, analisar suas motivações, que podem ser sociais e circunstanciais e que obedecem a sistemas simbólicos próprios. 2. As configurações sociais em um mundo dinâmico Uma das formas de compreensão do surgimento e a expansão do cristianismo no interior da comunidade judaica passa pela discussão de sua busca de formar um grupo coeso, o que de fato não acontece, pois mesmo dentro do cristianismo haviam confrontos. Procura-se � 32 perceber as circunstâncias que diferenciaram o discurso narrado por Paulo em Antioquia e em Jerusalém, visto que em Antioquia o confronto é direto. Jerusalém, centro da religião judaica, parece ter sido, no I século, uma cidade onde a cultura grega, incluindo-se a língua, se encontrava amplamente disseminada, levando a sua absorção pela população local. Entretanto, a ascendência do helenismo entre os judeus não foi homogênea na mentalidade judaica. Houve aqueles que mantiveram a tradição de maneira rigorosa e não viam com bons olhos a cultura grega; em contrapartida, outros judeus aderiram a ela. Surgiu com isso uma tensão interna entre uns e outros no interior das comunidades judaicas. Estes conflitos foram trabalhados de forma diferente por cada grupo, com suas manifestações singulares. Muitos estudiosos da Antiguidade defendem a ideia de que não havia uma distinção clara do viés político, social, econômico ou religioso da sociedade da época. O Templo de Jerusalém, por exemplo, era uma instituição político-econômica e religiosa dominante na sociedade judaica. Assim, perceber as circunstâncias de tais discursos se torna difícil, mas não se pode deixar de percebê-lo enquanto processo social e cultural. Guarinello, na introdução do livro Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural,3 apresenta a relação entre o Império Romano e nós, propondo pensar a relação do Império e os nossos dias. O Império Romano foi resultado de um lento processo de conquista militar e centralização política, primeiro da cidade de Roma sobre a Itália, depois da própria península sobre as demais regiões que margeiam o Mediterrâneo. Em termos de uma História comparada, poderíamos descrevê-lo como correspondendo a uma sociedade camponesa de grande complexidade organizacional, tendo um amplo estado de conquista. Visto em seus próprios termos, o Império Romano não ������������������������������������������������������������ 3 SILVA, Gilvan Ventura da.; MENDES, Norma Musco. (organizadores). Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultual. Rio de Janeiro: Mauad; Vitória ES: EDUFES, 2006. � 33 circunscrevia uma organização social homogênea e singular, mas agrupava “sociedades” completamente distintas. (VENTURA DA SILVA; MENDES, 2006, 14). Compreende-se que o discurso paulino tem relações diretas com a sua época e lugar, e no caso nosso específico a cidade de Antioquia em meados do Século I, mas ao se analisar os textos de Paulo, se percebe muito mais silêncios do que revelações: é nessa perspectiva que deve-se procurar interpretá-lo, buscando os não ditos e suas razões. De que forma se pode trabalhar esses silêncios? Sem dúvida um primeiro passo é compreender como agiam os membros da comunidade paulina, tendo em vista que ele escreve suas cartas para determinado grupo de leitores nessas comunidades; esses textos são antes de tudo discursos doutrinários, que muitas vezes tinham que ser colocados de maneira a possibilitar uma maior aceitação e mesmo agregação de fiéis, mas também funcionavam com seus não ditos, que podiam ou não ser percebidos por seus leitores, como disciplinador e ditador de regras e mesmo para infringir outras regras. Essa variante dependia muito da comunidade a quem endereçava suas cartas e dos objetivos a serem alcançados no momento. Horsley e os demais autores que compõe o livro organizado por este, Paulo e o império: religião e poder na sociedade imperial romana, interpretam as ações de Paulo em seu contexto imperial buscando analisá-lo na perspectivas das ideologias do Império. Tendo por objetivo compreender o discurso paulino na perspectiva do Império Romano, formulam novos métodos de pesquisa apropriados para discutir essas relações muitas vezes deixadas de lado na análise paulina. A compreensão das ideologias imperiais são essenciais para a compreensão do mundo do qual Paulo fazia parte e do mundo que tenta construir. Os possíveis conflitos enfrentados por membros do grupo paulino não devem ser atribuídos a Paulo como indivíduo, mas como representante de um grupo; suas ideias são reflexões elaboradas por seu grupo, assim, quando se fala das ações de Paulo, se faz uma análise do discurso da comunidade da qual ele fazia � 34 parte e que compartilhavam suas ideias e interesses. Sendo assim, o nome de um autor não é um nome próprio como qualquer outro, mas antes um instrumento de classificação de textos e um protocolo de relação entre eles ou de diferenciação face a outros, que caracteriza um modo particular de existência do discurso, assinalando o respectivo estatuto numa cultura dada: “A função de um autor é caracterizar a existência, a circulação e a operatividade de certos discursos numa dada sociedade” (FOUCAULT, 1992, p. 21). Essa função está, portanto, ligada aos sistemas legais e institucionais que circunscrevem, determinam e articulam o domínio dos discursos, mas não opera de maneira uniforme em todos os discursos, em todas as ocasiões e em qualquer cultura, não é definida pela atribuição espontânea de um texto ao seu criador e sim através de uma série de procedimentos rigorosos e complexos, e não se referem puramente a um indivíduo concreto, na medida em que dá lugar a uma multiplicidade de egos e a uma série de posições subjetivas que podem ser ocupadas por todo e qualquer indivíduo susceptível de cumprir tal função. Os grandes autores devem ser vistos como indicadores de práticas discursivas que produzem não só a sua própria obra, mas as possibilidades e as regras de formação de outros textos. (FOUCAULT, 1992, p. 21-22). Em seu livro: O que é um autor? Foucault discorre sobre a função do autor: “caracterizar a existência, a circulação e a operatividade de certos discursos numa dada sociedade”; sendo assim, Paulo registra em seus discursos a representatividade de sua comunidade. O autor escreve a partir de suas experiências e a partir das expectativas de seus grupos sociais. É partindo desta perspectiva de autor e obra, que são analisados os mecanismos discursivos de Paulo, procurando observar como o ambiente sob domínio romano influenciou a forma de Paulo e seu grupo se colocarem diante das questões sociais e políticas de sua época. � 35 Assim, os conceitos do Império Romano e as suas ideologias não ficam de fora de seu texto, pois, fazem parte de sua realidade. Ele se apropria daquilo que vai ajudá-lo a concretizar seus objetivos, ultrapassando as tênues fronteiras entre o religioso, o social, o político e o econômico do período. Se não há fronteiras, ou se são imperceptíveis, o fato é que os objetivos da comunidade paulina estão voltados para as questões sociais e para a complexidade de seu mundo atual. Ao defender a integração entre gentios e judeus crentes em Cristo, o grupo de Paulo aceita as diferenças sociais, políticas e econômicas entre os grupos. Busca com isso ter um lugar nesse mundo plural, e uma possível posição que lhes garantam status e poder. O mundo aberto do qual Paulo faz parte possibilita caminhos para novas interpretações da vida em comunidade, haja vista que as interações culturais dentro do mundo romano apresentam uma realidade que não pode mais ser deixada no isolamento. Quando a comunidade paulina aceita as integrações e defende as refeições em comum entre gentios cristãos e judeus cristãos apenas reforça o que parecia ser inevitável: uma maior aproximação entre os grupos, uma inter-relação mais concreta entre gentios e judeus crentes em Cristo. A situação na sociedade romana na época da pregação de Paulo era muito conturbada, a relação entre judeus e gentios era mediada por interesses, pois, muitos judeus aceitavam a conversão de gentios ao judaísmo como forma de trazer para o seu grupo membro abastados e com isso fortalecer seu poder enquanto esfera religiosa múltipla, tendo em vista as várias vertentes de seguidores judaicos. Mas o fato ocorrido na comunidade antioquena indica que o espaço disputado, ou seja, o das refeições em comum entre judeus crentes em Cristo e gentios crentes em Cristo era muito mais político do que religioso. Mas mesmo que em Antioquia não se tratasse do problema das pessoas e sim dos alimentos, na comensalidade com não-judeus está oculta uma ruptura fundamental de mentalidade ou uma mudança fundamental referente à definição dos limites grupais, ou seja, � 36 as refeições em conjunto entre judeus e não-judeus na Ekklesía refletem uma remoção abrangente de limites impostos ao intercâmbio social. (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 306). Segundo Meeks, os judeus, sempre que podiam, procuravam adquirir direitos idênticos aos dos cidadãos, mas ao mesmo tempo insistiam em ter garantias que lhes preservasse a possibilidade de não terem que violar suas leis religiosas, principalmente a observância do sábado, as regras sobre os alimentos proibidos e permitidos e o dever de evitar a “idolatria”. Eles deixavam de participar dos cultos cívicos e ainda permaneciam como judeus. A competição que, em uma sociedade de bens limitados, inevitavelmente ocorria entre as várias politeumata4 e os grupos menores da cidade acarretava para os judeus algumas ambivalências peculiares. De um lado, se mostravam adeptos e vigorosos na busca de oportunidades que a urbanização helenista e romana criava para o povo móvel. O rigoroso monoteísmo dos judeus, sua adoração sem “imagens”, a forte coesão de suas comunidades conquistaram admiração de muito dos seus vizinhos gentios, levando alguns a se tornarem imediatamente prosélitos, outros a se transformarem em simpatizantes ou até em adeptos formais da sinagoga. De outro, essas mesmas qualidades, acrescidas do tamanho e da riqueza de muita das comunidades judaicas, provocaram em outros vizinhos ressentimento e inveja. (MEEKS, 1992, p. 63). ������������������������������������������������������������ 4 Segundo o professor Jose Adriano Filho um politeuma era uma corporação de estrangeiros, reconhecida e formalmente constituída, que tinha direito de domicílio numa cidade estrangeira e formava uma corporação cívica separada, semi-autônoma. O direito normal de qualquer politeuma é de poder viver de acordo com as suas leis e costumes próprios, herdados dos antepassados. Em Alexandria, sob o regime da cidade grega clássica, onde o direito e o recurso aos tribunais estavam reservados aos cidadãos, mas eram negados aos estrangeiros, os judeus, que não eram cidadãos, deviam organizar-se em politeuma e estabelecer seus próprios tribunais. A dominação romana, contudo, rompeu o entre os diversos politeumatas, surgindo conflitos entre o politeuma judaico e os membros do politeuma grego. A razão desse confronto está nas marcas distintivas que separa o politeuma judaico de todos os demais: a) A primeira, que o distingue de todos os demais, é a sua lei ou Torá, a lei de Moisés; b) Estavam dispensados do serviço militar, não compatível com a observância do descanso sabático. Além disso, podiam construir sinagogas e levantar donativos em dinheiro e enviá-los a Jerusalém; c) O direito de “viver segundo as leis dos pais” significava construir sinagogas, manter tribunais de justiça independentes, educar a juventude segundo o espírito daTorá, estabelecer instituições comunais e eleger funcionários, etc. (ADRIANO FILHO, José. A interpretação alegórica do Antigo Testamento de Filo de Alexandria, Disponível em <. Acesso 06/07/2009). � 37 As comunidades judaicas receberam de Júlio Cesar liberdade de associação, de modo que promoviam grandes banquetes, serviços religiosos e eventos de caráter beneficente para a comunidade. Posteriormente, receberam o privilégio da dispensa do culto imperial. Ao invés de adorarem o Imperador, foi concedido aos judeus o direito de oferecerem sacrifícios ao seu Deus em nome do Imperador. Essa questão do culto ao Imperador também gerou conflitos dentro das comunidades até serem libertadas dessa obrigação. Horsley (2004) observa que é estranho que um aspecto essencial da estratégia da missão de Paulo, por meio da qual ele estava construindo uma sociedade alternativa, era a maneira como usava as formas básicas e os termos-chave da retórica política greco-romana para persuadir suas assembléias a manter a solidariedade mútua em oposição à sociedade imperial dominante. Na redescoberta de formas retóricas antigas e de seu surgimento nas cartas de Paulo, tem-se dado especial atenção à adaptação que ele faz de argumentos deliberativos para persuadir suas comunidades a seguir um dado curso de ação. Reconhece-se que o uso que Paulo dá à retórica assimilada da cultura dominante, leva a uma reconstrução mais precisa de sua relação com a cultura helenística em geral. (2004, p. 210). O autor estranha essa apropriação, pois, se Paulo quer criar uma sociedade alternativa, por que seguir os meandros dos estabelecidos? Isso é muito interessante, porque nos leva a refletir sobre o momento e as circunstâncias da elaboração do discurso paulino, dos seus usos do modo de ver o mundo. O papel da escatologia e da apocalíptica judaica na pregação de Paulo é importante para se compreender os mecanismos de reflexão do grupo em que está inserido e da sociedade judaica como um todo. Pode-se observar que o objetivo da apocalíptica judaica era a manutenção, a despeito dos conflitos internos, da coesão judaica, seja no cumprimento das leis cerimoniais sagradas, seja na organização sócio-religiosa; mesmo que a corrente � 38 apocalíptica tenha características dissidentes, servia como suporte para justificativas sagradas dos grupos. O apocalipsismo judaico não está simplesmente restrito à Palestina, mas o seu foco geográfico, sem dúvida, encontra-se nessa região. E o perfil de sua cosmovisão deve ser precipuamente entendido como um reflexo da história socioeconômica e política do período helenístico-romano. Mesmo que ele não decorra diretamente da intensa helenização forçada da Judéia sob o selêucida Antíoco IV Epifanes, por serem suas origens anteriores, ainda assim, desde a batalha de Magnésia (190 a. C.), as medidas de coerção política, econômica e religiosa, cada vez mais militantes, contribuíram decisivamente para a formação do apocalipsismo. (STEGEMANN & STEGEMANN, 2004, p. 173). Sem dúvida a atmosfera de dominação favorecia o surgimento de mecanismos alternativos, com suas várias possibilidades de crenças, no mundo permeado de cultos e representações religiosas, como o orfismo, com seus cultos de mistérios. Assim, a relação dentro dos grupos dos primeiros cristãos perpassa por complexidades que as configuraram. As relações entre judeus e cristãos na Antiguidade dizem respeito a um processo histórico-religioso e histórico-social complicado. É possível diferenciar heuristicamente dois níveis: por um lado, as controvérsias em torno de conteúdos e convicções religiosos e, por outro, as manifestações sociais ou consequências sociais dessas controvérsias. Os dois níveis funcionam também como interação simbólica ou social, embora eles estejam naturalmente entrelaçados, pois, no contexto da religião como um “sistema cultural” abrangente, conteúdos e convicções religiosos de fato também cunham valores, posturas e formas de comportamento de pessoas. Não obstante, eles podem ser entendidos como parte de um “sistema simbólico”. (STEGEMANN & STEGEMANN, 2004, p. 380). No terceiro capítulo dessa dissertação analisar-se-á o discurso de Paulo, apresentando sua postura e sua visão de mundo, discutindo a questão apocalíptica e escatológica, que � 39 configuram seu texto. Para se discutir apocalíptica em Paulo tem que se levar em consideração que ele considera Jesus como Reino já vindo. A apocalíptica perpassa o ideário paulino na perspectiva de que as expectativas já haviam se realizado em Jesus, ou seja, o reino futuro já se realizara na figura de Jesus Cristo. Os judaísmos mantêm ideias apocalípticas. Bar Kokhbah ainda será interpretado na linha apocalíptica em 135 d.C. Dunn chama a atenção sobre a importância de se indagar a respeito do funcionamento dos princípios éticos de Paulo na prática, e, como é significativo se ater à realidade do mundo social de Paulo e às suas igrejas. Em todos os casos ele tratava com pequenos grupos sociais (igrejas) compostos de indivíduos e famílias de diferentes origens étnicas, tradições religiosas e status sociais. A identidade desses grupos ainda se encontrava em processo de formação, com limites geralmente fluidos. Os grupos muitas vezes funcionavam dentro de grandes cidades, de composição e caráter ainda mais diversificado. Eram unidades muito pequenas dentro de um contexto social moldado por poderosos interesses políticos e econômicos. As interfaces entre as igrejas e seu contexto social, o movimento por meio das fronteiras (para fora e para dentro), e as tensões dentro das próprias comunidades, tudo isso são fatores que se devem ter presentes ao falar da ética de Paulo na prática. (DUNN, 2003, p. 755-756). De fato é necessário se percebe os meandros sociais que permeia as comunidades paulinas e não paulinas, tomados os devidos cuidados com o viés teológico do texto de Dunn, pode ser utilizado como uma possibilidade de análise da própria teologia paulina, dentro do seu espaço social. O interesse dos poderosos, como lembra Dunn acima, merece atenção. No período em análise - século I d.C. -, o poder estava nas mãos dos romanos e de seus representantes nas cidades conquistadas. Os líderes romanos designavam os governantes das cidades conquistadas, levando em consideração seus próprios interesses, como é o caso das cidades onde o cristianismo paulino se desenvolveu. O grupo dominante determinava suas regras, com � 40 isso foram se desenvolvendo e conquistando cada vez mais poder, impondo-as aos subjugados. A estigmatização, como um aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders, associa-se, muitas vezes, a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo grupo estabelecido. Ela reflete e, ao mesmo tempo, justifica a aversão – o preconceito – que seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsiders5. (ELIAS & SCOTSON, 2000, p. 35). Pode-se pensar na relação entre os judeus cristãos e gentios cristãos como estabelecidos e outsiders, respectivamente. O primeiro grupo defende a ideia de permanência dos preceitos judaicos, ou seja, defende que seu grupo seria o mais coerente a ser seguido, com isso estigmatiza o segundo, afirmando que para ser cristão se deve ser antes de tudo, judeu e circuncidado. Em Gl 2, 11-14, percebe-se que havia uma divisão, como já se disse; o próprio judaísmo era um mosaico de grupos com seus interesses e o cristianismo nascente, ainda muito ligado às raízes judaicas, apresenta sinais dessa diversidade e dos conflitos entre tais grupos: “Ora nem Tito, que estava comigo, e que era grego, foi obrigado a circuncidar- se.” (Gl 2, 3). Em muitos momentos da narrativa de Paulo se percebe tais conflitos. Mesmo que Paulo defenda a ideia de uma salvação pela fé, e não pelas obras da Lei (Gl 2, 15-21/ Rm 3, 19-20), ele sempre volta aos escritos judaicos quando quer legitimar, mesmo que de um ponto de vista adverso dos outros grupos, (Gl 3, 8-14); e os outsiders que são o outro, ou seja, o grupo dos gentios cristãos, que são contrários a postura dos judaizantes, se colocam na disputa ������������������������������������������������������������ 5�Outsiders não são membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela. Trata-se de um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define como coletivo: são o establisment. Os outsiders, ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente um grupo social (ELIAS Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e outsiders: uma sociologia das relações sociais de poder a partir de uma pequena comunidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 2000, p.7). � 41 por espaço. Esse grupo outsiders apoiado pela pregação de Paulo e seus seguidores, procura ser aceito pelos judeus cristãos (Gl 2, 11-14). Essa divisão é explicitada também por outros autores da antiguidade, como Flávio Josefo e também por cronistas romanos, como Tácito, Plínio e Suetônio, que se referiram, numa época posterior, século II d.C., as facetas das origens cristãs. Na Carta aos Romanos (1,16-17), Paulo nos apresenta essa diversidade de grupos que caracteriza o cristianismo nascente: “Na verdade, eu não me envergonho do evangelho: ele é força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego. Porque nele a justiça de Deus se revela da fé para a fé, conforme está escrito: O justo viverá da fé".6 Esse documento paulino nos apresenta, assim, a complexa relação entre os grupos de judeus e não-judeus crentes em Cristo. No caso da circuncisão que pode diferenciar grupos, incluindo ou excluindo seus membros, o sinal físico serve de símbolo tangível da pertença ao grupo (podendo diferenciar grupos, incluindo ou excluindo seus membros). Para os judeus judaizantes, era imprescindível tal símbolo de ligação divina ou espiritual; Paulo entra na disputa garantindo que para se obter a salvação não era necessário o sinal físico, mas sim o espiritual, seria uma circuncisão do coração em nome da fé. Essa divisão também é além de física, manifesta-se no social, espacial e mesmo cultural. Elias e Scotson afirmam que há um movimento dinâmico de ascensão e declínio dos grupos ao longo do tempo: há grupos estabelecidos que se tornam outsiders ou desaparecem ������������������������������������������������������������ 6� � “Os vv. 16-17 formam o que a retórica da época chamava de Prothesis, isto é, tese que a argumentação subsequente deve provar e explicar. Num primeiro tempo, Paulo mostrará que a justiça de Deus opera unicamente pela fé para todos, sem exceção nem privilégio, judeus e não judeus (1, 18-4, 25). Em seguida ele insiste sobre a graça superabundante concebida a todos aqueles que estão em Cristo (5-8), o que trará uma nova dificuldade: se ninguém (tanto judeu como não-judeu) está excluído da eleição e da filiação divina, por que Deus escolheu o povo de Israel e por que este último parece ter sido excluído das graças concebidas em Cristo (9- 11)?” (BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Publicada sob a direção da “École Biblique de Jérusalem”. Edições Paulinas: São Paulo, 1985).� � 42 por completo assim como grupos de outsiders que passam a fazer parte de um novo establishment7, integrando posições que antes lhes eram negadas (2000, p. 36). Essa teoria nos faz perceber que a relação de mudanças de funções dos grupos é interessante e fundamental para se analisar a dinâmica da sociedade como um todo. Se observa as mudanças dentro dos grupos, no contexto da gênese do cristianismo se percebe que ao longo do processo de consolidação, que durou dos primeiros séculos até sua posição de religião oficial com Constantino no século IV, houve inúmeras alterações de grupos e posicionamentos principalmente no tocante à relação de judeus e não-judeus. Há muitas questões envolvidas nas tensões e conflitos entre estabelecidos e outsiders. No fundo, porém, todas são lutas para modificar o equilíbrio de poder; como tal, podem ir desde os cabos-de-guerra silenciosos que se ocultam sob a cooperação rotineira entre os dois grupos, num contexto de desigualdades instituídas, até as lutas francas pela mudança do quadro institucional que encarna esses diferenciais de poder e as desigualdades que lhe são concomitantes. De qualquer forma, os grupos outsiders exercem pressões tácitas ou agem abertamente no sentido de reduzir os diferenciais de poder responsáveis por sua situação inferior, ao passo que os grupos estabelecidos fazem a mesma coisa em prol da preservação ou fortalecimento de sua posição. (ELIAS & SCOTSON, 2000, p. 37). A punição pelo desvio do grupo ou, às vezes até pela suspeita de desvio, é perda de poder, acompanhada de rebaixamento do status. Elias & Scotson (2000, p. 40). Nessa perspectiva a análise dos grupos judaicos onde nasceu o cristianismo, seus modos de vida e suas visões de mundo são formas de construção e desconstrução dentro dos grupos, onde os desvios podem representar perda de espaço ou mesmo uma busca por poder. Compreendendo ������������������������������������������������������������ 7As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígios e poder. Um establishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros (NORBERT Elias e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e outsiders: uma sociologia das relações sociais de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 2000, p.7). � 43 esses mecanismos utilizados pelos grupos sociais e essas transformações é que se pode entender como funcionavam suas manifestações e como tudo isso contribuía para sua construção e constituição de grupo, tornando-se propulsoras da nova religião cristã, não começa com a intenção de se afastar de suas origens judaicas, mas com o passar dos tempos, a partir das ações paulinas no contexto das comunidades cristãs primitivas vai tomando outro formato, não tendo mais a Lei como parâmetro exclusivo, mas sim, a fé em Jesus como sinônimo de salvação. Essas comunidades cristãs primitivas elaboram seus representantes e se configuram em um processo lento e complexo. 3. Os grupos judaicos: a diversidade na gênese do Cristianismo Para perceber as configurações onde o cristianismo se desenvolveu é necessário que se faça uma análise dos grupos judaicos que se relacionavam com o grupo dos seguidores de Jesus. Não deixando de observar que os grupos de seguidores de Jesus têm sua origem nos judaísmos do período. Todas essas dinâmicas de relações sociais devem ser considerada na análise para se perceber o campo relacional desses grupos. Desta forma os grupos judaicos (saduceus, fariseus, essênios e zelotas) que faziam parte deste cenário embrionário do cristianismo, devem ser analisados, isso possibilitará um maior entendimento do mundo onde Paulo irá pregar; ele próprio se define como pertencente ao grupo dos fariseus.�� Serão apresentadas as nuanças dos grupos, começando pelos fariseus (grego: pharisaioi, aramaico perisaye) que eram os separados, assim denominados pelos adversários devido ao fato de evitarem os estrangeiros, os “pecadores” e os judeus que não observavam a � 44 Lei. Sua primeira aparição remonta aproximadamente ao Século II antes de nossa era, são chamados de “associação de judeus piedosos [synagogè asidoíon] denominados homens de Israel, extremamente devotos da Lei”. (JEREMIAS, 1983, p. 334).� Segundo Jeremias, Josefo narra ter se submetido sucessivamente às prescrições dos fariseus; depois de passar por outras “seitas”, ele aos dezenove anos aderiu ao farisaísmo. Uma vez terminado o período experimental, o candidato se comprometia a observar o regulamento da comunidade, na época antiga, a única que nos ocupa aqui, esse compromisso se realizava diante de um membro da comunidade que fosse escriba. Mais tarde a admissão se processava diante de três fariseus. O recém-admitido prometia observar as prescrições farisaicas sobre a pureza e o dizimo. (JEREMIAS, 1983, P. 340).� As associações farisaicas tinham seus chefes e suas assembleias e, ao que parece, caracterizavam-se por uma refeição em comum, especialmente às sextas-feiras à noite. Eles eram muitos festeiros e alegres, possuíam sua própria justiça interna, entre as decisões deliberadas podiam pronunciar-se sobre a exclusão de um de seus componentes. É preciso fazer a distinção entre escribas e fariseus; apenas os chefes e os membros importantes das comunidades farisaicas eram escribas. Os sacerdotes também ocupavam papel de destaque dentro da comunidade farisaica, isto é explicável pelo fato desse movimento ter seu núcleo no Templo, eles procuram generalizar as normas de pureza até para os que não eram sacerdotes, quando do consumo de arrecadação que lhes eram reservadas. Os fariseus eram contrários aos romanos, devido às profanações feitas por eles no Templo, pelos maus tratos com os judeus, pelos altos impostos; resistiram-lhes e muitos deles lutaram ao lado dos rebeldes, e mesmo perdendo a guerra conseguiram vencer as barreiras e perpetuar seus ensinamentos espirituais para as sinagogas, segundo Josefo como o � 45 “verdadeiro Israel” a ser seguido pelos judeus na antiguidade e modernidade. Como já se disse, Paulo era fariseu (At 23,6), citado por Lucas, em (Fl 3,5) é o próprio Paulo que diz ter se tornado fariseu. Essa questão é muito discutida pelos estudiosos de Paulo, entretanto o que interessa não é saber se ele foi um fariseu, mas como ele se relacionava com os grupos. Horsley e Hanson afirmam que aqueles que se tornaram fariseus provavelmente seguiam uma orientação escatológica semelhante aos qumranitas, mas não estavam tão intensamente preocupados com a iminência da realização final do Reino. Embora os fariseus fossem menos dominados por elementos sacerdotais, ao menos não pela linhagem ou interesses sadoquitas, eram igualmente dedicados à lei mosaica como norma do povo de Israel. Mas enquanto os essênios buscavam uma realização radical e absolutamente rigorosa da lei de Deus numa comunidade utópica, constituída somente por um resto de Israel, os fariseus queriam que a Torá governasse a vida da sociedade como um todo. (HORSLEY & HANSON, 1995, p. 40-41). Na contramão do movimento farisaico surgem, quase ao mesmo tempo, os saduceus (grego: saddoukaioi, aramaico: sadduqayi) se apresentavam como descendentes da antiga família sacerdotal de Sadoc (1 Rs 1,26). Como “filhos de Sadoc”, os saduceus devem ter feito oposição aos asmoneus que usurpavam o sumo-sacerdócio, no entanto eles deram apoios aos reis asmoneus, possivelmente para assegurar sua própria influência. Os saduceus aceitavam com maior simpatia a influência da filosofia e cultura grega. Eles eram totalmente contrários às interpretações orais da lei, não porque rejeitassem tais interpretações, mas porque as entendiam como intrusões leigas naquilo que eles consideravam privilégio dos sacerdotes. Flávio Josefo (GJ 2. 8,14) afirma que eles consideravam o homem absolutamente responsável por suas ações e negavam a providência divina, assim como a � 46 recompensa ou punição da alma na outra vida, não acreditavam na ressurreição, nem em anjos ou espíritos. (Mc 12, 8; At 23,8-10). Os sumo-sacerdotes saduceus eram obrigados, mesmo contra vontade, a realizarem as cerimônias litúrgicas de acordo com as prescrições farisaicas da Torá, assim como o sorteio dos dois bodes e a oferenda do sacrifício dos perfumes no Dia das Expiações, a libação da água nas festas das Tendas, o rito da ovelha vermelha. O mesmo acontecia quanto aos ritos que tinham fundamentação bíblica. A antiga geração dos saduceus revelou total resignação, pois, segundo Josefo, eles compreendiam a dificuldade de se triunfar sob os fariseus. (JEREMIAS, 1983, p.356). Este grupo, que desapareceu com a destruição do Templo, era composto por sacerdotes provindos de famílias mais influentes e conservadoras. Assim, como os fariseus, velavam pela observância do sábado, mas só que de forma mais rigorosa, aplicando as sentenças penais exatamente como manda a Lei. Ao contrário dos fariseus que se afastavam das questões políticas, os saduceus ocupavam lugares de destaques na política local. Outra “seita” ou filosofia como define Josefo, é a dos essênios (grego: essenoi, essaioi, provavelmente igual ao aramaico: hasayya, “pios”), que tinha entre seus seguidores sacerdotes, levitas, israelitas e prosélito8, que segundo parece também tinha sua origem no movimento assideu (1Mac 2,42). Eles são judeus de nascimento, vivem muito unidos e consideram os prazeres como vícios. ������������������������������������������������������������ 8� Prosélito significava nos tempos antigos estrangeiros ou forasteiros. É aquele que habita o seio da comunidade judaica, adotava seus costumes e se tornava (convertia) membro da mesma sendo circuncidado. O proselitismo judaico foi muito intenso no período helenístico e durante o Alto Império Romano. � � 47 Flávio Josefo nutria admiração pelos essênios e dedica-lhes um amplo espaço em sua obra, A Guerra Judaica (2, 119-161). Constituíam uma comunidade heterogênea muito solitária, organizada com suas regras de iniciação e exclusão, baseadas na socialização dos bens de seus membros. Exigia-se de seus adeptos uma conduta rigorosa e o compromisso solene de respeitar a regra comum e constituíam, praticamente um modelo de vida monástica dentro do judaísmo. A regra da comunidade – descoberta nas grutas de Qumran em 1947 – organizava a vida inteira da comunidade. Esta “seita” não tem lugar certo para morar, estão sempre espalhados em vários lugares; segundo Josefo, mudando de roupas somente quando estas estivessem muito usadas; eram contra a poligamia. Sua vida comunitária se assemelha muito com a dos fariseus. Eles davam ênfase à pureza e à hierarquia. A pureza era assegurada tanto pelo desconfortável isolamento dos locais escolhidos quanto pela conduta de obediência às regras de seleção e retenção e pelos banhos e instalações para o preparo dos alimentos não poluídos. Os essênios despertavam o respeito de todos pelo seu modo de viver. Praticamente não são citados no NT, como é o caso dos fariseus e saduceus; tinham uma filosofia muito próxima à do cristianismo nascente. Apesar de a maioria dos essênios serem pacíficos, alguns deles se envolveram na guerra, até por uma questão de sobrevivência, e foram castigados severamente pelos romanos como nos relata Josefo (GJ 2, 152-153). A quarta filosofia ou “seita” é a dos zelotas. Quando o rei Janeu Arquelau foi deposto, em 6 d.C., os romanos assumiram a Judéia, ordenando um censo de toda a população para futuramente aumentar os impostos. Tal medida provocou a indignação de todos, principalmente de certo grupo de fariseus que recusou obediência aos romanos, devido ao seu zelo pela Lei, recebendo o nome de “zelotas” em grego. � 48 Josefo tece graves insultos a este grupo, que tinha como companheiros os sicários (recebem este nome por andarem sempre com uma sica/punhal na cintura). Culpava-os pela guerra e destruição do Templo. Chega a dizer que compreendia a sua aspiração à liberdade, mas não aceitava sua obstinação em querer realizar a proeza de vencer os romanos. (GJ 2,95). Para o autor este grupo constituía uma corrupção das leis ancestrais e isto era intromissão na vida judaica (GJ 2, 108). Ele não faz distinção entre zelotas e sicários, se dirigindo a eles como lestaí (bandidos), stasiastoi (rebeldes) e neôteriozontes (revolucionários). O movimento de resistência zelota contra os romanos tem diferentes interpretações: para Hengel é um movimento religioso que defendia a independência e prioridade do religioso diante do político-social. Para Kreissig é justamente o oposto, ele procura provar que a revolta contra Roma teria sido alimentada, principalmente, pelas camadas sociais mais baixas de sacerdotes e camponeses, e contesta uma importância das tradições religiosa para uma ação política. (KIPPENBERG, 1988, p. 9). Pensar o conjunto da sociedade da qual Paulo faz parte, seus debates e intrigas, seu caráter multifacetado ajuda a compreender como se manifestaram esses grupos que compunham tal cenário, os judeus, não-judeus e os cristãos. Partindo do princípio de como foi determinante para suas dinâmicas a questão cultural, os intercâmbios, como foram apreendidas suas formas de pensar, suas estruturas formativas, tudo isso aliado à romanização, com toda sua influência, foram essenciais no processo de transformação destes grupos. Os conflitos entre judeus e cristãos marcam o período, faz perceber como esses grupos agiram para legitimar suas ideologias. Ajuda a refletir sobre como os autores do período narraram estes encontros e desencontros e como os silenciaram. Nesta parte se discute as possíveis variáveis que contribuíram para que o discurso de Paulo fosse analisado na perspectiva de suas relações sociais, suas manifestações retóricas � 49 diante de um mundo romanizado, com ideais próprios e definidos por intercâmbios culturais. Percebe-se como esses ideais auxiliaram em seu discurso e legitimaram as reações de seu grupo, como a instituição do patronato contribuiu na sua formação e na construção de seu modo de agir e de pensar. Como as regras de alimentação dos grupos tinham que ser vistas sobre um ângulo muito mais plural, muito mais social, e com reflexos diretos das manifestações de seus grupos, por sua aceitação ou recusa, estigmatizando grupos. Como o papel já estabelecido pode ser visto e muitas vezes revisitado de outras formas pelos outsiders, pelo outro. Tudo isso percebido e analisado num ambiente complexo com seus diversos grupos e modos de ver e serem vistos. � 50 Capítulo II Análise historiográfica da relação entre os primeiros cristãos em Antioquia O presente capítulo tem o propósito de analisar algumas discussões historiográficas a respeito da relação entre os primeiros cristãos de Antioquia, em suas interações culturais. Preocupa-se compreender como se davam as relações entre gentios9 e judeus, judeus-cristãos e gentio-cristãos dentro dessa comunidade em meados do I Século e analisar a função que esses indivíduos assumiram como agentes formadores e transformadores do cristianismo, assim como os jogos de interesses políticos envolvidos. Para se entender essas ������������������������������������������������������������ 9 Gentio do latim gens (literalmente “nação”; heb. goy, gr. ethnos), “gentio” refere-se a um não judeu ou, mais amplamente, a qualquer pessoa que esteja fora da comunidade do pacto de Israel. Nos tempos pós-exílicos encontram-se referências a gentios individuais em contra posição a nações; simultaneamente a possibilidade da conversão ao judaísmo aparece. Os gentios descritos na Bíblia são tão diversos quanto os são os judeus: da Raab a Rute, de Amã a Helofernes, eles vêm de vários lugares e desempenham vários papéis – auxiliares, opressores, testemunhas, tentadores. Havia conexões entre judeus e comunidades gentias na política, no comércio, e até em práticas religiosas. Alguns gentios tornaram se prosélitos, outros eram atraídos pelas práticas judaicas e pela sinagoga (os “tementes a Deus”) (METZGER, Bruce Manning e COOGAN, Michael David (orgs). Dicionário da Bíblia. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2002. V. 1, p.101). � 51 movimentações é preciso analisar os feitos e efeitos do discurso de Paulo em suas cartas, particularmente a carta aos Gálatas (Gl 2, 11-14)10. Para se compreender como foi produzido o discurso paulino é necessário que se observe inicialmente a estrutura do judaísmo no I Século d.C. tendo em vista que o judaísmo se destaca por uma série de características formadoras de sua identidade tais como o monoteísmo, a idéia de eleição como povo de Deus, e uma série de prescrições rituais que marcam seu quotidiano social e religioso e até mesmo político. Mesmo partindo desse princípio de identidade percebe-se que os grupos judaicos se articulavam de várias maneiras, pode-se afirmar que o judaísmo é heterogêneo, conflitante. Estabelecendo com isso uma grande dinâmica de funcionamento. As primeiras comunidades cristãs eram judaicas, atuavam dentro dos preceitos da Torá, mas a partir das manifestações de Paulo e de seu grupo, procuram se distanciar dessa origem, adotando novas formas de ver o mundo e refletir sobre ele. A relação entre judeus e gentios crentes em Cristo, em um primeiro momento é de aproximação, mas isso vai sendo alterado com o passar dos anos. Paulo na carta aos Gálatas narra os conflitos existentes dentro do grupo cristão, percebe-se que mesmo dentro do grupo cristão havia dissidências. Em Gálatas Paulo apresenta o conflito em dois estágios, primeiro em Jerusalém como um possível acordo firmando entre ele e ou líderes da comunidade cristã, onde ele e Barnabé pregaria para os incircuncisos e ou Pedro, Tiago e João para os circuncisos. Nogueira afirma que a carta aos Gálatas traz uma discussão que transformara o cristianismo nascente: Segundo a carta aos Gálatas, Paulo – ele mesmo um judeu circuncidado, da tribo de Benjamim, ainda que nascido na diáspora – critica Pedro por obrigar ������������������������������������������������������������ 10 Gl 2, 11-14: “Mas quando Cefas veio a Antioquia, eu o enfrentei abertamente, porque ele se tornara digno de censura. Com efeito,antes de chegarem alguns vindos da parte de Tiago, ele comia com os gentios, mas, quando chegaram, ele se subtraía e andava retraído, com medo dos circuncisos. Os outros judeus começaram também a fingir junto com ele, a tal ponto que até Barnabé se deixou levar pela hipocrisia. Mas quando vi que não andavam retamente segundo a verdade do evangelho, eu disse a Pedro diante de todos: se tu, sendo judeu, vives à maneira dos gentios e não dos judeus, por que forças os gentios a viverem como judeus”. � 52 os gentios a se comportarem como judeus (ioudaízein) e se autonomeia, em contraste a ele, o “apóstolo dos incircuncisos” (Gl 2, 7-8). Para ele líder de uma cristã na Anatólia, o ser circunciso ou incircunciso não importava diante na “nova criação” (Gl 6, 15). O problema colocado na comunidade da Galácia – sobre o poder ou não pertencer a este “novo Israel” sem a circuncisão parecia ser central a ponto de se repetir em outras comunidades exigindo novas respostas e novos avanços: na carta aos Romanos, Paulo dedica um parágrafo à discussão sobre a importância da circuncisão: “Com efeito não é o que se vê que faz o judeu, nem é a marca visível, na carne, que faz a circuncisão, mas o que fica oculto que faz o judeu, e a circuncisão é a do coração, a que se refere ao Espírito e não a letra(Rm 2, 28-29) (FUNARI e OLIVEIRA SILVA (orgs). 2009, p. 139). Certamente a relação entre judeus e gentios teve seus altos e baixos na gênese do cristianismo, os autores modernos discutem essa questão de modo a procurar respostas sobre esses conflitos e perceber como foi determinante na formação das primeiras comunidades e como isso irá ecoar durante muito tempo dentro dos grupos de crentes em Cristo. Os documentos escritos mais antigos preservados, porém, não são materiais sobre Jesus, mas as cartas de Paulo, todas escritas na década de 50 do Século I d.C. Essas cartas são a fonte mais antiga e mais direta para o desenvolvimento das primeiras comunidades cristãs. Elas não são apenas textos ocasionais, nem são redigidas para comunicar verdades religiosas. São, contudo, instrumentos de política eclesiástica que operavam como veículo político e propagandístico da comunicação oral durante a ausência do apóstolo, promovendo a organização contínua e a manutenção das comunidades cristãs que haviam sido formadas por Paulo. Embora essas cartas tenham sido elaboradas com base em modelos judaicos e greco- romanos, sua retórica é inspirada pelas exigências de situações paulinas específicas e devem ser entendidas no contexto imediato das necessidades e problemas das comunidades que ele fundara. (KOESTER, 2005, p. 2-3). Os jogos de interesses com suas intrigas e dinâmicas, a questão cultural, a língua grega, a paidéia grega, as estruturas formativas, a arte, a literatura, a arquitetura, tudo isso aliado à influência da romanização foram essenciais no processo de transformação destes grupos na interior da sociedade de Antioquia e para além dela. As divergências entre judeus e � 53 cristãos marcam esse período, e é necessário compreender como esses grupos agiram para legitimar suas ideologias, como os autores do período narraram estes encontros e desencontros e também como os silenciaram, possibilitara perceber as aproximações e os distanciamentos em cada grupo e em seu entorno. Na perspectiva da história cultural, será dado destaque à teoria da circularidade de Ginzburg (1987) na análise das relações dinâmicas que permeiam os grupos em questão, pois tendo em vista que suas interações e seus posicionamentos estão em movimento, percebe-se o quão complexo é esse processo de inter-relação. A história cultural tem por objetivo principal identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler, ou seja, como ela é representada. As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade em detrimento de outras e a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Parte-se do princípio que as representações sempre se colocam num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor a sua concepção de mundo social, seus próprios valores e o seu domínio. (CHARTIER, 1990, p. 16-17). Certamente os desdobramentos dos conflitos dentro dos grupos nas comunidades cristãs em meados do Século I se dão de maneira a refletir as inquietações sociais, políticas, econômicas e religiosas. Assim, compreender a formação desses conflitos nos grupos e seus reais interesses possibilitara perceber a dinâmica social e observar seus reflexos nos discursos de Paulo, entendendo com isso as inúmeras formas de pensar e de agir dessa sociedade, com suas facetas diversas. � 54 Analisando a partir dessa pluralidade Chevitarese apresenta essa diversidade dentro dos grupos afirmando que os judaísmos, os cristianismos, os politeísmos grego nunca existiram enquanto formas culturais autônomas e independentes, como o quiseram simplificações manualísticas ou identificações ideológicas posteriores. (CHEVITARESE & CORNELLI, 2003, p. 16). Burke11 afirma que se deve ver as formas híbridas como o resultado de encontros múltiplos e não como o resultado de um único encontro, quer os sucessivos encontros adicionem novos elementos à mistura, quer reforcem os antigos elementos. (2008, p. 31). Portanto, analisar os grupos que compunham o cenário do qual Paulo faz parte é antes compreender essas trocas e todo o processo de hibridismo que o caracterizam. 1. Os primeiros conflitos dentro das comunidades cristãs Embora pregassem em primeiro lugar para seus companheiros judeus, os missionários cristãos descobriram que também atraíam os gentios. Na diáspora, os judeus já acolhiam com prazer esses simpatizantes pagãos, tendo até mesmo projetado um espaço específico para eles no novo templo de Herodes para que pudessem participar das festas judaicas. Os devotos pagãos não haviam se tornado monoteístas e continuavam a adorar outros deuses e a participar dos cultos locais, e a maioria dos judeus não fazia objeção a isso uma vez que, segundo eles, Deus só pedira a adoração exclusiva de Israel. Mas se um gentio se convertesse ao judaísmo, ele deveria ser circuncidado e observar a Torá além de se abster da adoração de ídolos. ������������������������������������������������������������ 11 Sobre hibridismo: BURKE, Peter. Hibridismo cultural. Tradução Leila Souza Mendes. São Leopoldo: Editora UNISINOS, 2008. � 55 O fato de um número significativo de gentios terem se convertido ao grupo de Jesus, um judeu, criou um dilema: alguns acreditavam que os cristãos gentios deviam se converter ao judaísmo, adotar a Torá e enfrentar a experiên