65 Publicação bimestral Rev Bras Oftalmol, v. 64, n.2, p. 65-134, Mar/Abr. 2005 Oftalmologia Revista Brasileira de PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Indexada na LILACS Disponível eletronicamente no site: www.sboportal.org.br ISSN 0034-7280 Editor Chefe Raul N. G. Vianna - Niterói - RJ Co-editores Acacio Muralha Neto - Rio de Janeiro - RJ Arlindo José Freire Portes - Rio de Janeiro - RJ Marcelo Palis Ventura - Niterói - RJ Riuitiro Yamane - Niterói - RJ Corpo Editorial Internacional Baruch D. Kuppermann - Long Beach, CA, EUA Christopher Rapuano - Phyladelphia - EUA Howard Fine - Eugene - EUA Jean-Jacques De Laey - Ghent - Bélgica Lawrence P. Chong - Califórnia - EUA Miguel Burnier Jr. - Montreal, Canadá Peter Laibson - Phyladelphia - EUA Steve Arshnov - Toronto - Canadá Corpo Editorial Nacional Adalmir Morterá Dantas - Niterói - RJ Ana Luisa Hofling Lima - São Paulo - SP Antonio Augusto Velasco Cruz - Ribeirão Preto - SP Ari de Souza Pena - Niterói - RJ Armando Crema - Rio de Janeiro - RJ Carlos Alexandre de Amorin Garcia - Natal - RN Carlos Augusto Moreira Jr. - Curitiba - PR Carlos Souza Dias - São Paulo - SP Celso Marra Pereira - Rio de Janeiro - RJ Denise de Freitas - São Paulo - SP Edmundo Frota de Almeida Sobrinho - Belém - PA Eduardo Cunha de Souza - São Paulo - SP Eduardo Marback - Salvador - BA Fernando Cancado Trindade - Belo Horizonte - MG Flavio Rezende Dias - Rio de Janeiro - RJ Francisco de Assis B Cordeiro - Recife - PE Francisco Grupenmacher - Curitiba - PR Francisco Valter da Justa Freitas - Fortaleza - CE Giovanni Colombini - Rio de Janeiro - RJ Guilherme Herzog - Rio de Janeiro - RJ Helena Parente Solari - Niterói - RJ Henderson Almeida - Belo Horizonte - MG Hilton Arcoverde G. de Medeiros - Brasília - DF Homero Gusmão de Almeida - Belo Horizonte - MG Italo Mundialino Marcon - Porto Alegre - RS Jacó Lavinsky - Porto Alegre - RS João Borges Fortes Filho - Porto Alegre - RS Joao Luiz Lobo Ferreira - Florianopólis - SC João Orlando Ribeiro Gonçalves - Teresina - PI Joaquim Marinho de Queiroz - Belém - PA Jose Ricardo Carvalho L. Rehder - São Paulo - SP Laurentino Biccas Neto - Vitória - ES Leiria de Andrade Neto - Fortaleza - CE Liana Maria V. de O. Ventura - Recife - PE Manuel Augusto Pereira Vilela - Porto Alegre - RS Maurício Bastos Pereira - Rio de Janeiro - RJ Marcio Bittar Nehemy - Belo Horizonte - MG Marco Rey - Natal - RN Marcos Ávila - Goiania - GO Maria de Lourdes Veronese Rodrigues - Ribeirão Preto - SP Maria Rosa Bet de Moraes Silva - Botucatu - SP Mario Martins dos Santos Motta - Rio de Janeiro - RJ Mário Monteiro - São Paulo - SP Mariza Toledo de Abreu - São Paulo - SP Miguel Ângelo Padilha - Rio de Janeiro - RJ Milton Ruiz Alves - São Paulo - SP Nassim Calixto - Belo Horizonte - MG Newton Kara-José - São Paulo - SP Octávio Moura Brasil - Rio de Janeiro - RJ Paulo Augusto de Arruda Mello - São Paulo - SP Paulo Schor - São Paulo - SP Remo Susana Jr - São Paulo - SP Renato Ambrósio Jr. - Rio de Janeiro - RJ Renato Curi - Niterói - RJ Roberto Lorens Marback - Salvador - BA Rubens Camargo Siqueira - São João do Rio Preto - SP Sebastião Cronemberger - Belo Horizonte - MG Silvana Artioli Schellini - Botucatu - SP Suel Abujâmra - São Paulo - SP Tadeu Cvintal - São Paulo - SP Valênio Peres França - Belo Horizonte - MG Virgílio Centurion - São Paulo - SP Walton Nosé - São Paulo - SP Wesley Ribeiro Campos - Passos - MG Yoshifumi Yamane - Rio de Janeiro - RJ Redação: Rua São Salvador, 107 Laranjeiras - CEP 22231-170 Rio de Janeiro - RJ Tel.: (0xx21) 2557-7298 Fax: (0xx21) 2205-2240 Tiragem: 5.000 exemplares Edição: Bimestral Editoração Eletrônica: Marco Antonio Pinto DG 25341RJ Publicidade: Sociedade Brasileira de Oftalmologia Responsável: João Diniz Revisão: Eliana de Souza Normalização: Edna Terezinha Rother Assinatura Anual: R$240,00 ou US$210,00 66 Rua São Salvador, 107 - Laranjeiras - CEP 22231-170 - Rio de Janeiro - RJ Tels. (0xx21) 2557-7298 / 2205-7728 - Fax (0xx21) 2205-2240 - e-mail: sbo@sboportal.org.br - www.sboportal.org.br Associação Brasileira de Banco de Olhos e Transplante de Córnea Presidente: Dr. Paulo André Polisuk Associação Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dra. Maria Regina Vieira A. Marques Associação Pan-Americana de Banco de Olhos Presidente: Dr. Elcio Hideo Sato Associação Paranaense de Oftalmologia Presidente: Dra. Tania Mara Schaefer Associação Sul Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dra. Lizabel Barbosa Gemperli Associação Sul-Mineira de Oftalmologia Presidente: Dr. Roberto Pinheiro Reis Sociedade Alagoana de Oftalmologia Presidente: Dr. Everaldo Lemos Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia Presidente: Dra. Edna Emilia G. da M. Almodin Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intra-oculares Presidente: Dr. Homero Gusmão Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular Presidente: Dra. Ana Estela Besteti P. P. Sant’Anna Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa Presidente: Dr. Carlos Heler Diniz Sociedade Brasileira de Ecografia em Oftalmologia Presidente: Dr. Celso Klejnberg Sociedade de Oftalmologia do Amazonas Presidente: Dr. Manuel Neuzimar Pinheiro Junior Sociedade Capixaba de Oftalmologia Presidente: Dr. José Geraldo Viana Moraes Sociedade Catarinense de Oftalmologia Presidente: Dr. Otávio Nesi Sociedade Goiana de Oftalmologia Presidente: Dr. Solimar Moisés de Souza Sociedade Maranhense de Oftalmologia Presidente: Dr. Mauro César Viana de Oliveira Sociedade de Oftalmologia da Bahia Presidente: Dra. Fabiola Mansur de Carvalho Sociedade de Oftalmologia do Ceará Presidente: Dr. Aristófanes Canamary Ribeiro Sociedade de Oftalmologia do Nordeste Mineiro Presidente: Dr. Mauro César Gobira Guimarães Sociedade de Oftalmologia de Pernambuco Presidente: Dr. Theophilo Freitas Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Norte Presidente: Dr. Israel Monte Nunes Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul Presidente: Dr. Afonso Reichel Pereira Sociedade Paraibana de Oftalmologia Presidente: Dra. Débora Pires Sociedade Paraense de Oftalmologia Presidente: Dr. Oscar Pereira Júnior Sociedade Sergipana de Oftalmologia Presidente: Dr. Joel Carvalhal Borges Revista Brasileira de Oftalmologia, ISSN 0034-7280, é uma publicação bimestral da Sociedade Brasileira de Oftalmologia SOCIEDADES FILIADAS A SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Diretoria da SBO - 2005-2006 Presidente Yoshifumi Yamane Vice-presidente Luis Carlos Pereira Portes Vice-presidentes regionais Edna Almodin Marcos Ávila Roberto Lorens Marback Sebastião Cronemberger Secretário Geral Otávio Moura Brasil 1º Secretário Aderbal de Albuquerque Alves Jr. 2º Secretário Eduardo França Damasceno Tesoureiro Eduardo Takeshi Yamane Diretor de Cursos Armando Stefano Crema Diretor de Publicações Raul N. G. Vianna Diretor de Biblioteca Gilberto Passos Conselho Consultivo Adalmir Morterá Dantas Carlos Fernando Ferreira Flavio Rezende Dias Morizot Leite Filho Oswaldo Moura Brasil do Amaral Filho Paulo César da Silva Fontes Conselho Fiscal Celso Kljenberg Luis Alberto Molina Tânia Mara da Cunha Schaefer Suplentes Antonio Luiz Zangalli Isabel Félix Lizabel Gemperli Revista Brasileira de Oftalmologia ISSN 0034-7280 67 Sumário - Contents Publicação bimestral Rev Bras Oftalmol, v. 64, n.2, p. 65-134, Mar/Abr. 2005 Oftalmologia Revista Brasileira de PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Fundada em 01 de junho de 1942 CODEN: RBOFA9 Indexada na LILACS Disponível eletronicamente no site: www.sboportal.org.br ISSN 0034-7280 Editorial 69 Anatomia patológica ocular e o ensino da oftalmologia Roberto Lorens Marback Artigos Originais 71 Lesões epiteliais malignas da conjuntiva e recidiva tumoral - estudo retrospectivo Malign epithelial conjunctival lesions and tumor recidive - a retrospective study Silvana Artioli Schellini, Olívia Matai, Claudia Shiratori, Mariângela Esther Alencar Marques, Batista de Oliveira Junior e Carlos Roberto Padovani 77 Perfil do setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro Profile of the Contact Lens service from the Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Eduardo Cukierman, Telêmaco Boldrim 83 Técnica de piggyback na cirurgia da catarata em olhos alto-hipermétropes Phacoemulsification with piggyback intraocular lens implantation for correction of cataract associated with high hyperopia João Alberto Holanda de Freitas, Marta Maria Lavor Holanda de Freitas, Ana Cristina Lavor Holanda de Freitas, Paulo de Tarso da Silva Alvim e Elias Donato 87 Resultados iniciais com a técnica de facoemulsificação por múltipla divisão circunferencial Initial results with the technique of multiple circunferential division phacoemulsification Eduardo Ferrari Marback 92 Principais achados ultra-sonográficos em pacientes com glaucoma pediátrico Main ultrasonographic findings in patients with pediatric glaucoma Liliana Maria Alves Bastos Cruz, Rogério Silva do Sacramento, Fabíola Balfort Matos, Adriana Maria Rodrigues e Maíra Morales 68 97 Comparação da eficácia do Bimatoprost 0,03% e Travoprost 0,004% em pacientes com hipertensão ocular ou glaucoma primário de ângulo aberto Comparison of the efficacy between Bimatoprost 0,03% and Travoprost 0,04% in patientswith ocular hypertension or primary open angle glaucoma Viviane Guedes, Giovanni Colombini, Helena Messinger Pakter, Luciana Sá de Albuquerque, Raquel Soriano Valente, Ricardo Vieira Alves, Rodrigo Brazuna, Roberto dos Santos Mitraud e Rogério Neurauter 103 Estudo do fluxo sangüíneo ocular em hipertensos oculares utilizando o teste de sobrecarga hídrica Study of the ocular blood flow in ocular hypertensives using the water test Breno Barreto Ribeiro, Carlos Rubens de Figueiredo, Emílio Rintaro Suzuki, Wagner Batista Duarte e Paulo Galvão Neto 109 Avaliação do efeito da levodopa versus acetilcisteína sobre o tamanho do globo ocular e da retina de ratos em crescimento Evaluation of the levodopa effect versus that of the acetylcysteine on the size of the eyeball and the retina of growing rats Sílvio de Biase Siqueira Campos, Rubem Carlos Araújo Guedes, Belmira Lara da Silveira Andrade da Costa, Rita de Cássia Ramos de Lima, Manuella Batista de Oliveira e Natália Xavier Guimarães Relato de caso 113 Carcinoma mucoepidermóide da córnea: relato de um caso Corneal mucoepidermoid carcinoma: a case report Patricia Maria Fernandes Marback, Eduardo Ferrari Marback, Cristine de Oliveira Libório e Roberto Lorens Marback 117 Cisto retroiriano gigante pós-facectomia extracapsular – relato de caso Giant iris cyst after extracapsular cataract extraction - case report Rodrigo Angelucci, João Santiago, Vicente Vitiello Neto, Jefferson Barreiro, Frederico Marques e José Ricardo Rehder 121 Tortuosidade vascular retiniana congênita – relato de casos Congenital retinal vascular tortuosity - case report Roberta Silveira dos Santos Laste, Cláudia Tyllmann, Ricardo Ribeiro Amin e Manuel Augusto Pereira Vilela 125 Achados oftalmológicos em um paciente com Síndrome de Weil Ophthalmologic findings in a patient with Weil’s Syndrome Oswaldo Ferreira Moura Brasil , Maria Vitória Fernandes de Oliveira, Remo Turchetti Moraes, Ricardo Miguel Japiassu e Haroldo Vieira de Moraes Júnior Artigo de revisão 128 Obstrução nasolacrimal congênita – diagnóstico e tratamento Silvana Artioli Schellini Instruções aos autores 133 Normas para publicação de artigos na RBO 69 N ada melhor para compreender a etiopatogenia de uma doença e conseqüentemente os recursos terapêuticos a serem adotados para o seu tratamento, do que conhecer as altera- ções tissulares causadas por tal doença. Este é justamente o papel da Anatomia Patológica. Em Anatomia Patológica Ocular, Fuchs, Parsons,Verhoeff e Reese foram alguns dos que abri- ram as primeiras trilhas. No entanto, a Anatomia Patológica Ocular passou a firmar-se como verda- deira subespecialidade a partir da metade do século XX, como resultado da genialidade e do gigan- tesco trabalho de dois patologistas, Lorenz Zimmerman, nos Estados Unidos da América do Norte e Norman Ashton, na Inglaterra(1). A partir dessa época, foram inúmeras as contribuições da Anato- mia Patológica Ocular para o entendimento de várias doenças do aparelho visual e dos seus trata- mentos. Dentre tais nosologias, podemos mencionar, apenas como exemplos, a toxocaríase ocular, toxoplasmose ocular, glaucomas facolítico, por pseudo-exfoliação capsular e neovascular, descolamentos da retina, retinopatia diabética e tumores oculares, bem como de anexos(2). Sem dúvida, coube à Lorenz Zimmerman desempenhar o papel principal no desenvolvimen- to da Anatomia Patológica Ocular. Através de suas gigantescas qualidades científicas e pessoais, inclusive da simplicidade e educação, conseguir tornar o “Department of Ophthalmic Pathology”, Armed Forces Institute of Pathology, centro de difusão de conhecimentos e de treinamento de no- vos especialistas em Anatomia Patológica Ocular, que se espalharam por todos os continentes. Na atualidade, acredita-se que todos os que se dedicam à Anatomia Patológica Ocular tenham sido direta ou indiretamente alunos do Professor Zimmerman, tão imensa tem sido na atividade didáti- ca, sua produção cientifíca expressa em artigos científicos e livros e tão grande o número dos seus ex-alunos em todo o mundo a difundir e multiplicar conhecimentos(3). Pessoalmente, tive a imensa sorte e honra de ter sido seu aluno direto e indireto, através de um dos seus mais famosos discípulos, William Richard Green, no “Wilmer Institute da Johns Hophins University”. A Anatomia Patológica Ocular é mundialmente creditada como um dos principais alicerces na formação de oftalmologistas de qualidade. Lastimavelmente, no Brasil, contamos com muito poucos cursos de especialização que dispõem de serviços de Anatomia Patológica Ocular. A partir de 1973, no 17º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, um pequeno grupo de interessados conseguiu incluir um curso de Anatomia Patológica Ocular nos programas dos Congressos do Conselho Brasi- leiro de Oftalmologia. Recentemente, tais cursos foram descontinuados pela falta de interesse dos congressistas, refletida na baixíssima freqüência aos mesmos. Enquanto isto, estão sempre superlotados cursos de cirurgias de catarata, cirurgias refrativas, lentes de contato, glaucoma, doenças externas e outros. Creio que a única explicação é a do retorno financeiro. As Escolas Médicas do Brasil, sem autonomia financeira e sempre dependentes de minguados recursos financeiros governamentais, ficam impossibilitadas de investir em áreas nas quais o retorno é meramente científico. Por outro lado, qual o profissional que irá investir uma vida de estudos em atividade que não permitirá a sua subsistência? Em nosso país é fato comum o não envio de peças cirúrgicas oftalmológicas para estudo histopatológico. Ademais, a não inclusão de globos oculares de autópsias para estudo histopatológico, com absoluta certeza, nos tem impossibilitado o melhor conhe- cimento das manifestações oculares de doenças com maior prevalência em nosso país(4) . Acredito que a Anatomia Patológica Ocular é função do patologista e deva ser exercida pelo EDITORIAL Anatomia patológica ocular e o ensino da oftalmologia Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 69-70 70 mesmo por direito e conhecimento técnico, como o fazem Zimmerman e Font dentre muitos. Exis- tem alguns exemplos de entusiasmo que levou alguns profissionais à obtenção de especialização em Oftalmologia e Anatomia Patológica, mas são relativamente poucos. Os detalhes da Oftalmologia só poderão ser compreendidos por patologistas caso sejam in- centivados a conhecê-los, em harmonia com oftalmologistas. Diante das perspectivas futuras que farão crescer o nosso conhecimento sobre a natureza e tratamento das doenças do aparelho visual estão a Imunologia, Imunohistoquímica, Microscopia Ele- trônica, Biologia Molecular e Genética. Conclui-se, pois, que patologistas, oftalmologistas e outros especialistas não devem se isolar. A Medicina é única e não se divide. Só a união de conhecimentos poderá trazer progressos científicos, tendo como base as alterações tissulares causadas por doenças. Como sugestão, os chefes de serviços de Oftalmologia e todos os professores de Oftalmologia devem incentivar os patologistas interessados, sobretudo Residentes de Patologia, ao aprofundamento no conhecimento das doenças do aparelho visual. Tal incentivo, deverá também vir através do envio de peças cirúrgicas a tais profissionais interessados para que os mesmos possam ter retorno cientí- fico e financeiro. Temos assim procedido há muitos anos com resultados positivos, suponho. Talvez, atitudes como estas, e a melhor dotação financeira das nossas Universidades possam fazer crescer a Anatomia Patológica Ocular no Brasil, trazendo grandes benefícios para o ensino da Oftalmologia. Roberto Lorens Marback Professor Titular de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Bahia - UFBA REFERÊNCIAS 1. Spencer WH. Ophthalmic pathology at the crossroads. Arch Ophthalmol. 2001;119(8): 1204-5. 2. Zimmerman LC. The contribution of pathology to clinical ophthalmology. Am J Ophthalmol. 1964;58: 626-36. 3. Blodi FC. Lorenz E. Zimmerman. Am J Ophthalmol. 1990; 110(5): 463. 4. Zimmerman LE. Postmortem ophthalmic pathology. Am J Ophthalmol. 1984; 97(3): 384-5. Anatomia patológica ocular e o ensino da oftalmologia Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 69-70 71 RESUMO Objetivo: avaliar as características dos portadores de lesões epiteliais malignas da conjuntiva em nosso meio, assim como a taxa de recidiva tumoral, após exérese e radioterapia.Métodos: Estudo retrospectivo, avaliando-se 52 pacientes, operados entre 1989 a 2003. Foram analisados: idade, sexo, tempo de aparecimento da lesão, classifica- ção histológica e presença de recidiva. O tratamento empregado foi a exérese, associ- ada com a radioterapia quando a ressecção foi incompleta. Resultados: A maioria dos pacientes era do sexo masculino, com mediana de 61 anos de idade, brancos. Quanto ao tipo de tumor, 86,5% eram carcinoma espinocelular da conjuntiva (CEC) e 13,5%, carcinoma in situ. Houve 11,5% de recidiva da lesão, surgida entre 1 a 60 meses após a exérese.Conclusão: As lesões epiteliais malignas da conjuntiva ocorreram mais em homens, idosos, de pele branca, sendo o CEC responsável por 86,5% das lesões. A taxa de recidiva após exérese e radioterapia nos casos em que a exérese foi incompleta foi de 11,5%. Descritores: Neoplasias da conjuntiva/terapia; Carcinoma/terapia; Carcinoma/radio- terapia; Carcinoma de células escamosas; Carcinoma in situ; Recidiva; Estudos retros- pectivos. Lesões epiteliais malignas da conjuntiva e recidiva tumoral - estudo retrospectivo Malign epithelial conjunctival lesions and tumor recidive - a retrospective study Silvana Artioli Schellini1, Olívia Matai2, Claudia Shiratori3, Mariângela Esther Alencar Marques4, Batista de Oliveira Junior5, Carlos Roberto Padovani6 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 1 Livre-docente do Departamento de OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. 2 Residente de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. 3 Pós-graduanda da Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista “Julio Mesquita Filho” - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. 4 Professor Assistente do Departamento de Patologia- Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. 5 Professor Assistente do Departamento de Dermatologia e Radioterapia - Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. 6 Professor Titular do Instituto de Biociências - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Botucatu (SP) - Brasil. Recebido para publicação em 20/10/2004. Aceito para publicação em 31/05/2005 72 INTRODUÇÃO O carcinoma espinocelular da conjuntiva (CEC) é uma lesão epitelial maligna da conjuntiva, cuja incidência varia de 1,7 a 2,8/100.000 ha- bitantes por ano, dependendo da região estudada, sendo considerada a neoplasia mais comum da conjuntiva, tanto nos Estados Unidos, (1) como também no nosso meio. (2-5) No Brasil, não existem dados precisos sobre a ocor- rência deste tumor. Alguns estudos revelam que a fre- qüência de tumores malignos conjuntivais está entre 2,6 a 3,0 casos por ano, sendo a proporção de CEC de 44,7 a 61,8%. (2-3) A variação de freqüência de ocorrência pode es- tar condicionada a uma associação de fatores, como: pre- disposição genética, exposição solar, condições ambientais e estado imunológico do indivíduo. (1,6) É pos- sível que o Papilomavirus humano (HPV) tipos 16 e 18 estejam relacionados dentre os fatores predisponentes ao desenvolvimento deste tumor. (6-10) A exposição da conjuntiva ao ambiente externo e aos fatores agressores é que proporcionam a possibili- dade de desenvolvimento destas lesões(5), uma vez que a radiação ultravioleta (UV) (290-320 nm) desempenha papel de relevância na gênese do CEC, sendo apontada como um dos principais fatores etiológicos.(11) A prova disso é a redução da incidência de CEC ocular de 49,0% para cada aumento de 10 graus de lati- tude, como constatado ao se comparar Uganda, com lati- tude de 0,3 e incidência de 12 casos/milhão/ano para menos de 0,2 casos/milhão/ano no Reino Unido (latitu- de > 50). (11) Assim, a radiação solar diminui com o au- mento da latitude, e a incidência de CEC na conjuntiva diminui 29,0% por unidade de redução da exposição UV.(11) O CEC caracteristicamente invade muito mais a superfície do que a profundidade(11), considerando-se do ponto de vista histológico o carcinoma “invasor” e a neoplasia intra-epitelial (NIC), também chamada de carcinoma in situ. Por este motivo, é importante a ressecção ampla da lesão, associada à avaliação histológica das margens. A taxa de recidiva é variável e dependente da técnica cirúrgica, das condições das margens cirúrgicas e do uso de terapias adjuvantes. A ressecção simples parece estar relacionada com uma taxa de 24 até 50 % de recidiva. (1) Vários métodos têm sido empregados para o tra- tamento adjuvante, como o uso da crioterapia, radiote- rapia, imunoterapia, uso de antimitóticos. A avaliação da eficácia das opções terapêuticas adjuvantes é difícil de ser feita, uma vez que as condutas são muito hetero- gêneas. O objetivo deste estudo foi analisar as caracterís- ticas dos portadores de CEC da conjuntiva, assim como a taxa de recidiva pós-tratamento, em nosso meio. MÉTODOS Foram analisados retrospectivamente 52 porta- dores de lesão epitelial maligna da conjuntiva, submeti- dos a exérese da lesão na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP, no período de 1989 a 2003. Todos os casos tiveram a comprovação do diagnóstico por exame histológico. O tratamento empregado foi a exérese da lesão, seguida da aplicação de radioterapia usando Strôncio (Sr90), na dose de 6000 rads, fracionados em 20 sessões de 300 rads, para os pacientes em que houve acometimento das margens de ressecção cirúrgica. Foram analisados os dados como sexo, idade, cor da pele, tempo de aparecimento da lesão, tipo de lesão (invasor ou in situ), presença de recidiva e as caracterís- ticas dos portadores de recidiva da lesão. Os dados obtidos foram avaliados segundo a Fre- qüência de Ocorrência para uma amostra. RESULTADOS A tabela 1 apresenta as características dos porta- dores de lesões epiteliais malignas da conjuntiva, assim como a evolução com o tratamento instituído. Dentre os 52 portadores estudados, 69,2% eram do sexo masculino, com idade variando de 28 a 88 anos (mediana de 61 anos), sendo a maioria (71,7%) de cor branca. A lesão havia sido percebida há 1 mês em 17,3%, entre 2 a 6 meses em 23,0% e há mais de 2 anos em 17,1%. A análise histológica revelou 86,5% de CEC e 13,5% de carcinoma in situ. As margens de ressecção cirúrgica estavam li- vres de tumor em 19,2% dos pacientes. Havia compro- metimento da margem de ressecção cirúrgica em 19,2%. Entretanto, na grande maioria dos espécimes o material estava impróprio para estudo das margens cirúrgicas. Em 34,6% dos pacientes não se utilizou terapia adjuvante. A radioterapia foi indicada nos pacientes que apresentavam suspeita clínica de ressecção incompleta ou constatada no exame histológico, tendo sido realiza- da em 26,9% dos pacientes. Houve necessidade de Schellini SA, Matai O, Shiratori C, Marques MEA, Junior BO, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 73 Tabela 1 Distribuição dos portadores de CEC conjuntival de acordo com características do portador, tempo de existência da lesão, avaliação histológica, uso de terapia adjuvante e ocorrência de recidiva tumoral. UNESP, 2005 SEXO COR IDADE TEMPO LESÃO MARGENS TERAPIA RECIDIVAADJUVANTE M B 63 10 CEC radioterapia sim F B 63 4 CEC comprometida radioterapia não M 57 60 CEC duvidosa F B 63 3 CEC nenhum não F 72 CEC abandono F B 73 CEC livres M B 70 CEC nenhum não M 81 24 CEC nenhum não M B 64 1 CEC comprometida radioterapia não M NB 28 2 CEC abandono F B 48 6 CEC duvidosa radioterapia sim M B 85 1 CEC nenhum não F B 42 3 CEC livres nenhum não M 60 24 CEC nenhum não F B 32 2 CEC abandono F B 32 1 CEC s/ prontuário M B 79 CEC comprometida M B 59 125 CEC comprometida nenhum não F B 78 CEC abandono M B 81 24 CEC comprometida radioterapia exenteração M B 70 3 CEC livres nenhum abandono F NB 79 CEC abandono F 47 1 CEC nenhum não M B 60 60 CEC comprometida radioterapia enucleação M 59 CEC nenhum não M B 56 24 CEC comprometida radioterapia não M B 53 24 CEC livres nenhum não M B 30 1 CEC duvidosa radioterapia não M NB 1 CEC nenhum não M B 69 6 CEC abandono M B 77 1 CEC M B 28 1 CEC radioterapia não CEC CEC M B 66 CEC duvidosa não M B 60 8 CEC comprometida radioterapia sim F B 70 6 CEC livres nenhum não M B 56 8 CEC livres nenhum abandono M NB 46 CEC abandono M B 53 24 CEC comprometida radioterapia não M B 73 4 CEC comprometida indicado mas não feito sim M B 66 CEC livres abandono M B 58 1 CEC abandono M B 88 48 CEC abandono F NB 64 CEC duvidosa não M B 82 125 CA IN SITU livres nenhum sim F B 74 3 CA IN SITU radioterapia sim F B 62 CA IN SITU nenhum abandono M 73 6 CA IN SITU radioterapia não M B 43 CA IN SITU livres nenhum não F NB 36 18 CA IN SITU radioterapia não M B 52 CA IN SITU livres nenhum não M: Masculino; F: Feminino; B: Branco; NB: Não Branco; CEC: Carcinoma Espinocelular; Ca in situ: Carcinoma “in situ” Lesões epiteliais malignas da conjuntiva e recidiva tumoral - estudo retrospectivo Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 74 exenteração em 1 e enucleação também em 1 indivíduo. A tabela 2 apresenta as informações dos pacien- tes que desenvolveram recidiva tumoral.Assim, a reci- diva da lesão foi constatada em 6 pacientes (11,5%), sendo 4 do sexo masculino (66,7%) e 2 do feminino (33,3%).A idade dos pacientes com recidiva variou de 48 a 82 anos, com mediana de 66 anos. Todos eram da cor branca. Dentre as recidivas, 4 casos eram de CEC e 2 de Ca in situ. O período de aparecimento da recidiva va- riou de 1 a 60 meses da data de exérese da lesão (medi- ana de 18 meses). Um dos pacientes apresentou mais de uma recidiva (3 em intervalo de 22 meses). Havia sido observado comprometimento de margens cirúrgicas em 2 pacientes, um caso de margens duvidosas e, outro, de margens livres. A radioterapia foi indicada em 5 pacien- tes, porém um deles não a realizou. Apesar de 25,0% dos pacientes terem abandona- do o acompanhamento, observou-se que a taxa de reci- diva tumoral foi de 11,5%, após o tratamento realizado (exérese e radioterapia quando a exérese foi incomple- ta), em período de observação que variou de 1 a 14 anos. DISCUSSÃO Neste estudo foi observado CEC conjuntival mais comumente em indivíduos com idade mais avançada (mediana de 61 anos), sendo a maioria do sexo masculi- no (69,2%). Este resultado é semelhante a outro, onde foram avaliados 60 lesões conjuntivais, incluindo 22 ca- sos de NIC e 38 de CEC, observando-se mediana de ida- de de 64 anos, 70,0% deles ocorrendo em homens.(1) O tempo de existência da lesão foi, na maioria dos casos, de até 6 meses (40,3%), sendo que alguns referiam a lesão há mais de 2 anos. Apesar da lesão ser bastante aparente e desencadear sintomas, prin- cipalmente de sensação de corpo estranho e olho ver- melho, muitos pacientes procuram o tratamento tar- diamente, o que prejudica o prognóstico. Dentre as lesões epiteliais da conjuntiva, o CEC representa 20%(2) a 50%(12) das lesões. Porém, na amostra estudada a maioria dos casos encontrados (86,5%) foi de CEC. Apesar de serem lesões que podem ser confundidas do ponto de vista clínico, o CEC é considerado uma lesão mais avançada que o carcinoma in situ, sendo também de- nominado de carcinoma “invasivo”. Esta característica é observada histologicamente, quando o CEC apresenta in- filtração de células neoplásicas além da membrana basal, invadindo a substância própria e o carcinoma in situ não ultrapassa a membrana de Bowman, que funciona como uma barreira à invasão tumoral, permanecendo as células atípicas restritas ao epitélio. (1)Apesar disso, o carcinoma in situ pode evoluir para CEC e poderá também recidivar, como observado neste estudo em dois pacientes, o que nos leva a considerá-lo uma lesão tão importante quanto o CEC. A enucleação seria indicada para os casos de in- vasão intra-ocular e a exenteração, para os pacientes com envolvimento orbital. O envolvimento escleral pode ocorrer em 37,0% dos casos, o intra-ocular em 13,0% e 11,0% podem ter invasão orbitária. No presen- te estudo, houve necessidade de enucleação em 1 caso e de exenteração também em apenas 1. As taxas de recidiva que podem chegar até a 50,0% nos casos de ressecção simples, estão relaciona- das com a dificuldade de precisar os limites da lesão com o epitélio normal durante o ato cirúrgico.(7) Por isso, deve-se sempre ressecar a lesão com boa margem de segurança. É muito importante evitar a manipulação direta do tumor durante a cirurgia para prevenir a semeadura de células tumorais para uma nova área.(13) Neste sentido, a conduta do nosso Serviço tem sido inicialmente contornar externamente a lesão com margem de segurança, seccionando-se os vasos nutridores do tumor e depois par- tir para a remoção da lesão propriamente dita. Tabela 2 Distribuição dos portadores de recidiva de lesão epitelial maligna de conjuntiva de acordo com o sexo, cor da pele, tipo de lesão, avaliação histológica das margens de ressecção e uso de terapia adjuvante SEXO COR TIPO LESÃO TEMPO MARGENS TERAPIA APARECIMENTO ADJUVANTE M B CEC 8 meses comprometidas Indicada e não realizada M B CEC 11 meses comprometidas radioterapia F B CEC 34 meses duvidosas radioterapia M B CEC 10 meses duvidosas radioterapia M B CA IN SITU 60 meses livres não indicada F B CA IN SITU 11- 1- 8 meses duvidosas radioterapia Schellini SA, Matai O, Shiratori C, Marques MEA, Junior BO, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 75 Histologicamente, neste estudo, houve 19,2% de espécimes mostrando margens livres e outros 19,2%, com margens comprometidas. Nos restantes, a avaliação das margens foi duvidosa. Este grande nú- mero de lesões que não puderam ser avaliadas nos levou a rever a forma de encaminhamento dos espé- cimes para exame. A maneira correta de preparar a peça para a fixação após a remoção, é colocando-a sobre papel de filtro ou do próprio papel do invólucro do fio cirúrgico, com a superfície epitelial voltada para cima e com o espécime estendido, mergulhando-a, em seguida, no frasco contendo fixador. Esta conduta pos- sibilita melhora na obtenção de dados sobre as mar- gens de ressecção operatória. Ainda com relação a margem de ressecção, no presente estudo houve indivíduo com margens livres e com recidiva tumoral, fato que já havia sido relatado por outros.(13) Portanto, margem livre não significa certe- za de cura. Além das recidivas acontecerem por ressecção incompleta, outras causas seriam a semeadu- ra de células tumorais, havendo também a possibilidade da lesão surgir “de novo”.(5) Outras hipóteses seriam a possibilidade de recidiva em decorrência de agressividade do tumor ou predisposição individual do portador. A análise das margens cirúrgicas e o uso de tera- pia adjuvante podem proporcionar melhor controle do tumor. É conduta do nosso Serviço realizar a radiotera- pia como tratamento adjuvante para os portadores de CEC ou NIC nos quais existe margem cirúrgica acome- tida. Com esta conduta, a taxa de recidiva foi de 11,5%, não havendo nenhum paciente evoluído para metástase ou óbito. A radioterapia utilizada nos pacientes deste estu- do foi feita utilizando-se a Betaterapia com o Strôncio 90. O Strôncio90 utilizado para tratamento adjuvante do CEC conjuntival apresentou resultados satisfatórios(14), além de provocar poucas complicações, como úlcera de esclera e catarata. (15) Entretanto, existe a chance de perfuração corneana após a aplicação de Strôncio 90. (16) A Betaterapia não é mais utilizada em nosso Ser- viço em decorrência da imprecisão que ocorre quanto ao local a ser irradiado, além de proporcionar maior área exposta aos efeitos da radiação. Atualmente, utiliza-se aqui a irradiação com feixe de elétrons, método que leva a menor exposição e maior precisão na administração, inclusive sendo possível irradiar até a profundidade de interesse, com dose homogênea. A crioterapia é outro tratamento adjuvante am- plamente difundido, estando relacionada a uma taxa de recidiva de 4,5% para lesões intra-epiteliais e 5,3% para o carcinoma invasivo. (1) Porém, taxa de recidiva de até 33,3% foi obtida usando-se este método. (12) Outros auto- res preconizam, além de ressecção ampla e crioterapia intra-operatória, a aplicação tópica de álcool, relatando 8 a 10% de recidiva. (13) Usando crioterapia pós-exérese tumoral, também pode-se associar a radioterapia com Rutênio, conside- rando-se o método efetivo e sem complicações, indicado para lesões recidivadas e em estágios precoces de displasia e carcinoma in situ. (17) Atualmente, outros recursos têm sido emprega- dos no tratamento adjuvante de tumores, como diatermia, laser e quimioterápicos tópicos. (5,18-20) A mitomicina C é um antimitótico considerado eficiente para a prevenção de recorrências nos casos de ressecção incompleta, não havendo recidiva em 4 casos acompanhados por 20 me- ses; contudo, possui efeitos colaterais como desconforto leve, hiperemia ocular, fotofobia, ceratite epitelial puntata em uso tópico na concentração de 0,02%.(18) A mitomicina C 0,04% poderia levar até a regressão do tumor em 1 a 4 meses, comprovado pela ausência de tumor à biópsia conjuntival e citologia, mantendo-se sem evidências clínicas de recidiva após 9 meses de acom- panhamento. (19) O uso do colírio de 5-FU 1% 4 vezes/dia/4 sema- nas pode levar a regressão clínica, com substituição por epitélio normal; porém, existe risco de recidiva da lesão e de ceratoconjuntivite tóxica. (20) A recidiva pode surgir muitos anos após a ressecção do tumor. Neste estudo, os indivíduos que tive- ram recidiva a apresentaram de 1 até 60 meses após a exérese. Por isso, o paciente deve permanecer em acom- panhamento, pelo menos anual, para sempre. Portanto, tendo em vista serem as lesões epiteliais malignas da conjuntiva muito freqüentes em nosso meio e por serem estas potencialmente graves, com possibili- dade de recidiva, a despeito da exérese e de tratamen- tos adjuvantes, criterioso seguimento dos portadores deve ser feito. CONCLUSÃO As lesões epiteliais malignas da conjuntiva ocor- reram mais em homens, idosos, de pele branca, sendo o CEC responsável por 86,5% das lesões. A taxa de recidi- va após exérese e radioterapia foi de 11,5%. SUMMARY Purpose: To evaluate the conjunctival epithelial malign lesions carriers and the recurrence rate using exeresis and radiotherapy. Methods: A retrospective study was Lesões epiteliais malignas da conjuntiva e recidiva tumoral - estudo retrospectivo Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 76 ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Silvana Artioli Schellini Depto OFT/ORL/CCP Faculdade de Medicina de Botucatu- São Paulo E-mail: sartioli@fmb.unesp.br conducted observing 52 conjunctival epithelial malign lesions carriers treated from 1989 by 2003. The subjects were assessed to evaluation according: age, gender, time of start, classification of the lesion and recurrence rate. The lesion were surgically removed and radiotherapy was indicated when the exeresis was incomplete. Results:The majority of the patients were male, with 61 year old median age, white. The conjunctival squamous carcino- ma was presented in 86,5% of the patients. The recidive rate was 11,5%, happened between 1 to 60 month post- operative. Conclusion: according our results the conjunctival epithelial malign lesions were more often observed in older, males and whites. The majority of the patient had conjunctival squamous carcinoma (86,5%). The recidive rate after exeresis and radiotherapy in patients with incomplete exéresis was 11,5%. Keywords: Conjunctival neoplasms/therapy; Car- cinoma/therapy; Carcinoma/radiotherapy; Carcinoma, squamous cell; Carcinoma in situ; Recurrence; Retrospective studies REFERÊNCIAS 1. Tunc M, Char DH, Crawford B, Miller T. Intraepithelial and invasive squamous cell carcinoma of the conjunctiva: analysis of 60 cases. Br J Ophthalmol. 1999; 83(1):98-103. 2. Bessa HJF, Potting MHR, Bomfim MG. Neoplasias conjuntivais. Rev Bras Oftalmol. 1997; 56(10):765-7. 3. Burnier Junior MNN, Belfort Junior R, Rigueiro MP, Montezzo LC, Chiferi Junior V. Neoplasias malignas da conjuntiva. Arq Inst Penido Burnier. 1988; 30(2):80-3. 4 . Schellini SA, Kawakami LT, Silva MRBM, Marques MEA. Carcinoma epidermóide conjuntival em pacientes jovens. Arq Bras Oftalmol. 1991; 54 (3):115-8. 5 . Shiratori CA, Rodrigues LD, Schellini SA, Marques MEA, Padovani CR. Tumores conjuntivais malignos – ocorrência na região de Botucatu. Rev Bras Oftalmol. 2001; 60(1):71-6. 6 . Palazzi MA, Erwenne CM, Villa LL. Detection of human papillomavirus in epithelial lesions of the conjunctiva. São Paulo Med J. 2000; 118(5): 125-30. 7 . Cha SB, Shields JA, Eagle Junior R, Wang M, Scarpi MJ. Detecção do DNA dos papilomavirus tipos 16 e 18 em lesões epiteliais adquiridas da conjuntiva. Arq Bras Oftalmol. 1997; 60(2): 123-8, 130, 132, passim. 8 . Nakamura Y, Mashima Y, Kameyama K, Mukai M, Oguchi Y. Detection of human papillomavirus infection in squamous tumours of the conjunctiva and lacrimal sac by immunohistochemistry, in situ hybridisation, and polymerase chain reaction. Br J Ophthalmol. 1997; 81(4):308-13. 9 . Odrich MG, Jakobiec FA, Lancaster WD, Kenyon KR, Kelly LD, Kornmehl EW, et al. A spectrum of bilateral squamous conjunctival tumors associated with human papillomavirus type 16. Ophthalmology. 1991; 98(5):628-35. 10. Toth J, Karcioglu ZA, Moshfeghi AA, Issa TM, Al-Ma’ani JR, Patel KV. The relationship between human papillomavirus and p53 gene in conjunctival squamous cell carcinoma. Cornea. 2000; 19(2):159-62. 11. Newton R, Ferlay J, Reeves G, Beral V, Parkin DM. Effect of ambient solar ultraviolet radiation on incidence of squamous- cell carcinoma of the eye. Lancet. 1996; 347(9013):1450-1. 12. Kato ET, Macruz E, Morais L, Sabrosa NA, Holzchuh N, Alves MR, José NK. Tumores conjuntivais: ocorrência na clínica oftalmológica da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP. Rev Bras Oftalmol. 1996;55(12):921-5. 13. Shields JA, Shields CL, De Potter P. Surgical management of conjunctival tumors. The 1994 Lynn B. McMahan lecture. Arch Ophthalmol. 1997; 115(6):808-15. Review. 14. Cerezo L, Otero J, Aragon G, Polo E, de la Torre A, Valcarcel F, Magallon R. Conjunctival intraepithelial and invasive squamous cell carcinomas treated with strontium-90. Radiother Oncol. 1990; 17(3): 191-7. 15. Kearsley JH, Fitchew RS, Taylor RG. Adjunctive radiotherapy with strontium-90 in the treatment of conjunctival squamous cell carcinoma. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1988; 14(3): 435-43. 16. Philipp W, Daxecker F, Langmayr J, Gottinger W. [Spontaneous corneal rupture after strontium irradiation of a conjunctival squamous cell carcinoma]. Ophthalmologica. 1987; 195(3): 113-8. German. 17. Haberle H, Pham DT, Scholman HJ, Wollensak J. [Ruthenium 105 applicator for radiation treatment of carcinoma in situ of the cornea and conjunctiva]. Ophthalmologe. 1995; 92(6):866- 9. German. 18. Akpek EK, Ertoy D, Kalayci D, Hasiripi H. Postoperative topical mitomycin C in conjunctival squamous cell neoplasia. Cornea. 1999;18(1):59-62. 19. Heigle TJ, Stulting RD, Palay DA. Treatment of recurrent conjunctival epithelial neoplasia with topical mitmomycin C. Am J Ophthalmol. 1997; 124(3):397-9. 20. Midena E, Angeli CD, Valenti M, de Belvis V, Boccato P. Treatment of conjunctival squamous cell carcinoma with topical 5-fluorouracil. Br J Ophthalmol. 2000; 84(3):268-72. Schellini SA, Matai O, Shiratori C, Marques MEA, Junior BO, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 71-76 77 RESUMO Objetivo: Descrever as estatísticas do Setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Serviço de Olhos do Professor Paiva Gonçalves Filho). Métodos: Estudo retrospectivo de 355 casos no período de setembro de 2000 a agosto de 2003. Resultados: A maior parte dos casos foi do sexo feminino (62,82%) e a indica- ção mais freqüente foi estética (48,45%), o que também pôde ser observado nas faixas etárias de 20-39 anos e 40-64 anos. Nas outras faixas etárias, a indicação mais freqüente foi médica (46,48%), sendo as causas mais comuns por anisometropia (24,51%) e ceratocone (19,72%). Entre os casos de ceratocone, 94,29% foram adaptados com len- tes rígidas monocurvas esféricas, e 5,71% com lentes rígidas bicurvas. Entre os pacien- tes présbitas, 30,47% foram adaptados com recurso de monovisão simples, e o restante com a prescrição de óculos para perto sobre as lentes de contato. Do total de casos adaptados, 64,51% foram com lentes rígidas (a maior parte esférica de baixo DK) e 35,49% com lentes gelatinosas (a maior parte convencional esférica de uso diário). Conclusões: Embora a indicação estética tenha sido a mais freqüente, uma fração signi- ficativa dos candidatos teve indicado o uso das lentes de contato por razões médicas, provavelmente por se tratar de um serviço de referência.As lentes rígidas mostraram- se com papel de destaque nas adaptações, e entre as lentes gelatinosas houve preferên- cia pelas convencionais de uso diário. Descritores: Lentes de contato/estatística & dados numéricos; Adaptação; Estudos re- trospectivos Perfil do Setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro Profile of the Contact Lens service from the Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Eduardo Cukierman1, Telêmaco Boldrim2 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 1 Chefe do Setor de Lentes de Contato do Instituto Benjamin Constant. Médico da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. Professor Auxiliar do Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação. Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. 2 Chefe do Setor de Lente de Contato do Serviço de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. Mestre e Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. Professor Assistente da Faculdade de Medicina Souza Marques. Rio de Janeiro (RJ) - Brasil. Recebido para publicação em 16/04/2004. Aceito para publicação em 03/05/2005. 78 INTRODUÇÃO Apesar do crescente avanço tecnológico das ci- rurgias refrativas, o número de usuários de len- tes de contato vem aumentando com o desen- volvimento de novos materiais e desenhos que as tor- nam mais seguras, confortáveis e favoráveis à correção da maioria dos erros refrativos. Nos Estados Unidos e no Brasil, aproximadamente 50% dos adultos necessitam de correção óptica, sendo que nos Estados Unidos 22% usam lentes de contato e no Brasil apenas 6%. Essa des- proporção evidencia que, para permitir o maior acesso da população brasileira às lentes de contato, deve-se su- perar uma série de obstáculos (1). O presente estudo tem como objetivos descrever as estatísticas do Setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (Serviço de Olhos do Professor Paiva Gonçalves Filho). MÉTODOS Foram estudados retrospectivamente, 355 casos de adaptações de lentes de contato em pacientes enca- minhados ao Setor de Lentes de Contato do Serviço de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro no período de setembro de 2000 a agosto de 2003. Todos os pacientes já haviam sido submetidos à consulta oftalmológica completa por outros colegas e foram encaminhados apenas para a adaptação de lentes de contato, já com os dados de refração e ceratometria. Os casos eram avaliados por um dos autores, que atua- vam como supervisores, com a colaboração de residen- tes e oftalmologistas voluntários. Foram utilizados os seguintes critérios para a clas- sificação dos erros refrativos: alta ametropia (hipermetropia a partir de +6,00 esf ou miopia a partir de –9,00 esf), astigmatismo a partir de –1,00 cil (sendo considerado alto astigmatismo a partir de –3,00 cil), e anisometropia quando a diferença entre as dioptrias es- féricas dos dois olhos era maior que 3,00 ou a diferença entre as dioptrias cilíndricas era maior que 2,00. Quanto às indicações, foram consideradas esté- ticas quando o objetivo era a correção de ametropias (quando as lentes de contato eram uma opção aos ócu- los), cosméticas quando o objetivo era modificar a cor da íris (com ou sem efeito refrativo), protética quando o objetivo era cobrir defeitos da superfície ocular (sem finalidade óptica), médicas ópticas para os casos de anisometropia e/ou astigmatismo irregular (quando não se obtinha acuidade visual satisfatória com o uso de ócu- los), e médicas terapêuticas, nos casos do uso de lentes hidrofílicas de bandagem. O estudo analisou os dados relativos a sexo, faixa etária, indicação e tipo de lente de contato adaptada. Os pacientes eram reavaliados na biomicroscopia de seg- mento anterior e ceratometria, e com base na refração já encaminhada, eram indicadas lentes rígidas ou hidrofílicas. Nos casos de lentes rígidas, os pacientes eram submetidos a teste com lentes de prova, permanecendo cerca de 30 minutos com as mesmas. Após redução do lacrimejamento, eram submetidos a estudo biomicroscópico, padrão fluoresceínico e sobre-refração. Nos casos de lentes gelatinosas, com base na refração e ceratometria, era encomendada a lente do paciente de acordo com a tabela fornecida pelo fabricante, que po- deria ser trocada em caso de necessidade. RESULTADOS Do total de casos analisados, 223 (62,82%) foram de pacientes do sexo feminino e 132 (37,18%) do sexo masculino. As faixas etárias foram arbitrariamente sub- divididas em 0-9 anos, 10-19 anos, 20-39 anos, 40-64 anos e acima de 64 anos. A faixa etária mais prevalente foi a de 20-39 anos, correspondendo a 185 casos (52,89%), e em seguida a de 40-64 anos com 92 casos (24,27%), 10- 19 anos com 64 casos (18,47%), acima de 64 anos com 13 casos (3,98%), e 0-9 anos com 01 caso (0,36%) (Grá- fico 1). Entre os pacientes com idade a partir de 40 anos (total de 105 casos), 32 (30,47%) foram adaptados como recurso da monovisão simples e o restante com a pres- crição de óculos para perto sobre as lentes de contato. Quanto à indicação, em 172 casos (48,45%) foi estética (incluindo 63 casos de altas ametropias), em 165 casos (46,48%) foi médica (160 ópticas e 05 terapêuti- cas), em 10 casos (2,82%) foi protética, e em 08 casos (2,25%) cosmética (Gráfico 2). Entre as indicações mé- dicas ópticas, em 87 casos foi por anisometropia (inclu- indo 15 casos de afacia monocular e 05 de astigmatismo irregular pós-trauma), em 70 casos por ceratocone (07 monoculares), em 01 caso pós-ceratoplastia penetrante, e em 02 casos pós-ceratotomia radial (Gráfico 3). Na faixa etária de 0 a 9 anos, a única adaptação ocorreu em uma criança do sexo masculino devido a anisometropia. Na faixa etária de 10 a 19 anos (64 casos), 38 casos (59,38%) foram de pacientes do sexo feminino e 26 casos (40,62%) do sexo masculino. Quanto à indica- ção, em 38 casos (59,38%) foi médica (20 anisometropias e 18 ceratocones), em 25 casos (39,06%) foi estética, e Cukierman E, Boldrim T Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 79 Gráfico 1 Distribuição por Faixa Etária Gráfico 2 Indicações Gráfico 3 Indicações Médicas Ópticas Gráfico 4 Adaptações de Lentes Rígidas e Gelatinosas Gráfico 5 Adaptações de Lentes Rígidas Gráfico 6 Adaptação de Lentes Gelatinosas Perfil do Setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 80 Cukierman E, Boldrim T em 1 caso (1,56%) foi cosmética. Na faixa etária de 20 a 39 anos (185 casos), 116 casos (62,70%) foram de pacientes do sexo feminino e 69 casos (37,30%) do sexo masculino. Quanto à indica- ção, em 100 casos (54,06%) foi estética, em 76 casos (41,08%) foi médica (44 ceratocones, 31 anisometropias e 1 pós-ceratotomia radial), em 05 casos (2,70%) foi protética e em 4 casos (2,16%) foi cosmética. Na faixa etária de 40 a 64 anos (92 casos), 62 casos (67,39%) foram de pacientes do sexo feminino e 30 casos (32,61%) do sexo masculino. Quanto à indica- ção, em 46 casos (50%) foi estética, em 39 casos (42,39%) foi médica (29 anisometropias, 08 ceratocones, 01 pós-ceratotomia radial e 01 terapêuti- ca), em 04 casos (4,35%) foi protética, e em 3 casos (3,26%) foi cosmética. Na faixa etária acima de 64 anos (13 casos), 07 casos (53,85%) foram de pacientes do sexo feminino e 06 casos (46,15%) do sexo masculino. Quanto à indica- ção, em 11 casos (84,62%) foi médica (06 afacias monoculares, 04 terapêuticas e 01 pós-ceratoplastia pe- netrante), em 01 caso (7,69%) foi estética (afacia bilate- ral), e em 01 caso (7,69%) foi protética. Do total de casos adaptados, 229 (64,51%) foram com lentes rígidas e 126 (35,49%) com lentes gelatino- sas (Gráfico 4). Entre os casos de lentes rígidas, 217 fo- ram adaptados com lentes esféricas de DK 17, 05 com lentes esféricas de DK 100, 04 com lentes bicurvas do tipo Soper (ceratocones avançados do tipo central) e 03 com lentes tóricas (com astigmatismo residual significa- tivo) (Gráfico 5). Entre os casos de lentes gelatinosas, 87 (69,05%) foram adaptados com lentes convencionais esféricas de uso diário (com baixa hidratação) para cor- reção de ametropias, 09 (7,14%) com lentes convencio- nais esféricas de uso prolongado (07 casos de alta hipermetropia, incluindo 03 casos por afacia), 07 (5,55%) com lentes convencionais tóricas de uso diário (astigmatismos significativos que não proporcionavam boa visão com equivalente esférico), 08 (6,35%) com lentes convencionais esféricas coloridas de uso diário (07 casos também com efeito refrativo), 10 (7,94%) com lentes convencionais protéticas e 05 (3,97%) com lentes descartáveis terapêuticas (de uso prolongado e troca mensal) (Gráfico 6). Dos 70 casos de ceratocone (19,72% do total de adaptações), apenas 04 (5,71%) foram adaptados com lentes de dupla face do tipo “Soper”, e o restante (94,29%) com lentes rígidas monocurvas esféricas de DK 17. Do total de 16 casos de afacia (14 monoculares e 02 binoculares), 13 casos foram adaptados com lentes rígidas (lenticulares com aba negativa) e 03 casos com lentes gelatinosas (de alta hidratação). DISCUSSÃO No estudo, a maior parte das adaptações ocorreu em pacientes do sexo feminino (62,82%), e a indicação mais freqüente foi a estética (48,45%), o que também pode ser observado nas faixas etárias de 20-39 anos e 40-64 anos. Nas demais faixas etárias, a indicação mais freqüente foi médica. Com isto, podemos observar a re- lação entre o sexo feminino na idade adulta e a indica- ção estética.As lentes de contato representam uma ex- celente opção para a correção de vícios refrativos por não alterarem a fisionomia do usuário, tendo vantagens ópticas, ocupacionais, esportivas e cosméticas para mi- lhares de indivíduos. Em um seguimento de 6 meses de 508 novas adaptações(2), também foram observados o predomínio das indicações estéticas em 71% dos casos (indicação mais freqüente na faixa etária dos 11 aos 60 anos), enquanto que as indicações médicas, ópticas ou terapêuticas representaram 29% da amostragem (a afacia predominou nos dois extremos etários). No presente trabalho, a indicação médica tam- bém teve grande prevalência (46,48%), sendo as causas mais comuns a anisometropia (24,51%) e o ceratocone (19,72%). Dentre os casos de ceratocone, 94,29% dos casos foram adaptados com lentes rígidas monocurvas de baixo DK, e apenas 5,71% dos casos com lentes de dupla-face. No estudo de Meyer et al do total de casos, 13% apresentaram anisometropia e 3% ceratocone, sen- do que em 60% dos casos de ceratocone foram adapta- dos com lentes de dupla-face.(2) As lentes de contato rígi- das são a principal opção para o tratamento de ceratocone porque tornam a superfície refrativa regu- lar, neutralizam melhor do que qualquer outra as aber- rações ópticas e as distorções da superfície corneal ante- rior, melhorando a visão, mesmo em graus avançados da doença, sendo indicada a cirurgia apenas em casos que há insucesso na adaptação com lentes de contato. Em um estudo retrospectivo realizado no período de 20 anos(3), 95% dos pacientes com ceratocone tiveram adaptação bem sucedida com lentes, sendo que 81% com acuidade visual melhor ou igual a 20/40. Grande parte dos casos de ceratocone pode ser adaptada com lentes de contato rígidas monocurvas, mas é importante contar com outros desenhos para adaptar nos cones de graus avançados e severos. Isso permite para a maior parte dos pacientes postergar a necessidade do transplante de córnea (4). Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 81 Entre ao pacientes présbitas, 30,47% foram adap- tados com o recurso da monovisão simples, no qual ajus- ta-se um olho para visão de perto e o outro para a visão a distância, sendo uma alternativa simples e econômica para correção da presbiopia. Este sistema continua sen- do um dos métodos mais bem sucedidos para se corrigir a presbiopia 35 anos após ter sido proposto. (5) Do total de casos, 64,51% das adaptações foi com lentes rígidas e 35,49% com lentes gelatinosas. Dentre as lentes gelatinosas, 69,05% dos casos foram adaptados com lentes convencionais esféricas de uso diário (baixa hidratação), e apenas 7,14% dos casos com lentes convencionais esféricas de uso prolongado e 5,55% dos casos com lentes convencionais tóricas de uso diário. No estudo de Meyer et al quanto ao material utilizado, em 43,7% dos casos prescreveu-se lentes rígidas gás- permeáveis, 46% gelatinosas, PMMA em 1,5%, tóricas (hidrofílicas) em 0,5%, e tóricas rígidas gás-permeáveis em 1,3%.Em 78% dos casos de astigmatismo foram usa- das lentes rígidas, e somente 3% dos pacientes usaram lentes hidrofílicas de uso prolongado(2) (a grande maio- ria em crianças afácicas). Apesar das lentes de contato gelatinosas serem inicialmente mais confortáveis do que as rígidas, as vantagens das lentes rígidas gás-permeáveis são: qua- lidade de visão (podendo até mesmo ser melhor do que com os óculos devido à redução das aberrações ópticas da córnea), saúde ocular, facilidade de cuida- dos, durabilidade, conforto a longo termo, e à possibi- lidade de redução na progressão da miopia em indiví- duos jovens. Para melhorar o conforto inicial, pode- mos optar por lentes com um maior diâmetro, uma borda lisa e polida, curvas periféricas amplas e uma adaptação com a lente bem centrada na córnea (ao invés de descentrada inferiormente). No primeiro tes- te de adaptação podemos utilizar colírio anestésico para romper a barreira psicológica de sentir a lente em pacientes apreensivos. A forma como o adaptador encara as lentes rígidas pode influenciar a sua apre- sentação, tendo forte influência nos pacientes. Devido ao seu baixo custo, fácil manutenção e menor probabilidade de causar infecções, as lentes rígi- das continuam sendo uma ótima opção para a correção do astigmatismo de origem corneana. Foi demonstrado que em comparação com as lentes rígidas gás-permeá- veis, o risco de uma lente hidrofílica de uso prolongado causar ceratite infecciosa é 21 vezes maior, e de uma lente hidrofílica de uso diário é 4 vezes maior constatan- do um aumento do risco de 1,3 vezes para o uso de lentes rígidas de polimetilmetacrilato, em comparação com o uso de lentes rígidas gás-permeáveis. (6) Em nosso estudo, demos preferência às lentes rígidas gás-permeáveis de baixo DK devido à maior dureza, durabilidade e resis- tência do material à formação de depósitos, satisfazendo plenamente para o uso diário. Segundo Schein et al há um risco 10 a 15 vezes maior de ceratite ulcerativa em indivíduos que dor- mem com lentes de contato gelatinosas de uso prolon- gado, do que em indivíduos que fazem uso de lentes de contato gelatinosas de uso diário, em regime estrita- mente diário. O hábito de dormir com as lentes foi con- siderado como o principal fator de risco para a doença. (7) Esses autores também verificaram que 11% dos usu- ários de lentes de uso diário dormiam com as lentes e que 38% dos usuários de lentes de uso prolongado fazi- am apenas uso diário das mesmas. Assim, quando com- paradas apenas pelo tipo de uso, as lentes de uso pro- longado apresentaram risco 4 vezes maior que as de uso diário. Devido a estes fatos, em relação às lentes hidrofílicas, preferimos as de baixa hidratação (uso di- ário) devido a maior segurança em relação às lentes de alta hidratação (uso prolongado). Optamos pelas lentes hidrofílicas de alta hidratação apenas nos casos de alta hipermetropia (acima de 6 dioptrias) devido a maior espessura da lente, o que também foi observado no estudo de Meyer et al (2). Também foi relatado que usuários de lentes de contato descartáveis têm um risco aproximadamente 14 vezes maior de ceratite ulcerativa em comparação com usuários de lentes gelatinosas convencionais de uso diá- rio e 7 vezes maior do que em usuários de lentes gelati- nosas convencionais de uso prolongado. (8) Quando hou- ve a introdução das lentes descartáveis no mercado, es- perava-se que estas fossem reduzir o risco de complica- ções. Entretanto, a facilidade de adaptação e a venda sem controle criaram a falsa sensação de segurança to- tal, com a conseqüente despreocupação com os cuidados de uso e manutenção. A ênfase na conveniência do uso estendido e descartável acabou gerando a tendência de banalização da utilização dessas lentes (9). Em nosso estudo optamos pela adaptação de len- tes convencionais devido à sua maior segurança e van- tagem econômica, pois ao longo de um ano as lentes descartáveis tornam-se uma opção bem mais cara devi- do a necessidade de reposição das lentes. Além disso, observamos que a maioria das pessoas não faz uso descartável (descarte das lentes ao retirá-las dos olhos) das lentes descartáveis, mas sim uso na forma de troca planejada, o que gera a necessidade dos mesmos cuida- dos utilizados com as lentes convencionais, que por se- rem mais encorpadas, são mais fáceis de manusear, ge- rando conforto semelhante. Perfil do Setor de Lente de Contato da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 82 CONCLUSÃO Embora a indicação estética tenha sido a mais freqüente, uma fração significativa dos candidatos teve indicado o uso das lentes de contato por razões médicas, provavelmente por se tratar de um serviço de referên- cia. As lentes rígidas apresentaram um papel de desta- que nas adaptações, e dentre as adaptações com lentes gelatinosas houve, na maioria dos casos, preferência para o emprego de lentes convencionais de uso diário. SUMMARY Purpose: To describe the statistics of The Sector of Contact Lens of Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro (Prof. Paiva Gonçalves Filho Eyes Service). Methods: Retrospective study of 355 cases of contact lenses fitting between September 2000 and August 2003. Results: The biggest number of cases occurred among female patients (62,82%) and the most frequent indication was esthetics (48,45%), what was also observed in the following ages: 20-39 years old and 40-64 years old. Among the other ages, the most frequent indication was medical (46,48% of the total number), being the most common causes anisometropia (24,51%) and keratoconus (19,72%). Among the cases of keratoconus, 94,29% were fitted with monocurve spherical rigid lenses and 5,71% with bicurve rigid lenses. Among the presbit patients, 30,47% of the cases were adapted with simple monovision resources and the remaining cases with the prescription of near vision spectacles on the contact lens. From the total number of fitted cases, 64,51% were with rigid lens (mainly spherical of low DK) and 35,49% with soft lens (mainly spherical conventional of0 daily-wear).Conclusions: Although the esthetic indication has been the most frequent one, an expressive number of candidates had the indication of the use of contact lenses due to medical reasons, probably because it is a service of reference. The rigid lenses had an important role in fitting and among the soft lenses there was a preference for conventional daily-wear. Keywords: Contact lenses/statistical & numerical data;Adaptation; Retrospective studies REFERÊNCIAS 1. Coral Ghanem C, José NK. Lentes de contato na clínica oftalmológica. Joinville: 1995. 2. Meyer GC, Vilela M, Weymar J. Lentes de contato: segui- mento em 6 meses de 508 novas adaptações. Arq Bras Oftalmol. 1991; 54(3): 119-26. 3. Kastl PR, Donzis PB, Cole HP 3rd, Rice J, Baldone JA. A 20- year retrospective study of the use of contact lenses in keratoconus. CLAO J. 1987; 13(2): 102-4. 4. Leça RG, Fukushima N, Gonzaga R, Lipener C, Zamboni F, Lewinsky R, Uras R. Estudo clínico da adaptação de lentes de contato no ceratocone. Arq Bras Oftalmol. 1995; 58(3): 149-51. 5. Stein HA. The management of presbyopia with contact lenses: a review. CLAO J. 1990; 16(1): 33-8. Review. 6. Dart JK, Stapleton F, Minassian D. Contact lenses and other risk factors in microbial keratitis. Lancet. 1991; 338(8768): 650-3. 7. Schein OD, Glynn RJ, Poggio EC, Seddon JM, Kenyon KR. The relative risk of ulcerative keratitis among users of daily- wear and extended-wear soft contact lenses. A case-control study. Microbial Keratitis Study Group.N Engl J Med. 1989; 321(12): 773-8. 8. Buehler PO, Schein OD, Stamler JF, Verdier DD, Katz J. The increased risk of ulcerative keratitis among disposable soft contact lens users. Arch Ophthalmol. 1992; 110(11): 1555-8. 9. Maia EM, Pietrovicz J, Maia M, Ramos ARB, Moreira Junior CA. Adaptação e venda de lente de contato pelas ópticas de Curitiba. Rev Bras Oftalmol. 1999; 58(5): 396-400. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Eduardo Cukierman Rua Siqueira Campos, 43 / salas 410 e 411 – Copacabana – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22031-070 Fax: (21) 2549-3394 E-mail: eduardomba@terra.com.br Cukierman E, Boldrim T Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 77-82 83 RESUMO Objetivo: Avaliar os resultados visuais e os benefícios da técnica de polipseudofacia na cirurgia da catarata em pacientes portadores de alta-hipermetropia da Clínica de Olhos Holanda de Freitas(COHF). Campinas-SP. Métodos: Foram avaliados os resultados funcionais da técnica piggyback em 10 olhos de seis pacientes operados de catarata e com seguimento de 2 anos. Resultados: Todos os pacientes eram do sexo feminino, com idade variando entre 42 anos a 85 anos, média de 52 anos. Em 8 olhos, a acuidade visual sem correção foi superior a 0,6 e somente em um dos olhos verificou-se tardiamente uma das alças fora do saco capsular. Em todos os casos foram implantadas lentes intra- ocular (LIO) de peça única, modelo LX10BD(Alcon) e SLIM(Mediphacos). Conclu- são: Pelo grande acerto no grau final e pela reprodutividade recomendamos esta técnica na cirurgia da catarata de olhos curtos. Descritores: Extração de catarata/métodos; Hiperopia/cirurgia facoemulsificação. Técnica de piggyback na cirurgia da catarata em olhos alto-hipermétropes Phacoemulsification with piggyback intraocular lens implantation for correction of cataract associated with high hyperopia ARTIGO ORIGINAL João Alberto Holanda de Freitas1, Marta Maria Lavor Holanda de Freitas2, Ana Cristina Lavor Holanda de Freitas3, Paulo de Tarso da Silva Alvim4, Elias Donato5 INTRODUÇÃO Conseguir obter emetropia na cirurgia da catara- ta em olhos pequenos e curtos menores de 20,50mm de comprimento axial sempre foi um desafio ao mais hábil cirurgião.(13) Em 1993, Gayton&Saunders(1) foram os pioneiros a introduzir a polipseudofacia em pacientes microftálmicos portadores de catarata cujo cálculo do poder da (LIO) em uma única lente não alcançaria a correção total. A partir de então, outros cirurgiões ado- taram esta técnica e muitas complicações a seguir fo- ram descritas.(1). Apesar de dominada a técnica de implante de duas lentes dentro do recesso capsular, o cálculo do grau final a serem implantadas era problemático.(2). Vencidas as dificuldades iniciais relativas à téc- nica cirúrgica propriamente dita, surgiram vários traba- lhos relatando complicações pós-operatórias, como o desenvolvimento de material opaco interlenticular, comprometendo o resultado funcional final.(3-5). Também foi observado contato estreito na zona Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 83-86 1 Livre-Docente e Professor Titular de Oftalmologia da FCM-CCMB-PUC-SP – Sorocaba - (SP) – Brasil. 2 Membro da Clínica de Olhos Holanda de Freitas - Campinas (SP) - Brasil. 3 Pós-graduanda nível de doutorado -Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP) - Brasil. 4 Ex-Fellow de Cornea do Wills Eye Hospital Philadelphia-PA – USA . 5 Membro da Ocular Laser Center - Belo Horizonte (MG)- Brasil. Recebido para publicação em 12/11/2004. Aceito para publicação em 23/03/2005. 84 Freitas JAH, Freitas MMLH, Freitas ACLM, Alvim PTS, Donato E central dos dois implantes provocando um efeito multifocal semelhante aos implantes deste gênero.(6) Em paciente portador de catarata, alta-miopia e ceratocone recorrer a técnica de piggyback é uma óti- ma alternativa pela possibilidade de melhor acerto no cálculo final do implante.(8) Recentemente, foi relatado o benefício da técni- ca piggyback usando-se 2 LIOS AMO Array multifocal com grande acerto refrativo final.(12) MÉTODOS Neste estudo foram analisados 10 olhos de seis pacientes portadores de alta-hipermetropia e catarata que foram submetidos à cirurgia de catarata pela facoemulsificação, no período de janeiro de 2001 a de- zembro de 2001. A técnica cirúrgica foi a habitual em nosso serviço: abertura da câmara anterior em córnea clara no meridiano de 11h, duas paracenteses da câma- ra anterior às 5h e 7h, viscoelástico de alto peso molecular, capsulorrexe com diâmetro de 5mm, sempre com pinça de Ultrata, hidrodissecção; agora com ultra-som, reali- zamos dois sulcos perpendiculares em forma de cruz bem profundo no núcleo, partilha do mesmo em quatro frag- mentos com auxílio de dois tacos de golfe, novamente com a caneta do facoemulsificador removemos os frag- mentos nucleares para finalmente aspirarmos o materi- al cortical restante. Enchemos o saco capsular com viscoelástico, ampliamos a incisão para 5,2mm e intro- duzimos as LIOs com o cuidado de deixar as alças uma sobre a outra e na posição de 3h e 9h. Removemos o excesso de viscoelástico e raramente faz-se necessário suturar a válvula com mononylon 10.0. Empregamos o aparelho AMO-Diplomax para realizarmos a facoemulsificação. O cálculo da LIO foi realizado observando-se a fórmula Holladay 2, sendo que ao grau total calculado no biômetro era adicionado 3,0D, pois a primeira lente implantada dentro do saco afasta a capsular posterior, induzindo um erro de 3,0D na refração final pós-opera- tória. As LIOs implantadas no recesso capsular eram todas de peça única, modelo LX10BD(Alcon) ou SLIM (Mediphacos), conforme Tabela 1. O poder final dividi- do em 2 lentes, sendo a primeira implantada, continha 60% do grau total e a segunda, portanto, ficava com os 40% restantes. RESULTADOS Todos os pacientes pertenciam ao sexo feminino. A idade variou de 42 anos a 87 anos, média de 52 anos.(Tabela 1). Em todos os olhos foram implantadas LIOs de acrílico peça única, sendo que em 4 olhos implantou-se a LX10BD(Alcon) e em 6 casos a SLIM(Mediphacos). Na paciente, caso 3, a acuidade visual não ultra- passou 0,6 por ser portadora de retinopatia diabética bem controlada após várias aplicações de laser de Caso Ficha Idade Biometria Refração Refração Av – finalpré-operatória pós-Operatória Caso-1 7522 77 OD:21,65mm(LIO+28,50)D +5,00+1,00E135° Esf.-1,00 1,0 OE:21,55mm(LIO+29,50)D +7,00+0,50E 40º Esf.-1,00 Caso-2 8940 87 OD:20,64mm(LIO-29,00)D +6,50 Emétrope 1,0 OE: 20,48mm(LIO+30,50)D +6,00 -0,75-2,00 1,0 Caso-3 0441 42 OD:21,00mm (LIO+34,50)D +4,50+1,00E15º -2,50 E 80º 0,6 OE:20,75mm (LIO 36,00)D +4,75+1,00E170º -2,00E 95° 0,6 Caso-4 7834 62 OD:21,3mm (LIO+29,50) D +4,50 +3,00 0,1 OE:20,50mm (LIO+34,00)D +4,50 -3,00 0,1 Caso-5 8878 90 OD:20,76mm (LIO+29,00)D +4,50-1,00E180º +0,50-0,50E180º 0,5 Caso-6 XXX 85 OD:20,80mm(LIO+29,50)D +5,00-1,50E180º -0,50-0,75E170º 0,6 Tabela 1 Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 83-86 85 argônio. Já na paciente caso 4, o erro na refração final e a pobre acuidade visual prende-se ao fato de tratar-se de paciente portadora de obstrução venosa retiniana anti- ga, tratada pela fotocoagulação com laser de argônio e alteração macular, pois ocorreu hemorragia sobre a área macular. Em todos os olhos verificou-se LIOs bem centradas dentro do saco capsular e com as alças como deixadas paralelas uma sobre a outra, posicionadas ho- rizontalmente no sentido do meridiano de 3 às 9h. Só a paciente caso 4 necessitou capsulotomia pos- terior com Nd:Yag laser em ambos os olhos, 4 meses após a cirurgia. DISCUSSÃO Com relação ao grande acerto no grau final de nossos casos, prende-se ao fato de observarmos a fórmu- la de Holladay 2 e acrescentarmos +3,0D no poder total do grau obtido pela biometria, distribuído em 2 lentes a serem implantadas. Dividimos em 2 frações, a primeira lente a ser implantada corresponderia a 60% e a última(por cima da primeira) aos restantes 40% do po- der fornecido pela biometria corrigida. Devido ao fato do deslocamento posterior de 0,5mm da última LIO empurrada pela de cima ocorrerá um erro no cálculo final da LIO ficando uma hipermetropia residual, daí a idéia de acrescentar +3,0D a ecobiometria final(14-16). Caso ocorra erro expressivo na refração final, sugere-se tro- car a lente anterior. Esta técnica de piggyback foi motivada no início, pela incapacidade de se fabricar uma LIO, de poder tão alto para se chegar a emetropia em pseudofacia de olhos pequenos.(10-11). A recomendação no duplo implante de LIO é que as alças fiquem posicionadas dentro do recesso capsular paralelas e uma sobre a outra, orientadas no sentido de 3h e 9h.(7, 9). Os primeiros relatos mostram que as lentes im- plantadas foram sempre dobráveis e de acrílico e para decepção muitas foram removidas para corrigir opacificação interlenticular, advinda do epitélio cristaliniano da cápsula anterior remanescente que mi- grava por entre as duas lentes.(1, 3). Nos nossos casos não observamos esta complica- ção, pois usamos em todos os pacientes lentes acrílicas (PMMA) rígidas como foram descritas anteriormente. No caso 4, o erro na refração final e a baixa na acuidade visual, prende-se ao fato de ser paciente hipertensa, já submetida a 3 sessões de fotocoagulação para corrigir obstrução venosa de ramo retiniano, pois apresentava seqüela cicatricial na mácula devido às hemorragias advindas pelo quadro oclusivo venoso. A técnica piggyback está justificada em olhos pequenos cujo cálculo ecobiométrico da LIO a ser im- plantada seja superior a +29,0D. CONCLUSÃO A polipseudofacia é a melhor forma de se conse- guir a emetropia na cirurgia da catarata em pacientes portadores de olhos muito curtos. SUMMARY Purpose: To evaluate visual outcomes and benefits of polipseudophakia (piggyback IOL implantation) in patients With high hyperopia who underwent cataract surgery (phacoemulsification technique)of the Clínica de Olhos Holanda de Freitas (COHF). Campinas-SP. Methods: Two years prospective study to evaluate functional visual outcomes of piggyback IOL implantation technique in ten (10) eyes of six (6) patients. Results: All patients were female, range 52 years old (42- 85 years old). Eight eyes had uncorrected visual acuity better than 0,6 (20/30), and only one case we observed lately one of the hapatics of the IOL outside the bag. Two intraocular lenses (PMMA single piece models LX10BD – ALCON or SLIM – MEDIPHACOS) had been implanted in our series. Conclusion: We recommend this cataract surgery procedure in short eyes because of its great predictability and reproductibility for correction of high hyperopia. Keywords: Cataract extraction/methods; Hyperopia/ surgery; phacoemulsification; Piggyback; polipseudophakia REFERÊNCIAS 1. Eleftheriadis H, Marcantonio J, Duncan G, Liu C. Interlenticular opacification in piggyback AcrySoft intraocular lenses: explantation techinique and laboratory investigations. Br J Ophthalmol. 2001;88:830-6. 2. Oshika T, Imamura A, Amano S, Eguchi S, Nakayama M, Emi K. Piggyback foldable intraocular lens implantation in patients with microphthalmos. J Cataract Refract Surg. 2001;27:1536. 3. Gayton JL, Apple DJ, Peng Q, Visossook N, Sanders V, Werner L, Pandey SK, Escobar-Gomez M, Hoddinott DS, Van Der Karr, M. Interlenticular opacification clinopathological correlation of a complication of posterior chamber piggyback intraocular lenses. J Cataract Refract Surg. 2000;26:330-6. 4. Sugar JK, Keeler S. Interpseudophakos intraocular lens surface opacification as a late complication of piggyback acrylic posterior chamber lens implantation. J Cataract Refract Surg 2000;26: 448-55. Técnica de piggyback na cirurgia da catarata em olhos alto-hipermétropes Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 83-86 86 ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Avenida José de Souza Campos, 515 CEP 13025-320 Cambuí- Campinas/SP www.cohf.com.br 5. Shugar JK, Schwartz T. Interpseudophakos Eischnig pearls associated with late hyperopic shif a complication of piggyback posterior chamber intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg, 1999;26:863-7. 6. Findl O, Menspace R, Rainer G, Georgopoulos M. Contact zone of piggyback acrylic intraocular lenses. J Cataract Refract Surg 1999;25:860-2. 7. Masket S. Piggyback intraocular lens implantation. J Cataract Refract Surg 1998;24:569-70. 8. Gills JP. Piggyback minus-power lens implantation in keratoconus. J Cataract Refract Surg; 1998;24:566-68. 9. Shugar JK, Lewis C, Lee A. Implantation of multiple foldable acrylic posterior chamber lenses in the capsular bag for high hiperopie. J Cataract Refract Surg 1966;22:1368-72. 10. Gayton JL e Sanders VN. Implantation two posterior chamber intraocular lenses in a case of microphthalmos. J Cataract Refract Surg. 1993; 19:776-7. 11. Hsuan JD, Ceasar RH, Rosen ES, Gore CL, Correction of pseudophakic anisometropia with the Staar Collamer implantable contact lens. J Cataract Refract Surg. 2002;28:44-9. 12. Donoso R, Rodriguez A. Piggyback implantation using the AMO array multifocal intraocular lens. J Cataract Refract Surg. 2001;27:1506-10. 13. Crema AS, Fontes PC, Walsh A. Duplo implante intra-ocular (“Piggyback”) em olhos pequenos. Rev Bras Oftalmol.1998; 57:261-4. 14. Gills JP. Implantation of multiple intraocular lenses to optimize visual results. Symposium on Cataract, IOL and refractive surgery. Abstract 42-7. 15. Centurion V. Faco total. Rio de Janeiro; Cultura Médica; 2000 p.315-20. 16. Azar DT. Intraocular lenses in cataract and refractive Surgery. Philadelphia: W.B. Saunders. 2001 p.51-64. Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 83-86 Freitas JAH, Freitas MMLH, Freitas ACLM, Alvim PTS, Donato E 87 RESUMO Objetivo: Avaliar os resultados iniciais com o aprendizado da técnica de facoemulsificação por múltipla divisão circunferencial. Métodos: Foram estudados re- trospectivamente os dados pré, per e pós-operatórios em 37 olhos de 31 pacientes sub- metidos à facoemulsificação pela técnica de múltipla divisão circunferencial. Sete olhos foram excluídos do estudo por falta do sumário impresso pelo aparelho de facoemulsificação. Resultados: O tempo médio de duração da cirurgia contado a partir do início do uso do facoemulsificador foi de 17 minutos; o tempo médio de ultra-som total gasto foi de 8 segundos, excluindo-se os 4 olhos nos quais não foram necessários o uso de ultra-som, o tempo médio passou para 9,3 segundos. Em 2 casos (6,6%) houve necessidade de conversão para técnica de stop and chop e extra-capsular, respectiva- mente. Conclusão:A técnica de múltipla divisão circunferencial revelou-se uma opção de fácil aprendizado com resultados iniciais animadores. Descritores: Extração de Catarata; Facoemulsificação/métodos; Extração da catarata/ métodos Resultados iniciais com a técnica de facoemulsificação por múltipla divisão circunferencial Initial results with the technique of multiple circunferential division phacoemulsification Eduardo Ferrari Marback1 ARTIGO ORIGINAL 1 Oftalmologista do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia; Médico Assistente do Serviço de Oftalmologia do Hospital São Rafael – Fundação Monte Tabor, Salvador – Bahia (BA). INTRODUÇÃO A facoemulsificação tem se firmado como méto- do cirúrgico de escolha para o tratamento da catarata.A busca por técnicas de tratamento do núcleo que sejam mais seguras para o endotélio corneano e que ofereçam menor risco de lesão da cáp- sula posterior tem sido uma constante. Assim, foi intro- duzido o conceito de dividir para conquistar(1) , que foi então melhorado e modificado em algumas variantes tentando tirar proveito da fratura mecânica com o uso de um segundo instrumento (chopper), para diminuir a quantidade de energia ultra-sônica gasta (2-5). Recentemente, foi descrita a técnica de múltipla divisão circunferencial (MDC), que utiliza ao invés da fratura, a dissecção por planos anatômicos do cristali- no6. Este estudo tem por objetivo mostrar o aprendiza- do desta técnica de tratamento do núcleo, avaliando o tempo efetivo de ultra-som, a acuidade visual pós-ope- ratória e complicações durante o aprendizado da MDC. Recebido para publicação em 19/12/2003. Aceito para publicação em 10/04/2005. Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 87-91 88 Marback EF MÉTODOS Foram estudados retrospectivamente, 37 olhos de 31 pacientes consecutivos, submetidos à cirurgia de cata- rata com implante de lente intra-ocular, no Hospital São Rafael - Fundação Monte Tabor, entre os meses de no- vembro de 2002 a fevereiro de 2003. Sete olhos, em seis dos quais não houve intercorrências per ou pós-operatóri- as, foram excluídos por falta do sumário impresso pelo facoemulsificador ao final do procedimento. Adicional- mente, o segundo olho operado pela técnica de MDC, que também foi excluído por falta do sumário do impresso pelo facoemulsificador, apresentou ruptura capsular pe- riférica durante a aspiração do epinúcleo. Foram então incluídos no estudo, 30 olhos de 26 pacientes. A cirurgia foi realizada sob anestesia tópica e sedação venosa, exceto em 5 olhos: os quatro olhos com dureza nuclear de 4+, onde foi feito bloqueio retrobulbar pela possibilidade de conversão para a técnica extra- capsular e em um paciente com núcleo 3+ que julgamos ser pouco colaborativo para a anestesia tópica. À exce- ção dos dois olhos com dureza nuclear 4+ que foram abordados via incisão límbica, em todos os demais olhos utilizamos incisão em córnea clara, centrada no meridiano das 02:00. O aparelho utilizado foi um facoemulsificador Prestige®(Allergan Medical Optics®) com ponteira de 21 gauge e angulação de 30º. Os parâmetros adotados foram os seguintes: poder de ultra- som em 2 pulsos por minuto variando entre 50 e 100% (100% nos núcleos 4+ , 50% nos demais); vácuo de 400 Ficha Dureza Duração Tempo AV pré AV pós do núcleo cirurgia* de US ** 1 N2 14 4 20/60 20/25 2 SCP 3 9 0 20/100 20/40 3 N3 19 16 20/200 20/30 4 N3 34 11 20/ 20/25 5 N1 13 9 20/70 20/40 6 N2 20 8 20/50 20/30 7 N2 17 19 20/200 20/40 8 N2 12 5 20/200 20/30 9 N2 20 9 20/200 20/40 10 N1 15 4 20/100 20/40 11 N2 15 7 CD 20/25 12 SCP 3 15 0 20/40 20/25 13 N2 14 5 20/200 20/100 14 N4 40 37 20/100 20/30 15 N2 11 4 20/200 20/40 16 N4 21 16 MM 20/20 17 N3 22 23 CD CD 18 N2 29 4 MM 20/25 19 N3 15 9 20/100 20/40 20 N2 15 11 20/100 20/50 21 N1 13 7 20/40 20/40 22 N2 19 4 20/70 20/40 23 N1 12 1 20/60 20/50 24 N3 18 4 20/100 20/40 25 N3 12 2 20/80 20/50 26 SCP 3 8 0 20/80 20/70 27 SCP 3 10 0 20/80 20/50 28 N2 11 5 CD CD Média - 16,89 8 - - Mediana - 15 5 - - Tabela 1 Dureza nuclear, duração da cirurgia, tempo efetivo de ultra-som e acuidade visual pré e pós-operatória para os casos operados pela técnica de MDC. N 1 = núcleo de dureza +; N2 = núcleo de dureza ++; N3 = núcleo de dureza +++; N4 = núcleo de dureza ++++; SCP 3 = Catarata subcapsular posterior +++; * em minutos; ** tempo efetivo em segundos; AV pré = melhor acuidade visual pré- operatória; AV pós = melhor acuidade visual pós-operatória Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 87-91 89Resultados iniciais com a técnica de facoemulsificação por múltipla divisão circunferencial mmHg, altura do frasco de solução salina balanceada em 80 cm e fluxo de 36cc/min. A técnica cirúrgica já foi descrita previamente (6). Brevemente, após incisões, capsulorrexe e hidrodissecção, consiste na aspiração do cortex superfi- cial, apreensão e elevação do núcleo com a caneta de facoemulsificação (Figura 1), dissecção das lamelas com um chopper em movimentos centrífugos para liberação da parte central mais dura (endonúcleo) (Figura 2), emulsificação do endonúcleo (que pode ser feita dentro do saco capsular ou no plano da capsulorrexe) e remo- ção das lamelas restantes (Figura 3). O bisel encontra- se voltado para baixo desde a entrada na câmara anteri- or até o momento de aspirar o epinúcleo, quando é então girado para cima. Os dados referentes ao tempo cirúrgico contado a partir do início de utilização do facoemulsificador e tem- po efetivo de ultra-som anotados a partir do sumário impresso pelo aparelho após cada procedimento, dureza do núcleo, acuidade visual inicial e pós-operatória en- contram-se na Tabela 1. No pós-operatório os pacientes utilizavam uma combinação de antibiótico e corticosteróide sob a forma de colírio, iniciando em 8 instilações diárias com redu- ção gradual nas 5 semanas seguintes. RESULTADOS A média de idade foi de 70 anos. A dureza do núcleo foi classificada como 1+ em 4 olhos; 2+ em 12 olhos; 3+ em 6 olhos; 4+ em 4 olhos e catarata subcapsular posterior +++ em 4 olhos. Em dois casos (6,6%), houve necessidade de con- versão para técnica extra-capsular e stop and chop, res- pectivamente. Ambos operados durante os 2 primeiros dias de tentativa de uso da técnica. Os dois núcleos ti- nham dureza de ++++, sendo que um dos pacientes tinha ainda glaucoma e câmara anterior rasa (convertido para extracapsular). Não houve casos como ruptura de cápsu- la posterior ou descompensação corneana. Para os 28 casos nos quais a MDC foi feita com êxito, o tempo médio de cirurgia foi de 17 minutos (variando de 8 a 40; mediana de 15 minutos). O tempo médio de ultra-som efetivo foi de 8 segundos (varian- do de 0 a 37; mediana de 5 segundos). Excluindo-se os 4 olhos com catarata subcapsular posterior, nos quais não foram utilizados ultra-som, o tempo médio de ultra-som gasto fica em 9,3 segundos (variando de 1 a 37; mediana de 7 segundos). A acuidade visual final variou de conta dedos a 20/20, sendo que em apenas 9 olhos ela foi pior que 20/ 40. Os 3 olhos com acuidade final de conta dedos apre- sentavam respectivamente: cicatriz de retinocoroidite em região macular, retinopatia diabética e dano glaucomatoso avançado (caso convertido para extra- capsular). Dos outros 6 olhos com visão pior que 20/40, 2 eram de uma paciente com doença de Graves com pro- vável seqüela de neuropatia óptica, 1 tinha retinopatia diabética, 1 leucoma central e 2 não apresentavam ou- tras alterações. O caso que foi convertido para stop and chop, apresentou acuidade visual final de 20/25. Figura 1. Após a aspiração do córtex anterior, o endonúcleo (cinza escuro) é apreendido com a caneta de ultra-som. Figura 2. Com o endonúcleo (cinza escuro) tracionado para cima, inicia-se a dissecção das lamelas. Figura 3. Aspiração do epinucléo, após remoção do enodonúcleo (cinza escuro). Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 87-91 90 Marback EF DISCUSSÃO Nossos resultados com a técnica de MDC suge- rem que esta é uma boa opção para o tratamento da catarata. O aprendizado da técnica por um cirurgião que antes usava como rotina o método de stop and chop foi fácil. No segundo olho operado pela técnica, que não foi incluído por falta do sumário do facoemulsificador, houve ruptura de cápsula posterior periférica durante a aspiração do epinúcleo, nós atribuímos esta complica- ção à demora em virar o bisel para cima após a emulsificação da parte mais consistente do núcleo, jus- tamente pela falta de prática com o uso de técnicas que emulsificam o núcleo com o bisel para baixo. Em apenas 2 casos houve necessidade de conversão para técnicas com as quais o autor estava mais familiarizado, ambos durante os 2 primeiros dias de tentativa de uso da técni- ca. Nos casos iniciais, uma das dificuldades subjetiva- mente encontradas, foi manter a apreensão do núcleo para realizar a dissecção. Com as sucessivas tentativas, notamos que uma exposição um pouco maior do bisel facilita a melhor apreensão do núcleo diminuindo gradativamente as perdas de oclusão e necessidade de repetição da manobra. Outro ponto que notamos estar relacionado com a familiarização à técnica, é a efetividade da dissecção. Nas últimas cirurgias o núme- ro de planos lamelares dissecados pareceu menor que nas cirurgias iniciais, ou seja houve uma exposição do endonúcleo mais rápida e eficaz. Esta técnica utiliza conceitos da própria anato- mia do cristalino para dividi-lo (6). Por este motivo, como exemplificado pela variabilidade do grau de dureza do núcleo dos olhos deste estudo, é possível realizar a dis- secção tanto em núcleos muito moles como em núcleos muito duros, para isto basta modular o uso do ultra-som, ou mesmo utilizar apenas o vácuo para apreender o nú- cleo como foi feito nos 4 casos de catarata subcapsular posterior incluídos (Tabela 1). Para facilitar o aprendi- zado, sugerimos começar com casos de 2+ pois estes têm consistência suficiente para suportar a apreensão cen- tral e ao mesmo tempo não apresentam grande compactação lamelar que dificulte a dissecção. Após a familiarização, torna-se mais confortável tentar disse- car núcleos mais densos. Uma grande vantagem da MDC está relaciona- da à lamela posterior residual que encontramos em nú- cleos de maior dureza. Com as técnicas de fratura habi- tuais é freqüente a manutenção desta lamela, que gera grande dificuldade para o esvaziamento do saco capsular e cuja manipulação exagerada pode levar à ruptura da cápsula posterior ou diálise zonular. Com a MDC, o ob- jetivo é deixar a lamela posterior íntegra até os passos finais de emulsificação do núcleo, funcionando inclusive como uma proteção extra à cápsula posterior (6). Como os movimentos do chopper são centrífugos, e sempre há entre este e a borda da capsulorrexe uma lamela de córtex e epinúcleo, é improvável a ocorrência de lesão da cápsula anterior, uma complicação conheci- da dos métodos que usam o chopper centrípetamente (7). Pela mesma razão, associada ao uso da caneta de facoemulsificação com bisel para baixo e quase que li- mitada ao centro da área pupilar, esta torna-se uma op- ção interessante para casos de pupila pequena. Com relação ao tempo de ultra-som utilizado, nos- so tempo médio, excluindo os casos em que não foi ne- cessário o uso deste, foi de 9,3 segundos. Embora a com- paração entre o tempo de ultra-som gasto entre diferen- tes aparelhos não seja algo confiável, notamos na litera- tura que o tempo médio com as técnicas que utilizam sulco e mesmo na técnica de faco chop, é bem maior. Dada et al. relatam tempo médio de 61 segundos com a técnica de facoemulsificação “petalóide” em núcleos de dureza 4+ (8). Vajpayee et al. relatam 27 segundos com a técnica de faco chop e 28 segundos com a de stop and chop(9). Wong et al. utilizaram 17 segundos na faco chop e 50 na dividir e conquistar (7). Ram et al. usaram 54 segundos na faco chop e 95 na fratura in situ (10). Pirazzoli et al. 25 segundos na faco chop e 87 com a dividir e conquistar (11). Fine et al., utilizando a técnica de choo choo chop and flip, com diferentes aparelhos, consegui- ram tempos efetivos médios que variaram de 2,65 a 16,36 segundos nos diferentes grupos de dureza nuclear (5). CONCLUSÃO Frente aos baixos índices de complicações, en- contrados apenas nos casos iniciais, o baixo tempo de ultra-som efetivo e a boa recuperação da acuidade visu- al, concluímos que a MDC é uma técnica de tratamento do núcleo de fácil aprendizado e com bons resultados iniciais. O autor agradece ao Dr. Marcelo S. Freitas pelos conselhos que facilitaram o aprendizado da técnica, bem como pelas críticas ao trabalho inicial. SUMMARY Purpose: To evaluate the initial results with the learning of a new phacoemulsification technique – multiple circumferential division of the nucleous. Methods: A Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 87-91 91 retrospective study of 37 eyes from 31 patients was conducted. Seven eyes were excluded because of lacking of the phacoemulsifier printed summary. Results: Mean surgical time was 17 minutes. Mean effective ultra-sound time was 8 seconds. Excludding the 4 eyes in which no ultra-sound was used, the mean effective ultra-sound time was 9.3 seconds. A change in technique was necessary in two cases (6,6%), one to extra-capsular extracion and the other to stop and chop phacoemulsification. Conclusions: Multiple circumferential division of the nucleous is a easy to learn technique that showed promissing initial results. Keywords: Phacoemulsification/methods; Cataract extraction/methods REFERÊNCIAS 1. Gimbel HV. Divide and conquer nucleofractis phacoemulsification: development and variations. J Cataract Refract Surg. 1991;17:281-91. 2. Koch PS, Katzen LE. Stop and chop phacoemulsification. J Cataract Refract Surg. 1994;20:566-70. 3. Nagahara KB. Phaco chop development and recent advantages. In: Masket S, Crandall AS editors. Atlas of cataract surgery. London: Martin Dunitz, 1999. p.31-7. 4. Figueiredo CG. Minha técnica cirúrgica de preferência. In: Rezende F. Cirurgia da catarata, 2ª ed. Rio de Janeiro: Cultu- ra Médica; 2002. p.333-42. 5. Fine IH, Parker M, Hoffman RS. Use of power modulations in phacoemulsification. Choo-choo chop and flip phacoemul- sification. J Cataract Refract Surg. 2001;27:188-97. 6. Freitas MS. Nucleodissecção & facoemulsificação. Arq Bras Oftalmol. 2002;65:243-8. 7. Wong T, Hingorane M, Lee V. Phacoemulsification time and power requirements in phaco chop and divide and conquer nucleofractis. J Cataract Refract Surg. 2000;26:1374-8. 8. Dada T, Sharma N, Dada VK. Petalloid phacoemulsification. Ophthalmic Surg Lasers. 2000;31:170-2. 9. Vajpayee RB, Kumar A, Dada T, Titiyal JS, Sharma N, Dada VK. Phaco-chop versus stop-and-chop nucleotomy for phacoemulsification. J Cataract Refract Surg. 2000;26:1638-41. 10. Ram J, Wesendahl TA, Auffarth GU, Apple DJ. Evaluation of in situ fracture versus phaco chop techniques. J Cataract Refract Surg. 1998;24:1464-8. 11. Pirazzoli G, D’Eliseo D, Ziosi M, Acciarri R. Effects of phacoemulsification time on the corneal endothelium using phacofracture and phaco chop techniques. J Cataract Refract Surg. 1996;22:967-9. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Eduardo F. Marback Rua Rodrigo Argolo 89, aptº 201, Rio Vermelho Salvador, Bahia CEP 41940-220 E-mail: eduardomarback@uol.com.br Resultados iniciais com a técnica de facoemulsificação por múltipla divisão circunferencial Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 87-91 92 RESUMO Objetivo: Identificar e analisar os principais achados ultra-sonográficos em pacientes com glaucoma pediátrico do Serviço de ultra-sonografia ocular, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina –UNIFESP. Métodos: Estudo retrospectivo de uma série de 148 exames de ultra-sonografia ocular de 98 pacientes no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2002. Foram incluídas crianças com glaucoma congêni- to primário, secundário ou associados a anomalias oculares. A presença de intervenção cirúrgica não excluía o exame. Foi utilizado o aparelho Ultra-Scan, Alcon Imagining System com transdutor de potência de 10MHz, modo A e B. Resultados:A idade média dos pacientes examinados foi de 46,2 meses com 52% do sexo masculino e 47% femi- nino. O comprimento axial aumentado para a idade foi encontrado em 85% dos olhos, e escavação papilar evidenciável à ultra-sonografia em 108 exames (73%).Assimetria entre os comprimentos axiais foi observada em 47 dos olhos. Membranas vítreas mó- veis foram as alterações vítreas que ocorreram em maior freqüência (26,4%). Foi ob- servado, em 13 olhos (8,8%), descolamento de retina. Foram encontrados 7 olhos (4,7%) com espessamento de parede e 7 (4,7%) com estafiloma posterior. Conclusões: Na maioria dos olhos (85%) foi encontrado um comprimento axial aumentado para a idade.Escavação papilar evidenciável ao exame foi encontrada em 73% dos olhos. Em 54% dos olhos avaliados encontravam-se alterações vítreas, sendo que em 26% das crianças observou-se membranas vítreas móveis(MVM).Descolamento de retina foi encontrado em 8,8%, espessamento difuso de parede ocular e estafiloma posterior em 4,7% respectivamente. Implante de drenagem evidenciado em 12,2%. Descritores: Glaucoma/ultra-sonografia;Glaucoma/diagnóstico. Principais achados ultra-sonográficos em pacientes com glaucoma pediátrico Main ultrasonographic findings in patients with pediatric glaucoma ARTIGO ORIGINAL 1 Fellow do Setor de Ultra-sonografia Ocular e Glaucoma da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP) - Brasil. 2 Fellow do Setor de Ultra-sonografia Ocular da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP) - Brasil. 3 Médica Orientadora do Setor de Ultra-sonografia Ocular da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP) - Brasil. 4 Médica Orientadora do Setor de Glaucoma Congênito da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP) - Brasil. 5 Chefe do Setor de Ultra-sonografia Ocular da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP – São Paulo (SP) - Brasil. Recebido para publicação em 02/06/2004. Aceito para publicação em 22/02/2005. Liliana Maria Alves Bastos Cruz1; Rogério Silva do Sacramento2; Fabíola Balfort Matos3; Adriana Maria Rodrigues4; Maíra Morales5 Rev Bras Oftalmol. 2005; 64 (2): 92-96 93 INTRODUÇÃO A utilização de exames como a ultra-sonografia ocular vem, cada vez mais, apresentando um papel importante dentro da oftalmologia. (1- 3, 5, 9, 11) A ultra-sonografia (US) é um método de exa- me não invasivo e com boa resolução da imagem do olho, podendo detectar, com precisão, alterações de membranas muito tênues e até pequenos tumores (6,25). Outra grande vantagem é a realização em tempo real, auxiliando nos estudos dos movimentos das membra- nas intra-oculares (6,25). O glaucoma congênito é uma alteração ocular que pode apresentar-se logo ao nascimento ou nos pri- meiros dias de vida. A doença caracteriza-se por um aumento da pressão intra-ocular (Po) que leva a alte- rações estruturais e anatômicas do olho que, conse- qüentemente, podem levar a danos permanentes da função visual (15, 27- 29). A ultra-sonografia pode auxiliar no diagnósti- co e seguimento em várias fases do glaucoma, especi- almente o infantil (1,9,10,12). Nas crianças com opacidades corneanas severas, este exame tem um papel funda- mental no diagnóstico diferencial e na avaliação do nervo óptico e pólo posterior (1,2,4) . Ele também é im- portante para monitorar o contorno da parede ocular, determinando a presença de estafilomas ou outras al- terações de segmento posterior muitas vezes de ava- liação impossível (1). No acompanhamento, o ultra-som (US) torna-se fundamental não apenas por complementar a fundoscopia, mas também para avaliar o sucesso cirúr- gico (3,9,12,13).. Como o demonstrado por alguns estudos, o sucesso pressórico pode melhorar a aparência da esca- vação do nervo óptico, como também reduzir ou manter estável o crescimento axial do olho, podendo estes da- dos serem avaliados através do US. (12, 13, 19, 20). Embora a biometria ultra-sônica no modo A seja o método de eleição para estabelecer o diâmetro axial (2-4), a ultra-sonografia no modo B, associada ao modo A, pode estimar este valor no caso das crianças, isto porque se pode proceder ao exame com os olhos fechados e sem requerer sedação ou anestesia. Por ser um método de exame indolor, prático e que não precisa de sedação, a ultra-sonografia vem tor- nando-se parte integrante do exame oftalmológico na faixa etária pediátrica 5, 7. O objetivo deste estudo foi avaliar os principais achados ultra-sonográficos de pacientes com glaucoma na faixa etária pediátrica entre 6 dias e 15 anos . MÉTODOS Foram analisados, retrospectivamente, 148 exa- mes de ultra-sonografia ocular de 98 pacientes perten- centes ao setor de glaucoma da Escola Paulista de Me- dicina (UNIFESP), no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2002. Foram incluídas todas as crianças com glaucoma congênito primário, secundário ou asso- ciado a anomalias oculares. A presença de cirurgia pré- via não excluiu o exame. Os exames foram realizados com o aparelho de ultra-sonografia Ultra-Scan, Imagining System-ALCON com transdutor de potência de 10 MHz. Os pacientes foram examinados em decúbito dorsal horizontal, com técnica transpalpebral, usando gel de ultra-sonografia ocular como meio de contato e padronizada com cortes longitudinais, axiais e transversais. Foram utilizados os modos A e B. Não foi utilizado nenhum tipo de sedação ou anestesia nos pacientes. Os exames foram feitos por diferentes examina- dores pertencentes ao setor de ultra-sonografia da Esco- la Paulista de Medicina (UNIFESP) com experiência no exame (seis examinadores). Foram analisados: presença do cristalino, escava- ção papilar, diâmetro axial, alterações vítreas e retinianas, presença de implantes de drenagem e altera- ções da parede ocular posterior (coróide) . A análise da escavação papilar foi feita no modo “genérico”, com ganho de 60dB, evidenciada quando a lâmina cribriforme e o anel neuroretiniano apresenta- vam-se com espaço anecoico entre suas margens 17, 18, 21. O diâmetro axial foi considerado através do modo “genérico”, em cortes axiais verticais e horizontais uti- lizando-se uma tabela de comprimento axial e idade como padrão de normalidade 11. A assimetria foi considerada quando ocorreu di- ferença maior ou igual a 2mm entre os comprimentos axiais, e espessamento difuso de parede (coróide) quan- do houve medida maior ou igual a 1,2mm na parede ocular. RESULTADOS Dos 148 olhos avaliados, 29 não tinham sido sub- metidos a nenhuma intervenção cirúrgica. A trabeculotomia foi a cirurgia