UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Mayara Travalini de Lima Treinamento melhora a confiabilidade para as escalas de sedação e de dor em cães. Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Stelio Pacca Loureiro Luna Coorientadora: Nadia Crosignani Outeda Botucatu 2020 Mayara Travalini de Lima Treinamento melhora a confiabilidade para as escalas de sedação e de dor em cães. Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Stelio Pacca Loureiro Luna Coorientadora: Profa. Dra. Nadia Crosignani Outeda Botucatu 2020 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE-CRB 8/5651 Lima, Mayara Travalini de. Treinamento melhora a confiabilidade para as escalas de sedação e de dor em cães / Mayara Travalini de Lima. - Botucatu, 2020 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina de Botucatu Orientador: Stelio Pacca Loureiro Luna Coorientador: Nadia Crosignani Outeda Capes: 50501011 1. Cães. 2. Analgesia. 3. Dor em animais. 4 Animais - Proteção. 5. Anestesia animal. Palavras-chave: Analgesia; Bem-estar animal; Cães; Confiabilidade; Treinamento. Mayara Travalini de Lima Treinamento melhora a confiabilidade para as escalas de sedação e de dor em cães. Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Stelio Pacca Loureiro Luna Coorientadora: Profa. Dra. Nadia Crosignani Outeda Comissão examinadora Prof. Dr. Stelio Pacca Loureiro Luna Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Câmpus de Botucatu, SP. Profa. Dra. Fernanda Fukushima Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Botucatu, SP. Profa. Dra. Sandra Mastrocinque Centro Universitário Barão de Mauá, Campus Jardim Paulista, Brasil, SP. Botucatu, 19 de fevereiro de 2020. Dedicatória Aos meus pais Marcos e Marli de Lima e meus Tios Sérgio e Claudia Travalini por me apoiarem e me acolherem dentro de todas as dificuldades e por serem seres humanos nos quais me espelho. Aos animais que demonstram carinho, afeto e a grandiosidade da Medicina Veterinária. Agradecimentos A Deus acima de tudo. Aos meus pais e à minha irmã Marcely, que sonharam e sonham comigo e que apesar da distância e dos momentos de estresse me apoiam e propiciam o melhor, acreditando em mim mesmo quando duvido do meu potencial e quando tive vontade de desistir de tudo e fugir do mundo. Devo tudo a vocês, desde o carinho, o amor incondicional, a dedicação e a vontade imensa de me ver feliz, sempre me colocando em primeiro lugar com amor e lealdade. Essa dissertação é para vocês! Ao meu orientador e grande amigo Prof. Stelio, que mesmo nos momentos de desespero e cansaço esteve presente e sentou ao meu lado e que mesmo atarefado consegue sempre me dar atenção e age como uma pessoa ímpar que passa tardes me explicando tudo e transmitindo seu conhecimento com muito carinho. Quem desabafou e corrigiu meus textos e que, mesmo com broncas ou críticas sempre teve a intenção de me fazer evoluir. Muito obrigada por ser especial e me acolher com tanto! Agradeço a Deus por ter te colocado em meu caminho desde o 3º ano de faculdade, por me incentivar e despertar interesse pela anestesiologia e pela pesquisa com honestidade e transparência! À minha CROrientadora e amiga Profa. Nadia por toda a ajuda desde a SEAB, ideias e socorros nas horas de sufoco, durante toda a residência e pelo carinho e vontade de ensinar. Aos Professores Francisco José Teixeira Neto e Antonio José de Araujo Aguiar por me abrirem novos caminhos. À Professora Tereza por ser uma grande amiga e sempre me incentivar nessa jornada com amizade e amor. Aos meus tios Sérgio e Cláudia Travalini que me acolheram em São Paulo diversas vezes sempre sorrindo para me auxiliar durante os estudos de graduação e pós-graduação, me propiciando amor e carinho. Às minhas “irmãs” Annalú Ferreira e Alana Lucena, que me proporcionaram os melhores momentos em Botucatu e que também me acolheram nos momentos de maior dificuldade. Aos colegas de pós-graduação, por serem minha segunda família e tornarem meu mestrado muito mais leve. À Carol Hagy quem me despertou o interesse por coisas novas desde a residência e que sempre esteve ao meu lado nos momentos de desabafo ou de incentivo. À Alice por sempre me ouvir, dar broncas quando necessário e me ajudar no desenvolvimento do estudo e coleta de dados. À Mariuxa por todos os almoços, conversas, fofocas e desabafos. À Daniela Santilli por ser minha fiel parceira de mestrado, monitorias e pós-graduações na conexão Botuca-Sampa! Que nossa amizade e vínculo permaneçam por muito tempo! Obrigada por participar de tudo isso e por tornar os momentos de desespero muitas vezes engraçados, por me ajudar a ter forças e principalmente por caminhar comigo! Ao Pedro por rodar minha estatística três vezes e por me ensinar tanto como não ter erros em planilhas me deixando de cabelos em pé em troca de cafés, palha italiana e pequenos surtos e também ao Nuno por estar presente sempre ajudando quando necessário com muito apreço. Aos meus familiares e amigos com muito amor e carinho! À Manu (Pipa) e ao Lobo pela admiração, amizade e parceria infinitas! Obrigada por existirem/ À Tati e à Márcia da secretaria que me auxiliaram nos momentos de burocracia e documentação sempre muito prestativas. À FAPESP- Projeto Temático – Processo 2017/12815-0 Ao CNPq pela bolsa de estudos – Processo 130605/2018-2 À Juliana Gil, Alice Oliveira e Thayná Raineri por acreditarem e se dedicarem às avaliações, conversas, vídeos e NOSSO projeto. A todos tutores e cães, que possibilitaram esse sonho. Epígrafe “”Desistir do que parece inatingível? Ora... O que seria da vida sem a mágica presença das estrelas? ” Mário Quintana https://www.pensador.com/autor/albert_einstein/ RESUMO Na medicina veterinária apesar do avanço da avaliação da dor, ainda ocorrem negligência e oligoanalgesia. Este estudo clínico, prospectivo, encoberto, pragmático e oportunista avaliou a interferência do treinamento na confiabilidade das escalas de sedação, dor aguda e na tomada de decisão para intervenção analgésica em cães. Quatro avaliadoras, uma graduanda, uma mestranda, uma doutoranda e uma etologista clínica avaliaram 40 vídeos de dez cães submetidos à cirurgia ortopédica ou de tecidos moles referentes a quatro momentos, um pré (basal) e três pós-operatórios (1 a 24 horas) em cada cão. Avaliaram- se cinco cães antes e outros cinco cães após o treinamento, em duas etapas para cada avaliação, com intervalo de 30 dias entre cada etapa. Nas duas avaliações três cães foram submetidos à cirurgia ortopédica e dois de tecidos moles, com equivalência dos escores de dor entre as etapas. Considerou-se α 5% e avaliaram-se a repetibilidade e reprodutibilidade antes (Pre.T) e após (Pos.T) o treinamento das escalas numérica, descritiva simples e necessidade de resgate analgésico pelo coeficiente Kappa ponderado. Para a escala analógica visual e escalas de Glasgow (CMPS-SF), Melbourne (UMPS) e sedação aplicou-se o coeficiente de correção intraclasse (CCI) e IC95%. A repetibilidade melhorou para a CMPS-SF (p = 0,041; Pre.T 0,68 – 0,9; Pos.T 0,8 – 0,93), UMPS (p = 0,03; Pre.T 0,5–0,84; Pos.T 0,83 – 0,87) e resgate analgésico (p = 0.038; Pre.T 0,58 – 0,74; Pos.T 0,71 – 1,0) e a reprodutibilidade melhorou para escala analógica visual (EAV) (p = 0,041, Pre.T -0,37 – 0,74; Pos.T 0,35 – 0,64), resgate analgésico (p = 0,021; Pre.T 0,33 – 0,76 e Pos.T 0,59-0,8) e sedação (p = 0.028; Pre.T 0,47 – 0,80 e Pos.T 0,70 – 0,90). O treinamento não alterou a repetibilidade das escalas de dor unidimensionais, nem de sedação e não influenciou a reprodutibilidade da CMPS-SF e UMPS, porém após o treinamento os escores destas escalas não apresentaram diferenças entre as avaliadoras. Conclui-se que deve-se implementar o treinamento antes do uso clínico ou experimental da CMPS-SF, UMPS e da escala de sedação em cães, para melhorar a repetibilidade e reprodutibilidade e garantir resultados fidedignos em estudos sobre comportamento e a eficácia de analgésicos. Palavras-chave: Analgesia, Bem-estar animal, Cães, Confiabilidade, Dor, Treinamento ABSTRACT Despite a notable progress in pain assessment in veterinary medicine, there is still much neglect and undertreatment of pain. This clinical, prospective, covered and opportunist research has appraised the interference of training on reliability of sedation and acute pain scales, as well as of decision-making for analgesic administrations in dogs. Four evaluators (an undergraduate, a master’s and a PhD student, plus a clinical ethologist) have assessed fourty videos of ten dogs submitted to orthopedic or soft tissue surgery recorded at four distinct moments: baseline and three postoperative (1 through 24 hours) for each dog. Five dogs were evaluated before treatment and other five were evaluated afterwards, as carried out in two stages for each assessment and respecting a 30-days gap between them. In two evaluations, three dogs underwent orthopedic surgery, whereas two were submitted to a soft tissue procedure, with score equivalence between stages. The α was set at 5% and both repeatability and reproducibility were analyzed before (Pre.T) and after (Pos.T) training the numerical and the simple descriptive scales, plus the need of rescue analgesia of Kappa ponderado. As for the visual analog (EAV) and the Glasgow (CMPS-SF), Melbourne (UMPS) and sedation scales, it was applied the intraclass correlation coefficient (CCI) and IC95%. The repeatability was improved for the CMPS- SF (p = 0,041; Pre.T 0,68 – 0,9; Pos.T 0,8 – 0,93), for the UMPS (p = 0,03; Pre.T 0,5– 0,84; Pos.T 0,83 – 0,87) and for the need of rescue analgesia (p = 0.038; Pre.T 0,58 – 0,74; Pos.T 0,71 – 1,0), as was the reproducibility for the EAV (p = 0,041, Pre.T -0,37 – 0,74; Pos.T 0,35 – 0,64), for rescue analgesia (p = 0,021; Pre.T 0,33 – 0,76 and Pos.T 0,59-0,8) and for sedation scale (p = 0.028; Pre.T 0,47 – 0,80 and Pos.T 0,70 – 0,90). Training has not altered repeatability of one-dimensional pain scales nor the sedation scale, and has not influenced reproducibility of CMPS-SF and UMPS, though their scores have not exhibited differences among evaluators. Therefore, one should establish trainings before clinical or experimental use of CMPS-SF, UMPS and sedation scaling in dogs, in order to augment repeatability and reproducibility and ensure dependable results in studies regarding behavior and analgesic efficiency. Key words: Analgesia, Animal welfare, Dogs, Pain, Reliability, Training. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Linha do tempo sobre a metodologia do estudo prospectivo, encoberto, oportunista e aleatório. Observam-se nos retângulos azuis os sorteios dos vídeos advindos do sorteio do estudo paralelo e do segundo sorteio que originou os quatro momentos perioperatórios totalizando 40 vídeos e dez cães que foram subdivididos em fases pré- e pós-treinamento para a realização de análises por quatro avaliadoras sobre 20 vídeos de cinco cães (retângulo vermelho) submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 3) e de tecidos moles (n = 2), intercalados de 30 dias e re-aleatorizados entre a 1ª e 2ª avaliações antes do treinamento, treinamento em estúdio e avaliação de novos 20 vídeos oriundos de outros cinco cães (retângulo verde) submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 3) e de tecidos moles (n = 2) após o treinamento, intervalada de 30 dias e re-aleatorizados entre a 1ª e 2ª avaliação. ........................................................................................................................ 27 Figura 2. Interação entre avaliador e cão de forma presencial com filmagens simultâneas. ........................................................................................................................................ 33 Figura 3. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador da CMPS-SF obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ....................................................................................... 39 Figura 4. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador da UMPS obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após o treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) e cirurgias de tecidos moles (n = 4). ............................................. 40 Figura 5. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador do resgate analgésico obtida pelo coeficiente Kappa ponderado e intervalo de confiança 95% dos quatro avaliadores antes e após o treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) e cirurgias de tecidos moles (n = 4). ................................................................... 42 Figura 6. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter-avaliador da escala abreviada de sedação em cães obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ............................................ 44 Figura 7. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter-avaliador da EAV obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ..................................................................................................... 49 Figura 8. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter-avaliador da necessidade de resgate analgésico obtida pelo coeficiente Kappa e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ............................................ 52 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Confiabilidade intra-avaliador (repetibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% antes e após-treinamento para a CMPS- SF, UMPS, escala de sedação e escala analógica visual, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos à osteossíntese (n = 6) ou cirurgias de tecidos moles (n = 4). ........................................................................ 38 Tabela 2. Confiabilidade intra-avaliador (repetibilidade) obtida pelo Kappa ponderado e pelo intervalo de confiança de 95% antes e após treinamento para as escalas descritiva simples, numérica e para a necessidade de resgate analgésico, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ..................................................... 41 Tabela 3. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre uma graduanda, uma mestranda, uma etologista clínica e uma doutoranda, antes e após treinamento para sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos à cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ................................................................................ 43 Tabela 4. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre quatro avaliadoras antes e após o treinamento para a CMPS-SF a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos à cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou cirurgias de tecidos moles (n = 4). .................................................................................. 45 Tabela 5. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% determinada pelas quatro avaliadoras antes e após o treinamento para a UMPS a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). ............................................................................................ 46 Tabela 6. Mediana e amplitude (valores mínimo-máximo) ou média (desvio-padrão) dos escores totais da sedação e dor determinados pelas quatro observadoras antes e após o treinamento, para as escalas numérica, descritiva simples, escala abreviada de sedação, CMPS-SF, UMPS e EAV a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). .................................................................................................................. 47 Tabela 7. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre as quatro avaliadoras antes e após o treinamento, para a EAV a partir da análise de 40 vídeos oriundo de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou às cirurgias de tecidos moles (n = 4). ............................................................................. 48 Tabela 8 Confiabilidade inter- avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente Kappa ponderado e pelo intervalo de confiança de 95% entre as quatro avaliadoras antes e após o treinamento, para as escalas numérica, descritiva simples e para a necessidade de resgate analgésico, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou às cirurgias de tecidos moles (n = 4). ................................................................................................. 51 LISTA DE ABREVIAÇÕES Acepram AINE Bupi Acepromazina 0,2% Antiinflamatório não-esteroide Bupivacaína 0,5% sem vasoconstritor C Cetamina 100 mg/mL CMPS Escala composta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow CMPS-SF Escala abreviada para a avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow CCI Coeficiente de correlação intraclasse EAV Escala Analógica Visual EDS Escala Descritiva Simples EN Escala Numérica F Fentanila 50µg/mL f Fêmea FC Frequência Cardíaca FGS Escala Facial para avaliação da Dor Aguda em Gatos FMVZ Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP – Botucatu GTM Grupo de animais submetidos às cirurgias de tecidos moles GO Grupo de animais submetidos às cirurgias ortopédicas IC95 Intervalo de confiança de 95% IM Intramuscular IV Intravenoso Iso Isoflurano Kw Coeficiente Kappa ponderado Lido Lidocaína 2% sem vasoconstritor mg/kg miligrama por quilo (unidade) OSH Ovariossalpingohisterectomia M Momento Metad Metadona 10 mg/mL Morf Morfina 10 mg/mL MPA Medicação pré-anestésica Mx Meloxicam a 0,2% P Professor PAS Pressão arterial sistólica PG Pós-graduando P.Op. Analgesia pós-operatória imediata por via intramuscular Pos.T Pós-treinamento Pré.T Pré-treinamento R Residente RA Resgate Analgésico T Tempo em minutos da indução à extubação UMPS Escala para avaliação de dor aguda em cães da Universidade de Melbourne. µg/kg Micrograma por quilo (unidade da dose) LISTA DE SÍMBOLOS ± Mais ou menos ≥ Maior ou igual ≤ Menor ou igual µ Micrograma ® Registrado * Expressa diferença (p ≤ 0,05) LISTA DE ANEXOS Anexo 1. Protocolo de Comissão de Ética de Uso de Animais em Experimentos de acordo com as normas do Conselho Nacional de Experimentação Animal – CONCEA .......... 64 Anexo 2. Incorporação do subprojeto ao projeto guarda-chuva e à CEUA ................... 65 Anexo 3. Termo de consentimento livre e esclarecido redigido em linguagem coloquial. ........................................................................................................................................ 66 Anexo 4. UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999) ............................................................... 66 Anexo 5. CMPS-SF (REID et al., 2007) ........................................................................ 68 Anexo 6. Escala Abreviada de sedação (GRINT; BURFORD; DUGDALE, 2009; WAGNER; HECKER; PANG, 2017) ............................................................................ 69 Anexo 7. Descritores comportamentais – adaptado (HOLTON et al., 2001) ............... 70 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 17 2. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................... 19 3. HIPÓTESE .............................................................................................................. 23 4. OBJETIVO .............................................................................................................. 25 5. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................... 26 5.1. Instalações ........................................................................................................... 26 5.2. Delineamento experimental ................................................................................. 26 5.3. Animais e videoclipes ...................................................................................... 31 5.4. Tradução e retro-tradução das escalas de sedação e de avaliação da dor aguda em cães: ....................................................................................................................... 32 5.5. Avaliação perioperatória .................................................................................. 32 5.5.1. Resgate analgésico ....................................................................................... 33 5.6. Análise do treinamento em estúdio .................................................................. 34 5.7. Análise estatística ................................................................................................ 35 6. RESULTADOS ....................................................................................................... 36 7. DISCUSSÃO ........................................................................................................... 53 8. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 58 9. REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 59 10. ANEXOS ............................................................................................................. 64 17 1. INTRODUÇÃO Embora a dor adaptativa seja um mecanismo protetor, constituído pelos componentes sensoriais, afetivos e motivacionais, quando negligenciada pode-se tornar a principal causa de morbidade perioperatória e converter-se em um estado patológico que altere a plasticidade neuronal irreversivelmente. Neste caso a dor passa a ser maladaptativa e interfere na qualidade de vida do paciente (GUEDES, 2017; RIALLAND et al., 2012). O diagnóstico e tratamento da dor são imprescindíveis para garantir conforto, bem-estar e qualidade de vida em animais. No entanto, como os animais são incapazes de verbalizar o sentimento da dor, seu reconhecimento e terapia ainda representam-se como grandes desafios aos tutores, enfermeiros e médicos veterinários (LORENA et al., 2013). Por este motivo, a etologia animal torna-se chave para qualificar e quantificar a dor em animais (MATHEWS et al., 2014; ROBERTSON; SIMPSON, 2015). A falha no diagnóstico da dor e, consequentemente resultados falso-negativos, gera oligoanalgesia, que na medicina veterinária ocorre com frequência no internamento, nas emergências e no período perioperatório. Para avançar na formação dos técnicos na área da terapia antálgica é imprescindível o acesso à educação continuada, assim como o desenvolvimento e implementação de ferramentas validadas, baseadas na avaliação de comportamentos espécie-específicos que mensurem todas as dimensões da dor (SIMON et al., 2017). O resultado positivo da educação continuada para avaliar e tratar a dor no ser humano já é demonstrado pelas ações de instituições como a International Association for the Study of Pain – IASP e a World Federation of Societies of Anaesthesiologists – WFSA, que subsidiam e financiam projetos e bolsas de estudo para a criação de oficinas de educação para o reconhecimento e treinamento no controle da dor em ambiente multidisciplinar (BOND, 2011). Para gatos há uma ferramenta de educação continuada validada em reconhecer a dor aguda por meio de métodos de ensino interativo à distância via vídeos alocados no site www.animalpain.com.br (BRONDANI et al., 2013) disponível em inglês, espanhol e português e que já obteve um considerável número de acessos para fins educacionais e científicos. O diagnóstico falso positivo é o contraponto à falha no diagnóstico apropriado da dor. Neste caso os animais recebem analgesia desnecessariamente. Uma das maiores causas desta ocorrência é a sedação, que embora seja fundamental para controlar a ansiedade, facilitar o manejo perioperatório e assegurar uma recuperação mais tranquila, https://www.iasp-pain.org/ https://www.iasp-pain.org/ http://www.animalpain.com.br/ 18 pode ser fator de confusão. Esta situação pode ocorrer quando a dor é avaliada por observadores inexperientes e até mesmo pelos considerados experientes, mas que não passaram por um treinamento prévio adequado (DOODNAUGHT et al., 2017; WAGNER; HECKER; PANG, 2017). Idealmente, as escalas para avaliar a dor e a sedação em qualquer espécie devem- se fundamentar em descritores comportamentais completos e condizentes com as definições do dicionário (BRONDANI et al., 2013; HOLTON et al., 2001) e englobarem uma validação estatística robusta baseada em confiabilidade e validade (BRONDANI et al., 2013; MEROLA; MILLS, 2016). Para ser confiável, a escala deve possuir confiabilidade intra-avaliador, ou seja, repetibilidade e confiabilidade inter-avaliador ou reprodutibilidade (BENITO et al., 2017; BOATENG et al., 2018). A repetibilidade compara os resultados de um mesmo avaliador em duas análises, intervaladas por 21 dias ou mais (MARTIN; BATESON, 2013; TAYLOR; MILLS, 2006). Quando se utiliza mais de um observador, recomenda-se realizar um treinamento prévio para maximizar a repetibilidade, pois resultados inconsistentes nesta podem interferir também na reprodutibilidade (MURPHY, 1998; TAYLOR; MILLS, 2006). A reprodutibilidade mede a concordância de diferentes avaliadores em aferir uma situação idêntica (MARTIN; BATESON, 2013). A análise da reprodutibilidade é útil para definir testes mal desenvolvidos e possíveis diferenças de diagnóstico interpessoais, relacionados ao grau de experiência e à variabilidade individual do avaliador (BARLETTA et al., 2016; MICH et al., 2010; MURPHY, 1998). Não há valores padrão para estabelecer uma confiabilidade mínima aceitável do coeficiente de correlação intraclasse ou Kappa ponderado. Valores baixos refletem concordância baixa, pequeno número da amostra ou de avaliadores. Para estudar a confiabilidade, sugere-se avaliar ao menos 30 amostras heterogêneas e instituir no mínimo três avaliadores diferentes. Além disso, os resultados da confiabilidade devem se correlacionar ao intervalo de confiança de 95%, o que indica que seus resultados apresentam 95% de chance de estarem entre seus valores mínimo e máximo (KOO; LI, 2016). A escala curta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS-SF) (REID et al., 2007) foi testada por diferentes avaliadores em estudo multicêntrico e é a escala mais usada para avaliar a dor em cães. Embora se baseie na escala composta para avaliar a dor em cães da Universidade de Glasgow (CMPS) (HOLTON et al., 2001), não há informação sobre sua repetibilidade e a sua reprodutibilidade variou entre pobre a moderada de acordo com a experiência dos 19 avaliadores (BARLETTA et al., 2016; GUILLOT et al., 2011). Para a UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999), só há informação sobre a reprodutibilidade, baseada na avaliação presencial versus vídeos. Para a escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), analisou-se apenas a reprodutibilidade por meio de filmagens entre cinco anestesiologistas experientes. Desta forma, até o momento, não há na literatura informação sobre a repetibilidade para nenhuma destas escalas, atributo fundamental para se considerar uma escala confiável. Um outro ponto relevante é a falta de informação a respeito do efeito do treinamento ao usar estes instrumentos para avaliar a dor (FIRTH; HALDANE, 1999; MORTON et al., 2005) Visto que há poucos estudos sobre o impacto da realização de um treinamento prévio em avaliadores com diferentes níveis de experiência para mensurar a sedação e a dor aguda em cães, e baseado na hipótese que o treinamento melhora a habilidade em identificar a presença e a intensidade da sedação e dor em cães, objetivou-se investigar o impacto do treinamento em estúdio na confiabilidade intra e inter-observadores da escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e das escalas unidimensionais e compostas de dor aguda em cães (FIRTH; HALDANE, 1999; REID et al., 2007). 2. REVISÃO DA LITERATURA 20 A espécie canina além de animal de estimação e trabalho, incorpora-se de forma crescente em terapias de indivíduos que possuem dificuldade de relacionamento, doenças crônicas, problemas emocionais ou necessidades físicas, pois promove elevação da autoestima, diminuição da ansiedade, melhora das relações interpessoais, redução no estresse, regulação da pressão arterial e diminuição no risco de infartos (MCIVER; HALL; MILLS, 2020). Ao mesmo tempo, no contexto translacional, há grande interesse em estudar as diferentes abordagens para cirurgias ortopédicas e para o controle da dor, que podem ser comuns entre cães e seres humanos (RIALLAND et al., 2012). A oligoanalgesia é um problema de caráter mundial e ocorre devido à lacuna de tratamento em áreas da saúde, correlacionando-se à deficiência educacional e às condições precárias que vêm sendo minimizadas através da implementação de programas que resultam no ensino da dor e de seu manejo clínico (BOND, 2011). Embora a capacidade fisiológica de perceber e responder à dor contribua para a saúde, a ausência de seu tratamento promove limitações das capacidades funcionais, aumenta o tempo de cicatrização, reduz o apetite, aumenta o tempo de internação e interfere no conforto e bem-estar (GUEDES, 2017; RIALLAND et al., 2012; ROURKE, 2004). O alívio da dor é um direito dos seres humanos e também dos animais por questões éticas e morais (BOND, 2011). Apesar de não existir regras universais para mensurar, quantificar e qualificar a dor em cães, o desenvolvimento de métricas é aceitável e importante para padronizar as normas estabelecidas. Deste modo, surgiram ferramentas que possibilitam a mensuração de características subjetivas de forma clara e prática a fim de gerar resultados palpáveis com maior objetividade (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003; RAEKALLIO et al., 2003; SIMON et al., 2017). Os sinais de dor eram anteriormente mensurados apenas de modo quantitativo extrapolando-se as escalas unidimensionais, que são amplamente utilizadas para avaliação da dor adaptativa (ou aguda) em seres humanos (HOLTON et al., 2001; HUNDLEBY; NUNNALLY, 1968). Deste modo, até meados dos anos 2000, aplicavam- se as escalas analógica visual (EAV), descritiva simples (EDS) e numérica (EN) (BRONDANI et al., 2013), pois, em seres humanos, quando associadas aos auto-relatos, considera-se a EAV como a melhor escala a ser aplicada (EDNEY, 1995). Entretanto, para seres humanos incapazes de verbalizá-la, como por exemplo, pacientes com demência ou neonatais, potencializa-se a dificuldade da identificação da dor e da análise da eficácia de um determinado tratamento devido à falta de comunicação efetiva, assim como na medicina veterinária (EDNEY, 1995; MUIR; WIESE; WITTUM, 2004; YAZBEK et al., 2017). Ainda, sabe-se que a aplicabilidade da escala analógica visual 21 limita-se aos profissionais treinados e capazes de interpretar os sinais de dor, quando associada a auto-relatos e utilizada de forma progressiva (FIRTH; HALDANE, 1999). Tais escalas são demasiadamente subjetivas e propensas à baixa confiabilidade e reprodutibilidade quando utilizadas para avaliar a dor aguda em cães em ambientes hospitalares (HOLTON et al., 1998; ROBERTSON; SANCHEZ, 2010). Isto posto, faz- se necessário desenvolver e validar escalas intra e interespecíficas que são capazes de quantificar e qualificar a dor (FIRTH; HALDANE, 1999), como por exemplo o questionário análogo de McGill que foi criado para ser utilizado na avaliação de seres humanos pela miscelânea de descritores sobre a experiência dolorosa relatada através da análise de suas características sensoriais, afetivas e também do grau de sua intensidade (DIXON; BIRD, 1981; HUNDLEBY; NUNNALLY, 1968). Para ser uma ferramenta válida e universal, as escalas devem ser compostas por itens objetivos e de rápida aplicação à população-alvo, desenvolver uma coleção inicial de descritores comportamentais com um etograma espécie-específico na ausência e na presença da dor, que possibilita diagnósticos concisos com alto grau de correlação, prognóstico e quantificação da dor do paciente (BRONDANI et al., 2013; MARTIN; BATESON, 2013; MORTON et al., 2005; REID et al., 2007; SIMON et al., 2017). Portanto, para ser considerada fidedigna a ferramenta deve apresentar validação estatística de conteúdo, constructo e critério, possuir alto grau de confiabilidade intra- e interavaliadores, boa consistência interna, correlação item-total, boa especificidade e sensibilidade e ponto de corte estatístico que determina a presença da dor e a necessidade de resgate analgésico (BELSHAW et al., 2015; BOATENG et al., 2018; BRONDANI et al., 2013; FIRTH; HALDANE, 1999; REID et al., 2007). Sendo assim, cada item deve ser analisado por diferentes especialistas afim de criar uma ferramenta de fácil compreensão e que apresente diversas opções de respostas correlacionadas a um manual detalhado sobre como essas ferramentas devem ser aplicadas (HOLTON et al., 2001; MARTIN; BATESON, 2013; REID et al., 2007). Logo após o desenvolvimento do protótipo, este deve ser testado para garantir sua eficácia através de estudos experimentais e em seguida deve ser aplicado em experimentos de validação clínica prospectiva que medem suas propriedades psicométricas (REID; NOLAN; SCOTT, 2018). A validação estatística envolve um componente conceitual, considerado subjetivo e um componente operacional responsável pela avaliação sistemática da padronização do instrumento através de sua comparação com um “padrão-ouro” ou com outras ferramentas que são amplamente aceitas pela literatura (NETEMEYER; BEARDEN; 22 SHARMA, 2003). Portanto, esta é considerada a característica mais importante de qualquer ferramenta a ser utilizada por determinar se a escala é capaz de identificar de forma efetiva o atributo para qual foi desenvolvida além de testar sua utilidade das inferências específicas feitas a partir de seus escores (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003; SOUSA, 2005). A validade de conteúdo se refere à extensão pela qual a escala é representativa, avalia o grau de precisão de determinada hipótese e se o instrumento mensura exatamente o que se propõe a avaliar através de análises que não são diretamente observáveis ou quantificáveis. Desta forma, suas medidas requerem análise cuidadosa para especificar análises teóricas, desenvolver métodos que possibilitem quantificar e qualificar as medidas de maneira objetiva e testar a precisão de seus descritores de maneira empírica e continuada, através de suas evidências (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003). Já a validade de critério testa a habilidade do instrumento em corresponder-se com outras medidas (SOUSA, 2005). Sendo assim, à medida em que ocorrem as análises para validação estatística, observa-se a necessidade contínua de sua melhora baseada na confiabilidade, especificidade e responsividade para padronizar sua precisão e eficácia, portanto, os questionários tornam-se indispensáveis na medicina baseada em evidências e em estudos de caráter translacional (NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003; REID; NOLAN; SCOTT, 2018; RIALLAND et al., 2012) Algumas escalas de dor são compostas por itens de avaliação objetivas e comportamentais através de sua interação dinâmica entre paciente e observador e são denominadas como escalas multidimensionais por apresentarem propriedades estatísticas e psicométricas, capazes de captar a experiência dolorosa com maior complexidade que podem ou não incluir parâmetros fisiológicos associados às avaliações comportamentais (COMASSETTO et al., 2017; NETEMEYER; BEARDEN; SHARMA, 2003). Para cães, há poucos instrumentos validados para a avaliar sua dor aguda: a Escala da Universidade de Melbourne (UMPS) (FIRTH; HALDANE, 1999), a Escala Composta da Universidade de Glasgow (CMPS) (HOLTON et al., 2001), que foi testada e utilizada para a análise de cães no período pós-operatório entre cinco estudantes de pós-graduação e validada para ser utilizada em outra língua (MORTON et al., 2005; MURRELL et al., 2008) e posteriormente, apresentou o desenvolvimento de sua versão curta (CMPS - SF) (REID et al., 2007). Por fim, desenvolveu-se e validou-se a escala 4A-VET, composta construção de um etograma exclusivo para dor aguda perioperatória 23 em cães submetidos aos procedimentos ortopédicos (RIALLAND et al., 2012) e que foi testada entre dois avaliadores através da análise in loco versus ex-situ com intuito de validar as duas formas de avaliação e testar sua confiabilidade. Para avaliar o grau e a presença da sedação em cães, há duas escalas validadas: a Escala de Sedação (GRINT; BURFORD; DUGDALE, 2009) e sua forma abreviada (WAGNER; HECKER; PANG, 2017). A CMPS-SF determina a dor pelas alterações comportamentais, com diferentes intensidades de dor e pontuação que varia entre 0 a 24 pontos e ponto de intervenção analgésica ≥ 6/24 ou ≥ 5/20, quando a mobilidade do cão não é possível (principalmente em fraturas). Tal cálculo foi realizado pela mediana dos resultados obtidos por diferentes avaliadores de três hospitais situados em diferentes cidades com o intuito de diversificar os protocolos anestésicos e analgésicos (REID et al., 2007). Já a UMPS foi construída com base na métrica da escala de dor pediátrica pós-operatória desenvolvida pelo Hospital Infantil do Leste de Ontário (CHEOPS) e mensura a dor através da junção dos parâmetros fisiológicos e comportamentais em seis diferentes categorias com pontuação total entre 0 a 27. Tal instrumento foi testado por dois avaliadores experientes, e a variação aceitável da pontuação entre avaliadores é de ±4,5 pontos (FIRTH; HALDANE, 1999; COMASSETTO et al., 2017). A CMPS-SF (REID et al., 2007) e a UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999) não apresentam itens exclusivos que são capazes de diferenciar os graus de sedação. Portanto, para a utilizar a CMPS-SF com maiores chances de diagnósticos precisos, é recomendado que os pacientes sejam avaliados após 2 horas da extubação com intuito de evitar efeitos de fármacos residuais (MATHEWS et al., 2014; REID et al., 2007). Portanto, para diferenciar a dor da sedação e para evitar suas interferências nas avaliações da dor e aumentar a acurácia diagnóstica recomenda-se incorporar a escala de sedação abreviada (WAGNER; HECKER; PANG, 2017). 3. HIPÓTESE 24 O treinamento em estúdio de avaliadores com diferentes níveis de experiência melhora a confiabilidade intra e interobservadores em avaliar as escalas de sedação e de dor aguda em cães. 25 4. OBJETIVO Investigar o impacto do treinamento em estúdio de avaliadores com diferentes com diferentes níveis de experiência na confiabilidade em avaliar as escalas de sedação e de dor aguda em cães; 26 5. MATERIAL E MÉTODOS O projeto foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA - 0158/2017) (Anexos 1 e 2) da Instituição e seguiu as normas do Animal Research: Reporting In Vivo Experiments (ARRIVE) (KILKENNY et al., 2010), exceto onde informado. 5.1. Instalações O estudo foi realizado no Hospital Veterinário da School of Veterinary Medicine and Animal Science, São Paulo State University (UNESP), Botucatu, Brazil. Os animais foram alojados individualmente em canis de aço inoxidável de 140 x 80 x 80 cm3 (largura, comprimento e altura), dentro de instalações construídas em alvenaria de 4 x 3 m2 (largura, comprimento), com o chão das baias revestido por tapetes de borracha para proporcionar conforto, minimizar impactos e evitar acidentes causados por possíveis quedas ou escorregões. 5.2. Delineamento experimental Trata-se de um estudo clínico, oportunista, encoberto e prospectivo de uma parcela de outro estudo realizado em 52 cães (Figura 1) classificados entre ASA I a III submetidos à cirurgia na rotina do Hospital Veterinário da Instituição. Antes da cirurgia os cães passaram por exame clínico completo e laboratorial para excluir comorbidades que contraindicassem a cirurgia e/ou anestesia. 27 Figura 1. Metodologia do estudo prospectivo, encoberto, oportunista e aleatório. Observam-se nos retângulos azuis os sorteios dos vídeos advindos do estudo paralelo e o segundo sorteio que originou quatro momentos perioperatórios totalizando 40 vídeos de dez cães subdivididos em fases pré- e pós-treinamento para a realização de análises por quatro avaliadoras sobre 20 vídeos de cinco cães (retângulo vermelho) submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 3) e de tecidos moles (n = 2), intercalados 30 dias e re-aleatorizados entre a 1ª e 2ª avaliações antes do treinamento, treinamento em estúdio e avaliação de novos 20 vídeos de outros cinco cães (retângulo verde) submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 3) e de tecidos moles (n = 2) após o treinamento, intervalada de 30 dias e re-aleatorizados entre a 1ª e 2ª avaliação. 28 A partir dos dados das cirurgias agendadas no Hospital Veterinário da instituição, contatou-se, por telefone, os tutores de cada cão para explicar sobre a metodologia do projeto e realizar anamnese comportamental, a fim de identificar seu comportamento e averiguar se cada cão se enquadraria nos seguintes critérios de inclusão: docilidade, facilidade de manejo, ausência de agressividade em situações adversas e se não estava sob tratamento contínuo para afecções cardíacas, neurológicas, urológicas ou hepáticas e/ou medicações para tratar dor crônica, ou se não era portador de afecções que comprometessem os resultados e o desenvolvimento do estudo. Após a triagem prévia, combinava-se um encontro presencial com os tutores e cães, dois dias antes da cirurgia para ambientar o cão sem o seu tutor e conhecer o seu comportamento. Como este foi um projeto paralelo, não se aplica a utilização de critérios de exclusão e não se aplicam animais grupo controle, pois tais vídeos poderiam através dos escores zero e, desta forma, superestimar os resultados. Os tutores dos animais autorizaram o estudo e as filmagens por meio de assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, redigido em linguagem coloquial (Anexo 3). Após a seleção dos animais, os cães foram alocados no canil experimental do Hospital Veterinário da instituição 24 horas antes da realização das filmagens para ambientação ao local e ao pesquisador responsável. Todos os cães foram submetidos ao jejum alimentar de 8 horas e não foram submetidos ao jejum hídrico. Por sorteio, selecionaram-se dez cães distribuídos entre o grupo de tecidos moles (GTM) e o ortopédico (GO), o que resultou em seis procedimentos ortopédicos e quatro cirurgias de tecidos moles. Realizou-se a antissepsia das regiões cirúrgica e do sítio de inserção do cateter venoso e, quando necessário arterial. Em seguida, administraram-se antibiótico e anti- inflamatório não-esteróide por via intravenosa, selecionados de acordo com o tipo de procedimento, antes da indução anestésica e da realização da cirurgia. Por fim, cada anestesiologista responsável pelo procedimento escolhia o melhor protocolo anestésico, baseado nos exames clínicos e laboratoriais e no grau de invasividade cirúrgica. A monitoração transoperatória foi realizada pela mensuração da pressão arterial não invasiva (Doppler ultrassônico 811-B - Parks Medical, Aloha, Oregon, EUA) em todos os cães, associada ou não à invasiva implementada através da inserção de um cateter compatível em uma artéria periférica. A frequência (FC) e ritmo cardíacos foram registrados pelo eletrocardiograma e a frequência respiratória (f) e a 29 concentração de CO2 ao final da expiração (EtCO2) foram monitoradas pela capnografia. Mensurou-se a saturação de oxigênio (SpO2) pelo oxímetro de pulso, posicionado na língua do paciente e a temperatura corpórea foi mensurada via termômetro esofágico. A monitoração transoperatória foi realizada a cada 5 minutos com auxílio de dois diferentes monitores multiparamétricos (Datex Modelo B40 Patient Monitor, GE Medical Systems, Freiburg, Alemanha ou Digicare modelo Lifewindow 8 Lite, Digicare Animal Health, Estados Unidos), por se tratar de diferentes centros cirúrgicos, um específico para tecidos moles e outro exclusivo para realizar procedimentos ortopédicos. Caso houvesse necessidade, instituíam-se outras monitorações, como hemogasometria venosa e/ou arterial e o débito urinário. Por fim, com finalidade de gerar um relatório, registrava-se o tipo de cirurgia, grau de invasividade do procedimento, o nível de experiência do cirurgião, tempo de duração da cirurgia, protocolo anestésico escolhido e o tempo decorrido entre a indução anestésica e a extubação (Quadro 1). 30 Quadro 1. Identificação individual do cão, protocolos analgésicos e anestésicos, antiinflamatório, medicação pré-anestésica, manutenção, anestesia regional, uso de adjuvante, infusão contínua, grau de experiência do anestesiologista, grau de experiência do cirurgião e tempo de intervenção cirúrgica (da indução à extubação) dos dez cães inclusos no estudo. Todos os fármacos estão expressos em mg/kg ou µg/kg Dog AINE (IV) MPA (IM) Propofol (IV) Coindutor (IV) manutenção Técnica locorregional Anestésico local Adjuvante Efetividade CRI (IV) P.Op. (IM) 9 Mx 0,1 Metad 0,3 5 C 0.5 - Iso Plexo braquial Bupi (0,5%) – 2 Lido (2%) – 7 - S F 2µg/kg/h C 0,6mg/kg/h Metad 0,3 10 Mx 0,2 Metad 0,25 2,5 C 1 - Iso Plexo braquial Bupi (0,5%) – 2 Lido (2%) - 7 - N F 2µg/kg/h - 12 Mx 0,1 14 Mx 0,1 16 Mx 0,1 Metad 0,22 Metad 0,2 Metad 0.2 Morf 0.5 5 C 1 - Iso Epidural Bupi (0,5%) -1,25 Morf 0,1 S - - 3 C 1 MDZ 0,3 Iso Epidural Bupi (0,5%) -1,25 Morf 0,1 S - - 3 C 1 F 2.5 Iso Ciático e femoral Bupi (0,5%) - 1 - N F 2µg/kg/h Metad 0,25 18 Mx 0,05 0,1 Acepram 0,02 MDZ 0,2 0.5 4 F 2.5 - Iso Ciático e femoral Bupi (0,5%) - 1 - N Bolus F intermitentes (2,5µg/kg) g/h g/h g/h g/h g/h g/h - R R 190 - Metad 0,3 - - Legenda: Acepromazina (Acepram), antiinflamatório não-esteroide (AINE), bupivacaína s/ vasoconstritor (Bupi), cetamina (C), dose (mg/kg, µg/kg), infusão contínua utilizada (µg/kg/h ou mg/kg/h), fentanila (F), intramuscular (IM), intravenoso (IV), isoflurano (Iso), meloxicam (Mx), medicação pré-anestésica (MPA), morfina (Morf), lidocaína s/ vasoconstritor (Lido), pós-graduando (PG), professor (P), analgesia pós-operatória imediata (P.Op.), residente (R), tempo cirúrgico em minutos (T). An R Ciru R T 240 R R 200 R R 135 PG P 120 R R 360 21 Mx Morf 3 0,1 0.7 C 1 F 2.5 Iso Splashblock Bupi (0,5%) - 2 - S F 2µg/k C 0,6mg/k 26 Mx Morf 6 0,05 0.6 C 1 - Iso - - - - F 2µg/k C 0,6mg/k 35 Mx Morf 5 - - Iso Intraperitoneal Lido (2%) - 10 mg/kg - S - 36 Mx Morf 5 0,1 0.5 C 1 F 5 Iso Splashblock Bupi (0,5%) - 4 - S F 2µg/k C 0,6mg/k R R 145 R P 120 PG P 30 PG P 65 31 5.3. Animais e videoclipes Sete períodos de filmagens foram realizados no período perioperatório: 12 horas antes da cirurgia (momento basal) e as outras seis nas 24 horas após a extubação em períodos intermitentes. Para minimizar a possibilidade de distinção entre os momentos das filmagens coletadas simultaneamente à análise presencial do estudo paralelo, submeteram-se todos os cães à tricotomia do sitio cirúrgico e do respectivo local de inserção do cateter venoso, que foram cobertos com bandagens adesivas de coloração verde (Petflix®) e colocaram-se roupa cirúrgica e/ou curativos com bandagens elásticas adesivas, antes e após a realização da cirurgia. Sortearam-se 40 vídeos correspondentes aos momentos perioperatórios basais, entre uma e nove horas ou 24 horas após a extubação, oriundos de 10 animais, ou seja, quatro vídeos por animal (Quadro 2). Estes vídeos foram aleatorizados pelo site www.random.org entre cada cão e os momentos. Quadro 2. Estatística descritiva, identificação individual dos cães (n = 10), sexo, grupo, raça, idade, peso e intervenção cirúrgica e momentos perioperatórios (referentes às horas pós-extubação ou basal – pré-operatório), oriundos de 40 vídeos submetidos às cirurgias ortopédicas (GO) ou de tecidos moles (GTM). ento Grupo Raça Idade (meses) Peso (kg) de tese de a GO SRD 72 25 GO SRD 12 11 GO Boxer 7 17.8 va GTM Pitbull 18 22 mia e de GTM SRD 156 10.6 GO SRD 48 20 ral GO Poodle 84 4.4 tese de GO SRD 10 60 mia GTM Pinscher 168 2.8 Lhasa apso 36 7.2 Legenda: Cães submetidos aos procedimentos de osteossíntese (GO), Cães submetidos às cirurgias de tecidos moles (GTM). Sem raça definida (SRD), Fêmea (f), macho (m). Ovariossalpingohisterectomia (castração eletiva de fêmea) (OSH). Antes do treinamento (Pre.T), após o treinamento (Pos.T) ia GTM Cão Fase Momentos Gênero Procedim cão.9 Pre.T 0, 1, 2, 8 F Artrodese cotovelo cão.14 Pre.T 0, 2, 4, 24 F Osteossín fêmur cão.18 Pre.T 0, 1, 3, 8 M Artrodese tibiotársic cão.35 Pre.T 0, 2, 4, 8 F OSH eleti cão.36 Pre.T 1, 2, 3, 4 F Mastecto OSH cão.10 Pos.T 0, 8, 8’, 24 M Artrodese carpo cão.12 Pos.T 0, 8, 8', 24 M Sutura Íleofemo cão.16 Pos.T 0, 1, 2, 24 F Osteossín tíbia cão.21 Pos.T 0, 3, 4, 24 F Mastecto cão.26 Pos.T 0, 3, 4, 24 M Cistotom http://www.random.org/ 32 Duas fases compuseram o estudo. Com a finalidade de diversificar a intensidade da dor de acordo com o nível de manipulação cirúrgica, selecionaram-se diversos graus de invasividade. Incluíram-se tanto nas etapas pré como pós- treinamento três cães submetidos a cirurgias ortopédicas e dois de tecidos moles. Na fase pré-treinamento incluíram-se 20 vídeos de quatro cadelas e um cão submetidos às seguintes cirurgias: uma artrodese úmero rádio ulnar, uma osteossíntese de fêmur, uma artrodese tibiotársica, uma mastectomia total unilateral associada à ovariossalpingohisterectomia (OSH) e uma OSH eletiva. Na fase pós-treinamento incluíram-se 20 vídeos de duas cadelas e três cães submetidos à uma artrodese de carpo, uma sutura íleofemoral, uma osteossíntese de fêmur, uma cistotomia para retirada de urolitíase e uma mastectomia total unilateral. 5.4.Tradução e retro-tradução das escalas de sedação e de avaliação da dor aguda em cães: Antes do início do estudo contataram-se duas pesquisadoras, uma brasileira nativa, fluente em inglês e uma inglesa nativa, fluente em português, para traduzir e retrotraduzir UMPS (Anexo 4) e CMPS-SF (Anexo 5) (FIRTH; HALDANE, 1999; REID et al., 2007), a escala abreviada de sedação (Anexo 6) (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e o quadro de descritores comportamentais (Anexo 7)(HOLTON et al., 2001), a fim de minimizar as diferenças transculturais, determinar a equivalência semântica e manter o rigor científico e a confiabilidade na utilização das ferramentas traduzidas . 5.5. Avaliação perioperatória A avaliação perioperatória para mensurar a sedação e a dor aguda em cães se baseou nas filmagens dos dez animais com a presença do pesquisador principal por meio de uma câmera (GoPro® Hero 6+ Black) posicionada sobre um tripé. O avaliador presencial filmava por um período de 5 a 10 minutos cada animal de modo simultâneo em que avaliava seu comportamento (Figura 2). As avaliações se basearam na escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), seguida da CMPS -SF (REID et al., 2007) e por último a UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999). As observadoras remotas foram encobertas aos momentos de filmagem e a qualquer outra informação clínica e protocolos utilizados (Quadros 1 e 2). Obedeceu-se a seguinte sequência das gravações: observação dos cães no interior dos canis para averiguar a resposta ao som produzido por um assovio, chamada do nome 33 e um bater de palmas à 1,5 m de distância de cada cão, avaliação do seu comportamento, estado mental, interação com o ambiente, reação aos estímulos e o grau de motivação comparado ao comportamento basal. Em seguida, abria-se a gaiola para interagir, observar a ocorrência de sialorreia, posição do globo ocular, grau de dilatação da pupila, resposta à oferta de alimento, mensuração das frequências respiratória e cardíaca, resposta à palpação do local afetado e, quando possível, no grupo de cirurgias de tecidos moles, estimulava-se o cão a andar com ou sem guia acoplada à coleira, conforme o costume de cada animal. Por fim, aferia-se a temperatura corpórea com auxílio de um termômetro digital ultrarrápido com ponteira de ouro (Geratherm® - Rapid GT-195-1) introduzido delicadamente no reto por dez segundos. Figura 2. Interação entre avaliador e cão de forma presencial com filmagens simultâneas. Legenda: Interação entre pesquisadora principal e cão para avaliação presencial perioperatória através das escalas abreviada de sedação, escala curta para avaliação de dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS-SF) e escala para avalição da dor em cães da Universidade de Melbourne (UMPS). Observa-se o animal dentro da gaiola, a câmera posicionada sob um tripé, brinquedos para enriquecer o ambiente e melhorar a ambientação e piso emborrachado para reduzir acidentes ou escorregões. 5.5.1. Resgate analgésico Estipulou-se a CMPS-SF (REID et al., 2007) como a escala de maior relevância clínica para avaliação da dor aguda em cães (MATHEWS et al., 2014), desta forma realizou-se o resgate analgésico quando os resultados da somatória de seus escores foram ≥ 6/24 para os cães submetidos às cirurgias de tecidos moles ou ≥ 5/20 para 34 aqueles submetidos às cirurgias ortopédicas. Para tal administrava-se morfina (0,5 mg/kg) associada à dipirona (25 mg/kg), por via intramuscular (IM). Após uma hora, caso os animais ainda apresentassem escores condizentes com a necessidade de resgate analgésico, administrava-se a mesma dose de morfina associada a 1 mg/kg de cetamina, IM. Caso fosse necessário um terceiro resgate, administrava-se 1 mg/kg de cetamina por via intramuscular e por fim, como último resgate analgésico, caso o cão ainda apresentasse escore indicativo de resgate analgésico, administrava-se 0,03 mg/kg de acepromazina por via intramuscular para promover neuroleptoanalgesia, tranquilizar o cão e impedir hiperalgesia induzida por opioides, apesar de ainda haver a possibilidade de ser subdiagnosticada em medicina veterinária. 5.6. Análise do treinamento em estúdio Para testar o efeito do treinamento desenvolvido em estúdio na melhora da curva de aprendizado e da confiabilidade para as avaliações intra (repetibilidade) e inter- avaliadores (reprodutibilidade) das escalas de sedação e de dor, selecionaram-se quatro avaliadoras do sexo feminino com diferentes níveis de experiência: 1) uma veterinária considerada experiente, por ter mestrado em comportamento animal com ênfase em cães, porém sem experiência prévia com o uso de escalas de sedação e de dor, 2) uma anestesiologista e estudante de mestrado, que adquiriu experiência por ser a avaliadora presencial deste projeto, uma estudante do terceiro ano de graduação em medicina veterinária, sem experiência prévia com as ferramentas utilizadas e uma anestesiologista estudante de doutorado com experiência prévia na análise de dor aguda em cães com a CMPS-SF (REID et al., 2007) e UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999), mas sem experiência prévia com o uso da escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017). A avaliação compreendeu três etapas: pré-treinamento (Pre.T), treinamento e pós treinamento (Pos.T). Na etapa pré-treinamento os avaliadores avaliaram 20 vídeos de cinco animais. Após 30 dias, receberam os mesmos vídeos aleatorizados pelo site www.random.org e que continham os mesmos momentos e animais anteriormente avaliados Ao término da fase pré-treinamento e entrega das planilhas preenchidas em Excell, via google drive, para a pesquisadora responsável, iniciou-se a fase de treinamento em estúdio, quando as avaliadoras receberam um manual e um vídeo tutorial gravado na tela do computador, com a narração da pesquisadora responsável que informou sobre como aplicar as escalas unidimensionais (EAV, escala numérica e descritiva simples) e multidimensionais e definir a necessidade de resgate analgésico. http://www.random.org/ 35 Para a CMPS-SF, incluiu-se a descrição comportamental (HOLTON et al., 2001), com vídeos que demonstravam os comportamentos de cada item e subitem da escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e das escalas de dor aguda em cães (FIRTH; HALDANE, 1999; REID et al., 2007). Disponibilizou-se 15 dias para esta etapa. Na terceira etapa, denominada pós-treinamento, um dia após o término do treinamento, as avaliadoras receberam novos 20 vídeos de outros cinco cães para avaliar e, após 30 dias, os mesmos vídeos foram re-aleatorizados pelo site www.random.org. Com os dados das avaliações calculou-se a repetibilidade e a reprodutibilidade nas etapas pré e pós-treinamento. Após avaliar cada vídeo, as observadores completaram a seguinte sequência: responder se indicariam ou não resgate analgésico e pontuar na sequência a EAV, escala numérica, descritiva simples (DIXON; BIRD, 1981; HOLTON et al., 1998), abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), CMPS-SF (REID et al., 2007) e UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999). Excluíram-se as mensurações dos parâmetros fisiológicos e o comportamento basal pré-operatório de cada animal para distinguir se o mesmo se encontrava “submisso”, “excessivamente amigável”, “desconfiado” ou “agressivo” referente à avaliação pré-operatória da UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999), pois as avaliadoras eram encobertas em relação ao momento perioperatório dos cães, (FIRTH; HALDANE, 1999). 5.7. Análise estatística As análises estatísticas foram realizadas no software R no ambiente de desenvolvimento integrado RStudio (Version 1.0.143 – © 2009-2016, RStudio, Inc.) e pelo software Graphpad versão Instat 3.1® para Windows (GraphPad Software, La Jolla California EUA). Para todas as análises considerou-se α de 5%. Para estimar o poder do teste selecionou-se a CMPS-SF, por ser a ferramenta mais usada atualmente (MATHEWS et al., 2014). Estabeleceu-se um poder de 80% e nível de significância de 5% para o teste de hipótese pareado e bicaudal de acordo com o software R (função “power.t.test” do pacote “stats”), O delta (∆) e o desvio-padrão (∂) foram extraídos dos resultados do coeficiente de intervalo intraclasse da confiabilidade intra- avaliador (∆ = 0,12575; ∂ = 0,087125) nas fases pré- e pós-treinamento. Deste modo, definiu-se o tamanho mínimo amostral mínimo de seis vídeos por etapa. Com a finalidade de averiguar se os escores das avaliadoras pré- e pós- treinamento diferiram entre si, utilizou-se o teste t não-pareado bicaudal (função “t.test” http://www.random.org/ 36 pacote “stats”) (REID et al., 2007). Para investigar a confiabilidade intraobservadores (repetibilidade) e interobservadores (reprodutibilidade) pré e pós-treinamento das escalas numérica, descritiva simples e da necessidade de resgate analgésico aplicou-se o coeficiente de Kappa ponderado (Kw) (SCHUSTER, 2004) e ponderaram-se as discordâncias de acordo com sua distância ao quadrado da concordância perfeita. Além disso, estimou-se o intervalo de confiança (IC) de 95% (IC95) do Kw (função “cohen.kappa” do pacote “psych”) (COHEN, 1968) e os valores obtidos foram interpretados de acordo com a seguinte classificação (LANDIS; KOCH, 1977): 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” nos quatro momentos pré-estabelecidos. Para a EAV e para a somatória das escalas multidimensionais abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), CMPS-SF (REID et al., 2007) e UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999) aplicou-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI) tipo “agreement” e seu intervalo de confiança de 95% (IC95) (função “CCI” do pacote “irr”). Interpretaram-se os resultados da concordância de acordo com a classificação descrita anteriormente (LANDIS; KOCH, 1977). Para análise das diferenças dos escores das escalas de sedação e de dor entre as avaliadoras investigou-se a normalidade dos dados por meio do teste de Kolmogorov Smirnov. Para a os dados não paramétricos realizou-se a análise de variância (ANOVA) seguida pelo teste de Kruskal Wallis, para comparar as medianas. Para os dados paramétricos aplicou-se a análise de variância (one-way ANOVA) seguido do teste de Tukey. 6. RESULTADOS Não houve diferença nos escores da CMPS-SF (REID et al., 2007), pelo teste t não-pareado para os vídeos de todos os momentos e cães analisados antes e após o treinamento pela avaliadora principal (p = 0,965), o que comprovou a equivalência dos escores de dor entre as duas etapas. 37 O peso e a idade média dos cães inclusos na etapa pré- e pós-treinamento foram respectivamente 17,3 kg ± 6,45 e 4,5 anos ± 5,2 e, 18,9 kg ± 23,9 e 5,8 anos ± 5,1 (p = 0.692 e 0.889, respectivamente). A repetibilidade baseada no CCI para a escala abreviada de sedação, CMPS-SF e UMPS evoluiu no mínimo de “moderado” (0,5 para a UMPS; 0,68 para CMPS-SF) para “quase perfeita” em todas as avaliadoras (mínimo de 0,83 para a UMPS e CMPS-SF), exceto para a estudante em que piorou para a UMPS (de 0,84 para 0,70) (Tabela 1, Figuras 3 e 4). O IC95% reduziu exceto em dois casos, para a CMPS-SF (Doutoranda) e para a UMPS (Estudante). O CCI da EAV foi pior que das escalas multidimensionais antes do treinamento, iniciando com o menor valor de 0,22 (“insignificante” para a estudante de graduação) e, após o treinamento, evoluiu para “consistente” (doutoranda) e “quase perfeito” para as demais (LANDIS; KOCH, 1977). Observou-se uma melhora significativa da repetibilidade para CMPS-SF (p = 0,041), UMPS (p = 0,030), mas não para a escala abreviada de sedação (p = 0,087) ou EAV (0,105). 38 Tabela 1. Confiabilidade intra-avaliador (repetibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% antes e após-treinamento para a CMPS- SF, UMPS, escala de sedação e escala analógica visual, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos à osteossíntese (n = 6) ou cirurgias de tecidos moles (n = 4). Etapa Escala Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Pre.T Legenda: Coeficiente de correlação intraclasse (CCI) intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T).Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferença significativa entre os valores estimados antes e após o treinamento). Escala curta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS-SF), Escala para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Melbourne (UMPS), Escala abreviada de sedação (Sedação), escala analógica visual (EAV). CCI IC95 CCI IC95% CCI IC95 CCI IC95 CMPS-SF 0.68 0.36 - 0.86 0.90 0.78 - 0.96 0.72 0.42 - 0.88 0.73 0.54 - 0.88 UMPS 0.61 0.25 - 0.82 0.68 0.36 - 0.86 0.50 0.10 - 0.77 0.84 0.65 - 0.93 Sedação 0.92 0.80 - 0.96 0.82 0.60 - 0.92 0.80 0.57 - 0.91 0.84 0.65 - 0.93 EAV 0.63 0.28 - 0.834 0.83 0.63 - 0.93 0.81 0.58 - 0.92 0.22 -0.22 - 0.59 CMPS-SF 0.93 0.83 - 0.97 0.86 0.68 - 0.94 0.91 0.80 - 0.96 0.83 0.62 - 0.93 p-valor 0.041* UMPS 0.83 0.62 - 0.93 0.85 0.66 - 0.94 0.87 0.71 - 0.95 0.70 0.40 - 0.87 Pos.T p-valor Sedação 0.93 0.84 - 0.97 0.86 0.030* 0.68 - 0.94 0.92 0.81 - 0.97 0.95 0.89 - 0.98 p-valor 0.087 EAV 0.89 0.76 - 0.96 0.80 0.57 - 0.92 0.93 0.84 - 0.97 1.00 1.00 - 1.00 p-valor 0.105 39 Figura 3. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador da CMPS-SF obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.041. Escala curta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS-SF). 40 Figura 4. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador da UMPS obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após o treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) e cirurgias de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.03. Escala para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Melbourne (UMPS). O valor Kappa ponderado para a necessidade de resgate analgésico antes do treinamento evoluiu de “moderado” (0,58) para a etologista clínica e “consistente para as demais avaliadoras, para “consistente” em duas e “quase perfeito” nas outras duas avaliadoras após o treinamento (Tabela 2, Figura 5, p = 0,038). Antes do treinamento a escala numérica foi consistente para três avaliadoras e “quase perfeita” para uma. Após o treinamento a correlação foi “quase perfeita” para todas as avaliadoras, entretanto sem 41 diferença significativa (p = 0,202). Com relação à escala descritiva simples, os coeficientes Kappa pré-treinamento para repetibilidade foram “moderado” para uma avaliadora, “consistente” para outra e “quase perfeitos” para duas avaliadoras. Tais coeficientes se apresentaram “quase perfeitos” para todas as avaliadoras após o treinamento, entretanto sem diferença significativa (p = 0,173). Tabela 2. Confiabilidade intra-avaliador (repetibilidade) obtida pelo Kappa ponderado e pelo intervalo de confiança de 95% antes e após treinamento para as escalas descritiva simples, numérica e para a necessidade de resgate analgésico, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Etapa Escala Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 EDS 0.55 0.17–0.79 0.86 0.69–0.94 0.83 0.63–0.93 0.78 0.53–0.90 Pre.T RA 0.61 0.25–0.82 0.71 0.41–0.87 0.58 0.20–0.81 0.74 0.50–0.90 EN 0.76 0.49–0.90 0.86 0.69–0.94 0.80 0.52–0.90 0.80 0.57– 0.92 EDS 0.86 0.69–0.94 0.81 0.58–0.92 0.90 0.76–0.96 0.94 0.86–0.98 p-valor 0.173 Pos.T p-valor 0.038* p-valor 0.202 Legenda: Coeficiente Kappa (Kw), intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T), pós- treinamento (Pós.T).Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferenças entre os valores estimados antes e após o treinamento RA 0.89 0.75–0.95 0.71 0.41–0.87 1.00 1.00–1.00 0.77 0.51–0.90 EN 0.88 0.73–0.95 0.82 0.61–0.92 0.92 0.81–0.97 0.87 0.70–0.94 42 Figura 5. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade intra-avaliador do resgate analgésico obtida pelo coeficiente Kappa ponderado e intervalo de confiança 95% dos quatro avaliadores antes e após o treinamento a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) e cirurgias de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.038. Para a sedação, a reprodutibilidade antes do treinamento, baseada no CCI, variou entre 0,47 a 0,8, sendo “moderada” para duas comparações e “consistente” para as outras quatro. Após o treinamento, a correlação subiu e se apresentou entre 0,7 a 0,9, sendo “consistente” para três comparações e “quase perfeita” para as outras três (Tabela 3, Figura 6; p = 0,028). 43 Tabela 3. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre uma graduanda, uma mestranda, uma etologista clínica e uma doutoranda, antes e após treinamento para sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos à cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Sedação Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 Mestranda 0.64 0.29–0.84 0.76 0.49–0.90 0.80 0.57–0.91 Pre.T Doutoranda 0.57 0.19–0.80 0.47 0.06–0.75 Etologista 0.78 0.54–0.91 Mestranda 0.73 0.45–0.89 0.85 0.67–0.94 0.90 0.77–0.96 Doutoranda 0.88 0.73–0.95 0.70 0.40–0.87 Pos.T Etologista 0.79 0.56–0.91 p-valor 0.028* Legenda: Coeficiente de correlação intraclasse (CCI), intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T).Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferença significativa entre os valores estimados antes e após o treinamento. 44 Figura 6. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter-avaliador da escala abreviada de sedação em cães obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.028. Para a CMPS-SF não houve diferença pré- e pós-treinamento (p = 0,72) e a CCI variou de 0,28 a 0,80 antes (“razoável” a “consistente”) para 0,29 a 0,55 (“razoável” a “moderada”) após o treinamento (Tabela 4). Não houve diferença entre os escores das avaliadoras após o treinamento, já o escore médio da doutoranda antes do treinamento foi mais alto que as demais. 45 Tabela 4. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre quatro avaliadoras antes e após o treinamento para a CMPS-SF a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou cirurgias de tecidos moles (n = 4). CMPS-SF Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 Mestranda 0.39 -0.05–0.70 0.47 0.06–0.75 0.34 -0.10–0.67 Pre.T Doutoranda 0.43 0.007–0.73 0.28 -0.17–0.63 Etologista 0.80 0.57–0.92 Mestranda 0.55 0.16 - 0.79 0.32 -0.12–0.66 0.43 0.004–0.72 Doutoranda 0.43 0.01–0.73 0.29 -0.16–0.64 Pos.T Etologista 0.38 -0.05–0.70 p-valor 0.720 Legenda: Coeficiente de correlação intraclasse (CCI), intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T).Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). Escala curta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS-SF). Para a UMPS (Tabela 5), o CCI variou de “pobre” (-0,63) a “moderado” (0,49) antes do treinamento. Após o treinamento, estes resultados elevaram-se para “razoável” (0,34) à “moderado” (0,55) (p = 0,057). Da mesma forma que para a CMPS-SF, não houve diferença entre os escores após o treinamento, porém a graduanda apresentou escore mais alto que as demais avaliadoras antes do treinamento (Tabela 6). 46 Tabela 5. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% determinada pelas quatro avaliadoras antes e após o treinamento para a UMPS a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias ortopédicas (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). UMPS Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 Mestranda 0.49 0.08–0.76 0.26 -0.19–0.62 -0.51 -0.77 – -0.11 Pre.T Pos.T Doutoranda 0.34 -0.09–0.67 -0.63 -0.83 - -0.27 Etologista -0.52 -0.77 – -0.12 Mestranda 0.55 0.16–0.79 0.47 0.06 –0.75 0.34 -0.10–0.67 Legenda: Coeficiente de correlação intraclasse (CCI), intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T). Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferença entre os valores estimados antes e após o treinamento (p ≤ 0.05). Escala para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Melbourne (UMPS). Doutoranda 0.48 0.07–0.75 0.54 0.15–0.79 Etologista 0.55 0.17–0.79 p-valor 0.057 47 Tabela 6. Mediana e amplitude (valores mínimo-máximo) ou média (desvio-padrão) dos escores totais da sedação e dor determinados pelas quatro observadoras antes e após o treinamento, para as escalas numérica, descritiva simples, escala abreviada de sedação, CMPS-SF, UMPS e EAV a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). EN EDS CMPS-SF UMPS Legenda: Escala numérica (EN), escala descritiva simples (EDS), Escala composta para avaliação da dor aguda de Glasgow (CMPS-SF), Escala da Universidade de Melbourne (UMPS), escala analógica visual (EAV, Amplitude (Mínimo-Máximo), pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T), desvio-padrão (DP). Letras maiúsculas diferentes nas mesmas linhas indicam diferenças entre as pontuações para uma mesma escala (A > B). Escala numérica (EN), escala descritiva simples (EDS), escala abreviada de sedação em cães (Sedação), Escala curta para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Glasgow (CMPS- SF), Escala para avaliação da dor aguda em cães da Universidade de Melbourne (UMPS), escala analógica visual (EAV). O CCI da EAV variou de -0,37 a 0,74 (“pobre” a “consistente”). Após o treinamento variou de 0,35 a 0,69 (“razoável” a “consistente”) (p = 0,041) (Tabela 7, Figura 7). Os escores não se homogeneizaram da mesma forma que para as escalas multidimensionais após o treinamento e a doutoranda tendeu a superestimar o escore em ambas as fases, comparado às outras avaliadoras (Tabela 6). Mestranda Doutoranda Etologista Graduanda Mediana Mediana Mediana Mediana (Amplitude) (Amplitude) (Amplitude) (Amplitude) Pre.T 4(0-8)A 4(1-9)A 2(1-8)AB 1.5(1-6)B Pos.T 3(1-7)A 5(1-9)A 2(1-6)AB 2(1-6)B Pre.T 2(1-4)A 2(1-4)A 2(1-4)A 1(1-3)B Pos.T 2(1-3) 2(1-4) 2(1-3) 2(1-3) Média ± DP Média ± DP Média ± DP Média ± DP Pre.T 2.9±2.45B 4.3±3.1A 3.25±2.6AB 2.15±2.2B Sedação Pos.T 3.5±2.5B 5.2±2.7A 4.15±3.4B 3.35±2.45B Pre.T 7.1±3B 10±5.6A 6.1±3.7B 4.8±2.5B Pos.T 7±4.3 8.6±5 7.8±4.1 6.4±4.1 Pre.T 3.8±2.4B 3.8±2.3B 3.6±2B 7.9±1.5A Pos.T 4.75±2.2 4.7±2.1 3.75±2 5.45±1.8 EAV Pre.T 34.1 ± 28.6A 40.3 ± 28.2A 28 ± 28.6AB 17.7 ± 13.3B Pos.T 28.5 ±27.8B 43.7±28.1A 24.5±23.9B 25±19.7B 48 Tabela 7. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente de correlação intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% entre as quatro avaliadoras antes e após o treinamento, para a EAV a partir da análise de 40 vídeos oriundo de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou às cirurgias de tecidos moles (n = 4). Escala analógica visual Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Pos.T Legenda: Coeficiente de correlação intraclasse (CCI), intervalo de confiança 95% (IC95), pré-treinamento (Pre.T),pós-treinamento (Pos.T).Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correspondem à correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferença entre os valores estimados antes e após o treinamento (p ≤ 0.05). CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 CCI IC95 Mestranda 0.74 0.47–0.89 0.33 -0.11–0.66 -0.37 -0.69–0.07 Pre.T Doutoranda 0.46 0.04–0.74 -0.18 -0.56–0.27 Etologista 0.19 -0.26–0.57 Mestranda 0.58 0.2072 – 0.8092 0.686 0.37–0.86 0.64 0.29–0.84 Doutoranda 0.49 0.08–0.76 0.35 -0.09–0.68 Etologista 0.63 0.28–0.84 p-valor 0.041* 49 Figura 7. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter- avaliador da EAV obtida pelo coeficiente intraclasse e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.041. Escala analógica visual (EAV). Com relação à escala numérica na fase pré-treinamento, o Kw foi de 0,19 a 0,7 (“insignificante” a “consistente”) e na fase pós-treinamento, variou entre “razoável” a “consistente” (0,27 a 0,68; p = 0,45) (Tabela 8). As diferenças entre os escores das avaliadoras mantiveram-se iguais nas duas fases (Tabela 6). Para a escala descritiva simples o Kw foi de 0,28 a 0,86 (“razoável” a “quase perfeito”). Após o treinamento o Kw variou de 0,51 a 0,74 (“moderado” a “consistente”; p = 0,297) (Tabela 8). As 50 diferenças entre os escores antes do treinamento desapareceram após o treinamento. Quanto ao resgate analgésico, o Kw variou entre “razoável” a “consistente” (0,33 a 0,76), antes e de “moderado” a ”consistente” após o treinamento (0,59 a 0,8) (Tabela 8, Figura 8, p = 0,021). 51 Tabela 8. Confiabilidade inter-avaliador (reprodutibilidade) obtida pelo coeficiente Kappa ponderado e pelo intervalo de confiança de 95% entre as quatro avaliadoras antes e após o treinamento, para as escalas numérica, descritiva simples e para a necessidade de resgate analgésico, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de 10 cães submetidos às cirurgias de osteossíntese (n = 6) ou às cirurgias de tecidos moles (n = 4). Pos.T p-valor 0.298 Resgate analgésico (RA) Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Pre.T p-valor 0,021* Legenda: Coeficiente Kappa ponderado (Kw), intervalo de confiança 95% IC95%, pré-treinamento (Pre.T), pós-treinamento (Pos.T). Classificação da correlação: 0,81 – 1,0 correlação “quase perfeita”; 0,61 – 0,80 “consistente”; 0,41 – 0,6 “moderada”; 0,21 – 0,4 “razoável” e 0 – 0,2 “insignificante” e < 0 “pobre” (LANDIS; KOCH, 1977). * expressa diferença antes e após o treinamento (p ≤ 0.05). Escala Numérica Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 Mestranda 0.70 0.44–0.95 0.31 0.07–0.55 0.19 0.07–0.31 Pre.T Doutoranda 0.50 0.26–0.74 0.26 0.11–0.42 Etologista 0.70 0.56–0.85 Mestranda 0.68 0.48–0.87 0.48 0.16–0.80 0.41 0.02–0.79 Doutoranda 0.43 0.11–0.75 0.27 -0.01–0.80 Etologista 0.49 0.18–0.80 p-valor 0.445 Escala descritiva simples Etapa Avaliador Mestranda Doutoranda Etologista Estudante Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 Kw IC95 Mestranda 0.58 0.38 – 0.77 0.28 -0.01–0.57 0.35 0.08–0.62 Pre.T Doutoranda 0.66 0.45–0.86 0.66 0.45–0.86 Etologista 0.86 0.71–1.00 Mestranda 0.74 0.59–0.90 0.72 0.52–0.92 0.6 0.26–0.93 Pos.T Doutoranda 0.59 0.34–0.85 0.51 0.52–0.92 Etologista 0.55 0.25–0.84 Mestranda Kw IC95 Kw 0,51 IC95 0,15 - 0,87 Kw 0,35 IC95 -0,069 - 0,76 Kw 0,35 IC95 -0,069 - 0,76 Doutoranda 0,52 0,20 - 0,84 0,33 -0,029 - 0,68 Etologista 0,76 0,45 - 1,00 Mestranda 0,59 0,23 - 0,94 0,8 0,53 - 1,00 0,6 0,24 - 0,95 Pos.T Doutoranda 0,59 0,23 - 0,94 0,59 0,23 - 0,94 Etologista 0,8 0,53 - 1,0 52 Figura 8. Box plot referente aos valores estimados da confiabilidade inter-avaliador da necessidade de resgate analgésico obtida pelo coeficiente Kappa ponderado e pelo intervalo de confiança de 95% dos quatro avaliadores antes e após treinamento, a partir da análise de 40 vídeos oriundos de quatro momentos perioperatórios de dez cães submetidos às cirurgias de ortopedia (n = 6) ou de tecidos moles (n = 4). Legenda: Média (ponto maior), mediana (linha intermediária), correlações individuais intra-avaliadores (pontos menores), linhas superior e inferior da caixa (intervalo interquartil), valores mínimo e máximo (whiskers). Letras diferentes indicam diferenças estatísticas (a>b), p = 0.021. 53 7. DISCUSSÃO Foi notória a melhora da repetibilidade para as escalas de dor multidimensionais e para a decisão sobre o resgate analgésico após o treinamento. Tal achado se corroborou pela homogeneização dos escores pós-treinamento de tais escalas e garantia de resultados similares entre as avaliadoras com diferentes níveis de experiência. Embora tal melhora não ocorreu de forma significativa, a melhora da repetibilidade ocorreu também para a EAV, escala numérica, descritiva simples e abreviada de sedação alcançando valores ≥ 0.80 para todas as avaliadoras após o treinamento, como demonstrado em seres humanos com o uso de outros instrumentos (KEEFE; WHARRAD, 2012; MCNAMARA; HARMON; SAUNDERS, 2012). Quanto a reprodutibilidade apenas para a escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e EAV houve melhora após o treinamento como ocorrido em estudos anteriores (BARLETTA et al., 2016; DOODNAUGHT et al., 2017; MICH et al., 2010). Nossos achados se corroboram pela melhora da reprodutibilidade de “moderada” para “quase perfeita” (0,58 – 0,88), após o treinamento presencial e em estúdio com o uso de uma escala para avaliar a dor facial em ratos (ZHANG; LEUNG; PANG, 2019). A melhora da reprodutibilidade no presente estudo ocorreu independente do grau de experiência das observadoras e inclusive para a etologista, que atua na área clínica com ênfase em comportamento animal, o que sugere que a experiência desprovida de treinamento não garante a obtenção de resultados confiáveis (ROUGHAN; FLECKNELL, 2006). O treinamento reduz a variabilidade dos dados e nivela os avaliadores com diferentes níveis de experiência, além de garantir que avaliadores inexperientes se aprimorem. Em estudo que avaliou a propensão de estudantes do 3º ano de graduação em medicina veterinária em administrarem analgésicos pós-operatórios , antes e após 30 minutos de treinamento, baseado em um questionário e vídeo de um cão com dor, concluiu-se que o treinamento aumentou a capacidade dos alunos em reconhecer a dor pela escala Universidade de Colorado (A.R. et al., 2015)(MICH et al., 2010), Metade dos alunos consideraram a incorporação do treinamento e da disciplina sobre ensino da dor no currículo de moderada a muito útil. Quando questionados sobre sua capacidade individual em reconhecer a dor, 70% dos estudantes relataram que o treinamento apresentava importância. O treinamento homogeneizou os escores totais entre os avaliadores, mesmo com o emprego de escalas multidimensionais de amplo uso para avaliar a sedação (WAGNER; 54 HECKER; PANG, 2017) e a dor aguda em cães, como a CMPS-SF (REID et al., 2007) e a UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999). Tais escalas são compostas por descritores desenvolvidos para minimizar as dúvidas de interpretação dos comportamentos. Nosso estudo sugere que, apesar de aumentar o tempo para preencher o questionário, necessita- se reincorporar a tabela da descrição comportamental, da CMPS (HOLTON et al., 2001) para a sua versão curta (CMPS-SF), no sentido de garantir o significado literal de cada palavra descritora do comportamento canino. Nosso estudo confirma que a universalidade da escala depende intrinsicamente da definição de seus itens e dos nuances comportamentais implementados por cada palavra descrita pelo dicionário para minimizar dúvidas de diferentes avaliadores com diferentes experiências (HOLTON et al., 2001; REID et al., 2007). Na medicina também se propõe a necessidade de treinamento mesmo com o uso de instrumentos consolidados, para avaliar a dor em pacientes neonatos e pediátricos (BHANDARI et al., 2019). , por meio de programas interdisciplinares via educação à distância ou cursos intensivos, como o Curriculum Pediátrico On-line da Dor [SickKids] – OPPC e OPENPediatrics, que são recursos gratuitos disponíveis em inglês para profissionais da saúde (BHANDARI et al., 2019). A melhora da repetibilidade e da reprodutibilidade, para o resgate analgésico, diminui a possibilidade de oligoanalgesia e garante o bem-estar animal, dada a maior certeza na tomada de decisão para a intervenção analgésica. Estudos anteriores que avaliaram a reprodutibilidade em cães (BARLETTA et al., 2016) e gatos (BRONDANI et al., 2013) sugerem a necessidade de uma capacitação para melhorar a confiabilidade das escalas de dor. A reprodutibilidade da escala de sedação melhorou após o treinamento como descrito no estudo anterior de validação do instrumento (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), que utilizou cinco anestesiologistas experientes. Neste estudo o treinamento melhorou a capacitação das avaliadoras com diferentes níveis de experiência. As correlações negativas em alguns casos antes do treinamento para a EAV e UMPS e a correlação pobre para a CMPS-SF são similares à correlação inter-avaliadores entre 27 estudantes e cinco anestesiologistas, na avaliação pós operatória de cães pela Escala analógica visual dinâmica (DIVAS) e CMPS-SF (BARLETTA et al., 2016), que demonstrou coeficiente Kappa “pobre” (< 0) entre estudantes sem treinamento e apenas “moderado” entre os cinco diferentes anestesiologistas (0,41 a 0,60), ou seja, abaixo do esperado que seria ≥ 0,60. A reprodutibilidade normalmente diagnostica se uma escala e/ou teste é mal formulada e/ou possíveis variações individuais relacionadas ao grau de 55 experiência e vivência clínica (BARLETTA et al., 2016; MICH et al., 2010; MURPHY, 1998). Uma outra possibilidade da baixa reprodutibilidade para a UMPS e CMPS-SF poderia ser a falta da interação avaliador-animal. Na análise dos vídeos pode-se comprometer a acuidade visual e auditiva, perder-se alguns detalhes na edição e não se dispor dos sentidos tátil e e da interação, como ocorrido em estudos anteriores que utilizaram a mesma metodologia (BARLETTA et al., 2016; BENITO et al., 2017; MICH et al., 2010). Dentre as dificuldades para observar os videos estão a identificação da posição do globo ocular na escala de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017), a presença de midríase na UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999) e avaliar cães de coloração escura durante a noite ou em ambientes escuros. Estes casos requerem câmeras específicas para aproximação da imagem e que garantam boa definição em ambientes escuros. Uma outra possibilidade da análise remota é excluir os itens que dão margem a erro. Também se relataram tais dificuldades para pontuar a expressão facial de cavalos e gatos pretos (DALLA COSTA et al., 2014; EVANGELISTA; MONTEIRO; WATANABE, 2019). Em contrapartida, a utilização de filmagens é indispensável para mensurar a repetibilidade e desenvolver etogramas, baseado nas alterações comportamentais frente a presença ou não da dor, como descrito em cães, gatos, cavalos e bois (BRONDANI et al., 2013; BRONDANI; LUNA; PADOVANI, 2011; DE OLIVEIRA et al., 2014; FOX et al., 2000; RIALLAND et al., 2012; TAFFAREL et al., 2015). Outros fatores que podem justificar as fracas repetibilidade e reprodutibilidade da UMPS (FIRTH; HALDANE, 1999) e CMPS-SF (REID et al., 2007), poderia ser o fato que os avaliadores estavam encobertos quanto ao momento perioperatório e ao tipo de procedimento. Uma outra possibilidade foi a falta de um etograma prévio e ausência de dados sobre a avaliação da concordância intra para a CMPS-SF e intra-observador da UMPS nos artigos originais do desenvolvimento e da validação destes instrumentos. A reprodutibilidade reportada para a 4A-VET em cães foi de “moderada” a “quase perfeita” (0,5 – 0,99) (RIALLAND et al., 2012), para a CMPS-SF variou de “pobre” (-0,21) entre estudantes e anestesiologistas, “razoável” (0,38) entre os estudantes e moderada” ( 0,60) entre anestesiologistas (BARLETTA et al., 2016; REID et al., 2007). Já quando a reprodutibilidade entre um etologista especialista em dor e um médico veterinário inexperiente foi “consistente” (0,74) em cães submetidos à punção de medula óssea (GUILLOT et al., 2011) e tal resultado pode ter ocorrido pelo fato que os cães eram ambientados no canil por meses e submetidos ao manejo prévio com seres humanos por uma semana. A ambientação prévia supostamente minimiza o viés do medo e a ansiedade, 56 que poderia interferir na pontuação das escalas de dor (BUISMAN et al., 2017), levando à resultados falso-positivos. Esta pode ser uma limitação deste estudo, pois o período de internação prévio pode não ter sido suficiente para adaptação e manifestação do comportamento normal dos cães nos momentos basais. Porém ressalta-se que este é um estudo clínico que mimetizou o cenário real quando se utilizam estes instrumentos para avaliar a dor. Os resultados de reprodutibilidade em cães são piores que os de gatos, já que para estes, a confiabilidade interobservador foi “quase perfeita” (0,89) para a escala facial de avaliação da dor aguda (FGS) (EVANGELISTA; MONTEIRO; WATANABE, 2019), “consistente” a “quase perfeita” (0,66 – 0,99) para a escala multidimensional de avaliação da dor aguda em gatos da UNESP - Botucatu (MCPS) (BRONDANI et al., 2013) e “moderada” a “consistente” (0,44 – 0,79) para a escala de avaliação da dor aguda em gatos da Universidade de Colorado (SHIPLEY et al., 2019), todas elas melhores que as obtidas neste estudo para a UMPS. A confiabilidade pior dos cães em relação aos gatos pode não se relacionar apenas à deficiência dos instrumentos, mas também ao fato que gatos apresentam melhor interação humano x animal a partir de 72 horas de internação (ZEILER et al., 2014). A fraca repetibilidade e reprodutibilidade não ocorreu para a escala de sedação, que apresentou valores altos (≥ 0,80), mesmo antes do treinamento. A reprodutibilidade neste estudo foi similar à do estudo que validou a escala (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e a lacuna de dados sobre a repetibilidade no estudo original de validação da escala de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) foi preenchida pelos resultados deste artigo. Uma limitação deste estudo que pode justificar os valores de confiabilidades abaixo do esperado (BOATENG et al., 2018; BRONDANI et al., 2013; CRONBACH, 1951), correlaciona-se à falta de padronização de raças, possiblidade de efeito sedativo residual, e comportamentos individuais como medo e/ou ansiedade, que podem criar um viés para pontuar a sedação e dor, como demonstrado em gatos, onde as diferenças inter- raciais e de comportamento podem ser fatores de confusão na pontuação das escalas validadas para mensurar a dor aguda (BUISMAN et al., 2017). Uma limitação que dificultaria comparar as fases pré e pós treinamento seria haver diferença nas medidas de tendência central entre os escores de dor. Neste caso ao se comparar os escores obtidos nas duas fases, observou-se que estes foram similares o que garantiu uma homogeneidade da intensidade de dor. A ausência de um avaliador do sexo masculino pode ser outra limitação, pois homens tendem a subestimar a dor em relação 57 às mulheres (CAPNER; LASCELLES; WATERMAN-PEARSON, 1999). Entretanto, como o efeito do treinamento na confiabilidade foi a única variável testada, aparentemente não houve comprometimento nas conclusões do estudo. O uso de instrumentos confiáveis é de suma importância para garantir resultados fidedignos em estudos clínicos na veterinária e experimentais na medicina translacional. Neste sentido, o potencial deste estudo foi que além de confirmar a importância do treinamento na confiabilidade, também se disponibiliza uma ferramenta educacional para os potenciais usuários das escalas. Para tal, os vídeos referentes a cada item e subitem da escala abreviada de sedação (WAGNER; HECKER; PANG, 2017) e escalas multidimensionais da dor em cães (FIRTH; HALDANE, 1999; REID et al., 2007) estão disponíveis de forma gratuita em plataforma virtual a partir da escalas inseridas no apêndice entretanto os comportamentos correspondentes a cada item das escalas foram selecionados de acordo com julgamento dos autores e estes não