UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) CAROLINA FRANCO ESTEVES INFLUÊNCIA ANTRÓPICA NA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA COMUNIDADE DE MAMÍFEROS NO PARQUE ESTADUAL DA ILHA ANCHIETA, SP Rio Claro – SP 2010 CAROLINA FRANCO ESTEVES INFLUÊNCIA ANTRÓPICA NA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA COMUNIDADE DE MAMÍFEROS NO PARQUE ESTADUAL DA ILHA ANCHIETA, SP Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia). Orientador: Prof. Dr. Silvio Frosini de Barros Ferraz Rio Claro – SP 2010 Dedico este trabalho ao meu saudoso avô Mario Esteves, o verdadeiro Professor Pardal, inventor de grandes idéias e de feitos memoráveis, quem me inspirou imensamente... ...e também dedico à minha querida cunhada Marina Tezini Crocco, que passou por nossas vidas e nos deixou ensinamentos e reflexões sobre o significado da vida. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao Prof. Dr. Silvio Frosini de Barros Ferraz pela orientação e oportunidade de trabalharmos juntos, mesmo não sendo da área de mastozoologia, pude aprender muito sobre SIG e planejamento da conservação; Ao Prof. Dr. Mauro Galetti Rodrigues e à Profa. Dra. Katia M. P. M. B. Ferraz, que me auxiliaram no desenvolvimento deste trabalho, principalmente na parte do delineamento e das discussões; Ao Departamento de Ecologia da UNESP – Rio Claro, pelo apoio concedido, em especial à Marilene, à Elizabeth (Bete), ao Carlos e Sérgio, dois eternos companheiros de viagem de campo; Ao Instituto Florestal do Estado de São Paulo- IF, ao permitir que este estudo fosse realizado na Ilha Anchieta; À administração e funcionários do Parque Estadual da Ilha Anchieta (PEIA) e à Viviane Buchianeri (diretora na época) pelo apoio ao estudo e suporte logístico, principalmente nos lugares mais remotos da Ilha, o qual foi fundamental para seu desenvolvimento; Aos amigos do PEIA, Mara, Nan, Dezinha, Naty, Lalinha, Nélio, Carpi e Vitório, aos vigilantes protetores Fino, Paulo, Renê, Alê, Zico (eterno contador de causos), Hércules, em especial ao Carlinhos e Val (que me ajudaram no trabalho de campo), ao Betum e Seu Joel (parceiros da praia do Sul), que me resgatavam quando preciso nos confins da Ilha, e sempre ofereciam comida e bebida de qualidade; Às queridas amigas Thaís e Rosana, companheiras de Ilha e de sempre, pela ajuda no campo, pela amizade e pela ótima companhia em muitos momentos; Aos „Filhos da Ilha‟ e ao tenente Samuel, pelos momentos maravilhosos e por manter viva a história deste lugar lindo, em especial à Dio, sobrevivente da rebelião, mulher forte e companheira das longas noites na Ilha; Ao Paulo Cicchi, pelas discussões positivas, sempre em prol da Ilha e pela amizade; Aos queridos ajudantes de campo Layon, Giovana, Beraba e Henrique (Labic) e à minha estagiária Livia, dispostos a me ajudar; Ao meu amigo B-nito (Felipe), a quem devo eterna gratidão pela ajuda em muitos momentos, nas discussões do trabalho, e principalmente na parte de estatística, por ter me ensinado que não é um bicho de sete cabeças; Ao Prof. Dr. Hilton Thadeu Z. do Couto (ESALQ-USP) pela grande ajuda no delineamento amostral e análise estatística e à Profa. Dra. Fernanda Michalski (UNIFAP) pelas sugestões nas análises dos resultados e discussões do trabalho; À querida amiga Claudia B. Campos, pela amizade cultivada há 8 anos, perto ou distante, com quem aprendi muito sobre como ser uma profissional na área de Biologia e sempre me deu oportunidades para crescer ainda mais naquilo que gostamos de fazer; Ao Leandro B. Aranha, por ter cedido o mapa de uso/cobertura do solo do PEIA e ao Fábio Cop com ajudas na parte de estatística; Ao meu querido amigo Tiago Bin pela amizade e companhia de todas as horas (cafezinhos e noitadas em Rio Claro), pelos aniversários e gargalhadas compartilhadas; Ao grupo do LaBiC da UNESP, sempre de portas abertas, pelo empréstimo de material e pela oportunidade de participar dos cursos e discussões; Ao Jefferson L. Polizel da ESALQ/USP por ter me socorrido sempre quando precisava trabalhar com o programa ArcGis; Ao meu amigo de longa data, professor e geógrafo David Valio, popularmente conhecido como Zeca, pelo diagrama de pluviosidade e temperatura do PEIA e à FUNCATE por disponibilizar os dados para confecção do diagrama; À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão das bolsas de mestrado (Proc. 2008/01866-3) e de auxílio à pesquisa (Proc. 2008/03724-1); Agradeço principalmente à minha família pelo apoio em todas as minhas decisões, aos meus pais Paula e Edgar por acreditarem sempre em mim e pela leitura e sugestões do trabalho e ao meu irmão Rodrigo, que sempre tentou entender o que (e por que) eu faço; Ao meu querido Fábio, companheiro e amigo em todos os momentos, principalmente os difíceis, pela paciência e sabedoria em lidar com minha ansiedade e mau-humor; À Ilha Anchieta, lugar maravilhoso, palco de muitas histórias, por fornecer um laboratório a céu aberto aos pesquisadores loucos por responder perguntas; A todos aqueles que não mencionei aqui (me desculpem) e que de algum modo me ajudaram a finalizar mais uma etapa da minha vida, obrigada! Não há frases feitas a serem ditas... ... a gaiola se abriu. RESUMO As conseqüências das atividades humanas nas populações de vertebrados são questões importantes, com efeitos diretos na conservação das espécies. Mapear as áreas de maior acesso humano e seu efeito potencial para a vida selvagem deve ser considerado como estratégia de manejo em áreas protegidas. O crescimento do ecoturismo no Brasil tem atraído turistas para as áreas protegidas, mas estes parques estão pouco preparados para atender a demanda conciliando recreação e conservação. As áreas protegidas em regiões tropicais são consideradas importantes refúgios de habitat natural para muitas espécies e ainda assim sofrem constante ação depredatória. É essencial, portanto, entender como as atividades humanas afetam a vida silvestre nestes locais. Neste estudo, a influência da presença humana sobre a ocorrência e abundância dos mamíferos na Ilha Anchieta foi analisada por meio do conceito de acessibilidade humana. Este trabalho visou mapear a acessibilidade na Ilha Anchieta para fins de zoneamento e manejo e também analisar a influência humana e das variáveis ambientais na distribuição e abundância dos mamíferos de médio e grande porte. De fevereiro a outubro de 2009 foram coletados dados de ocorrência dos mamíferos da Ilha Anchieta por transectos lineares (avistamentos e vestígios) e por armadilhas fotográficas em quatro estratos amostrais: Floresta Estágio Intermediário com Acesso Fácil (EIF), Floresta Estágio Intermediário com Acesso Difícil (EID), Floresta Estágio Avançado com Acesso Fácil (EAF), Floresta Estágio Avançado com Acesso Difícil (EAD). Foram registradas 623 ocorrências de oito espécies de mamíferos de médio e grande porte, nos quatro estratos amostrados na Ilha Anchieta considerando as duas metodologias, transectos (n=355) e armadilhas fotográficas (n=268). Do total de registros, a cutia (Dasyprocta spp.) obteve a maior freqüência relativa de ocorrência (46,9%), seguida pelo tatu-galinha (Dasypus novemcinctus) (19,3%). Com base nos mapas relativos à estrutura da paisagem e à presença humana, foram avaliadas as influências destes fatores na distribuição e abundância das espécies. A acessibilidade calculada correlacionou-se com o tempo de deslocamento no campo e também com a compactação do solo observados, no entanto, a análise de variância testada revelou que não houve diferença significativa de riqueza de espécies entre os estratos amostrais: câmeras (F=0,60, p>0,05) e trilhas (F=0,11, p>0,05). Também não há padrão de distribuição de espécies na Ilha Anchieta. Modelos de regressão GLM foram realizados para analisar a influência de variáveis ambientais e da acessibilidade na distribuição e abundância das espécies de mamíferos. As análises de regressão logística e linear múltipla mostraram que diversidade da paisagem e declividade foram duas das variáveis mais importantes sobre a abundância e ocorrência dos mamíferos de médio e grande porte, respectivamente. Para algumas espécies os modelos foram significativos com mais de uma variável preditora, como no caso da abundância de cutia detectada nas armadilhas fotográficas, influenciada diretamente pela diversidade da paisagem e uso/cobertura do solo. Embora não tenha sido observada relação entre acessibilidade e riqueza de espécies na Ilha, os resultados poderão ser úteis na implementação de estratégias de conservação ambiental, bem como a metodologia poderá ser aplicada em outras Unidades de Conservação do Brasil. Palavras-chave: Acessibilidade. Ilha Anchieta. Mamíferos. Manejo de Unidades de Conservação. Paisagem. ABSTRACT The consequences of human activity in vertebrate populations are important issues with direct effects in species conservation. Mapping areas of greater human access and its potential effect to wildlife needs to be considered as strategy for management in protected areas. The growth of ecotourism in Brazil has attracted tourists for protected areas but these public parks are roughly prepared to attend the demand conciliating recreation and conservation goals. Protected areas in tropical regions are considered ultimate refugees of natural habitat for many species but they have been suffering human impact. Therefore it is essential to understand how human activities affect wildlife in these areas. In this study, the influence of human presence on the occurrence and abundance of mammals at Anchieta Island was analyzed by using the concept of human accessibility. This study aimed to map the accessibility of Anchieta Island for purposes of zoning and management and also examine the influence of human and environmental variables on the distribution and abundance of medium and large- sized mammals. From February to October 2009 mammal occurrence data were collected at Anchieta Island using line transect (sightings or traces) and camera traps in four sampling strata: Intermediate Stage Forest with Easy Access (EIF), Intermediate Stage Forest with Difficult Access (EID), Advanced Stage Forest with Easy Access (EAF), Advanced Stage Forest with Difficult Access (EAD). 623 occurrences of eight mammalian species were recorded in the four strata sampled at Anchieta Island considering both methodologies, line transects (n = 355) and camera traps (n = 268). According to the records, the agouti (Dasyprocta spp.) had the highest relative frequency of occurrence (46.9%), followed by the armadillo (Dasypus novemcinctus) (19.3%). Based on the maps of landscape structure and human presence, the influence of these predictors on the distribution and abundance of species was evaluated. Accessibility was correlated with estimated travel time on the field and also with soil compaction. Conversely analysis of variance tested revealed no significant difference in species richness among the sampling strata: camera traps (F = 0.60, p> 0.05) and linear transect (F = 0.11, p> 0.05). There is also no pattern of species distribution at Anchieta Island. GLM regression models were conducted to examine the influence of environmental variables and accessibility in the distribution and abundance of mammal species. Logistic and multiple linear regressions showed that landscape diversity and slope were two of the most important variables on the occurrence and abundance of medium and large-sized mammals respectively. For some species the models were significant considering more than one predictor variable, as in the abundance of agouti detected in camera traps which is directly influenced by landscape diversity and land use/cover. Although there was no relationship between species richness and accessibility in the Island, the results may be useful for implementing conservation strategies, as well as the methodology can be applied in other Conservation Units in Brazil. Keywords: Accessibility. Anchieta Island. Mammals. Management of Protected Areas. Landscape. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Rede de ligação entre as ameaças e os atributos da área natural protegida. Cada ameaça mostrada possui impacto em diferentes atributos e cada atributo é afetado por várias ameaças (adaptado de COLE; LANDRES, 1996). ..................................................................................... 19 Figura 2 - Potenciais respostas da vida silvestre frente aos impactos das atividades turísticas em áreas protegidas (KNIGHT; COLE, 1995b). ........................................................................................ 28 Figura 3 - Fluxo de dados no processo do Sistema de Informação Geográfica para tomada de decisões (adaptado de DAVIS et al., 1991). ............................................................................................... 34 Figura 4 - Exemplo esquemático mostrando a criação do arquivo raster de resistência que é utilizado no modelo da distância-custo no programa ArcGIS 9.x (adaptado de ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2006). Neste exemplo, os mapas de declividade e uso do solo foram considerados como fatores que influenciam o custo de movimento na paisagem. Como estes mapas estão em sistemas de unidades diferentes (tipo de uso do solo e percentagem de declividade), eles não podem ser comparados entre si e devem ser reclassificados em uma escala comum (neste exemplo, escala de 1 a 10). O próximo passo consiste em unir estes dois mapas de resistência em um só, mas é necessário ponderar a importância de cada um. No exemplo, consideramos que evitar terreno declivoso é mais importante que o tipo de uso do solo. Por este motivo multiplicamos pesos proporcionais a cada mapa. O arquivo final de resistência é a soma dos mapas de resistência ponderados. .............................................................................. 38 Figura 5 - Exemplo esquemático mostrando a criação do modelo final da superfície de custo no programa ArcGIS 9.x (adaptado de ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2006). Esta função do algoritmo requer um arquivo de resistência e um dos pontos de origem do movimento. Este último pode conter zonas múltiplas, conectadas ou não. Todas as células deste arquivo com algum valor (inclusive zero) são processadas como células fonte e as outras devem ser designadas como sem valor. Neste exemplo, o tamanho da célula (resolução) considerado é 10 m. ............................................................................................................................................ 40 Figura 6 - Seqüência de fatores considerada na análise da distribuição de espécies (KREBS, 2001). . 44 Figura 7 - Diferença entre distância Euclidiana e distância efetiva, esta última leva em consideração dificuldades do terreno (e.g. declividade) e facilidades de acesso (e.g. trilhas). (Fonte: elaborado pelo autor). .................................................................................................................................. 46 Figura 8 - Síntese da relação entre as características de ambientes insulares e seus efeitos na biota (adaptado de MacARTHUR; WILSON,1967). ............................................................................ 50 Figura 9 - Localização da Ilha Anchieta, município de Ubatuba, Estado de São Paulo, Brasil. Coordenadas em UTM, Datum Córrego Alegre, zona 23 S. (Fonte: elaborado pelo autor). ........ 67 Figura 10 - Zoneamento da Ilha Anchieta, SP, especificando as quatro zonas adotadas pelo Plano de Manejo do PEIA (GUILLAUMON et al., 1989). ........................................................................ 69 Figura 11 - Climograma mostrando a variação da precipitação e das temperaturas médias mensais entre janeiro e fevereiro de 2009, na Ilha Anchieta, SP, Brasil (Fonte: FUNCATE - Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais). .............................................................................. 71 Figura 12 - Classificação do uso/cobertura do solo da Ilha Anchieta-SP, Brasil (Fonte: ARANHA, L. B., em fase de elaboração). ......................................................................................................... 73 Figura 13 - Mapa de declividade extraído do Modelo Digital de Terreno (MDT) da Ilha Anchieta, SP, Brasil. (Fonte: elaborado pelo autor). .......................................................................................... 77 Figura 14 - Modelo esquemático mostrando as distâncias consideradas no modelo de influência antrópica (acessibilidade) na Ilha Anchieta-SP, Brasil. (Fonte: elaborado pelo autor)................. 78 Figura 15 - Procedimentos no SIG para obtenção do modelo de influência antrópica (acessibilidade) na Ilha Anchieta, SP, com passos de 1 a 7 detalhados no texto. (Fonte: elaborado pelo autor). ... 78 Figura 16 - Modelo esquemático mostrando o funcionamento da ferramenta "Euclidean allocation" do ArcGIS 9.x (adaptado de ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2006). (Distância euclidiana = calcula, para cada célula, a distância euclidiana da célula fonte mais próxima; direção euclidiana = calcula, para cada célula, a direção em graus, da célula fonte mais próxima (varia de 0 a 360 o , sendo 0 o valor da célula fonte)). ....................................................... 80 Figura 17 - Modelo final de acessibilidade da Ilha Anchieta, SP, baseado na distância-custo, com valores que variam de 2 (acesso mais fácil) a 16 (acesso mais difícil). (Fonte: elaborado pelo autor). .......................................................................................................................................... 84 Figura 18 - Zoneamento da Ilha Anchieta, SP, classificado em sete zonas de acessibilidade, detalhando a área de edificação (antigo presídio) e as trilhas do PEIA. (Fonte: elaborado pelo autor). .......................................................................................................................................... 84 Figura 19 - Vestígio de caça (giral) encontrado no alto de uma árvore, dentro da zona 1 da Ilha Anchieta, SP. (Foto: Carolina F. Esteves). ................................................................................... 88 Figura 20 - Barraco abandonado de antigo pescador da Ilha Anchieta, SP, próximo à praia do Sul. (Foto: Carolina F. Esteves). ......................................................................................................... 88 Figura 21 - Vestígios de caça encontrados (pregos nas árvores e restos de colchão no chão) dentro da zona 3 da Ilha Anchieta, SP. (Foto: Carolina F. Esteves). ........................................................... 88 Figura 22 - Relação entre a distância-custo (modelo de acessibilidade) e o tempo real de percurso gasto para se chegar, a partir da área de entrada dos turistas, aos pontos localizados na Ilha Anchieta, SP. ............................................................................................................................... 89 Figura 23 - Gráficos box-plot para as medidas de compactação nos quatro níveis de acessibilidade (classes C1 a C4, do acesso mais fácil ao mais difícil, respectivamente), ilustrado nas profundidades de (a) 10 cm e (b) 20 cm. ..................................................................................... 90 Figura 24 - Classes de NDVI gerado a partir da imagem de satélite QuickBird 2 da Ilha Anchieta, SP, com valores que variam de -1 a 1. (Fonte: elaborado pelo autor)............................................... 109 Figura 25 - Variáveis físicas da paisagem da Ilha Anchieta, SP: (a) índice de diversidade (Simpson) da paisagem; (b) gradiente de distância da faixa litorânea; (c) aspecto; (d) gradiente de distância dos cursos d‟água. (Fonte: elaborado pelo autor). ...................................................................... 111 Figura 26 - Modelo esquemático mostrando os passos seguidos para a obtenção do mapa final dos estratos amostrais da Ilha Anchieta, SP: mapa final de acessibilidade (a); mapa de acessibilidade reclassificado em duas classes (b); mapa de uso/cobertura do solo (c); mapa de uso/cobertura do solo reclassificado em três classes (d); mapa preliminar com seis estratos amostrais (e); mapa final com quatro estratos amostrais (f). (Fonte: elaborado pelo autor). ...................................... 113 Figura 27 - Delineamento amostral com quatro estratos, as trilhas pré-existentes do Parque Estadual da Ilha Anchieta, SP, e as trilhas demarcadas para este estudo. (Fonte: elaborado pelo autor). . 114 Figura 28 - Armadilha fotográfica instalada na trilha EAF01 na Ilha Anchieta, SP, para registros de mamíferos de médio e grande porte. (Foto: Carolina F. Esteves). ............................................. 117 Figura 29 - Registros de vestígios de (a) capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) (sinais de forrageio); (b) cutia (Dasyprocta spp.) (fezes e rastros); (c) tatu-galinha (Dasypus novemcinctus) (fuçado); (d) quati (Nasua nasua) (marcas em árvore) e (e) gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita) (fezes), obtidos na Ilha Anchieta, SP. (Fotos: Carolina F. Esteves) ........................................... 125 Figura 30 - Distribuição das armadilhas fotográficas instaladas e das armadilhas com registro de espécies de mamíferos de médio e grande porte nos estratos amostrais na Ilha Anchieta, SP. ((a) gambá-de-orelha-preta (D. aurita); (b) paca (C. paca); (c) capivara (H. hydrochaeris); (d) cutia (Dasyprocta spp.); (e) quati (N. nasua) e (f) tatu-galinha (D. novemcinctus)). (Fotos: Carolina F. Esteves). .................................................................................................................................... 127 Figura 31 - Proporção de ocorrências dos mamíferos em cada estrato amostral na Ilha Anchieta, SP. (EID = estrato Floresta Estágio Intermediário com Acesso Difícil; EIF = estrato Floresta Estágio Intermediário com Acesso Fácil; EAD = estrato Floresta Estágio Avançado com Acesso Difícil; EAF = estrato Floresta Estágio Avançado com Acesso Fácil). .................................................. 129 Figura 32 - Percentagem de ocorrência dos mamíferos de médio e grande porte nos estratos amostrais registrados na Ilha Anchieta, SP, durante o período de outubro de 2008 e fevereiro a outubro de 2009. (EID = estrato Floresta Estágio Intermediário com Acesso Difícil; EIF = estrato Floresta Estágio Intermediário com Acesso Fácil; EAD = estrato Floresta Estágio Avançado com Acesso Difícil; EAF = estrato Floresta Estágio Avançado com Acesso Fácil). ...................................... 130 Figura 33 - Distribuição espacial das oito espécies registradas neste estudo na Ilha Anchieta, SP: (a) H. hydrochaeris, Dasyprocta spp. e C. paca; (b) C. penicillata e C. apella; (c) N. nasua, D. novemcinctus e D. aurita. (Fonte: elaborado pelo autor). .......................................................... 132 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Principais efeitos da recreação e turismo sobre os fatores bióticos e abióticos das áreas protegidas. ................................................................................................................................... 24 Tabela 2 - Descrição das trilhas e das praias existentes na Ilha Anchieta, estado de São Paulo, Brasil. ..................................................................................................................................................... 68 Tabela 3 - Escala de graus de dificuldades em cada trilha da Ilha Anchieta-SP, conforme proposto por Saaty (1977). ............................................................................................................................... 79 Tabela 4 - Matriz de tomada de decisão adotada para os pesos nas trilhas da Ilha Anchieta-SP......... 79 Tabela 5 - Matriz de tomada de decisão para adotar pesos no uso do solo da Ilha Anchieta-SP (Edific. = Edificação, Florest. = Floresta e Samamb. = Samambaia) ........................................................ 81 Tabela 6 - Percentagem de uso/cobertura do solo para cada zona de acessibilidade da Ilha Anchieta, SP. ............................................................................................................................................... 85 Tabela 7 - Resumo das estatísticas da análise de variância (teste de Welch) e da análise de contraste para duas diferentes profundidades, considerando a compactação do solo das trilhas em quatro classes de acessibilidade da Ilha Anchieta, SP. ............................................................................ 91 Tabela 8 - Zonas do PEIA descritas no presente estudo com suas respectivas recomendações de manejo. ........................................................................................................................................ 93 Tabela 9 - Espécies de mamíferos introduzidos e nativos, com seus respectivos tamanhos populacionais atuais na Ilha Anchieta, São Paulo, Brasil. .......................................................... 105 Tabela 10 - Lista de espécies de anfíbios anuros e répteis registrados no Parque Estadual da Ilha Anchieta, Ubatuba, SP. .............................................................................................................. 106 Tabela 11 - Variáveis utilizadas para analisar a distribuição das espécies de mamíferos em função da paisagem na Ilha Anchieta, estado de São Paulo, Brasil. ........................................................... 108 Tabela 12 - Descrição das trilhas percorridas para registro dos mamíferos de médio e grande porte na Ilha Anchieta, SP, Brasil. ........................................................................................................... 115 Tabela 13 - Espécies de mamíferos detectadas, comparação entre número de avistamentos e vestígios de mamíferos encontrados, abundância e freqüência relativa das espécies em cada estrato amostral e no total considerando apenas os avistamentos de mamíferos na Ilha Anchieta, SP. . 122 Tabela 14 - Espécies de mamíferos detectadas, abundância relativa das espécies em cada estrato amostral e no total com base nos vestígios e avistamentos, freqüência relativa de ocorrência das espécies em cada estrato amostral e no total com base nas armadilhas fotográficas e nos vestígios e avistamentos e número de ocorrências das espécies por transecto linear e armadilhas fotográficas na Ilha Anchieta, SP. .............................................................................................. 123 Tabela 15 - descrição do tipo de vestígio encontrado para cada espécie de mamífero de médio e grande porte da Ilha Anchieta, SP. ............................................................................................. 124 Tabela 16 - Esforço amostral do armadilhamento fotográfico e distância percorrida nos transectos dos quatro estratos amostrais na Ilha Anchieta, SP. ......................................................................... 126 Tabela 17 - Abundância relativa (ARC) (registros/10 dias de armadilhamento) dos registros fotográficos das espécies de mamíferos de médio e grande porte detectadas nos quatro estratos amostrais na Ilha Anchieta, SP, durante o período de outubro de 2008 e fevereiro a outubro de 2009. .......................................................................................................................................... 128 Tabela 18 - Resultado da Análise de Variância (procedimento GLM) para a riqueza de mamíferos nos estratos amostrais considerando as armadilhas fotográficas e os transectos lineares. ................ 133 Tabela 19 - Matriz de Correlação de Pearson entre as variáveis da paisagem e as espécies de mamíferos (abundância nas trilhas). Valores em negrito são estatisticamente significantes ao nível de 5%. A variável Alt foi suprimida das análises. ............................................................. 134 Tabela 20 - Matriz de Correlação de Pearson entre as variáveis da paisagem e as espécies de mamíferos (abundância nos pontos de armadilha fotográfica). Valores em negrito são estatisticamente significantes ao nível de 5%. ........................................................................... 134 Tabela 21 - Conjunto de modelos de Regressão GLM (logística e linear múltipla) para ocorrência dos mamíferos de médio e grande porte detectados pelas armadilhas fotográficas e nos transectos lineares na Ilha Anchieta, SP. Valores em negrito representam os modelos mais explanatórios baseado no wi............................................................................................................................. 137 Tabela 22 - Conjunto de modelos de Regressão GLM (logística e linear múltipla) para abundância dos mamíferos de médio e grande porte pelas armadilhas fotográficas e nos transectos lineares na Ilha Anchieta, SP. Valores em negrito representam os modelos mais explanatórios baseado no wi. ................................................................................................................................................... 139 Tabela 23 - Comparação entre a abundância (por armadilhas fotográficas) das espécies registradas na Ilha Anchieta e em outros locais de estudo, considerando diferentes esforços amostrais. ......... 143 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................... 16 2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................... 18 2.1 IMPACTOS DAS ATIVIDADES HUMANAS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ................... 18 2.2 USO DE GEOPROCESSAMENTO NO PLANEJAMENTO DA CONSERVAÇÃO E MANEJO DE ÁREAS PROTEGIDAS .............................................................................................................. 33 2.3 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE ESPÉCIES E NICHO ECOLÓGICO ....................................... 43 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 53 3 INFLUÊNCIA ANTRÓPICA EM UM PARQUE ESTADUAL INSULAR, SP: MODELOS DE ACESSIBILIDADE APLICADOS AO MANEJO .................................. 66 3.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 66 3.2 MATERIAL E MÉTODOS.................................................................................................. 67 3.2.1 Área de estudo ........................................................................................................ 67 3.2.1.1 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ....................................................................... 67 3.2.1.2 CLIMA E RELEVO ................................................................................................. 69 3.2.1.3 FLORA ................................................................................................................ 71 3.2.1.4 FAUNA ................................................................................................................ 73 3.2.1.5 HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO ................................................................................... 74 3.2.2 Base cartográfica ................................................................................................... 76 3.2.3 Modelagem de acessibilidade ................................................................................ 77 3.2.4 Validação do modelo e análise dos dados ............................................................ 82 3.3 RESULTADOS .................................................................................................................. 83 3.3.1 Modelos de acessibilidade e zoneamento ............................................................. 83 3.3.2 Validação do modelo de acessibilidade ................................................................ 89 3.3.3 Relação acessibilidade-compactação.................................................................... 89 3.4 DISCUSSÃO ...................................................................................................................... 92 3.5 CONCLUSÕES .................................................................................................................. 97 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 98 4 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS MAMÍFEROS EM FUNÇÃO DA ACESSIBILIDADE E ESTRUTURA DA PAISAGEM NO PEIA, SP ........................... 103 4.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 103 4.2 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 104 4.2.1 Área de estudo ...................................................................................................... 104 4.2.1.1 FAUNA............................................................................................................ 104 4.2.2 Análise da estrutura da paisagem ...................................................................... 107 4.2.3 Delineamento amostral........................................................................................ 112 4.2.4 Mapeamento da ocorrência de mamíferos ........................................................ 114 4.2.4.1 TRANSECTOS LINEARES ...................................................................................... 114 4.2.4.2 ARMADILHAS FOTOGRÁFICAS ............................................................................. 116 4.2.5 Análise dos dados ................................................................................................. 117 4.2.5.1 OCORRÊNCIA E ABUNDÂNCIA ............................................................................. 117 4.2.5.2 ANÁLISE DA INFLUÊNCIA HUMANA E VARIÁVEIS DA PAISAGEM .............................. 118 4.3 RESULTADOS ................................................................................................................ 121 4.3.1 Distribuição e abundância .................................................................................. 121 4.3.2 Influência humana e variáveis da paisagem...................................................... 133 4.4 DISCUSSÃO .................................................................................................................... 141 4.5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 150 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 151 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ....................................................................... 158 APÊNDICE A......................................................................................................................... 160 APÊNDICE B ......................................................................................................................... 160 APENDICE C ......................................................................................................................... 161 APÊNDICE D......................................................................................................................... 162 16| 1 INTRODUÇÃO GERAL As áreas naturais protegidas em regiões tropicais são consideradas importantes refúgios de fauna e flora e os únicos remanescentes de habitat para muitas espécies. No entanto, no Brasil, parques e outras Unidades de Conservação ainda sofrem impacto humano, quer seja por caça ilegal, turismo ou desmatamento. Estes parques tornam-se, então, de suma importância para a conservação desta diversidade de espécies para a “perpetuidade”. A zona costeira brasileira é considerada a região de maior densidade demográfica do país, grande parte em conseqüência do seu histórico de formação territorial, tendo o litoral como centro difusor de frentes povoadoras, ainda em movimento na atualidade. Por conta disso, suas características originais foram alteradas pela exploração de recursos e expansão da agropecuária (MORAES, 1999). Inserida nesta realidade, encontra-se a Mata Atlântica, que apesar de ser considerada área relevante para a conservação da diversidade biológica, é um dos biomas mais ameaçados do mundo com apenas 11,73% de área remanescente (RIBEIRO ET AL., 2009). O crescimento do ecoturismo no Brasil atrai turistas para áreas protegidas, mas estes parques públicos não estão preparados para atender à demanda, conciliando recreação e planos de conservação. Deste modo, é essencial entender como atividades humanas afetam vida selvagem nestas áreas (TERBORGH E VAN SCHAIK, 2002). A Ilha Anchieta possui um longo histórico de ocupação humana, marcada por irregularidades (GUILLAUMON ET AL., 1989), o que agrava mais os conflitos ambientais, com conseqüências drásticas para a biodiversidade local. Com a criação do Parque Estadual da Ilha Anchieta (PEIA) em 1977, o fluxo de visitações de turistas tornou-se intenso. Ambientes insulares, como no caso da Ilha Anchieta, são mais susceptíveis a distúrbios humanos, e a estabilidade da fauna e flora são mais frágeis, por causa da área pequena e do isolamento geográfico (ÂNGELO, 1989). Outro agravante foi a introdução de 17 espécies de vertebrados pela Fundação Parque Zoológico de São Paulo na década de 80 sem estudos preliminares. Estas características tornam a Ilha um excelente local de estudo da influência antrópica na comunidade de mamíferos. O presente estudo pretende contribuir para estudos de abordagens interdisciplinares, tais como manejo de parques e planos de conservação de espécies, a análise de distribuição e abundância de espécies, bem como a modelagem da distribuição das espécies em função de variáveis ambientais. Deste modo, este estudo buscou responder questões pertinentes, tais como: 1) Há regiões de maior riqueza de espécies de mamíferos na Ilha Anchieta? Em caso positivo, qual o padrão de distribuição destes animais? 2) Os mamíferos ocorrem, 17| preferencialmente, onde há menor presença humana na Ilha? 3) Qual fator tem maior influência na distribuição espacial dos mamíferos na Ilha, a ação antrópica ou os atributos físicos da paisagem? O trabalho foi organizado da seguinte forma: - Capítulo 2: refere-se à revisão de literatura, com fundamentação teórica para conceituar os temas do trabalho e dar sustentação ao seu desenvolvimento. Foi subdividido em três assuntos. O primeiro refere-se aos diferentes impactos das atividades humanas em Unidades de Conservação, como a caça, o turismo, etc. O segundo assunto é referente às ferramentas proporcionadas pelo uso do geoprocessamento e do ambiente SIG no planejamento da conservação em Unidades de Conservação, com menção e definição da acessibilidade como fator de impacto humano nas áreas protegidas. O terceiro assunto refere- se aos fatores que influenciam a distribuição espacial das espécies, inclusive em ambiente insular. - Capítulo 3: analisa os impactos da influência humana sobre os recursos naturais em áreas protegidas, introduzindo o conceito de acessibilidade. Utiliza o Parque Estadual da Ilha Anchieta como área de estudo, criando um modelo de acessibilidade que pode ser utilizado no planejamento da conservação, estendendo-se para outras Unidades de Conservação. - Capítulo 4: analisa a distribuição espacial e a abundância dos mamíferos do Parque Estadual da Ilha Anchieta em função da presença humana na Ilha (modelo de acessibilidade) e dos atributos da paisagem. - Capítulo 5: refere-se às conclusões gerais do trabalho como um todo, fazendo considerações importantes sobre manejo de UCs e conservação de espécies. 18| 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 IMPACTOS DAS ATIVIDADES HUMANAS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Muitos países em desenvolvimento contam com áreas protegidas como últimos refúgios de fauna e os únicos remanescentes de habitat naturais. Estas áreas tornam-se, então, de suma importância para a conservação desta diversidade de espécies para a “perpetuidade” (TERBORGH, 1992; KERR; CURRIE, 1995; SOULÉ; SANJAYAN, 1998). O termo „área protegida‟ é abrangente e contempla reservas naturais, áreas silvestres, parques nacionais e áreas manejadas, todas dedicadas à proteção e manutenção da biodiversidade (DEFRIES et al., 2007). No Brasil, o sistema de áreas naturais protegidas, denominado de Unidade de Conservação (UC)1, inclui áreas de proteção integral e de uso sustentável em nível federal, estadual e municipal. Atualmente, o país conta com aproximadamente 600 áreas protegidas 2 oficialmente reconhecidas, totalizando quase 100 milhões de hectares distribuídos por todo o território nacional (BRASIL, 2008). Entre 2005 e 2006, o IBAMA, em parceria com a organização não-governamental WWF-Brasil, realizou um estudo sobre a efetividade da gestão em 246 UCs, considerando suas duas categorias, proteção integral e de uso sustentável, e cobrindo todos os biomas nos estados brasileiros (84,48% das unidades federais existentes no período). Os resultados não foram muito positivos, pois das 246 UCs analisadas, apenas 32 (13%) apresentaram alta efetividade de gestão, 89 (36%) efetividade média e 125 (51%) efetividade baixa. Algumas dificuldades enfrentadas pelos gestores foram apontadas no estudo, como monitoramento das atividades ilegais e contratação e manutenção de funcionários (IBAMA; WWF-BRASIL, 2007). Experiências recentes com Unidades de Conservação em países tropicais não têm sido encorajadoras, segundo Terborgh e Van Schaik (2002), ratificadas pelos resultados já mencionados. Apesar da prerrogativa fundamental das UCs em conservar os ecossistemas e recursos naturais, a integridade ecológica destas áreas está ameaçada pelos efeitos diretos e indiretos das atividades humanas (COLE; LANDRES, 1996; BURGER, 2000) e ameaçada pela intrínseca ineficiência da proteção (VAN SCHAIK; TERBORGH; DUGELBY, 1997). 1 Definida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”, instituída pela Lei n. o 9.985 de 18/07/2000 e regulamentado pelo Decreto n. o 4.340 de 22/08/2002. 2 As reservas privadas e municipais não estão incluídas. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.985-2000?OpenDocument 19| A facilidade de acesso a estas áreas favorece o desenvolvimento de atividades ilegais, como a caça, o contrabando, a pesca, a exploração madeireira, a invasão por agricultura e pastoreio, e a mineração e extração de produtos naturais para comércio (KRAMER; VAN SCHAIK; JOHNSON, 1997; TABARELLI et al., 2005). A figura 1 mostra a complexa relação entre os principais eventos que causam impactos e os atributos das áreas naturais protegidas. Figura 1 - Rede de ligação entre as ameaças e os atributos da área natural protegida. Cada ameaça mostrada possui impacto em diferentes atributos e cada atributo é afetado por várias ameaças (adaptado de COLE; LANDRES, 1996). A respeito da caça, no Brasil há cinco modalidades: profissional (o caçador profissional obtém lucros com o produto de sua atividade), de controle (para eliminação de animais silvestres nocivos à agricultura ou à saúde pública), de subsistência (para a alimentação própria e a subsistência da família), científica (para a coleta de material destinado 20| a fins científicos, em qualquer época) e amadorista (esportiva, com finalidade de lazer e recreação) (MACHADO, 2005). Apesar da importância da caça para populações locais, ela pode comprometer significativamente a abundância de espécies e a biodiversidade da região (REDFORD; ROBINSON, 1991; REDFORD, 1992; WRIGHT, 2003; NAUGHTON-TREVES, 2005). A pressão de caça dentro das áreas protegidas tende a aumentar em razão, principalmente, do crescimento da população humana, do maior acesso às áreas preservadas e também das melhorias da tecnologia de caça (ROBINSON; REDFORD; BENNETT, 1999). De acordo com os autores, as espécies de maior tamanho são as mais vulneráveis à caça e também as mais visadas. Espécies de grande porte ocorrem em menor densidade, possuem reprodução mais lenta e necessitam de áreas maiores para realizar suas funções (REDFORD; ROBINSON, 1991). Por estas razões, sua conservação requer maior atenção. A remoção de grandes mamíferos herbívoros, frugívoros e granívoros de seu habitat natural, de acordo com Dirzo e Miranda (1990, 1991), traz conseqüências para a estrutura, dinâmica e regeneração de florestas, pois muitas plantas dependem destes animais como dispersores de sementes para seu sucesso reprodutivo. Por outro lado, a remoção de grandes predadores também acarreta mudanças na estrutura e função do ecossistema, pois eles controlam a população de herbívoros (TERBORGH et al., 2001). Há, por conta da caça, danos em cascata influenciando o equilíbrio de toda a comunidade (REDFORD, 1992). A pressão de caça em UCs pode ocasionar três efeitos principais no tamanho populacional dos animais, de acordo com Hammitt e Cole (1998): (1) quase eliminação das espécies caçadas em nível local, (2) redução do número de indivíduos, redundando numa população não viável reprodutivamente, (3) redução do número de indivíduos, redundando numa população não viável para a caça. 3 Além disso, a caça pode alterar alguns comportamentos, como mudança no turno da alimentação, nos padrões de reprodução ou mesmo na sua distribuição espacial (KNIGHT; COLE, 1995b). A pesca ilegal, além da superexploração de peixes, constitui-se também em mais um obstáculo para a recuperação das populações e do ecossistema (AGNEW et al., 2009). Poucos estudos relatam as conseqüências ecológicas da pesca predatória e os impactos diretos dos 3 A caça não é totalmente proibida no Brasil. A caça amadorista e para fins científicos estão previstas na Lei de Proteção a Fauna (respectivamente, art. 11º e art. 14º da Lei n°5.197/67). Além disso, a caça de subsistência não é explicitamente citada na Lei de Proteção a Fauna, deixando uma lacuna sobre esta referência (MACHADO, 2005). Apenas o exercício da caça profissional é ilegal (art. 2º da Lei n° 5.197/67). A Lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/ 98) exige a permissão, licença ou autorização para matar, perseguir ou caçar espécimes da fauna silvestre brasileira. Até o momento, o único estado do país em que a caça amadorista é permitida é o Rio Grande do Sul de acordo com a Lei Estadual nº 10.056/94. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%205.197-1967?OpenDocument http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.605-1998?OpenDocument 21| equipamentos utilizados nesta atividade nas funções dos ecossistemas e das comunidades aquáticas (AUSTER; LANGTON, 1999; FREIRE, 2005). Mesmo que não elimine a população por inteiro, o fato de remover indivíduos pode afetar a taxa reprodutiva, a abundância, a estrutura trófica e agravar ainda mais a população de peixes (HAMMITT; COLE, 1998). Além disso, a pesca predatória altera a composição das espécies e conseqüentemente as interações interespecíficas, afetando as comunidades aquáticas associadas (AUSTER; LANGTON, 1999). A rápida mudança na estrutura da comunidade de peixes pode levar a maior instabilidade na sua produção e biomassa, aumentando a sensibilidade das populações às alterações ambientais (JENNINGS; BLANCHARD, 2004). A introdução de espécies exóticas de peixes em ambientes aquáticos também é considerada uma grande ameaça a biodiversidade local. No entanto, as conseqüências sobre a fauna nativa são diversas e de difícil mensuração (LIDDLE, 1997; MACK et al., 2000; AGOSTINHO; GOMES; PELICICE, 2007). De modo geral, o sucesso da colonização da espécie introduzida pode acarretar competição por recursos, predação, introdução de patógenos e até a completa eliminação das espécies nativas (AGOSTINHO; JULIO, 1996). Outro problema enfrentado pelas UCs no Brasil, decorrente de atividades humanas, é a extração ilegal de produtos naturais, tanto madeireiros como não madeireiros de origem vegetal (e.g. sementes, frutos). Para muitas populações locais em regiões neotropicais, os produtos vegetais não madeireiros representam importante fonte de renda ou mesmo de subsistência (GODOY; BAWA, 1993; TICKTIN, 2004, 2005). Nos últimos anos, a valorização destes produtos naturais e o aumento da sua comercialização têm gerado preocupação quanto à superexploração e possível colapso, levando a extinções locais das espécies de plantas (ARNOLD; PÉREZ, 1998; TICKTIN, 2004). Conservacionistas alertam que a utilização, em longo prazo, das espécies requer extração com base sustentável (GODOY; BAWA, 1993; ARNOLD; PÉREZ, 2001). No entanto, estabelecer um sistema de manejo sustentável em florestas tropicais é desafiador e requer conhecimento sobre a estrutura e dinâmica da população, práticas de cultivo, além de detalhes sobre as comunidades locais (STRUHSAKER, 1998). Deste modo, o uso ilegal de recursos naturais torna-se uma grande ameaça ao manejo de áreas protegidas. O impacto resultante do uso destes recursos varia em escala e extensão, como visto acima e mais estudos sobre este assunto são necessários (GAVIN; SOLOMON; BLANK, 2009). 22| A conversão da vegetação nativa para usos econômicos também é uma realidade nas UCs. Muitas populações tradicionais fazem uso das terras e possuem uma relação indefinida com o parque, porém com direito de ocupação legal da área (TERBORGH, 2002). Os debates que envolvem conservação e desenvolvimento entravam-se quando se contrapõe uso e ocupação de terras para o bem estar humano e o papel das áreas protegidas na conservação da biodiversidade (ADAMS et al., 2004; NAUGHTON-TREVES; BUCK; BRANDON, 2005). Alguns autores consideram as populações tradicionais e indígenas, em áreas protegidas, como obstáculos para a conservação efetiva da diversidade biológica (REDFORD; STEARMAN, 1993; TERBORGH, 1999; MARGULES; PRESSEY, 2000). Outros defendem que a aliança com as populações rurais dentro das reservas é uma importante estratégia de proteção das florestas tropicais, e esta relação é extremamente política (COLCHESTER, 2000; SCHWARTZMAN; MOREIRA; NEPSTAD, 2000). A pressão sobre muitas áreas protegidas depende da dinâmica socioeconômica do uso da terra do entorno nas regiões em que estão localizadas. Por exemplo, uma reserva existente numa área densamente povoada e que utiliza recursos naturais locais como base econômica, sofrerá mais pressão quando comparada a uma reserva apenas com atrativo turístico (DEFRIES et al., 2007). Estudos recentes mostram que muitos parques localizados nos trópicos estão protegidos de desmatamentos dentro de seus limites. Naughton-Treves, Buck e Brandon (2005) revisaram vinte estudos sobre a taxa de desmatamento em áreas tropicais protegidas e constataram que nos parques estudados há redução do desmatamento, dentro das suas fronteiras. Bruner et al. (2001) concluíram, com base em entrevistas, que na maioria dos noventa e três parques tropicais estudados há exemplos de sucesso, principalmente, contra o desmatamento. Com dados mais robustos, Maiorano, Falcucci e Boitani (2008) demonstraram que em áreas protegidas, na Itália, também se observou diminuição no uso e melhoria na cobertura do solo. Apesar dos significativos avanços, alguns autores alertam para o crescente isolamento dos parques, enquanto aumentam os desmatamentos até os limites de suas fronteiras (SANCHEZ-AZOFEIFA et al., 2003; DEFRIES et al., 2005; NAUGHTON-TREVES; BUCK; BRANDON, 2005). Áreas florestadas existentes no entorno dos limites administrativos das áreas protegidas são importantes para conservação das espécies, pois diminuem os efeitos da pressão humana (e.g. fogo, caça), além de fornecer, às espécies, acesso aos habitats críticos fora dos limites dos parques (DEFRIES et al., 2005). Deste modo, a conversão das florestas em agricultura ao redor dos limites das reservas pode reduzir a capacidade de conservação das 23| espécies animais destas áreas protegidas (HANSEN; ROTELLA, 2002; HANSEN; DEFRIES, 2007). Joppa, Loarie e Pimm (2008) compararam a cobertura vegetal dentro e fora das áreas protegidas, na região da Amazônia e Mata Atlântica costeira e constataram que, na primeira, as reservas são mais extensas e possuem áreas maiores de floresta, como também seu entorno fora dos limites dos parques. Por outro lado, na região da Mata Atlântica costeira, há prevalência de pequenas áreas florestadas que abrigam as últimas florestas remanescentes nessas regiões. A cobertura vegetal fora dos limites é altamente fragmentada. As UCs representam para a sociedade contemporânea redutos de proteção do patrimônio ambiental. Nelas é possível privilegiar o uso sustentável de recursos naturais concomitante à preservação de espécies, da paisagem e de seus atributos naturais. A importância das UCs aumenta na medida em que são utilizadas como espaços de recreação, lazer, educação e pesquisa, sempre vinculados à preservação. Ou seja, elas não precisam existir para mero cenário de contemplação da biodiversidade (SANSON, 2001). O aumento do turismo no Brasil tem atraído turistas para as UCs nos últimos anos (LINDBERG; HAWKINS, 2002; KINKER, 2005). Muitos autores defendem que impactos negativos são inerentes ao uso recreacional nestas áreas. Mesmo os turistas mais alertas deixam marcas e perturbam o ecossistema sem que percebam (COLE, 1990; VICKERY, 1995; HAMMITT; COLE, 1998; LEUNG; MARION, 2000). Deste modo, para o manejo adequado das UCs deve-se conciliar a demanda do público e a prevenção de impactos indesejáveis na vida selvagem e em seu habitat (POMERANTZ et al., 1988; HAMMITT; COLE, 1998). Para muitos conservacionistas, o simples aumento das áreas protegidas e a maior atenção a biodiversidade já é considerado grande sucesso. Porém, ainda discordam sobre o manejo adequado de parques e reservas e sobre quais os reais propósitos das áreas protegidas (NAUGHTON-TREVES; BUCK; BRANDON, 2005). O grande desafio é entender os impactos da recreação em detalhe suficiente para determinar quanto e quais tipos de mudança estão ocorrendo e quais são ou não aceitáveis (COLE; SCHREINER, 1981; LEUNG; MARION, 2000). Os impactos causados pela atividade turística podem ter dimensões sócio-culturais, econômicas ou ambientais (MASON, 2008). Em relação aos impactos ambientais, sua natureza e severidade em áreas protegidas variam conforme o tipo de recreação e podem ser diretos ou indiretos, ou mesmo sinergéticos ou compensatórios (HAMMITT; COLE, 1998; 24| NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). A tabela 1 resume alguns dos principais efeitos do uso recreacional em UCs: Tabela 1 - Principais efeitos da recreação e turismo sobre os fatores bióticos e abióticos das áreas protegidas. (continua) Atividade Componentes Ecológicos SOLO VEGETAÇÃO VIDA SILVESTRE ÁGUA Trilhas (caminhadas, bicicletas) Compactação do solo (diminui a permeabilidade) (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Redução de tamanho, área foliar, vigor e biomassa vegetal (LIDDLE, 1997) Alteração do padrão de distribuição de algumas espécies (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005) Perda da cobertura orgânica (liteira) (CEBALLOS- LASCURAIN,1996) Pisoteio de plântulas e alteração na reprodução (COLE, 2002) Perturbação ofensiva da vida silvestre (LIDDLE, 1997) Erosão acelerada (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Mudança da composição de espécies (LIDDLE, 1997) Alteração de habitat (LIDDLE, 1997) Alteração das atividades microbianas (COLE, 2002) Exposição de raízes e danos nos troncos das árvores (LIDDLE, 1997) Disseminação de plantas daninhas e esporos fúngicos (BUCKLEY, 2009) Trilhas (construção e manutenção) Aumento da compactação do solo e esterilidade (COLE, 2002) Mudança da composição de espécies, com a limpeza de trilhas e mais claridade (COLE, 2002) Alteração do padrão de distribuição de algumas espécies (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005) Mudanças na rede de drenagem (ruptura de cursos d‟água) (COLE, 2002) Introdução de espécies exóticas (COLE, 2002) Criação de novos micro-habitats (COLE, 2002) Alargamento da via com perda de (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) 25| Tabela 1 - Principais efeitos da recreação e turismo sobre os fatores bióticos e abióticos das áreas protegidas. (continuação) Atividade Componentes Ecológicos SOLO VEGETAÇÃO VIDA SILVESTRE ÁGUA Coleta e remoção de material vivo como souvenir (vegetal ou animal) Redução da reprodução e crescimento (COLE, 2002) Alteração de comportamento, principalmente espécies que usam os mesmos recursos (COLE, 2002) Interrompimento da produção de alimento (COLE, 2002) Redução no número de indivíduos e interrupção dos processos naturais (RYAN, 2003) Natação, mergulho, uso de barcos e outros transportes aquáticos Alteração das margens (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Mudança da composição de espécies aquáticas e ripárias (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Degradação de recifes de corais (LIDDLE, 1997) Alteração da qualidade da água (MASON, 2008) Eliminação de macrófitas da água por contato direto (BUCKLEY, 2009) Destruição de habitats e recursos (e.g. ninhos e abrigos em praias e rochas) (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Turbulência da água e aumento da turbidez (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Perturbação pelo barulho (LIDDLE, 1997) Poluição (PIGRAM; JENKINS, 2006) Aumento da mortalidade de peixes e outros organismos (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Diminuição da concentração de oxigênio dissolvido na água (HAMMITT; COLE, 1998) 26| Tabela 1 - Principais efeitos da recreação e turismo sobre os fatores bióticos e abióticos das áreas protegidas. (continuação) Atividade Componentes Ecológicos SOLO VEGETAÇÃO VIDA SILVESTRE ÁGUA Uso de veículo automotor dentro e fora dos limites das reservas Compactação e erosão (LIDDLE, 1997) Redução na cobertura vegetal (LIDDLE, 1997) Mortes por atropelamento (EDINGTON; EDINGTON, 1986) Escoamento de sedimentos e nutrientes (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Disseminação de plantas daninhas e exóticas (pneus etc.) (PIGRAM; JENKINS, 2006) Destruição de ninhos, buracos e abrigos (BUCKLEY, 2004) Impermeabilização e redução da porosidade (LIDDLE, 1997) Perigo de incêndio (PIGRAM; JENKINS, 2006) Alteração das atividades normais, pelo barulho, impacto visual etc. (BUCKLEY, 2009) Deposição inadequada de resíduos sólidos e líquidos Reservatório de resíduos sólidos (transmissão de doenças) (COLE, 2002) Mudança da composição de espécies aquáticas (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Morte por transmissão de doenças (ORAMS, 2002) Aumento da quantidade de bactérias patogênicas (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Mudança na concentração de compostos químicos do solo (COLE, 2002) Alteração da comunidade biótica aquática (branqueamento de corais, p. e.) (EDINGTON; EDINGTON, 1986) Crescimento excessivo de algas (eutrofização) (EDINGTON; EDINGTON, 1986) Alteração das atividades normais, por habituação, agressão etc. (ORAMS, 2002) Aumento de nutrientes e sólidos suspensos (COLE, 2002) Mudança da composição (atração de espécies oportunistas) (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005) Redução da saúde dos ecossistemas aquáticos (PIGRAM; JENKINS, 2006) 27| Tabela 1 - Principais efeitos da recreação e turismo sobre os fatores bióticos e abióticos das áreas protegidas. (conclusão) Atividade Componentes Ecológicos SOLO VEGETAÇÃO VIDA SILVESTRE ÁGUA Áreas de acampamentos Perda da cobertura orgânica (liteira) (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Aumento de perigo de incêndio (COLE, 2002) Perda de habitat (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Poluição (BUCKLEY, 2009) Aumento da compactação do solo e diminuição da porosidade (COLE, 2002) Exposição de raízes e danos nos troncos das árvores (COLE, 2002) Alteração das atividades normais, pelo barulho, luminosidade etc. (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005) Mudança na concentração de compostos químicos do solo (COLE, 2002) Mudança da composição de espécies (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Impacto de inseticidas em aves e outros animais da cadeia trófica (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002) Fonte: elaborado pelo autor A perspectiva sobre impacto, se bom ou ruim, importante ou insignificante depende dos valores humanos impostos a ele (MASON, 2008). As opiniões do turista, pesquisador e administrador geralmente diferem entre si. O pesquisador preocupa-se com os impactos que podem prejudicar a função do ecossistema e com suas implicações em escalas espaciais amplas. Por outro lado, o administrador tenta lidar com impactos em escala local, os quais são cobrados por isso. Seu interesse é disponibilizar oportunidades recreacionais, além de manter o parque com aparências naturais. O recreacionista dificilmente reconhece os impactos ecológicos, e se incomoda mais com a diminuição do uso de certas áreas ou com as características „não naturais‟ do parque (COLE, 1990; HAMMITT; COLE, 1998). Muitas classificações sobre o impacto de atividades turísticas nas populações silvestres já foram propostas (veja POMERANTZ et al., 1988; KNIGHT; COLE, 1995a; WHITTAKER; KNIGHT, 1998; REYNOLDS; BRAITHWAITE, 2001). A figura 2 mostra um exemplo geral dos principais impactos das interações recreação-vida silvestre. 28| Figura 2 - Potenciais respostas da vida silvestre frente aos impactos das atividades turísticas em áreas protegidas (KNIGHT; COLE, 1995b). Knight e Cole (1995a) reconhecem seis principais fatores relacionados às atividades recreacionais, que influenciam a vida silvestre: (1) tipo de atividade (cada atividade difere no uso de equipamentos, ocupação de habitat e interação homem-animal), (2) comportamento dos turistas (movimentos bruscos em direção ao animal tendem a espantá-lo, mesmo que seja apenas para fotografar ou observar; movimentos mais suaves e lentos têm menos influência), (3) freqüência e magnitude (esses fatores podem afetar o movimento do animal, os hábitos de alimentação e a ocupação de habitat, mas poucos estudos relatam o níveis críticos dos impactos), (4) previsibilidade (os animais reagem de forma diferente e pouco clara quando os distúrbios são previsíveis e esperados), (5) período de atividade (as respostas do animal ao distúrbio dependem da época do ano, por exemplo, em época de acasalamento, podem abandonar ninhos e filhotes), (6) local (impactos diretos nas tocas, ninhos e sítios de alimentação e obtenção de água também influenciam a vida silvestre). 29| Os pesquisadores tendem a analisar, separadamente, as atividades turísticas de consumo (e.g. caça e pesca) e as sem consumo (e.g. observação e caminhadas) 4 (KNIGHT; COLE, 1995b). As primeiras já foram mencionadas no início, portanto, serão abordadas as diferentes atividades sem consumo e os seus impactos sobre a fauna, bem como as respostas dos animais aos distúrbios. Boyle e Samson (1985) revisaram 166 artigos que tratam do efeito do turismo sem consumo sobre a vida silvestre e concluíram que, de fato, muitas atividades recreacionais impactam os animais, seja por alteração de habitat, perturbação ou diretamente por morte (Figura 2). A maioria dos estudos de impactos documenta as respostas imediatas dos indivíduos, tais como mudanças fisiológicas e abandono de ninhos, mas poucos fazem referência, ou mesmo se aprofundam no estudo sobre as populações e as comunidades. Provavelmente isto se deva às dificuldades inerentes em se obter resultados dos efeitos mais prolongados destes impactos (KNIGHT; COLE, 1995b; COLE, 2002). Como exceção, um estudo recente investigou o efeito do turismo sem consumo nas comunidades de mamíferos carnívoros em 28 áreas protegidas no norte da Califórnia, nos Estados Unidos. Metade destas áreas era de acesso livre ao uso recreacional e a outra metade não permitiam nenhuma atividade recreacional. Os resultados indicaram que o turismo sem consumo nestas áreas possui impacto local sobre a distribuição e densidade de espécies de carnívoros nativos e, conseqüentemente, sobre a eficácia das áreas protegidas para a conservação da biodiversidade (REED; MERENLENDER, 2008). Existem diversas respostas da vida silvestre às perturbações e elas podem variar intra e inter-espécies, com componentes inatos ou de aprendizado. Estes últimos se aplicam a habituação, atração ou ao ato de evitar tais distúrbios (KNIGHT; TEMPLE, 1995). No geral, a resposta dos animais frente às perturbações é evitar as áreas de presença humana. Mas muitas espécies também são atraídas ou mesmo ignoram a presença humana, pois existe variação relacionada ao estado do animal (WHITTAKER; KNIGHT, 1998; GILL; NORRIS; SUTHERLAND, 2001; BEALE; MONAGHAN, 2004a). Estas respostas não são uniformes e devem ser consideradas como variáveis contínuas, pois mudam em diferentes contextos e magnitudes. Por exemplo, um animal não está simplesmente habituado ou não habituado à presença humana, mas possui um comportamento em diferentes graus de habituação (WHITTAKER; KNIGHT, 1998). 4 Atividades sem consumo são aquelas que oferecem experiência ao turista e as de consumo utilizam a vida silvestre como produtos ou mercadoria (WEAVER, 2001). 30| É intrínseco ao homem demonstrar fascínio pelos animais e, também, grande interesse em se aproximar e até tocá-los. É importante entender esta relação, pois ela guia nossas ações e nossos sentimentos sobre a vida silvestre, inclusive do ponto de vista de atração turística e seu conseqüente impacto (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). Há um grande potencial turístico na observação da fauna, em parques e reservas, principalmente aves e mamíferos de maior porte (ORAMS, 1996). No entanto, isto também afeta negativamente o comportamento destes animais e de diversas maneiras (ANDERSON, 1995). Alguns comportamentos dos turistas, seja por aproximação, toque ou mesmo alimentação levam a repostas imediatas das espécies, tais como estado de alerta ou vigilância (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). Com a presença freqüente dos turistas, estas repostas podem tornar-se mais drásticas e aumentar excitamentos e stress crônico o que provoca, nestes animais, comportamentos evasivos. Quando os animais não são capazes de se deslocar para outras áreas, eles podem alterar o período de atividades a fim de evitar os turistas (BUCKLEY, 2004). Gill, Norris e Sutherland (2001) alertam que, nem sempre, as mudanças comportamentais dos animais refletem as conseqüências da perturbação humana sobre a vida silvestre e esta medida de comportamento não parece ser apropriada como índice de impacto. Mesmo que os efeitos da perturbação não sejam perceptíveis pelo comportamento do animal, algumas respostas fisiológicas podem acontecer antes que as diferenças comportamentais sejam observadas (BEALE; MONAGHAN, 2004b). Certamente a presença e as atividades humanas afetam o comportamento animal, mas isso não implica que estes distúrbios causem impactos negativos sobre os animais (BEALE, 2007). A resposta de um animal frente ao distúrbio, geralmente, é a mesma quando há risco de predação: o animal evita as áreas perturbadas por que há outros habitats adequados disponíveis para ele freqüentar (GILL; NORRIS; SUTHERLAND, 2001; BEALE; MONAGHAN, 2004b). Em termos de conservação das espécies, a perturbação humana sobre a vida silvestre é relevante quando afeta, de algum modo, a sobrevivência ou fecundidade e, conseqüentemente, causa declínio populacional (GILL; NORRIS; SUTHERLAND, 2001). Deste modo, é importante diferenciar os efeitos dos impactos da perturbação na vida silvestre, para que se possa traçar estratégias prioritárias de conservação, sem gastos desnecessários (BEALE, 2007). Mudanças fisiológicas também são comuns em animais sob stress contínuo, em conseqüência da recreação e podem afetar o seu balanço energético. Assim, ele requer mais energia do que consegue assimilar e necessita utilizar as reservas corporais. Quando o animal 31| não é capaz de compensar este desequilíbrio, podem acontecer doenças, morte ou diminuição do sucesso reprodutivo (ANDERSON, 1995). Alguns ajustes fisiológicos descritos para pássaros e mamíferos como resposta de defesa ao distúrbio incluem incremento no batimento cardíaco e na temperatura corporal, entre outros (BUCKLEY, 2004). Muitas destas alterações interferem no aumento da chance de sobrevivência sob condições de atividades prolongadas e extenuantes, como luta ou fuga (GABRIELSEN; SMITH, 1995). Segundo os autores, aves e mamíferos possuem períodos críticos de tolerância (de acasalamento e pós-natal, respectivamente) e o contato, ou a presença humana, nestas épocas, necessitam de regulamentação para prevenir a redução do sucesso reprodutivo dos animais. Como já mencionado, algumas espécies ou indivíduos podem ser atraídos, ou se habituarem à presença humana, dependendo do tempo de contato (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). Whittaker e Knight (1998) diferenciam atração de habituação, sendo que a primeira diz respeito ao movimento do animal em direção a um estímulo (alimento ou abrigo). A habituação, pelo contrário, é a diminuição da resposta a um estímulo repetido. Por exemplo, se um animal está habituado à presença de humanos, isto significa que ele passa a ignorar esse fato. Esta é, provavelmente, a causa pela qual algumas espécies são mais adaptadas às atividades humanas do que outras e é considerada uma habilidade de adaptação e sobrevivência (GABRIELSEN; SMITH, 1995). No entanto, a habituação às condições do turismo pode provocar, no animal, dificuldades para lidar com as condições naturais ou até stress (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). No caso da atração, o animal geralmente associa a presença humana com a obtenção de alimento (NEWSOME; MOORE; DOWLING, 2002). A alimentação da fauna silvestre pelos turistas em áreas protegidas acabou por transformar-se numa forma de facilitar a observação e interação com os animais (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). O fornecimento de alimento pode ser intencional ou acidental. Este último caso acontece quando os animais buscam restos de comidas em áreas de acampamento e lixeiras, ou quando roubam diretamente dos turistas (SHACKLEY, 1996). Alguns impactos associados a alimentação deliberada dos animais por turistas incluem: dependência da comida fornecida, habituação, alteração dos padrões de comportamento, riscos de contrair doenças, morte, agressão intra e inter-espécie e aos turistas (ORAMS, 2002). Determinadas espécies predadoras de grande porte podem, eventualmente, atacar humanos como presas. Contudo, a maioria dos casos de danos aos turistas é provocada por espécies herbívoras, que agem em defesa à aproximação (BUCKLEY, 2004). Muitos casos relatados de ataque aos turistas têm relação profunda com o ato de alimentar a fauna silvestre. 32| Em alguns casos, as pessoas são atacadas por que o animal detecta o alimento que lhe é negado (ORAMS, 2002). O autor aponta, por outro lado, que nem todos os impactos associados à alimentação intencional de animais, em reservas, são negativos. Há os incontestáveis benefícios econômicos, sociais e fisiológicos, além de alguns benefícios para a vida silvestre (e.g. há evidências de que a alimentação artificial ajuda, em situações específicas, na recuperação populacional de algumas espécies ameaçadas). O autor ressalta ainda que não são apenas os turistas responsáveis pela alimentação deliberada dos animais, já que cientistas e pesquisadores de fauna também utilizam alimento/isca como meio de obter dados sobre espécies elusivas. O ponto chave dos impactos do turismo sobre a vida silvestre é a acessibilidade. As perturbações humanas, muitas vezes têm efeitos críticos e não-lineares sobre as espécies e os ecossistemas, dependendo dos meios convenientes de acesso físico (PERES; LAKE, 2003). O acesso aos habitats da vida silvestre, para fins turísticos, pode resultar em impactos negativos, impactos estes que variam com o modo de acesso. O acesso humano a pé, por exemplo, tem potencial para perturbar as atividades rotineiras dos animais, como forrageamento, cuidado parental, hibernação, etc. (NEWSOME; DOWLING; MOORE, 2005). Estes impactos sobre os animais agravam-se quando os acessos são motorizados, como veículos e barcos (HAMMITT; COLE, 1998). Deste modo, para um manejo eficaz das UCs brasileiras e outras áreas naturais protegidas, deve-se considerar, em igual importância, a qualidade da experiência do visitante e os potenciais impactos ambientais. Estes dois fatores não se separam e ações que priorizam um afetam o outro, positiva ou negativamente e vice-versa (COLE, 2002). Daí a importância das pesquisas para se entender a complexidade do comportamento animal diante das atividades humanas e sobre os impactos humanos em UCs. Elas podem balizar estratégias de manejo que visem à coexistência ideal e às conseqüências aceitáveis dos impactos nestas áreas (WHITTAKER; KNIGHT, 1998). 33| 2.2 USO DE GEOPROCESSAMENTO NO PLANEJAMENTO DA CONSERVAÇÃO E MANEJO DE ÁREAS PROTEGIDAS O geoprocessamento é considerado um conjunto de técnicas que utilizam dados matemáticos e computacionais para o processamento da informação geográfica num contexto espacial. Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) são as ferramentas computacionais utilizadas no geoprocessamento, que adquirem, armazenam, manipulam, analisam e exibem dados ambientais de forma organizada e integrada (BURROUGH, 1986; STAR; ESTES, 1990). Neste processo, sinteticamente, o fluxo de dados geográficos passa por uma série de transformações até gerar a informação geográfica necessária à tomada de decisão (Figura 3). Este sistema inicia-se com medidas georreferenciadas do “mundo real” que se pretende analisar, em pontos, linhas, superfície ou polígono e elas são, então, incorporadas a um banco de dados digital. Os dados compilados são utilizados em análises e modelos para derivar novas informações geográficas, com o auxílio de programas e ferramentas SIG. Com base nos resultados obtidos, parte-se para tomada de decisões e intervenção no “mundo real”. Recomendam-se testes e validações dos modelos para compensar possíveis erros e vieses (DAVIS et al., 1991). O uso do SIG torna-se crescente a partir da década de 80, com o advento de tecnologias computacionais, quando acontece o barateamento nos custos para a construção de bases de dados geográficos (BERNHARDSEN, 2002). Na área ambiental, as aplicações e os usos do SIG são diversos: análise de recursos naturais, planejamento e zoneamento de áreas para preservação, manejo de áreas costeiras, florestadas e cultivadas, entre outras. O SIG também é aplicado como ferramenta de suporte de decisões em atividades de manejo e implementação de políticas públicas (CHORLEY, 1988). 34| Figura 3 - Fluxo de dados no processo do Sistema de Informação Geográfica para tomada de decisões (adaptado de DAVIS et al., 1991). No campo do planejamento da conservação o SIG também possui importante papel, criando e agregando informações sobre as atividades humanas (e.g. uso do solo) e o ambiente natural (e.g. distribuição de populações de animais), além de avaliar viabilidades de populações silvestres (ASPINALL, 1999). Para o manejo de áreas protegidas, a aplicação do SIG tornou-se uma ferramenta eficaz, quando complementada com programas de mapeamento, o que permite o cruzamento e a análise de informações territorialmente espacializadas. Com a atualização periódica destes dados, há uma dinâmica contínua de monitoramento da área a ser protegida (COSTA; SILVA, 2004). 35| Neste contexto, os fundamentos da Conservação da Paisagem e do Manejo de Ecossistemas, aliados às técnicas de SIG, dão suporte para planejamentos da conservação de áreas alteradas pela ação humana. A Conservação da Paisagem lida com o manejo da vida silvestre e recursos cênicos em sistemas geográficos e ecológicos (componentes físicos e humanos) e é focado nos seguintes princípios (ASPINALL, 1999): (1) na biodiversidade e sustentabilidade, como conceitos adotados para guiar os esforços de conservação e manejo de uso do solo; (2) na integração dos conceitos espaciais e utilização da paisagem como objeto de análise; (3) no conhecimento dos processos ecológicos para planejar e manejar recursos específicos, em diferentes escalas. O Manejo de Ecossistemas preocupa-se com os efeitos das mudanças naturais e induzidas pelo homem na estrutura e função do ecossistema, em escalas espaciais e temporais. A aplicação de ferramentas SIG nesta área envolve, segundo Cleland et al. (1994): (1) medidas de características estruturais do ecossistema em diferentes escalas (e.g. padrão de uso do solo, índices de área foliar); (2) medidas de funções do ecossistema (e.g. stress hídrico, evapotranspiração); (3) análise temporal do uso do solo, modelagem e monitoramento ambiental. O planejamento da conservação combina o conhecimento da ecologia da paisagem com sua efetiva aplicação no campo (GUTZWILLER, 2002). Para isso, primeiramente, é necessário considerar escalas espaciais e temporais de acordo com o objetivo do plano de manejo (HOBBS, 1998). Gutzwiller (2002) e Franklin (1993) sugerem a implementação de projetos de conservação em escalas mais amplas, para abranger o maior número de espécies e tentar entender os processos ecológicos que podem ultrapassar limites jurisdicionais. Os autores consideram dois tipos de planejamentos da conservação com ampla escala: no primeiro enfatiza-se a representação da biodiversidade pelo sistema de Reservas e o outro foca na manutenção dos processos ecológicos e nas condições necessárias para a persistência da biodiversidade em longo-prazo (redução dos processos de ameaça). Além disso, é necessário coordenar ações conjuntas com os intervenientes (governo, gestores, etc.) na solução dos problemas, pois estes desempenham papel importante no processo de conservação (DUNNING, 2002). A habilidade de planejar (e executar) projetos de conservação depende da disponibilidade de diversas informações. De acordo com Groves (2003), há certos passos básicos a seguir para conquistar um bom plano de manejo: 36| 1. Identificar as metas de conservação, de acordo com as escalas adequadas e situação das espécies (endêmica, guarda-chuva 5 , ameaçada etc.); 2. Buscar por informações do meio biótico e abiótico, desde o tipo de solo até impactos humanos; 3. Buscar por dados digitais e variáveis físicas da região em questão (SIG) e sobrepô-los aos dados bióticos, para identificar insuficiências e possíveis análises de lacunas 6 ; 4. Avaliar as áreas de conservação existentes na inclusão do plano de manejo (permanência, se esta área atingir objetivos de conservação da biodiversidade em longo prazo); 5. Definir as metas de conservação (quanto conservar e onde proteger); 6. Selecionar e projetar uma rede de áreas de conservação (definir áreas e corredores com proteções específicas); 7. Criar programas de monitoramento para as áreas a serem conservadas para garantir que as metas do plano de manejo sejam mantidas. A implementação destas ações de conservação requer planejamento prático sempre com base científica, além de estratégias para investimentos. No entanto, o processo de planejamento não é linear como os passos descritos acima. Ele deve ser dinâmico e adaptativo, com mudanças fundamentadas para melhorias contínuas na conservação de espécies e de habitats (MARGULES; PRESSEY, 2000; GROVES et al., 2002). O foco principal do planejamento da conservação é compreender os impactos das atividades humanas no ecossistema para preservar a biodiversidade e os habitats em longo prazo, além da manutenção dos processos biológicos (GUTZWILLER, 2002; LAMBECK; HOBBS, 2002; GROVES et al., 2002; GROVES, 2003). Deste modo, as conseqüências das atividades humanas na destruição dos ecossistemas são assuntos importantes, com efeitos diretos na conservação da biodiversidade (GILL; SUTHERLAND; WATKINSON, 1996; CUARON, 2000; BEALE; MONAGHAN, 2004b). Necessário considerar, como estratégia de manejo em áreas protegidas, o mapeamento das áreas de maior acesso humano e seu efeito potencial na vida selvagem. 5 Espécies guarda-chuvas são aquelas que requerem grandes extensões de habitat para manter populações viáveis. Geralmente são utilizadas como espécies indicadoras no planejamento e monitoramento da conservação, pois conferem alguma proteção às espécies componentes do ecossistema em que ocorrem, com requisitos menos extensos (NOSS; O‟CONNELL; MURPHY, 1997). 6 O conceito de análise de lacunas (gap analysis) na área de conservação foi introduzido por Scott et al. (1993) e utiliza dados biológicos das espécies, sensoriamento remoto e SIG para identificar as espécies e os ecossistemas que não estão adequadamente representados pelas áreas protegidas existentes. Alguns países como os Estados Unidos já possuem um programa específico sobre gap analysis com projetos para conservação de espécies. Mais detalhes em: http://gapanalysis.nbii.gov. http://gapanalysis.nbii.gov/ 37| Uma maneira de analisar este impacto antrópico é estudar o gradiente da acessibilidade física humana (GILL; SUTHERLAND; WATKINSON, 1996; CARVER; EVANS; FRITZ, 2002; PERES; LAKE, 2003) em locais de intensa presença humana. Este impacto é medido pela distância do ponto mais próximo de acesso, levando em conta as dificuldades de acesso (e.g. barreiras e relevo). Há muitas definições de acessibilidade na literatura, dependendo do objetivo do estudo (veja HARRIS, 1966; PIRIE, 1979; JONES, 1981; HANDY, 1994; KWAN et al., 2003). Em termos gerais, acessibilidade significa “capacidade de ser alcançado” (INGRAM, 1971) (do latim accessibilitas), que implica, portanto, numa forma de medir a proximidade entre dois pontos. No entanto, este termo é freqüentemente confundido com mobilidade. Mobilidade é a habilidade de se mover de um ponto a outro, um potencial para movimento, sem o objetivo de aproximar-se de algo (HANSEN, 1959; HANDY, 1994). A acessibilidade depende de alguma mobilidade, já que as atividades acontecem num determinado espaço físico (EL-GENEIDY; LEVINSON, 2006). A acessibilidade pode estar relacionada à habilidade proporcionada por um sistema de transporte, por exemplo, para prover um método rápido e/ou de baixo custo para superar a distância entre os diferentes locais. O termo pode ainda ser definido como a capacidade intrínseca de um local (paisagem) em absorver a ação de algumas formas de fricção espacialmente operantes (e.g. distância) (INGRAM, 1971). Métodos para medir acessibilidade são bem desenvolvidos na área de serviço público (HARRIS, 1966; KOENING, 1980; JONES, 1981; HARRIS, 2001) e também na avaliação da mudança de uso/cobertura do solo (CHOMITZ; GRAY, 1996; ANGELSEN; KAIMOWITZ, 1999; PFAFF, 1999; MUNROE; SOUTHWORTH; TUCKER, 2002). Estes métodos são, no entanto, pouco utilizados diretamente no planejamento de conservação da vida selvagem. 7 O modelo de acessibilidade leva em consideração a distância percorrida desde um ponto de origem, passando pelas áreas disponíveis para o deslocamento e pelo caminho de menor resistência/fricção (MICHALSKI; PERES, 2005; ROTHLEY; RAE, 2005; THEOBALD, 2006). A distância que separa o destino do ponto de origem afeta o grau de acessibilidade relativa entre os pontos e é chamada de distância-custo (INGRAM, 1971; THEOBALD, 2006). O termo custo é descrito aqui como esforço físico humano, sem valor monetário. O valor da distância-custo é influenciado por diversos fatores, como barreiras naturais (e.g. topografia) e antrópicas (e.g. construções), isolamento, presença de ruas e estradas ou disponibilidade de transporte aquático (PERES; LAKE, 2003). O efeito da 7 A maioria dos estudos é sobre conectividade entre fragmentos e dispersão de animais (e.g. RAY; LEHMANN; JOLY, 2002; ADRIAENSEN et al., 2003; PINTO; KEITT, 2009). 38| acessibilidade pode ser medido também em tempo-custo (travel time) (INGRAM, 1971; KOENING, 1980). Valores baixos de acessibilidade representam baixo custo de esforços para se alcançar o destino (neste estudo, áreas de presença dos animais) e valores altos representam o alto custo de esforço para alcançar o destino (MICHALSKI; PERES, 2005). O cálculo da acessibilidade baseada na distância-custo pode se valer das ferramentas SIG em programas específicos como ArcGIS e Arcview (ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 1996, 2006) e requerem duas entradas em formato raster: (1) um arquivo de resistência/fricção que indique o custo de movimento entre as células (e.g. mapa declividade) e (2) um arquivo do ponto de origem, a partir do qual é medido o custo de movimento cumulativo para cada célula de destino (Figura 4). Ou seja, cada célula adjacente contém a medida de custo da distância que acumulou de sua célula fonte mais próxima (ROTHLEY, 2009; THEOBALD, 2006). Figura 4 - Exemplo esquemático mostrando a criação do arquivo raster de resistência que é utilizado no modelo da distância-custo no programa ArcGIS 9.x (adaptado de ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2006). Neste exemplo, os mapas de declividade e uso do solo foram considerados como fatores que influenciam o custo de movimento na paisagem. Como estes mapas estão em sistemas de unidades diferentes (tipo de uso do solo e percentagem de declividade), eles não podem ser comparados entre si e devem ser reclassificados em uma escala comum (neste exemplo, escala de 1 a 10). O próximo passo consiste em unir estes dois mapas de resistência em um só, mas é necessário ponderar a importância de cada um. No exemplo, consideramos que evitar terreno declivoso é mais importante que o tipo de uso do solo. Por este motivo multiplicamos pesos proporcionais a cada mapa. O arquivo final de resistência é a soma dos mapas de resistência ponderados. 39| O arquivo raster final da superfície de custo indica a distância efetiva de cada célula na paisagem até seu ponto de origem e vice-versa (Figura 5). A função do algoritmo da distância-custo utiliza o arquivo de resistência e calcula um valor para cada célula, que é o menor custo acumulado desta célula até a célula fonte mais próxima (célula de origem) (ROTHLEY, 2005; THEOBALD, 2006). Esta função calcula o custo de se mover do centro de uma célula a outra e utiliza a seguinte equação, baseada em Mitchell (1999) (Figura 5): Ci= (custoi * resol/2) + (custoj * resol/2) Onde: Ci = valor da distância-custo da célula i do modelo de superfície de custo; custo i = valor do custo (a partir do arquivo de resistência) da célula i de origem do movimento; custo j = valor do custo (a partir do arquivo de resistência) da célula j de destino do movimento; resol = tamanho da célula, resolução. A unidade de medida do custo é expressa em metros, pés, etc. Se o movimento ocorrer na diagonal, a distância é um pouco mais longa e o custo é acrescido proporcionalmente, multiplicando-se o tamanho da célula por 1,4 (MITCHELL, 1999). 40| Figura 5 - Exemplo esquemático mostrando a criação do modelo final da superfície de custo no programa ArcGIS 9.x (adaptado de ENVIRONMENTAL SYSTEMS RESEARCH INSTITUTE, 2006). Esta função do algoritmo requer um arquivo de resistência e um dos pontos de origem do movimento. Este último pode conter zonas múltiplas, conectadas ou não. Todas as células deste arquivo com algum valor (inclusive zero) são processadas como células fonte e as outras devem ser designadas como sem valor. Neste exemplo, o tamanho da célula (resolução) considerado é 10 m. A medida da acessibilidade física humana é fundamental nas estratégias de conservação. Segundo Vickery (1995), o crescente interesse por recreação ao ar livre e o conseqüente aumento de visitações em áreas protegidas, nos últimos anos, podem causar consideráveis degradações e perturbações ambientais. O autor recomenda que a permissão para o acesso a estes locais só deve acontecer com planejamento cuidadoso. No Brasil, uma ferramenta utilizada em manejos de áreas protegidas e que considera o fator da acessibilidade é o zoneamento ambiental, inserido nos Planos de Manejo das Unidades de Conservação. Como consta na Lei n o 9.985/00, o plano de manejo é um 41| documento técnico do processo de planejamento das Unidades de Conservação (UCs) 8 , no qual se estabelece, dentre outros fundamentos, o seu zoneamento. O zoneamento ambiental é uma forma de delimitar geograficamente áreas ou zonas específicas das reservas de acordo com a intensidade da atividade humana visando, assim, à proteção ou a utilização racional dos seus recursos (CLARK, 1974). Para Henrique (2000), o zoneamento ambiental no Brasil é falho, pois ao invés da implementação antecipada, como forma de planejamento de uso e ocupação das áreas, estas ações acontecem como forma de mitigar os impactos já causados, após a constatação do problema. Atualmente, com o aumento do turismo no Brasil, há grande afluência de pessoas para as UCs, no entanto, estes parques e reservas não estão preparados para atender uma demanda que deveria conciliar recreação e planos de conservação (LINDBERG; HAWKINS, 2002; KINKER, 2005). Em UCs de ambiente insular, a situação é mais crítica. Grande parte das ilhas da costa brasileira está sob proteção legal atualmente. Apesar disto, a conservação destes ambientes não logra eficácia com base nos instrumentos legais. Os planos de manejo das UCs brasileiras seguem o modelo americano de gestão, com experiência em parques continentais. Por isso, na maioria dos casos, os planos de manejo de parques insulares não consideram suas particularidades e nem sua dinâmica biogeográfica como aspecto relevante (FURLAN, 1997). Este é o caso do Parque Estadual da Ilha Anchieta (PEIA), cujo plano de manejo data de 1989, sem que houvesse, até hoje, nenhuma revisão. Além disso, Furlan (1996) aponta falhas graves no plano de manejo do PEIA: (1) dados socioambientais fragmentados e não articulados; (2) mau uso do conceito de capacidade suporte humano (que deve levar em conta a dinâmica e a limitação do meio juntamente, com usos socioambientais justos e não apenas informações sobre o número de pessoas por área de lazer, como acontece no caso do PEIA); (3) ausência de análises dos efeitos antrópicos e (4) adoção de critério de zoneamento equivocado (considera ambientes inteiros passíveis de uso, sem avaliar a conservação de importantes ecossistemas. Além disso, não existem zonas primitivas 9 , como mencionado no plano de manejo, existem sim, padrões de sucessão ainda em processo de caracterização). 8 Definida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”, instituída pela Lei n.o 9.985 de 18/07/2000 e regulamentado pelo Decreto n.o 4.340 de 22/08/2002. 9 Zona primitiva inclui as áreas onde tenha ocorrido pequena ou mínima intervenção humana, com espécies da flora e da fauna ou fenômenos naturais de grande valor científico (SÃO PAULO, 1986). http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.985-2000?OpenDocument 42| O zoneamento adotado em áreas protegidas pode ser permanente ou estacional/temporal (EAGLES; McCOOL; HAYNES, 2002). Este último é mais útil em habitats costeiros, pois prevê a restrição de acesso a determinados locais, com o objetivo de preservar sítios de nidificação e acasalamento de pássaros e mamíferos, respectivamente, em certas épocas do ano (VICKERY, 1995). No caso dos parques estaduais de São Paulo a elaboração do plano de manejo deve especificar, em seu zoneamento, total ou parcialmente, as seguintes zonas: 1) Zona Intangível, 2) Zona Primitiva, 3) Zona de Uso Extensivo, 4) Zona de Uso Intensivo, 5) Zona Histórico-Cultural, 6) Zona de Recuperação e 7) Zona de Uso Especial (SÃO PAULO, 1986). De acordo com Eagles, McCool e Haynes (2002), há vários benefícios com a aplicação do zoneamento ambiental em áreas protegidas: (1) este processo auxilia os gestores, visitantes e as comunidades locais a entender quais e onde os valores do parque estão localizados, (2) com o estabelecimento de padrões de impactos humanos aceitáveis é possível controlar a disseminação de impactos indesejáveis, (3) o zoneamento fornece melhor conhecimento sobre a natureza e a distribuição de diferentes atividades de turismo e recreação dentro e no entorno das áreas naturais protegidas. No que concerne ao zoneamento, os objetivos conservacionistas podem atingir melhores resultados se o uso recreacional for concentrado em certas áreas da reserva, ou do parque em questão. O fornecimento de facilidades como mesas e duchas, pode encorajar a permanência dos turistas nestas áreas e, assim, reduzir a pressão nas áreas mais sensíveis (VICKERY, 1995). Esta prática de liberar o acesso humano a certas áreas da reserva e restringir o uso de alguns locais mais sensíveis pode ser fundamental para conservar espécies raras e endêmicas da região. Fenell (2003) considera o zoneamento ambiental de áreas protegidas uma ferramenta chave no planejamento e manejo destas áreas. Para isso, o zoneamento deve considerar todas as atividades que ocorrem nos limites dos parques, como uso/cobertura do solo, recreação e turismo. Atualmente, o uso do geoprocessamento configura-se como ferramenta eficaz no planejamento da conservação de áreas naturais protegidas, pois o sinergismo das tecnologias de SIG e sensoriamento remoto facilitam o acesso e a integração de muitos tipos de dados e permitem sua rápida atualização. Como visto, a acessibilidade pode determinar o grau e a intensidade do impacto humano nas áreas protegidas. É um fator importante, como destacado, e que deve ser considerado nos planos de manejo das UCs, como estratégia de conservação. 43| 2.3 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE ESPÉCIES E NICHO ECOLÓGICO A distribuição espacial pode ser definida como a ocorrência e o arranjo espacial em uma área ocupada pela população ou espécie (THOMPSON; WHITE; GOWAN, 1998). Soberón (2007) vai além e define a distribuição, num espaço geográfico, como conjuntos de células de grade (grid cells) no qual, indivíduos ou populações são, potencial ou realmente, detectados. A distribuição varia no tempo e no espaço e é determinada pela localização geográfica e pelas mudanças sazonais dos padrões de movimento (JI; JESKE, 2000; MORRISON; MARCOT; MANNAN, 2006). Com base no exposto, ela pode ser subdividida em extensão total e extensão em época reprodutiva, com possibilidade de mapeamento em diferentes escalas (CAUGHLEY; SINCLAIR, 1994). Segundo os autores, o chamado limite da distribuição ocorre quando, em média, um indivíduo não contribui para a próxima geração 10 e, portanto, altera as características daquela população. O ambiente em que vivem muitas espécies ou populações possui rede de interações complexa entre fatores bióticos e abióticos, que influenciam sua distribuição e abundância (COX; MOORE, 1993). Deste modo, o padrão de distribuição das espécies pode ser limitado pelos seguintes fatores (CAUGHLEY; SINCLAIR, 1994; KREBS, 2001; SOBERÓN, 2007): 1. Fatores físicos e ambientais: decorrentes da variação de temperatura, presença ou não de luminosidade adequada, umidade, disponibilidade de água e alimentos, etc.; 2. Características ecológicas: resultantes de interações intra e/ou interespecíficas, como: predação, competição, parasitismo e de comportamentos (reprodução, seleção de habitat, etc.); 3. Padrão espacial da paisagem: decorrentes da característica do habitat, tais como: forma, tamanho, conectividade, permeabilidade da matriz, etc.; 4. Eventos históricos: resultantes dos padrões de dispersão11, migração, extinção, especiação, etc. Krebs (2001)