UNESP | UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO Programa de Pós-Graduação em Artes Doutorado em Artes Visuais Júlia Camille Blumenschein Artista/obra/público: a criação por uma perspectiva biológica São Paulo 2021 UNESP | UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO Programa de Pós-Graduação em Artes Doutorado em Artes Visuais Júlia Camille Blumenschein Artista/obra/público: a criação por uma perspectiva biológica Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, do Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Artes Visuais sob a orientação da Profa Dra Rosângela da Silva Leote. São Paulo 2021 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. B658a Blumenschein, Júlia Camille, 1981- Artista/obra/público : a criação por uma perspectiva biológica / Júlia Camille Blumenschein. - São Paulo, 2021. 160 f. : il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosangella da Silva Leote Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Artistas. 2. Arte. 3. Arte e ciência. 4. Criação (Literária, artística, etc.). I. Leote, Rosangella. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 700.108 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 Artista/obra/público: a criação por uma perspectiva biológica Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, do Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Artes Visuais sob a orientação da Profa Dra Rosângela da Silva Leote. Banca Examinadora: ________________________________________ Profª. Drª. Rosangela da Silva Leote Orientadora, UNESP – Instituto de Artes ________________________________________ Dr. Henrique Teruo Akiba Universidade Nove de Julho – Diretoria de Saúde III ________________________________________ Drª. Hosana Celeste Oliveira UFSM – LABART/PPGART ________________________________________ Profª. Drª. Rachel Zuanon Dias UNICAMP – Instituto de Artes ________________________________________ Profª. Drª. Silvia Regina Ferreira de Laurentiz USP – Departamento de Artes Plásticas da ECA Data da Defesa: São Paulo, 4 de maio de 2021 AGRADECIMENTOS À Profa. Dra. Rosangella Leote, orientadora ímpar, generosa e parceira, por todo o conhecimento que faz questão de compartilhar, por estar presente, por desempenhar os mais variados papeis, pela dedicação. Simplesmente essencial para o desenvolvimento desta tese. À Profa. Dra. Silvia Laurentiz e Dra. Hosana Celeste pelas valiosas colaborações na qualificação. À Profa. Dra. Edna Camille Blumenschein, minha mãe, pelo apoio, carinho, incentivo e exemplo durante toda a minha vida. Ao Prof. Dr. Gláucio Henrique Moro, pela constante paciência, pelo companheirismo, por todas as coisas e muito mais. À Profa. Dra. Luciana Martha Silveira, pelas conversas fundamentais e por me aceitar em seu grupo de pesquisa, Artec (UTFP), onde tenho aprendido muito. Ao SCIArts, que há 15 anos tem sido minha maior escola e fonte de inspiração no campo das Artes. Obrigada, Dr. Fernando Fogliano, Dr. Milton Sogabe, Dr. Hermes Renato Hildebrand e, mais uma vez, Dra. Rosangella Leote. Aos membros do grupo GIIP por compartilharem suas pesquisas e ideias. À Dra. Marcela Blumenschein, minha prima, pela consultoria em neuroanatomia e fisiologia e pela amizade de sempre. Ao meu irmão, Haneri Blumenschein Filho, por tantas vezes desembaraçar questões de ordem prática para que eu pudesse me dedicar à pesquisa. Às amigas Juliana Caetano, Mariana Stockler, Paula Giubine e Vivian Rime pelo constante suporte, dos mais variados tipos, ao longo dos anos. Aos funcionários do IA-Unesp, em especial ao Fabio Akio Maeda, da seção técnica de Pós-Graduação Aos familiares e amigos que, mesmo à distância, sempre mostraram seu apoio e torcida. RESUMO Esta tese tem como objetivo principal problematizar e trazer à tona a discussão: quem é o artista e por que ele cria Arte? A hipótese é a de que a produção artística é inerente e biologicamente necessária ao ser humano, e que o processo criativo do desenvolvimento de obras artísticas estrutura o artista como indivíduo, assim como a Arte é estruturada por ele. Foram encontrados três caminhos que corroboram a necessidade biológica da Arte: evolução da espécie, auto-organização do sujeito e regulação da vida. A escolha de se aproximar do artista pelo ponto de vista biológico se deu devido à possibilidade de um ângulo não usual na observação do propositor de Arte. São usados, principalmente, aspectos das neurociências e áreas afins para se apresentar, então, os caminhos que levam a considerar a causa da necessidade de se desenvolver Arte. Palavras-chave: Artista, processo criativo, Arte, biologia, neurociências. ABSTRACT This thesis 's main goal is to promote a discussion regarding the question: who is the artist and why does he create Art? The hypothesis offered is that artistic production is inherent, as well as biologically necessary, to the human condition, and the creative process behind the development of artistic works structures the artist as an individual, as much as Art itself is structured by him. Three pathways have been identified which corroborate the biological need for Art: the species's evolution, the subject's self -organization and the regulation of life. The choice to approach the artist from a biological point of view was made due to the fact that it offers an unusual perspective from which to observe Art's creators. The causes for the need to develop Art are presented in light of neurosciences and related areas. Keywords: Artist, creative process, Art, Biology, Neurosciences LISTA DE FIGURAS Figura 1 – estrutura da tese apresentada em capítulos. Fonte da imagem: autoria própria. ................................................................................. 24 Figura 2 – tríade artista/obra/público segundo o conceito de Arte como formatividade de Luigi Pareyson (1989) e da análise de Monica Tavares (2003) – relações entre as partes. Fonte das informações: PAREYSON (1989) e TAVARES (2003). Ilustração própria. ......... 27 Figura 3 – tríade artista/obra/público segundo o conceito de Arte como formatividade de Luigi Pareyson (1989) e da análise de Monica Tavares (2003) – contaminações entre as partes. Fonte das informações: PAREYSON (1989) e TAVARES (2003). Ilustração própria. ............................................................................................. 28 Figura 4 – Arte rupestre: porco selvagem feito a cerca de 45.500 mil anos na Caverna de Leang Tedongnge, Indonésia. Foto: Maxime Aubert/The New York Times. .......................................................... 31 Figura 5 – retrato de Hesire – aproximadamente 2700 a.C. Porta de madeira. Museu do Egito, Cairo. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 35. .................................................................................................... 33 Figura 6 – parede no túmulo de Chnemhotep, aproximadamente 1900 a.C. Túmulo localizado perto de Beni Hassan, necrópole do Antigo Egito. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 36. ...................... 34 Figura 7 – “As respigadeiras” (1857), de Jean-François Millet. Óleo sobre tela, 84 x 111cm, Museu de Orsay, Paris, França. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 402. .............................................................. 37 Figura 8 – “Bonjour, Monsier Courbet” (1854) de Gustave Courbet. Óleo sobre tela, 129 x 149 cm, Musée Fabre, Montpellier, França. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 403................................................ 39 Figura 9 – corpo do público na obra: contemplação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. .......................................................................................................... 40 Figura 10 – “Cafe Terrace, Place du Forum, Arles”(1888), de Van Gogh. Óleo sobre tela, 81 x 85,5 cm, Kröller-Müller Museum, Holanda. Fonte da imagem: WikiArt. ......................................................................... 42 Figura 11 – “Composição IV” (1911) de Wassily Kandinsky. Óleo sobre tela, 159,5 x 250,5 cm, Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, Alemanha. Fonte da imagem: WikiArt ......................... 43 Figura 12 – “Número 5” (1948), de Jackson Pollock. Óleo sobre tela, 2,4 x 1,2 m. Fonte da imagem: WikiArt .......................................................... 45 Figura 13 – corpo do público na obra – interpretação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. ......................................................................................................... 47 Figura 14 –”Parangolé P1, Capa 1” (1964), de Hélio Oiticica. Plástico e tecido. Reprodução fotográfica (autoria desconhecida). Acervo Projeto Helio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ). Fonte da Imagem: Enciclopédica Itaú Cultural.............................................................. 48 Figura 15 – “Parangolé P32, Capa 25”(1973), de Hélio Oiticica. Reprodução fotográfica Hélio Oiticica. Fonte da Imagem: Enciclopédia Itaú Cultural ............................................................................................. 49 Figura 16 – “Nildo da Mangueira com Parangolé”, (1964), Hélio Oiticica. Fonte da Imagem: DONATI, Luisa Paraguai, 2011. ................................. 49 Figura 17 – primeiro protótipo de “Vestis” (2004), de Luisa Paraguai Donati, tem estrutra de tubos de nylon que se expandem e contraem. Exposição >=4D em Brasília. Fonte da Imagem: Paraguai, 2004-A, p. 102. .............................................................................................. 50 Figura 18 – “Vestis – Corpos Afetivos”, 2004, de Luisa Paraguai Donati. Registro fotográfico: Sérgio Guerini. Fonte da imagem: Enciclopédia Itaú Cultural. .............................................................. 51 Figura 19 – corpo do público na obra – participação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. ......................................................................................................... 52 Figura 20 – “Diorama Table” (2010), de Keiko Takahashi e Shinji Sasada. Fonte da imagem: FILE.org ....................................................................... 54 Figura 21 – Esquema estrutural de instalações interativas. Fonte: SOGABE, 2011, p. 62. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. ................................................................................................ 55 Figura 22 – “Metacampo” (2010 – 2016), SCIArts – visão geral. Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 6-7. ....................................................... 56 Figura 23 – esquema da instalação interativa “Metacampo” (2010 – 2016). Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 9. .......................................... 57 Figura 24 – “Metacampo”, SCIArts – Detalhes das hastes, da veleta no telhado e do ventilador. Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 6-9. ............. 57 Figura 25 – corpo do público na obra – interação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. .......................................................................................................... 58 Figura 26 – artista é a obra – performance, teatro, dança. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. ........................................................................................... 58 Figura 27 – “The Artist is Present” (2012), performance de Marina Abramovic. MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). ........................................................................ 60 Figura 28 – “The Artist is Present” (2012), performance de Marina Abramovic . MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). ........................................................................ 60 Figura 29 – imagens da performance “The Artist is Present” (2012), de Marina Abramovic – detalhe da artista e plano geral. MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). .......................................................................................................... 61 Figura 30 – “Epizoo”(1994), de Marcel·lí Antúnez – performance interativa. Fotos: François Olivier e Carles Rodriguez. Fonte das imagens: site do artista. ................................................................................... 62 Figura 31 – “GFP Bunny” (2000), de Eduardo Kac. Fonte da imagem: KAC, 2003, p. 36. ...................................................................................... 63 Figura 32 – Processo criativo de acordo com Fayga Ostrower (1995). Fonte das informações: OSTROWER, 1995. Gráfico de elaboração própria. 70 Figura 33 – Fases do processo criativo de acordo com Paulo Laurentiz (1991) Fonte: LAURENTIZ, 1991, p. 18. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. ............................................................. 71 Figura 34 – Esquema processo criativo segundo Blumenschein (2008). Autoria própria. ............................................................................................. 72 Figura 35 – Etapas do processo criativo segundo Vigouroux: incubação, iluminação/intuição/inspiração e verificação/fabricação. O fluxo entre as etapas é bidirecional. Fonte das informações: VIGOUROUX, 1999. Gráfico de elaboração própria. ..................... 73 Figura 36 – divisão dos momentos de criação examinados anteriormente em quatro etapas: ambiente/meio externo observado, artista (meio interno), obra e ambiente/meio externo observador. Visualização circular e linear. Fonte: imagem própria. ........................................ 77 Figura 37 – sobreposição das diferentes visões sobre o processo criativo de forma linear. Fonte da imagem: autoria própria. ............................ 78 Figura 38 – a arte como formatividade (PAREYSON, 1989), considerando o público apenas como parte do ambiente/meio externo observado e observador. Fonte da imagem: autoria própria. ............................. 79 Figura 39 – como serão alocadas as etapas do processo criativo dentro do esquema da Arte como formatividade. Fonte da imagem: autoria própria. ............................................................................................. 79 Figura 40 – das etapas do processo criativo inseridos no esquema de Arte como formatividade. Fonte da imagem: autoria própria. ............... 80 Figura 41: momentos da criação com ênfase nas fases que pertencem somente ao artista ou que são significativas para o entendimento dele como indivíduo criador. Fonte da imagem: autoria própria...................... 81 Figura 42 – momentos da criação artística: subjetividade, percepção e processo criativo. Fonte da imagem: autoria própria. .................... 82 Figura 43 – momentos da criação artística: adição das motivações para criar em Arte. Fonte da imagem: autoria própria. ................................... 83 Figura 44 – visualização dos componentes da subjetividade. Fonte das informações: DAMÁSIO, 2018. Esquema: elaboração própria. .... 86 Figura 45 – tipos e origens das imagens mentais. Fonte das informações: DAMÁSIO, 2018. Esquema: elaboração própria............................ 86 Figura 46 – divisões e subdivisões funcionais do sistema nervoso, conforme Machado e Haertel. Fonte: MACHADO; HAERTEL, 2014, p. 15. Figura adaptada a partir dos esquemas visuais dos autores. ....... 89 Figura 47 – principais divisões do sistema nervoso central: encéfalo, telencéfalo, medula espinal, tronco encefálico e cerebelo. Fonte da imagem e de algumas informações: AMARAL; STRICK, 2014, p. 302. Fonte de informações complementares: MACHADO; HAERTEL, 2014. Imagem adaptada a partir dos esquemas visuais dos autores. ..................................................................................... 91 Figura 48 – divisões do telencéfalo: hemisférios, córtex cerebral e substância branca. Fonte da imagem AMARAL; STRICK, 2014, p. 311. Fonte de informações: CARVALHO, 2015. Imagem adaptada e simplificada a partir dos esquemas visuais dos autores. ............... 92 Figura 49 – divisões e subdivisões do encéfalo: cérebro, tronco encefálico, cerebelo etc., mais a medula espinal. Fonte da imagem e de informações: AMARAL; STRICK, 2014, p. 302. Fonte de informações complementares: MACHADO; HAERTEL, 2014, p. 14. Imagem adaptada a partir dos esquemas visuais dos autores. ..... 93 Figura 50 – neurônio, célula do sistema nervoso composta por axônios, dendritos e corpo celular. FONTE: RAMACHANDRAN, 2014, p. 35. .......................................................................................................... 94 Figura 51 – divisões do sistema nervoso periférico: autônomo e somático. Fonte: AMARAL e STRICK, 2014, p. 313. ...................................... 96 Figura 52 – divisões do sistema nervoso periférico, com as subdivisões do sistema autônomo eferente. Fonte das informações: HORN e SWANSON, 2014; DAMÁSIO, 2011 e 2018; MACHADO e HAERTEL, 2014; COSTA, s.d. Imagem própria. ............................ 98 Figura 53 – fluxo de resposta dos sistemas simpático e parassimpático: do sistema nervoso central às células efetoras. Fonte da imagem: HORN e SWANSON, 2014, p. 920. ................................................ 99 Figura 54 – divisão funcional do sistema nervoso detalhada. Fonte: LUCAS, 2020, p. 8-9. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. .............................................................................................. 102 Figura 55 – divisão funcional do sistema nervoso com sistema sensível em destaque. Fonte das informações: LUCAS, 2020, p. 8-9 (adaptado) e inferência própria. Fonte da imagem: autoria própria. .............. 103 Figura 56 – divisões e subdivisões do sistema sensorial. Fonte das informações: SEELEY, TATE e KENNEDY, 2005, p. 476; TORTORA e DERRICKSON, 2017, p. 295-297. Fonte da imagem: autoria própria. ............................................................................... 104 Figura 57 – esquematização das áreas sensoriais somáticas do corpo representadas no córtex cerebral (corte frontal no hemisfério cerebral direito) – mapa somatotópico. Fonte: TORTORA e DERRICKSON, 2010, p. 573 (simplificado). ................................. 108 Figura 58 – esquematização das áreas motoras somáticas do corpo representadas no córtex cerebral (corte frontal no hemisfério cerebral direito) – mapa somatotópico. Fonte: TORTORA e DERRICKSON, 2010, p. 573 (simplificado). ................................. 110 Figura 59 – viscerocepção, propriocepção e exterocepção. Fonte da imagem: elaboração própria. ........................................................................ 113 Figura 60 – A Arte como formatividade e os tipos de percepção. Referência: Figura 2 – tríade artista/obra/público (p. 27). Fonte: autoria própria. ....................................................................................................... 114 Figura 61 – tipo de percepção inseridos no esquema das contaminações entre a tríade artista/obra/público. Fonte: autoria própria. .................... 115 Figura 62 – homeostase e sentimentos. Fonte das informações: DAMÁSIO, 2018, p. 35. Fonte da imagem: autoria própria. ........................... 138 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – diferenças entre sistema autônomo simpático e sistema autônomo parassimpático. Fontes das informações: MACHADO e HAERTEL, 2014; HORN e SWANSON, 2014; COSTA, sem data. Fonte da tabela: autoria própria. ................................................................... 100 Tabela 2 – sentidos relacionados a estímulos e seus receptores específicos. Fontes das informações: CÁRNIO, 2020-B, s. p.; GARDNER e JOHNSON, 2014-B; SEELEY, TATE e KENNEDY, 2005, p. 476; TORTORA e DERRICKSON, 2017, p. 295. Fonte da tabela: autoria própria. ........................................................................................... 105 Tabela 3 – relação da Arte como formatividade com os tipos de percepção. Fonte: autoria própria. ................................................................... 114 Tabela 4 – relação entre os termos de Uexküll e o sistema nervoso. Fonte das informações: UEXKÜLL, 2004, p. 22 e 25; capítulo 2 desta tese. Fonte da tabela: autoria própria. ................................................... 119 Tabela 5 – Amamentar: atividade organizada. Tabela elaborada a partir do texto de Alva Nöe. Fonte das informações: NÖE, 2015, p. 4-6. Fonte da tabela: autoria própria. ................................................... 128 Tabela 6 – Conversar: atividade organizada. Tabela elaborada a partir do texto de Alva Nöe. Fonte das informações: NÖE, 2015, p. 6-7. Fonte da tabela: autoria própria. ................................................................... 129 Tabela 7 – Causa, origem, e descrição dos tipos de sentimentos. Fontes das informações: DAMÁSIO (2004 e 2018) e inferências próprias. ... 141 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .........................................................................................................19 1. COMO PENSAR O ARTISTA?...........................................................................26 1.1 LUGARES DE RELAÇÃO: ARTISTA/OBRA/PÚBLICO ..............................28 1.1.1 Obra/Público ......................................................................................29 1.1.1.1 Arte figurativa ......................................................................... 30 1.1.1.2 Obra aberta ............................................................................ 40 1.1.1.3 Arte participativa .................................................................... 47 1.1.1.4 Arte interativa ......................................................................... 52 1.1.1.5 Outras possibilidades ............................................................ 58 1.1.2 Artista/Público ....................................................................................64 1.1.3 Artista/Obra ........................................................................................69 1.2 A FORMATIVIDADE E OS PROCESSO DE CRIAÇÃO..............................75 2. O SUJEITO – CONSTRUINDO A SUBJETIVIDADE ........................................84 2.1 SOBRE PERCEPÇÃO ..................................................................................87 2.1.1 Sistema Nervoso (SN) .......................................................................88 2.1.1.1 Sistema Nervoso Central (SNC) ........................................... 90 2.1.1.2 Sistema Nervoso Periférico (SNP) ........................................ 95 2.1.1.2.1 Sistema Nervoso Autônomo .................................. 97 2.1.1.2.2 Sistema Nervoso Somático .................................. 101 2.1.1.3 Sistema Sensorial ................................................................ 103 2.1.1.3.1 Sentidos gerais ..................................................... 106 2.1.1.3.2 Sentidos somáticos .............................................. 106 2.1.1.3.3 Sentidos especiais................................................ 110 2.2 IMAGENS MENTAIS .................................................................................. 115 3. POR QUE CRIAR ARTE?................................................................................ 122 3.1 ESTRATÉGIA EVOLUTIVA ....................................................................... 122 3.2 AUTO-ORGANIZAÇÃO .............................................................................. 126 3.3 REGULAÇÃO DA VIDA E HOMEOSTASE ............................................... 135 3.3.1 Sentimentos .................................................................................... 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 150 SITES ................................................................................................................ 158 REFERÊNCIAS DE OUTRAS NATUREZAS .................................................. 159 Uma coisa que realmente não existe é aquilo a que se dá o nome de Arte. Existem somente artistas. (GOMBRICH, 1981, p. 4) 19 INTRODUÇÃO Por que o artista produz Arte? Quem é o artista? Por que algumas pessoas se dedicam a desenvolver Arte? Existe algo que diferencia o artista de indivíduos que se empenham em outros afazeres? Há um impulso para a criação em Arte? Estas perguntas surgiram ao longo dos anos em que foi possível observar e participar do processo criativo do grupo SCIArts1 e foram a motivação pessoal para o início desta pesquisa. Devido ao contexto do trabalho artístico praticado desde 2006, as perguntas surgiram ao se pensar no artista contemporâneo que desenvolve suas propostas em Arte e Tecnologia, pois ele não depende exclusivamente de habilidades manuais, corporais ou técnicas para o desenvolvimento de objetos (ou eventos), como os pintores, escultores, dançarinos etc., apesar de se considerar, aqui, que qualquer ser humano tem as ferramentas necessárias para desenvolver as técnicas essenciais para a produção artística. Em Arte e Tecnologia, o artista pode contar com profissionais das mais diversas áreas para ajudá-lo a concretizar suas ideias e projetos, independentemente de sua instrução formal, como ocorre com o SCIArts. O propositor pode, então, ser engenheiro, biólogo, médico. O artista contemporâneo também costuma desempenhar outras funções, como pesquisador e professor, ou seja, para desenvolver sua Arte é necessária uma força de vontade ainda maior visto que, muitas vezes, o trabalho assalariado não está diretamente ligado à Arte. Apesar de a motivação ter surgido durante o fazer em Arte e Tecnologia, entende-se que o impulso, a decisão que leva o artista a criar é comum a todos os tipos de Arte. É necessário esclarecer que, nesta tese, não se vê o artista como o gênio, ser excepcional, ultrassensível (COUCHOT, 2018, p. 1722) e sim como um ser humano que escolhe se dedicar a propor fruição artística. O artista é o centro desta pesquisa o que o torna, por princípio, especial neste contexto. Entende-se também, que o termo 1 Criado em 1996, o SCIArts é um grupo interdisciplinar que trabalha com Arte, ciência e tecnologia de forma coletiva. É composto, desde o início, por Milton Sogabe, Rosangella Leote, Fernando Fogliano e Renato Hildebrand. Em 2006, Júlia Blumenschein passou a integrar a equipe. O SCIArts conta com a colaboração de outros artistas e cientistas para a realização de suas obras e em 2005 ganhou o Prêmio Sérgio Motta” de Arte-tecnologia pela instalação interativa “Atrator Poético”, com participação de Edson Zampronha. 2 Ao discorrer sobre a visão do filósofo Immanuel Kant. 20 propositor é mais adequado para tratar o artista, para não se confundir com a ideia de criador absoluto, supremo. De qualquer maneira serão usadas ambas as expressões no decorrer do texto, porém sempre com a ideia de propositor não de artista-gênio. A pergunta da pesquisa, impulsionada pelas perguntas motivadoras apresentadas anteriormente, é quem é o ser humano que cria em Arte? Ou seja, quem é o artista e por que ele cria Arte? A hipótese é que a produção artística é inerente e biologicamente necessária ao ser humano e que talvez o processo de desenvolvimento de obras estruture o artista como indivíduo, o impulsione a ser quem é, a agir, a canalizar seu tempo e sua energia para a Arte. Acredita-se que o sujeito que estrutura a Arte pode também ser estruturado por ela. Há, então, alguma especificidade no processo artístico E no indivíduo, pois, se não houvesse, o propositor se dedicaria a outra função, ocuparia outro lugar na sociedade. A particularidade pode estar na maneira como o propositor recebe e processa o mundo ao ser redor, uma necessidade da sociedade, de desenvolvimento tecnológico, uma questão evolutiva da espécie, ou mesmo uma necessidade biológica que interfira na sobrevivência ou na qualidade da vida. As hipóteses são inúmeras e inúmeras são as abordagens viáveis para tratar o assunto. A escolha que se faz para esta tese é a de se aproximar do indivíduo propositor de Artes visuais3, a partir de ponto de vista biológico que, apesar de inerente a todos os seres humanos, possibilita um ângulo não usual na observação do propositor de objetos artísticos. Serão usados, principalmente, aspectos das Neurociências e áreas afins, campos que serão explicados, quando necessário. A abordagem biológica da produção artística e das Artes em geral é relativamente nova, porém pode ser encontrada em pesquisadores como Antônio 3 Não serão abordadas perspectivas do artista nos campos da música ou o teatro, salvo alguns exemplos pontuais. 21 Damásio4 (2018), Edmond Couchot5 (2018), Ellen Dissanayake6 (1992, 1995, 2008), Jean Pierre Changeux7 (2013), Roger Vigouroux8 (1999), Daniela Kutschat Hanns9 (2019), Rachel Zuanon10 (2017, 2018-A, 2018-B), Rosangella Leote11 (2015), entre outros, porém normalmente com enfoque na produção e fruição da arte, e no contexto sociocultural e apenas tangenciando o sujeito propositor. Logo, esta tese, pela natureza da escolha de uma maneira não usual de se aproximar do artista, tende a ser horizontal, ou seja, aborda muitos temas sem necessariamente se aprofundar em todos. O que se busca é levantar problemas sobre o que poderia diferenciar o artista, pelo ponto de vista biológico, organizar e debater os pensamentos que tenham proximidade com a pergunta: quem é o artista e por que ele cria Arte? São usados muitos termos complexos e polêmicos que não serão discutidos a fundo, mesmo sabendo-se da importância deles para o campo das Artes e das áreas a que são atribuídos. Por exemplo, não são tratados conceitos e vertentes sobre evolução, sociedade, cultura, tecnologia e também não se entra em discussões sobre o que é a Arte, segmentações das neurociências e das ciências cognitivas, pois entende-se que não são essenciais para o desenvolvimento da tese. Porém, quando necessário, serão apresentados em notas. Os conceitos de poética e estética serão mencionados ao longo do texto e por isso, a poética será considerada algo relativo às motivações e ideias do artista, sua 4 António Damásio é pesquisador, neurologista e neurocientista português. Seu campo de estudo concentra-se principalmente no cérebro, mente e emoções humanas. Autor de diversos livros, entre eles “O erro de Descartes” (1996), “O mistério da consciência “ (2000) e “Em busca de Espinosa” (2004). 5 Edmond Couchot (1932 – 2020) foi artista digital e teórico da Arte francês. Publicou livros em português como Tecnologia na arte: da fotografia a realidade virtual (2003) e A natureza da arte: o que as ciências cognitivas revelam sobre o prazer estético (2018). 6 Ellen Dissanayake é filiada à Universidade de Washington (EUA) e seu campo de estudo é exploração antropológica da arte e da cultura. 7 Jean Pierre Changeux é professor honorário do Collège de France e do Instituto Pasteur. 8 Roger Vigouroux é neurologista e psiquiatra. Leciona na Universidade de Marselha, na França. 9 Daniela Kutschat Hanns é artista e doutora em Artes Visuais pela USP e docente na mesma universidade. 10 Rachel Zuanon é artista, designer e docente. Pesquisa a cooperação Neurociência e Processos Criativos e Projetuais. 11 Rosangella Leote é artista, pesquisadora multimídia e docente da UNESP. 22 maneira de expressar, o modo como o artefato artístico se constrói intelectualmente: algo interno ao artista. A estética será vista como o resultado da materialização da poética, relativa à concretude da obra, ao modo como a obra é vista e avaliada por outros: externo ao artista. A escolha da bibliografia se pauta em autores que apresentam uma visão mais nova da biologia e das neurociências, que entendem o ser humano como um todo (corpo, fisiologia, anatomia etc.) imerso em seu contexto e não apenas como executor de funções do tipo causa e consequência, input – processamento – output. Acredita- se na proposta de Francisco Varela de nova biologia como opção à biologia atual. Nas palavras do autor, em vez de concentrar maior atenção às unidades heterônomas, as quais se relacionam com seu mundo através da lógica da correspondência, a nova biologia está preocupada com as unidades autônomas, as quais funcionam segundo a lógica da coerência (VARELA, 2014, p. 48-49). Sendo assim, inclui-se na bibliografia escolhida autores como Humberto Maturana12 e Francisco Varela13 que procuram oferecer uma alternativa viável aos neurocientistas cuja ideologia é que o ser humano é seu cérebro (NÖE, 2015, p. 121). Também serão estudados pesquisadores como Damásio e Alva Nöe14. É preciso estar muito claro que a abordagem deste trabalho não tem como objetivo procurar uma localização no cérebro responsável pela criação artística. Entende-se que a influência do meio – cultural, social ou mesmo ambiental –, da memória, das relações humanas interferem nas escolhas do sujeito. Como afirma Maturana (2014-B), o comportamento de um sistema vivo (no caso, o ser humano) está diretamente ligado às interações com o meio, que pode acionar uma mudança que afetará o sistema, da mesma forma que o sistema aciona mudanças que alteram o meio. Ou seja, o propositor é indissociável do ambiente em que está inserido, logo, uma perspectiva possível para a pesquisa seria o estudo da cultura e da sociedade das quais faz parte, porém o assunto que não será debatido apesar de se entender 12 Humberto Maturana é um médico, doutor em biologia e neurobiólogo chileno. 13 Francisco Varela (1946 – 2001) foi um biólogo e filósofo chileno. 14 Alva Nöe é filósofo e professor na Universidade de Berkeley, membro do Instituto de cognição e ciências do cérebro. 23 ser um tema de suma importância para a compreensão da Arte e da produção artística. A divisão dos capítulos desta tese foi pensada para se abranger tanto as Artes quanto as Neurociências. Sendo assim, o capítulo 1 funciona como introdução do tema Arte aos neurocientistas, além de fornecer o entendimento sobre a estrutura geral da pesquisa. O capítulo 2 apresenta alguns princípios biológicos necessários para o entendimento das Neurociências, a fim de ajudar o entendimento deste campo para os leitores da área de Artes. Por fim, o terceiro capítulo envolve tanto preceitos do universo da Arte quanto da biologia e das Neurociências. No capítulo 1 será desenvolvido o conceito de Arte como formatividade, de acordo com Luigi Pareyson15 (1989). A formatividade pode ser entendida como o processo de fazer o objeto artístico. Nesta perspectiva, a obra é a forma, que surge da formatividade (ato de fazer). Ou seja, desenvolver obras artísticas é uma elaboração dinâmica, onde forma, formatividade e artista são inseparáveis e dependentes. O público também será considerado integrante do processo artístico, partindo da afirmação de Monica Tavares16 (2003) de que a leitura da obra a reconstrói, pois os processos de recepção também são considerados dinâmicos e inseparáveis do fazer artístico. Desses preceitos extrai-se a composição da tríade artista/obra/público como elementos que, ao se relacionarem entre si, formam a Arte17. Entende-se que obra, público e propositor se ligam de variadas formas, se fundindo e confundindo em diversas situações. Considera-se não ser possível separar efetivamente o artista de sua obra e do público, então será proposto o desmembramento metodológico, com o objetivo de apresentar a estrutura da tese. Ao discorrer sobre o processo criativo, propõe-se a linearização das etapas e a correspondência com a tríade da Arte como formatividade. 15 Luigi Pareyson (1918 – 1991) foi um filósofo italiano que, entre outros assuntos, se dedicou ao estudo da estética. Seus livros mais conhecidos traduzidos para o Português são: Os problemas da estética (São Paulo: Martins Fontes, 1989), Estética – teoria da formatividade (Petrópolis: Editora Vozes, 1993) e Verdade e Interpretação (São Paulo: Martins Fontes, 2005). 16 Monica Tavares (1958) é uma pesquisadora brasileira. Atua nas relações entre criação e recepção, estética, semiótica e intertextualidade. (fonte: Currículo Lattes, CNPq). 17 Pareyson parte do processo para o desenvolvimento de sua teoria, enquanto Tavares tem como princípio a fruição artística. São pensamentos que surgem de forma diferente, porém, entende-se que podem ser unidos para se abranger a tríade Artista/Obra/Público. 24 Utilizando o ponto de vista do propositor como referencial, entende-se que sua ligação com o mundo/público se dá por meio da percepção, enquanto sua ligação com a obra acontece através do processo criativo. Concebe-se que exista uma motivação de ordem individual, interna para que se inicie o processo criativo e procura-se entender a subjetividade do artista. Para atingir os conteúdos e facilitar o entendimento do leitor, na figura abaixo esquematiza-se a estrutura elaborada da tese. Figura 1 – estrutura da tese apresentada em capítulos. Fonte da imagem: autoria própria. O capítulo 1, então, como um todo, terá a pesquisa sobre a Arte como formatividade e no capítulo 1.2, o detalhamento do processo criativo. O capítulo 2 vai tratar da subjetividade, enquanto o 2.1 se aprofunda no tema da percepção. Por último, o capítulo 3 discorre sobre as possíveis motivações para a criação em arte. O objetivo do capítulo 2 é investigar o que torna um indivíduo único, sua subjetividade para, desta maneira, pensar em possíveis particularidades do propositor de Arte. Ou seja, procura-se entender as características do ser humano a fim de buscar alguma que tenha o potencial de incitar a elaboração artística. O assunto será abordado, a princípio, pela visão de Damásio para quem a subjetividade depende de dois fatores primordiais: da perspectiva para as imagens mentais e de imagens mentais acompanhadas por sentimentos. Por imagens mentais, entende-se fragmentos do mundo externo captados pelos sentidos que estão na superfície do corpo e imagens do mundo interno do organismo, ou seja, do próprio corpo (bem- 25 estar, fadiga, dor etc.). Logo, a perspectiva a que o autor se refere a imagens captadas pelo ponto de vista que só existe ao sujeito que as percebe, que as apreende, que só se consegue a partir do próprio corpo. O mapeamento das imagens mentais acontece no processo de percepção (capítulo 2.1) – capacidade do ser humano em reconhecer conteúdos e representá- los mentalmente – que, por sua vez, depende do Sistema Nervoso (capítulo 2.1.1). Após o estudo do sistema nervoso (utilizou-se aspectos anatômicos, funcionais e fisiológicos), retorna-se às imagens mentais, principalmente às imagens advindas do ambiente. Discute-se percepção do mundo externo pela relação do sistema ser humano e sistema ambiente segundo Maturana e pela perspectiva de Umwelt de Jakob von Uexküll18 fechando-se, em seguida, a discussão sobre a percepção e a subjetividade. Por fim, o capítulo 3 explora possíveis motivos para a criação em Arte, com o objetivo de buscar o impulso que o artista, como indivíduo, tem para seu fazer. São levantadas três abordagens: estratégia evolutiva (capítulo 3.1), auto-organização (capítulo 3.2) e regulação da vida e homeostase (capítulo 3.3) A estratégia evolutiva, a partir de Dissanayake, diz que o impulso de criar Arte – é um traço universal, inerente e biológico – e que a prática artística ajudou no avanço de regras éticas, morais e de convivência, portanto, favorece a evolução da espécie humana. O conceito de auto-organização, pela perspectiva de Nöe, afirma que a Arte reorganiza quem a faz, por ser uma atividade organizada. Também é abordada a ideia de autopoiese de Maturana e Varela, por explicitar que a organização dos seres vivos é a capacidade de produzirem a si próprios de modo contínuo, ou seja, uma auto- organização. A última parte do capítulo tratará da regulação da vida e homeostase à luz de Damásio, pois, segundo o autor, a Arte, como manifestação humana, diz respeito à vida e sua manutenção. Por fim, nas considerações finais, procura-se revisitar a pergunta e as hipóteses da tese a fim de averiguar quais caminhos foram encontrados. Propõe-se, também, avaliar entendimentos que foram notados durante a trajetória de pesquisa. 18 Jakob von Uexküll (1864 – 1944) era um biólogo e filósofo estoniano. Um dos fundadores da etologia, estudo do comportamento social dos animais, seus hábitos e sua adaptação às condições ambientais. Fundou um instituto para pesquisa da Umwelt em 1924, na Universidade de Hamburgo, Alemanha. 26 1. COMO PENSAR O ARTISTA? A fim de buscar maneiras para se aproximar do artista, do propositor e realizador de obras artísticas para entender por que ele cria, é necessário contextualizar onde esse sujeito é atuante: a Arte. Nesta tese entende-se a Arte da maneira proposta por Pareyson (1989), para quem a obra artística é considerada a forma que surge do processo de fazer, executar, formar, chamado por ele de formatividade. O autor enfatiza que o fazer, apesar de ser parte de todas as atividades humanas, está presente na Arte de maneira mais intensa e absoluta, a ponto de seu resultado ser considerado uma criação. Ou seja, além do fazer, produzir e executar, a Arte contém também a essência de invenção, de novidade. A forma (obra), que surge do ato de fazer (formatividade), não é apenas a realização de uma ideia anterior, pré-concebida. Ela é elaborada durante o seu desenvolvimento. Enquanto a forma é criada no decorrer do fazer, o fazer também é modificado de acordo com o surgimento da forma. Logo, nas palavras de Pareyson (1989, p. 32), “Ela [a Arte] é um tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer”. E, durante o fazer e suas modificações, também o agente que atua, o artista, é transformado. É uma elaboração dinâmica, onde forma e formatividade são inseparáveis e dependentes uma da outra. Em suma, nas palavras do filósofo, pode-se dizer que a atividade artística consiste propriamente no “formar”, isto é, num executar, produzir e realizar, que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir. Os conceitos de forma e formatividade parecem, portanto, os mais adequados para qualificar, respectivamente, a Arte e a atividade artística. (PAREYSON, 1989, p. 32)19 Sendo a atividade artística, então, o fazer a forma, o artista pode ser considerado o sujeito que a faz. Além da obra e do artista, há de se considerar também o público como parte integrante do processo da Arte. Monica Tavares, ao analisar Pareyson, traz a ideia de que a leitura do objeto artístico a é uma reconstrução da obra, pois “o leitor, ao executar, interpretar e avaliar a obra, apodera-se do modo como ela foi feita, já que a 19 Aspas do autor. 27 leitura é efetuada pela restituição ou recuperação da poética20 a ela inerente” (TAVARES, 2003, p. 39). Se o público “executa”, “interpreta” e “avalia”, o ato de contemplar não é passivo: depende de quem o observador é, de suas vivências e de sua maneira de ver o mundo ao seu redor. Como afirma Tavares, todo fenômeno artístico é passível de inúmeras leituras e se mostra conforme as vivências pessoais do leitor. Sendo assim, os processos de recepção também devem ser considerados dinâmicos, e inseparáveis do fazer artístico, como explica Tavares (2003, p.40): Assim sendo, a obra como forma formada e acabada pelo seu ato de produção só exerce a sua função estética quando percebida pelo receptor, pois a cada nova experiência é atualizada em seu potencial, singular, mostrando-se também como uma forma aberta a variadas interpretações. Ela absorve, então, uma infinidade de leituras, decorrentes de diferentes e específicas execuções. Partindo do conceito de Arte como formatividade proposto por Pareyson (1989), e do estudo de Tavares sobre o receptor, propõe-se a visualização da tríade artista/obra/público como elementos que, ao se relacionarem entre si, formam a Arte. Para isto, foram desenvolvidos dois esquemas: a Figura 2 mostra a dinamicidade das relações, trazida pelas flechas, com a finalidade de enfatizar o encadeamento entre os componentes, já a Figura 3 mostra a contaminação que ocorre entre as três partes. Figura 2 – tríade artista/obra/público segundo o conceito de Arte como formatividade de Luigi Pareyson (1989) e da análise de Monica Tavares (2003) – relações entre as partes. Fonte das informações: PAREYSON (1989) e TAVARES (2003). Ilustração própria. 20 Os conceitos de poética e estética empregados nesta pesquisa foram explicados na introdução. 28 Figura 3 – tríade artista/obra/público segundo o conceito de Arte como formatividade de Luigi Pareyson (1989) e da análise de Monica Tavares (2003) – contaminações entre as partes. Fonte das informações: PAREYSON (1989) e TAVARES (2003). Ilustração própria. Como os esquemas ajudam a visualizar, a Arte surge de três componentes: o artista, o público e a obra. Como seria possível separá-los? Se a Arte é o fazer a forma, o artista é o sujeito que a faz, e o processo de recepção é dinâmico e parte da Arte, não é possível isolar efetivamente o papel do autor, do público ou da obra no processo artístico. O que se propõe é o desmembramento deliberado, apenas para fins analíticos, para que seja possível trazer à luz a discussão sobre o artista. Não se considera, nesta tese, que tal divisão aconteça de fato em nenhuma modalidade artística tanto nas ações de apreciação quanto durante a produção. 1.1 LUGARES DE RELAÇÃO: ARTISTA/OBRA/PÚBLICO Com o entendimento da Arte como formatividade e a impossibilidade de separar artista da obra artística e do público21, propõe-se o aprofundamento nas relações entre os elementos da tríade, a fim de, oportunamente, desvincular o propositor do processo 21 O tipo de público depende da natureza do objeto artístico. Por exemplo, o público de uma pintura é de observadores, já de instalações interativas o público é de interatores. Os tipos de público e suas características não serão assuntos abordados a fundo nesta tese. 29 de criação. Lembrando que a proposta é sugerir uma maneira de investigar o propositor/artista fora do contexto da tríade, levando sempre em conta que tal separação é apenas para análise. Para isso, serão examinadas as relações entre os componentes da tríade dividindo-a em três partes: observador e obra, artista e obra e, por último, artista e público. 1.1.1 Obra/Público O primeiro ponto a ser abordado refere-se às possíveis relações entre público e obra, sabendo-se que o vínculo entre os dois pode ou não acontecer, dependendo do envolvimento do sujeito com a Arte. Como afirma Rosangella Leote (2015, p. 102): “A capacidade de se enlevar, de se envolver, é específica do indivíduo, do seu repertório montado no histórico de situações vivenciadas – e não apenas vividas – que construíram a sua forma de atuar no mundo.”22 Ou seja, a obra sempre será vista por um indivíduo único, e sua bagagem emocional, cultural e sua memória23, influenciarão na qualidade da fruição do objeto artístico. Conforme Edmond Couchot (2018, p 59), uma pessoa se envolve ou não com uma obra de Arte dependendo do estado afetivo 22 Apesar de Leote estar discorrendo sobre estéticas tecnológicas, compreende-se nesta pesquisa que a afirmação é aplicável a todas as formas de Artes visuais, pois observar não é um ato apenas passivo, como será visto ainda neste capítulo. 23 Memória, neste contexto, refere-se ao sentido comum da palavra, no sentido de lembrar e conservar ideias, imagens, percepções, conhecimentos, adquiridos no passado. 30 que o objeto desperte nela – provocação, satisfação, prazer mais ou menos intenso, ou mesmo desprazer. Apreciar a obra, segundo o autor, seria como uma recompensa originária da satisfação (ou insatisfação). De qualquer forma, entende-se que depende da individualidade do sujeito e sua decorrente escolha do apreciar/fruir ou não o objeto artístico. Com o entendimento de que a ligação obra/público depende da disposição pessoal do sujeito à fruição, conforme visto no parágrafo anterior, serão abordadas, a seguir, as relações proporcionadas por quatro categorias de obras: figurativa, aberta, participativa e interativa24, tendo como base textos de Julio Plaza25 (2003), Milton Sogabe26 (2007 e 2016) e Ernst H. Gombrich27 (2007). 1.1.1.1 Arte figurativa Neste trabalho, entende-se Arte figurativa como obras visuais baseadas na representação clara (não ambígua) e objetiva da natureza, do ser humano, de objetos, ou até mesmo de motivos religiosos e mitológicos, contanto que sejam facilmente identificadas pelo observador que está inserido na cultura onde a obra foi produzida. Afinal, a visão do artista sobre os temas a serem representados dependem do seu entorno, da cultura e do tempo ao qual pertence. Como diz a pesquisadora Dominique Bardonnèche28 (1997, p. 196) [...] a representação inventa um espaço a partir dos dados do mundo que lhe é contemporâneo, aqueles da ciência, da técnica, da sociedade e do pensamento. 24 Não é a intenção desta pesquisa discutir todas as possibilidades da Arte, porém mais abordagens serão feitas no capítulo 1.1.1.5 Outras possibilidades. 25 Julio Plaza (1938 – 2003) espanhol erradicado no Brasil, era artista multimídia e professor do departamento de Artes Plásticas da USP (Universidade de São Paulo). Membro fundador da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Autor de Tradução Intersemiótica, Videografia e Videotexto entre outros. 26 Milton Sogabe é artista, pesquisador e docente brasileiro. Possui pós-doutorado na Universidade de Aveiro, Portugal (2015), doutorado (1996) e mestrado (1990) em Comunicação e Semiótica pela PUC- SP. Em 1985 iniciou pesquisa e produção em Arte-Tecnologia. 27 Ernst H. Gombrich (1909 – 2001), austríaco, foi um dos mais conhecidos historiadores da Arte, autor de livros como “A História da Arte”, “Arte e Ilusão”, “Meditações sobre um cavalinho de pau”, “O sentido da ordem”, entre outros.) 28 Dominique Bardononnèche é artista e historiadora da Arte, e sua pesquisa tem ênfase em arqueologia medieval. 31 Nesta perspectiva, a representação é um dispositivo que recorre à experiência e à cultura de uma época que permite construir uma realidade a partir de um mundo que escapa sempre. (BARDONNÉCHE, 1997, p. 196) Em outras palavras, entende-se que a Arte é considerada figurativa levando em conta o momento e lugar de sua produção e não precisa ser, necessariamente, realista. O primeiro exemplo que se traz é uma pintura rupestre que representa um porco selvagem, encontrada em 2017 na caverna de Leang Tedongnge, localizada na ilha de Celebes, Indonésia (Figura 4). A imagem, produzida com pigmentos que tem como base óxido de ferro e datada de 45.500 anos atrás (Pesquisa FAPESP, 2021, p. 11), pode ser considerada “a mais antiga obra de arte figurativa” (FERREIRA, 2021, s.p.). Figura 4 – Arte rupestre: porco selvagem feito a cerca de 45.500 mil anos na Caverna de Leang Tedongnge, Indonésia. Foto: Maxime Aubert/The New York Times29. 29 Disponível em: https://internacional.estadao.com.br/noticias/nytiw,pintura-arte-rupestre-mais-antiga- mundo-arqueologia,70003613635. Acesso em: 1/2/21 32 Exemplo similar, porém, com mais minúcias, é a Arte egípcia e a forma como representa o ser humano, enfatizando a clareza e legibilidade das informações que se pretende passar, como ritos e cerimônias (GOMBRICH, 2007, p 103-105). O evidenciar a informação e os detalhes analisados para a realização das obras ficam claros quando o autor descreve o retrato de Hesire (Figura 5): A cabeça era mais facilmente vista de perfil, de modo que eles a desenharam lateralmente. Mas, se pensamos no olho humano, é como se fosse visto de frente que usualmente o consideramos. Portanto, um olho de frente era plantado na vista lateral da face, a metade superior do corpo, os ombros e o tronco, são melhor vistos de frente, pois desse modo vemos como os braços estão ligados ao corpo. Mas braços e pernas em movimento veem-se muito mais claramente de lado. Essa é a razão pela qual os egípcios, nessas imagens, nos parecem tão estranhamente planos e contorcidos. Além disso, os artistas egípcios achavam difícil visualizar um pé ou outro visto de um plano exterior. Preferiam o contorno claro desde o dedão para cima. Portanto, ambos os pés são vistos de dentro e o homem no relevo parece ter dois pés esquerdos. Não se deve supor que os artistas egípcios pensavam que os seres humanos tinham essa aparência. Seguiam meramente uma regra que lhes permitia incluir tudo o que consideravam importante na forma humana. Talvez essa rigorosa adesão à regra tivesse algo a ver com a finalidade mágica da representação pictórica pois como poderia um homem com seu braço “posto em perspectiva” ou “cortado” levar ou receber as oferendas requeridas ao morto? (GOMBRICH, 1981, p. 35) 33 Figura 5 – retrato de Hesire – aproximadamente 2700 a.C. Porta de madeira. Museu do Egito, Cairo. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 35. 34 Os egípcios também destacavam em suas obras a importância dos retratados pela sua escala na imagem, além de estabelecer o gênero das figuras a partir da cor da pele – homes em tons de marrom mais escuro e mulheres em tons mais claros. (GOMBRICH, 2007), como pode-se observar na pintura do túmulo de Chnemhotep30 (Figura 6). Por conta dessas particularidades, “muitas vezes nos reportamos aos egípcios e ao seu método de representar numa pintura tudo o que sabiam e não tudo o que viam (ibid., p. 330). Figura 6 – parede no túmulo de Chnemhotep, aproximadamente 1900 a.C. Túmulo localizado perto de Beni Hassan, necrópole do Antigo Egito. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 36. Dentro da Arte figurativa situa-se a Arte mimética, que visa a reprodução, o mais fidedigna possível, dos elementos encontrados no mundo. A mímese, termo cunhado por filósofos gregos, é a Arte como imitação da natureza (GOMBRICH, 2007, p. 80). 30 Sobre Chnemhotep (GOMBRICH, 1981, p. 36) : “Seu nome, segundo se lê, era Chnemhotep, Administrador do Deserto Oriental, Príncipe de Menut Chufu, Amigo Confidencial do Faraó, Conviva Real, Superintendente dos Sacerdotes, Sacerdote de Horo, Sacerdote de Anúbis, Chefe de Todos os Segredos Divinos e – o mais impressionante de todos os títulos – Mestre de Todas as Túnicas.” 35 Como diz Giorgio Vasari31, “pintar não é mais que retratar simplesmente todas as coisas que vivem na natureza por meio do desenho e da cor, exatamente como a própria natureza os produz.” (apud GOMBRICH, 2007, p. 10) A busca pela imitação da natureza não é tão “simples” como coloca Vasari, pois exige do artista a observação minuciosa do ambiente e o domínio da técnica a ser aplicada. Os artistas sabem que aprendem pela observação atenta da natureza, mas é claro que só observar jamais ensinou a um artista o seu ofício. Na Antiguidade, a conquista da ilusão pela Arte era proeza tão recente que toda discussão sobre pintura e escultura inevitavelmente girava em torno da imitação, da mímesis. (GOMBRICH, 2007, p. 9) A Arte mimética, no entanto, pode ser considerada mais que a imitação da realidade, pois exige do artista um fazer expressivo, e a expressividade é da ordem do indivíduo, da subjetividade do sujeito, do que lhe faz único32. Como diz Leote (2007), a mímese é quase um retrato da vida interior do artista, pois ele busca, para além da reprodução, imprimir dados novos, como uma ampliação do que percebe. Ou seja, “se baseia em conceitos do real, daquilo que se vê e que se sabe, e amplia acrescentando algum dado que de alguma maneira faz modificar o sentido da realidade” (LEOTE, 2007). Em outras palavras, o artista também coloca sua forma de ver o mundo na obra, sua forma de visualizar, apreender e contemplar. Logo, não é possível dizer que a Arte mimética consegue ser uma representação fiel da natureza, pois sempre será a tentativa do artista, a percepção de realidade dele, o seu ponto de vista além de depender de sua técnica. Para Barnonnèche (1997, p. 196) A representação não é jamais uma cópia inocente da realidade, mas a escolha de um espaço reconstruído de um certo modo, reconstruindo de uma certa maneira a exposição do mundo conforme leis de relato baseadas sobre técnicas contemporâneas. (BARDONNÈCHE, 1997, p. 196) Couchot (2018, p. 125-126) afirma que o conceito de mímese, que ele também chama de “adequação ao real”, manteve-se por toda a história da Arte, desde Platão e Aristóteles. Nas palavras do autor: 31 Giorgio Vasari (1511 – 1574) foi um pintor e arquiteto renascentista, conhecido também por escrever a biografia de artistas italianos. 32 A questão da subjetividade será abordada mais adiante, no capítulo 2. 36 [...] a regra da mimese ou da adequação ao real perdurou por toda a história da Arte. Para Aristóteles, que foi seu inventor (ou descobridor), a Arte é essencialmente imitação (mimese), imitação entendida não como a simples e mera cópia de um modelo, ele mesmo cópia de uma Ideia transcendental, tal como Platão a concebia, mas a imitação de uma ficção produzida pela imaginação de um autor. Para Aristóteles, havia uma distância entre o Artefato e o modelo, ou seja, uma possibilidade para as coisas serem outras do que elas são na realidade, e era essa distância que constituía a atividade artística. (COUCHOT, 2018, p. 125-126) Ou seja, a Arte como mímese pode ser entendida como uma invenção induzida pela imaginação do artista, pelo seu ideal, constituída na distância entre o objeto artístico em si e o modelo (paisagem, pessoa etc.) que a incentivou. Dois exemplos de Arte mimética que mostram a técnica dos artistas e também suas formas particulares de representar o mundo são “As respigadeiras”, de Jean- François Millet33 (Figura 7, p. 37) e “Bonjour, Monsier Courbet” (1854) de Gustave Courbet34 (Figura 8, p. 39). 33 Jean-François Millet (1814 – 1875), pintor francês, foi um dos principais representantes do Realismo, cuja preferência era retratar trabalhadores rurais. 34 Gustave Courbet (1819 – 1877) foi um pintor francês que abordava questões sociais com seu trabalho (condições de trabalho dos camponeses, pobres e a burguesia). Segundo Gombrich (1981, p. 402), foi Coubert que nominou o movimento “Realismo”. 37 Figura 7 – “As respigadeiras” (1857), de Jean-François Millet. Óleo sobre tela, 84 x 111cm, Museu de Orsay, Paris, França. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 402. Em “As Respigadeiras”, Millet queria pintar a vida rural, tema não bem aceito por outros artistas da época que consideravam os camponeses grosseiros e indignos de serem representados. Na tela em questão, o pintor retratou três mulheres durante a colheita. Como diz Gombrich (1981, p. 402), as figuras não são belas, têm contornos simples e firmes, movem-se lentamente e estão absortas em seu trabalho. O autor complementa: Assim, as suas três camponesas assumiram uma dignidade mais natural e convincente do que a dos heróis acadêmicos. O arranjo, que parece casual à primeira vista, corrobora essa impressão de tranquilo equilíbrio. Há um ritmo calculado no movimento e distribuição das figuras que confere estabilidade ao todo e nos faz sentir que o pintor considerava o trabalho da colheita uma cena de solene significado. (GOMBRICH, 1981, p. 402) Ao declarar que Millet considerava a colheita uma “cena de solene significado”, Gombrich explicita a importância das particularidades do artista na Arte mimética. Afinal, o pintor francês rejeitou os costumes da época para retratar o que ele 38 acreditava ser importante e digno de reprodução, de acordo com sua própria concepção. Também o pintor Gustave Courbet abdicou a prática vigente, que era a de representar pessoas “dignas” e não pessoas comuns, em prol de seu modo particular de ver e entender o mundo ao seu redor, como esclarece Gombrich ao falar sobre o artista: Escreveu ele numa carta característica em 1854: “Espero ganhar sempre a minha vida com a minha Arte sem me desviar um milímetro dos meus princípios, sem ter mentido à minha consciência um único momento, sem pintar sequer o que pode ser coberto pela palma da mão, apenas para agradar a alguém ou vender mais facilmente”. A renúncia deliberada de Courbet a efeitos fáceis, e sua determinação de representar o mundo tal como o via, encorajaram muitos outros a rejeitar o convencionalismo e a seguir apenas a consciência artística. (GOMBRICH, 1981, p. 403) Ainda de acordo com Gombrich, o intuito de Courbet com suas obras era protestar contra as tradições artísticas da época e abalar a burguesia. No quadro “Bonjour, Monsier Courbet” (Figura 8, p. 39), por exemplo, o pintor se auto retrata sendo cumprimentado pelo seu cliente enquanto caminha pelo campo com trajes de andarilho, cena que, segundo Gombrich (1981, p. 403), “deve ter parecido um ultraje aos artistas “respeitáveis” e seus admiradores”. 39 Figura 8 – “Bonjour, Monsier Courbet” (1854) de Gustave Courbet. Óleo sobre tela, 129 x 149 cm, Musée Fabre, Montpellier, França. Fonte da imagem: GOMBRICH, 1981, p. 403. É interessante observar que também em termos de técnica e composição as duas telas são similares, mas traduzem o que é visto em interpretações nitidamente diferentes. Realista ou apenas figurativa, esse tipo de Arte é de natureza contemplativa. A relação obra/público acontece de forma quase passiva e o corpo do observador é, na maioria das vezes, praticamente imóvel35 (SOGABE, 2007 e 2016). Do observador se exige apenas o olhar e há uma barreira clara e instransponível entre público e obra, como mostra a Figura 9. 35 Sogabe (2007, p. 1585) explica que a dimensão da obra pode motivar o público a deslocamentos do corpo, como afastamento/aproximação, deslocamento lateral ou movimentos de cabeça/pescoço. 40 Figura 9 – corpo do público na obra: contemplação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. Vale lembrar que, neste trabalho, entende-se que o observar não é estar passivo36 e que, retomando Tavares (2003, p. 40), “a noção de Arte como formatividade admite a contemplação não como um ato passivo. Apesar de a obra manifestar-se de uma forma acabada e “fechada””. Mesmo na Arte mimética, e mesmo existindo a barreira entre público e obra, ainda assim o indivíduo compreende a imagem a partir do que conhece de mundo, porém, “[...] cada obra de Arte será percebida e fruída em conformidade com o repertório do receptor.” (LEOTE, 2015, p. 127). 1.1.1.2 Obra aberta Como obras abertas serão consideradas a Arte abstrata37, as obras não figurativas e as obras baseadas na representação ambígua e subjetiva da natureza, dos objetos, da figura humana etc. 36 Como exposto no capítulo 1.1.1 Obra/Público. 37 Não serão discutidos aqui os termos possíveis para este tipo de Arte, pois compreende-se, de acordo com Gombrich (1981, p. 452), que “[…] a palavra “abstrata” não foi uma escolha muito feliz, tendo sido sugeridas algumas designações para substituí-las, como “não-objetiva” ou “não-figurativa”. […] Mas a maioria dos rótulos em curso na história da Arte são fortuitos. O que importa é a obra de Arte e não a sua etiqueta”. De qualquer forma, pode-se entender Arte abstrata, no contexto deste texto como “termo geral para Arte não representacional e para formas de Arte que rejeitam a representação do mundo contemporâneo de uma maneira realista, em contraste com o conceito clássico de Arte como mímese (imitação da realidade natural).” (The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century, p. 7) – tradução própria. 41 Por exemplo, o Expressionismo38 pode ser considerado um movimento de representação subjetiva, onde “[...] o que importava não era a imitação da natureza, mas a expressão de sentimentos através da escolha de cores e linhas [...].” (GOMBRICH, 1981, p. 451). Um dos precursores deste movimento artístico foi Vincent Van Gogh39, que, segundo Giulio Carlo Argan40 (2010, p. 125), [...] aprendeu com os impressionistas tudo o que diz respeito às influências recíprocas entre as cores, mas tais relações o interessam não como correspondências visuais, e sim como relação de força (atração, tensão, repulsão) no interior do quadro. Em virtude dessas relações e contrastes de forças, a imagem tende a se deformar, a se distorcer, a se lacerar; pela aproximação estridente das cores, pelo desenvolvimento descontínuo dos contornos, pelo ritmo cerrado das pinceladas, que transformam o quadro numa composição de signos animados por uma vitalidade febril, convulsa. A Figura 10 ilustra o ritmo das pinceladas e o uso das cores, que fazem com que a pintura pareça distorcida e deformada, como disse Argan na citação acima. 38 Movimento que surgiu na Alemanha no início do século XX. “Em seu sentido mais amplo, o termo "expressionista" pode ser aplicado a qualquer afirmação subjetiva do artista que se desvia dos padrões acadêmicos ou clássicos e exprime sua experiência interior no momento da criação.” (The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century, p. 114) – tradução própria. 39 Vincent Van Gogh (1853 – 1890), pintor holandês. Suas obras incluem paisagens, naturezas-mortas, retratos e autorretratos. Costumava optar por cores fortes e vibrantes. 40 Giulio Carlo Argan (1909 – 1992), italiano, historiador e teórico da Arte. Autor de livros como Arte Moderna, Clássico e Anticlássico, História da Arte como História da Cidade, Arte e crítica de Arte, entre outros. 42 Figura 10 – “Cafe Terrace, Place du Forum, Arles” (1888), de Van Gogh. Óleo sobre tela, 81 x 85,5 cm, Kröller-Müller Museum, Holanda. Fonte da imagem: WikiArt41. Como mencionado no início do capítulo (p. 40), além da representação subjetiva, a Arte abstrata também é considerada obra aberta. Gombrich (1981, p. 451) acredita que o primeiro artista a realizar uma obra onde nenhum objeto era reconhecível, foi 41 https://www.wikiart.org/en/vincent-van-gogh/cafe-terrace-place-du-forum-arles-1888. Acesso em 24/1/2021. 43 Wassily Kandinsky42. O pintor estudava o efeito psicológico da cor pura e considerava, por exemplo, que o vermelho brilhante afetava o observador da mesma forma que o som de um clarim, instrumento de sopro de som agudo. Com esse pressuposto, passou a desenvolver o que chamou de composições musicais em suas telas, como a “Composição IV” (Figura 11). Em outras palavras, A sua convicção de que era possível e necessário gerar desse modo uma comunhão de espírito a espírito encorajou-o a expor essas primeiras tentativas de música cromática, as quais inauguraram efetivamente o que passou a ser conhecido como “Arte abstrata”. [...] Pode-se duvidar se as primeiras experiências de Kandinsky de música cromática foram um êxito completo, mas é fácil entender o interesse que despertaram.” (GOMBRICH, 1981, p. 451-452) Figura 11 – “Composição IV” (1911) de Wassily Kandinsky. Óleo sobre tela, 159,5 x 250,5 cm, Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf, Alemanha. Fonte da imagem: WikiArt43 42 Wassily Kandinsky (1866 – 1944), pintor e teórico da Arte russo. Estudou Direito e Economia em Moscou, antes de se mudar para Munique (Alemanha) para estudar Arte em 1896. (The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century, p. 172) 43 https://www.wikiart.org/pt/wassily-kandinsky/composicao-iv-1911. Acesso em 24/1/2021. 44 Também é Arte abstrata a obra de Jackson Pollock44, que teve sua técnica de pintura batizada de action-painting por gotejar ou atirar a tinta na tela estendida no chão, como descreve Gombrich (1981, p. 478): “Tornando-se impaciente com os métodos convencionais, colocou suas telas no chão e pingou, derramou ou projetou suas tintas de modo a formarem configurações surpreendentes”, como se vê na Figura 12. A obra desse artista remete ao “ritmo vital”45, expressão usada por Plaza (2003) que se refere à energia e espontaneidade. A frase de Pollock “Eu não pinto a natureza, eu sou natureza” (POLLOCK, apud PLAZA, 2003, p. 13) demonstra o afastamento que a Arte abstrata tem da ideia de representação da natureza. 44 Jackson Pollock (1912 – 1956), artista norte-americano do expressionismo abstrato. (The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century, p. 260). 45 Uma das “chaves estéticas” descritas por Plaza como métodos para se enfatizar a relação entre obra e recepção da obra. Utilizadas tradicionalmente pela Arte oriental e incorporadas pelas vanguardas ocidentais, são elas: ressonância, ritmo vital, reticência e vazio. (PLAZA, 2003, p. 13) 45 Figura 12 – “Número 5” (1948), de Jackson Pollock. Óleo sobre tela, 2,4 x 1,2 m. Fonte da imagem: WikiArt 46 46 https://www.wikiart.org/en/jackson-pollock/number-5-1948-1. Acesso em 24/1/2021. 46 Figurativa subjetiva, ambígua ou abstrata, nas obras abertas o espectador é convidado a assumir uma postura reflexiva, pois é a atitude de pensar, de interpretar que dará significado ao objeto artístico. De certa forma, o público faz parte da construção da obra, porém ainda de forma mais passiva, contemplativa. A obra é da natureza da apreciação, mas também convida a imaginação e a evocação (PLAZA: 2003, p. 10). A obra chamada de aberta corresponde à “abertura de primeiro grau”47 sugerida por Plaza (2003, p. 9) e “remete à polissemia, à ambiguidade, à multiplicidade de leituras e à riqueza de sentido”, como pode-se observar nas pinturas apresentadas no decorrer deste capítulo. Entende-se que a mudança aqui, comparada com a Arte figurativa, é que o sentido da obra depende do receptor48. O artista não deixa claro o assunto/tema do objeto artístico, então cabe ao público dar sentido a ele. Sendo assim, a interpretação da obra é individual, do âmbito do sujeito/público, e será guiada pelas experiências vivências pessoais do observador. A fronteira entre o objeto artístico e o público não é clara e definida (de acordo com Sogabe, 2007, Figura 13) justamente por depender do indivíduo para ganhar significado: a obra pode ser o que o sujeito achar que ela é. Em suma, o conceito de obra aberta vai permitir ao observador a interpretação e participação específica, tornando a barreira entre público e obra mais porosa. A postura do observador torna-se mais descontraída, permite uma aproximação e uma intimidade maior para falar o que pensa sobre a obra. (SOGABE, 2007, p. 1586) 47 Para Plaza (2003) a “abertura de primeiro grau” refere-se à abertura da obra à multiplicidade de leituras possíveis. A “abertura de segundo grau”, que será discutida no capítulo sobre Arte participativa, discorre sobre a alterações na obra a partir da atuação do público. A “abertura de terceiro grau”, tratada em Arte interativa, fala da manipulação da obra pelo interator. 48 Sabe-se que o observador pode escolher simplesmente ignorar a obra em vez de fruí-la. 47 Figura 13 – corpo do público na obra – interpretação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. 1.1.1.3 Arte participativa Na obra participativa o artista propõe49 o objeto artístico, mas o significado da obra se completa no momento em que público a vivencia fisicamente. Segundo Plaza (2003, p. 10), a participação ativa pode ser da natureza da exploração, da manipulação, da intervenção e pode até modificar a obra. Engloba manuseio de elementos, objetos para vestir e/ou penetrar e pode envolver até ambientes inteiros. Exemplo de obra participativa são os “Parangolés” (Figura 14, Figura 15 e Figura 16) de Hélio Oiticica50 que, ao realizar experimentações com a escola de samba Estação Primeira de Mangueira51, elabora objetos com panos coloridos para serem usados durante a dança. O artista, acredita na importância de promover a “participação do espectador (corporal, táctil, visual, semântica etc.)” (OITICICA, 1976, p. 154). Os “Parangolés” são exemplos desse princípio, pois a obra só existe se existir a participação. Ou seja, o público precisa vestir o objeto para que ele seja uma obra, para que a estrutura seja revelada, mostre sua cor. Como diz Oiticica (1976, p. 160): Ponto principal que nos interessa citar: o sentido que nasceu com o Parangolé de uma participação coletiva (vestir capas, dançar), participação dialético-social e poética (Parangolé poético e social de protesto, com Gerchman), participação lúdica (jogos, ambientações, apropriações) e o principal motor: o da proposição de uma “volta ao mito”. 49 É interessante que na Arte participativa o artista pode ser entendido muito mais como um provocador de fruição artística do que como um desenvolvedor de Arte. 50 Hélio Oiticica (1937 – 1980), artista brasileiro, carioca, foi um dos fundadores e fez parte do Grupo Neoconcreto e participou da Bienal de São Paulo em 1957 e 1959. (FERREIRA, 2006, p. 82) 51 http://www.mangueira.com.br/. Acesso em 14/8/2019. 48 Figura 14 –”Parangolé P1, Capa 1” (1964), de Hélio Oiticica. Plástico e tecido. Reprodução fotográfica (autoria desconhecida). Acervo Projeto Helio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ). Fonte da Imagem: Enciclopédica Itaú Cultural. 52 52 https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66394/parangole-p1-capa-1. Acesso em 24/1/2021. 49 Figura 15 – “Parangolé P32, Capa 25” (1973), de Hélio Oiticica. Reprodução fotográfica Hélio Oiticica. Fonte da Imagem: Enciclopédia Itaú Cultural53 Figura 16 – “Nildo da Mangueira com Parangolé”, (1964), Hélio Oiticica. Fonte da Imagem: DONATI, Luisa Paraguai, 2011. Sobre a participação do público na obra de Oiticica, Luisa Paraguai Donati54 (2011), afirma que “a ação/movimento proporcionada pelo parangolé é extraída da visceralidade do corpo, da sua realidade concreta, da compreensão da Arte/vida que ultrapassa o território de ocupação”, o que explicita a participação ativa do corpo do público nesta obra. Luisa Paraguai, em 2004 (A), também propôs uma obra participativa chamada “Vestis”. O primeiro protótipo (Figura 17), apresentado em Brasília, é um computador vestível que reage à presença e às ações de participantes online. Por computador vestível, a artista diz: Ele deve estar incorporado ao espaço pessoal de maneira que esteja sempre com o usuário sem, no entanto, limitar os seus movimentos ou impedir a sua mobilidade. 53 http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra66392/parangole-p32-capa-25. Acesso em 24/1/2021. 54 Luisa Paraguai Donati é pesquisadora e docente da PUC de Campinas, pesquisadora e artista nas interlocuções entre Arte, design e tecnologia. 50 Deve estar sempre ligado e acessível e com uma performance computacional que permita auxiliar o usuário em atividades motoras e/ou cognitivas. O que diferencia um computador vestível de outros dispositivos móveis como palmtop ou celular é a possibilidade de apreender informações tanto do usuário como do ambiente em torno, como temperatura e luminosidade. (DONATI, 2004-B) Figura 17 – primeiro protótipo de “Vestis” (2004), de Luisa Paraguai Donati, tem estrutra de tubos de nylon que se expandem e contraem. Exposição >=4D em Brasília. Fonte da Imagem: Paraguai, 2004- A, p. 102. 51 “Vestis – Corpos Afetivos” (Figura 18) difere do primeiro protótipo por utilizar a participação de público presencial, e não mais via internet, com “sensores que detectam a presença dos participantes e o engajamento do wearer55 nessa relação, monitorado por seu batimento cardíaco e/ou pressão sanguínea” (DONATI, 2004-B). As duas versões da obra utilizam um computador vestível, usado por um wearer, suscetível a alterações de formas segundo condições do ambiente e do público participante (online, no primeiro caso, e presencial, no segundo). Ao contrário dos parangolés, o público não veste a obra, mas participa dela ativamente ao (re)formular e (re)projetar as formas do conjunto objeto/wearer dinamicamente, com movimentos de expansão e contração, permitidos pela presença de micromotores na estrutura da obra. Figura 18 – “Vestis – Corpos Afetivos”, 2004, de Luisa Paraguai Donati. Registro fotográfico: Sérgio Guerini. Fonte da imagem: Enciclopédia Itaú Cultural56. 55 Wearer, em tradução literal, é o portador, no caso, a pessoa que veste o objeto. 56 http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra63360/vestis. Acesso em 24/1/2021. 52 Na Arte participativa “o espectador se vê induzido à manipulação e exploração do objeto artístico ou de seu espaço”. (PLAZA: 2003, p. 15). Este tipo de Arte, que requer a participação do público e onde o corpo é necessário para que a obra se configure, corresponde ao que Plaza indica como abertura de segundo grau, ou seja, que se identifica “com as variações estruturais e a variedade temática (social, orgânica, psicológica) para promover atos de liberdade dos espectadores sobre a obra que chama à participação” (PLAZA, 2003, p. 15). Entende-se aqui, que o objeto artístico proposto não se modifica enquanto objeto, mas seu objetivo e sentido se completam com a participação ativa do público. Como diria Sogabe (2011, p. 65) “a obra já existe fisicamente, e o público vai vivenciá-la”. Sendo assim, pode-se dizer que o espectador tangencia a obra para mudar sua configuração e fazer o sentido, como pode-se observar na Figura 19. Figura 19 – corpo do público na obra – participação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. 1.1.1.4 Arte interativa A Arte interativa se diferencia das anteriores por só se configurar como obra artística a partir da integração do público com o objeto ou espaço. O interator é parte da obra. Ou seja, a obra existe apenas como potencial e, para se configurar, necessita da atuação do sujeito. Como diz Leote (2015, p. 127-128): Há processos de ação e significação implícitos na estrutura da obra, sem o que ela deixa de existir como obra artística. Ou seja, ela é uma estrutura com potencial de atualização em obra artística, mas essa atualização depende do interator, que passa a ser considerado elemento formante da obra em si. 53 O “potencial para atualização em obra” acontece porque a Arte interativa está diretamente relacionada à tecnologia digital “que possibilita a virtualidade das informações que se atualizam somente no contato com o público” (SOGABE: 2011, p. 65). Para Plaza (2003), a abertura é de terceiro grau, pois este tipo de Arte é de ordem digital, tecnológica e, por isso, possibilita a interação. Por exemplo, a obra “Diorama Table” (Figura 20), obra de Keiko Takahashi57 & Shinji Sasada58, mesa que possibilita a interação entre objetos físicos e imagens digitais. Quando o interator apoia itens na mesa, surgem desenhos ao redor dos objetos reais, criando a composição visual. Interessante notar que algumas interações específicas geram imagens também específicas, como o fio fechado em círculo, que cria um “lago” com patos que voam quando o cordão é retirado. Se uma bala é colocada na superfície, um cachorro aparece para comer o doce, o que demonstra a interação entre os objetos reais e a imagem. 57 Keiko Takahashi é uma artista japonesa, formada pela Faculdade de Belas Artes da Mulher (Tóquio, Japão). Pesquisa e atua na área de Arte mídia e realidade virtual. Fonte: www.isea-archives.org. Acesso em 24/1/2021. 58 Shinji Sasada é artista e programador japonês. Junto com Keiko Takahashi, Pesquisa e atua na área de Arte mídia e realidade virtual. Possui uma menção honrosa no Ars Electronica de 2001. Fonte: www.isea-archives.org. Acesso em 24/1/2021. 54 Figura 20 – “Diorama Table” (2010), de Keiko Takahashi e Shinji Sasada. Fonte da imagem: FILE.org59 Outra modalidade de Arte interativa são as instalações, que utilizam uma estrutura mais complexa, onde todo o ambiente é preparado para a interação com o público. Ou seja, “a obra passa a ser o ambiente todo, e o corpo do observador é integrado de vez na obra, a qual vai adquirindo uma capacidade cada vez maior de adaptação às atitudes do observador” (SOGABE, 2007, p. 1587). Segundo Leote, sobre o espaço expositivo necessário para esse tipo de obra e sobre a qualidade da interação com o público (2015, p. 141-142): A diferença no modo de relacionar-se com a obra se dá, não só pela dimensão e fisicalidade, mas também pela natureza do ambiente de experimentação. Esses elementos em conjunto, adicionados à propensão, à imersão na experiência trazida pelo espectador/usuário/interator, determinam modelos diversos de expectação e 59 https://file.org.br/artist/keiko-takahashi-shinji-sasada/?lang=pt. Acesso em 24/1/2021. 55 interação. Assim, cada momento de fruição é circunstancial, específico da situação vivenciada. A estrutura de uma instalação interativa, de modo geral, pode ser entendida como um ambiente onde ocorre a interação entre interator e obra por meio de uma interface e de dispositivos tecnológicos que possibilitam a entrada e saída das informações. Como descreve Sogabe (2011, p. 62), o público, ao entrar no espaço expositivo, encontra um evento (que pode ser um som, uma imagem ou ainda, apenas o espaço aparentemente vazio). A presença do indivíduo, ou alguma ação dele como andar ou falar, altera o ambiente. A alteração é captada por sensores, que encaminham a informação a uma central de gerenciamento. Os sinais são processados, modificados e devolvidos ao ambiente, onde o interator recebe as novas informações. O esquema abaixo exemplifica o fluxo das informações. Figura 21 – Esquema estrutural de instalações interativas. Fonte: SOGABE, 2011, p. 62. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. Exemplo de instalação interativa é a obra “Metacampo”60 (Figura 22), do SCIArts – Equipe Interdisciplinar, que apresenta a metáfora de um campo de trigo, formado por hastes de PVC brancos colocados em um ambiente cercado de espelhos, como mostra a Figura 23. Quando o interator entra no espaço, um ventilador localizado acima do campo é acionado e produz o movimento das hastes. A direção do ar é 60 Exposição Emoção Art.ficial 5.0 – Itaú Cultural, 2010; SenacSP – Unidade Lapa, 2014; 10º Simpósio de Arte Contemporânea (homenagem ao SCIArts); 24º Encontro Nacional da ANPAP – UFSM (Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul), 2015, Exposição Singularidades MediaLab/UFG (Universidade Federal de Goiás) (comemoração de 20 anos do grupo SCIArts). 56 determinada pela direção do vento do lado de fora da exposição, captada por uma veleta localizada no telhado do prédio (Figura 24). Na montagem de 2006, foram colocados também LEDs61 na área, que mudavam de cor conforme o movimento de público: muito movimento tende a cores quentes, pouco movimento gera cores mais frias. Figura 22 – “Metacampo” (2010 – 2016), SCIArts – visão geral. Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 6-7. 61 LED (light-emitting diode), é um dispositivo emissor de luz principalmente utilizado como sinalização de dispositivos eletrônicos como radio-relógios. 57 Figura 23 – esquema da instalação interativa “Metacampo” (2010 – 2016). Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 9. Figura 24 – “Metacampo”, SCIArts – Detalhes das hastes, da veleta no telhado e do ventilador. Fonte da imagem: SCIArts, 2019, p. 6-9. Como visto, a Arte interativa depende do interator para existir como obra, como pode-se ver na Figura 25. Vale considerar que, como visto anteriormente, a interação 58 precisa do sujeito que visita o espaço expositivo para existir e, por isso, a qualidade interativa vai depender da imersão a qual o indivíduo está disposto a vivenciar. A relação entre ele e a obra depende do seu repertório, suas experiências anteriores e seu modo de atuar no mundo (LEOTE: 2015, p. 102) Figura 25 – corpo do público na obra – interação. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. 1.1.1.5 Outras possibilidades Não seria possível abarcar todas as possibilidades de relação entre o fruidor e a obra artística apenas com as quatro categorias62, pois cada composição artista/obra/público é única e reserva perspectivas particulares. Propõe-se aqui refletir acerca de outros contextos e proposições. Na Arte participativa, por exemplo, também deve-se levar em conta situações em que o propositor e a obra são uma coisa só. O artista é o objeto artístico, no teatro, na dança e nas performances, por exemplo (Figura 26). Figura 26 – artista é a obra – performance, teatro, dança. Fonte: SOGABE, 2007, p. 1583. Ilustração adaptada a partir dos esquemas visuais do autor. 62 Arte figurativa, obra aberta, Arte participativa e Arte interativa, conforme visto anteriormente. 59 “Eu sou a obra de Arte. Não posso enviar um quadro, então eu mesma vou”63, declarou a performer Marina Abramovic64 em entrevista para o jornal alemão Tagesspiegel65 (traduzida para o inglês pela ArtNet66), o que deixa clara a importância da figura do artista estar presente neste tipo de Arte. Aliás, umas das performances mais conhecidas de Abramovic é “The Artist is Present” (“A Artista está Presente”), apresentada em 2010 no MoMA67 (Figura 27, Figura 28 e Figura 29). Sentada em silêncio, em frente a uma mesa de madeira e uma cadeira vazia, a artista esperava que os visitantes se sentassem e a olhassem. Abramovic se dispôs a permanecer no espaço por três meses, durante 8 horas todos os dias, e os organizadores da exposição ficaram preocupados que poucos se envolvessem. Ao contrário do imaginado, as pessoas fizeram longas filas para ter a chance de alguns momentos olhando para ela: mais de mil visitantes68 se sentaram na cadeira vazia. Ao refletir sobre a performance e as razões para tantas pessoas predispostas a participarem, Abramovic justifica ser a necessidade do ser humano realmente ter contato com outros e com si mesmo: Somos alienados uns dos outros, a sociedade nos torna tão distantes. [...] E o que acontece lá? Eu olho para você, você é fotografado, filmado, observado por todos. Então, não tem para onde ir além para dentro de si mesmo. E é no momento que realmente se está em si mesmo, este momento cercado de emoções, com tantos sentimentos… é neste momento que as pessoas choram e esta experiência se transforma em algo tão importante na vida delas. Não fazemos isso na nossa casa porque fazemos tudo pra cortar essa relação conosco mesmos, mas aqui eu fiz um palco para o público, onde eles podem realmente fazer isso. (ZEC, 2016)69 63 “I am the artwork. I can’t send a painting, so I send myself”. Tradução e interpretação próprias. Disponível em: https://news.artnet.com/art-world/marina-abramovic-says-children-hold-back-female- artists-575150. Acesso em 18/3/2021. 64 Marina Abramovic é uma artista da Sérvia, residente em Amsterdã e Paris desde 1975. Estudou na Academia de Belas Artes de Belgrado (1965-1970) e é considerada expoente da Body Art e da performance. Conhecida por se colocar em situações extremas de estresse e exaustão. Segundo o The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century (p. 7), ela rejeita radicalmente qualquer forma de Arte que não responda às necessidades da sociedade. 65 https://www.tagesspiegel.de/. Acesso em 24/9/2019. 66 https://news.artnet.com/. Acesso em 24/9/2019. 67 MoMA (Museum of Modern Art), Nova York. 68 Número de pessoas de acordo com o MoMA. Disponível em: https://www.moma.org/learn/moma_learning/marina-abramovic-marina-abramovic-the-artist-is- present-2010/. Acesso em 18/3/2021. 69 Transcrição e tradução próprias. 60 Figura 27 – “The Artist is Present” (2012)70, performance de Marina Abramovic. MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). Figura 28 – “The Artist is Present” (2012)71, performance de Marina Abramovic . MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). 70 https://vimeo.com/72711715. Acesso em 24/1/2021. 71 https://vimeo.com/72711715. Acesso em 24/1/2021. 61 Figura 29 – imagens da performance “The Artist is Present” (2012)72, de Marina Abramovic – detalhe da artista e plano geral. MoMA (The Museum of Modern Art, Nova York, EUA), 2012. Fonte da imagem: ZEC, 2016 – vídeo no canal do Vimeo MAI (Marina Abramovic Institute). Para além da performance, pode-se considerar as que a performance interativa também não se enquadra nas relações público/obra já discutidas. Aqui, o artista é a obra, que se completa com a participação do interator. É fusão entre artista/obra/público que pode ser observada em “Epizoo”73 (Figura 30), de Marcel.lí Antúnez Roca74. Nela, o artista veste uma espécie de exoesqueleto que permite ao público interferir em seu corpo75. Os visitantes utilizam um mouse que ativa uma série de mecanismos pneumáticos76 que mexem partes do corpo do artista (nariz, nádegas, peitorais, boca e orelhas), que fica de pé em uma plataforma durante 25 minutos. O usuário também controla, por meio de um aplicativo, a iluminação, as imagens e os sons do ambiente77, que complementam a projeção da imagem de Antúnez, manipulada por computador para ampliar o efeito da ação dos mecanismos. Logo, a 72 https://vimeo.com/72711715. Acesso em 24/1/2021. 73 A performance “Epizoo” foi apresentada a primeira vez em 1994. Desde então, foi vista em mais de 50 países incluindo o Brasil, onde foi exibida no FILE (Festival Internacional de Linguagens Eletrônicas) em 2006. 74 Marcel.lí Antúnez Roca é um artista espanhol reconhecido principalmente por utilizar tecnologia digital e mecatrônica em suas performances. 75 “Epizoo” também é Body Art. “O objetivo da Body Art é criar processos, fornecer ações ou intervenções no corpo do próprio artista. Costuma ser realizada para revelar as condições da existência e do comportamento humano. […] A Body Art também pode envolver feridas e lacerações no corpo do artista.” (The Prestel Dictionary of Art and Artists in 20th century, p. 53) – tradução própria. 76 Pneumático é relativo aos sistemas mecânicos que funcionam por ar comprimido. 77 Todo o ambiente colabora para a visualização da performance, logo, “Epizoo” também é uma instalação interativa. 62 obra só existe com a ação do público sobre os mecanismos que atuam no corpo do artista configurando, assim, uma performance interativa. Figura 30 – “Epizoo” (1994), de Marcel·lí Antúnez – performance interativa. Fotos: François Olivier e Carles Rodriguez. Fonte das imagens: site do artista78. Outro caso que não se enquadra nas definições anteriores é a obra “GFP Bunny”, de Eduardo Kac79 (Figura 31). Trata-se de um trabalho de “Arte 78 http://www.marceliantunez.com/work/epizoo/images/. Acesso em 24/1/2021. 79 Eduardo Kac é um artista e docente brasileiro conhecido principalmente por sua atuação em da Arte digital e Arte transgênica. É doutor pela Universidade de Wales (Reino Unido) e mestre em Artes plásticas pela The School of the Art Institute of Chicago. Já teve obras no MoMA e realizou exposições individuais no MIS (Museu da Imagem e do Som, em São Paulo) e na FunArte (Rio de Janeiro). 63 transgênica”80, cujo resultado é a criação de uma coelha, chamada Alba81, de cor verde fluorescente. Figura 31 – “GFP Bunny”82 (2000), de Eduardo Kac. Fonte da imagem: KAC, 2003, p. 36. Sobre Alba, Kac afirma que ela é uma coelha albina, sem pigmentação na pele e que, mesmo após o procedimento, ela não é verde o tempo todo: Ela somente reluz quando é iluminada por uma luz específica. Quando (e somente quando) iluminada com luz azul [...], ela reluz com uma luz verde brilhante [...]. Ela foi criada com EGFP, uma versão aprimorada (isto é, uma mutação sintética) do gene verde fluorescente do tipo selvagem original encontrado na água-viva Aequorea Victoria. (KAC, 2003, p. 37) Segundo o artista, entre as principais preocupações da obra estão: estabelecer diálogo entre profissionais de diversas áreas, como Arte, ciência, filosofia etc.; entender que um ser vivo é fruto da relação entre genética, organismo e meio 80 Segundo Kac (2003, p. 36) ao descrever “GFP Bunny”, a “Arte transgênica” pode ser considerada “uma nova forma de Arte decorrente do uso de engenharia genética na transferência de genes naturais ou sintéticos para um organismo com o objetivo de criar seres vivos únicos”. 81 Alba morreu em novembro de 2012, aos dois anos e meio (segundo Kac), antes que o artista conseguisse levá-la para casa e mantê-la como animal de estimação como fase final de seu projeto (PHILIPKOSKI, 2012, s.p.). A causa da morte não foi divulgada. 82 Em “GFP Bunny”, a coelha Alba foi apresentada pela primeira em Avignon, França, em 2000. 64 ambiente e ampliar a concepção de biodiversidade e evolução. Será a obra a coelha? Ou o processo para criá-la? Ou ainda a aceitação dela na sociedade? Conforme considerado anteriormente, assim como essas três obras não se enquadram como Arte figurativa, participativa, aberta ou interativa, existem inúmeras outras que também não condizem com a classificação. As categorias propostas são apenas para ajudar a compreender as relações entre obra e público, e não têm por objetivo dar conta de todas as perspectivas possíveis, visto que tais relações não são o objeto principal desta tese. 1.1.2 Artista/Público A relação entre artista e público pode ser entendida, primeiramente, como uma forma de comunicação no modelo emissor – mensagem – receptor, onde o artista é o emissor, a obra é a mensagem e o público é o receptor. Porém, como a proposta é observar a relação direta, considera-se a relação como intersubjetiva, ou seja, entre o sujeito (indivíduo único) artista e o sujeito público. Para David Hume83 (apud COUCHOT, 2018, p. 230), a comunicação intersubjetiva permite que um indivíduo partilhe do sofrimento ou da alegria de outro através da empatia84. 83 David Hume (1711 – 1776) foi um filósofo e britânico, autor do livro Tratado da Natureza Humana, entre outros. 84 Couchot considera que a ideia de empatia, empregada para estudos sobre Arte, surgiu no século XVIII sob a palavra “simpatia”. Mais adiante (COUCHOT, 2018, p. 238), o autor diferencia os termos ao 65 A ideia de empatia como conexão entre artista e público, segundo Argan (2010), foi abordada pelas teorias da Arte na segunda metade do século XX com a concepção de Einfühlung, cuja tradução literal do alemão é exatamente “empatia”. Num primeiro momento, Einfühlung presume que a Arte é “a expressão do sentimento da realidade através de formas simbólicas extraídas da própria realidade (por exemplo, vertical = aspiração à transcendência, elevação; horizontal = efusão, expansão).” (ARGAN, 2010, p. 169) Couchot (2018) discute a concepção de Einfühlung à luz de teóricos que estudaram a noção de empatia. Para Theodor Lipps85, por exemplo, toda fruição estética é baseada no conceito do termo alemão que “permite que nos identifiquemos com o outro, que sintamos suas sensações e que nos coloquemos no lugar dele, que tenhamos consciência de suas intenções e consigamos prever seu comportamento” (COUCHOT, 2018, p. 232). A empatia também é assunto abordado por António Damásio (2011, p. 136). Ele afirma que o processo humano de fazer representações mentais86 do estado do próprio corpo possibilita a capacidade de simular os estados corporais em outras pessoas e, também, atribuir significado a eles. O autor completa: “O conjunto de fenômenos denotado pelo termo “empatia” deve muito a esse processo (DAMÁSIO, 2011, p. 136). Como define Zuanon (2019, p. 547) A Neurociência explica o sentimento de empatia como uma capacidade intrínseca aos mecanismos da consciência e da memória. Nos seres humanos, tais mecanismos mostram-se altamente sofisticados e, no caso do sentimento de empatia, ambos articulam-se para a simulação dos estados de outro corpo em regiões somatossensitivas87 do cérebro “simulador” [...]88. explicar que, enquanto na empatia nos colocamos no lugar do outro, “[...] a simpatia nos faria sentir as emoções do outro, nos levaria a compartilhar sua alegria ou sofrimento sem que nos colocássemos em seu lugar.” 85 Theodo