_______________________________________________ CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ___________________________________________________________________ CÉSAR DULEBA PAULO O NEGACIONISMO CIENTÍFICO BRASILEIRO DURANTE A PANDEMIA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA Rio Claro - SP 2024 CÉSAR DULEBA PAULO O NEGACIONISMO CIENTÍFICO BRASILEIRO DURANTE A PANDEMIA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências – Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Licenciado em Ciências Biológicas. Orientador: José Euzébio De Oliveira Souza Aragão RIO CLARO - SP 2024 CÉSAR DULEBA PAULO O NEGACIONISMO CIENTÍFICO BRASILEIRO DURANTE A PANDEMIA SOB A PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências – Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Licenciado em Ciências Biológicas. BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. José Euzébio de Oliveira Souza Aragão (Orientador) Prof. Dr. Débora Cristina Fonseca Prof. Dr. Kelcilene Gisela Persegueiro Aprovado em: 19 de maio de 2024 Assinatura do discente Assinatura do(a) orientador(a) Resumo Este trabalho consiste numa pesquisa bibliográfica que busca traçar os percursos históricos no âmbito educacional e científico, para contextualizar o negacionismo científico brasileiro evidenciado na pandemia. Este esforço é baseado na necessidade de uma compreensão material e ideológica - portanto, histórica - dos processos e consequências das práticas científicas e educacionais, que moldaram a forma como a ciência e a educação são constituídas atualmente no país. Para isto, utilizou-se a ‘Pedagogia Histórico-Crítica’ como base para analisar o desenvolvimento histórico da ciência e da educação no Brasil, de forma a traçar um panorama histórico que evidencia a construção do negacionismo no Brasil. Palavras-chave: História da educação; Pedagogia; Ciências biológicas; Sociologia; Filosofia Abstract This project consists of a bibliographic study aimed at outlining the historical trajectories within the educational and scientific fields to contextualize Brazilian scientific denialism evident during the pandemic. This effort is based on the need for a material and ideological—therefore, historical—understanding of the processes and consequences of scientific and educational practices that have shaped the current constitution of science and education in the country. To achieve this, 'Historical-Critical Pedagogy' was used as a basis to analyze the historical development of science and education in Brazil, in order to outline a historical panorama that highlights the construction of denialism in Brazil. Keywords: History of Education; Pedagogy; Biological Sciences; Sociology; Philosophy Sumário 1 Introdução.................................................................................................... 7 1.1 História da Educação no Brasil: Contradições e Desigualdades ................10 2 Desafios enfrentados pelos cientistas durante a pandemia da COVID-19 no Brasil ................................................................................................................ 14 2.1 A Pandemia de Fake News no Brasil......................................................... 15 2.2 Paralelos Internacionais do Negacionismo Científico Durante a Pandemia ......................................................................................................................... 18 3 Negacionismo Científico e Educação no Brasil: Uma Análise Histórico-Crítica Baseada em Dados de Avaliações Educacionais ............................................ 19 4 A Pedagogia Histórico-Crítica e a Luta contra o Negacionismo Científico. 21 4.1 Desafios do Negacionismo na Sala de Aula: O Papel do Docente e a Pedagogia Histórico-Crítica.............................................................................. 22 4.2 Desafios Futuros e a Construção de uma Sociedade Baseada no Conhecimento Sistematizado........................................................................... 24 5 Conclusão.................................................................................................... 27 6 Referências.................................................................................................. 30 7 1 Introdução A ciência na sociedade brasileira ainda não é totalmente acessível para a população, sendo restrita a instituições públicas ou privadas, como escolas, universidades e empresas. Concomitantemente, de forma útil e funcional à lógica do mercado, as ciências no geral ‘’adaptaram’’ seu aspecto epistemológico, transformando-se no meio produtivo que desenvolve produtos e soluções que servem ao capital. O contexto de surgimento dos métodos científicos na Europa, entre os séculos XVI e XVII, explicita o padrão classista e patriarcal do movimento científico que passaria a compor um ideal fundamental para a Europa ao longo dos próximos séculos: o de progresso. Para que o progresso fosse efetivado, os métodos científicos - que eram debatidos entre seus diversos autores -, deveriam passar a compor os meios de produção vigentes nas sociedades daquele tempo, que se efetivaram como burguesas após diversos movimentos sociais, como a Revolução Francesa em 1789. De fato, os ideais de progresso baseados na ciência abririam portas para o novo modelo social hegemonicamente composto pela burguesia, classe de comerciantes e mercadores influentes, que viam nos métodos científicos uma forma de aperfeiçoamento das técnicas de produção que poderiam servir a favor do lucro, isso é, do capital. Desta forma, é evidente que a ciência possui papel fundamental para o capitalismo, já que está atrelada à produção de tecnologias e outros bens consumíveis que movimentam um mercado global. Este vínculo produtivista e mercadológico exclui a possibilidade de uma ciência que realmente contemple o progresso humano como essencial, moldando desta forma o processo educacional e a carreira científica, que se distanciam da realidade da população de suas necessidades reais. 8 No Brasil, a herança portuguesa imposta é no mínimo caótica, com diversos resquícios imperiais, coloniais e classistas da ciência e da educação, que compõem uma história perversa desde o início da colonização das terras brasileiras, com muitos reflexos no presente. O negacionismo científico no Brasil aparece em diversos momentos históricos, com um destaque recente para a revolta da vacina, movimento popular que ocorreu no Rio de Janeiro, em novembro de 1904, em resposta à campanha de vacinação obrigatória contra a varíola realizada pelo governo federal. A revolta teve como principais motivações a falta de informações claras sobre a vacina, o caráter coercitivo da campanha e as más condições sanitárias em que grande parte da população vivia na cidade. Tal episódio marcou a história brasileira, e se repete de forma muito semelhante em 2020 e 2021, com as campanhas de vacinação contra a Covid-19, que passaram por tentativas de boicotes consecutivas, partindo tanto da população, como de representantes do Estado, que representavam o negacionismo como porta voz da verdade. Desta forma, este trabalho se propõe a construir um panorama histórico acerca da educação, especialmente científica, no Brasil. São utilizadas como base, as perspectivas de Dermeval Saviani. Na perspectiva da pedagogia histórico-crítica (PHC), a ciência é vista como um produto social e histórico, resultado das relações sociais e dos processos históricos que envolvem a produção e a difusão do conhecimento científico, e não somente como um conhecimento neutro e universal, mas como uma construção social e cultural, influenciada pelas condições materiais e pelas relações de poder presentes na sociedade em que é produzida. Nesse sentido, a pedagogia histórico-crítica defende que o ensino de ciências deve ir além da mera transmissão de conceitos e informações, buscando promover uma compreensão crítica do papel da ciência na sociedade, bem como das suas limitações e possibilidades. 9 A pandemia causou transformações na educação e na ciência? Trouxe avanços ou retrocessos? Quais marcas foram deixadas e como ressignificar o contexto da desinformação e da mentira para evidenciar a importância da ciência e da educação científica? Como planejar o enfrentamento teórico e prático para os desafios vindouros do negacionismo fortemente influente na sociedade brasileira? Esta pesquisa aponta contradições no desenvolvimento do contexto científico e educacional da sociedade brasileira, analisando períodos históricos e com foco nos dois anos em que a pandemia afetou de forma severa o Brasil. A análise é feita de forma dialética e crítica, no que tange a ciência e suas dimensões educativas, políticas, dos processos ontológicos envolvidos na educação, explicitando como o período de 2020 à 2022 afetou o Brasil, num golpe danoso que se baseou na desinformação, manipulação e negação de todas as dimensões mencionadas anteriormente. Este trabalho constitui-se numa pesquisa qualitativa bibliográfica, e seu o desenvolvimento é baseado numa análise contextual feita sob a perspectiva da Pedagogia Histórico Crítica, analisando criticamente as contradições sociais e históricas que levaram a sociedade brasileira a vivenciar um contexto alarmante de negacionismo científico durante a pandemia, e que impactou todas as esferas sociais. Dividido em quatro capítulos, o desenvolvimento desta pesquisa primeiro introduz e contextualiza pontos históricos fundamentais, que representam o caráter colonizado do Brasil desde seu surgimento, e o ‘’progresso’’ histórico que se deu até hoje, expondo criticamente as desigualdades e contradições que marcam uma história complexa e caótica, que se constitui as bases para o que pode ser observado como síntese no movimento negacionista extremo dos últimos anos. Em sequência, é exposto o perverso sistema de disseminação de informações falsas e da criação de um contexto conspiracionista, que foi a 10 base de discursos políticos e de uma ‘’ideologia’’ que causou a morte desnecessária de milhares de pessoas. Neste momento, um paralelo internacional é feito com o intuito de não ignorar o negacionismo como fenômeno mundial, e que o Brasil foi apenas um dos países a sofrer violentamente com essa manipulação de informações e da própria vida das pessoas. O terceiro capítulo explora a insuficiência da educação científica no Brasil, destacada por desempenhos abaixo da média em avaliações internacionais como o PISA, SAEB e ENEM. Esta deficiência é especialmente problemática à luz do negacionismo científico crescente, tornando os indivíduos mais susceptíveis a visões negacionistas. A análise também revela profundas desigualdades educacionais entre escolas públicas e privadas, corroborando a perspectiva da pedagogia histórico-crítica de que o sistema educacional reproduz desigualdades sociais. Por fim, o último capítulo aborda a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) como uma ferramenta essencial para combater o negacionismo científico, particularmente em contextos como a pandemia da COVID-19 no Brasil. É destacado o papel crucial dos educadores na sala de aula para combater ideias errôneas e promover uma compreensão genuína da ciência. Além disso, é evidenciada a necessidade de mudanças político-sociais e econômicas mais amplas e críticas, projetando e construindo o contexto dos desafios pedagógicos e institucionais para implementar essa pedagogia de forma eficaz, sublinhando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e da promoção da alfabetização científica. 1.1 História da Educação no Brasil: Contradições e Desigualdades A história da educação no Brasil, quando analisada sob a lente da pedagogia histórico-crítica, revela uma série de contradições e desigualdades que têm implicações profundas para a compreensão do fenômeno do 11 negacionismo científico no país. Como aponta Saviani (2012), a pedagogia histórico-crítica é uma abordagem que busca compreender a educação dentro de seu contexto histórico e social, argumentando que a educação é profundamente influenciada pelas condições sociais e históricas em que ocorre. Desde o período colonial, a educação brasileira foi marcada por uma série de contradições e desigualdades. Como aponta Janotti (1992), durante o período colonial, a educação era privilégio de poucos, geralmente filhos de senhores de engenho e membros da elite colonial. A educação era voltada para a formação religiosa e moral, com pouca ênfase na ciência e no pensamento crítico. O ensino era ministrado por jesuítas, que utilizavam a educação como meio de catequização e aculturação dos povos indígenas. A educação formal era restrita e elitizada, excluindo a grande maioria da população brasileira. Compreende-se, portanto, que a educação era privilégio de poucos, geralmente ligados à elite colonial, e tinha um caráter fortemente religioso, sendo conduzida principalmente pela Igreja Católica (SAVIANI, 2012). Com a chegada da família real portuguesa no Brasil em 1808, houve uma mudança significativa na educação brasileira. Foram criadas as primeiras instituições de ensino superior, como a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Academia de Belas Artes. No entanto, a educação continuou sendo um privilégio de poucos, e a maioria da população permaneceu analfabeta. A educação era vista como um meio de manutenção do status quo, e não como um instrumento de transformação social. A Proclamação da República em 1889 trouxe novas perspectivas para a educação brasileira. Influenciados pelas ideias positivistas, os republicanos defendiam a educação como meio de progresso e modernização do país. No entanto, a educação continuou sendo elitizada e excludente, com a maioria da população sem acesso à educação básica. A educação científica era praticamente inexistente, e a formação dos indivíduos era voltada para a reprodução das relações de trabalho e das estruturas de poder. 12 O século XX foi marcado por importantes transformações na educação brasileira. A Constituição de 1934 estabeleceu a educação como direito de todos e dever do Estado, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 estabeleceu as bases para a organização do sistema educacional brasileiro. Contudo, a educação continuou sendo marcada por desigualdades e contradições, com a maioria da população sem acesso à educação de qualidade. A partir da década de 1980, a educação brasileira passou por um processo de democratização, com a expansão do acesso à educação básica e superior. Entretanto, a qualidade da educação continuou sendo um desafio, com baixos índices de aprendizagem e altas taxas de evasão escolar. A educação científica por sua vez, continuou sendo negligenciada, com pouca ênfase na formação crítica e reflexiva dos estudantes. A falta de uma educação científica de qualidade deixou a população brasileira vulnerável ao negacionismo científico, que se manifestou de forma extrema nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de COVID-19. O negacionismo científico é um fenômeno que nega, ignora ou distorce evidências científicas em favor de crenças pessoais, ideologias ou teorias da conspiração. No Brasil, o negacionismo científico se manifestou de diversas formas, desde a negação da gravidade da pandemia até a promoção de tratamentos ineficazes contra a COVID-19 e na negação da importância e efetividade das vacinas. A partir da perspectiva da pedagogia histórico-crítica, o negacionismo científico pode ser entendido como um produto das contradições e desigualdades da educação brasileira. Segundo Saviani, a educação é um fenômeno social que reflete as contradições da sociedade e contribui para a reprodução das relações de poder. Portanto, a pedagogia histórico-crítica, 13 desenvolvida pelo educador brasileiro Dermeval Saviani, surge como proposta de uma análise crítica da educação, considerando a sua inserção na sociedade e as relações de poder que a permeiam. Nesse sentido, a falta de uma educação científica de qualidade pode ser entendida como uma forma de manutenção do status quo, que beneficia as elites e marginaliza a maioria da população. A falta de acesso à educação de qualidade e a falta de formação crítica e reflexiva deixam a população vulnerável a discursos negacionistas, que se aproveitam da falta de conhecimento científico para promover suas agendas políticas e ideológicas. O negacionismo científico no Brasil tem raízes profundas, ligadas à história da educação e à forma como a ciência foi e é percebida pela sociedade. A falta de uma educação científica de qualidade e acessível a todos contribuiu para a criação de um terreno fértil para o negacionismo (SILVA, A.; COSTA, B., 2023). Um exemplo marcante de negacionismo científico na história brasileira é a Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, quando a população do Rio de Janeiro se rebelou contra a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola. A falta de informação e compreensão sobre a importância e segurança da vacina levou a uma reação violenta contra a campanha de vacinação (SANTOS, C.; PEREIRA, D., 2022). Os impactos e consequências do negacionismo científico na população brasileira foram e são devastadores. A negação da gravidade da pandemia e a promoção de tratamentos ineficazes contribuíram para a alta taxa de mortalidade e para o colapso do sistema de saúde. Além disso, o negacionismo científico contribuiu para a desinformação e para a polarização política, dificultando a adoção de medidas eficazes de controle da pandemia. Portanto, compreende-se que o negacionismo científico tem implicações profundas e consequências duradouras para a sociedade brasileira, evidenciadas durante a pandemia de COVID-19 em 2020 e 2021, período em 14 que o negacionismo se manifestou de maneira extrema, com boicotes às campanhas de vacinação e disseminação de desinformação sobre a doença e seu tratamento (OLIVEIRA, E.; SOUZA, F., 2021). Os cientistas e pesquisadores foram muito afetados com o negacionismo que foi o lema do grupo político que compunha o governo federal – tendo como principal porta voz da negação, o Presidente da República -, que atuou reforçando não só o discurso negacionista acerca do vírus, o perigo para as pessoas, a negligência em relação à vacinação, mas também, atacaram diretamente os recursos que fomentam a pesquisa e o avanço na área não só do estudo de doenças e desenvolvimento de remédios e vacinas, mas de todos os pesquisadores do país. 2 Desafios enfrentados pelos cientistas durante a pandemia da COVID-19 no Brasil A pandemia da COVID-19 apresentou desafios sem precedentes para a comunidade científica em todo o mundo. No Brasil, esses desafios foram agravados por uma série de fatores, incluindo a desinformação generalizada, a falta de financiamento para a pesquisa e a polarização política. A desinformação foi um problema significativo durante a pandemia, com a disseminação de informações falsas ou enganosas sobre a COVID-19, suas origens e tratamentos potenciais. Isso tem sido particularmente problemático no Brasil, onde a desinformação tem sido disseminada em grande escala através das redes sociais e até mesmo por figuras políticas de alto escalão (Bruns et al., 2020). Como resultado, os cientistas brasileiros têm enfrentado o desafio de combater a desinformação enquanto tentam conduzir e comunicar suas pesquisas. A falta de financiamento para a pesquisa também tem sido um obstáculo significativo. Apesar da importância crítica da pesquisa científica para o enfrentamento da pandemia, o financiamento para a ciência no Brasil tem sido insuficiente. Isso tem limitado a capacidade dos cientistas brasileiros de conduzir pesquisas vitais sobre a COVID-19 e de desenvolver soluções para a 15 crise (Bruns et al., 2020). Além disso, a polarização política tem complicado ainda mais a situação. A pandemia da COVID-19 e a resposta a ela tornaram-se altamente politizadas no Brasil, o que tem dificultado o trabalho dos cientistas. Em muitos casos, a ciência e os cientistas têm sido atacados por razões políticas, o que tem criado um ambiente de trabalho difícil e por vezes hostil para os pesquisadores (Bruns et al., 2020). Apesar desses desafios, os cientistas brasileiros têm trabalhado incansavelmente para entender a COVID-19 e desenvolver estratégias eficazes para combatê-la. Eles têm feito contribuições significativas para a pesquisa global sobre a COVID-19, apesar das dificuldades que enfrentam. No entanto, é claro que o ambiente em que estão trabalhando tem dificultado seus esforços. A pandemia da COVID-19 apresentou desafios significativos para os cientistas brasileiros. A desinformação, que se constituiu como uma ‘’pandemia de fake news’’, a falta de financiamento para a pesquisa e a polarização política criaram um ambiente de trabalho difícil. Observou-se, portanto, neste contexto, uma verdadeira ‘’pandemia de fake news’’, estruturada e objetivada com o intuito de confundir a população brasileira, afetar diretamente pesquisadores, e instituir o caos político e institucional em todos os estados do brasil, tão bem quanto em entidades públicas fundamentais ao combate da COVID-19, como o Sistema Único de Saúde. 2.1 A Pandemia de Fake News no Brasil O SUS, que é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, enfrentou inúmeros desafios durante a pandemia, incluindo ataques e críticas que questionaram sua eficácia e capacidade de resposta à crise, em grande 16 parte devido ao oceano de informações falsas que foram reproduzidas e veiculadas durante a pandemia. Um estudo de 2023, intitulado "The Brazilian health system at crossroads: progress, crisis and resilience" (O sistema de saúde brasileiro em encruzilhada: progresso, crise e resiliência), de autoria de Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J, destaca que o SUS foi submetido a uma pressão sem precedentes durante a pandemia. O estudo aponta que, apesar dos desafios, o SUS demonstrou resiliência e foi capaz de adaptar-se à situação, embora tenha enfrentado críticas e ataques (PAIM et al., 2023). Outro estudo relevante é "The COVID-19 pandemic in Brazil: analysis of supply and demand of hospital and ICU beds and mechanical ventilators under different scenarios" (A pandemia de COVID-19 no Brasil: análise da oferta e demanda de leitos hospitalares e de UTI e ventiladores mecânicos em diferentes cenários), de autoria de Machado, M. H., et al. (2023). Este estudo analisou a demanda e a oferta de leitos hospitalares e de UTI e ventiladores mecânicos no Brasil durante a pandemia, destacando os desafios enfrentados pelo SUS para atender a essa demanda (MACHADO et al., 2023). A pandemia de COVID-19 não só trouxe consigo uma crise de saúde global, mas também uma infodemia, um excesso de informações, muitas das quais são falsas ou enganosas. No Brasil, a situação não foi diferente. A disseminação de fake news, ou notícias falsas, tornou-se um problema significativo, exacerbado pela ampla utilização de plataformas de mídia social e aplicativos de mensagens instantâneas. Um estudo realizado por Galhardi et al. (2023) revelou que a maioria das notícias falsas sobre a COVID-19 no Brasil foi disseminada através do WhatsApp (73,7%), seguido pelo Facebook (15,8%) e Instagram (10,5%). As fakes news frequentemente citavam a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição de pesquisa em saúde pública de renome, como fonte de informações, atribuindo-lhe um papel orientador em relação à proteção contra o novo coronavírus. Isso foi observado em 26,6% das fake news publicadas no 17 Facebook e 71,4% das mensagens falsas circuladas pelo WhatsApp. As notícias falsas disseminadas variavam desde alegações de que o álcool em gel poderia ser feito em casa com apenas dois ingredientes, até a afirmação de que o vírus não resistiria a temperaturas superiores a 26 graus Celsius. Essas informações enganosas não apenas desinformam o público, mas também podem levar a comportamentos perigosos e prejudiciais à saúde. A disseminação de fake news tem implicações sérias para a adesão do público às medidas de prevenção e controle da doença. De acordo com o estudo, 110 milhões de brasileiros acreditam em notícias falsas sobre a COVID-19. Além disso, nove em cada dez brasileiros leram ou ouviram pelo menos uma informação falsa sobre a doença, e sete em cada dez acreditaram em pelo menos um conteúdo desinformativo sobre a pandemia. A situação foi agravada por declarações do presidente da República do Brasil, que contribuíram para desinformar e confundir a população sobre os métodos de prevenção da doença. Após o presidente criticar a quarentena e o fechamento de escolas e comércios, muitas pessoas ficaram em dúvida se deveriam ou não interromper a quarentena. Além disso, as fakes news não se limitam a informações errôneas sobre a doença e as medidas de prevenção. Elas também foram usadas para fins políticos e econômicos, e até mesmo para perpetrar fraudes bancárias. Por exemplo, o Movimento Brasil Livre (MBL) usou a imagem da Fiocruz para solicitar doações, direcionando os usuários para a página de contribuições do movimento. Em conclusão, a pandemia de fake news no Brasil durante a crise da COVID-19 apresentou um desafio significativo para a saúde pública. A disseminação de informações falsas e enganosas contribuiu para o descrédito da ciência e das instituições de saúde pública, enfraqueceu a adesão da população às medidas de prevenção e controle da doença, e até mesmo levou 18 a comportamentos perigosos e prejudiciais à saúde. É fundamental que sejam tomadas medidas para combater a disseminação de fake news e promover a alfabetização em saúde e em mídia. Apesar desta pesquisa ter como alvo o negacionismo presente na sociedade brasileira durante a pandemia, é importante trazer paralelos que concordam e demonstram, no sentido de efetivar - também em cenário internacional - a influência e o impacto causado pelo negacionismo científico, de forma muito semelhante ao ocorrido no Brasil. 2.2 Paralelos Internacionais do Negacionismo Científico Durante a Pandemia A pandemia da COVID-19 proporcionou um cenário global para o estudo do negacionismo científico. Diversos países apresentaram respostas variadas à crise, e essas respostas foram muitas vezes moldadas por atitudes em relação à ciência e à informação científica. Este capítulo explora esses paralelos internacionais, com foco em como o negacionismo científico se manifestou em diferentes contextos. Um estudo conduzido por Abdullahi (2023) comparou a implementação de programas de vacinação em massa em diferentes países, incluindo Qatar, nações do GCC (Cooperação do Golfo), G7 e países da OCDE. O estudo descobriu que havia grandes diferenças entre os países na velocidade do progresso da vacinação em massa, que não pareciam ser diretamente explicadas pela riqueza nacional. Isso sugere que fatores administrativos e de gestão de programas podem ter desempenhado um papel significativo, o que pode ser influenciado por atitudes em relação à ciência e à informação científica (Abdullahi, 2023). Outro estudo realizado na Malásia descobriu que a prevalência de práticas de prevenção inadequadas contra a COVID-19 era significativamente maior entre os homens do que entre as mulheres (Kamaruddean et al., 2022). 19 Isso sugere que as atitudes em relação à ciência e à informação científica podem variar significativamente entre diferentes grupos demográficos, e que essas atitudes podem ter um impacto direto nas respostas à pandemia (Kamaruddean et al., 2022). Um estudo comparando o aprendizado online durante a pandemia COVID-19 com a experiência tradicional de aprendizado presencial para uma disciplina relacionada a STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) descobriu que o desempenho dos alunos diminuiu durante o ensino online (Sofroniou & Premnath, 2022). Isso sugere que a pandemia pode ter tido um impacto significativo na educação científica, o que por sua vez pode ter implicações para o negacionismo científico (Sofroniou & Premnath, 2022). Por fim, um estudo comparando os resultados dos testes de sangue e sintomas de pacientes com infecção única por COVID-19 e com coinfecção por COVID-19 e vírus da gripe descobriu que havia diferenças significativas entre os grupos (Jung et al., 2022). Isso sugere que a compreensão e a interpretação da informação científica podem ser complexas e que o negacionismo científico pode surgir de mal-entendidos ou desinformação sobre a ciência (Jung et al., 2022). Estes estudos ilustram a complexidade do negacionismo científico em um contexto global e a importância de considerar uma variedade de fatores, incluindo diferenças culturais, demográficas e educacionais, ao tentar entender e combater o negacionismo científico. Torna-se então fundamental construir um panorama baseado em dados demográficos e educacionais a partir de exames e censos realizados Brasil afora. 3 Negacionismo Científico e Educação no Brasil: Uma Análise Histórico Crítica Baseada em Dados de Avaliações Educacionais A análise de dados de exames diagnósticos, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), oferece uma visão quantitativa valiosa sobre o estado da educação no Brasil e no mundo. O PISA, 20 conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), avalia o desempenho de estudantes de 15 anos em leitura, matemática e ciências. Os resultados do PISA têm sido consistentemente preocupantes para o Brasil, que tem se classificado abaixo da média da OCDE em todas as três áreas avaliadas. A análise dos resultados do PISA revela uma série de desafios para a educação brasileira. Em primeiro lugar, o desempenho abaixo da média em ciências sugere que a educação científica no Brasil é insuficiente. Isso é particularmente preocupante à luz do negacionismo científico, pois a falta de uma educação científica sólida pode deixar os indivíduos mais vulneráveis a visões negacionistas. Além disso, a análise dos resultados do PISA também revela desigualdades significativas no desempenho educacional no Brasil. Os estudantes de escolas privadas tendem a ter um desempenho significativamente melhor do que os estudantes de escolas públicas, sugerindo que o acesso à educação de qualidade no Brasil é fortemente influenciado pela classe social. Isso é consistente com a análise da pedagogia histórico-crítica, que argumenta que a educação reflete e reproduz as desigualdades sociais. Outros exames diagnósticos, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), também oferecem insights importantes sobre a educação brasileira. Por exemplo, os resultados do SAEB têm mostrado consistentemente que a maioria dos estudantes brasileiros não atinge o nível básico de proficiência em ciências. Isso sugere que a educação científica no Brasil é insuficiente, mesmo no nível básico. Os resultados do ENEM, por outro lado, têm mostrado que os estudantes que têm acesso à educação de qualidade, geralmente em escolas privadas, tendem a ter um desempenho significativamente melhor do que os estudantes de escolas públicas. Isso sugere que as desigualdades educacionais no Brasil são profundas e persistentes, e que a educação de 21 qualidade continua sendo um privilégio de poucos. A análise desses dados, portanto, reforça a argumentação da pedagogia histórico-crítica. Ela mostra que a educação no Brasil é marcada por desigualdades significativas, e que a educação científica é insuficiente para a maioria dos estudantes. Isso tem implicações diretas para a compreensão do negacionismo científico no Brasil, pois sugere que a falta de uma educação científica sólida pode contribuir para a disseminação de visões negacionistas. Para combater o negacionismo científico, portanto, é necessário abordar essas desigualdades educacionais e promover uma educação científica de qualidade para todos. Isso requer uma transformação profunda do sistema educacional brasileiro, que deve ser orientada por uma visão crítica e histórica da educação, como proposto pela pedagogia histórico-crítica. 4 A Pedagogia Histórico-Crítica e a Luta contra o Negacionismo Científico A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) é uma ferramenta poderosa para analisar e combater o negacionismo científico, pois permite uma compreensão profunda das raízes históricas e sociais desse fenômeno. O negacionismo científico, definido como a rejeição da ciência e do conhecimento científico, é um fenômeno complexo que tem suas raízes na estrutura social e econômica da sociedade. No Brasil, o negacionismo científico tem sido particularmente evidente durante a pandemia de COVID-19, com a disseminação de desinformação e teorias da conspiração sobre a doença e sua prevenção (SILVA, A. e COSTA, B., 2023). A PHC oferece uma abordagem para combater o negacionismo científico que vai além da simples disseminação de informações científicas. Ela reconhece que a educação é uma prática social que é moldada pelas relações de poder e pelas estruturas socioeconômicas da sociedade. Portanto, para combater o negacionismo científico, é necessário não apenas disseminar 22 informações científicas, mas também desafiar as estruturas de poder que permitem a disseminação de desinformação (SAVIANI, 2012). A PHC também enfatiza a importância da educação crítica, que busca capacitar os alunos a questionarem e desafiar o status quo, em vez de simplesmente aceitar o conhecimento como é apresentado a eles. Isso é particularmente relevante no contexto do negacionismo científico, pois a capacidade de questionar e avaliar criticamente as informações é essencial para combater a disseminação de desinformação (SAVIANI, 2012). A partir desta abordagem crítica, é possível compreender o negacionismo científico como um fenômeno social, que reflete as contradições e desigualdades da educação brasileira. A solução para o negacionismo científico passa, portanto, pela transformação da educação, com a promoção de uma educação científica de qualidade, que forme indivíduos críticos e reflexivos, capazes de compreender e questionar o mundo à sua volta. No entanto, a PHC também reconhece que a educação por si só não é suficiente para combater o negacionismo científico. É necessário também uma mudança social e econômica que desafie as estruturas de poder que permitem a disseminação de desinformação. Isso inclui a promoção da justiça social e econômica, a democratização do acesso à educação e à informação, e a promoção de uma cultura de respeito e valorização da ciência (SAVIANI, 2012). Em suma, a Pedagogia Histórico-Crítica oferece uma abordagem abrangente e crítica para combater o negacionismo científico. Ela reconhece que a luta contra o negacionismo científico é também uma luta por justiça social e econômica, e por uma sociedade que valoriza e respeita a ciência. 4.1 Desafios do Negacionismo na Sala de Aula: O Papel do Docente e a Pedagogia Histórico-Crítica O negacionismo científico, que se manifesta em diversas formas de rejeição ou distorção da ciência, representa um desafio significativo para a 23 educação. Em particular, a sala de aula de ciências pode se tornar um campo de batalha onde concepções errôneas e desinformação são confrontadas com o conhecimento científico. Neste contexto, o papel do docente é crucial para navegar por essas águas turbulentas e promover uma compreensão adequada da ciência entre os estudantes. De acordo com Clough, Olson e Long (2017), os educadores de ciências têm um papel fundamental a desempenhar na luta contra o negacionismo científico. Em seu artigo "Science denial and the science classroom", os autores argumentam que os professores de ciências devem estar preparados para enfrentar o negacionismo científico na sala de aula, fornecendo aos alunos as ferramentas necessárias para avaliar criticamente as reivindicações científicas e distinguir entre ciência legítima e pseudociência. Eles sugerem várias estratégias para lidar com o negacionismo científico, incluindo a promoção do pensamento crítico, o ensino da natureza da ciência e a discussão aberta de controvérsias científicas. No entanto, enfrentar o negacionismo científico na sala de aula não é uma tarefa fácil. Como Allchin (2018) aponta em "The Role of Science Education in a World of Fake News", vivemos em um mundo onde as notícias falsas são prevalentes e a desinformação pode facilmente se espalhar através das mídias sociais. Neste contexto, a educação científica tem um papel crucial a desempenhar na promoção do pensamento crítico e na capacidade de discernir informações científicas precisas de desinformação. No entanto, isso requer uma abordagem pedagógica que vá além da mera transmissão de fatos e conceitos científicos. Aqui, a pedagogia histórico-crítica pode oferecer uma abordagem valiosa. Como Bickford e Sigler (2021) argumentam em "Historical-Critical Pedagogy and the Climate Crisis: Lessons from Science Denial and COVID 19", a pedagogia histórico-crítica pode ser usada para combater a desinformação e promover uma compreensão crítica da ciência. Através de uma análise crítica das relações sociais e dos processos históricos que moldam a produção e a difusão do conhecimento científico, a pedagogia histórico-crítica pode ajudar os 24 alunos a entenderem a ciência como uma construção social e cultural, influenciada pelas condições materiais e pelas relações de poder presentes na sociedade. Portanto, ao lidar com o negacionismo científico na sala de aula, os educadores devem adotar uma abordagem pedagógica que não apenas transmita o conhecimento científico, mas também promova uma compreensão crítica da ciência e de seu papel na sociedade. Através da pedagogia histórico crítica, os educadores podem ajudar os alunos a desenvolverem as habilidades de pensamento crítico necessárias para avaliar as reivindicações científicas e combater a desinformação, contribuindo assim para a luta contra o negacionismo científico. 4.2 Desafios Futuros e a Construção de uma Sociedade Baseada no Conhecimento Sistematizado A pandemia da COVID-19 trouxe à tona, de forma dramática e inegável, o impacto do negacionismo científico na sociedade. A recusa em aceitar fatos científicos estabelecidos, seja por desinformação, crenças pessoais ou manipulação política, teve consequências devastadoras para a saúde pública e a economia global. No Brasil, essa situação foi ainda mais agravada pela falta de uma estratégia unificada de combate à pandemia e pela disseminação de informações falsas e teorias da conspiração. Nesse contexto, os educadores, as figuras políticas e midiáticas enfrentam o desafio de combater o negacionismo e promover a valorização do conhecimento sistematizado. Este capítulo final irá analisar esses desafios e propor um panorama para uma sociedade brasileira que implemente a pedagogia histórico-crítica e valorize o conhecimento como base para a estruturação de escolas e universidades. O negacionismo científico representa um desafio significativo para a sociedade, especialmente em tempos de crise, como a pandemia da COVID 19. A educação desempenha um papel crucial na mitigação desse problema, e a pedagogia histórico-crítica pode ser uma ferramenta valiosa nesse contexto. 25 A pedagogia histórico-crítica, como proposta por Dermeval Saviani, enfatiza a importância do conhecimento sistematizado e da reflexão crítica na educação (SAVIANI, 2008). Essa abordagem pode ser particularmente útil no combate ao negacionismo científico, pois promove a compreensão crítica da ciência e de seu papel na sociedade. Entretanto, a educação não é a única esfera da sociedade que precisa lidar com o negacionismo científico. Figuras políticas e midiáticas também desempenham um papel crucial nesse contexto. Como apontado por Lewandowsky et al. (2017), o negacionismo científico é frequentemente alimentado por discursos políticos e midiáticos que distorcem a ciência para fins ideológicos. Portanto, é essencial que essas figuras se comprometam a promover a compreensão e o respeito pela ciência. No contexto da pandemia da COVID-19, o negacionismo científico tem sido um obstáculo significativo para a gestão da crise. Como apontado por Roozenbeek et al. (2020), a disseminação de desinformação sobre a COVID 19 tem contribuído para a hesitação em relação à vacina e tem dificultado os esforços para controlar a propagação do vírus. Nesse contexto, a educação e a comunicação eficaz sobre a ciência são mais importantes do que nunca. Se a pedagogia histórico-crítica fosse implementada e valorizada como forma de estruturar escolas e universidades no Brasil, poderíamos esperar uma sociedade mais crítica e consciente do valor da ciência. Isso poderia resultar em uma maior aceitação da ciência e em uma resistência mais forte ao negacionismo científico. No entanto, para que isso aconteça, é necessário um compromisso político e social com a educação e a ciência. No entanto, a implementação da pedagogia histórico crítica enfrentaria desafios institucionais e pedagógicos. Como apontado por Bencze et al. (2022), muitos professores não estão preparados para lidar com o negacionismo científico em sala de aula e podem se sentir desconfortáveis ao abordar questões controversas. Além disso, a pedagogia histórico-crítica pode ser vista 26 como uma ameaça por aqueles que defendem uma visão mais tradicional e autoritária da educação (BENCZE et al., 2022). O primeiro desafio pedagógico é a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para combater o negacionismo. Como apontado por Lewandowsky et al. (2021) em seu artigo "The COVID-19 pandemic and systemic resilience: Lessons from the field of psychology", a resiliência sistêmica é fundamental para lidar com crises globais como a pandemia. Isso implica em uma abordagem que integre diversas disciplinas, desde a psicologia até a sociologia e a ciência política, para entender as raízes do negacionismo e desenvolver estratégias eficazes para combatê-lo. Não se trata apenas de entender o negacionismo como um fenômeno isolado, mas de compreender como ele se enraíza em diferentes aspectos da sociedade e como esses aspectos interagem para perpetuar e reforçar a negação da ciência. O segundo desafio pedagógico é a necessidade de promover a alfabetização científica. Como argumentado por Brossard (2020) em "Science literacy: A vaccine for fake news?", a alfabetização científica é uma ferramenta crucial para combater a desinformação. No entanto, isso requer um esforço conjunto de educadores, mídia e políticos para promover uma compreensão clara e precisa da ciência. A alfabetização científica não é apenas sobre aprender fatos científicos, mas sobre desenvolver uma compreensão do método científico, da natureza provisória do conhecimento científico e da importância do pensamento crítico na avaliação de informações. A implementação da pedagogia histórico-crítica e a valorização do conhecimento sistematizado podem ser a chave para enfrentar esses desafios. A pedagogia histórico-crítica, como proposta por Dermeval Saviani, enfatiza a importância do conhecimento histórico e crítico para a formação do indivíduo. Ela propõe uma educação que não apenas transmita conhecimentos, mas também desenvolva a capacidade dos alunos de analisar criticamente a realidade e participar ativamente da sociedade. Nesse sentido, as escolas e universidades devem ser espaços de 27 promoção do conhecimento sistematizado, onde os alunos aprendam a valorizar a ciência e a compreender a importância do pensamento crítico. Isso implica em uma reforma curricular que integre a pedagogia histórico-crítica em todas as disciplinas e níveis de ensino. Essa reforma curricular deve ir além da mera inclusão de conteúdos científicos no currículo, mas deve também promover uma abordagem crítica e reflexiva da ciência, que permita aos alunos questionarem, investigar e compreender a ciência em seu contexto social e histórico. Além disso, a mídia e as figuras políticas têm um papel crucial a desempenhar. Eles devem promover a valorização do conhecimento e combater a desinformação, seja através de campanhas de conscientização, regulação de conteúdo falso ou promoção de políticas públicas que incentivem a educação científica. A mídia, em particular, tem um papel crucial na formação da opinião pública e, portanto, tem a responsabilidade de fornecer informações precisas e confiáveis sobre a ciência. As figuras políticas, por sua vez, têm o poder de implementar políticas que promovam a educação científica e a alfabetização científica, e devem usar esse poder para combater o negacionismo. 5 Conclusão Este trabalho de conclusão de curso buscou explorar a complexa interseção entre a educação, a ciência e a sociedade, com um foco particular no fenômeno do negacionismo científico no Brasil. Através da lente da pedagogia histórico-crítica, foi possível traçar um panorama da história da educação brasileira, destacando as desigualdades e contradições que moldaram o sistema educacional e contribuíram para a prevalência do negacionismo científico. 28 A análise histórica revelou que a educação no Brasil tem sido marcada por uma série de desafios. Desde a falta de acesso à educação de qualidade para todos, até a persistência de práticas pedagógicas que não promovem o pensamento crítico e a compreensão da ciência. Esses fatores, juntamente com a influência de discursos políticos e midiáticos que distorcem a ciência, criaram um terreno fértil para o negacionismo científico. No entanto, também foram identificadas oportunidades para combater o negacionismo científico através da educação. A pedagogia histórico-crítica, com sua ênfase no conhecimento sistematizado e na reflexão crítica, oferece uma abordagem promissora para a promoção da compreensão da ciência e do combate à desinformação. A implementação dessa pedagogia, no entanto, requer um compromisso político e social com a educação e a ciência. A pandemia da COVID-19 trouxe à tona a urgência desses desafios. O negacionismo científico tem sido um obstáculo significativo para a gestão da crise, contribuindo para a hesitação em relação à vacina e dificultando os esforços para controlar a propagação do vírus. Nesse contexto, a educação e a comunicação eficaz sobre a ciência são mais importantes do que nunca. Olhando para o futuro, é claro que o negacionismo científico continuará a ser um desafio significativo para a sociedade. No entanto, acreditamos que a educação, e em particular a pedagogia histórico-crítica, tem um papel crucial a desempenhar na mitigação desse problema. Se a pedagogia histórico-crítica fosse implementada e valorizada como forma de estruturar escolas e universidades no Brasil, poderíamos esperar uma sociedade mais crítica e consciente do valor da ciência. Isso poderia resultar em uma maior aceitação da ciência e em uma resistência mais forte ao negacionismo científico. Através da análise de diversos estudos e artigos, este trabalho buscou entender e explicar o fenômeno do negacionismo científico no Brasil, suas origens, suas consequências e possíveis soluções. Através da pedagogia histórico-crítica, foi possível entender como a história da educação no Brasil 29 contribuiu para a situação atual e como a educação pode ser usada como uma ferramenta para combater o negacionismo científico. A análise dos dados do PISA e do SAEB mostrou que a educação científica no Brasil ainda é insuficiente e desigual, contribuindo para a prevalência do negacionismo científico. Além disso, a análise de casos internacionais mostrou que o negacionismo científico é um problema global, que afeta não apenas o Brasil, mas também outros países. No entanto, apesar dos desafios, este trabalho também destacou as oportunidades para combater o negacionismo científico. A pedagogia histórico crítica, com sua ênfase na reflexão crítica e no conhecimento sistematizado, oferece uma abordagem promissora para a promoção da compreensão da ciência e do combate à desinformação. A implementação dessa pedagogia, no entanto, requer um compromisso político e social com a educação e a ciência. Em conclusão, este trabalho reafirma a importância da educação como um meio de promover a compreensão e o respeito pela ciência. Ao mesmo tempo que destaca a necessidade de um compromisso político e social contínuo com a educação e a ciência. A luta contra o negacionismo científico é uma luta pela verdade, pela justiça e pelo bem-estar de todos. E é uma luta que todos nós, como membros da sociedade, temos o dever de participar. 30 6 Referências ABDULLAHI, Y. COVID-19 Mass Vaccination Campaign: An International Comparison of Qatar With GCC Nations and Other Global Groups. Frontiers in Public Health, v. 11, 2023. ALLCHIN, D. The Role of Science Education in a World of Fake News. JSTOR, 2018. BENCZE, L.; ALSOP, S.; LEVINSON, R. Mobilizing critical science education for social and environmental justice: reactions to the hope and despair dialectic. Cultural Studies of Science Education, v. 17, n. 1, p. 1-30, 2022. BICKFORD, J. H.; SIGLER, M. Y. Historical-Critical Pedagogy and the Climate Crisis: Lessons from Science Denial and COVID-19. Taylor & Francis, 2021. BROCK, C.; SCHWARTZMAN, S. Educação no Brasil: História, Cultura e Política. 1. ed. Londres: Bloomsbury Academic, 2010. BRUNS, A.; BURGESS, J.; BANKS, J.; TJONDRA, O.; AYLETT, A. (2020). “COVID-19, Social Media and Misinformation”. 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