UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Estudo gamaespectrométrico da influência da agricultura em uma área úmida geograficamente isolada na Depressão Periférica Paulista Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Geologia JOÃO GABRIEL LAHOZ RINALDI Rio Claro – SP 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS JOÃO GABRIEL LAHOZ RINALDI Estudo gamaespectrométrico da influência da agricultura em uma área úmida geograficamente isolada na Depressão Periférica Paulista Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Geólogo. Orientador: Msc. Matheus Felipe Stanfoca Casagrande Rio Claro - SP 2022 R578e Rinaldi, João Gabriel Lahoz Estudo gamaespectrométrico da influência da agricultura em uma área úmida geograficamente isolada na Depressão Periférica Paulista / João Gabriel Lahoz Rinaldi. -- Rio Claro, 2022 80 p. : il., tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Geologia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Matheus Felipe Stanfoca Casagrande 1. Gamaespectrometria terrestre. 2. Influência da agricultura. 3. Área úmida geograficamente isolada. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. JOÃO GABRIEL LAHOZ RINALDI Estudo gamaespectrométrico da influência da agricultura em uma área úmida geograficamente isolada na Depressão Periférica Paulista Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Geólogo. Comissão Examinadora Msc. Matheus Felipe Stanfoca Casagrande (IGCE/UNESP/Rio Claro-SP) Prof. Dr a . Vania Silvia Rosolen (IGCE/UNESP/Rio Claro-SP) Msc. Lucas Moreira Furlan (IGCE/UNESP/Rio Claro-SP) Assinatura do aluno Assinatura do orientador Rio Claro, 28 de julho de 2022. AGRADECIMENTOS Aos meus pais Miguel e Elaine, e meu irmão João Miguel, que são a minha base, meu exemplo de vida e minha saudade diária, por tudo que fazem e sempre fizeram por mim, por todo o amor e todo o apoio e incentivo durante a minha caminhada. Aos meus avós Athiê, João, Elmi, e minha tia Heloísa, os quais se foram e me deixaram uma saudade infinita e muitas memórias repletas de amor e carinho. À minha avó Josefa, a qual eu espero ter muitos bons momentos batendo um papo e tomando café juntos. Aos meus irmãos de vida da República Villa, Ricota, Bussa, Urso, Calderon, André e Baby por todos os anos de convivência com inúmeras risadas, bons momentos e histórias das quais jamais vou me esquecer. Aos meus companheiros de turma Plínio, Sarjeta, Ricota, Matheus, Totoro, Grella e Fraga, pela amizade e parceria que construímos durante esses anos. Foi uma honra dividir o mesmo ônibus e viajar o Brasil para aprender geologia com vocês. A todos os meus amigos unespianos, em especial a Pólen, por todo o carinho e bons momentos compartilhados e por toda a força que tem me dado nos momentos difíceis. Aos meus amigos da Cerrado Gold, especialmente Andres, Camila, Drayan, Edre e Ricardo, por fazerem minha vida no interior de Tocantins ser muito mais interessante e divertida. Ao Msc. Matheus Felipe Stanfoca Casagrande, pelas conversas e companhia durante os monótonos campos adquirindo dados, pela ótima orientação e por toda atenção e disponibilidade em me ajudar, inclusive além do projeto. Ao Prof. Dr. César Augusto Moreira, pelas excelentes aulas e por me incluir nesse projeto. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, por me proporcionar a experiência de ser unespiano e possibilitar a minha profissionalização. O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa UNESP de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) – Projeto 3105/2021-4. RESUMO As áreas úmidas sempre foram importantes para o desenvolvimento humano e para a manutenção do meio ambiente por fornecerem serviços ecossistêmicos, como armazenamento de águas superficiais, purificação de água, recarga de águas subterrâneas, retenção de sedimentos, entre outros. A degradação desse tipo de ecossistema, que é um dos mais ameaçados do planeta, ocasiona no comprometimento da qualidade hídrica regional e local devido aos danos irreparáveis de reservas subterrâneas de água, retenção de poluentes, controle de inundações, entre outros. O interior do Estado de São Paulo é uma região muito populosa com um contexto de agricultura intensiva voltada para a cana-de-açúcar, na qual são utilizados grandes volumes de fertilizantes fosfatados, que podem conter radionuclídeos das séries de decaimento do 232 Th, 238 U e 40 K provenientes das matérias-primas utilizadas para sua produção. Dessa forma, o uso intensivo da adubação fosfatada pode aumentar a concentração de radionuclídeos no solo e, potencialmente, comprometer a qualidade dos solos e dos recursos hídricos locais e regionais. Assim, o presente estudo teve como objetivo aplicar o método da gamaespectrometria terrestre para realizar uma avaliação ambiental de uma área úmida geograficamente isolada em um contexto de agricultura intensiva de cana-de-açúcar, tendo como base os mecanismos de mobilidade do Th. Através da análise e interpretação da distribuição espacial do elemento no local, ao associar o transporte de sedimentos (adsorção do Th) e eventuais contaminantes, foi possível estabelecer uma associação entre a fertlização do solo com as principais zonas de acúmulo do elemento, além de reconhecer as bordas da área úmida como zona importante na retenção de sedimentos carreados a partir de suas vertentes e a identificação de alterações antrópicas nestes locais. Assim, foi afirmada a importância desse tipo de ecossistema na manutenção da qualidade hídrica ao constatar sua capacidade de retenção em suas margens, embora estudos complementares sejam necessários para a determinação de outros contaminates mais comuns, como metais pesados e pesticidas. Palavras-chave: Gamaespectrômetro; influência da agricultura; área úmida geograficamente isolada ABSTRACT Wetlands have always been important for human development and environmental maintenance through their ecosystemic benefits, such as superficial water storage, water purification, groundwater recharge, and sediment retention, among others. The loss of this kind of ecosystem, which is one of the most threatened on Earth, leads to the compromise of local and regional water quality due to irreparable damages to groundwater reserves, as well as pollutant retention, and control of inundation, etc. The paulista countryside is a populous region with an intensive agriculture context, mainly directed to sugarcane, in which large volumes of phosphate fertilizers are used, which may contain radionuclides from the decay series of 232 Th, 238 U e 40 K from raw materials used on its production. Therefore, intensive phosphate fertilization can increase the ground radionuclides concentration and potentially compromise the soil and the local and regional water quality. The present project aimed to apply the terrestrial gamaespectrometry method to conduct an environmental evaluation of a geographically isolated wetland in a sugarcane-intensive agriculture context, based on the thorium mobility mechanism. Throughout the analysis and interpretation of the element thorium spatial distribution on the site, by linking the sediment transport and possible contaminant, it was possible to establish an association between the soil phosphate fertilization and the main accumulation areas of the element, in addition, to recognize the edges of the wetland as an important zone on the retention of the sediments transported from the uplands and the identification of the anthropic alteration on this sites. Thus, the importance of this ecosystem on water quality maintenance was proven by recognizing its capacity to retain possible contaminants in its margins, although further studies are necessary to determine more common contaminants, such as heavy metals and pesticides. Keywords: Gamma-ray spectrometer; agriculture influence, geographically isolated wetland LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Localização da área de estudo. ..................................................................................... 13 Figura 2 - Imagem de maior detalhe da área de estudo, localizada na zona rural do município de Cordeirópolis-SP. Em vermelho, estão destacados uma outra área úmida a noroeste e uma drenagem a sudeste da área de estudo. .......................................................................................... 14 Figura 3 - Mapa Hipsométrico de Cordeirópolis (SP). .................................................................. 16 Figura 4 - Mapa de Declividade de Cordeirópolis (SP). ............................................................... 17 Figura 5 - Mapa geológico simplificado da Bacia do Paraná, com o contorno estrutural (profundidade) do embasamento cristalino. .................................................................................. 20 Figura 6 - Seção geológica esquemática da Bacia do Paraná. ....................................................... 20 Figura 7 - Distribuição das unidades litoestratigráficas da Bacia do Paraná no estado de São Paulo. ............................................................................................................................................. 22 Figura 8 - Coluna estratigráfica da Bacia do Paraná na região de Rio Claro / Limeira / Piracicaba (SP). ............................................................................................................................................... 23 Figura 9 - Mapa geológico de Cordeirópolis (SP). ........................................................................ 23 Figura 10 - Diabásio inalterado na rodovia Bandeirantes (SP-348). ............................................. 24 Figura 11 – Série de decaimento dos radionuclídeos 238 U, 232 Th e 235 U. ..................................... 35 Figura 12 – Gráfico da meia-vida (t1/2).......................................................................................... 37 Figura 13 - Variação do conteúdo de K, U, Th em rochas ígneas com aumento do teor de sílica.40 Figura 14 – Espectro natural do raio gama emitido por K e radionuclídeos da série do U e Th... 43 Figura 15 - Equipamento portátil RS-332 Multipurpose Gamma-Ray Spectrometer System e um cristal do tipo BGO (germanato de bismuto) utilizado no estudo. Na imagem o equipamento está em funcionamento para a coleta de sinais do solo das vertentes da área úmida de estudo. .......... 44 Figura 16 - Mapa de pontos de coleta de dados realizados durante a campanha de 2020 e de 2021, respectivamente. .................................................................................................................. 45 Figura 17 - Diagrama de caixas (boxplot) dos valores de eTh das campanhas de 2020 e 2021. .. 47 Figura 18 – Mapa de distribuição espacial de eTh (ppm) utilizando os dados adquiridos ao longo da campanha de 2020. ................................................................................................................... 49 Figura 19 - Mapa de distribuição espacial de eTh (ppm) utilizando os dados adquiridos em setembro de 2021. .......................................................................................................................... 50 Figura 20 – Mapas de distribuição de eTh nos anos de 2020 e 2021, respectivamente. ............... 51 Figura 21 - Fotografia E-W da área úmida queimada em 2021. ................................................... 51 Figura 22 - Mapa topográfico da área úmida gerado utilizando os dados de altitude adquiridos pelo GPS do gamaespectrômetro. .................................................................................................. 54 Figura 23 – Mapa indicando a direção do perfil topográfico da área úmida apresentado na Figura 22. .................................................................................................................................................. 55 Figura 24 – Perfil topográfico da área úmida elaborado com base no modelo digital de elevação desenvolvido por Casagrande et al. (2021). As setas em azul indicam os fluxos de água e o círculo em vermelho indica a porção degradada na borda da área úmida na qual se encontra a estrada. ........................................................................................................................................... 55 Figura 25 - Fotografia E-W da área úmida demonstrando o empoçamento na estrada de terra ocasionado pela degradação da borda oeste do ecossistema. ........................................................ 57 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 10 2. ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................................. 13 2.1. Município de Cordeirópolis ........................................................................... 14 2.2. Caracterização da área de estudo ................................................................. 15 2.2.1. Características fisiográficas ..................................................................... 15 2.2.2. Geologia Regional ..................................................................................... 17 2.2.3. Geologia Local ........................................................................................... 21 2.2.3.1. Formação Serra Geral .............................................................................. 24 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................ 25 3.1. Áreas Úmidas .................................................................................................. 25 3.1.1. Estado da Arte ........................................................................................... 27 3.1.1.1. Convenção Ramsar ................................................................................... 28 3.1.1.2. Lista Ramsar ............................................................................................. 29 3.1.2. Uso Sustentável ......................................................................................... 29 3.1.3. Brasil e Áreas Úmidas .............................................................................. 30 3.1.4. Estudos recentes ............................................................................................................ 31 3.2. A radioatividade e sua quantificação ........................................................... 34 3.2.1. Estado da Arte ........................................................................................... 34 3.2.2. Radioatividade natural ............................................................................. 36 3.2.3. Tório ........................................................................................................... 39 3.3. Fertilizantes fosfatados .................................................................................. 40 4. MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................ 42 4.1. Levantamento bibliográfico .......................................................................... 42 4.2. O método da gamaespectrometria terrestre ................................................ 42 4.3. Aquisição de dados ......................................................................................... 44 4.4. Processamento dos dados .............................................................................. 46 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES ....................................................................................... 47 6. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 60 ANEXO A – TABELA DE DADOS DE 2020 ........................................................................... 69 ANEXO B – TABELA DE DADOS DE 2021 ........................................................................... 78 10 1. INTRODUÇÃO Crises hídricas têm sido recorrentes na última década no Brasil, como as ocorridas no ano de 2021 nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste (DINIZ et al., 2021). Alguns fatores que impulsionam esse problema são as mudanças antrópicas do ambiente natural que desencadeiam a perda ou redução na qualidade dos recursos hídricos, principalmente pela expansão desordenada de meios urbanos e do agronegócio, que tem sido um grande responsável pelo represamento de água para irrigação, alteração do fluxo natural de água superficial pelas mudanças do terreno e grandes fontes de contaminação de mananciais pelo uso massivo de compostos fertilizantes e agrotóxicos (FISCHER et al., 2016). Como consequência, os problemas socioambientais e socioeconômicos provocados demonstram a necessidade de enxergar de uma forma mais acurada e repensar relação do ser humano com recursos naturais. Assim, a substituição do uso reservatórios superficiais por abastecimento por aquíferos tem sido uma das alternativas para enfrentar as crises hídricas (MARENGO et al., 2015). Essa busca por alternativas para a distribuição de água para a população destaca a importância da conservação e gerenciamento sustentável fontes naturais de água potável, sejam elas superficiais ou subsuperficiais, além de encontrar formas de mitigar os problemas ocasionados pelo uso e ocupação de terra indevido ou não planejado. A fim de aumentar a produtividade agrícola, fertilizantes e defensivos agrícolas são empregados em grandes volumes na agricultura. Todavia, esses compostos contêm metais pesados e radionuclídeos naturais em sua composição, os quais podem ser transportados das plantações até sistemas hídricos ocasionando em sua poluição e comprometimento da qualidade das águas em escalas regional e local (BEYRUTH, 2008; GOMES & BARIZON, 2014). Em fertilizantes minerais do tipo NPK (nitrogênio-fósforo-potássio), estão presentes radionuclídeos das séries de decaimento do 232 Th, 238 U e 40 K provenientes das matérias-primas utilizadas para a produção de fertilizantes, como o caso de minerais fosfatados (BECEGATO, 2005; SOUZA & FERREIRA, 2005; MAZILLI, 2016; FRANZOI, 2019), o que acarreta na redistribuição de U, Th e K nos solos em regiões com agricultura intensiva. Os fertilizantes fornecem as plantações insumos para seu crescimento em solos nos quais a lixiviação de nutrientes essenciais é um fator limitante e, no caso da cana-de-açúcar, a deficiência do macronutriente fósforo na maioria dos solos do Brasil é um fator que torna necessária o uso em grande escala de fertilizantes fosfatados no seu plantio (SOUSA & KORNDORFER, 2011). Assim, a utilização intensiva da adubação 11 fosfatada por várias décadas, muitas vezes de forma inadequada, pode dobrar a concentração de radionuclídeos de solo (EISENBUD & GESELL, 1997; SOUZA & FEREIRA, 2005). As áreas úmidas são ecossistemas importantes para o desenvolvimento humano e para a manutenção do meio ambiente por fornecerem serviços ecossistêmicos, como armazenamento de águas superficiais, purificação de água, regulação de microclimas, recarga de águas subterrâneas, retenção de sedimentos, armazenamento de carbono (TODHUNTER & RUNDQUIST, 2004; JUNK et al., 2014; HAYASHI et al., 2016). Sua definição comumente engloba três componentes principais: presença de água, condições pedológicas diferenciadas de suas adjacências e biota adaptada para condições úmidas (MITSCH & GOSELINK, 2015). Dentro deste contexto, estão inseridas ainda as áreas úmidas geograficamente isoladas, caracterizadas pela ausência de conexão hídrica por meios superficiais (TINER, 2003). Por serem bacias de ordem zero, a água precipitada converge na direção de seu interior, carreando sedimentos e substâncias provenientes de fertilizantes e defensivos agrícolas em regiões com atividade agrícola. Nesse contexto, as áreas úmidas geograficamente isoladas, as quais mantêm muitos dos serviços ecossistêmicos citados (TINER, 2003), podem contribuir de modo eficaz na retenção natural de contaminantes antrópicos e manutenção da qualidade hídrica local e regional. O processo de expansão de áreas urbanas e da agropecuária já resultou em uma degradação de mais de 50% das áreas úmidas mundiais (MATTHEWS, 1993; MALTCHIK et al., 2010; MITSCH & GOSSELINK, 2015), configurando, assim, um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta (MALTCHIK et al., 2010; JUNK et al., 2014). A destruição ou modificação desses ecossistemas ocasionam em alterações irreparáveis de reservas subterrâneas e superficiais de águas, fauna e flora endêmicas, bem como acúmulo de poluentes, controle de inundações com consequentes resultados negativos para comunidades humanas locais e regionais (MATTHEWS, 1993). Assim, é fundamental a compreensão de seus processos e dinâmicas hidrológicas para auxiliar em seu gerenciamento sustentável e encontrar maneiras de mitigar a degradação das áreas úmidas geograficamente isoladas ocasionada pela agropecuária, haja vista que são os fluxos superficiais e subsuperficiais de água so meios principais de mobilização de compostos e elementos contaminantes. O interior paulista é uma região muito populosa com um contexto de agricultura intensiva, principalmente voltada para a cana-de-açúcar desde a iniciativa do Programa Nacional 12 do Álcool (Proálcool) na década de 70. Em regiões como essa é necessário entender a interação entre o uso massivo de fertilizantes, pesticidas e agrotóxicos e áreas úmidas, para ponderar sua capacidade de filtragem e retenção de poluentes e avaliar os danos causados. Apesar de 20% do território brasileiro ser recoberto por áreas úmidas, não existem políticas públicas nacionais específicas voltadas para áreas úmidas (JUNK et al., 2011). Dessa forma, é fundamental o desenvolvimento de pesquisas em áreas úmidas e gerar produtos substanciais que demonstrem sua importância e benefícios para a sociedade, sobretudo na manutenção da qualidade hídrica, para que auxiliem governantes e tomadores de decisão a agir em prol do gerenciamento e conservação desse ecossistema, e eventualmente, ajudar a mitigar crises hídricas futuras. Essa pesquisa teve como objetivo estudar a relação do uso intensivo de fertilizantes fosfatados e a dinâmica hídrica superficial em uma área úmida geograficamente isolada da Depressão Periférica Paulista através do método da gamaespectrometria terrestre baseado na distribuição espacial do tório. 13 2. ÁREA DE ESTUDO A área úmida do presente estudo está localizada na zona rural do município Cordeirópolis, São Paulo (Figura 1), posicionada na zona UTM 23S, com latitude e longitude de 244103 m E e 7510862 m S, respectivamente. Inserido no contexto geológico da Bacia do Paraná, o local estudado está associada à latossolos espessos provenientes do intemperismo de diabásios da Formação Serra Geral. A área úmida pode ser classificada como geograficamente isolada, visto que é uma pequena depressão topográfica completamente envolta por vertentes e que não possui qualquer conexão com outra área úmida ou corpos d’água por vias superficiais (TINER, 2003), mesmo ao estar próxima a uma drenagem a sudeste e a outra área úmida a noroeste (Figura 2). Suas vertentes possuem baixa declividade e delimitam sua bacia de captação de água superficial. Por estar em uma zona agrícola, o uso das vertentes é voltado para a cultura semi-perene da cana-de- açúcar, sendo que na porção leste seu plantio é realizado no formato semicircular de acordo com as curvas de nível, contornando a área úmida. O centro da mesma, o qual é zona mais baixa da depressão, tem como característica presença majoritária de plantas gramíneas e solo hidromórfico (gleissolo), gerados por saturação quase constante e influenciados diretamente por águas superficiais e de aquífero raso. Figura 1 - Localização da área de estudo. 14 Figura 2 - Imagem de maior detalhe da área de estudo, localizada na zona rural do município de Cordeirópolis-SP. Em vermelho, estão destacados uma outra área úmida a noroeste e uma drenagem a sudeste da área de estudo. 2.1. Município de Cordeirópolis Cordeirópolis é um município paulista inserido na microrregião de Limeira e macrorregião de Campinas. Segundo o IBGE (2021), seu território possui uma área de 137,58 km 2 e estima-se que sua população seja de 24.826 habitantes. Na cidade, estão contidas as rodovias estaduais Washington Luís (SP-310), Anhanguera (SP-330) e Bandeirantes (SP-348), formando uma importante infraestrutura de fácil acesso e circulação de produtos cerâmicos e agrícolas produzidos na região. Conjuntamente a Ipeúna, Limeira, Rio Claro, Piracicaba, Iracemápolis e Santa Gertrudes, o município integra o Polo Cerâmico Santa Gertrudes (PCSG), um importante centro 15 extração de argila e concentração de indústrias cerâmicas. O PCSG é o polo cerâmico com a maior produção da América e a segundo maior do mundo, sendo responsável por 85% da produção do Estado de São Paulo, o que corresponde a cerca de 70% dos revestimentos cerâmicos produzidos no país (ASPACER, 2016). Segundo Poletto (2008), em 1930, as atividades envolvendo cerâmicas vermelhas já eram exercidas em Cordeirópolis, no entanto, o verdadeiro crescimento desse ramo ocorreu apenas durante a década de 70 e 80 através da vinda de empresas de pisos e revestimentos, que impulsionaram o mercado com a instalação de algumas indústrias motivadas pelo crescimento desse setor industrial em Santa Gertrudes. Durante a década de 60, o café, que era a base econômica do município, foi substituído pelo cultivo de cana-de-açúcar, responsável por acelerar o processo de urbanização de Cordeirópolis. Contudo, o desenvolvimento da atividade industrial da cerâmica intensificou esse processo ao gerar diversos empregos no município e atrair migrantes da região Nordeste, região Sul e Minas Gerais, o que acarretou no aumento do número de habitantes, que passou de 9.334 residentes ao final da década de 80, para 24.826 em 2021 (VIEIRA, 2018; VIEIRA; DA SILVA VIEIRA, 2018; IBGE, 2021). Segundo o SEADE (2021), o grau de urbanização da população é de 90% e densidade demográfica de 179 habitantes por km 2 . Apesar de seu crescimento populacional durante as últimas décadas, sua área urbana de Cordeirópolis corresponde apenas a 4,22% e seu território (VIEIRA, 2018). Na zona rural, a cultura semi-perene de cana-de-açúcar é a atividade agrícola mais praticada, com plantações abrangendo 6730 hectares ocupa 44% área do município (LUPA, 2017; VIEIRA, 2018). 2.2. Caracterização da área de estudo 2.2.1. Características fisiográficas A cidade de Cordeirópolis é topograficamente plana com colinas amplas e médias, com um baixo desnível de 323 metros entre o nível de maior elevação de 825 metros e o menor de 502 metros, no fundo de vale, predominando as cotas entre 600 e 700 metros (PENTEADO, 1969) (Figura 3). Além de possuir uma baixa amplitude altimétrica, a maioria do terreno está dentro da faixa de até 12% de declividade, composto, predominantemente, por áreas planas e levemente onduladas (Figura 4). O clima é tropical de altitude, com uma estação chuvosa de 16 outubro a março e outra significativamente mais seca que vai de maio a setembro. A temperatura média anual é de 21,1 o C (BLAIN; BRUNINI, 2007). A área úmida está inserida nas proximidades do divisor de águas entre as sub-bacias do Córrego Santa Gertrudes e do Ribeirão Tatu. O destino da água captada nas bacias citadas é a bacia hidrográfica do rio Piracicaba, na qual a cidade de Cordeirópolis está englobada. O Ribeirão Tatu deságua diretamente no rio Piracicaba, enquanto o Córrego Santa Gertrudes deságua em seu afluente, o rio Corumbataí. Existem quatro tipos de solo no município: latossolo vermelho, latossolo vermelho e amarelo, argissolos e gleissolos. O território é composto principalmente por latossolo vermelho, abrangendo 105,2 km 2 , cerca de 77% da área. Os 23% restantes são divididos entre os 7% de latossolo vermelho e amarelo (9,56 km²), os 13% de argissolo (18,1 km²) e os 3% de gleissolo (3,31 km 2 ) (VIEIRA, 2018). Figura 3 - Mapa Hipsométrico de Cordeirópolis (SP). 17 Figura 4 - Mapa de Declividade de Cordeirópolis (SP). 2.2.2. Geologia Regional Com uma área de aproximadamente 1,5 milhão de km 2 , a Bacia do Paraná está engloba porções territoriais de quatro países sul-americanos: norte do Uruguai, leste do Paraguai, nordeste da Argentina e Brasil, abrangendo estados do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país (Milani et al., 2007) (Figura 5). A bacia sedimentar intracratônica possui formato ovalado com o maior eixo na direção N-S e é delimitada por limites erosivos estabelecidos pela geotectônica posterior ao Paleozoico (Milani, 2004; Milani et al., 2007). A figura 6 representa a seção geológica esquemática da Bacia do Paraná. Segundo Milani et al. (1997), o registro sedimentar da Bacia do Paraná é policíclico e dividido em seis unidades litoestratigráficas: Supersequência Rio Ivaí (Ordoviciano-Siluriano), Supersequência Paraná (Devoniano), Supersequência Gondwana I (Carbonífero-Eotriássico), Supersequência Gondwana II (Mesotriássico-Neotriássico), Supersequência Gondwana III (Neojurássico-Éocretáceo) e Supersequência Bauru (Neocretáceo). Dessa forma, a subsidência e sucessivos episódios de sedimentação e eventos magmativsmo da Bacia do Paraná perdurou 18 entre cerca de 450 Ma e 65 Ma, formando uma espessura máxima de 7 km de um pacote sedimentar-magmático em seu depocentro (Milani, 2004; Milani et al., 2007) (Fig. 6). A Supersequência Rio Ivaí (Ordoviciano-Siluriano) é a primeira unidade litoestratigráfica da bacia, está acomodada diretamente no embasamento cristalino da sinéclise, e representa o primeiro ciclo transgressivo-regressivo da bacia sedimentar. A unidade é constituída por arenitos conglomeráticos com estratificações cruzadas da Fm. Alto Garças, diamictitos com matriz siltíco-arenosas da Fm. Iapó sucedidos por arenitos e pelítos fossilíferos da Fm. Vila Maria. A transgressão ocorreu desde a base da Fm. Alto Garças até os pelitos da Fm. Vila Maria, que representa uma porção de inundação, desenvolvendo uma fração regressiva na parte superior da unidade (Milani, 1997; Milani et al., 2007). A Supersequência Paraná (Devoniano) foi o segundo ciclo transgressivo-regressivo da bacia, que acarretou na deposição de um pacote sedimentar de espessura máxima de 800 m que se acomoda sobre as rochas da Superssequência Rio Ivaí. A base dessa unidade litológica é constituída por uma sucessão transicional de arenito com estratificação cruzada da Fm. Furnas, que é sobreposta pela Fm. Ponta Grossa, a qual reflete condições de inundação do sistema dividida em três membros pelítico-argilosos: Jaguariaíva (folhelho com lente de arenito), Tibagi (areno-síltico) e São Domingos (dominantemente pelítico). Entre o topo da Fm. Ponta Grossa e o ínicio da unidade litoestratigráfica seguinte há uma inconformidade, conhecida como “pré- Itararé”, que representa um hiato de cerca de 70 Ma (Milani, 1997; Milani et al., 2007). A Supersequência Gondwana I (Carbonífero-Eotriássico) é marcada por datar o processo de continentalização da Bacia do Paraná. Essa unidade inclui diferentes ambientes deposicionais, variando desde condições glaciais até áridas contendo dunas eólicas. A base é composta pelas variadas fácies periglaciais do Grupo Itararé, intrinsicamente ligados com a fase de degelo das geleiras, contendo espessuras superiores a 1300 metros. A parte inferior da unidade é sobreposta pelo Grupo Guatá (Fm. Rio Bonito e Palermo), Fm. Tatuí e outras formações correspondentes. Acima dessa fração, depositou-se o Grupo Passa Dois, constituído pelas formações Irati, Serra Alta, Teresina, Corumbataí (no domínio paulista da bacia), Rio do Rasto, e pela Fm. Piramboia (Milani, 1997; Milani et al., 2007). A Supersequência Gondwana II (Mesotriássico-Neotriássico) é sintetizada nos pelitos fossilíferos de origem fluvial e lacustre da Formação Santa Maria. Essa unidade litoestratigráfica abrange um curto período de sedimentação e restritamente localizada no estado do Rio Grande do 19 Sul e norte do Uruguai (Milani, 1997; Milani et al., 2007). A Supersequência Gondwana III (Neojurássico-Éocretáceo) abrange o intervalo de deposição de arenitos eólicos jurássicos da Fm. Botucatu e o intenso magmatismo fissural de rochas básicas da Fm. Serra Geral durante o Cretáceo que recobriram o deserto Botucatu. A origem do magmatismo está relacionada com a instabilidade do continente durante a separação do continente sul-americano e da África durante o rifteamento do Gondwana, a partir do Triássico (Milani, 1997; Milani et al., 2007). Por fim, a última unidade litoestratigráfica da Bacia do Paraná, a Supersequência Bauru (Eocretáceo), representa uma sedimentação em ambientes desérticos e semiáridos, distribuídos ao longo dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, além da porção nordeste do Paraguai. O limite com a Supersequência Gondwana III é marcado por uma não conformidade com as rochas básicas da Fm. Serra Geral. A Supersequência Bauru é composta por arenitos e conglomerados flúvio-aluviais do Grupo Bauru (constituído pelas formações Uberaba, Vale do Rio do Peixe, Araçatuba, São José do Rio Preto, Presidente Prudente e Marília) e eólicos do Grupo Caiuá (formações Rio Paraná, Goio Erê, Santo Anastácio). A passagem lateral entre os grupos é gradual e interdigitada (Milani, 1997; Milani et al., 2007). 20 Figura 5 - Mapa geológico simplificado da Bacia do Paraná, com o contorno estrutural (profundidade) do embasamento cristalino. Fonte: Retirado de Milani (2004). Figura 6 - Seção geológica esquemática da Bacia do Paraná. Fonte: Retirado de Milani e Zalán, 1998. 21 2.2.3. Geologia Local A maior parte do território do estado de São Paulo está inserida na Bacia do Paraná (Figura 7). Na porção paulista, das unidades litoestratigráficas citadas por Milani (1997), estão ausentes as Supersequências Rio Ivaí, Paraná e Gondwana II. As rochas mais antigas da bacia sedimentar são do Grupo Itarararé, de idade Carbonífera, pertencente à Supersequência Gondwana I. As unidades geológicas constituíntes da Bacia do Paraná no estado de São Paulo, além do Grupo Itararé, são as seguintes: formações Tatuí, Irati, Corumbataí, Piramboia, Botucatu, Serra Geral e Grupo Bauru, as quais encontram resumidas na coluna estratigráfica de Perinotto e Zaine (2008) (Figura 8). O município de Cordeirópolis é composto por diferentes unidades litoestratigráficas da Bacia do Paraná, sendo estas as formações Itararé, Tatuí, Irati, Corumbataí, Piramboia, Serra Geral e Rio Claro. As unidades de maior extensão territorial são a Fm. Corumbataí, correspondendo a 40,86 km 2 e 30% do total, e a Fm. Serra Geral, com 72,07 km 2 e 52%, as quais somadas representam um total de 82% da área do município. Os 18% restante é dividido em 11% da Fm. Tatuí (15,12 km 2 ), 2% das formações Piramboia (3,51 km 2 ), Itararé (2,62 km 2 ) e Irati (2,53 km 2 ) e 1% da Fm. Rio Claro (0,79 km 2 ) (VIEIRA, 2018) (Figura 9). 22 Figura 7 - Distribuição das unidades litoestratigráficas da Bacia do Paraná no estado de São Paulo. Fonte: Retirado de Perinottto et al. (2008). A área úmida está inserida no contexto geológico da Fm. Serra Geral, como demonstrado no mapa geólogico de Cordeirópolis (SP) (Figura 9), situada em latossolos vermelhos com presença de magnetita provenientes do intemperismo das rochas básicas da unidade. Segundo Casagrande et al. (2021), a área de estudo está localizada acima de uma soleira de diabásio com 45 metros de espessura sobrepondo-se à Fm. Corumbataí. Por conta disso, apenas essa formação será resumida no subcapítulo seguinte. 23 Figura 8 - Coluna estratigráfica da Bacia do Paraná na região de Rio Claro / Limeira / Piracicaba (SP). Fonte: Retirado de Perinotto e Zaine (2008). Figura 9 - Mapa geológico de Cordeirópolis (SP). 24 2.2.3.1. Formação Serra Geral A Fm. Serra Geral é composta predominantemente por basalto e diabásio toleítico maciço de coloração cinza-escuro a preto (Figura 10) encontrados na forma de corpos tabulares horizontais extrusivos com espessuras frequentemente quilométricas, bem como corpos intrusivos (soleiras e diques) em unidades sedimentares mais antigas da Bacia do Paraná, com composição similar às rochas extrusivas (ERNESTO et. al, 1990). As rochas básicas foram geradas por dezenas de derrames continentais provocados por vulcanismo fissural originado durante o processo de rifteamento do Gondwana que formou o Atlântico Sul durante o Mesozoico. As rochas originadas pelos derrames estão sobrepostas a arenitos eólicos da Fm. Botucatu e sotopostas a formações eocretáceas pertencentes ao Gr. Bauru. Segundo Frank et al. (2009), a dimensão da Fm. Serra Geral é de 917.00 km² (± 15.000 km²) distribuída ao longo da Bacia do Paraná e volume de rocha superior a 600.000 km³. Dados geocronológicos adquiridos por Ernesto et al. (1999) indicam que a idade dessas rochas varia entre 129,9 + 0,1 Ma e 131,9 + 0,4 Ma, pertencente ao Eocretáceo. O intemperismo dessas rochas básicas resutam em latossolos espessos de coloração avermelhada, férteis e argilosos, conhecidos como terra roxa. Figura 10 - Diabásio inalterado na rodovia Bandeirantes (SP-348). 25 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1. Áreas Úmidas Há milênios, as grandes civilizações (e.g.: babilônios, egípcios e astecas) já aproveitavam os benefícios de áreas úmidas ao utilizarem-nas para desenvolver sistemas de drenagens (MITSCH; GOSSELINK, 2015). As áreas úmidas sempre foram importantes para o desenvolvimento humano e para a manutenção do meio ambiente por fornecerem “serviços ecossistêmicos”, como armazenamento de águas superficiais, purificação de água, regulação de microclimas, recarga de águas subterrâneas, retenção de sedimentos, armazenamento de carbono, além de serem habitat de uma vasta biodiversidade (TODHUNTER; RUNDQUIST, 2004; JUNK et al., 2014; HAYASHI et al., 2016). Além disso, são muito importantes por serem áreas de cultivo da principal fonte de alimento de mais da metade da população mundial, o arroz, que é plantado em áreas úmidas adaptadas para os arrozais (MALTCHIK et al., 2010). Do mesmo modo, são fontes importantes de outros alimentos, como diversas espécies peixes, camarão, lagostim e vegetais nativos, e também, são alvos de exploração de ervas medicinais, turfas e materiais de construção, como madeira e argila (JUNK et al., 2014; MITSCH; GOSSELINK, 2015). Apesar de sua grande importância ecológica e econômica, é um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta (MALTCHIK et al., 2010; JUNK et al., 2014). Atualmente, mais de 50% das áreas úmidas naturais já foram degradadas, drenadas e substituídas em expansões de áreas urbanas e pela agricultura (inclusive as plantações de arroz) e pecuária (MATTHEWS, 1993; MALTCHIK et al., 2010; MITSCH; GOSSELINK, 2015). Em algumas localidades, as áreas úmidas já correram grave risco de extinção, visto que na Nova Zelândia, Vietnã e os estados de Ohio e Califórnia, nos Estados Unidos, devastaram mais de 90% desse ecossistema (MALTCHIK et al., 2010; MITSCH; GOSSELINK, 2015). As consequências desse dano a esse ecossistema são desastrosas, ocasionando na perda de reservas subterrâneas de água, inundações, desaparecimento de espécies de animais e plantas endêmicas, acúmulo de poluentes, entre outros resultados danosos (MATTHEWS, 1993). Embora a definição de uma área úmida seja relativamente variada na literatura, existem três componentes principais que permitem definir uma área úmida: presença de água, condições pedológicas únicas distintas de suas adjacências e biota adaptada para condições úmidas 26 (MITSCH; GOSELINK, 2015). Segundo KEDDY (2010), o ecossistema surge da interface de um ambiente aquático e terrestre através da produção de solos hidromórficos por processos anaeróbios, com adaptação de comunidades de plantas e animais às suas dinâmicas hidrológicas. As áreas úmidas podem ser tanto costais quanto continentais, com presença de água doce ou salgada e com permanente ou periódica inundação por águas rasas ou solos alagados (JUNK et al., 2014). Existem diferentes perspectivas para classificar uma área úmida como “isolada”, como a geográfica, ecológica e hidrológica. Para uma área úmida ser geograficamente isolada, basta essa estar completamente envolta por vertentes, sem haver conexões superficiais com outra área úmida, corpo d’água e drenagem (TINER, 2003). Segundo o mesmo autor, essa é a classificação mais fácil de fazer, satisfaz utilizar o apenas parâmetro citado, enquanto que para a perspectiva hidrológica e ecológica a definição é mais complexa. É importante salientar que o termo “área úmida geograficamente isolada” não implica em um isolamento hidrogeológico e ecológico (LEIBOWITZ, 2015), na verdade, muitas são conectadas a outras áreas úmidas através de águas subsuperficiais e até mesmo por águas superficiais pouco frequentes e com curtas durações (TINER, 2003). A entrada de água no sistema de uma área úmida é condicionada pelo escoamento superficial (runoff), que é contribuição de água das vertentes ocasionada por drenagens e pela precipitação (neve e chuva) e também pela conexão com águas subsuperficiais da porção central e da margem úmida. Como áreas úmidas geograficamente isoladas são bacias de ordem zero, o modo de saída de água ocorre pela evapotranspiração da vegetação e pela infiltração de água para recarga de aquíferos. Esses fatores condicionam o balanço hídrico de uma área úmida, o qual varia de acordo com a morfologia e condições climáticas, ecológicas e geológicas de cada área úmida e aquífero associado (HAYASHI et al., 2016). Lissey (1971) designou o termo “áreas úmidas de recarga” àquelas que estão topograficamente em posições mais altas e perdem água para águas subterrâneas, enquanto que “áreas úmidas de descarga” estão em baixas posições e recebem água. A interação da área úmida com seu entorno é muito importante. Estresse antrópico, ocasionado, por exemplo, pela agropecuária nas adjacências do ecossistema, é um fator que modifica o escoamento superficial e, consequentemente, alteram o balanço hídrico (HAYASHI et al., 2016). 27 3.1.1. Estado da Arte Um dos primeiros programas de preservação de áreas úmidas a se preocupar com os danos ecológicos e econômicos que vinham sofrendo foi o “Selo de Caça e Conservação de Aves Migratórias” (Federal Duck Stamp), iniciado em 1934, nos Estados Unidos (MATTHEWS, 1993; MITSCH; GOSSELINK, 2015). Anualmente, os caçadores eram obrigados a comprar um selo adesivo emitido pelo governo, a fim de se obter uma licença para poderem exercer suas atividades de caça de aves aquáticas migratórias (gansos, cisnes e patos) (MITSCH; GOSSELINK, 2015). Ao utilizar uma excelente publicidade para promover a redução de danos ecológicos, o resultado foi muito positivo, visto que o dinheiro adquirido ao longo desse programa foi utilizado para comprar milhares de hectares de áreas úmidas pelo programa, assegurando a sua proteção (MATTHEWS, 1993; MITSCH; GOSSELINK, 2015; FWS, 2017). Os estudos científicos pioneiros sobre áreas úmidas até meados do século passado eram focados em botânica convencional e estudos hidrológicos em turfeiras europeias e russas (MITSCH; GOSSELINK, 2015). Posteriormente, surgiu uma nova geração de pesquisadores que passaram a abordar estudos ecossistêmicos e biogeoquímicos em áreas úmidas, resultando em novos entendimentos do funcionamento das áreas úmidas e sua importância ecológica. Desde 1960, o interesse por essa vertente científica e seu gerenciamento cresceu intensamente, o que é demonstrado pelo aumento do número de conferências, artigos científicos, livros e revistas relacionados às áreas úmidas demonstrando sua importância para o futuro do planeta (MITSCH; GOSSELINK, 2015). Até o começo dos anos 70, não havia políticas ambientais para preservar as áreas úmidas e mitigar os danos causados pela sua devastação. Durante a década de 60, ecólogos de áreas úmidas e aves aquáticas, conjuntamente a ONG’s e autoridades governamentais reconheceram a necessidade de criar um acordo internacional, ao notarem a continua perda territorial do habitat e declínio de espécies de aves aquáticas (GARDNER; DAVIDSON, 2011). O Projeto MAR, estabelecido em 1960, focado na conservação e gestão de pântanos e outros tipos de áreas úmidas europeias (MATTHEWS, 1993), foi uma iniciativa muito importante para o futuro das áreas úmidas. Ao longo de suas conferências realizadas a partir de 1962, com a participação de órgãos internacionais como a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), IWRB (atual Wetlands International), entre outros, manifestou-se a ideia de negociar 28 um acordo internacional específico para a preservação de áreas úmidas e aves aquáticas migratórias (MATTHEWS, 1993; RAMSAR HANDBOOK, 2016). 3.1.1.1. Convenção Ramsar Após anos de discussões e negociações, em Fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, localizada na costa sul do Mar Cáspio, 18 países assinaram o primeiro acordo ambiental multilateral com o intuito de preservar e promover o uso sustentável de recursos naturais em escala global, através de atuações locais e cooperação internacional (MATTHEWS, 1993; GARDNER; DAVIDSON, 2011; RAMSAR HANDBOOK, 2016). O nome oficial “A Convenção sobre Áreas Úmidas de Importância Internacional Especialmente Enquanto Habitat de Aves Aquáticas” (Ramsar Convention on Wetlands of Internacional Importance especially as Waterfowl Habitat), popularmente conhecida como Convenção Ramsar (Ramsar Convention), reflete que a finalidade inicial de preservação e uso sustentável de áreas úmidas era fundamentada pelo fato de serem habitat de aves aquáticas ecologicamente dependentes do ecossistema (e.g.: gansos, pelicanos, gaivotas, flamingos, gansos, cisnes). Posteriormente, apesar de manter seu nome devido a fatores burocráticos, a Conveção passou a abranger seus princípios em todos os aspectos em áreas úmidas (MATTHEWS, 1993; RAMSAR HANDBOOK, 2016). Devido a alguns termos, o acordo entrou em vigor apenas em Dezembro de 1975. Para cada parte contratante, existem três obrigações conhecidas como os pilares do acordo: cooperação internacional; incluir adequadamente pelo menos uma área úmida para a Lista Ramsar de Áreas Úmidas de Importância Internacional dentro do seu território; e abordagem de “manejo inteligente” (GARDNER; DAVIDSON, 2011). Segundo o site oficial da Conveção Ramsar, desde seu início até 2021, 169 países aderiram a Convenção e mais de 2424 áreas úmidas ao redor do mundo foram incluídas na Lista Ramsar (RAMSAR, 2021). Os representantes de todas as partes contratantes se reúnem uma vez a cada triênio na Conferência das Partes Contratantes (COP). Durante esses encontros, são elaborados arranjos orçamentários para os anos seguintes e passadas orientações às Partes Contratantes sobre as questões ambientais em andamento e emergentes (RAMSAR, 2014). Ao todo, já foram realizadas 13 COPs, sendo que a primeira ocorreu em 1980, na cidade de Cagliari, na Itália, e a próxima, a COP14, ocorrerá em Wuhan, China, ao final de 2022 (RAMSAR HANDBOOK, 2016). 29 3.1.1.2. Lista Ramsar Atualmente, a Lista Ramsar (ou apenas “Lista”) é a maior rede de áreas protegidas do mundo (GARDNER; DAVIDSON, 2011). Segundo o Artigo 2.2 da Convenção, para entrar para essa listagem, é exigido que a área úmida designada possua significância em termos de ecologia, botânica, zoologia, limnologia e hidrologia (RAMSAR HANDBOOK, 2016; RAMSAR, c2014). Foram estabelecidos nove critérios para identificar as áreas úmidas de importância internacional, que são divididos entre: sítios contendo tipos de áreas úmidas representativas, raras ou únicas; e sítios de importância internacional para a conservação de diversidade biológica (GARDNER; DAVIDSON, 2011). Qualquer área úmida que possua pelo menos um desses critérios pode ser incluída na Lista e qualificada como um Sítio Ramsar. Ao cumprir esse comprometimento, a parte contratante tem acesso a diversos benefícios, como apoio para o desenvolvimento de pesquisa e acesso a fundos internacionais para o financiamento de projetos de conservação e uso sustentável de áreas úmidas, sobretudo dos Sítios Ramsar (MMA, 2018; MMA; 2019). O status de “Sítio Ramsar” reforça a necessidade de preservação da área, revigorando sua proteção e gerenciamento de políticas governamentais. Além de aumentar o suporte financeiro da área de preservação, esse status promove maior visibilidade do público, tanto nacional quanto internacional, incentivando o turismo sustentável (GARDNER; DAVIDSON, 2011). 3.1.2. Uso Sustentável O Artigo 3 da Convenção prevê que a Parte Contratante deve incluir a conservação de áreas úmidas em seu planejamento nacional, de forma que impulsione seu uso sustentável ao longo de seu território, o máximo possível (RAMSAR HANDBOOK, 2016). A definição proposta pela Convenção, segundo a Resolução IX, Anexo A (2005) é: “Uso sustentável de áreas úmidas é a manutenção de suas características ecológicas, alcançada mediante a implementação de abordagens ecossistêmicas, no contexto de desenvolvimento sustentável”. Com o crescimento exponencial do número de seres humanos no planeta, a atual exploração dos recursos naturais presente em áreas úmidas irá rapidamente esgotá-los, e seus serviços ecossistêmicos irão cessar. Dessa forma, como os produtos de áreas úmidas são 30 importantes para a população mundial, o conceito de uso sustentável surge como um elo entre o aproveitamento contínuo de recursos e serviços provenientes de áreas úmidas sem que estas sejam exauridas e devastadas, mantendo seus benefícios para a presente geração e potencial de aproveitamento para as futuras necessidades das gerações seguintes (MATTHEWS, 1993; RAMSAR HANDBOOK, 2016). Para que isso ocorra, a parte contratante deve adotar políticas ambientais nacionais, reformulando as legislações vigentes e criando novas, dando enfoque às questões relacionadas às áreas úmidas, envolvendo-as nos planos nacionais de biodiversidade (GARDNER; DAVIDSON, 2011; RAMSAR HANDBOOK, 2016). O uso sustentável exige a criação de um inventário nacional de áreas úmidas e seu monitoramento, posto que são ferramentas essenciais para a tomada de decisão das autoridades governamentais. Para o gerenciamento efetivo de áreas úmidas, é requerida abordagem multidisciplinar envolvendo ecologia, biologia, botânica, zoologia, hidrologia, economia, política e ciências sociais (devido ao envolvimento de comunidades locais), em função disso, o investimento em pesquisa, treinamento e educação é essencial para o desenvolvimento do uso sustentável no país. 3.1.3. Brasil e Áreas Úmidas Cerca de 20% do território brasileiro é recoberto por uma diversidade de áreas úmidas, as quais são importantes contribuintes para a biodiversidade Sul-Americana (JUNK et al., 2011; JUNK et al., 2014). O Brasil entrou para a Convenção em 24 de Setembro de 1993, e, ao todo, possui 27 Sítios Ramsar (24 unidades de conservação e 3 Sítios Ramsar Regionais), somando uma área total de 26.794.455 hectares. O Rio Negro (AM) entrou na lista em 2018, e, atualmente, é a maior área úmida da Lista Ramsar, possuindo 12.001.614 hectares (RAMSAR, c2014; MMA, 2019). Com exceção da Caatinga, os sítios estão distribuídos ao longo de todos os biomas, sendo que 92,6% da área total estão localizados no bioma amazônico, ocupando 4,6% de sua extensão do mesmo (RIBEIRO et al., 2020). Do restante, as áreas classificadas como sítios Ramsar abrangem 0,4% do Pampa, 0,25% da Floresta Atlântica, 0,3% do Cerrado e 1,5% do Pantanal (RIBEIRO et al., 2020). O Brasil também possui três Sítios Ramsar localizados em territórios marítimos, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE), a Reserva Biológica Atol das Rocas (RN) e Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA). https://www.ramsar.org/wetland/brazil 31 A autoridade administrativa da Convenção no Brasil é a Secretaria de Biodiversidade (SBio), pertencente ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Cabe a esse órgão governamental a elaboração de estratégias para cumprir os requisitos do tratado, bem como utilizar da forma devida os recursos e fundos monetários destinados às áreas de proteção (MMA, 2018; MMA, 2019). Instituído em 2003 e composto por diferentes representantes, tanto científicos, quanto dos setores governamentais e da sociedade civil, o Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU) participa das deliberações e tomadas de decisão da Convenção no país, além de arquitetar e propor diretrizes em relação ao uso sustentável, conservação e gerenciamento das áreas úmidas incluídas na Lista Ramsar (ASCOM MMA, 2018). Analisar e incluir novos sítios à Lista, executar as novas decisões adotadas durante as COPs, bem como elaborar repasses nacionais nestas conferências, são algumas outras de diversas funções atribuídas ao CNZU. Apesar do esforço internacional para promover o reconhecimento público da importância e dos benefícios das áreas úmidas, no país existem, relativamente, poucos estudos sobre o tema, sobretudo em relação às áreas úmidas geograficamente isoladas no cerrado brasileiro. Além disso, segundo JUNK et al. (2014), não existe uma classificação nacional que leva em consideração as condições ecológicas específicas do país. Dessa forma, a implementação de uma política nacional de áreas úmidas alinhadas com os termos da Convenção é dificultada pela falta de parâmetros gerais para a definição de áreas úmidas brasileiras, somada às dezenas de termos locais para cada (JUNK et al., 2014). 3.1.4. Estudos recentes Recentemente estão sendo realizados estudos utilizando métodos não invasivos em áreas úmidas do Cerrado e da região da Depressão Periférica Paulistas (FURLAN et al., 2020; 2021a; 2021b; CASAGRANDE et al., 2021). Ao integrar métodos geofísicos de tomografia elétrica e sensoriamento remoto, por meio de fotogrametria em veículos aéreos não tripulados (VANTs), são geradas ferramentas visuais que proporcionam a análise superficial e subsuperficial da área úmida. Sendo assim, é possível compreender sua dinâmica superficial e reconhecer algumas funções ecossistêmicas como armazenamento de água, recarga de águas subterrâneas e redução da sedimentação em seu interior. Os veículos aérreos não tripulados (VANTs) são muito úteis para entender a dinâmica superficial das áreas úmidas ao registrarem imagens da superfície da área de estudo com https://antigo.mma.gov.br/processo-eletronico/item/8562-instrumentos-da-conven%C3%A7%C3%A3o-de-ramsar.html 32 resolução espacial muito elevada e baixa dificuldade de aquisição. Através do processamento dos dados obtidos é possível gerar o modelo digital de elevação (MDE), o que auxilia na delimitação dos compartimentos da área úmida (área úmida vigente, área de potencial expansão da área de enchente e vertentes) (CASAGRANDE et al., 2021), bem como na identificação redes de drenagem e até mesmo fazer simulações de inundação (FURLAN et al., 2021a). Furlan et al. (2021a) utiliza a metodologia de fotogrametria utilizando um VANT para realizar um monitoramento ambiental de uma área úmida em uma área de agricultura intensiva na região da Depressão Periférica Paulista, em um contexto muito similar à área do presente estudo. Através do monitoramento, foi possível identificar a variação sazonal da área alagada, bem como a perda de sua área total devido à ação antrópica. Os resultados obtidos através de tomografia elétrica (ERT) são essenciais para entender a dinâmica subsuperficial da área úmida e encontrar evidências da conexão com aquíferos por meio de zonas de recarga (FURLAN et al., 2020; 2021b; CASAGRANDE et al., 2021; ROSA et al., 2022). Ao interpretar os modelos gerados e identificar o arcabouço geológico existente, é possível visualizar acúmulo e percursos de fluxo hídrico pelo contraste dos valores de resistividade dos materiais. Furlan et al. (2021b) identifica a zona de recarga de uma área úmida no Cerrado como sua porção de baixa topografia e alta condutividade hidráulica associada ao ponto de menor resistividade na fração central. Essa zona é um ponto de escoamento que conecta a água da superfície, proveniente de chuvas, com a água subterrânea através de fluxos verticais. Casagrande et al. (2021) reconhece a possibilidade de haver uma zona de fluxo vertical relacionadas a fratura subvertical presente em um sill de diabásio constatado alguns metros abaixo da área úmida. Ademais, ensaios de condutividade hidráulica são muito importantes para identificar zonas de maior permeabilidade que irão, possivelmente, determinar a zona de recarga do aquífero, como observado em Rosa et al. (2022) e Furlan et al. (2021b). Descrição e análise pedogenética são essenciais para, conjuntamente aos outros dados, compreender a morfologia e possível origem da área úmida (ROSOLEN et al., 2019). De forma adicional, Zuquette et al. (2020) estabelecem um estudo de grande importância na classificação de áreas úmidas depressionais com base em alterações de origem antrópica e nos mecanismos de controle da dinãmica hídrica de tais ambientes através de estudos geológicos e hidrogeológicos associados à produtos do sensoriamento remoto. 33 Esses recentes trabalhos demonstram a importância do estudo e monitoramento de áreas úmidas isoladas para a mitigação da perda desse ecossistema e eventual manutenção hídrica local e regional. Como exemplo da região da Depressão Periférica Paulista, apesar das áreas úmidas serem isoladas, esse tipo de ecossistema contribui significativamente com o acúmulo de água superficial (FURLAN et al., 2021a). Por ser uma área úmida geograficamente isolada na Depressão Periférica Paulista e estar inserida em um contexto de agricultura intensiva, a área úmida do presente estudo é muito similar à estudada por Furlan et al. (2021a). Essa área úmida apresenta alta sensibilidade ambiental, evidenciada pela perda de sua área total em um curto período de tempo devido à ação antrópica. Mas além da degradação causada pelo manuseio da plantação, a área úmida está suscetível à contaminação por fertilizantes e agrotóxicos utilizados na agricultura, transportados até o interior do ecossistema pelas águas superficiais e sedimentação em excesso. Portanto, a gamaespectrometria, que também é um método não invasivo e com o maior aporte geoquímico dos métodos geofísicos, poderia ser utilizada para aprofundar os estudos da dinâmica superficial da área úmida, bem como avaliar outras funções ecossistêmicas, como a filtragem e retenção de poluentes. O mapeamento da distribuição espacial das emissões gama utilizando esse método geofísico possui grande relevância para avaliar a possível mobilidade dos sedimentos e eventual arraste geoquímico dos radionuclídeos antrópicos presentes em fertilizantes e agrotóxicos, e, dessa forma, possibilita a identificação dos impactos da agricultura em relação ao sistema hidrogeológico. As pesquisas realizadas em áreas úmidas geram excelentes dados que servem de base científica para governantes e tomadores de decisão desenvolvam projetos e legislações em favor da conservação das áreas úmidas. Furlan et al. (2021a) demonstra a importância das áreas úmidas da Depressão Periférica, mas, por serem menores, acabam sendo subjugadas pela legislação brasileira, o que acaba sendo um problema, visto que, apesar de serem imprescindíveis na qualidade hídrica local e regional, não existem leis ambientais rigorosas que sustentem sua preservação. 34 3.2. A radioatividade e sua quantificação 3.2.1. Estado da Arte O químico alemão Martin Klaproth foi o responsável pela descoberta do elemento urânio, em 1789 (IAEA, 2003). Em 1895, Wilhelm Conrad Rötgen, um físico alemão, descobriu experimentalmente, utilizando tubos de raios catódicos, a existência dos raios-X. Um ano após a descoberta de Rötgen, o físico francês Henri Becquerel, em 1886, descobriu a radioatividade ao perceber que os sais de urânio, utilizados em seu experimento, assim como qualquer mineral contendo urânio, emitiam energia mesmo sem serem expostos ao sol ou outras fontes de energia, dando origem à física nuclear (TELFORD et al, 1990; IAEA, 2003). Apesar de existirem mais de 50 isótopos radioativos, apenas os radionuclídeos da série do urânio ( 235 U e 238 U), do tório ( 232 Th) e do potássio ( 40 K) são importantes para a exploração radiométrica, uma vez que o restante é raro ou fracamente radioativo no contexto geológico (TELFORD et al, 1990; MUSSET; KHAN, 2000) (Figura 11). Os primeiros detectores de radiação foram desenvolvidos durante a primeira década do século XX, e o método geofísico utilizando radioatividade foi utilizado pela primeira vez durante os anos 30, a fim de fazer correlações estratigráficas em perfilagens geofísicas de poços petrolíferos (TELFORD et al, 1990) A sensibilidade dos instrumentos foi incrementada através da invenção de cintilômetros desenvolvidos durante a década de 40. (IAEA, 2003). 35 Figura 11 – Série de decaimento dos radionuclídeos 238 U, 232 Th e 235 U. Com o intuito bélico, a exploração intensa de urânio no período após a 2ª Guerra Mundial aumentou a necessidade de descoberta de novos depósitos de urânio (RIBEIRO et al, 2014). A fim de descobrir novas fronteiras exploratórias fonte do mineral, foram realizados os primeiros levantamentos radiométricos aéreos nos EUA, Canadá e antiga URSS em 1947, e na Austrália, em 1951 (IAEA, 2003). Até o começo da década de 50, o contador Geiger-Müller era o dispositivo padrão para a detecção de radiação, providenciando apenas a contagem total, de forma que não é possível a distinção entre potássio, urânio e tório (BRISTOW, 1983). O surgimento do cintilômetro de iodeto de sódio (NaI) foi um grande avanço para a área, uma vez que possuiu uma eficiência na detecção centenas de vezes maiores que o contador Geiger-Müller para o alcance de energia de interesse nessa aplicação, e os pulsos de saída produzidos tiveram amplitudes proporcionais à energia da radiação gama que os causou. A identificação de U, Th e K de acordo com a sua emissão de energia foi possível através da adição de um circuito eletrônico capaz de classificar e contar pulsos de acordo com sua amplitude, permitindo a estimação in situ dos radioelementos (BRISTOW, 1983; IAEA, 2003). O gamaespectrômetro conta com a quantificação os pulsos particulares de raios gama emitidos durante o decaimento radioativo natural destes elementos, distinguindo-os de outros pulsos originados de outros 36 processos e decaimentos (MUSSET; KHAN, 2000; ADAMS; GASPARINI, 1970). Apesar de terem ocorridos diversas campanhas de pesquisas aéreas utilizando cintilômetros com cristais de grande volume no final dos anos 50, os resultados não eram muito úteis devido à falta de diferenciação nas medidas de contagem total (TELFORD et al, 1990). Durante os anos 60 e 70, as técnicas de gamaespectrometria aéreas, terrestres e laboratoriais foram amplamente desenvolvidas e aplicadas à exploração mineral, principalmente após o aumento da demanda por urânio, e monitoramento ambiental (TELFORD et al, 1990; IAEA, 2003). Desenvolvimentos posteriores do método consistem no uso de analisadores multicanais, registro digital, desenvolvimento de detectores semicondutores e melhoras no processamento de dados (IAEA, 2003). Os gamaespectrômetros podem ser portáteis, empregados nas técnicas de gamaespectrometria terrestre e aerogamaespectrometria, ou não portáteis, os quais são utilizados em laboratórios para a medição precisa de amostras de rocha, solo e outros materiais (MUSSET; KHAN, 2000; IAEA, 2003). O dispositivo também pode ser empregado em sondagens para perfilagem de poços (FERREIRA et al, 2010). O método geofísico da gamaespectrometria pode ser utilizado para diversas aplicações na área de geociências, como mapeamento geológico e geoquímico, por ser uma ferramenta vantajosa para a caracterização de diferentes tipos litológicos, intrusões diferenciadas e indiferenciadas, e crateras de impacto, auxiliar a identificação limites entre unidades geológicas e grandes estruturas com mais precisão (ULBRICH et al, 2009; VASCONCELOS et al, 2012; RIBEIRO et al, 2013), como também na prospecção mineral, exploração petrolífera, mapeamento de solos (MUSSET; KHAN, 2000; IAEA, 2003), entre outros. Recentemente, o método passou a ser amplamente utilizado na área ambiental, para controle ambiental em áreas com vazamento radioativo, (IAEA, 2003), monitoramento de lixões (BECEGATO et al, 2014), estudar a influência de fertilizantes com derivados radioativos em sistemas hídricos (UMISEDO, 2007). 3.2.2. Radioatividade natural A radioatividade é um fenômeno natural que ocorre pela emissão de radiação durante o processo de desintegração espontânea de um isótopo instável, devido ao excedente de energia em 37 seu núcleo atômico, para se transformar em um isótopo mais estável e menos energético. Todos os nuclídeos com tal propriedade são designados radionuclídeos (IEAE, 2003). O decaimento radioativo de um número N de átomos de um radionuclídeo com o tempo pode ser expressa pela seguinte expressão: = = número de átomos presentes depois do tempo t (s); = número de átomos presentes no tempo t = 0; = a constante de decaimento de um radionuclídeo (s -1 ) É importante ressaltar que a taxa de decréscimo da massa de um material radioativo obedece à meia-vida, que é o tempo que leva para que metade dos radionuclídeos decaia (Figura 12), expressa pela seguinte fórmula: Figura 12 – Gráfico da meia-vida (t1/2). Durante processo de decaimento radioativo espontâneo são liberados três tipos de radiação, decorrentes da emissão de partículas alfa (α) e beta (β), bem como raios gama (γ). As α são partículas carregadas positivamente, composta por dois prótons e dois nêutrons, enquanto a β 38 podem ter cargas tanto negativas quanto positivas, tais quais elétrons e pósitrons, respectivamente. O fato dessas partículas possuírem carga é um fator determinante em sua transmissão, o que acarreta em uma propagação na matéria pouco maior que centímetros e milímetros no ar e em rochas, respectivamente. Em contrapartida, os raios gama são ondas eletromagnéticas de altra frequência constituídas por fótons (partícula) e são eletricamente neutros. Os raios gama são muito mais penetrativos que as outras partículas, com propagação superior a 100m no ar e a meio metro em rochas, mais energéticos e mais fáceis de serem detectados (MUSSET; KHAN, 2000; MILSOM, 2003). Apesar de existirem outros radionuclídeos, o urânio (U), o tório (Th) e o potássio (K) são alguns dos elementos que possuem radioisótopos que produzem radiação gama o suficiente para que seja medida por um gamaespectrômetro. Além disso, esses elementos são relativamente abundantes na natureza, com concentração crustal média de 2,5% de K, 2 a 3 ppm de U e 8 a 12 ppm de Th (IAEA, 2003). As séries de decaimento partem de um isótopo instável, denominado elemento-pai, que se desintegra e forma um elemento-filho mais estável, mas também radioativo. Esse processo vai se repetindo de forma gradual até finalizar em um isótopo estável. No caso do U e Th, esses isótopos não emitem radiação gama durante sua desintegração, essa energia é proveniente dos seus respectivos elementos-filho. Dessa forma, ao medir a concentração de elementos-filho específicos, a concentração de 238 U, 235 U e 232 Th pode ser estimada. O 232 Th tem uma meia-vida de 1,39x10 10 anos e sua série de decaimento finaliza no isótopo estável 208 Pb. Já no caso do urânio, o isótopo 238 U possui uma meia-vida 4,46x10 9 anos e decai até o 206 Pb, enquanto o 235 U possui meia-vida de 7,13x10 8 anos e sua série é finalizada em 207 Pb. Como o 235 U equivale a apenas 0,72% e o 238 U a 99,2743% do urânio total, o 235 U é geralmente desconsiderado. No caso do 40 K, o isótopo ocorre apenas como 0,012% do K natural e decai para o 40 Ar com uma meia-vida de 1,3x10 9 anos (ADAMS; GASPARINI, 1970; IAEA, 2003). Diferente do caso do urânio e do tório, como 40 K ocorre com uma proporção fixa de K na natureza, a quantificação de seus raios gama dá um resultado de quantidade total de potássio presente, enquanto no caso dos elementos medidos indiretamente através de seus filhos, as concentrações (ppm) de Th e U são designadas tório equivalente (eTh) e urânio equivalente (eU) (IAEA, 2003). 39 3.2.3. Tório O tório é um elemento encontrado como componente principal em toritas e torianitas, mas também em allanitas, xenotímios, zircões e monazitas com ppm superior a 1000 e como traço em outros minerais (DICKSON; SCOTT, 1997). Segundo Eisenbud e Gesell (1997), os teores de Th variam de 1,6 a 20,0 ppm em rochas crustais comuns, com uma média de 10,7 ppm, valor cerca de quatro vezes maiores que a concentração do urânio. Os valores de Th em solos ao longo do mundo estão entre a faixa de 3,4 a 13,4 ppm (KABALA-PENDIAS, 2001 apud ULBRICH et al., 2009). Há um aumento do teor de Th, U e K de acordo com o aumento do conteúdo de sílica da rocha (Figura 13), isto é, as concentrações médias desses elementos são mais elevadas em rochas ígneas ácidas e intermediárias do que em rochas básicas e ultrabásicas (DICKSON; SCOTT, 1997). O teor médio de tório em granitos varia de 15 a 17 ppm, enquanto em basaltos esse valor se encontra entre 2 a 4 ppm (TELFORD, 1990; EISENBUD; GESSEL, 1997; MUSSET; KHAN, 2000). Os radionuclídeos se dispersam no meio ábiotico através do ar, água, solo e sedimento. Seus comportamentos variam de acordo com suas propriedades físico-químicas e fatores ambientais (físicos, químicos e biológicos). Esses nuclídeos são redistribuídos e acumulados no meio ambiente de acordo com sua afinidade com materiais orgânicos e inorgânicos e seus eventuais processos de transporte (dispersão, lixiviação, deposição, etc.) (MAZILLI et al., 2011). Apesar de cada radioisótopo se comportar de forma diferente, esses podem ser agrupados em grupos que, em geral, possuem características similares. O urânio e o tório pertencem ao grupo dos actinídeos (junto ao Ac e Pa), o qual é caracterizado por compostos constantemente insolúveis que normalmente se acumulam em solos e sedimentos (MAZZILLI et al., 2011). O principal modo de saída desses radionuclídeos é devido à erosão, e menos comumente lixiviação, processo que pode ocasionar no desequilíbrio da série de desintegração do urânio e raramente do tório (IAEA, 2003). Embora o Th e o U pertençam ao mesmo grupo, os elementos comportam-se de maneira diferente. O tório raramente é solubilizado, enquanto o urânio dispõe um maior potencial para ser lixiviado, visto que é mais solúvel (EISENBUD; GESSEL, 1997). Devido a essa característica, o tório está mais associado a fases sólidas, retido em minerais estáveis durante o intemperismo, como o zircão e a monazita, classificados como ‘resistatos’. Mesmo quando é liberado, pode ficar associado a substâncias de origem secundárias, como óxidos e hidróxidos de Fe e Ti e argilas, e 40 permanece imóvel (DICKSON; SCOTT, 1997; ULBRICH et al., 2009). Quando o tório é solubilizado, assim como o urânio, sua eventual remoção é facilitada devido a sua adsorção ou absorção por substâncias inorgânicas como argilas coloidais e óxidos de ferro, e orgânicas, as quais podem ser transportadas por águas intersticiais (DICKSON ; SCOTT, 1997; ULBRICH et al., 2009). Em tese, devido a sua baixa mobilidade geoquímica, uma análise gamaespectrométrica deve identificar concentrações condizentes com o valor original em rochas inalteradas. O principal mecanismo de transporte do tório adsorvido é por gravidade, o que acarreta em uma maior concentração do elemento em zonas mais baixas topograficamente, como drenagens e depressões (ULBRICH et al., 2009). Figura 13 - Variação do conteúdo de K, U, Th em rochas ígneas com aumento do teor de sílica. Fonte: Dickson e Scott (1997). 3.3. Fertilizantes fosfatados O macronutriente fósforo é o maior limitante da produção da cana-de-açúcar na maioria dos solos do Brasil, o que torna necessária o uso em grande escalada de fertilizantes fosfatados no seu plantio (SOUSA; KORNDORFER, 2011). Os radionuclídeos estão, na maioria das vezes, 41 contidos nas matérias-primas utilizadas para a produção de fertilizantes (BECEGATO, 2005; SOUZA; FERREIRA, 2005; MAZILLI, 2016), como é o caso do fósforo. Uma das principais fontes de matéria-prima para a produção de fertilizantes fosfáticos é a mineração de rochas fosfáticas, as quais têm como principal minério a apatita, mineral de fósforo mais comum. Esse mineral é utilizado para fabricar ácido fosfórico, componente essencial de fertilizantes (MAZILLI, 2016). As rochas fosfáticas contêm concentrações relativamente altas de urânio, e eventualmente tório (EISENBUD; GESELL, 1997), por exemplo, segundo ULBRICH et al. (1997), apatitas em granitos peraluminosos possuem teores de U em centenas de ppm e de Th em dezenas de ppm. Durante a produção, os radionuclídeos que se encontravam em equilíbrio na rocha fosfática são mobilizados para os materiais (produto, subproduto e resíduo) de acordo com sua afinidade química. No caso do Th e seus isótopos, 80% é migrado para o subproduto da produção de ácido fosfórico, o fosfogesso, e apenas 20% é migrado para a matéria-prima de fertilizantes. Em contrapartida, 90% do urânio transfere-se para o ácido fosfório, isso devido a seu grau de solubilidade (MAZILLI, 2016). É importante salientar que os teores de radionuclídeos nos produtos industriais de minério de fosfato variam de acordo com as características da rocha fosfatada do depósito e do tipo de fertilizante. Franzoi (2019) identifica a presença de U e Th em fertilizantes fosfatados produzidos utilizando matéria-prima proveniente de rochas carbonatíticas, rochas hospedeiras das maiores reservas do minério no Brasil. A utilização continua da prática intensiva de adubação fosfatada em plantios em determinadas localidades durante o período de décadas pode, eventualmente, dobrar a concentração de radionuclídeos do solo, o que pode ocasionar em contaminação de solos e corpos d’água como resultado do escoamento dos fertilizantes (EISENBUD; GESELL, 1997; SOUZA; FEREIRA, 2005). 42 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1. Levantamento bibliográfico Nessa etapa, foi confeccionado um levantamento bibliográfico sobre os princípios teóricos do método geofísico da gamaespectrometria e sua utilização na área ambiental, focando em estudos de caso semelhantes precedentes em áreas com agricultura intensiva com utilização de fertilizantes fosfatados. 4.2. O método da gamaespectrometria terrestre Dentre suas possibilidades de aplicação, a metodologia empregada no estudo contempla a gamaespectrometria terrestre (in-situ). Os sistemas gamaespectrômetros portáteis mais utilizados possuem como detector um cristal cintilador do tipo NaI(Ti) ou BGO (germanato de bismuto) associado a um fotomultiplicador que contabiliza os pulsos de energia emitidos pelo decaimento radioativo, uma vez que os pulsos de luz e amplitude do pulso de voltagem do multiplicador são proporcionais à energia original o raio gama (TELFORD, 1990). Dessa forma, o equipamento é capaz de quantificar e qualificar o sinal de diferentes radionuclídeos através de fotopicos específicos de energia gama gerados pelo decaimento radioativo (Figura 14). Esses fotopicos estão inseridos em janelas de leitura predeterminadas para cada espécie radioisotópica e, assim, é possível determinar o radionuclídeo responsável por emitir tal energia na forma de raio gama (MUSSET; KHAN, 2000; IAEA, 2003). A energia da radiação gama é expressa em elétron volt (eV), que é a energia cinética obtida por um único elétron acelerado por 1 volt de diferença de potencial elétrico, equivalente a 1,602x10 19 volts. Geralmente a energia da radiação gama está na escala de MeV (10 6 eV) ou KeV (10 3 eV). Os gamaespectrômetros gravam de 256 a 1024 canais de informação dentro da escala de energia de 0 a 3,0 MeV. O resultado de uma amostragem com gamaespectrometria resulta nos teores de U e Th, no entanto esses valores são estimados, visto que na prática os raios gama medidos são oriundos de seus produtos da série de decaimento radioativo, os quais são mais energéticos, penetrativos e mais fáceis de detectar (MUSSET; KHAN, 2000). O Th é contabilizado pela energia emitida no decaimento de 208 Tl, o último isótopo instável da série, com energia de 2,62 MeV, e, no caso do urânio, o pico é proveniente do 214 Bi com 1,76 MeV. Dessa forma, através dos elementos-filhos 43 é possível estimar a concentração equivalente de U e Th (denominadas de eU e eTh, respectivamente), conforme á mencionado. Diferente dos outros elementos citados, o potássio é medido diretamente com energia de 1,46 MeV (MILSOM, 2003; TELFORD, 1990). O equipamento também realiza a contagem total de radiação gama em CPS (contagem por segundo) ou taxa de exposição durante intervalo de medição (em µR ou µR/h). No entanto, o método possui certas limitações, como a resolução espectral do cintilômetro, irregularidades topográficas e umidade do solo (MUSSET; KHAN, 2000; MILSOM, 2003). Um aumento de 10% na umidade do solo diminuirá a precisão da medida em aproximadamente a mesma quantidade (IAEA, 2003). Vale ressaltar que a aquisição de dados do método é limitada a subsuperfície, visto que cerca de 90% dos fótons detectados vêm 20 a 30 cm de profundidade e apenas 10% abaixo de 50 cm (MILSOM, 2003; IAEA, 2003). Figura 14 – Espectro natural do raio gama emitido por K e radionuclídeos da série do U e Th. Fonte: Retirado de Milsom (2003). Segundo Loveborg e Mose (1987), a contagem utilizando um gamaespectrômetro portátil para o método terrestre deve durar entre 1 e 10 minutos. É importante realçar que o tempo de medição deve variar de acordo a alguns fatores, como o equipamento e o tamanho do cristal utilizados, condições ambientais, o objetivo do estudo, entre outros. 44 4.3. Aquisição de dados A pesquisa consistiu na aquisição de dados de radiação gama em uma área úmida e seu entorno agrícola, a fim de identificar a distribuição espacial de Th a partir da realização do método geofísico da Gamaespectrometria terrestre com o emprego do equipamento do equipamento portátil RS-332 Multipurpose Gamma-Ray Spectrometer System com cristal do tipo BGO (germanato de bismuto) e 1024 canais espectrômétricos com alcance de 15 KeV a 3 MeV (Figura 15). Através do processamento e integração dos dados geofísicos, foram gerados mapas da assinatura radioativa de Th da área, com a finalidade de visualizar a variação espacial do teor do elemento e identificar uma possível associação à fertilizantes agrícolas e correlacionar com o sistema hidrogeológico da área úmida. Figura 15 - Equipamento portátil RS-332 Multipurpose Gamma-Ray Spectrometer System e um cristal do tipo BGO (germanato de bismuto) utilizado no estudo. Na imagem o equipamento está em funcionamento para a coleta de sinais do solo das vertentes da área úmida de estudo. No entorno da área úmida, foi feita uma malha de aquisição composta por linhas paralelas espaçadas em 15 metros, compostas por pontos de leitura feitos a cada 10 metros. Na área interna, a medição foi realizada em círculos concêntricos, os quais diminuem de tamanho na medida em que avança para o centro. O equipamento conta com um GPS que registra a coordenada e altitude de cada ponto, no entanto, a precisão para as medidas de altitude é baixa. 45 Em termos práticos, foi escolhida uma contagem de 180s por ponto, de forma que fosse logisticamente possível cobrir toda a área úmida com o mínimo número de campanhas de campo ao mesmo tempo com precisão suficiente para que fossem gerados dados estatisticamente válidos, ou seja, um tempo longo o suficiente para os erros serem baixos para o propósito da pesquisa. Para efeitos comparativos, Nardy et al. (2014) estabeleceram tempo de contagem de 60s com um sistema gamaespectrométrico semelhante, cujos resultados apontaram para uma medição relativamente confiável. As campanhas foram realizadas durante os dias 26/11 e 10/12 de 2020 abrangendo toda a área úmida e seu entorno, totalizando 507 medições (Figura 16). Em 01/09 de 2021 foi executada mais uma campanha com o intuito de focar apenas na parte interna da área úmida após esta ser totalmente consumida por um incêndio de causas desconhecidas no mês de agosto do mesmo ano, com um total de 157 pontos (Figura 16). Apesar de todos dados terem sido obtidos em uma estação chuvosa, os campos foram realizados em condições metereológicas semelhantes em períodos sem registro de chuvas, a fim de garantir que a umidade do solo não atenuasse de maneira significativa os sinais das medições. Figura 16 - Mapa de pontos de coleta de dados realizados durante a campanha de 2020 e de 2021, respectivamente. 46 4.4. Processamento dos dados Durante a etapa de processamento de dados, foi calculado o coeficiente de variação de todas as medidas para avaliar a qualidade do dado (BECEGATO et al., 2008; MIKAMI et al., 2015). Para calculá-lo, em porcentagem, deve-se utilizar a seguinte fórmula: CV = Coeficiente de variação DV = desvio padrão Para o tratamento dos dados, seriam excluídas todas as medidas nas quais o CV (%) fosse maior que 5%. No entanto, todos os pontos de aquisição apresentaram valores de CV satisfatórios e, assim, não houve necessidade de desconsideração de nenhum dado gamaespectrométrico. Os dados geofísicos processados foram utilizados para gerar mapas da assinatura radioativa abrangendo a área úmida e seu entorno, com o intuito de identificar possíveis zonas de acúmulo de radionuclídeos originados de forma natural ou pela influência da fertilização inorgânica nas plantações da região, além de correlacionar com o sistema hidrogeológico da área úmida e, consequentemente, auxiliar na previsão do comportamento da mobilidade de outros compostos e contaminantes. O software utilizado foi o Surfer 10, no qual foi empregando o método da krigagem ordinária, uma técnica de interpolação de dados que fornece a melhor previsão dos valores intermediários ao longo do espaço no qual não há informação, gerando mapa da distribuição dos valores da variável de interesse. Dessa forma, foram elaborados mapas de pontos e mapas com gradação de cores (colour-scale), representando os teores quantitativos de eTh (ppm) para cada campanha realizada (2020 e 2021), para, assim, avaliar a distribuição espacial de Th e identificar a influência da agricultura na geoquímica do solo e a mobilização destes elementos para o interior da área úmida. O intuito de desenvolver mapas com os mesmos temas de períodos diferentes é de comparar as leituras em cada campanha para também identificar possíveis influências da umidade do solo, queimada, ou variações na aplicação de fertilizantes do solo ao longo do período entre as aquisições de dados. 47 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES As informações e valores obtidos em cada ponto durante as campanhas de 2020 e 2021 estão estabelecidas no Anexo A e Anexo B, respectivamente. A tabela 1 contém o valor mínimo, máximo, média aritmética e mediana para cada campanha. Foi elaborado um diagrama de caixa (boxplot) utilizando esses valores a fim de facilitar a visualização dos dados e fazer uma análise comparativa (Figura 17). É interessante pontuar que os valores da média aritmética e mediana dos dois casos são quase equivalentes, o que demonstra que os dados se aproximam de uma distribuição normal. Tabela 1 - Valores estatísticos de eTh das campanhas de 2020 e 2021. 2020 2021 Mínimo 6,94 8,43 Máximo 11,43 11,36 Média 9,55 9,78 Mediana 9,57 9,76 eTh (ppm) Figura 17 - Diagrama de caixas (boxplot) dos valores de eTh das campanhas de 2020 e 2021. 48 Como resultado da aquisição geofísica, a figura 18 representa o mapa de distribuição espacial de tório adquirida ao longo da primeira campanha. É possível identificar que os menores valores da concentração de eTh estão no interior da área úmida, predominando valores medianos em torno de 9 ppm, mas com valores que chegam a 7 ppm próximo ao centro. Por outro lado, os valores mais elevados, predominando 10 ppm e chegando a pontos localizados com 11,4 ppm, estão nas vertentes, principalmente na porção sudeste, bem como ao longo de algumas porções da estrada de terra próximas as bordas do ambiente. Assim, fica claro observar um padrão de concentração do elemento variando de 9,6 a 11,4 ppm nas margens da área úmida, apesar de ser parcialmente irregular. A concentração de eTh nas bordas da área úmida pode estar relacionada com sua topografia suave associada a presença de uma densa vegetação em suas margens, a qual retém a passagem de sedimentos. Outra questão é a variabilidade espacial de tório nas vertentes, na porção sudeste os valores estão principalmente na faixa de 10 a 11,4 ppm, enquanto a oeste os valores são mais baixos e estão principalmente entre 9 e 10 ppm. Uma hipótese para discrepância é a diferença no tempo de colheita entre as partes da vertente observada em campo, o que significa que o tempo entre a fertilização e a leitura poderia ser diferente para cada porção. No caso, a cana-de-açúcar da parte oeste, que apresenta valores menores, foi colhida primeiro. No entanto, a variação de teor nas vertentes pode até mesmo ser relacionado com a quantidade de fertilizantes adicionados ou até mesmo da variação natural de tório no solo. A figura 19, por sua vez, representa o mapa de distribuição de tório (ppm) adquirido em setembro de 2021. Vale ressaltar que a aquisição de dados foi focada no interior da área úmida e na estrada da porção oeste, visto que dados preliminares indicavam uma zona com valores mais elevados do elemento nessa área. É notável que, mesmo quase um ano e a queimada, o padrão de concentração permaneceu relativamente o mesmo, inclusive as zonas de maiores valores (Figura 20). Uma evidente diferença foi o aumento do valor mínimo de 6,94 ppm em 2020 para 8,43 ppm em 2021. Antes da queimada, a área úmida estava recoberta por plantas gramíneas, o que tornava necessário o uso de uma enxada para limpar o terreno e deixar o equipamento em contato com o solo, apesar de ainda permanecerem algumas raízes. A similaridade dos dados entre as campanhas indica que a interferência ocasionada pela vegetação e a eventual umidade do interior da área úmida não foram altos o suficiente para atenuar os o sinal de radiação gama captado pelo equipamento. 49 Figura 18 – Mapa de distribuição espacial de eTh (ppm) utilizando os dados adquiridos ao longo da campanha de 2020. No mapa de distribuição de eTh da segunda campanha é identificado um corpo alongado com direção SW-NE com altos valores, o qual não foi constatado tão claramente em 2020, apenas uma concentração de tório na margem nordeste da área úmida. Como o ecossistema pegou fogo em 2021 (Figura 21), a sedimentação no interior da área úmida pode ter sido facilitada nesse ponto em específico por não haver mais a vegetação obstruindo o eventual fluxo de sedimentos. Dessa forma, é possível que tenha ocorrido um fluxo de entrada de sedimentos carreando o 50 elemento durante algum evento de maior pluviosidade, os quais provalmente ficavam retidos na vegetação presente na margem da área úmida. Figura 19 - Mapa de distribuição espacial de eTh (ppm) utilizando os dados adquiridos em setembro de 2021. 51 Figura 20 – Mapas de distribuição de eTh nos anos de 2020 e 2021, respectivamente. Figura 21 - Fotografia E-W da área úmida queimada em 2021. Para efeitos comparativos, a tabela 2 sintetiza valores de eTh encontrados na literatura em diferentes materiais analisados. A média do presente estudo encontra-se na média apresentada por IAEA (2003) e próximo a de Eisenbud e Gessel (1997), os quais levam em consideração todas as rochas crustais. Como o teor de Th aumenta de acordo com a proporção de sílica do material, a tendência é que os valores sejam maiores em rochas félsicas e rochas básicas sejam 52 mais empobrecidas no elemento. O basalto e o diabásio apresentam baixos teores de tório equivalente, com uma média variando entre 2 e 4 ppm (TELFORD, 1990; EISENBUD; GESSEL, 1997; DICKSON; SCOTT, 1997; MUSSET; KHAN, 2000), com mínimo de 2 e máximo de 5 ppm nas rochas vulcânicas máficas australianas (DICKSON; SCOTT, 1997). Dito isso, as médias de basaltos da Fm. Serra Geral apresentadas por Marques (1988) e Becegato (2005) são condizentes com esses valores, apenas no caso de Kanashiro (2016) o valor é mais elevado, mas com uma variação de 2,21 ppm para mais e para menos. Tabela 2 - Valores de eTh encontrados na literatura. eTh (ppm) Presente estudo IAEA (2003) Eisenbud & Gessel (1997) Kabala- Pendias (2001) Dickson & Scott (1997) Becegato & Ferreira (2005) Kanashiro (2016) Material analisado Latossolos e gleissolos provenientes da Fm. Serra Geral Crosta Crosta Solos mundiais Vulcânicas máficas australianas Derrame de basalto toleítico da Fm. Serra Geral Sill de basalto toleítico da Fm. Serra Geral Basalto da Fm. Serra Geral Basalto da Fm. Serra Geral Máximo 11,43 - 20,00 13,40 5,00 - - - - Média 9,55 8 a 12 10,70 - 3,00 2,18 2,78 2,74 5,36 ± 2,21 Mínimo 6,94 - 1,60 3,40 2,00 - - - - Marques (1988) No caso dos latossolos e gleissolos provenientes do intemperismo de uma soleira de diabásio da Fm. Serra Geral do presente estudo, o valor mínimo de tório equivalente é maior que o dobro das médias apresentadas por Marques (1988) e Becegato e Ferreira (2005), além disso, a média é maior que a de Kanashiro (2016). Apesar de esses dados serem de basaltos e o que foi analisado no estudo foram solos, devido a baixa mobilidade geoquímica do elemento, os valores de eTh deveriam, em tese, ser condizentes com o valor original da rocha inalterada. Dickson e Scott (1997) citam o caso dos solos derivados de basaltos ordovicianos, terciários e recentes na Austrália terem tido o acréscimo de tório durante a pedogênese associados a óxidos de Fe. Esses valores variam de 3,3 a 13 ppm e dispõe uma média de 7,9 ppm, bem acima da média dos basaltos australianos (ver tabela 2). No entanto, análises gamaespectrométricas em poucas amostras de solo em localidades da Bacia do Paraná com presença da Fm. Serra Geral realizadas 53 por Souza e Ferreira (2005) mostram valores variados (3,46 ± 0,53; 5,25 ± 0,52) e Becegato e Ferreira (2005) demonstram uma média de 1,31 ppm em uma região com baixa influência antrópica. Ainda que este dado não seja exclusivamente de solos derivados da Fm. Serra Geral, é perceptível que os valores não aumentam bruscamente com o intemperismo nos dois casos, diferente do contexto australiano. Os dados obtidos no estudo possuem valores maiores que os encontrados na literatura, principalmente os provenientes de rochas básicas da Fm. Serra Geral. No entanto, a diferença método aplicado e o tempo de aquisição gamaespectrométrica de cada trabalho é um fator que configura variação nos valores apresentados. Mas, ainda assim, os dados apontam para uma possível contribuição de Th proveniente dos fertilizantes fosfatados utilizados nas plantações de cana-de-açúcar aos arredores da área úmida, além de possíveis mecanismos pedognéticos de concentração de Th. É importante ressaltar que esses valores não são indicativos de uma contaminação do solo, apenas um acúmulo maior que o da natureza de rochas básicas. No caso de Cordeirópolis, por ser uma área úmida geograficamente isolada, o arraste do elemento converge das vertentes em direção à depressão na qual se encontra a área úmida, haja vista os mecanismos de adsorção do elemento por substâncias inorgânicas como argilas coloidais e óxidos de ferro, que são carreados por águas superficiais e intersticiais (DICKSON; SCOTT, 1997; ULBRICH et al., 2009). O retrabalhamento do solo em períodos de plantio e colheita é um fator que pode, de maneira adicional, devido à compactação do solo por ação de máquinas, facilitar a erosão laminar das vertentes e eventual sedimentação excessiva das margens da área úmida (PINESE JUNIOR et al., 2008). Ao analisar anomalias aerogamaespectrométricas da quadrícula de Araras (SP), nas proximidades de Cordeirópolis, Souza e Ferreira (2005) relatam anomalias de eTh em latossolos roxos provenientes da Fm. Serra Geral em regiões com utilização intensiva de fertilizantes fosfatados, e ainda constam que os principais locais de acúmulo são porções planas e elevadas do terreno com solos mais argilosos com alta susceptibilidade magnética da própria unidade geológica. Ademais, os autores concluem que a concentração de tório está relacionada ao transporte de óxidos de ferro e argilas, materiais que favorecem sua adsorção quando solubilizado (DICKSON; SCOTT, 1997; ULBRICH et al., 2009) à partir de zonas topograficamente mais elevadas do terreno associada a zonas de cultivo de cana-de-açúcar com fertilização local. Assim, o principal mecanismo de transporte do radionuclídeo é por gravidade, o que acarreta em uma 54 maior concentração do elemento em zonas mais baixas topograficamente (ULBRICH et al., 2009). Dada a importância da morfologia local na questão do escoamento superficial da água meteórica, um mapa topográfico da área de estudo (Figura 22) foi gerado com base nos dados de GPS integrado ao gamaespectrometro que, apesar da baixa precisão (principalmente em relação aos valores de altitude), confirma a área úmida como uma depressão circular fechada, uma característica elementar das ditas áreas úmidas geograficamente isoladas (bacia de ordem zero). Figura 22 - Mapa topográfico da área úmida gerado utilizando os dados de altitude adquiridos pelo GPS do gamaespectrômetro. Através do modelo digital de elevação do terreno, adquirido por Casagrande et al. (2021) através da utilização de um VANT, foi elaborado um perfil topográfico da área úmida com direção E-W (figura 23 e 24). Os valores de altitude do MDE são de precisão centimétrica, demonstrando uma variação de 10 metros entre o centro da área úmida (652m) e o ponto mais alto das vertentes (662m). Como demonstrado no mapa e no perfil, duas estradas passam pelo ambiente, sendo que as que estão na parte leste contornam a área úmida, enquanto a da porção oeste, com direção norte sul, intercepta parte do interior, bem próximo a sua borda. 55 Figura 23 – Mapa indicando a direção do perfil topográfico da área úmida apresentado na Figura 24. Figura 24 – Perfil topográfico da área úmida elaborado com base no modelo digital de elevação desenvolvido por Casagrande et al. (2021). As setas em azul indicam os fluxos de água e o círculo em vermelho indica a porção degradada na borda da área úmida na qual se encontra a estrada. 56 Desta maneira, dada a provável influência da morfologia local no transporte de matéria através da ação de fluxos superficiais de água, é possível afirmar que as bordas da área úmida configuram uma zona da depressão topográfica na qual os sedimentos transportados da vertente tendem a se concentrar. Isso certamente perfaz uma importante função ecossistêmica, onde estes compartimentos constituem elementos ativos e de importância na retenção de poluentes carreados pelo escoamento superficial e erosão das zonas topograficamente mais elevadas, conforme demosntrado pela distribuição espacial do 232 Th. Outros radionuclídeos, metais e substâncias provenientes da utilização de fertilizantes agrícolas e agrotóxicos podem estar igualmente contidos em suas margens, mas estudos aprofundados adicionais seriam necessários para quantificá-los. Mudanças antrópicas da topografia, tal qual o rebaixamento das bordas da área úmida para o alocamento de estradas e plantações, tendem ocasionar inundação das áreas deterioradas durante épocas com maiores taxas de precipitação, como ocorre na área de estudo (Figura 25). A margem da área úmida foi violada para inserir a estrada na porção oeste, de forma que foi topograficamente rebaixada e aplainada, e, por consequência, uma parcela dessa estrada é inundada durante períodos chuvosos, onde também foi identificada uma pronunciada zona com maiores valores de eTh. A degradação das margens de uma área úmida geograficamente isolada causada por más práticas agr