UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência Andrela Garibaldi Loureiro Parente Práticas de investigação no ensino de ciências: percursos de formação de professores Bauru 2012 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência Andrela Garibaldi Loureiro Parente Práticas de investigação no ensino de ciências: percursos de formação de professores Tese apresentada como um dos requisitos à obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho” – Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, área de concentração Ensino de Ciências, sob a orientação da profa. Dra. Odete Pacubi Baierl Teixeira Bauru 2012 Parente, Andrela Garibaldi Loureiro. Práticas de investigação no ensino de ciências : percursos de formação de professores / Andrela Garibaldi Loureiro Parente, 2012 234 f. : il. Orientador: Odete Pacubi Baierl Teixeira Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2012 1 á i d i i 2 d AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Pará-UFPA pela liberação e apoio concedido. À CAPES pelo apoio financeiro. Ao Curso de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP (Campus de Bauru - SP) por proporcionar minha formação doutoral. Ao Clube de Ciências de Abaetetuba e ao Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará de onde parti e para onde busquei retornar e contribuir com as práticas de ensino de ciências. À minha orientadora, professora Dra. Odete Pacubi Baierl Teixeira pelas orientações, discussões e dedicação ao processo dessa pesquisa. Às professoras Dra Silvia Regina Quijadas Aro Zuliani e Dra Maria Eunice Ribeiro Marcondes pela leitura cuidadosa e reflexões que proporcionaram no exame de qualificação. À professora Dra Terezinha Valim Oliver Gonçalves por seu empenho e dedicação à criação do Clube de Ciências da UFPA e de tantos outros existentes no Estado do Pará que tornou possíveis importantes conquistas para a melhoria da formação de professores de ciências e matemática em nosso Estado. Aos professores Dr. Roberto Nardi, Dr. Tadeu Oliver Gonçalves e a Dr. Ana Maria de Andrade Caldeira pelo apoio que recebi durante o curso. Ao professor Dr. José Moysés Alves do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas da UFPA por ter me recebido no grupo de estudos de seus orientandos, proporcionando discussões importantes para condução do trabalho de campo desta pesquisa. Aos meus pais, Garibaldi e Raimunda, por estarem presentes em minha vida sempre dispostos a ajudar. Aos meus irmãos queridos: Eduardo, Giuseppe e Clícia. Ao meu marido Renato pelo carinho, incentivo e disponibilidade dedicados a mim ao longo dessa construção. A minha sogra, Ana Borges, que por diversas vezes cuidou de minha filha, Ádria, enquanto eu me dedicava aos encaminhamentos da tese. Às colegas queridas Luciana Falcon Cassini, Nadja Janke, Fabiana Andrade da Costa Vieira, Liz Muñoz e Fúlvia Eloá Maricato que as conheci durante o curso... Obrigada por tudo! As amigas e amigos Ariadne Perez, Daniele Dorotéia, Luciana Aguiar, Jesus de Nazaré, Sued de Oliveira, Cristhian Paixão, Lilian Teles, Tiago Sabóia que me ajudaram de diferentes formas: discutindo comigo a tese, compartilhando minhas angustias, oferecendo palavras de incentivo... Para Ádria Garibaldi, minha filha, que me mostra quando verbaliza suas perguntas e reflexões às potencialidades de uma criança pequena de ser iniciada em práticas investigativas. A curiosidade que expressa uma criança com seus questionamentos é uma habilidade construída e que precisa ser valorizada e incentivada para além do seio familiar. RESUMO No contexto de carências de práticas investigativas, da necessidade de atenção ao processo de formação inicial e continuada de professores de ciências, e considerando a orientação didático-pedagógica em que a investigação é uma perspectiva que tem sido recomendada para a melhoria do ensino de ciências, este trabalho tem como objetivo analisar sob que discurso argumentativo se constrói o processo de formação de professores ao experimentarem práticas investigativas na ocasião de reuniões para sua discussão e planejamento, estas ocorridas em um grupo de professores-estagiários, pertencentes ao Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará com a participação da pesquisadora, e de suas aulas com uma turma de estudantes do sexto e sétimo anos, oriundos de escolas públicas de Belém, ocorridas com a presença da pesquisadora, no sentido de procurar indicar diferentes aspectos de seu desenvolvimento e condução em um contexto de ensino e de formação. Para isto, propusemos um modelo para análise de práticas investigativas, construído face às diferentes propostas de investigação existentes. Os resultados mostraram que as práticas investigativas não são somente uma atitude a ser desenvolvida no estudante. Essas trazem evidências de novos domínios para a formação do professor que articulam o contexto teórico, metodológico e epistemológico. Antes e simultaneamente a investigação é uma condição de formação e trabalho do professor, mediado por práticas cuja finalidade esteja imbuída do espírito de busca. Palavras chave: Práticas de investigação – Formação de professores de ciências - Discurso argumentativo. ABSTRACT In the context of lack of investigative practices, the necessity of attention to the process of initial and continued formation of science teachers, and considering the didactic- pedagogical orientation in which the investigation is a perspective that has been recommended for the improvement of the teaching of sciences, this work aims at analyzing the argumentative discourse in which is based on the process of teachers formation, in particular, when they experience the investigative practices during meetings organized for discussion and planning. The meetings were constituted by the professor research, a group of teachers in condition of trainees from the Federal University of Para Science Club. The trainees applied the procedures discussed during the meetings in classes of students in the sixth and seventh grade, from public schools in Belém city, which occurred under the supervision of the professor researcher, in seeking to indicate different aspects of their development and conduct in a real context of education and formation. In this work was proposed a model for analysis of investigative practices, built in face of various existing proposals. The results demonstrated that the investigative practices are not only an attitude to be developed in the students; they bring evidence of new areas for teacher education that articulates the theoretical, methodological and epistemological framework. Keywords: Investigative practices; Science teachers formation; Argumentative discourse. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Esquema com elementos do processo investigativo circunscrito pelas propostas. 23 Figura 2 - Esquema da proposição do modelo 129 Figura 3 - Esquemas para análise de práticas investigativas 136 Figura 4 - Esquema para estudar proliferação de gorgulho em quantidade de milho. 138 Figura 5 - Síntese da pergunta de I1 143 Figura 6 - Síntese do planejamento de I1 155 Figura 7 - Síntese da realização de I1 163 Figura 8 - Gráfico para a segunda contagem. 169 Figura 9 - Síntese da resposta para I1 169 Figura 10 - Esquema para estudar proliferação de gorgulho em variedade de milho. 171 Figura 11 - Síntese da pergunta para I2 184 Figura 12 - Síntese do planejamento para I2 193 Figura 13 - Síntese da realização de I2 208 Figura 14 - Síntese da resposta de I2 216 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Características do processo de investigação segundo o ensino por descobrimento dirigido. 29 Quadro 2 - Características do processo de investigação segundo a investigação dirigida. 34 Quadro 3 - Características do processo de investigação segundo a investigação orientada. 39 Quadro 4 - Características do processo de investigação segundo o ensino por pesquisa. 42 Quadro 5 - Características do processo de investigação segundo o educar pela pesquisa. 44 Quadro 6 - Características do processo de investigação segundo a investigação escolar. 46 Quadro 7 - Síntese de características envolvendo diferentes propostas de ensino. 59 Quadro 8 - Habilidades investigativas 125 Quadro 9 - Quantidade de milho e gorgulho usado no experimento 137 Quadro 10 - Contagens de gorgulho em quantidade de milho. 138 Quadro 11 - Síntese referente à I1 139 Quadro 12 - Episódio 1 de I1 140 Quadro 13 - Episódio 7 de I1 141 Quadro 14 - Episódio 4 de I1 141 Quadro 15 - Episódio 2 de I1 143 Quadro 16 - Episódio 3 de I1 144 Quadro 17 - Episódio 6 de I1 145 Quadro 18 - Episódio 9 de I1 147 Quadro 19 - Episódio 10 de I1 148 Quadro 20 - Episódio 12 de I1 151 Quadro 21 - Episódio 13 de I1 152 Quadro 22 - Episódio 5 de I1 157 Quadro 23 - Elementos presente na discussão de professores e estudantes 157 Quadro 24 - Dados referentes à primeira contagem do experimento 158 Quadro 25 - Episódio 11 de I1 159 Quadro 26 - Episódio 14 de I1 160 Quadro 27 - Episódio 15 de I1 161 Quadro 28 - Episódio 16 de I1 162 Quadro 29 - Episódio 8 de I1 164 Quadro 30 - Episódio 17 de I1 164 Quadro 31 - Episódio 18 de I1 167 Quadro 32 - Episódio 19 de I1 167 Quadro 33 - Variedade de milho, quantidade de milho e gorgulho usado no experimento 171 Quadro 34 - Contagens de gorgulho em variedade de grãos de milho 172 Quadro 35 - Sínteses referentes à I2. 173 Quadro 36 - Episódio 1 de I2 175 Quadro 37 - Episódio 2 de I2 176 Quadro 38 - Episódio 3 de I2 177 Quadro 39 - Episódio 4 de I2 178 Quadro 40 - Episódio 9 de I2 179 Quadro 41 - Episódio 12 de I2 180 Quadro 42 - Episódio 13 de I2 181 Quadro 43 - Episódio 5 de I2 185 Quadro 44 - Episódio 7 de I2 187 Quadro 45 - Episódio 8 de I2 188 Quadro 46 - Episódio 10 de I2 189 Quadro 47 - Episódio 11 de I2 190 Quadro 48 - Episódio 14 de I2 194 Quadro 49 - Episódio 16 de I2 195 Quadro 50 - Episódio 19 de I2 196 Quadro 51 - Episódio 15 de I2 197 Quadro 52 - Episódio 17 de I2 197 Quadro 53 - Episódio 22 de I2 198 Quadro 54 - Episódio 23 de I2 199 Quadro 55 - Episódio 18 de I2 199 Quadro 56 - Episódio 20 de I2 200 Quadro 57 - Episódio 21 de I2 201 Quadro 58 - Episódio 24 de I2 202 Quadro 59 - Episódio 28 de I2 203 Quadro 60 - Episódio 29 de I2 204 Quadro 61 - Episódio 26 de I2 204 Quadro 62 - Episódio 6 de I2 210 Quadro 63 - Episódio 24 de I2 210 Quadro 64 - Episódio 27 de I2 211 Quadro 65 - Episódio 30 de I2 214 LISTA DE SIGLAS CCIUFPA - Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará CCIA - Clube de Ciências de Abaetetuba EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária IEMCI – Instituto de Educação Matemática e Científica PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais. SEDUC – PA – Secretaria de Estado de Educação UFPA – Universidade Federal do Pará UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. UVA - Universidade do Vale do Acaraú CESUPA - Centro Universitário do Pará COSANPA - Companhia de Saneamento do Estado do Pará SNCT - Semana Nacional de Ciência e Tecnologia Programa FORTALECER – Programa de Bolsas para o Fortalecimento da Educação Pública e Inclusão Social FAPESPA – Fundação de Amparo a pesquisa no estado do Pará Programa EDUCIMAT – Formação, Tecnologia e Prestação de Serviços em Educação em Ciências e Matemáticas. PPGECM – Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas SUMÁRIO Introdução 15 1 Investigação e o ensino de ciências 19 1.1 Do que trato nesta pesquisa? 19 1.2 O que significa investigação nas propostas de ensino para aulas de ciências? 21 1.2.1 Ensino por descobrimento dirigido 24 1.2.2 Investigação dirigida 29 1.2.3 Trabalhos de investigação 35 1.2.4 Ensino por pesquisa 39 1.2.5 Educar pela pesquisa 42 1.2.6 Investigação escolar 44 1.3 Outros significados para compartilhar sobre investigação. 47 1.4. A investigação nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ciências. 51 1.5 Buscando sínteses e explicitando pontos de vista sobre a investigação. 53 2 Perspectivas iniciais para o estudo de campo e seus desdobramentos para a definição da pesquisa 61 2.1 Traços de minha trajetória formativa orientando os interesses no projeto inicial de pesquisa. 61 2.2 O trabalho de campo 67 2.2.1 A organização das atividades no Clube de Ciências da UFPA e o início do trabalho de campo. 67 2.2.2 Reflexões sobre o processo de seleção dos grupos 71 2.2.3 O papel de pesquisadora e professora 72 2.2.4 A participação nas reuniões dos grupos de professores-estagiários: resistências e mudanças. 78 2.2.5 Da impossibilidade de usar a filmadora ao pedido constante de fazer uso dela: a coparticipação dos professores-estagiários na produção dos vídeos. 83 2.2.6 Indicativos do que estou procurando: a escolha do grupo. 86 2.2.7 O grupo selecionado 91 2.2.8 A construção de dados no grupo selecionado 96 2.2.9 A continuidade das atividades iniciadas com o grupo, seus desdobramentos e o distanciamento gradativo dos sujeitos. 99 3. Uma perspectiva de análise para as práticas investigativas 103 3.1 O discurso e a argumentação como referência à análise de práticas investigativas. 103 3.2 Um modelo de análise fundamentado na análise do discurso para práticas de investigação. 114 3.3 Organização dos dados e processo de seleção para a análise 130 4 Narrativa analítica do percurso de formação para a investigação. 137 4.1 Investigação 1: Proliferação de gorgulho em quantidade diferente de milho. 137 4.1.1 Do que trata a investigação? 137 4.1.2 Quadro síntese referente à proliferação de gorgulho em quantidade de milho 138 4.1.3 NAP para I1 140 4.2 Investigação 2: Proliferação de gorgulho em variedade de milho. 171 4.2.1 Do que trata a investigação? 171 4.2.2 Quadro síntese referente à proliferação de gorgulho em variedade de milho 172 4.2.3 NAP para I2 174 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 217 REFERÊNCIAS 223 15 Introdução Crescente atenção tem sido dedicada à discussão de propostas de investigação em situações de ensino. Além disso, há um consenso na comunidade de professores e pesquisadores, em particular na área de ensino de ciências, que esta prática se constitui uma alternativa para melhoria do interesse e da aprendizagem em ciências. É, portanto, uma recomendação para o ensino e objeto de interesse de algumas pesquisas. Embora estas tragam contribuições, pouco têm a falar da investigação a partir de situações concretas de práticas de ensino e de formação, de modo que o percurso que constroem professores e estudantes para a condução de suas investigações se mostra uma necessidade latente para as pesquisas nela situando-se nosso interesse. A pesquisa sobre o percurso da investigação realizada por professores e estudantes poderá nos conduzir para eventos singulares, indicando aspectos do processo que aparecem nas situações de ensino e formação que se mostram relevantes para a melhoria do ensino de ciências. Considerar a investigação como uma prática de ensino não é uma tarefa trivial, pois além dos conhecimentos teóricos e práticos nela implicados exige mudanças de posturas. O professor, devido à formação que experimentou, pode bem discutir possibilidades de investigação para o ensino, mas nem sempre se envolve ou é envolvido em práticas, que implicam em experiências concretas. Do mesmo modo que mudanças de posturas são fundamentais, no sentido de favorecer que a investigação seja conduzida em situações de ensino, também são fundamentais mudanças de posturas quanto ao modo de pensarmos a investigação no processo de formação de professores. Se quisermos que ela se faça presente no ensino e favoreça aprendizagem dos estudantes é necessário considerar não só situações elaboradas para que professores a realizem, mas também, situações em que a investigação seja com eles construída. O interesse inicial da pesquisa que propus tem sua origem na intenção de estudar a aprendizagem em contextos de ensino em que a investigação se faz presente. Com este interesse inicial, não considerava a investigação enquanto um processo de construção com o professor. Entretanto, constatei em campo que seria inviável desenvolver tal estudo diante da inexistência de uma prática de investigação. Então, fui provocada a pensar a investigação com os professores, de modo que a pesquisa inicial deu lugar a um novo 16 objeto de estudo: o do percurso de construção para o desenvolvimento da investigação. Inserindo a pesquisa em outras condições de construção de dados A pesquisa foi realizada no Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará- CCIUFPA, no ano de 2009, com um grupo de professores responsáveis por uma turma de estudantes da educação básica. O CCIUFPA é um espaço que, desde 1979, no Estado do Pará, possui um trabalho de formação inicial e continuada de professores de Ciências e Matemática, incentivando e valorizando a investigação como uma prática de ensino e aprendizagem em aula. A investigação despertou meu interesse quando estudante do ensino básico, influenciou minha formação inicial e continuada de professora e, hoje, suscita meu interesse de pesquisa. Participei desde 1988 do Clube de Ciências de Abaetetuba - CCIA, em minha cidade natal. Este Clube possui uma história de criação e fundação advinda de processos de formação continuada de professores no CCIUFPA. Inicialmente, no CCIA, acompanhava minha mãe que é professora e que lá trabalhava. Mas passei a frequentá-lo por iniciativa própria, em virtude de gostar das atividades lá desenvolvidas. Foi por reconhecer nas situações vivenciadas no CCIA condições favoráveis de aprendizagem e, também, por me sentir motivada ao escutar colegas relatarem suas práticas de ensino junto aos estudantes da comunidade, do entorno da Universidade, que procurei o CCIUFPA na ocasião do curso de Licenciatura em Ciências: habilitação em química, realizado na Universidade Federal do Pará. Um espaço de discussão, planejamento, prática e reformulação de atividades de ensino, me conduziu para outra dimensão do processo, o da formação. A formação por mim experimentada motiva o interesse por esta pesquisa. Além disso, esse interesse se constitui no/pelo diálogo teórico estabelecido com as pesquisas e mediante o reconhecimento de que a partir dos dados construídos e analisados podemos gerar conhecimentos que contribuam com a formação e com o ensino. Assim, essa pesquisa foi desenvolvida em um contexto de ensino e formação de professores de ciências no qual era de interesse dos envolvidos a realização de investigação. No percurso reconstruído do processo, mostro não só o interesse de desenvolver a investigação com os estudantes, mas também as conquistas realizadas, as dificuldades manifestadas, os conflitos gerados, as incertezas vividas, as frustrações compartilhadas e o processo de intervenção que se faz necessário ao processo de formação de professores. 17 Encontrei na metodologia qualitativa fundamentos para discutir as condições de construção dos dados, na semântica do discurso e na argumentação elementos orientadores para o procedimento de análise e nas diferentes propostas de investigação uma referência de construção de novos diálogos. Tenho o objetivo de investigar, a partir do discurso construído no decorrer do percurso de uma experiência singular de um grupo, como os sujeitos envolvidos se apropriam da proposta e que momentos se mostram construtivos para a investigação como instrumento didático que favorece o processo de ensino e a formação de professores. Com o objetivo de apresentar a pesquisa o texto foi organizado em quatro capítulos. No primeiro, contextualizo o objeto de estudo, apresento e discuto diferentes propostas de ensino que remetem a investigação, considero o que os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam sobre um ensino investigativo e apresento, ao final, uma síntese do capítulo sinalizando a necessidade de reconhecer, nas diferentes propostas, orientações importantes para práticas investigativas, assumindo que a carência de tais práticas não pode inviabilizar estudos, mas que ela mostra-nos, sobretudo, que espaços precisam ser criados e investigados. No segundo capítulo, trago o trabalho de campo desta pesquisa reservando o espaço para apresentar e discutir as condições de construção dos dados. No terceiro, apresento um modelo para analisar as práticas de investigação. No quarto, são analisadas duas investigações desenvolvidas nesta pesquisa, apresentando a narrativa analítica do percurso construído com os professores-estagiários. 18 19 1 Investigação e o ensino de ciências 1.1 Do que trato nesta pesquisa? Trato do estudo e da análise do discurso construído, no decorrer do percurso para a investigação, a partir de uma experiência singular de um grupo de professores- estagiários, para discutir sua apropriação e apresentar momentos do processo que se mostram construtivos para a investigação em condições de ensino. O grupo era formado por professores-estagiários, estudantes do nível básico de ensino e pela pesquisadora. Os professores-estagiários e estudantes pertenciam, no ano de 2009, ao Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará – CCIUFPA. A pesquisadora tem uma história de formação influenciada por Clubes de Ciências entre eles o CCIUFPA. Hoje é professora da UFPA com atuação no campo onde desenvolveu o estudo. Investigação é uma palavra que surge nos currículos de ciências desde a década de 70 do século passado e ao longo dos anos foi adquirindo significados específicos em função de propósitos assumidos e refletindo diferentes tendências de ensino. Portanto, há um contexto em que uma diversidade de propostas de investigação são encontradas. Ela é recomendada pela Inter Academy Panel (HAMBURGER, 2007), pela UNESCO e pelos PCNs. Sobre este assunto existe um documento lançado pela UNESCO (2005), para países da América Latina e Caribe, intitulado ¿Cómo promover el interes por La cultura científica? em que a investigação é apresentada como uma possibilidade de aumentar o interesse dos estudantes pela ciência. Aliado às propostas de investigação, a formação do professor, seus métodos, suas atitudes e suas representações também são indicadas como elementos chave na melhoria do ensino e no enfrentamento dos desafios da educação neste século, de modo que, para Tedesco (2011), “quem e como se ensina” são variáveis pedagógicas que requerem atenção cuidadosa. Encontramos programas e projetos no âmbito das instituições de ensino, que contemplam propostas de investigação, visando propiciar condições favoráveis para seu desenvolvimento, aproximam-se dos professores e das escolas. Considerados a existência de características particulares, interesses específicos e concepções no âmbito desses projetos, podemos mencionar iniciativas que integram a investigação às práticas pedagógicas/de ensino: a criação do curso de Especialização em Ensino de Ciências por Investigação pela faculdade de Educação, da Universidade 20 Federal de Minas Gerais que visa formar professores para desenvolver investigação com estudantes; O projeto ABC da Educação Científica - Mão na Massa, uma parceria entre Academias de Ciências do Brasil e da França, que visa à formação de professores por meio de cursos para realização de investigação no contexto das séries iniciais, em escolas de São Paulo e Rio de Janeiro; O Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, formado por professores e pesquisadores, produz materiais, promove cursos e disponibiliza resultados de pesquisas. Na linha dessas iniciativas apresento o Clube de Ciências da Universidade Federal do Pará – CCIUFPA, um espaço de formação e prática de ensino de ciências, que suscitou o interesse dessa pesquisa. As iniciativas que pontuei expressam nas ações que propõem como concebem a formação do professor e o lugar que essa ocupa em viabilizar a investigação em situações de aulas. São intenções positivas de contribuir com a melhoria do ensino de ciências. São iniciativas que surgem num cenário em que prevalece a afirmação de que essa prática é uma raridade (PRAIA; CACHAPUZ; PÉREZ, 2002). Para González, Estrada e Cañal (2006), devemos gerar conhecimento sobre as investigações escolares em condições de prática, pois a falta deste é um dos principais obstáculos para este ensino. Assim, é que pesquisas indicam que há necessidade de aprofundarmos conhecimentos sobre as estratégias de ensino desenvolvidas em aula, em particular sobre as estratégias de investigação, avançando no estudo das características destas e das problemáticas manifestadas no processo de introdução delas em aulas nos distintos níveis da formação inicial e permanente do professor em relação a esta opção pedagógica (CAÑAL, 1999). Nesse sentido, Sá et al. (2007) buscaram caracterizá-las junto a tutores de um curso de formação de professores. González, Estrada e Cañal, (2006) analisaram, sob o ponto de vista dos docentes, as estratégias de ensino que usam, a finalidade dessas atividades, a funcionalidade da proposta, os obstáculos, e os fatores positivos. Encontramos um estudo realizado por Lima, David e Magalhães (2008), sobre um episódio ocorrido em um curso envolvendo professores em uma atividade de investigação, em que afirmam, diante de uma situação de imprevisibilidade reconhecida no episódio pela formadora, ser necessário desenvolver nos professores a dúvida, a reflexão e a abertura ao inusitado. Os autores reconheceram ter sido de fundamental importância a postura epistemológica e investigativa da formadora bem como seu 21 domínio conceitual na resolução da situação que escapou do que foi predeterminado no planejamento dos envolvidos para suscitar neles a reflexão diante da situação que poderia constituir-se em um obstáculo para os professores. As posturas valorizadas e o papel do formador na situação do episódio, apresentado e analisado, implicam não só na necessidade de valorizarmos situações de imprevisibilidade como também de provocá-las em condições de formação e de ensino. Contudo, essas posturas só serão cobradas se assumidas como desejáveis nas propostas de ensino ou diante da perspicácia em reconhecê-las como importantes para a realização deste (do ensino) mesmo não se fazendo explícitas no bojo das propostas. Uma vez reconhecidas como importantes, é fundamental criá-las intencionalmente com meios que efetivamente as favoreçam. Essa é uma contribuição proveniente de pesquisas que deflagram por um lado a distância entre o que é proposto e a prática. Por outro lado, o quanto a pesquisa, em tais contextos, pode tornar evidentes aspectos que surgem em condições de ensino e/ou de formação que possam ser orientadores das novas situações. A raridade das práticas investigativas pode ser explicada enumerando fatores (ambientais) que atuam de forma externa, como a falta de materiais e espaços apropriados, o que já é bem conhecido, mas não menos importante. Esses fatores externos prevalecem nos argumentos que são apresentados, encobrindo outros que dizem respeito ao que é esperado dos envolvidos para sugerir e encaminhar situações de investigação em aula. O que é esperado dos envolvidos (professores) é uma competência conhecida teoricamente. Esta precisa ser construída e incentivada, pois não é dada. Talvez, seja um dos principais desafios dos projetos, programas e cursos, se suas ações pretendem chegar aos estudantes. E porque não dizer, um desafio das próprias pesquisas! É cômodo constatar que algo não existe, tomando distância do próprio objeto de estudo. Provocá-lo requer um envolvimento, que nem sempre temos condições de fazer, e uma atitude sempre questionável. 1.2 O que significa investigação nas propostas de ensino para aulas de ciências? Procurei organizar diferentes propostas no âmbito do ensino de ciências, as quais tecem orientações para práticas investigativas e trouxe à discussão seus aspectos, em particular, buscando caracterizá-las quanto aos seus objetivos, quanto ao processo e 22 quanto à atenção que é dada à formação de professores. Quanto ao processo de investigação, caracterizo-as por um esquema definido por PERGUNTAS, PLANEJAMENTO, REALIZAÇÃO E RESPOSTAS. Com esse esquema tenho a intenção de apontar elementos que nos ajudem a entender seus significados, além de destacar as diferenças existentes nas práticas investigativas, as quais serão devidamente abordadas neste trabalho. Nesta organização inicial situo o contexto teórico do estudo ao qual proponho. Encontro na literatura iniciativas nesse sentido, por exemplo, em Cañal (2008), que apresenta modelos de investigação em um contexto histórico para defender o que denomina de Investigação Escolar. Pozo e Crespo (2004), que indicam a investigação como um dos enfoques para ensino de ciências. Azevedo (2004), que organiza várias estratégias de ensino identificando seus objetivos e denominando-as de Ensino por Investigação, dentre outros. Construí neste tópico duas sínteses: a primeira relacionada com as características do processo de investigação a partir dos elementos do esquema que é apresentado ao final de cada proposta e, a segunda, trazendo aspectos, por exemplo, dos objetivos e da compreensão sobre a formação do professor, situada no final desse tópico. Essas sínteses foram objetos de orientação na construção de um instrumento analítico nesta pesquisa. O termo investigação tem significados diferentes. Moraes (2002) explora esses significados no âmbito da educação trazendo relatos de práticas sob as quais se identificam por tratarem de situações no modo como se ensina, que diferencio da perspectiva em que o professor faz investigação sobre a prática (LÜDKE, 2001). Aqui concebo a investigação como uma atividade de ensino ou como guia de trabalho didático, na concepção de Pozo e Crespo (2004). Embora seja compreendida a importância da investigação que o professor faz sobre o ensino, estabeleço essa diferença em vistas a situar o foco desse estudo. Assim, no modo como se ensinam esses significados começam pelos termos usados para designá-los: Ensino por descobrimento dirigido ou aprendizagem como investigação (GIL PEREZ, 1983; GIL PEREZ, 1986); Investigação dirigida (GIL PEREZ; CASTRO, 1996); Trabalhos de investigação ou processo de investigação orientada (VILCHES; SOLBES; GIL PEREZ, 2004; VILCHES; MARQUES; GIL PEREZ; PRAIA, 2007); 23 Ensino por pesquisa (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000; PRAIA; CACHAPUZ; GIL PEREZ, 2002; VASCONCELOS; PRAIA; ALMEIDA, 2003); Educar pela pesquisa ou Pesquisa na sala de aula (LIMA, 2004; MORAES, 2002; MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002; MORAES; RAMOS; GALIAZZI, 2004) e; Investigação escolar (CAÑAL; PORLAN, 1987; CAÑAL, 1999; CAÑAL, 2008; IZQUIERDO, 2000). Como cada proposta de investigação concebe a investigação de um modo próprio, traz implícita ou explicitamente um determinado esquema. Busquei compreendê-las sob os elementos: PERGUNTA, PLANEJAMENTO, REALIZAÇÃO e RESPOSTAS, que represento na figura 1. Figura 1 - Esquema com elementos do processo investigativo circunscrito pelas propostas. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente Cada elemento do esquema assume diferentes propósitos quando analisamos sob a ótica das propostas existentes. Do mesmo modo, eles se diferenciam pelo que significam no âmbito das propostas. Assim, por exemplo, a natureza da pergunta no ensino por descobrimento dirigido se difere da natureza da pergunta no ensino por pesquisa. Essa diferença também existe no papel que cumpre o professor em sua apresentação, elaboração e condução. Com isso, temos características próprias para tais componentes em cada proposta. Ensino por descobrimento dirigido Investigação dirigida Trabalhos de investigação Ensino por pesquisa Educar pela pesquisa Investigação escolar PERGUNTA PLANEJAMENTO REALIZAÇÃO RESPOSTAS 24 Tratarei de cada uma delas na sequência anunciada, procurando organizar elementos que clarifiquem e diferenciem o que é a investigação naquilo que é apresentado para o ensino. Para evitar possíveis conflitos de interpretação, cabe sinalizar de início que a expressão Atividades de Investigação é usada pelos diferentes autores para fazer referência à Investigação Dirigida e ao Processo de investigação orientada, mas, como se trata, em cada uma delas, de conceber a investigação de um modo particular, não utilizarei esse termo para designá-las, e sim outras denominações também recorridas por seus autores. 1.2.1 Ensino por descobrimento dirigido O Ensino por descobrimento dirigido ou aprendizagem como investigação (GIL PEREZ, 1983; GIL PEREZ, 1986) articula-se ao movimento de mudança conceitual. Conforme aponta Palacios (2000), é um modelo construtivista que busca conectar-se com os conhecimentos prévios dos estudantes com a finalidade dos problemas promoverem a mudança conceitual, envolvendo-os assim em atividades mentais cognitivas e não somente manipulativas (ALEIXANDRE, 2000). A proposição deste ensino critica o ensino por descobrimento e por transmissão de conhecimento. As críticas a primeira referem-se à atividade autônoma do estudante, que dispensa o papel de guia do professor, concebendo o desenvolvimento como um processo de maturação espontânea; ao planejamento empirista, em que as soluções para os problemas são encaradas mediante o raciocínio indutivo na posse dos dados empíricos; à falta de atenção aos conteúdos e ao tratamento desconexo de matérias e experimentos. O ensino por descobrimento foi muito criticado porque ao buscar aproximar conceitos e métodos, acabou por valorizar uma suposta metodologia científica no ensino (MOREIRA; OSTERMAN, 1993; KRASILCHIK, 1987), transmitindo visões simplistas da atividade científica (GIL PÉREZ, et al., 2001) e distantes da forma como se produz ciência (DUSCHL, 1995; CAAMAÑO, 2010; BUENO, 2010). Porém, como bem lembra Aleixandre (2000), esse ensino foi um grande passo para a ruptura com a transmissão de conhecimento. Quanto à segunda, a crítica se faz pela centralidade do ensino no professor, o que o faz reivindicar mais trabalho para o estudante. Os trabalhos práticos, por exemplo, no contexto desse ensino são criticados por se limitarem à ilustração e às manipulações, e 25 mais, se resumem a seguir procedimentos estabelecidos por outros, sendo que os sujeitos envolvidos pouco participam das tomadas de decisões a respeito do “que e do por que” estão a fazer determinada tarefa. O ensino por descobrimento dirigido (GIL PEREZ, 1986) assume contribuições da investigação didática da época sobre a existência de esquemas conceituais alternativos nos estudantes e a dificuldade para modificá-los na direção da aquisição de conhecimento científico. Tais contribuições permitiram, segundo Aleixandre (1998), corrigir alguns erros da perspectiva do descobrimento, como a falta de conteúdos conceituais e o papel do docente como guia. Esse ensino fundamenta-se no paralelismo entre desenvolvimento conceitual e evolução histórica do conhecimento científico. Reconhece, entretanto, que o problema da aprendizagem de conhecimento científico não está na existência de esquemas conceituais ou intuitivos, mas na metodologia da superficialidade, que está na origem dos conceitos alternativos dos estudantes. Assim explica: [...] se os alunos têm uma visão de, por exemplo, o comportamento mecânico da matéria, similar ao paradigma aristotélico/escolástico, não pode ser simples causalidade, mas o resultado de idênticas causas: concretamente, a tendência de generalizar acriticamente em base de observações qualitativas não controladas [...] a essa forma de abordar os problemas, denominamos metodologia da superficialidade. (GIL PEREZ, 1986, p.115, tradução nossa). De acordo com o autor, a superação da metodologia da superficialidade que sustenta o pensamento alternativo pela metodologia científica em que a situação é obtida por meio do rigor e do controle, se obtém a aprendizagem significativa, compreendida como uma atividade racional de acordo com a investigação científica. Pois, por exemplo, [...] as concepções aristotélicas/escolásticas só puderam ser desprezadas depois de séculos de vigência, graças a uma transformação metodológica nada fácil, que veio superar a segurança nas evidências de sentido comum, introduzindo uma forma de pensar mais criativa e mais rigorosa; uma metodologia que obriga imaginar novas possibilidades a nível de hipótese (pondo em questão o óbvio) e a submetê-las a contrastações em condições controladas. Cabe esperar, pois, que igual ocorra com os alunos. (GIL PEREZ, 1986, p.115, tradução nossa). Como supõe a compreensão desta proposta, o ensino de ciências busca no contexto da prática científica a referência para a aprendizagem em ciências, de tal forma que se espelha no que acontece nela para prever como ocorrerá a aprendizagem. De modo que compreende que uma aprendizagem significativa do conhecimento científico deverá ser alcançada à semelhança do que acontece com a prática científica quando avança na produção de conhecimento pela mudança no modo de tratar seus problemas. Por isso, 26 fundamenta-se em episódios da história da ciência para defender que o ensino tem que estar de acordo com o que acontece com a produção do conhecimento científico. É sustentado neste modo de pensar que a aprendizagem de ciências é concebida não somente como uma transformação conceitual, mas como transformação metodológica. Assim, para que a transformação conceitual ocorra é imprescindível a transformação metodológica. A metodologia científica é a responsável pela transição de um pensamento assumido como alternativo, para outro, compreendido como racional. Além disso, espera- se que ela - a metodologia científica - seja familiarizada pelos estudantes, pois se acredita que ela poderá possibilitar a formação de uma atitude positiva frente à aprendizagem. Contudo, para Bustamente e Aleixandre (2002) familiarizar-se com a metodologia científica supõe ensinar características do método e não aprendê-las, e, deste modo, para os autores, não se pode caracterizar a ciência, muito embora não acreditem que seja possível fazer isso. O ensino por descobrimento dirigido define-se como um modelo dinâmico, composto de duas fases distintas (GIL PEREZ, 1986). A primeira é a fase da busca, que é entendida como um momento em que a intenção é produzir ações sobre objetos para obter efeitos desejados, realizando predições e comparações que busquem explicação para “como” e o “por que” diante das situações. A segunda é a fase da introdução da metodologia científica, que é mais criativa e rigorosa ao colocar em xeque as certezas de senso comum, favorecendo a elaboração de hipóteses e constatando-as por meio de situações controladas. Para que as atividades sejam desenvolvidas segundo tais considerações devem integrar de forma articulada: a reconstrução de um fato científico ou de um descobrimento; o trabalho em grupo com estudantes, por se tratar de um aspecto essencial e coerente com a natureza social, coletiva e orientada do trabalho científico e; a valorização do pensamento divergente, caracterizado por aspectos fundamentais como a emissão de hipóteses e o planejamento experimental. Gil Perez (1986) refere-se a tais situações como uma atividade aberta, que não é exclusiva de práticas de laboratório, “que ao buscar ser coerente com a metodologia científica reflete investigações de origem diversas” (GIL PEREZ, 1986, p.119). A familiarização com a metodologia científica tem significado diferente ao encontrado no ensino por descobrimento - ensino por descoberta - porque no 27 planejamento “[...] exige, contudo, a superação de graves erros sobre o que se entende por metodologia científica, subjacente em toda corrente de aprendizagem por descobrimento indutivo e autônomo” (GIL PEREZ, 1986, p.119). Nesse sentido, há a necessidade de se compreender o que se entende por metodologia científica. Para Gil Perez (1983, 1986), tal compreensão pode ser buscada nas ideias que são coincidentes entre os epistemólogos sobre a atividade científica. Dentre elas, cita como exemplo a recusa de um método; do empirismo; a relevância do pensamento divergente – hipótese e planejamento experimental; e o caráter social e coletivo do pensamento científico. O professor exerce o papel de guia, de “busca orientada” (GIL PEREZ, 1983, p.31) que envolve os estudantes no tratamento científico diante das situações de investigação, como “problemas planejados sob um esquema conceitual coerente” (GIL PEREZ, 1983, p.31). Esse papel deve ser expresso nas atividades propostas, que devem ser situações de aprendizagem estruturadas, simplificadas e habilmente programadas. Nas palavras de Gil Perez (1983, p.29, tradução nossa): [...] atividades que permitam refazer, em certa medida o processo histórico de forma coerente com a metodologia científica e que evite aquisição dispersa em que os alunos não vejam claramente o fio condutor, o que as converteriam em receitas sem significado a priori. Por indicar que seriam atividades de descobrimento e reconstrução “de refazer, em certa medida o processo histórico” é que inferimos que tais situações precisariam ser primeiramente localizadas na própria história da ciência, lá onde foi necessária a mudança na forma de tratar a situação (transformação metodológica), que ficou reconhecida pelo avanço na forma de pensar (transformação conceitual). Identificada a situação, seria possível levá-la para a aula e colocar os estudantes para enfrentá-la, valorizando as características da atividade científica (emissão de hipótese, elaboração de planejamento e trabalhos em grupos) e permitindo a mudança metodológica necessária ao avanço conceitual dos estudantes. A atenção neste ensino é para as atividades que deverão ser desenvolvidas em aula, para possibilitar a transformação conceitual e metodológica. Pouca atenção é concedia ao processo de formação do professor. O foco sobre a atividade em si leva-me a acreditar que estamos diante de uma proposta que considera que o papel do professor é o de executor das atividades. 28 Sobre a previsibilidade do ensino, quando apresenta a compreensão de um planejamento estruturado, simplificado e programado, questionamos: Como os alunos podem levantar suas hipóteses e elas, por sua vez, serem objetos de estudo se tudo já é programado pela atividade? A crítica de Duschl (1995) é feita justamente pelo fato desse ensino apresentar uma ciência definitiva, quando o que prevalece é a aprendizagem de como comprovar declarações de conhecimento, segundo ele. Ainda que tente, neste ensino, superar equívocos do que seja a prática científica com a crítica ao modelo simplista transmitido de ciência, as visões indutivista e a hipotético/dedutiva parece que não alcançam o que preveem como sendo a investigação. O que prevalece, e o que fica evidente, é a superação da atividade espontânea e autônoma do estudante, criticada pelo autor no ensino por descobrimento. Além disso, desconsideram o papel do professor nesse processo. Reconheço, porém, a clareza com que esta proposta apresenta características da atividade científica desejáveis ao ensino e as valoriza como fruto do que é consenso entre epistemólogos da ciência, revelando que tal prática não é simples como um dia a consideramos. Em virtude disso, o Ensino por descobrimento dirigido ou aprendizagem como investigação traz avanços ao considerar aspectos da atividade científica no ensino, quando relacionamos ao ensino por descobrimento que visava a valorização do emprego de um método universal de ciências para o ensino. Contudo, este mesmo ensino se mostrou insuficiente na medida em que certas concepções dos estudantes se mostraram resistentes à instrução. Isso implicou na necessidade de considerar as formas de pensamentos dos estudantes, superando o reducionismo conceitual, o que por sua vez incentivou as propostas construtivistas. (GIL PEREZ; ALÍS; TERRADES, 2000). O ensino por descobrimento dirigido afirma que é possível a transformação conceitual, mas para que isso aconteça é requerida uma transformação metodológica no enfrentamento de situações pelos estudantes, alcançada pela familiarização deles com a metodologia do trabalho científico. Assim, aprender ciência é dominar seus conceitos (ALEIXANDRE, 2000). Investigação nesta perspectiva é estar de acordo como o processo de produção do conhecimento científico, apoiando-se na metodologia científica, uma vez que ela é considerada responsável pela produção de conhecimento rigoroso, e ser coerente com aspectos de tal prática, que diz respeito ao modo de pensar e a algumas de 29 suas características. A seguir, no quadro 1, temos a descrição de características do processo de investigação para este ensino. Quadro 1 - Características do processo de investigação segundo o ensino por descobrimento dirigido. Ensino por descobrimento dirigido Pergunta Elaborada pelo professor dentro de um esquema conceitual definido. Planejamento Atividades definidas e realizadas pelo professor. Utilização de experimento para aprendizagem de conceito mediante mudança conceitual. Realização Executada pelo professor. Explicitação de hipóteses junto aos estudantes. Introdução da metodologia científica – Mudança conceitual e metodológica. Respostas Conhecimento justificado experimentalmente e em concordância com o esquema conceitual definido. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 1.2.2 Investigação dirigida Dando sequência às propostas de ensino que remetem à investigação, apresentamos a Investigação dirigida (GIL PEREZ; CASTRO, 1996; GIL PEREZ, et al., 1999), que visa reorientar práticas de laboratórios sustentando-se na compreensão de que a construção do conhecimento científico inclui aspectos metodológicos e epistemológicos que o diferencia da prática escolar. Em decorrência dessa diferença, o espaço escolar não pode reduzir ou deformar o que seja essa construção, deve incentivar sua compreensão nas atividades que propõe. A investigação dirigida critica as práticas de laboratório ilustrativas que se restringem a trabalhos experimentais; a aprendizagem de conceito concebida como simples mudança conceitual; e as resoluções de problemas que não se constituem em verdadeiros problemas em função da projeção de sua solução, feita pelo professor diante da necessidade de mostrar clareza para o estudante no procedimento a ser adotado na resolução do problema. No sentido de evitar equívocos da atividade científica, a investigação dirigida integra práticas de laboratório, atividades de resolução de problemas e a aprendizagem de conceitos, argumentando que tais atividades não recebem distinção no trabalho do cientista, não sendo assim apropriado trabalhá-las de modo separado, quando o ensino visa superar visões simplistas do que seja essa prática. A reorientação apresentada na proposta de investigação dirigida inclui vários aspectos presentes em trabalhos de Gil Perez e Castro (1996, p.156, tradução nossa) e que exponho a seguir: 30 1. Apresentar situações problemáticas abertas de um nível de dificuldade adequado (correspondente a zona de desenvolvimento potencial dos estudantes), com o objetivo de que os estudantes possam tomar decisões para esclarecê-las e treinar a transformação de problemáticas abertas em problemas precisos. 2. Favorecer a reflexão dos estudantes sobre a relevância e o possível interesse das situações propostas, que dê sentido ao seu estudo (considerando as possíveis implicações CTS, etc.) e evite um estudo descontextualizado, socialmente neutro. 3. Potencializar as análises significativas que ajudem a compreender e definir as situações levantadas (à luz dos conhecimentos disponíveis, do interesse do problema, etc) e a formular perguntas operativas sobre o que se busca. Trata-se de sair de operativismos cegos sem negar, muito ao contrário, o papel essencial das matemáticas como instrumento de investigação, que intervêm em todo o processo desde o enunciado, mesmo de problemas mais precisos (com necessária formulação de perguntas operativas, etc.), até a análise dos resultados. 4. Considerar a emissão de hipótese como atividade central da investigação científica, suscetível de orientar o tratamento das situações e tornar explícitas, funcionalmente, as pré-concepções dos estudantes. Insistir na necessidade de fundamentar tais hipóteses e prestar atenção, nesse sentido, à atualização dos conhecimentos que constituem pré-requisitos para o estudo empreendido. Demandar cuidadosa operativização das hipóteses, ou seja, a derivação de consequências contrastáveis, prestando a devida atenção ao controle de variáveis, etc. 5. Conceder importância à elaboração de desenhos e ao planejamento da atividade experimental pelos próprios estudantes. Favorecer, sempre que possível, a incorporação da tecnologia atual aos desenhos experimentais com o objetivo de favorecer uma visão mais correta da atividade técnico- científica contemporânea. 6. Analisar os resultados à luz do corpo de conhecimento disponível, das hipóteses geradas e dos resultados de outros investigadores (outras equipes de estudantes). Favorecer, através dos resultados, as necessárias revisões dos desenhos, das hipóteses, incluindo a abordagem do problema. Prestar particular atenção aos conflitos entre os resultados e as concepções iniciais, facilitando assim, de uma forma funcional, as transformações conceituais. 7. Levantar considerações de possíveis perspectivas (replanejamento do estudo em outro nível de complexidade, problemas derivados...) e contemplar, em particular, as limitações CTS do estudo realizado (possíveis aplicações, repercussões negativas...). 8. Demandar esforço de integração que considere a contribuição do estudo realizado, a construção de um corpo coerente de conhecimento, assim como as possíveis implicações em outros campos de conhecimento. 31 9. Conceder uma especial importância à elaboração de memórias científicas que reflitam o trabalho realizado e possam servir de bases para ressaltar o papel da comunicação e o debate na atividade científica. 10. Valorizar a dimensão coletiva do trabalho científico organizando equipes de trabalho, facilitando a interação entre cada equipe e a comunidade científica, representada na classe pelo resto das equipes, o corpo de conhecimento já construído (coletados nos textos), o professor como especialista, etc. Perceber, em particular, que os resultados de uma única pessoa ou de uma única equipe não são suficientes para verificar ou falsear uma hipótese e que o corpo de conhecimento constitui a cristalização do trabalho realizado pela comunidade científica e a expressão do consenso alcançado em um determinado momento. Ao considerar que práticas de laboratório, resolução de problemas e aprendizagem de conceitos fazem parte da prática científica, integra aspectos já citados, tendo em vista a superação de uma visão simplista daquela prática no ensino, diferenciando-a, e apostando também em um maior envolvimento dos estudantes. Para os autores, tais aspectos podem (re)orientar práticas de ensino, sendo “mais coerente com a atividade científica” (GIL PEREZ, et al., 1999, p. 318). Ressaltam que tais aspectos não constituem um algoritmo e não podem ser concebidos como passos ou etapas, mas como uma recordação de aspectos que retratam a riqueza da atividade científica. Consideram ainda que as atividades desenvolvidas no ensino devem ser réplicas de investigações conhecidas por especialistas. Devem ser apresentadas como situações problemáticas abertas que gerem o interesse de estudo nos estudantes por diferentes questões específicas, levando-os às investigações de conhecimentos científicos. Tais atividades devem ser previamente estruturadas e planejadas pelo professor. Os estudantes são vistos como novos investigadores, e não como verdadeiros cientistas e a proposta não guarda paralelismo algum com a atividade científica real (GIL PEREZ; CASTRO, 1996), mesmo as atividades sendo réplicas de investigações já conhecidas. Nessa forma de ensino os autores destacam a necessidade de exemplos que sejam ilustrativos da proposta, de análise concreta destas pelos pares para colocá-las em prática e da avaliação de sua validade, evitando assim, o risco da expressão “investigação dirigida” transformar-se em um simples slogan. Na investigação dirigida o professor é responsabilizado por transmitir uma visão simplista de ciência. Para Gil Pérez (et al., 1999, p. 313, tradução nossa), é necessário 32 transformar a epistemologia do professor se quisermos que as estratégias do trabalho científico estejam presentes no ensino e isso é possível pela reflexão coletiva deles: Basta favorecer uma reflexão coletiva com o mínimo de profundidade para que os professores e professoras – graças ao distanciamento crítico que supõe adotar uma atitude investigadora – questionem estas deformações e reducionismos, realizando análise cujos resultados são coincidentes, em boa medida, com os obtidos pela investigação didática e com as análises contemporâneas da epistemologia científica. A formação do professor é considerada, mas concebida de forma simplista. Cabe lembrar o que diz Praia (1996, p.110) quanto ao aspecto referente: Uma boa formação teórica epistemológica ajuda, mas não garante, por si só, uma adequada transferibilidade pelo professor. Não se trata, assim, de desenvolver cursos de epistemologia geral, mas antes, de criar espaços e tempos, ou seja, oportunidades para os professores discutirem as suas práticas, ajudando-os a desenvolver, progressiva e lentamente, uma maior conscientização das suas concepções epistemológicas presentes nas estratégias levadas a cabo – para modificá-las. Explicitamente o autor se refere à formação do professor que toma a própria prática como objeto de discussão e formação no sentido de lentamente e progressivamente torná-lo consciente de suas concepções. Reconhece a formação como um processo e não como uma etapa que se constitui parte do ensino em que o professor é o próprio autor. No sentido de discutir e possibilitar a formação do professor no âmbito de um ensino que pretenda realizar investigação com/pelos estudantes é oportuno considerarmos a prática como objeto de pesquisa, inspirando-se em contribuições destas, e não somente a análise das propostas investigativas, como sugerem os autores Gil Perez e Castro (1996) e Gil Pérez, et al. (1999). Além da necessidade de transformação epistemológica do professor para integrar ao ensino características de como se produz ciência, é de grande relevância, nesta proposta, o processo de meta-reflexão do estudante, de tal forma que favoreça a recapitulação dos aspectos mais destacados no tratamento realizado (GIL PEREZ; CASTRO, 1996). Assim, é exigido que os estudantes neste ensino tomem consciência das estratégias utilizadas na resolução dos problemas. A investigação dirigida afasta-se da ideia de promover o conflito cognitivo necessário à mudança conceitual, como sugerida na perspectiva de ensino por descobrimento dirigido, que ao conceber o ensino de ciências como transformação conceitual e metodológica, compreende-se a substituição das pré-concepções dos alunos 33 favorecida pela mudança metodológica, da metodologia da superficialidade para a metodologia científica (GIL PEREZ, 1983). A intenção não é apenas a mudança conceitual, mas conceitual metodológica e atitudinal, no sentido da apropriação das estratégias de trabalho científico para a resolução de situações problemáticas. A mudança conceitual é entendida aqui como um conjunto de vários fatores que atuam no sentido da apropriação de uma nova ideia e não como uma simples substituição do conhecimento prévio do estudante pelo conhecimento científico. Tal compreensão surge por reconhecer que o conhecimento científico inclui aspectos metodológicos e epistemológicos que o diferenciam do escolar: “[...] as mudanças conceituais não se produzem com tratamentos pontuais, mas como resultado da aquisição de um corpo de conhecimento capaz de rejeitar, de forma global as concepções iniciais (GIL PEREZ; CASTRO, 1996, p.161)”. Na investigação dirigida as concepções dos estudantes ganham status de hipóteses que orientam a construção dos planejamentos experimentais, que são realizados colocando à prova as ideias iniciais dos estudantes. [...] estas pré-concepções adquirem agora o status de hipóteses que devem ser contrastadas e, em caso de ver-se falseadas, substituídas por outras, etc. Se evita assim que o conflito cognitivo entre distintas concepções adquiram a conotação negativa que as estratégias de “mudança conceitual” representam a confrontação entre as ideias próprias dos estudantes e as científicas (GIL PEREZ; CASTRO, 1996, p.157, tradução nossa). As hipóteses cumprem o papel de organizadoras do trabalho em aula, favorecendo a atividade em grupo, em que cada um torna-se responsável por conduzir, sob orientação do professor, o trabalho necessário para colocar à prova sua hipótese no contexto do conhecimento científico, pois estas - as hipóteses - fazem referência a problemas no âmbito da própria ciência, no sentido de fazer com que os estudantes se apropriem das relações e dos conceitos que são da própria ciência. A aula reflete características da atividade científica pelo tratamento das ideias dos estudantes como hipótese, por estas favorecerem a construção de planejamentos, pelo trabalho em grupo e pelo incentivo aos grupos de compartilharem suas “experiências” na tentativa de juntos proporem a solução para o problema que desencadeou a investigação. Além disso, contesta a imagem de estudante cientista, assumindo a “metáfora de investigadores novos” e pensa as atividades de modo a integrar características das atividades científicas. Nesse sentido, podemos afirmar que ganham importância neste ensino as características do processo referentes à prática científica. Tais características 34 não são meras ilustrações, mas devem se fazer presentes nas investigações desenvolvidas por professores e estudantes. Há compreensão de que as atividades para esse ensino devem integrar teoria, práticas de laboratórios e problemas, porém, não estão restritas às situações que possuam experimentos. No ensino por descobrimento dirigido a epistemologia da ciência é valorizada para se ter clareza da metodologia científica. Assim, seu conhecimento é para integrar aspectos desta ao ensino. As ideias dos estudantes devem ser modificadas em função de uma nova forma de abordar/tratar a situação/problema que é possibilitada pelo conhecimento da metodologia científica. Já no ensino por investigação dirigida há necessidade de se transformar a epistemologia do professor para que as características da atividade científica estejam presentes no ensino, justamente porque a concepção de investigação científica compartilhada pressupõe um processo de construção social (POZO; CRESPO, 2004). Tanto no ensino por descobrimento dirigido, quanto na investigação dirigida a investigação é usada para chegar ao conhecimento teórico em uma perspectiva construtivista (CAAMAÑO, 2003). Ainda que critique a investigação como mudança conceitual, o objetivo último desse ensino é a aprendizagem conceitual. Assim, as atividades são previamente planejadas, estruturadas e analisadas abordando questões no âmbito do conhecimento científico. As características de seu processo destaco no quadro 2, a seguir: Quadro 2 - Características do processo de investigação segundo a investigação dirigida. Investigação dirigida Pergunta O professor oferece pergunta aberta aos estudantes e juntos transformarão em problemas precisos que permitam a investigação de conhecimento científico. Planejamento Realizado pelo professor. Uso de práticas de laboratório, resolução de problemas e aprendizagem de conceito. Realização Conduzida pelo professor. Levantamento de hipóteses junto aos estudantes tornando explícitas suas pré- concepções. Participação dos estudantes em planejamento experimental conferindo importância ao controle de variáveis. Valoriza a dimensão coletiva do trabalho em sala e outras características da prática científica. Respostas Faz-se em função dos dados gerados, das hipóteses formuladas e dos resultados de outros grupos de trabalho em aula. Implicação do conhecimento em outros campos de estudo conceitual. Busca revisar a investigação realizada à luz dos resultados, sendo assim a resposta, também, procedimental. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 35 1.2.3 Trabalhos de investigação Outra proposta a ser discutida são os trabalhos de investigação ou processo de investigação orientada (VILCHES; SOLBES; GIL PEREZ, 2004; VILCHES; MARQUES; GIL-PEREZ; PRAIA, 2007). No âmbito da proposta, os estudantes são incentivados a participar de investigação, como por exemplo, atividades que se aproximem da investigação científica e enfatizem a relação ciência, tecnologia e sociedade. Tal proposta estrutura-se na crítica à aprendizagem somente conceitual, por transmitir uma visão empobrecida e deformada da atividade científica, ao que se atribui a falta de interesse dos jovens. Critica também o processo de formação que concebe o professor como executor de propostas, desconsiderando a influência de suas concepções epistemológicas no tratar do ensino. Reclama por sua participação para a efetivação do que se pretende para este, bem como, espaço, tempo e condições materiais para sua realização. A intenção da proposta é formar indivíduos que tomem decisões fundamentadas em conhecimento científico diante das questões de “emergência planetária” (VILCHES; MARQUES; GIL PEREZ; PRAIA, 2007) que nos afetam, guiados por intenções de resolver problemas significativos para eles ou em razão de seus conhecimentos prévios, peso social, etc. (PALACIOS, 2000). A alfabetização científica no âmbito dessa proposta de investigação exige processo de imersão na cultura científica, com trabalhos em uma perspectiva que aborde problemas de interesses pessoais e sociais, mediante tratamento que se aproxime da prática científica, estando a serviço tanto da formação de cidadão, quanto da preparação de futuros cientistas. Segundo Vilches, Solbes e Gil Perez (2004, p.423-424) a imersão em uma cultura científica deve ser orientada para evitar visões empobrecidas e distorcidas que afetam a natureza da ciência e da tecnologia. Para isso, é importante considerar alguns consensos dessa prática que são derivados da compreensão de epistemólogos: 1. a recusa da ideia de método científico; 2. a recusa de um empirismo que concebe o conhecimento como resultado da inferência indutiva a partir de dados puros; 3. a valorização do pensamento divergente, a busca de coerência global e o caráter social do conhecimento científico. 36 Tais consensos podem ajudar a superar ideias fomentadas no imaginário de professores e estudantes sobre o que seja a prática científica, possibilitando assim a aproximação do ensino com a prática científica. A respeito do que seja a prática científica e da visão simplificada que podemos ter dela, a proposta compreende a necessidade de reconhecer que o trabalho científico exige tratamentos analíticos, simplificativos e artificiais, mas estes não supõem visões parcelares e simplistas se forem simplificações conscientes, ou seja, tal tratamento não corresponde necessariamente à visão simplificada e distorcida da prática científica. Apontando em uma perspectiva que integre um mínimo de conhecimento especializado para o estudo que busca equacionar problemas de interesses pessoais e sociais, a proposta defende a formação cidadã afirmando que: A participação na tomada fundamentada de decisões precisa dos cidadãos, mais que um nível de conhecimento muito elevado, da vinculação a um mínimo de conhecimentos específicos, perfeitamente acessível para uma cidadania, com planejamentos globais e considerações éticas que não exigem qualquer especialização. (VILCHES; MARQUES; GIL PEREZ; PRAIA, 2007, p.421). É com esta intenção que os trabalhos de investigação devem acontecer, ou seja, ao tratar de questões referentes ao desenvolvimento científico e tecnológico espera-se que os envolvidos, estudantes e professores busquem no conhecimento científico especializado e na prudência requerida, construir posicionamentos para tomadas de decisões em assuntos que dizem respeito ao bem estar global. Há, portanto, interesse de sensibilização crescente da população frente às implicações do desenvolvimento técnico-científico. É neste sentido que a aprendizagem é concebida, integrando aspectos conceituais, procedimentais e axiológicos, ou, como se refere Palacios (2000), a conceito, processo e atitudes. Dão conta da referida proposta de ensino atividades abertas e criativas que se inspirem em trabalhos de cientistas e tecnólogos (VILCHES; SOLBES; GIL PEREZ, 2004) e que sejam relevantes para a construção do conhecimento científico (VILCHES; MARQUES; GIL PEREZ; PRAIA, 2007). Devem incluir vários aspectos da prática científica, compreendendo que não basta somente incorporar características da ciência como processo, há a necessidade de se vincular uma imagem mais adequada do que seja a atividade científica. Os aspectos para aproximar o ensino do que seja a prática científica assemelham- se àqueles apresentados na investigação dirigida. Sete aspectos são apresentados por Vilches, Marques, Gil Perez e Praia (2007, p. 424): 37 1. A discussão do possível interesse e da relevância das situações propostas que dê sentido ao seu estudo e evite que os alunos se vejam submergidos no tratamento de uma situação sem terem sequer podido formar uma primeira ideia motivadora ou percebido a necessária tomada de decisões por parte da sociedade e da comunidade científica acerca da conveniência ou da inconveniência do referido trabalho, tendo em conta a sua possível contribuição para a compreensão e transformação do mundo, suas repercussões sociais e do meio ambiente, etc.; 2. O estudo qualitativo significativo das situações problemáticas abordadas que ajude a compreender e a precisar tais situações à luz dos conhecimentos disponíveis, dos objetivos perseguidos e a formular perguntas operativas sobre o que se procura, o que supõe uma oportunidade para os estudantes começarem a explicitar funcionalmente as suas ‘concepções alternativas’; 3. A invenção de conceitos e a formulação de hipóteses fundamentadas nos conhecimentos disponíveis, capazes de focalizar e de orientar o tratamento das situações enquanto permitem aos estudantes utilizarem as suas concepções alternativas para fazer previsões suscetíveis de serem submetidas à prova; 4. A definição e implementação de estratégias de resolução, incluindo, se for o caso, o plano e a realização de experiências para submeter à prova as hipóteses à luz do corpo de conhecimentos de que se dispõe, o que exige um trabalho de natureza tecnológica para a resolução dos problemas práticos que possam surgir, como por exemplo, a redução das margens de erro nas medições; 5. A análise e comunicação dos resultados para favorecer a autorregulação dos estudantes e aproximando-se da evolução conceitual e metodológica experimentada historicamente pela comunidade científica. Isso pode converter-se em ocasião de conflito cognitivo entre distintas concepções, tomadas todas elas como hipóteses e favorecer a ‘autorregulação’ dos estudantes; 6. As sínteses e possibilidades de outras perspectivas, articulação dos conhecimentos construídos com outros já conhecidos, considerando a sua contribuição para a construção de corpos coerentes de conhecimentos que se vão ampliando e modificando, com especial atenção para o estabelecimento de pontes entre distintos domínios científicos; 7. Valorizar atividades de síntese como esquemas, memórias, revisões, mapas conceituais e a elaboração de produtos capazes de acabar com planos demasiado escolares de reforçar o interesse pela tarefa e de mostrar a estreita ligação ciência-tecnologia. Tais aspectos também podem ser encontrados nos artigos de Gil Perez e Castro (1996), Vilches, Solbes e Gil-Perez (2004), Carrascosa, Gil Perez, Vilches e Valdez, (2006), Gil Perez e Torregrosa, (1999), que ao apresentarem esses aspectos me faz pensá- los não somente como orientadores para uma prática de ensino, mas também como um instrumento para analisar e avaliar a prática de ciência em aula. Porém, o uso dele como instrumento é criticado por Bustamante e Aleixandre (2000, p. 27), que acreditam que no modo como se ensina essa análise e avaliação deve ser orientado para fatores complexos 38 desse processo, e não para a identificação de tais aspectos, como advertem: “Nós não acreditamos que o método científico permita caracterizar a ciência, nem que haja uma lista de atividades: emitir hipóteses, planejar experimentos, etc., que possa utilizar como critério para saber se em classe se faz ciência”. Os professores são considerados como orientadores da investigação a ser desenvolvida, sendo que estes precisam participar da construção de novos conhecimentos didáticos, abordando os problemas que a educação apresenta. Sem a participação deles fica difícil levar adiante as propostas de transformações curriculares pelo risco potencial de rejeição por parte dos professores, que poderão sentir-se ameaçados em sua identidade. Vilches, Solbes e Gil Perez (2004) sugerem assim a autoformação coletiva para os professores. Nesta proposta de ensino é imprescindível conhecer a epistemologia dos professores e considerá-las num esforço consciente para evitar simplismos e deformações contrárias ao que pode se entender como aproximação científica ao tratamento de problemas (VILCHES; MARQUES; GIL-PEREZ; PRAIA, 2007). Para um trabalho docente eficaz é imprescindível proporcionar aos professores o tempo, as condições materiais e organizativas necessárias para a preparação e seguimento do trabalho em aula e para participar em atividades de inovação e investigação educativa. (VILCHES; SOLBES; GIL PEREZ, 2004, p. 97, tradução nossa) Não encontrei nesta abordagem de ensino uma proposta de atividade previamente planejada e estruturada para o professor, o que provavelmente seja reflexo da formação que os autores compartilham. É um equívoco pensar que os três tipos de ensino até aqui apresentados sejam semelhantes. Eles não tratam de uma mesma concepção de investigação, como já tive possibilidade de apresentar, embora eles tenham autores em comum. O que permite inferir que os autores mostram mudanças em sua forma de compreender o que seja investigação quando tratam de ensino de ciências. Uma situação que deve ser compreendida como resultado, também, dos avanços e discussões referentes à epistemologia em decorrência de uma nova filosofia da ciência (IZQUIERDO, 2000). Os trabalhos de investigação ou processos de investigação orientada diferenciam- se da investigação dirigida: 1. Pelos objetivos que propõem, pois almejam a alfabetização científica e, nesse sentido, defendem a imersão dos alunos em uma cultura científica, propondo superar a imagem distorcida de ciência transmitida nesse ensino; 39 2. Na crítica ao ensino centrado exclusivamente em objetos que são de estudo da ciência: olhar em uma perspectiva de ciência para a cidadania, que se preocupa com o estudo de problemáticas sociais e pessoais pelos óculos de um não especialista, no caso, professores e estudantes, que buscam na apropriação do conhecimento científico a referência para apresentar soluções para os problemas. Para Palacios (2000) isso é reflexo do distanciamento de um modelo tradicional de ciência que se fundamenta no conteúdo estático e fechado; 3. Na concepção que traz de formação do professor: este deve participar da construção didática do ensino, pois a transformação de suas concepções epistemológicas não se dá à margem desse. Assim, preocupa-se não só com a necessidade de transformação epistemológica do professor para o desenvolvimento de investigação com os estudantes, mas também reconhece que este deve participar do processo de construção didática. Tais diferenças são observadas no próprio elemento que defini para esse processo, como descritos no quadro 3, logo a seguir. Quadro 3 - Características do processo de investigação segundo a investigação orientada. Trabalhos ou processo de investigação orientada Pergunta Que leve à investigação de problemas de interesse pessoal e social, mas situadas no contexto científico e tecnológico. Planejamento Que busque se aproximar da prática científica se inspirando em trabalhos de cientistas. Integra conhecimento conceitual, procedimental e axiológico da prática científica. Realização Conduzida pelo professor. Este tem o papel de proporcionar durante a elaboração da pergunta ou problema, condições aos estudantes de perceberem a relevância do estudo proposto, para assim participarem de sua construção. Explicitação das hipóteses dos estudantes. Implementação de estratégias para a solução da pergunta proposta. Além das características da prática científica em aula, há a necessidade de vincular uma imagem adequada do que seja a prática científica. Respostas Articulação do conhecimento construído com os outros já construídos para ampliar e modificar a compreensão dos sujeitos. Pressupõe autorregulação do conhecimento dos estudantes guiada pela aproximação conceitual e metodológica experimentada pela prática científica. Espera-se que os sujeitos da investigação se apoiem no conhecimento especializado e na prudência para elaborar suas interpretações. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 1.2.4 Ensino por pesquisa Outra proposta é o ensino por pesquisa. É anunciada pelos autores que a defendem (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000; PRAIA; CACHAPUZ; GIL PEREZ, 40 2002; VASCONCELOS; PRAIA; ALMEIDA, 2003) como uma perspectiva que incorpora reflexões decorrentes das práticas docentes. Parte da crítica ao movimento de mudanças conceituais centradas numa visão acadêmica do ensino, conforme seus autores, sinalizando para um ensino que “valorize de fato, e não só de jure, objetivos educacionais e não objetivos instrucionais” (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000, p. 48). Para esta perspectiva, a educação científica não pode ser só “em” ciências, mas “através” e “sobre” a ciência, deixando de assumir uma perspectiva internalista desta, que pensa nos problemas no seu interior, para outra que deseja que o cidadão possa possuir, perto do homem, do mundo tecnológico e que seja comprometida com a alfabetização científica. A origem dos problemas, sua natureza, e os procedimentos para resolvê-los podem ser compreendidos nas palavras de Cachapuz, Praia e Jorge (2000, p. 45-48) quando dizem: Os problemas amplamente discutidos na aula nascem de problemáticas mais abertas, com raízes ou incidências sociais fortes, que a pouco e pouco se vão delimitando e preparando para o exercício da pesquisa partilhada, quer intra- grupal, quer inter-grupalmente. Trata-se de envolver cognitiva e afetivamente os alunos, sem respostas prontas e prévias, sem condução muito marcada pela mão do professor, caminhando-se para soluções provisórias, como respostas a problemas reais se sentidos como tal, de conteúdo inter e transdisciplinar, cultural e educacionalmente relevante. Três momentos são considerados importantes neste ensino: a problematização, a metodologia de trabalho e a avaliação. Tais momentos articulam-se em um ciclo, não sendo compreendidos em um trajeto de forma linear. Para que esse ensino aconteça é necessário que o professor possua uma sólida formação didático-pedagógica. A problematização ancora-se em três pólos: o do currículo intencional, que traz um conjunto de conhecimentos, capacidades, atitudes e valores importantes para a formação do estudante; o dos saberes acadêmicos, pessoais e sociais, que não se restringem às ideias prévias dos estudantes, contemplam conhecimentos que podem ou não ser congruentes com o do currículo escolar; e o das situações problemáticas, compreendido como ponto de partida para as aprendizagens, que, se possível, devem ser situadas na relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente - CTSA. As situações problemáticas podem partir do professor ou dos estudantes. Nesse processo o professor tem um papel fundamental que é de: [...] fomentar uma análise qualitativa da situação em estudo, ou seja, assegurando sua adequada conceptualização. [...] deve valorizar o papel que a quantificação pode ter numa adequada conceptualização (modelação da situação) de questões cuja resposta envolve o uso do trabalho experimental. (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000, p. 65). 41 A metodologia de trabalho envolve diversas atividades como: planejamento, desenvolvimento, avaliação e comunicação. As decisões a serem tomadas na metodologia do trabalho envolvem o professor, pois ele conhece as finalidades do ensino que desenvolve, o estudante e o nível de tratamento dado aos problemas. [...] O professor tem um papel fulcral a ajudar a clarificar que objetivos se pretende atingir com uma determinada experiência, a fundamentar argumentos, a precisar conceitos, a fomentar a reflexão crítica sobre as ações empreendidas, a explicitar atitudes e valores, a promover a integração de saberes dispersos. (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000, p. 67). As atividades propostas para ajudar a clarificar a problemática devem ser de recursos variados que possibilitem organizar o ambiente e os processos de trabalho. É importante no desenvolvimento metodológico incentivar os estudantes a pensarem sobre o que estão fazendo para que, gradativamente exerçam controle das situações e possam agir com autonomia, sabendo o porquê do que fazem. Fazendo jus ao pluralismo metodológico, as atividades que possibilitam o desenvolvimento são de vários tipos – compreendem trabalho experimental e trabalho de campo; leituras que podem ou não serem seguidas de debates, serem encenadas; debates sobre situações eticamente controversas, demonstrações efetuadas pelo professor ou por estudantes, procura, seleção e organização de informação, nomeadamente por meio das TIC’s, estudo de textos, etc. A comunicação das aprendizagens realizadas e do percurso empreendido implica em um esforço de sistematização, integração e síntese e na capacidade de comunicação. Já a avaliação é desenvolvida com a intenção de aferir se há ou não respostas adequadas para as problemáticas colocadas. Quanto aos resultados de aprendizagens, estes implicam em tomar consciência do que se aprendeu não só em nível de conceitos, mas de capacidades, atitudes e valores, tomando como referência aquelas inicialmente existentes. A avaliação deve acontecer no decorrer do trabalho, ajudando o estudante a perceber o que faz e o por que. “O que implica dar-lhes oportunidades de realizar experiências metacognitivas” (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000, p. 73). Por meio desse ensino os autores afirmam que “[...] é previsível que as próprias imagens de Ciência e da construção do conhecimento científico também mudem” (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2000, p. 46). Esse tipo de ensino é considerado uma perspectiva atual ao nível da didática das ciências (VASCONCELOS; PRAIA; ALMEIDA, 2003) que segundo Praia, Cachapuz e 42 Perez (2002), ao reconhecerem a raridade desse ensino, enquanto prática, afirmam que ele deveria ser valorizado na formação de professores de ciências. Descrevo as características desse processo investigativo no quadro 4, a seguir: Quadro 4 - Características do processo de investigação segundo o ensino por pesquisa. Ensino por pesquisa Pergunta Origina-se de uma preocupação social, se possível, situada na relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente e sem respostas prontas e prévias. Planejamento Partilhado entre estudantes e entre grupos de estudantes, sendo o papel do professor o de clarificar os objetivos pretendidos pelos sujeitos, orientando-os nas decisões tomadas para o estudo. Inclui recurso que possibilite a realização do estudo proposto. Pluralismo metodológico: experimento, trabalho de campo, leitura, debate, TIC’s, etc. Realização Conduzida por estudantes e professores. O professor incentiva os estudantes a pensarem sobre o que fazem para assim criarem possibilidades de controlar suas ações e exercitarem sua autonomia. Uso de recursos variados. Respostas Sistematiza, integra, sintetiza e comunica. Avalia com a interpretação se há resposta para a problemática posta. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 1.2.5 Educar pela pesquisa Em continuidade, temos o educar pela pesquisa ou pesquisa na sala de aula (LIMA, 2002; MORAES, 2002; MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2002; MORAES; RAMOS; GALIAZZI, 2004). Tal ensino emerge com a crítica ao ensino por transmissão que, segundo seus autores não permite o desenvolvimento do pensar. Visa possibilitar a construção de conceitos científicos e a formação política do indivíduo com vistas à intervenção na realidade e sua transformação (LIMA, 2002). Esse ensino fundamenta-se em Demo (2001). Para ele o conhecimento institucionalizado aparece na pesquisa como um instrumento que permite o questionar e o dialogar com a realidade, despertando politicamente o indivíduo quando cria soluções para problemas que enfrenta. Moraes, Galiazzi e Ramos (2004), ao fundamentarem-se nas ideias de Demo (2001) reportam-se à pesquisa como uma das maneiras de envolver professores e estudantes nos questionamentos das verdades estabelecidas, orientando-os à construção de outros discursos, de outras verdades que não necessariamente seja a verdade sob o ponto de vista da ciência, mas para o sujeito que busca explicações diante de situações problemáticas. Três elementos são considerados como importantes na pesquisa na sala de aula: o questionamento, a construção de argumento e a comunicação. 43 O questionamento é uma das âncoras no educar pela pesquisa (LIMA, 2002) para superar verdades estabelecidas a partir da construção de novos/outros argumentos. Cumpre dois aspectos: o formal e o político. O aspecto formal está relacionado à explicitação dos conhecimentos prévios e à construção de conceitos. O político, ao desenvolvimento da competência social, em que o questionamento visa promover mudanças que melhorem as condições de vida do sujeito coletivo e sua emancipação social. O questionamento nasce da tomada de consciência sobre o que se conhece no momento diante das diferentes possibilidades vislumbradas por outras realidades e/ou vivências proporcionadas pelas leituras. A construção de argumentos se dá pela necessidade de fundamentar uma nova verdade. Os argumentos não são inéditos, provavelmente serão para os sujeitos que compartilham de uma comunidade como a sala de aula. Para isso, uma hipótese é elaborada em consonância à nova tese que precisará ser fundamentada para o convencimento dos outros. Diversas atividades podem ser úteis na construção dos novos argumentos, que devem ser explicitados por escrito e analisados por uma comunidade de discurso mais ampla para construção de convencimento da nova verdade. Produzir argumentos é envolver-se numa produção. É ir aos livros, é contactar pessoas, é realizar experimentos. É também analisar e interpretar diferentes ideias e pontos de vistas. É, finalmente, expressar os resultados em forma de uma produção, geralmente escrita. (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2004, p.17). A comunicação está relacionada à construção de argumentos, pois as novas teses precisam ser integradas ao discurso. Ela pode ser compreendida em dois momentos: o de expressar com clareza a nova compreensão atingida, que deve acontecer dentro do grupo em que a pesquisa se concretizou; e o da divulgação fora do grupo em que aconteceu a pesquisa, na busca por validação e reconhecimento das novas verdades. É importante salientar que os resultados dos trabalhos não são apenas a publicação resultante. Na pesquisa em sala de aula é muito mais importante destacar produtos como a construção das habilidades de questionar, de construir argumentos com qualidade e saber comunicar os resultados na medida em que são produzidos. Tudo isso expressa a qualidade política que emerge da pesquisa de sala de aula, qualidade de transformação dos sujeitos que se envolvem no processo, e num segundo momento também de outros sujeitos não diretamente envolvidos (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2004, p. 21). A pesquisa na sala de aula diferencia-se nas discussões com as propostas até então apresentadas onde destacamos, por exemplo, a relação com a atividade científica tendo como espelho a ciência acadêmica. O saber acadêmico - conceitos científicos - é considerado dentro desta perspectiva como de fundamental importância para a formação 44 política do indivíduo, porém, verdades são consensos decorrentes de argumentos construídos em um grupo. Além disso, não há outro papel para o professor que não seja o de investigador, ainda que este tenha teorias em abundância, sua prática é sua fonte de pesquisa (GESSINGER, 2004). Indico no quadro 5 as características para seu processo segundo os quatro elementos: pergunta, planejamento, realização e respostas. Quadro 5 - Características do processo de investigação segundo o educar pela pesquisa. Educar pela pesquisa Pergunta Concebe questionamentos gerados tanto no âmbito do conhecimento formal, quanto a partir de problemáticas sociais que visam a melhoria de vida dos sujeitos. Planejamento Elabora-se a partir de uma hipótese e em consonância com o argumento (tese) que se deseja fundamentar. O planejamento se faz em função da hipótese e do argumento que se busca construir. Realização Inclui diversas atividades, sempre buscando fundamentar-se empiricamente e teoricamente. Respostas A partir de diferentes pontos de vista. Não serão inéditos. Produção escrita. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 1.2.6 Investigação escolar A investigação escolar critica a separação da escola e a realidade próxima do estudante, o modelo didático em que predomina a exposição verbal do professor e a ideia de associar a palavra investigação como sinônimo de investigação científica (CAÑAL; PORLAN, 1987). Defende uma investigação com caminhos particulares e diferenciadores da investigação científica fundamentando-se na compreensão de que: [...] todas as formas de investigação que desenvolvem as pessoas, incluindo a investigação escolar que podem realizar os alunos, se sustentam em uma mesma capacidade biológica de caráter adaptativo que pode apresentar distintas modalidades e níveis de desenvolvimento em cada pessoa e em relação com diferentes contextos e finalidades. (CAÑAL, 1999, p. 22, tradução nossa). O referido autor considera que a investigação se desenvolve em função de uma necessidade biológica do indivíduo, tendo valor adaptativo. Deste modo, não tem sentido pensá-la para o espaço escolar nos moldes de uma investigação científica pelas diferenças existentes que incluem: contextos, nível de desenvolvimento intelectual, exigências, domínio metodológico, entre outras (CAÑAL; PORLAN, 1987; CAÑAL, 1999). É uma proposta de investigação que se reconhece diferente das estratégias atuais de ensino. Procura pensar o ensino como uma atividade complexa, assim como é a própria ciência. Visa gerar raciocínios derivados dos próprios valores da escola, 45 priorizando modelos e fenômenos relevantes e que contribuam com a educação científica dos estudantes (IZQUIERDO, 2000). Considera-se a investigação científica como o ponto de referência para orientar o progresso metodológico, atitudinal e conceitual dos estudantes e chega a compreender, na medida em que se eleva o nível de desenvolvimento intelectual dos estudantes, uma aproximação da investigação escolar com a científica. A investigação escolar é entendida como: Um processo de aprendizagem fundamentado na exploração e na capacidade para o pensamento racional comum em nossa espécie desde o nascimento, assim como nas características do espírito científico que se aperfeiçoa na prática, em interação dialética com o desenvolvimento das estruturas conceituais e operacionais dos indivíduos e que é concebida como um instrumento a serviço dos objetivos gerais da educação, em uma opção didática global. (CAÑAL; PORLAN, 1987, p.90, tradução nossa). A aprendizagem é entendida como: Fruto da modificação e reestruturação do saber progressiva dos alunos, quando algumas de suas concepções iniciais são rejeitadas (totalmente ou em parte) frente às ideias que recebem a partir de seus companheiros, de leituras de seu professor, etc., de forma que estas venham a ser valorizadas como mais adequadas mediante processos de reflexão, debate, observação ou experimentação, no curso das atividades de investigação dos estudantes (CAÑAL, 1999, p.19, tradução nossa). A investigação escolar, ao conceber a prática científica como uma atividade humana, possuidora de valores próprios e não somente epistêmicos, se diferencia desta por tais valores, mas, ao mesmo tempo, se define concebendo a aprendizagem também como uma atividade humana, por isso racional. Nasce desta compreensão o reconhecimento de sua potencialidade, uma vez que é, a escola, um espaço de conhecimento normativo e justificado é, também, um espaço de produzir conhecimento para intervir no mundo e tomar decisões. A investigação escolar tem como objetivo o desenvolvimento de capacidades gerais do indivíduo, a saber, destrezas intelectuais, afetivas e motoras, autonomia, criatividade, cooperação, sentido crítico, objetividades, etc., aprendizagem de esquemas conceituais mais importantes, atitudes e procedimentos. Um esquema teórico comum é apresentado para investigação escolar reconhecendo a diversidade na forma que pode apresentar em função de sua concretização. Este esquema apresenta as seguintes fases: seleção e formulação de problema; formulação e seleção de conjecturas ou hipóteses iniciais; planejamento necessário para dar solução ao problema a ser investigado; execução do planejamento 46 acordado; preparação e análise dos dados obtidos e expressão dos resultados e conclusões do trabalho; comunicação para a formulação dos resultados da investigação (CAÑAL; PORLAN, 1987; CAÑAL, 1999; CAÑAL, 2008). Na investigação escolar não cabe o estereótipo de estudante brilhante e aplicado que deseja ser um investigador tratando de imitar o cientista profissional. O estudante deve aprender e para isso tem que querer aprender (IZQUIERDO, 2000). É, também, aquele que voluntariamente, movido pela sua curiosidade e interesse participa de atividades coletivas de reflexão e busca de respostas para problemas, que sente como seus, colocando em prática ações para buscar soluções para estes. Ele é o protagonista da investigação escolar em conjunto como seus colegas. Nesse contexto, o professor assume o papel de guia, de mais experiente, que sabe mais que os estudantes sobre os objetos estudados e sobre as dinâmicas investigadoras, que incentiva a investigação, que respeita as decisões dos estudantes, ressaltando contradições e incongruências, que percebe e que aproveita momentos oportunos para dar explicações. No quadro 6 estão presentes as características que organizei segundo os elementos para esta proposta. Quadro 6 - Características do processo de investigação segundo a investigação escolar. Investigação Escolar Pergunta Formulada por um problema social relevante. Planejamento Integra conhecimento conceitual, procedimental inspirado na prática científica. Reconhece valores da prática científica, mas assume os valores compartilhados no ensino (professor, estudantes e instituição). Transforma o mundo dos estudantes e ao mesmo tempo os faz capazes de intervir no mundo e tomar decisões. O professor lida nesse processo com regras da ciência e com regras de aprendizagem. O que diferencia a investigação escolar da investigação científica não é a capacidade de raciocínio (valores epistêmicos, aliás, estes até se aproximam), mas valores próprios (estéticos, éticos...). Concebe que os sujeitos na escola possuem valores e destes derivam raciocínios próprios. Busca integrar tais valores às ações que planeja, orientando-as. Por tal razão a Investigação Escolar se diferencia da prática científica. Trata de modelos e fenômenos relevantes e que contribuem com a educação científica dos estudantes. Concebe que a investigação escolar contribui com o desenvolvimento da ciência. Reconhecer os estudantes por meio das atividades educativas como capazes de produzir mudanças. Estas, por sua vez, influem ou pretendem influir em outros contextos da atividade científica. Realização É um conhecimento dinâmico que se apoia ao conhecimento justificado e desenvolve também o pensamento crítico, ético, estético, dentre outros. Tem compromisso com a ciência normativa. Respostas Concebe que o resultado não é único. É avaliado a partir de valores compartilhados por estudantes e professores. Fonte: Andrela Garibaldi Loureiro Parente 47 1.3 Outros significados para compartilhar sobre investigação. Uma das primeiras tarefas que realizei ao iniciar esta pesquisa foi procurar entender o significado para investigação atribuído pelos artigos que li. Inicialmente, tratava as propostas como semelhantes. Contudo, as leituras e reflexões que fiz foram dando lugar a uma tarefa que passei a considerar de grande relevância neste estudo, a de explicitar essas diferentes propostas e situar meu interesse. Inevitavelmente, também realizei reflexões que não se limitaram somente a isso, pois percorria as lembranças de minhas práticas como professora da educação básica, atribuindo a elas um sentido próprio e conferindo importância inquestionável para a formação de professores. Minha intenção nessa pesquisa não é explorar somente esses significados, porém, reconheço que compreendê-los foi de fundamental relevância. Não pretendo com isso esgotar essa discussão. Bem sei que há uma diversidade de termos usados para se referir à investigação, os quais avalio que funcionam até como um complicador para o professor que busca essas leituras. Considero que tais discussões devem trazer à tona as práticas de investigação no modo como se ensina, sendo um desafio a formação de professores para tais contextos. Para incentivar a discussão, nesse sentido destaco o uso de um termo muito presente nos artigos lidos, mas que não fiz referência a ele como sendo uma proposta, contudo, não deixo de apresentar meu posicionamento a respeito. O termo a que me refiro é o ensino por pesquisa. Embora tenha sido bem disseminado, exemplo disso são as publicações existentes, é difícil defini-lo de modo consensual, pois o fato é que “no Brasil essa abordagem está menos consagrada e é relativamente pouco discutida” (MUNFORD; LIMA 2007, p. 74). Identificamos três grupos de autores que usam o referido termo. Organizamos esses grupos a partir das discussões que eles apresentam sobre a proposta de ensino por investigação. Assim, temos: um primeiro grupo com autores como Azevedo (2004), Capecchi e Carvalho (2006); um segundo grupo, com autores como Zanon e Freitas (2007) e Athayde et al (2003) e; o terceiro, com Munford e Lima (2007), Sá et al. (2007), Sá (2009) e Rodrigues e Borges (2008). Conforme Azevedo (2004) o ensino por investigação inclui atividades assumidas como um problema. O principal objetivo desse tipo de ensino é “levar os alunos a pensar, a debater, a justificar suas ideias e aplicar seus conhecimentos em situações novas, 48 usando os conceitos teóricos e matemáticos” (AZEVEDO, 2004, p. 20). A figura do professor passa a ser a de quem questiona, argumenta, conduz perguntas, estimula e propõem desafios. Espera-se dos estudantes que não apenas aprendam conteúdos, mas habilidades como a argumentação, a interpretação e a análise. A principal referência feita nesse ensino é dos autores Gil Perez (1983), Gil-Perez e Castro (1996). Athayde (2003) se reporta ao ensino de ciências por investigação no contexto de um projeto, o ABC na Educação Científica/Mão na Massa, iniciado em 2001, em colaboração entre as Academias de Ciências da França e do Brasil. O projeto é inspirado no projeto francês La Main à La Patê, que, por sua vez, foi elaborado a partir da tradução e adaptação do projeto norte americano Hands-on. Para Munford e Lima (2007, p.76) o ensino por investigação “representaria um modo de trazer para a escola aspectos inerentes à prática dos cientistas”. Embora os mesmos autores afirmem que o ensino por investigação sugere alternativas às aulas de ciências, diferentes daquela em que o professor expõe explicações no quadro e o estudante só ouve, participando pouco em termos de ação em sala, não definem o que seja, afirmam apenas que “são múltiplas as perspectivas sobre o papel e o lugar do ensino de ciências por investigação na formação dos estudantes da educação básica”. Isso pouco pode nos dizer sobre esse ensino, mas nos indica que precisamos discutir e investigar quais