MARCOS PAULO DA SILVA A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944). BAURU/SP Junho/2007 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” FACULDADE DE ARQUITETURA ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Área de Concentração: Comunicação Midiática A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944). Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração em Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru-SP, como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação, desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira. BAURU/SP Junho/2007 DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO UNESP – BAURU Silva, Marcos Paulo. A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista / Marcos Paulo Silva, 2007. 111 f. il. Orientador : Ricardo Alexino Ferreira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” FACULDADE DE ARQUITETURA ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO Área de Concentração: Comunicação Midiática A Dissertação A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944), desenvolvida por MARCOS PAULO DA SILVA, foi submetida à Banca Examinadora como exigência para obtenção do Título de Mestre em Comunicação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru-SP. BANCA EXAMINADORA Presidente: Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira Instituição: FAAC/UNESP – Bauru/SP Titular: Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente Instituição: FAAC/UNESP – Bauru/SP Titular: Prof. Dra. Alice Mitika Koshiyama Instituição: ECA/USP – São Paulo/SP Bauru, junho de 2007. DEDICATÓRIA Aos meus pais, José Aparecido e Maria Teodora. Ao meu avô, Firmiano (em memória). AGRADECIMENTOS Agradeço inicialmente aos meus pais, José Aparecido e Maria Teodora, pela educação que me deram em todos esses anos, tornando-se verdadeiras referências no meu modo de encarar os desafios da vida. Ao Prof. Dr. Ricardo Alexino Ferreira, pela orientação, caráter, dedicação e confiança demonstrados em todos esses anos de convivência. À Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio financeiro concedido durante o primeiro ano desta pesquisa por meio de bolsa-mestrado. Aos meus irmãos, Maria José, Adriana e Fernando, ao meu cunhado Cristiano Paccola Jacon e ao meu sobrinho Caio, pela força em todas as ocasiões, pela amizade e pelos inúmeros momentos de alegria compartilhados. Não poderia deixar de fazer um agradecimento especial ao meu outro cunhado, Edson Fernandes, historiador, mestre e guia em importantes etapas desta pesquisa. À Aline Zero, pelo carinho e força nos momentos difíceis. Agradeço também aos meus amigos de infância e adolescência (são inúmeros!), hoje profissionais de diferentes áreas, pela valiosa amizade, pela força nos momentos de dificuldade e, sobretudo, pelas diversões, verdadeiras válvulas de escape nos períodos de tensão. Aos profissionais do jornal O Eco e da antiga Folha Popular, pelas inúmeras portas abertas em todos os momentos. Às irmãs Therezinha, Adélia e Meiry Chitto, filhas do jornalista Alexandre Chitto, e a tantas outras famílias lençoenses, pelas entrevistas e empréstimos de fotografias e documentos para consulta e pesquisa durante a realização da série de reportagens “Grandes Famílias”, publicada pelo jornal Folha Popular em 2003 e 2004 – importante fonte de dados desta dissertação. À equipe do Serviço de Comunicação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, atual porto seguro profissional, pelo apoio dado desde o início de minha trajetória na instituição. Agradeço ainda aos profissionais Silvio Carlos Decimone e Helder Gelonezi, da Seção de Pós-Graduação da Unesp-Bauru, pelos eficientes serviços. Aos companheiros de Pós-Graduação que trilharam caminhos semelhantes aos meus nos últimos três anos, pelas informações e angústias compartilhadas. Por fim, minha gratidão se estende também a todos os professores do Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Unesp-Bauru e, especialmente, aos membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente e Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus, cujas sugestões e críticas construtivas enriqueceram o trabalho. RESUMO SILVA, Marcos Paulo. A representação da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista. O Eco (1939-1944). 2007. 111f. Dissertação (Mestrado em Comunicação). Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru-SP, junho, 2007. Esta dissertação tem como objetivo observar e analisar a maneira como o semanário O Eco, fundado em 1938, em Lençóis Paulista (300 quilômetros a oeste de São Paulo), cidade fortemente marcada pela imigração italiana, construiu em suas páginas a representação da Segunda Guerra Mundial. Ao optar pelo estudo de uma realidade local, a pesquisa procura entender a dinâmica social em que o jornal se insere para depois decifrar, nas fronteiras delimitadas pelas diferenças culturais e políticas, seu envolvimento com a guerra. Para tanto, a dissertação sustenta-se principalmente nas formulações teóricas de Douglas Kellner, Sergi Moscovici, Laurence Bardin e Luiz Beltrão. Como recorte metodológico foram selecionados 55 editoriais de capa, veiculados entre novembro de 1939 e junho de 1944, com a temática do conflito. A pesquisa discute o papel de dois pontos que compõem o pano de fundo para a atuação do semanário no período: o ambiente de descrença que pesava sobre o jornalismo local na região e a atuação do braço censor do Estado Novo na imprensa brasileira. A análise mostra que embora presentes na pauta do jornal, os assuntos relacionados à guerra integram uma estratégia do veículo de ocultamento de suas posições ideológicas. Palavras-chave: Comunicação; Jornalismo; Segunda Guerra Mundial ABSTRACT SILVA, Marcos Paulo. The representation of the World War Two in a weekly newspaper from central São Paulo State. O Eco (1939-1944). 2007. 111f. Dissertation (Master’s Program in Communication). Post-graduate Program in Communication. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, UNESP, Bauru-SP, june, 2007. The objective of this essay is to observe and analyze how the weekly publication “O Eco”, founded in 1938 in Lençóis Paulista (300 Kilometers to the west of São Paulo), a city marked by the Italian immigration, built in its pages the representation of the World War Two. By choosing the study of a local reality, the research is looking to understand the social dynamics in which the newspaper is inserted to later decipher, on the borders limited by the cultural and political differences, its involvement with the war. For such, the lecture is sustained mainly in the theoretical formulations of Douglas Kellner, Sergi Moscovici, Laurence Bardin and Luiz Beltrão. As a methodological cut, 55 cover editorials were chosen, released between November 1939 and June of 1944, with the theme of the conflict. The research discuss the role of two points that composed the background for the acting of the weekly in the period: the disbelief environment, which was over the local journalism in the area, and the actions of the censor department of the New State in the Brazilian press. The analysis shows that although present in the newspaper’s agenda, the subjects related to the war are integrated to a strategy of the newspaper of hiding its ideological positions. Key-words: Communication; Journalism; World War Two FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS Figura 1. Representação do Estado de São Paulo com destaque para a região de Lençóis Paulista .................................................................................. 27 Figura 2. Fachada de casa comercial na rua 15 de Novembro, principal via de Lençóis Paulista, em 1909....................................................................... 30 Figura 3. Rua 15 de Novembro, principal via comercial de Lençóis Paulista, em fotografia estimada da década de 1960.............................................. 33 Figura 4. Capa da primeira edição do semanário O Eco (antes grafado E’cho) ..... 40 Figura 5. Mauro Chitto, Santina Lazzari e filhos, em 1907................................... 43 Figura 6. Marechal Pietro Badoglio visita Lençóis Paulista, em 1924 ................... 48 Figura 7. Alexandre Chitto, em 1932...................................................................... 49 Figura 8. Mensagem anti-Mussolini grafitada em muro de residência em Lençóis Paulista e atribuída a simpatizantes do comunismo – Década de 1930 .................................................................................................... 51 Figura 9. Pichações comunistas em muro de casa em Lençóis Paulista – Década de 1930 ....................................................................................... 51 Figura 10. Reprodução de edital da Delegacia de Polícia de Lençóis Paulista publicado no jornal O Eco em 16 de junho de 1940 ............................... 69 Figura 11. Reprodução de registro no Departamento de Imprensa e Propaganda publicado no jornal O Eco em 7 de julho de 1940 .................................. 70 Figura 12. Reprodução de texto publicado no O Eco em 23 de julho de 1940 ....... 72 Figura 13. Reprodução de publicação do O Eco em 19 de dezembro de 1940 ........ 93 Gráfico 1. Evolução numérica de editoriais sobre a Segunda Guerra Mundial no semanário O Eco...................................................................................... 57 Gráfico 2. Porcentagem temática sobre o universo de 55 editoriais analisados do semanário O Eco................................................................................. 62 Quadro 1. Editoriais de capa publicados no jornal O Eco, entre setembro de 1939 e julho de 1944, assinados por Alexandre Chitto, com a temática da Segunda Guerra Mundial (títulos com grafia original) ........ 58 Tabela 1. Pecuária em Lençóis Paulista, 1905-1940............................................... 28 Tabela 2. Evolução da propriedade segundo a nacionalidade dos proprietários em Lençóis Paulista, 1905-1940.............................................................. 31 ABREVIAÇÕES AIB – Ação Integralista Brasileira Ascana – Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê Deops – Departamento Estadual de Ordem Política e Social DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda FEB – Força Expedicionária Brasileira IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LBA – Legião Brasileira de Assistência PCB – Partido Comunista Brasileiro PNF – Partido Nacional Fascista PSP – Partido Social Progressista URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E CONCEITOS 2.1 Referencial teórico.................................................................................. 12 2.1.1 A contribuição de Kellner....................................................................... 18 2.2 Os editoriais no contexto do jornalismo de opinião ............................... 21 2.2.1 Editoriais: atributos e características ...................................................... 23 3. O ECO NO CONTEXTO DO INTERIOR PAULISTA 3.1 Lençóis Paulista, antiga boca do sertão .................................................. 26 3.2 O Eco no contexto do jornalismo local .................................................. 33 3.3 O Eco: espaço de representações sociais ................................................ 41 4. AS REPRESENTAÇÕES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NOS EDITORIAIS DO SEMANÁRIO O ECO 4.1 Categorização e descrição dos dados...................................................... 54 4.2 As diferentes etapas da cobertura ........................................................... 62 4.2.1 Pessimismo e apreensão relacionada à guerra ........................................ 64 4.2.2 O enigma de Moscou: a crítica ao comunismo no semanário ................ 74 4.2.3 Soberania nacional em foco.................................................................... 80 4.2.4 O viés econômico nos editoriais ............................................................. 88 4.2.5 A queda de Mussolini em pauta ............................................................. 95 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 100 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 106 APÊNDICE ANEXO 10 1. INTRODUÇÃO Os reflexos da Segunda Guerra Mundial no Brasil já foram estudados em suas mais variadas manifestações, mas ainda há muito a ser pesquisado e compreendido, sobretudo nas áreas distantes dos grandes centros urbanos. Este é o caso da região de Lençóis Paulista, município localizado a 300 quilômetros a oeste de São Paulo. A história do município remete ao século XIX e reforça as peculiaridades de sua formação, bem como sua importância para o desenvolvimento do interior paulista. Fundada oficialmente em 1858, a cidade caracterizou-se durante suas primeiras décadas de existência como uma terra de pequenos agricultores e criadores de gado que destinavam sua produção aos mercados local e regional, além da própria subsistência. Com a aproximação do século XX e a entrada em vigência das leis que restringiram e, mais tarde, proibiram a escravidão no Brasil, Lençóis Paulista recebeu um significativo número de famílias estrangeiras, principalmente as italianas. O último século ficou marcado pela acentuada fixação destas famílias na cidade, processo que influenciou a política, a economia e a cultura local. Em meio a tais particularidades, foi fundado em fevereiro de 1938, por Alexandre Chitto, Vicente de Paula Ferraz e Alcides Ferrari, o semanário O Eco, inicialmente chamado de E’cho, único veículo impresso de caráter local com circulação em Lençóis Paulista durante a Segunda Guerra Mundial. Observar e analisar a maneira como o jornal construiu em suas páginas a representação do conflito, proposta desta dissertação, constitui-se uma tarefa oportuna. Mesmo com o aumento de pesquisas acadêmicas com ênfase no jornalismo local, o presente estudo surge para contribuir no entendimento da história social da imprensa paulista. O que se ambiciona, portanto, é um olhar diferenciado para o período do conflito, analisando-o sob uma nova perspectiva: o olhar da imprensa local de Lençóis Paulista. Esta pesquisa foi iniciada no primeiro semestre de 2005, momento em que se comemoravam os 60 anos do final da Segunda Guerra Mundial. De todos os lados, notícias sobre o assunto ganharam na época as páginas dos mais representativos veículos da imprensa mundial. Na maior parte dos casos, no entanto, os fatos foram tratados em sua singularidade, com escassa relação com o conjunto social que determinou seus acontecimentos. 11 Por outro lado, passadas seis décadas do final da Segunda Guerra Mundial, constata-se, por meio de estudos que tornam a problematização contemporânea, que o assunto ainda permanece vivo. Ainda são muitas as zonas nebulosas que subsistem quanto às circunstâncias que conduziram o Brasil ao conflito. Da mesma maneira, ainda são reproduzidas diferentes versões que se entrecruzam na tentativa de explicação do envolvimento tanto dos pracinhas quanto da imprensa brasileira na guerra. Apesar da abertura dos arquivos diplomáticos brasileiros, numerosas fontes – entre elas os jornais e outros veículos de comunicação – permanecem até hoje inexploradas, senão inacessíveis. Ao optar pelo estudo de uma realidade local, a pesquisa assume o desafio de entender a dinâmica social em que o jornal O Eco se insere para depois decifrar, nas fronteiras delimitadas pelas diferenças culturais e políticas, seu envolvimento com a guerra. A dissertação está estruturada em três partes principais. No capítulo inicial, apresenta-se a base teórica sobre a qual a dissertação se sustenta e esclarecem-se conceitos que tiveram discussões oportunas no transcorrer da pesquisa. Também são apresentados os objetivos, a justificativa e a hipótese do estudo. O segundo capítulo se destina a mostrar as peculiaridades do semanário O Eco, objeto do estudo, contextualizando-o no âmbito de Lençóis Paulista e de sua colônia italiana. A cidade é caracterizada com dados relativos à evolução histórica e à formação econômica. Por sua vez, o veículo é observado junto a informações sobre o perfil do jornalismo local e sua evolução no interior de São Paulo. O terceiro e último capítulo segue o fio condutor iniciado no primeiro capítulo, com a apresentação da fundamentação teórica, e extendido no capítulo seguinte, com a contextualização e caracterização do objeto de estudo. Os dados selecionados são categorizados, tabelados e elencados em gráficos, na etapa que pode ser chamada de descritiva. Por fim, ocorre a interpretação, completando a cientificidade da pesquisa. Desta forma, mesmo sem a intenção de encontrar uma resposta fechada e definitiva sobre a atuação do semanário O Eco na cobertura da Segunda Guerra Mundial, a presente dissertação procura cumprir seu papel de trazer para a pesquisa acadêmica um tema de relevância para a memória de Lençóis Paulista e para os estudos do jornalismo local que muito provavelmente se esconderia por muitos outros anos nos arquivos históricos do veículo estudado. 12 2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA E CONCEITOS Este capítulo tem como finalidade apresentar a base teórica sobre a qual a dissertação se estrutura e esclarecer conceitos que tiveram discussões oportunas no transcorrer da pesquisa. São apresentados os objetivos, a justificativa e a hipótese do estudo. Como referencial teórico, o trabalho recorre às técnicas da análise de conteúdo, bem como ao modelo proposto por Douglas Kellner para o estudo das relações entre Comunicação e sociedade. Foca-se ainda no conceito de representações, importado da Psicologia Social, importante ferramenta utilizada na pesquisa. Por fim, para subsidiar a análise nos capítulos que se seguem, também são expostas – segundo a classificação de Luiz Beltrão – as características dos editoriais jornalísticos, recorte escolhido do objeto de estudo da dissertação: o semanário O Eco. 2.1 Referencial teórico Como qualquer outro veículo de comunicação que se articula como um privilegiado espaço de construção de representações, o semanário O Eco (inicialmente chamado de E’cho), fundado em 1938, na região de Lençóis Paulista (cidade localizada a 300 quilômetros a oeste de São Paulo), expressa em seu conteúdo mais que simples editoriais, matérias, notas ou anúncios publicitários. Devidamente contextualizado, o semanário revela parte da história, da ideologia e da cultura da localidade em que esteve inserido em um determinado período histórico. No âmbito da pesquisa, portanto, o semanário pode ser interpretado como um agente histórico, conforme definem Barbosa e Morel (2003): Na tradicional historiografia identificada como historicista, a imprensa aparecia em geral como fonte privilegiada na medida em que era vista como portadora dos "fatos" e da "verdade". Em seguida, com a renovação dos estudos históricos e a ênfase numa abordagem que privilegiava o sócio-econômico, a imprensa passou a ser relegada à condição subalterna, pois seria apenas "reflexo" superficial de idéias que, por sua vez, eram subordinadas estritamente por uma infra-estrutura sócio-econômica. E a subseqüente renovação historiográfica, com destaque às abordagens políticas e culturais, redimensionou a importância da imprensa, que passa a ser considerada como fonte documental (na medida em que expressa discursos e expressões de protagonistas) e também como agente histórico que intervém nos processos e episódios, não mero "reflexo". (BARBOSA e MOREL, 2003) 13 Maria Immacollata Vassallo Lopes (2001) adverte que a comunicação não pode ser investigada fora dos marcos do contexto econômico, social, político e cultural que a envolve. Desta forma, decifrar tais relações – proposta da presente pesquisa – requer a escolha de uma metodologia específica e o uso de técnicas adequadas. O processo científico de construção do conhecimento que marca este estudo exige o planejamento de uma trajetória metodológica marcada por diferentes etapas: da escolha do objeto de estudo ao levantamento da hipótese; da fase de observação aos procedimentos descritivos, para chegar, ao final, à interpretação. Desta forma, convém antes de mais nada apresentar os fundamentos teóricos e metodológicos sobre os quais a pesquisa está edificada. Por sua complexidade metodológica, a pesquisa em comunicação já traz si um obstáculo ao processo de investigação. Contudo, a vigilância e o rigor acadêmico fazem-se fundamentais para a formatação do conhecimento empírico e a construção, na prática, do conhecimento científico. Respeitando as dimensões epistemológicas, teóricas, metodológicas e técnicas, justificam-se os procedimentos adotados nas diferentes fases da pesquisa. Este trabalho, assim como a maior parte dos trabalhos científicos, nasceu de uma inquietação: por quais motivos estudar a maneira como um semanário isolado no interior do Estado de São Paulo, a cerca de 300 quilômetros da capital estadual, construiu representações em um não menos longínquo período da história, entre 1939 e 1945, anos marcados pela efervescência da Segunda Guerra Mundial? A escolha do objeto da pesquisa não se deu ao acaso. A preferência das escolas de comunicação pelas pesquisas e estudos da chamada grande imprensa, concentrada nos grandes centros urbanos, acabou por relegar a um segundo plano os jornais locais como se tivessem pouca ou nenhuma relevância no contexto da atividade jornalística, o que torna oportuna a presente proposta. Outro ponto que chama a atenção no desenvolvimento da pesquisa diz respeito à própria história da localidade na qual o veículo se insere. Prestes a completar 150 anos de fundação oficial, Lençóis Paulista ainda apresenta um quadro de carência no que diz respeito ao seu resgate histórico. Apesar do trabalho esporádico de alguns pesquisadores e de a cidade possuir uma volumosa biblioteca pública dotada de acervo histórico, pouco a população lençoense conhece do seu passado. Elevada à freguesia em 1858, Lençóis Paulista constitui-se uma cidade formada essencialmente por famílias de imigrantes italianos. Famílias, estas, que fugindo da 14 recessão econômica que tomou conta do território italiano a partir da década de 1870, cruzaram o Oceano Atlântico e adentraram no interior de São Paulo, sobretudo a partir da década de 1890, para ocuparem as vagas na ascendente cultura cafeeira em substituição à mão-de-obra escrava. Em razão da maciça presença de imigrantes italianos, assunto tratado de maneira mais específica no próximo capítulo, Lençóis Paulista criou, desde os primeiros anos do último século, uma relação muito peculiar com a Itália. Tal relação repercutiu nos destinos político, econômico e cultural do município. Com a entrada em vigência do regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1937, e mais tarde, em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, no entanto, as relações entre a população de Lençóis Paulista e a Itália se tornaram mais complexas. Identifica-se uma espécie de lacuna na história da cidade, contribuindo para a construção da hipótese da pesquisa: a de que a região tenha dado um tratamento peculiar à guerra motivado pela presença da colônia italiana. Frente a tal lacuna e com a prevalência de interpretações equivocadas sobre os reflexos da Segunda Guerra Mundial no interior paulista, são escassos os instrumentos que podem ser utilizados por um estudo das representações construídas no período. Um rico instrumento de análise são os textos impressos do jornalismo local, importante objeto de exploração pela pesquisa acadêmica. Neste sentido, partindo da curiosidade sobre o processo comunicacional no jornalismo interiorano no período que compreendeu o maior conflito bélico do último século, foi elaborado o projeto de pesquisa inicial, ponto de partida deste trabalho, levantando problemas e objetivos. Como objetivo geral, propôs-se um estudo da construção das representações da Segunda Guerra Mundial em um semanário do interior paulista. Conforme já exposto, o veículo adotado como objeto de análise é o jornal O Eco, de Lençóis Paulista, localidade que recebeu significativas influências da imigração italiana. Os objetivos específicos apresentados no projeto de pesquisa inicial são: identificar, pela ótica da notícia impressa, a evolução do contato entre os lençoenses e a Itália no período estudado; estudar de maneira crítica o processo de mitificação de personagens históricos feito pelas versões oficiais entre os anos de 1939 e 1945; e contribuir para a construção de uma visão mais crítica sobre as repercussões da Segunda Guerra Mundial na história de Lençóis Paulista e do interior do Estado de São Paulo. Após uma análise preliminar do arquivo histórico do jornal, optou-se pelo estudo dos editoriais de capa assinados por Alexandre Chitto, jornalista e editor 15 responsável pelo veículo. A opção metodológica pelos editoriais se deu pela relevância dos textos no veículo (salvo algumas poucas exceções, estampavam sempre a primeira página) e por representarem a opinião do jornal sobre os temas estudados. Além disso, conforme será abordado à frente, considera-se que os editoriais constituem espaços privilegiados para o desenvolvimento de estudos acadêmicos no campo da Comunicação. Para o entendimento das relações que envolvem a presença da Segunda Guerra Mundial nas temáticas abordadas nos editoriais do semanário O Eco, um importante recurso é o conceito de representações. Moscovici (2003) centra-se no fenômeno da comunicação para fundamentar suas idéias sobre o conceito. Segundo o autor, a comunicação possui papel essencial nas representações. É ela que atua no desejo da familiarização com o desconhecido: “Todo desvio do familiar, toda ruptura da experiência ordinária, qualquer coisa para a qual a explicação não é óbvia, cria um sentido suplementar e coloca em ação uma procura pelo sentido e explicação do que nos afeta como estranho e perturbador” (MOSCOVICI, 2003, pág. 207). Moscovici interpreta a comunicação na tentativa da construção de uma ligação entre o estranho e o familiar, sendo esta responsável pela gênese das representações sociais. Desta forma, ao passo que são formadas representações a fim da familiarização com o estranho, também são constituídas representações para a redução da margem de não-comunicação em um determinado público. Sustenta o autor: “As representações sociais têm como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não problemática e reduzir o ‘vago’ através de certo grau de consenso entre seus membros” (MOSCOVICI, 2003, pág. 208). O conceito de representações apresentado por Moscovici – presente na “familiarização do desconhecido” – é oportuno na pesquisa, sobretudo se levada em consideração a distância entre o palco onde se desenrolava as negociações e os conflitos da Segunda Guerra Mundial e o interior de São Paulo, onde estão inseridos Lençóis Paulista e, consequentemente, o semanário O Eco. Apesar da guerra propriamente dita ter se desenrolado principalmente em solo europeu, suas influências e conseqüências percorreram, essencialmente via imprensa, todos os continentes do globo. Para os brasileiros não foi diferente. No Brasil, as notícias atingiram também o interior de São Paulo, chegando a cidades do centro-oeste do Estado, como Lençóis Paulista. Ainda com acesso restrito aos grandes veículos da comunicação de massa da época, a 16 população da cidade tinha na mídia local, sobretudo no jornal impresso, uma importante fonte de informação sobre o desenrolar do conflito. O jornal impresso, como veículo de comunicação, tem sua importância ressaltada não somente como fonte para se contar a história, mas também como um instrumento de preservação da memória coletiva. Como mídia, o jornal se apresenta como um elemento concreto da memória social, reunindo histórias escritas por profissionais segundo as convenções jornalísticas de um determinado período. O jornal do interior, por sua vez, desempenha um papel ainda mais particular frente ao leitor. Ao possuir uma convivência próxima do receptor, o jornal local caracteriza-se como um instrumento fundamental na conquista da população. Portanto, era por meio de representações construídas que a população de Lençóis Paulista, receptora das mensagens publicadas pelo jornal O Eco, tomava conhecimento do desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Em muitos casos, o produto final veiculado nas páginas do semanário era composto de representações construídas sobre outras representações, já que o veículo se pautava por informações oriundas de agências e/ou veículos internacionais. Para fundamentar o estudo e desvendar como ocorreu a construção de tais representações nos editoriais do jornal O Eco, foi escolhida como ferramenta a análise de conteúdo. Alguns autores classificam a análise de conteúdo como um método de pesquisa enquanto outros a chamam de técnica. Há também os autores que a classificam como método técnico. Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo consiste em: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p.42) Para o autor, a análise de conteúdo deve ser baseada na dedução que “absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito do não-dito, retido por qualquer mensagem” (BARDIN, 1977, p.9). Ou seja: por trás de todo discurso aparente – simbólico e polissêmico – esconde-se um sentido que convém desvendar. A saída exposta por Bardin é o rigor metodológico aliado à atenção especial às condições de produção – ou contexto em que os textos foram produzidos. Deriva daí a exigência de um cuidado redobrado na realização da análise qualitativa. 17 A análise qualititativa apresenta certas características particulares. É válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não tem inferências gerais. Pode funcionar sobre corpus reduzidos e estabelecer categorias mais descriminantes, visto não estar ligada, enquanto análise quantititativa, a categorias que dêem lugar a freqüências suficientemente elevadas, para que os cálculos se tornem possíveis. Levanta problemas ao nível da pertinência dos índices retidos, visto que seleciona estes índices sem tratar exaustivamente todo o conteúdo, existindo o perigo de elementos importantes serem deixados de lado, ou de elementos não significativos serem tidos em conta. A compreensão exata do sentido é, neste caso, capital. Além do mais, o risco de erro aumenta, por que se lida com elementos isolados ou com freqüências fracas. Donde a importância do contexto. Contexto da mensagem, mas também contexto exterior a este: quais serão as condições de produção, ou seja, quem é que fala a quem e em que circunstâncias? Qual será o montante e o lugar da comunicação? Quais os acontecimentos anteriores ou paralelos? (GEORGE, 1959, apud BARDIN, 1977, p.114) De forma prática e obedecendo as etapas que concedem o rigor metodológico ao estudo, a análise de conteúdo pode ser sistematizada da seguinte maneira: seleciona-se a amostragem do documento a ser estudado; levantam-se as hipóteses baseadas em pressupostos empíricos e que mais tarde serão confirmadas ou rejeitadas; define-se a unidade de codificação para a análise quantititativa; criam-se categorias para classificar os temas; relacionam-se os resultados obtidos na contagem com as técnicas pré- estabelecidas; e, para finalizar, confrontam-se as proposições obtidas com as hipóteses levantadas anteriormente. Tais etapas foram cumpridas para que fosse possível conhecer – quantitativamente – a representação dos temas escolhidos para a avaliação do semanário O Eco. Os textos estudados estão compreendidos entre setembro de 1939 – mês da invasão da Polônia pela Alemanha, evento essencial para a deflagração do conflito – e julho de 1944 – quando os aliados já haviam desembarcado na Normandia e o território soviético já estava inteiramente libertado das tropas do “Eixo”. A data final foi escolhida devido a uma variável que poderia alterar substancialmente a pesquisa: não foram encontrados nos arquivos históricos do jornal as edições compreendidas entre agosto e dezembro de 1944, o que prejudicaria uma abordagem estendida até o dito final oficial da guerra, com a capitulação de Berlim, em 2 de maio de 1945, ou com a capitulação do Japão, em 14 de agosto de 1945. Desta forma, trabalhando com textos publicados entre setembro de 1939 e julho de 1944, entende-se que o estudo conta com um corpo de pesquisa representativo e que compreende diferentes e importantes fases do conflito – entre elas, a tomada de posição do Brasil ao lado dos aliados, em meados 18 de 1942, o armistício italiano, em setembro de 1943, e a derrota dos alemães pelos soviéticos em Stalingrado, no mesmo ano. Foram selecionados 55 textos, todos que de alguma maneira abordam a Segunda Guerra Mundial como temática. O resultado da análise quantitativa foi sintetizado em gráficos e tabelas, apresentados e analisados no terceiro capítulo. Por sua vez, a interpretação dos dados coletados, subsidiada pela pesquisa bibliográfica, leva em consideração a condição de produção dos textos (BARDIN, 1977), o que permite estudar os fenômenos dentro do contexto social que configura a totalidade. Nesta perspectiva, pode ser traçado um paralelo entre a conceituação de Bardin e a de Douglas Kellner (2001), sobretudo quando o segundo afirma que “também se deve prestar atenção ao que fica de fora dos textos ideológicos, pois frequentemente são as exclusões e os silêncios que revelam o projeto ideológico do texto” (KELLNER, 2001, p.149). Aliada à análise de conteúdo, a contribuição teórica de Kellner permite uma observação mais aprofundada da construção de representações sobre a Segunda Guerra Mundial nos editoriais do semanário O Eco. 2.1.1 A contribuição de Kellner Desencadear um diálogo mais intenso entre duas das mais importantes tradições de pensamento no campo da comunicação – isto é, entre a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais britânicos – consiste no principal desafio da proposta teórica elaborada pelo norte-americano Douglas Kellner. A relação do autor com os frankfurtianos não é recente. Graduado em Filosofia na década de 1960, Kellner chegou à universidade com uma bagagem privilegiada conquistada ainda durante o ensino secundário quando teve recomendada a leitura de autores como Eric From e Martin Buber. Em artigo sobre a trajetória de Douglas Kellner, Leite (2004) ressalta que a leitura desses autores funcionou como a porta de entrada para os textos dos intelectuais alinhados à Escola de Frankfurt. “O contato mais profundo com a Filosofia estimulou o interesse pelos pensadores que mais tarde ele definiu como fundamentais para a compreensão da sociedade contemporânea, em especial: Karl Marx, Friedrich Nietzche e Sigmund Freud” (LEITE, 2004, p.4). As revoltas estudantis de 1968 tiveram forte influência sobre o ainda estudante de Filosofia Douglas Kellner. Na época, Kellner se engajou no movimento político conhecido como a New Left, novo grupo de esquerdistas influenciados pelo discurso de 19 do líder soviético Nikita Kruchev na vigésima edição do Congresso do Partido Comunista da URSS, denunciando malevolências cometidas durante o período de Joseph Stalin no poder. O acontecimento repercutiu decisivamente entre os filiados ao Partido Comunista inglês, decorrendo na saída de importantes intelectuais. Entre eles, deixaram o partido Eric Hobsbawm, Rodney Hilton, E. P. Thompson e Raymond Willians. Os dois últimos, ao lado de Richard Hoggart, foram fundadores dos Estudos Culturais Britânicos e influenciadores do pensamento acadêmico de Kellner. Em 1969, ao concluir a graduação na Universidade de Columbia, Douglas Kellner foi contemplado com uma bolsa de estudos do governo alemão para concluir seus estudos na Europa. Na Alemanha, aprofundou seus conhecimentos na Teoria Crítica, participando de grupos de estudo e cursando disciplinas sobre a Escola de Frankfurt (LEITE, 2004). Tal formação, somada aos Estudos Culturais britânicos, constituiu seu principal referencial teórico. A Escola de Frankfurt, segundo Kellner, desenvolveu seu modelo de Indústria Cultural, entre as décadas de 1930 e 1950, e a seguir não desenvolveu nenhuma abordagem significativamente nova ou inovadora para a cultura da mídia. Já os Estudos Culturais britânicos surgiram nos anos 60 como um projeto de abordagem da cultura a partir de perspectivas críticas e multidisciplinares (KELLNER, 2001, p.47). Portanto, a formação peculiar do autor – influenciado por ambas as tradições – o permitiu visualizar uma soma frutífera entre a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais britânicos, conforme explica Leite (2004): Na ótica de Douglas Kellner, a Escola de Frankfurt tem sido acusada, injustamente, pelos pesquisadores ligados aos Estudos Culturais, de elitismo e reducionismo. Pois, a despeito de algumas diferenças significativas de enfoque e interpretação, há perspectivas comuns entre as duas escolas. Tais perspectivas devem servir de base para o diálogo mais intenso entre ambas. A articulação das afinidades é frutífera desde que se faça o cotejamento das suas possibilidades e dos seus limites. O diálogo pode produzir, por exemplo, novas perspectivas que contribuirão, entre outros aspectos, para o desenvolvimento de Estudos Culturais mais robustos, isto é, que não coloquem em um plano secundário, o horizonte social que serve de contexto para a produção da cultura veiculada pela mídia. Assim, o autor argumenta que antes de antagônicas, a Escola de Frankfurt e os Estudos Culturais apresentam concepções reciprocamente complementares que podem implicar em uma nova configuração para os avanços das pesquisas no campo da comunicação. (LEITE, 2004, p.8) Nas palavras do próprio Kellner, os teóricos dos Estudos Culturais pecam por não incluírem em suas análises importantes variáveis: 20 Essa ênfase no texto/público, porém, deixa de lado muitas mediações que devem fazer parte dos Estudos Culturais, incluindo análises do modo como os textos são produzidos no contexto da economia política e do sistema de produção da cultura, e o modo como o público e sua subjetividade são produzidos pelas várias instituições, práticas e ideologias. (...) Nosso argumento é que focalizar apenas textos e públicos, excluindo a análise das relações e instituições sociais nas quais os textos são produzidos e consumidos, trunca os Estudos Culturais tanto quanto a análise de recepção que deixe de indicar o modo como o público é produzido por meio de suas relações sociais e como, até certo grau, a própria cultura ajuda a produzir os públicos e a recepção destes textos. (KELLNER, 2001, p.56) Por outro lado, Kellner também reconhece que a mídia nunca foi homogênea e massificada como postulou o modelo da Escola de Frankfurt. Além disso, o autor ainda critica a forma problemática como os frankfurtianos colocaram o dualismo entre a arte autêntica e a cultura de massa, desprezando momentos críticos, emancipatórios e/ou subversivos da cultura contemporânea. Voltando aos Estudos Culturais britânicos, Kellner valoriza a maneira como eles reconhecem a constituição de formas distintas de identidade. Neste sentido, coloca em evidência o modo como diferentes grupos resistem aos diferentes sistemas de dominação cultural, criando novos estilos e novas identidades. Transitando entre os aspectos considerados por ele positivos nas diferentes tradições, Douglas Kellner propõe um estudo cultural multiperspectívico1, incluindo a investigação dos textos culturais em três dimensões: 1) produção e economia política da cultura; 2) análise textual e crítica dos artefatos; e 3) estudo da recepção e dos usos das mensagens midiáticas. A abrangência do modelo multiperspectívico de Kellner aponta a pertinência de, no plano teórico, considerar-se tanto a produção quanto a circulação e o consumo de um texto jornalístico. A presente dissertação, por motivos práticos, foca-se mais especificamente nas duas primeiras dimensões do modelo. Tomada como uma das referências norteadoras da pesquisa, a conceituação que Kellner faz da cultura da mídia serve, nesta pesquisa, de suporte para a análise das representações da Segunda Guerra Mundial pelo jornal O Eco. Kellner inclui na cultura da mídia os textos culturais veiculados pela imprensa. Desta forma, pode-se entender os textos jornalísticos veiculados pelo semanário O Eco como partes dessa cultura. Para o 1 Termo inspirado no perspectvismo de Nietzsche, segundo o qual toda interpretação é necessariamente mediada pela perspectiva de quem a faz, portanto, trazendo inevitavelmente em seu bojo pressupostos, valores, preconceitos e limitações. Para Douglas Kellner, deve ficar claro que o multiperspectivismo é diferente de um ecletismo liberal ou de pout-pourri de diferentes pontos de vista. 21 autor, as formas da cultura da mídia são intensamente políticas e ideológicas. Sendo assim, sugere Kellner, quem deseja saber como ela incorpora posições políticas e exerce efeitos políticos deve aprender a ler politicamente a cultura da mídia. Ainda segundo o autor, o conceito de ideologia não deve se restringir à dominação econômica (de classe), mas também se estender às outras formas de dominação existentes na sociedade, como sexo e raça. “Parte-se assim do pressuposto de que a sociedade é um grande campo de batalha, e que essas lutas heterogêneas se consumam nas telas e nos textos da cultura da mídia e constituem o terreno apropriado para um estudo crítico da cultura da mídia” (KELLNER, 2001, p.79). Seguindo a perspectiva exposta por Kellner, entende-se que neste grande “campo de batalha” os diferentes projetos políticos e ideológicos buscam sempre conquistar o consentimento do público receptor. A cultura da mídia, assim como os discursos políticos, ajuda a estabelecer a hegemonia de determinados grupos e projetos políticos. Produz representações que tentam induzir anuência a certas posições políticas, levando os membros da sociedade a ver em certas ideologias “o modo como as coisas são”. (KELLNER, 2001, p.81) O que está em jogo é o desenvolvimento de um estudo que analise, em primeiro lugar, o modo como a cultura da mídia “transcodifica as posições dentro das lutas políticas existente e, por sua vez, fornece representações que, por meio de imagens, espetáculos, discursos, narrativas e outras formas culturais, mobilizam o consentimento a determinadas posições políticas” (KELLNER, 2001, 86). Apesar de tratar da cultura contemporânea, entende-se que a contribuição de Douglas Kellner pode também ser transportada para o estudo de acervos históricos, como é o caso do O Eco durante a Segunda Guerra Mundial, levando em consideração, sobretudo, os diferentes projetos políticos e ideológicos que se emancipavam na época e eram refletidos nas páginas do semanário. 2.2 Os editoriais no contexto do jornalismo de opinião Amparada pela proposta teórica de Douglas Kellner, a pesquisa também apresenta uma orientação metodológica que justifica seu recorte. A escolha dos editoriais do semanário O Eco como objeto de estudo se deu – dentre outras condições já expostas – pela relevância dos textos no veículo. Tratam-se os editoriais de espaços 22 privilegiados de construção de representações nas páginas do semanário lençoense. Tal característica, evidentemente, não consiste em peculiaridade do jornal O Eco. Desde sua gênese, o jornalismo com caráter opinativo serviu a interesses de grupos específicos, com projetos políticos e ideológicos diferentes. O início do jornalismo de opinião remete à origem da imprensa. As folhas volantes, avulsos impressos que foram os precursores do jornal, eram eminentemente opinativas, como as que circularam após a descoberta da imprensa de Johannes Gutenberg e fizeram propaganda, entre outros temas polêmicos, da Reforma na Alemanha e em outros países que se desligaram da ortodoxia da Igreja de Roma. Porém, logo a impressão dessas folhas opinativas nos territórios protestantes passou a ser controlada e monopolizada pela autoridade leiga e pela Igreja, impondo-se a dupla censura – governamental e eclesiástica, que ainda se confundiam em somente um instrumento de poder. Desta forma, como se sucederia com os primeiros jornais do século XVII, os volantes deste longo período, de quase dois séculos, acabaram por ser, sobretudo, repositório de informações (BELTRÃO, 1980). Mais tarde, com os movimentos sociais e a efervescência política provocada na Europa pela Revolução Burguesa, o prestígio da imprensa foi restaurado e a imprensa de opinião foi praticamente recriada. “O público reclamava uma orientação e os impressos foram convertidos em agentes de luta, adotando, propagando e defendendo determinados princípios e ideologias e combatendo os opositores” (BELTRÃO, 1980, p.35). Os primeiros editores de folhas impressas, no século XVII, foram agentes de correios ou impressores de livros, que, contudo, não redigiam especialmente ao público. Limitavam a divulgar notícias ou opiniões como lhes chegavam às mãos. Tratava-se de um mero negócio. Porém, a atividade chegou a ser encarada de outro modo quando o Estado absolutista se apoderou dos elementos noticiosos ao verificar a importância política da difusão de informação. É nesta fase que, segundo Beltrão (1980), o Estado editor requer o trabalho do jornalista, passando este a formar um emprego independente. Resultam, assim, os três agentes do jornalismo com atividades profissionais definidas: o jornalista, o editor e o gráfico, sobre os quais pesaria por longo tempo rigorosa censura. Depois de 1789, com a queda da censura e o estabelecimento da liberdade de opinião, se desenvolve o jornalismo da era liberal. Primeiramente, é o jornalista que obtém decisiva influência sobre a configuração do jornal, de 23 modo que se torna, nesse tempo, seu editor, sem dirigente espiritual e quem determina seu conteúdo e seus fins. (DOVIFAT apud BELTRÃO, 1980, p.47) Dos fins do século XVIII até a metade do século XIX, consolida-se a autonomia e a soberania individual da personalidade jornalística. “Se o editor aparece, é como um simples mandatário do jornalista, que cuida da impressão e da distribuição” (BELTRÃO, 1980, p.47). Desde então, passando pelas primeiras décadas do século XX (contexto do semanário O Eco, criado no final da década de 1930), começaram a ser moldadas as características do editor – e consequentemente dos editoriais – que se conhece no jornalismo moderno. Tais características, descritas a seguir segundo a classificação de Beltrão (1980), são importantes ferramentas para o estudo da construção de representações pelo jornal O Eco, subsidiando a análise nos próximos capítulos. 2.2.1 Editoriais: atributos e características É através do editorial, principalmente, que o grupo proprietário e administrador de um periódico manifesta sua opinião sobre os fatos que se desenrolam em todos os setores de importância e interesse para a sociedade e para a própria empresa. Para Beltrão (1980), o editorial é a voz do jornal, sua tribuna. Difere-se o editorial da notícia não somente por suas características estruturais, mas também por sua profundidade. Por representar uma manifestação do ponto de vista do grupo editorial, tal gênero jornalístico apresenta características especiais, entre elas, a impessoalidade. O jornal é um catalisador de opiniões, um agente da consciência pública. Não é o que eu penso o que exprimo no editorial, mas o somatório do que pensa uma expressiva parcela da opinião pública, representada pelo grupo que fundou, orienta e mantém o jornal. Este pensamento que eu – como encarregado de colaborar e redigir o editorial – tenho de exprimir se origina na política editorial, ou seja, na linha filosófico-prática daquele grupo mantenedor e administrador do periódico. (BELTRÃO, 1980, p.52) Além da impessoalidade, explícita ou não, Beltrão (1980) categoriza outros três atributos para os editoriais: a topicalidade, a condensibilidade e a plasticidade. A topicalidade consiste na propriedade do texto de exprimir não somente a opinião sedimentada, mas, sobretudo, a opinião que está em formação. Para Beltrão, o leitor dos editoriais é “um ser perplexo diante da vertiginosa mutação da face do mundo e que 24 busca no jornal a explicação, enciclopédica ou protética, de tudo quanto de significativo e decisivo está acontecendo ao seu redor e até mesmo daquilo que vai acontecer” (BELTRÃO, 1980, p.53). Terceiro atributo do gênero, a condensibilidade se configura na busca do editorial em focalizar uma idéia central única, uma vez que visa exprimir várias idéias em um espaço curto. Abertas muitas lacunas, o editorialista não alcançaria êxito de uma boa conclusão. Por fim, a plasticidade – quarto atributo – ocorre em razão de o editorial possuir caráter persuasivo por excelência, visando orientar os indivíduos por si e a comunidade em geral. E assim deve fazê-lo com flexibilidade, sem dogmatismos (BELTRÃO, 1980, p.53). Beltrão (1980, p.56-57) propõe ainda outras classificações para o gênero, incluindo questões como morfologia e estilo. Pelo caráter da presente pesquisa, este capítulo toma a liberdade de se prender às questões da topicalidade e do conteúdo dos editoriais. Quanto à topicalidade, os editoriais podem ser: Preventivo: quando se antecipam à realidade, apontando situações, fixando circunstâncias e focalizando aspectos reveladores de que determinados sucessos se irão produzir na sociedade; De ação: quando acompanham imediatamente a ocorrência, analisando suas causas e apreciando seu desenvolvimento, com o objetivo de esclarecer o público em pleno impacto da realidade; De conseqüência: quando resultam do exame das repercussões e dos efeitos do fato, da dedução da realidade. Quanto ao conteúdo, podem ser os editoriais: Informativo: que se destina a esclarecer o leitor sobre determinados fatos, idéias ou situações, ajuntando pormenores e explorando aspectos que passaram despercebidos ou não estão explícitos na notícia; Normativo: que intenta convencer o leitor a atuar em determinado sentido, inspirando-o, encorajando-o, exortando-o por meio de sentenças e argumentos lógicos e incitadores; 25 Ilustrativo: que objetiva aumentar o cabedal de instrução do leitor, entretê-lo, despertar seu interesse para a apreciação de questões e facetas menos comuns da vida e do cotidiano. Em estudo sobre os gêneros jornalísticos no veículo Folha de S.Paulo, José Arbex Júnior (1992) traça outras considerações sobre os editoriais. Segundo o autor, os editoriais não refletem apenas a opinião de seus proprietários nominais, mas o consenso das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da organização. A visão de Arbex Júnior é compartilhada por José Marques de Melo (1985). Para Melo: Além dos acionistas majoritários, há financiadores que subsidiam a operação das empresas, existem anunciantes que carreiam recursos regulares para os cofres da organização através da compra de espaço, além de braços do aparelho burocrático do Estado que exercem grande influência sobre o processo jornalístico pelos controles que exercem no âmbito fiscal, previdenciário, financeiro. (MELO, 1985, p.119) Neste sentido, o editorial deve ser compreendido como espaço de contradições, pois, como define Melo (1985), seu discurso constitui uma teia de articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio semântico. Ainda sobre os editoriais, vale ressaltar que apesar das classificações e características apresentadas, os textos do semanário O Eco escolhidos para a análise possuem particularidades que serão debatidas à frente. Ao invés da impessoalidade explícita, por exemplo, nota-se nos textos – entre outras peculiaridades – a assinatura do jornalista e editor Alexandre Chitto em todos os textos. Tais particularidades, que envolvem também a linguagem em que os editoriais foram redigidos, refletem a estrutura da empresa jornalística pesquisada e a época de suas publicações, como veremos no capítulo que segue. 26 3. O ECO NO CONTEXTO DO INTERIOR PAULISTA Este capítulo apresenta o contexto no qual está inserido o semanário O Eco, objeto de estudo da pesquisa. Num primeiro momento são expostas as características da região de Lençóis Paulista, com dados referentes à evolução histórica e à formação econômica. Posteriormente, são apresentadas informações sobre o perfil do jornalismo local e sua evolução no interior de São Paulo até chegar ao contexto do O Eco. As peculiaridades do veículo e seu envolvimento na sociedade lençoense, bem como as relações nutridas com a colônia italiana fixada na cidade, são expostas na parte final do capítulo. 3.1 Lençóis Paulista, antiga boca do sertão A Lençóis Paulista que fertilizou terreno para a atuação do semanário O Eco localiza-se a 300 quilômetros a oeste de São Paulo. A história da cidade, que remete ao século XIX, reforça as peculiaridades de sua formação e sua importância no passado para o desenvolvimento do interior paulista. A partir de 1721 passaram a ser divididas em sesmarias as terras demarcadas pelo rio Paranapanema na região de Botucatu, local que servia para a pousada de exploradores a caminho do sertão. A doação de sesmarias era seguida da exigência de se trabalhar a terra sob pena da devolução à coroa portuguesa. A primeira referência feita a Lençóis Paulista (antiga Lençóes) até hoje encontrada em documentos oficiais ocorre em uma carta de sesmaria lavrada na capital da província de São Paulo, em 12 de março de 1818. O primeiro proprietário de sesmaria na região de Lençóis Paulista foi Antonio Antunes Cardia, que recebeu da coroa portuguesa as terras à margem do rio Lençóis (antigo rio Lençóes), desde o ponto em que o afluente deságua no rio Tietê (SÃO PAULO, 1944). Estima-se que na época em que Antonio Antunes Cardia recebeu sua sesmaria já existiam na região alguns roçados isolados e distantes entre si, tocados por posseiros que se aventuravam pelo sertão em busca de terras devolutas. Há registros de posse de terras na região do rio Batalha (região da atual Bauru) – portanto, mais ainda sertão adentro – a partir de 1830, o que nos leva a supor que o que seria a futura Lençóis Paulista já tinha seus primeiros moradores. Era natural de Minas Gerais boa parte dos 27 primeiros povoadores e isso pode ser comprovado estatisticamente. Um único livro de registros de nascimento de crianças livres entre os anos de 1876 e 1877 dá números a esta constatação. São 234 registros que nos revelam que 35% dos pais e 25% das mães eram originários da província mineira. A maior presença de homens provenientes de Minas Gerais pode estar relacionada à estrutura familiar do período alinhada às dificuldades da transposição do vasto território até o estabelecimento na fronteira e à permanência nessa região ainda não provida de todos os recursos necessários a uma vida sem maiores sobressaltos, como meios de transportes e de comunicação (FERNANDES, 2003). Figura 1 – Representação do Estado de São Paulo com destaque para a região de Lençóis Paulista. Fonte: Biblioteca Municipal Orígenes Lessa – Lençóis Paulista. Durante os últimos anos da escravidão no Brasil, Lençóis Paulista foi a “boca de sertão” paulista, mantendo sob sua jurisdição uma vasta área compreendida entre os rios Tietê e Paranapanema. Tendo se elevado à freguesia em 1858 e à vila em 1865, desmembrando-se de Botucatu, Lençóis Paulista, por sua vez, deu origem a várias outras importantes povoações (entre elas, os atuais municípios de Agudos, Bauru e 28 Santa Cruz do Rio Pardo) que foram se estabelecendo à medida que o século chegava ao seu final. Nesta etapa do povoamento paulista, novas características o diferenciavam de outras épocas e regiões: O advento da ferrovia, a entrada dos imigrantes, o avanço do café, as leis abolicionistas formavam um pano de fundo que dava uma singularidade própria a esta “boca do sertão”, cuja ocupação se deve, em parte, à presença de mineiros que, com o declínio da mineração, se deslocaram para diversas áreas paulistas. Deve-se ressaltar, também, o intenso movimento de desmembramentos territorial e populacional que caracterizou a região no século XIX. (FERNANDES, 2003, p.5) A grande força econômica de Lençóis Paulista derivou, por muito tempo, da atividade agrícola. Em meados do século XIX, a cidade era caracterizada como uma terra de pequenos agricultores e criadores de gado que destinavam sua produção aos mercados local e regional, além da própria subsistência. As criações preferidas dos primeiros lençoenses eram o gado bovino e o suíno. Este último, por representar uma atividade de baixo custo, tornava-se viável à população mais pobre. Além disso, a criação de porcos era tradicional na Província de Minas – e muitos mineiros foram povoadores dos sertões do planalto ocidental paulista. Mas não só de bois e porcos se compunha a pecuária daqueles tempos. Havia, ainda, cavalos, burros e carneiros, os primeiros como força animal nas tarefas do cotidiano dos sítios e roçados espalhados pelo vasto território da então Lençóes. Há dados da pecuária lençoense nas primeiras décadas do século XX que mostram que esta atividade perdeu força com o passar dos anos, possivelmente reflexo da opção de muitos fazendeiros pela atividade agrícola, primeiro com o café e depois com a cana-de-açúcar. A tabela abaixo dá números a esta situação: Tabela 1 – Pecuária em Lençóis Paulista, 1905-1940 GadoAnos Bovino Eqüino Asinino e muar Total 1.905 - - - 19.873 1.920 12.793 2.868 1.916 17.577 1.934 10.567 2.240 1.986 14.793 1.940 8.374 1.581 1.245 11.200 Fonte: Camargo, 1952 29 Pode-se supor que a decadência da atividade criatória esteja relacionada à própria evolução de Lençóis Paulista. Seus primeiros povoadores vieram de áreas de povoamento mais antigo, como o sul de Minas ou a região paulista conhecida como a “parte baixa” da cuesta de Botucatu (popularmente chamada de Serra de Botucatu). Traziam seus pertences e dentre eles, provavelmente, gado. Ao se fixarem na terra, formaram seus roçados e se dedicaram a outras culturas, como o algodão (que teve um período áureo na Província de São Paulo entre 1860 e 1875) e principalmente o café, que se alastrou por toda a província. Este último foi o responsável pelo surgimento de fortunas e, por várias décadas, fez com que muitos agricultores abandonassem antigas atividades e formassem cafezais (FERNANDES, 2003). A suspensão do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queiroz), em 1850, a Lei do Ventre Livre, em 1871, e a abolição da escravatura, em 1888, abriram caminho para um grande fluxo de imigrantes no Brasil. Com a proclamação da República, em 1889, o governo federal acentuou o fluxo migratório com a criação de programas de colonização que atraíam camponeses pobres da Europa, os chamados “braços livres para a lavoura”. A região de Lençóis Paulista não ficou estanque a este processo. O século XX ficou marcado na cidade pela acentuada fixação de famílias estrangeiras, sobretudo as italianas. Após chegarem à região em busca de novas oportunidades, os imigrantes, em sua grande maioria, tiveram que labutar nas lavouras que já haviam sido constituídas pelos primeiros povoadores que se aventuraram pelos sertões paulistas. Porém, alguns anos depois de trabalhar em terras alheias, os imigrantes já podiam ostentar o título de suas próprias terras. Em 1905, eram registradas no município 675 propriedades agrícolas, 526 delas em mãos de brasileiros e as restantes 149 em posse de estrangeiros: 108 italianos, 11 portugueses e 30 de outras nacionalidades. Em menos de duas décadas, os imigrantes já representavam 22% dos proprietários rurais de Lençóis Paulista, proporção que aumentaria nos anos seguintes, medida do êxito de muitos deles no Novo Mundo (CAMARGO, 1952). Em 1920, as propriedades eram em número de 607, das quais 313 (51%) em mãos brasileiras e 294 (48%) com os imigrantes. Um relativo equilíbrio, embora as propriedades em poder dos imigrantes fossem menor: tinham, em média, 30,5 alqueires, contra 80,3 alqueires dos brasileiros. Nesta data, a população imigrante, 4.008 pessoas, representava 19,7% da população total de 20.294 habitantes da cidade. Isto significa que 30 7% dos considerados imigrantes eram proprietários agrícolas, um índice bastante alto. Entre os brasileiros, esta porcentagem era de 2% (CAMARGO, 1952). Figura 2 – Fachada de casa comercial na rua 15 de Novembro, principal via de Lençóis Paulista, em 1909. Fonte: Arquivo familiar – Família Paccola. A década de 1920 pode ser considerada a data limite para efeito de comparação, uma vez que as próximas datas das quais se dispõe de dados já podem trazer resultados enviesados. Isto porque ocorre um “abrasileiramento” dos imigrantes com a morte das gerações mais velhas e a divisão das terras entre os filhos já nascidos no Brasil. Ainda assim, os dados disponíveis de 1934, agora incluindo Macatuba, município desmembrado em 1924, mostram que persiste o relativo equilíbrio: 54% das propriedades estão com os brasileiros e 45% com os considerados imigrantes. Há um total de 917 propriedades registradas, 417 em mãos estrangeiras: 245 italianos, 34 portugueses e 138 de outras nacionalidades. O tamanho médio é de 67 alqueires no caso dos brasileiros e 29 alqueires para os estrangeiros. Finalmente, em 1940, período já marcado pela presente pesquisa, 441 brasileiros (66%) têm propriedades agrícolas, com um tamanho médio de 43 alqueires, enquanto 228 estrangeiros (34%) têm uma propriedade com tamanho médio de 34 alqueires. Entre eles, 136 italianos, 20 portugueses e 72 “outros” (CAMARGO, 1952). 31 Tabela 2 – Evolução da propriedade segundo a nacionalidade dos proprietários em Lençóis Paulista, 1905-1940. Anos 1905 1920 1934 1940 Brasileiros 77,9 51,6 54,5 66Proprietários (%) Estrangeiros 22,1 48,4 45,5 34 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Camargo, 1952 Os números mostram a presença maciça de italianos entre os imigrantes. Ilustram também que muitos deles venceram as vicissitudes de uma vida que se mostrava incerta quando da partida da terra natal, mas que se revelou promissora com o tempo. A chamada “grande naturalização” decretada no Brasil com a proclamação da República teve reflexos em Lençóis Paulista. Com a medida, os imigrantes ganharam direitos eleitorais e representatividade política na cidade. Não faltaram incentivos para a fixação dos estrangeiros. Uma das primeiras demonstrações de força da colônia italiana ocorreu ainda no século XIX, em 1889, quando o padre italiano José Magnani, representante religioso com grande envolvimento na atividade política local, solicitou da Câmara Municipal um auxílio às famílias dos seus conterrâneos. Aceito o pedido, foi definido que a importância destinada aos imigrantes como auxílio corresponderia a 150 mil réis, o equivalente à metade do salário pago na época ao advogado da administração municipal. Outra demonstração da representatividade da colônia italiana em Lençóis Paulista no início do século XX foi a visita à cidade do general italiano Pietro Badoglio, representante de Benito Mussolini, assunto que será tratado à frente. Como demonstrado anteriormente, as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX foram essenciais para o crescimento econômico do município. Inicialmente, os imigrantes ajudaram a impulsionar a produção cafeeira. Na medida em que acumulavam economias, passaram a comprar terras, abrindo novas frentes de trabalho e adquirindo empresas e prestígio com o passar das décadas. É o caso, sobretudo, da indústria de produção de açúcar e álcool, principal atividade econômica da cidade. O plantio da cana de açúcar no município antecedeu o plantio de café. Os primeiros registros documentais publicados em livro sobre o cultivo da cana-de-açúcar e 32 a produção artesanal de aguardente em Lençóis Paulista remetem à década de 18602. No entanto, o cultivo primitivo da cana, realizado ainda de forma precária, não representou a principal fonte de renda para os proprietários de terras lençoenses no século XIX. Foi no século XX, com a entrada de imigrantes na cidade, que a produção ganhou representatividade (CHITTO, 1978). Em um período aproximado de 30 anos, que compreende a última década do século XIX e as duas primeiras do século XX, as propriedades rurais se destacavam no cultivo do café. Mas, na década de 1920, uma combinação de questões climáticas e econômicas fez com que os proprietários rurais trocassem a cultura do café pela cana e a conseqüente produção de aguardente. A recessão originada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, prejudicou o cultivo do café brasileiro. Por outro lado, a crise norte-americana incentivou o crescimento do cultivo da cana. Com o passar dos anos, a produção canavieira equiparou-se ao cultivo do café em Lençóis Paulista, sendo ambas economicamente predominantes em relação ao algodão e à atividade fruticultora na década de 1930. No início da década de 1940, a aguardente já era produzida no município em escala considerada industrial para a época. Os produtores de Lençóis Paulista chegaram a produzir 4 milhões de litros de cachaça em 1941. O cultivo da cana-de-açúcar cresceu tanto na cidade ao ponto da criação de uma data simbólica, o Dia da Cana, comemorado anualmente na década de 1940 com exposições e desfiles de trabalhadores rurais. Em 1945, Lençóis Paulista contava com 52 fábricas de aguardente. Com a abertura de usinas de açúcar e álcool (inicialmente somente de açúcar) o número de engenhos sofreu uma considerável redução numérica. As fábricas de aguardente foram reduzidas a cinco. Em contrapartida, os engenhos que continuaram trabalhando aparelharam-se para maior capacidade do seu rendimento, ultrapassando a produção das pequenas fábricas anteriores. As décadas de 60 e 70 marcaram um grande crescimento de produção nas usinas de açúcar e álcool lençoenses. A diferença mais considerável ocorreu na passagem entre os anos de 1976 e 1977. Em 1977, foram produzidos 37,3 milhões de litros de álcool contra 11,4 milhões de litros do ano anterior. Ainda foram produzidas aproximadamente 2,2 milhões de sacas de açúcar contra 1,9 milhão de sacas em 1976 (CHITTO, 1978). 2 Registros apontam que na época já havia plantio de algodão e fumo na região. 33 Figura 3 – Rua 15 de Novembro, principal via comercial de Lençóis Paulista, em fotografia estimada da década de 1960. Fonte: Arquivo familiar – Família Carani. Atualmente com 67 mil habitantes, Lençóis Paulista ainda mantém a indústria da cana-de-açúcar como principal atividade econômica (ao lado da indústria alimentícia e de celulose e papel), destacando-se no setor agrícola nacional. Com o incentivo que o álcool recebe da indústria automobilística no Brasil, a produção é de 6.816.795,94 toneladas de cana somente nas usinas do Grupo Zilor, um dos principais do país no setor (ASCANA, 2007). 3.2 O Eco no contexto do jornalismo local Ao contrário do leitor da capital, que tem outros meios de informação sobre sua comunidade, o habitante do interior escolhe o próprio jornal de sua cidade para saber o que ocorre ao seu redor, no seu mundo. Para Dirceu Fernandes Lopes, é no jornal local que o morador busca e encontra, numa linguagem acessível e própria, aquilo que interessa para o seu dia-a-dia (LOPES, 1998, p. 105). É ainda este tipo de imprensa a principal fonte de informação e o melhor ponto de encontro de quem quer comercializar idéias em âmbito local. 34 Nada substitui a visão local. Há um processo natural de identificação do leitor com o jornal de sua cidade, independentemente de sua linha editorial, já que é esse o veículo que informa o que interessa mais de perto a seus leitores. (...) Os grandes meios impressos não eliminam os pequenos jornais por que não têm condições de atender algumas de suas funções, principalmente a divulgação das reivindicações da comunidade, além de expressar seus valores numa autêntica demonstração de veículos comunitários. (LOPES, 1998, p. 106) Tal peculiaridade já era observada no final da década de 1930, no interior paulista. É o caso do semanário O Eco, fundado em 1938, em Lençóis Paulista, exemplo de veículo que manteve por décadas as particularidades do jornalismo local. A imprensa já foi estudada em suas mais variadas manifestações no Brasil, mas ainda há muito a ser pesquisado e compreendido, principalmente sobre a imprensa das áreas distantes dos grandes centros urbanos. Com o êxito de pesquisas recentes, apesar de não mais desconhecida, a realidade do jornalismo local ainda merece atenção, tornando oportuno um estudo da história social da imprensa paulista. Segundo Lopes, a preferência das escolas de comunicação para as pesquisas e estudos da chamada grande imprensa, concentrada nos grandes centros urbanos, acabou por relegar a um segundo plano os jornais locais como se tivessem pouca ou nenhuma relevância no contexto da atividade jornalística. Tomando como referência os grandes veículos impressos, professores, estudantes, jornalistas e pesquisadores acabam se omitindo, esquecendo da força da imprensa do interior, fundamental para a circulação de informações entre moradores das cidades que produzem boa parte das riquezas deste país. (LOPES, 1998, p. 105) Há uma série de características que ressaltam a importância do jornalismo local. Considerando o caráter reivindicativo, um paralelo interessante pode ser traçado entre a imprensa do interior e a imprensa de bairro, presente nas grandes cidades. Valendo-se de um estudo realizado com os jornais de bairro da cidade de São Paulo, Valéria Uchoa (1998) afirma que tal imprensa – marcada por uma característica bem definida, a proximidade entre o fato e o público leitor – é consolidada como um dos mais fortes instrumentos de informação, “garantindo espaço para as suas reivindicações e profundidade na discussão dos fatos de interesse local, que dificilmente ganham a mesma oportunidade na chamada grande imprensa” (UCHOA, 1998, p. 59). 35 A sobrevivência de alguns jornais de bairro por décadas está confirmando a antiga regra do jornalismo de que o fato é mais importante quanto mais próximo, afetiva e geograficamente, estiver do público leitor (receptor), bem como confirma ainda o seu potencial enquanto mídia. (UCHOA, 1998, p. 59) Desta forma, entende-se que a característica de aproximar o fato do leitor, assim como o jornal de bairro, faz da imprensa do interior um instrumento de vasta importância na integração de comunidades. Tal relação – entre o jornal local e a comunidade – também é verificada pelo professor Wilson da Costa Bueno (1977). Em sua dissertação de mestrado, defendida em 1977, Bueno define o que seria um objeto- modelo para o estudo da imprensa artesanal, conceito aplicado na época à imprensa local. Na apresentação da metodologia do estudo, o autor tem a preocupação de definir três diferentes classes de elementos para caracterizar a imprensa artesanal: a) classe dos elementos do jornal enquanto empresa, ou seja, como forma de organização e produção; b) classe dos elementos do jornal enquanto produto final da empresa, com o qual o leitor mantém contato direto; c) classe dos elementos que pertencem à relação entre o jornal e a comunidade, isto é, representada pelas variáveis do processo de comunicação entre o jornal, enquanto empresa e produto de consumo, e a comunidade no qual ele circula. Ressalta-se aqui o último tópico, referente à relação entre o jornal local e a comunidade na qual ele se insere. Destaca Bueno que a pessoalidade, a integração à vida comunitária, a identificação com os anseios da população e o respeito por seus tabus geram um conteúdo peculiar na imprensa local. O jornal do interior não pode ser visto, a exemplo da grande imprensa, como um estranho que fala à comunidade mas como um serviço ativo e participante da própria comunidade. Sem as características da comunicação de massa, mantém ainda o nível da comunicação oral, direta, fato que é rotulado pelos que não convivem com essa realidade com a expressão “provincianismo”. (BUENO, 1977, p. 50) Bueno acrescenta que pelo seu perfil próximo ao comunitário, o jornal das cidades do interior tende a se distanciar da grande imprensa (nacional ou regional), que por outro lado possui como tendência o tratamento de assuntos mais gerais, não específicos de uma ou outra realidade. Na imprensa local as notícias externas representam uma parcela pouco representativa no espaço editorial. Além disso, embora a quantidade de espaço dedicado às questões nacionais e internacionais seja limitada na 36 imprensa local, quando tais jornais se interessam por um assunto desta natureza, como é o caso da Segunda Guerra Mundial, tratam de retratá-lo sob um ponto de vista local com grande sensibilidade e rapidez. “A situação internacional é descrita em termos que influenciam diretamente a vida dos residentes da localidade” (BUENO, 1977, p. 53). Contudo, apesar da validade dessa característica, ainda é necessário cautela na realização de um estudo sobre a imprensa local, evitando generalizações equivocadas. Bueno adverte que durante muito tempo os editores não souberam fazer vingar suas verdadeiras funções nos jornais do interior. Para o autor, é verdade que alguns jornais locais, por um mero processo de imitação ou para justificar os contratos com agências internacionais de notícias, davam equivocadamente destaque também ao noticiário internacional. Isso se constitui, no entanto, num evidente atestado de desconhecimento da atividade jornalística e, principalmente, da desarmonia com os interesses da comunidade. A um jornal paulista interessará mais (por que é esse o interesse do seu leitor) os comentários dos jogos de futebol que envolve o time da cidade que, por exemplo, a crise no parlamento inglês, embora possa ser até difícil convencer disso alguns jornalistas e editores. (BUENO, 1977, p. 53) Outra constatação de Bueno é de que na imprensa local também ocupam papel de destaque as notas sociais. Não raramente, o colunista social é considerado um dos jornalistas de mais prestígio da comunidade, podendo ser também o mais remunerado do quadro de funcionários da empresa. As notícias sociais ocupam posição de destaque na imprensa artesanal e, ao contrário dos veículos da grande imprensa, elas não se limitam a uma seção – a coluna social – mas se estendem a todas as páginas do jornal. As fofocas da comunidade substituem o “furo”, a grande reportagem ou editorial, características da imprensa industrial. As notícias sensacionalistas de caráter policial não merecem, por outro lado, uma cobertura maior destes órgãos de informação e isso se deve principalmente à atuação da imprensa artesanal como veículo comunitário. (BUENO, 1977, p. 29-30) Dona de tais peculiaridades, a imprensa local teve seu início no interior paulista na primeira metade do século XIX. Em um levantamento sobre a história da imprensa paulista, Gisely Valentim Vaz Coelho Hime (1998) relata que foram tantas as dificuldades encontradas para o estabelecimento da imprensa no Estado, que o primeiro periódico paulista sobre o qual se tem registro data de junho ou julho de 1823, ou seja, quinze anos após a circulação do Correio Braziliense, considerado o primeiro jornal 37 brasileiro, apesar de editado ainda na Inglaterra. O primeiro veículo impresso em São Paulo aparece somente em fevereiro de 1827, quando o Rio de Janeiro já contava com nove jornais e sete outras províncias somavam juntas outras duas dezenas de periódicos (HIME, 1998, p.14). A história da imprensa no interior de São Paulo começa ainda mais tarde, em Sorocaba, no dia 27 de maio de 1842, com a fundação do jornal O Paulista, por Diogo Antonio Feijó3. O Paulista, de Sorocaba, ganhou vida 15 anos após a fundação, em fevereiro de 1827, do O Farol Paulistano, o primeiro jornal impresso na capital do Estado, e 34 anos após o início do primeiro jornal editado realmente no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, que foi às ruas em setembro 1808. Segundo Fernando Ortet (1998), no período entre o surgimento da Gazeta do Rio de Janeiro e a fundação do periódico O Paulista, em Sorocaba, os jornais já chegavam a então Província de São Paulo, “mas em um número que mal dava para satisfazer as necessidades de leitura dos moradores do centro administrativo da região, quanto menos para alcançar as povoações do interior” (ORTET, 1998, p. 121). O autor ressalta que o surgimento da imprensa no interior paulista acompanhou o desenvolvimento econômico dos nascentes municípios. O surgimento dos primeiros jornais no interior de São Paulo (Revista Comercial, Santos, 1849; O 25 de Março, Itu, 1849; e A Aurora Campineira, Campinas, 1858) esteve estreitamente vinculado ao desenvolvimento econômico, industrial, sócio-cultural, político e urbanístico de cada uma das cidades. (..) Refletia paralelamente a necessidade das classes dominantes de manifestarem pontos de vista sobre cada aspecto da dinâmica do desenvolvimento local. (ORTET, 1998, p.122) Para Wilson da Costa Bueno, citado por Ortet, no passado a imprensa do interior também se caracterizava por ser uma “imprensa mais opinativa do que informativa, que discute todos os problemas, intromete-se nos bastidores da política, provoca os adversários, denuncia, reclama e, principalmente, fofoca” (BUENO apud ORTET, 1998, p.123). Neste sentido, não é difícil compreender a importância da imprensa do interior na formação e no crescimento das cidades e sua influência no rol de relações sociais localmente estabelecidas. A região na qual a presente pesquisa se foca, delimitada pela porção centro-oeste do Estado de São Paulo, mais especificamente no território que compreende as cidades 3 Também há referências de que o jornal tenha sido fundado pelo francês Antoine Hercule Florence. 38 de Botucatu e Bauru, onde localiza-se Lençóis Paulista, fortemente marcada pela colonização italiana, evidencia a importância de um estudo detalhado das relações sociais locais para o entendimento do processo comunicacional. A própria fundação dos primeiros jornais impressos na região leva a crer que a formação da imprensa nesta porção do interior paulista foi influenciada pelo desenvolvimento econômico e pelo processo de urbanização dos municípios. Quando chegou à porção centro-oeste do Estado, a imprensa interiorana já dava mostras de um tímido desenvolvimento. Conforme levantamento elaborado por Gastão Thomaz de Almeida (1983), depois de Sorocaba, Santos, Itu e Campinas, a imprensa passou para o Vale do Paraíba, onde teve início em Guaratinguetá, chegando também em Taubaté, Pindamonhangaba, Bananal, Areias e Caçapava. Do Vale do Paraíba, a imprensa interiorana foi para outras regiões, chegando a Amparo, Lorena, Mogi-Mirim e Rio Claro, em 1872. Naquele ano começaram a surgir novos jornais em várias cidades. Praticamente a cada ano novas comunidades passavam a conhecer a imprensa que penetrava então em Queluz, Silveiras, Tietê, Bragança Paulista, Capivari, Itapetininga, entre outras (ALMEIDA, 1983, p. 35). Em Botucatu, o primeiro jornal – denominado A Gazeta de Botucatu – foi às ruas em 1887. Seguindo o avanço territorial, surgiram nos anos que se passaram os primeiros jornais de Jaú (O Jahuense, em 1889), São Manuel (O Município, em 1894), Lençóis Paulista (Correio de Lençóis, em 1895), Bauru (O Bauru, em 1906), Agudos (Gazeta de Agudos, em 1927) e Marília (Correio de Marília, em 1928). Ainda em Lençóis Paulista, antes da fundação do semanário O Eco, em 1938, outros veículos impressos ganharam as ruas entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Nos últimos anos do século XIX circulou na cidade o primeiro semanário: o Fiat Lux. O veículo era dirigido pelo polêmico padre José Magnani, personagem presente nas páginas políticas e um dos responsáveis pelo fortalecimento dos núcleos de imigrantes italianos na cidade. O Fiat Lux foi posteriormente substituído por outro veículo chamado Imparcial, também com a direção de Magnani. Ambos eram impressos no gabinete do pároco, no cruzamento de duas das principais ruas de Lençóis Paulista (15 de Novembro e Coronel Joaquim Anselmo Martins). Circularam ainda em Lençóis Paulista no início do século XX alguns panfletos e jornais reivindicativos. Entre eles, destaca-se O Trovão, que trazia o subtítulo “quem não deve não teme”. Não há, no entanto, registros do veículo, o que impede o detalhamento de suas características e a identificação de seus responsáveis. (CHITTO, 1978, p.70). 39 Entre os primeiros jornais e a criação do semanário O Eco, outros veículos de curta circulação também foram impressos em Lençóis Paulista. Em 1923, foi lançado o jornal O Imparcial, veículo que não passou de poucos meses. No ano seguinte, também sem trajetória duradoura, ganhou às ruas o veículo O Indicador, voltado exclusivamente à publicidade. Em 1928, editou-se na cidade o Jornal de Lençóes. Em 1936, foi criado outro veículo também intitulado O Imparcial, não chegando ao sexto número (CHITTO, 1978, p.70). O histórico dos anos antecedentes fez com que O Eco, inicialmente chamado de E’cho, nascesse em um ambiente de relativa descrença com o jornalismo local. O semanário foi fundado em 6 de fevereiro de 1938 pelo jornalista Alexandre Chitto, o secretário Vicente de Paula Ferraz e o professor Alcides Ferrari. Apesar do envolvimento dos três colaboradores na fundação do jornal, foi Alexandre Chitto que ocupou desde o início o cargo de diretor do veículo, constituindo o grande responsável pelos rumos do noticiário. Antes de sua fundação, todos os outros jornais que o antecederam na região de Lençóis Paulista tiveram duração máxima de um ano. O próprio Chitto, em uma de suas publicações, descreve sucintamente o clima gerado com a criação do jornal. “O Eco surgiu numa época duvidosa, de pessimismo, quanto a existência de jornais na cidade. Poucos acreditavam no sucesso deste semanário. Ventilava-se, mesmo, em 1938, que não chegaria até a sexta edição” (CHITTO, 1978, p.71). De modo geral, o semanário O Eco sempre se manteve dentro das características do jornalismo local. As características apontadas por Bueno (1977) e Lopes (1998) podem ser verificadas nos primeiros anos de atuação do veículo. Composto e impresso em tipografia própria, de maneira semi-artesanal, com uso de tipos e clichês, o semanário circulou ininterruptamente nos primeiros anos com edições que variavam de quatro a seis páginas. Nos primeiros anos de circulação, com tiragem aproximada de 100 exemplares4, o jornal conjugava em suas páginas notas informativas sobre os acontecimentos da cidade (alistamento militar, datas festivas, falecimentos, esportes, entre outros assuntos), notas sociais (núpcias, aniversários e festas), reproduções de poesias e outros textos assinados, editais oficiais e publicidade. Devido ao modo de composição das páginas na tipografia, o semanário não mantinha critérios estabelecidos de diagramação – característica comum a outras publicações jornalísticas do período. 4 Em 1970, a tiragem já atingia 250 exemplares por edição. Atualmente, a tiragem do O Eco é de cerca de 5 mil exemplares. 40 Desta forma, os poucos elementos com lugar fixo nas páginas do jornal eram a logomarca e o editorial, ambos ocupando sempre a primeira página. Outra propriedade verificada no O Eco em seus primeiros anos de atuação, que ressalta o caráter da imprensa artesanal (BUENO, 1977), é a corrente troca de letras e acentuação na composição das páginas. É possível identificar em um mesmo texto diferentes grafias da mesma palavra. Figura 4 – Capa da primeira edição do semanário O Eco (antes grafado E’cho). Fonte: CHITTO, 1978, p.72. Ao prezar – dentro de suas limitações – pelas características do jornalismo5 elencadas pelo teórico alemão Otto Groth (BUENO, 1972) – sobretudo pela periodicidade – o semanário O Eco criou desde o início um elo muito particular com a 5 Otto Groth sublinha quatro características fundamentais aos periódicos que auxiliam na compreensão do jornalismo convencional. A atualidade diz respeito à relação dos fatos com o tempo presente. A periodicidade se refere à repetição regular no tempo das diferentes edições de um periódico. A universalidade trata da abordagem dos mais diferentes campos do conhecimento humano efetuada por um veículo. E, por fim, a difusão coletiva diz respeito à circulação dos periódicos por diversificadas camadas sociais distribuídas cultural, econômica e geograficamente de modo heterogêneo (Bueno, 1972). 41 comunidade de Lençóis Paulista. Sem deixar de circular em uma única semana sequer, o jornal criou a cultura na comunidade lençoense de esperá-lo aos sábados – muitas vezes com a formação de filas em sua sede. Durante mais de duas décadas o veículo circulou sem concorrentes no município, contribuindo para a fixação de sua marca na sociedade local. Somente em novembro de 1959, após 21 anos da criação do O Eco, é que passou a circular ininterruptamente na cidade outro semanário. Fundado por Zanderlit Duclerk Verçosa, com posterior direção de Célio Pinheiro, Luiz Carlos Bernardi e Edemir Coneglian, o semanário Tribuna Lençoense6 é ainda hoje o principal concorrente local do jornal O Eco. 3.3 O Eco: espaço de representações sociais Como todo veículo de comunicação que se articula como um espaço privilegiado de representações sociais, o jornal O Eco desde o início de sua circulação, em fevereiro de 1938, construiu identidades. Conforme expõe o próprio jornalista responsável: O Eco nasceu com o objetivo de propugnar pela grandeza e crescimento de Lençóis, sem o receio de atingir partes que ainda pretendiam ser absolutas nas suas opiniões, olvidando que, dias mais, dias menos, tudo chegaria ao seu termo e as renovações se sucederiam. (CHITTO, 1978, p.71) É comum por parte do jornal a utilização de termos como “grandeza” ou “pujança” para valorizar o município. Identifica-se no conteúdo do veículo a defesa de obras de infra-estrutura em Lençóis Paulista e a evolução da idéia de uma cidade próspera que não deveria padecer ao pessimismo ou sentir-se inferiorizada em relação aos mais populosos municípios vizinhos. Segundo um texto publicado por Chitto na época do aniversário de quarenta anos do veículo, O Eco – em seu ponto de vista – nasceu para ser porta voz das aspirações dos lençoenses. “Em 1938, Lençóis Paulista estava ainda à espera de dias melhores, a cidade continuava desprovida dos recursos que a população tanto reclamava para a realização dos mesmos” (CHITTO, 1978, p.71). Outra idéia propagada desde o editorial de estréia é a de isenção, com o semanário se auto-intitulando livre de vínculos políticos, religiosos ou ideológicos: Hoje, lançamos ao público o “E’CHO” sem matizes políticos ou religiosos. Tem como postulado a defeza dos direitos do povo de Lençóes 6 Atualmente o veículo pertence à família Lorenzetti. 42 e a missão de arrancar do leito lectargico os que permanecem indifferentes ao interesse collectivo. Lançamos o “E’CHO” dispostos a enfrentar aos árduos trabalhos e arcar com as pesadas responsabilidades que acarretam taes emprehendimentos.7 No entanto, tomando como pressuposto básico a superação do paradigma da imparcialidade no jornalismo (idéia sustentada por muito tempo pelos manuais de redação), um olhar mais apurado às páginas do semanário O Eco torna clara a rede de vínculos sob a qual o veículo foi tecido desde o começo. Diretor desde seu início e voz predominante nos destinos e na linha editorial do semanário, o jornalista Alexandre Chitto, assim como sua família, teve em sua trajetória de vida uma relação muito peculiar com a Itália. O percurso da família Chitto com descendência em Lençóis Paulista tem início em 1872, em Isola Dovarese, na província italiana de Cremona. Em 24 de novembro daquele ano, filho de César Chitto e de Anunciata Chitto, nascia Mauro Chitto, patriarca da família que anos depois teria influência no comércio, na política e na comunicação de Lençóis Paulista. Aos 15 anos, Mauro ingressou no serviço de telégrafo italiano e, aos 18, foi convocado para o exército, onde chegou à patente de sargento. Na última década do século 19, serviu na África Oriental, que a Itália tentava então colonizar. No conflito do exército italiano contra as tribos da Abissínia comandadas por Ras Menelik, Mauro Chitto se apresentou como voluntário e permaneceu em solo italiano até o final do combate. Passada a guerra, condecorado pelos serviços militares, decidiu se mudar para a América. Escolhendo o Brasil como destino, viajou junto de um primo, deixando a família na Itália. Na época, Lençóis Paulista já possuía uma considerável colônia italiana, sobretudo das regiões de Treviso e Cremona. Em Lençóis, Mauro Chitto conheceu Santina Lazzari, uma imigrante da mesma cidade italiana da qual ele partira. Com ela se casou, fixando residência na Rocinha, um bairro rural formado por imigrantes italianos, onde teve seus três primeiros filhos – entre eles, Alexandre Chitto. No bairro rural, Mauro passou a cultivar uvas e a fabricar vinho em escala relativamente grande para a época. A família Chitto também fomentava em sua residência encontros entre brasileiros e a comunidade imigrante local, servindo pratos típicos da cultura italiana. Nas reuniões, o jornal Fanfulla, marco da imprensa italiana, era lido em voz alta pelo patriarca aos demais imigrantes. 7 O Eco, edição de 06/02/1938, p.1. 43 Com o passar dos anos e a entrada dos filhos na adolescência, Mauro Chitto resolveu voltar definitivamente com a família para a Itália. Esse, aliás, era o sonho (na maior parte das vezes malogrado) de grande parte dos imigrantes que desejavam apenas fazer riquezas no Brasil e retornar posteriormente à terra natal. Os Chitto venderam seus pertences em Lençóis Paulista e viveram cerca de dois anos na Itália. Mas a Primeira Guerra Mundial, que eclodiu na Europa em 1914, influenciou a trajetória da família. Preocupada com uma possível convocação dos filhos adolescentes, Santina Lazzari convenceu Mauro a voltar com a família ao Brasil. Figura 5 – Mauro Chitto, Santina Lazzari e filhos, em 1907. Fonte: Arquivo Alexandre Chitto. Os Chitto retornaram a Lençóis Paulista e passaram a residir no núcleo urbano da cidade, iniciando um representativo papel na comunidade local. Engajado na política da localidade, Mauro Chitto assumiu a presidência da Sociedade Italiana de Mutuo Socorso Stella D’Itália, criada no município pela colônia italiana como forma de mútua assistência aos estrangeiros e descendentes. 44 As sociedades italianas foram no início do último século, ao lado das escolas e da imprensa, importantes instrumentos de propagação da cultura imigrante no Brasil, sobretudo no interior paulista. Em 1927, a colônia italiana dispunha de 250 associações de natureza educacional para a “propaganda e a divulgação da cultura italiana”. A colônia contava também com 310 escolas e dezessete mil alunos, a maior parte no Estado de São Paulo. Em relação aos meios de comunicação, 31 publicações eram dirigidas exclusivamente à colônia italiana (quatro cotidianos, dezessete semanais, duas quinzenais, sete mensais e uma publicação sem periodicidade fixa) (SEITENFUS, 2003, p.40). A questão da propaganda ideológica era mais branda na colônia italiana quando comparada, por exemplo, aos imigrantes alemães. A principal questão ítalo-brasileira, até meados de 1930, dizia respeito ao grande número de imigrantes estabelecidos no Brasil. Seitenfus ressalta que o governo italiano, inclusive o fascista, abordava a questão da colônia de forma conciliadora. “Há a preocupação em manter vivas a cultura e a língua italianas entre os imigrados mas, ao contrário da Alemanha, a Itália não utiliza, até 1935, meios além dos legais para defender os vínculos entre os imigrados e a península” (SEITENFUS, 2003, p.43). Conforme o autor, a própria atuação das chamadas sociedades italianas em geral não conduziam a ações antibrasileiras. A propaganda ideológica empregava sobretudo instrumentos tradicionais, como as conferências, a atribuição de bolsas de estudos a jovens brasileiros, viagens de estudos subvencionadas e a propagação das realizações fascistas por meio de publicações oficiais. Por outro lado, registros do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops) levantados por Brusantin (2003) revelam que antes de deflagrada a Segunda Guerra Mundial as autoridades policiais identificaram pontos de encontros clandestinos de adeptos do Integralismo8 camuflados pelo interior paulista. Em Bauru, cidade localizada a 60 quilômetros de Lençóis Paulista, por exemplo, há registro de uma Casa de Representações e Importações que armazenava armas para os integralistas 8 Movimento político com atuação no Brasil na década de 1930, o Integralismo, moldado sobre o fascismo, com adaptações nacionais, expande-se em nível nacional, colhendo a herança abandonada da direita nacionalista da década de 1920 (Faoro, 2001, p.783). Formatado sobretudo na Ação Integralista Brasileira (AIB), que enquanto organização política tem uma trajetória breve (iniciada em 1932 e extinguida em 1937, com a proibição da existência de partidos no Brasil). Em maio de 1938, os integralistas tentam uma ofensiva contra o Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro, com o objetivo de derrubar Getúlio Vargas. Fracassada a ofensiva, Vargas toma medidas mais duras contra os adeptos do Integralismo, culminando no exílio de Plínio Salgado, em 1939, o principal expoente do movimento. A relação do governo Vargas com o Integralismo tornou-se ainda mais rígida após a tomada de posição do Brasil ao lado dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. 45 distribuírem pelas cidades do interior. Em Lins, também no centro-oeste paulista, a polícia política registrou reuniões integralistas na sede da Congregação Mariana local. Em Rio Claro, a ação clandestina dos representantes do Integralismo foi identificada na Sociedade Italiana Fascista. Com base nestes registros é possível afirmarmos que o Integralismo recebia apoio de diversos segmentos sociais, ainda que na ilegalidade. As idéias do Sigma facilitavam, até por uma questão de identidade ideológica, a colaboração entre distintos segmentos da extrema direita católica e fascista. Esse fato abre evidência das bases sociais de apoio ao movimento integralista, que manteve suas forças mesmo após a repressão pública do governo Vargas. (BRUSANTIN, 2003, p.87) Não há registros identificados no Deops de ligação direta da Sociedade Italiana de Mutuo Socorso Stella D’Itália, de Lençóis Paulista, com o Integralismo, bem como com o fascismo italiano. Contudo, a sociedade, que durante um longo período de tempo foi o único clube da cidade, teve seus bens confiscados e foi fechada, a exemplo de outros centros de propagação da cultura italiana, exatamente após a tomada de posição do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Foi neste período, marcado pelos anos de 1942 e 1943, que Vargas foi pressionado a assumir sua posição contrária ao nazi-fascismo, mudando o caráter da perseguição aos integralistas enquanto inimigos do Estado. Como define Marilena Chauí (1980), com base nos textos de Plínio Salgado, o Integralismo exerceu sua ação no Brasil sob três formas: desenvolvendo intenso esforço cultural, através de cursos, conferências, centros de pesquisas e de estudos dos problemas nacionais e humanos; organizando-se no sentido de uma maior eficiência de um magistério moral e cívico de preparação de juventude e de um ministério social, visando uma ampla assistência às classes populares; instruindo o povo brasileiro acerca do que lhe convém saber sob sua tradição, suas realidades e possibilidades de um futuro melhor. A doutrinação se fazia por meio de jornais, revistas, comícios urbanos e penetração dos oradores nos campos e pequenas cidades do interior (CHAUÍ, 1978, p.47). O movimento se dirigia especialmente à classe média urbana. Segundo Chauí, esse direcionamento dos integralistas não ocorre somente sob a invocação de valores tradicionalmente imputados pela classe (entre eles, a tradição religiosa e a família), mas por meio de convocação explícita e “não somente para que venham cerrar fileiras na qualidade de militante, mas sim para que venham constituir-se como vanguarda política” (CHAUÍ, 1978, p.53). Na visão de Hélgio Trindade, citado por Chauí, a 46 estrutura social da AIB pode ser sintetizada numa pirâmide formada por três camadas, conforme o grau de participação nacional, regional ou local. A camada superior, constituída pelos dirigentes nacionais, é integrada exclusivamente por membros da burguesia e da média burguesia, sob a supre