UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” CAMPUS DE OURINHOS MONITORAMENTO DE NÍVEIS FREÁTICOS DO SISTEMA AQUIFERO BAURU (SAB) SOB DIFERENTES USOS FLORESTAIS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO NO MUNICÍPIO DE ASSIS (SP) AIRA NAVA OURINHOS (SP) AGOSTO – 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” CAMPUS DE OURINHOS MONITORAMENTO DE NÍVEIS FREÁTICOS DO SISTEMA AQUIFERO BAURU (SAB) SOB DIFERENTES USOS FLORESTAIS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO NO MUNICÍPIO DE ASSIS (SP) Aira Nava Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora para obtenção do título de Bacharel em Geografia pela Unesp – Campus Experimental de Ourinhos. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Lilla Manzione OURINHOS (SP) AGOSTO – 2013 Banca examinadora Prof. Dr. Rodrigo Lilla Manzione (Orientador) ___________________________________________________ Prof. Dr. Edson Luis Piroli ___________________________________________________ Dra. Eliane Akiko Honda ____________________________________________________ Ourinhos, 03 de setembro de 2013. Dedico à minha mãe, Agnes Proni. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, pois sem eles o meu caminho seria muito difícil. Obrigada pela confiança que vocês sempre tiveram em mim, por todo o apoio que me deram e por me deixarem livre para que eu fizesse as minhas escolhas, aprendendo com os acertos e erros. Agradeço à família maravilhosa que tenho. Aos meus avós por serem a base de tudo, sempre tão presentes na vida de cada um. Aos meus tios e tias que sempre se preocuparam comigo e cuidaram de mim como pais e mães. É impossível expressar o amor e gratidão que eu sinto em um pedaço de papel, afinal minha vida só tem sentido porque vocês estão nela. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Rodrigo Lilla Manzione, por ter aceitado trabalhar comigo e me dado a chance de agarrar oportunidades que eu jamais poderia imaginar. Agradeço pelas broncas, elas foram e são extremamente importantes, mas também peço desculpas pelos transtornos. Sei que aprendi muito neste tempo de iniciação científica e que pude trabalhar com um excelente professor. Agradeço ao Prof. Dr. Edson Luis Piroli e à Dra. Eliane Akiko Honda por aceitarem, tão prontamente, fazer parte da minha banca. Fico lisonjeada de ter grandes profissionais nesta etapa final. Obrigada aos professores por todo conhecimento fornecido ao longo da graduação. Aos funcionários que participaram da trajetória da sétima turma e sempre estiveram dispostos a salvar nossas vidas acadêmicas. E, à equipe da Estação Ecológica de Assis por permitirem e participarem da nossa pesquisa. Agradeço ao meu companheiro Roberto, não apenas por compartilhar minhas lutas, mas, principalmente, por me aguentar ao longo desses anos, sei que é uma tarefa árdua. Aos amigos que fiz e que se mostraram presentes ate o final, especialmente: Johnny, Gisele, Claudiane, Celso, Régis, Rita, Filipe, Vitor, Aline, Euzemar, Gabriel, Andrews, Diego, Eduardo, Michele e Bruna. Agradeço, também, à Republica sua Tia e aos agregados por me abrigarem nesse finalzinho caótico, vocês são ótimos! Obrigada à FAPESP pelos recursos fornecidos ao processo #2012/08834-5. RESUMO O monitoramento das águas subterrâneas é uma importante ferramenta para o planejamento dos recursos hídricos. A maneira como os níveis freáticos respondem aos eventos de precipitação que regem as recargas subterrâneas pode variar em função do uso, manejo e ocupação do solo. Assim, o presente trabalho teve como objetivo a aplicação de modelos baseados em dados de monitoramento freático para compreensão dos processos que ocorrem durante o ciclo hidrológico e afetam a disponibilidade dos recursos subterrâneos do Sistema Aquífero Bauru (SAB), um dos principais mananciais subterrâneos disponíveis na região do Médio Paranapanema. A área de estudo está localizada nas dependências da Floresta Estadual de Assis, onde os níveis do SAB são monitorados em 08 poços (piezômetros) instalados em diferentes usos do solo por espécies florestais. Entre os resultados encontrados, demonstrou-se que a proximidade com o ribeirão do Barro Preto afeta, significativamente, a variação dos níveis freáticos, o que pode ser percebido pelos coeficientes de variação. Com o ajuste do modelo PIRFICT, notou-se que os processos de evapotranspiração e precipitação afetam diretamente na recarga do aquífero, salientando a importância da dinâmica hidroclimática. Além disso, constatou-se que culturas exóticas introduzidas na área tiveram níveis mais profundos no período, mas sem diferenças significativas. Por fim, com base nos estudos realizados, obteve-se que o modelo apresentou bons ajustes às séries temporais do SAB. Palavras-chave: monitoramento; séries temporais; modelo PIRFICT. ABSTRACT The monitoring of groundwater is an important tool for water resources planning. The variation in groundwater levels due to rainfall events vary depending on the use and occupation of land. Thus, this study aimed to apply models based on groundwater monitoring data for understanding the processes that occur during the hydrological cycle and affect the availability of groundwater resources of the Bauru Aquifer System (BMS), a major groundwater sources available in the Middle Paranapanema. The study area is located along Assis Ecological Station, where the levels are monitored according with 08 wells (piezometers) in different land uses for forest species. Among the results, it was shown that the proximity to Barro Preto stream affects significantly the variation of groundwater levels, which can be perceived by the coefficients of variation. Adjusting the model, it was noted that the processes of evapotranspiration and precipitation affect directly the recharge of the aquifer, demonstrating the importance of hydroclimatic dynamics. Furthermore, it was found that exotic culture that were introduced recorded the deepest levels over the period, but without significant differences. Finally, based on the studies, it was shown that the PIRFICT model had good adjustments to the time series of the SAB. Keywords: monitoring, time series; PIRFICT model. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA .......................................................................................... 11 2. OBEJTIVOS .................................................................................................................................... 14 2.1 Objetivos Gerais ....................................................................................................................... 14 2.2. Objetivos Específicos ............................................................................................................. 14 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................................... 15 3.1. Águas subterrâneas e aquíferos .......................................................................................... 15 3.2. Águas subterrâneas no Estado de São Paulo ................................................................... 16 3.2.1. Importância do Aquífero Bauru no Médio Paranapanema ........................................... 19 3.3. Uso da estatística como ferramenta de interpretação de dados hidrológicos .............. 22 4. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................................ 26 4.1. Caracterização da área de estudo ....................................................................................... 26 4.1.1 Caracterização do município de Assis/SP ........................................................................ 26 4.1.2. Estação Ecológica e Floresta Estadual de Assis ........................................................... 27 4.2. Dados de monitoramento ..................................................................................................... 29 4.2.1. Dados disponíveis ............................................................................................................... 29 4.2.2. Medições de permeabilidade e amostragem de solo .................................................... 32 4.3. Modelagem de dados proposta ............................................................................................ 33 4.3.1. Modelos de séries temporais ............................................................................................. 33 4.3.2. O modelo PIRFICT .............................................................................................................. 33 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................................ 36 5.1. Análise exploratória dos dados ............................................................................................ 36 5.2. Análise das séries temporais ................................................................................................ 41 5.3. Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) ............................. 46 5.4. Análise de dados climáticos .................................................................................................. 50 5.5. Calibração dos dados pelo modelo PIRFICT ..................................................................... 55 5.6. Análises físicas do solo.......................................................................................................... 59 6. CONCLUSÕES .............................................................................................................................. 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 67 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Aquíferos livres e confinados. ............................................................................... 16 Figura 2: Mapa das águas subterrâneas do Estado de São Paulo, com os principais aquíferos e suas potencialidades. ........................................................................................ 17 Figura 3: Perfis hidrológicos esquemáticos do Estado de São Paulo. .................................. 19 Figura 4: Municípios abastecidos com águas subterrâneas no Estado de São Paulo. ......... 20 Figura 5: Municípios pertencentes à UGRHI-17. .................................................................. 21 Figura 6: Retroalimentação no método científico. ................................................................ 23 Figura 7: Classificação dos modelos estocásticos. .............................................................. 24 Figura 8: Localização da Estação Ecológica de Assis (SP).................................................. 72 Figura 9: Parcela de recomposição feita com Angico-do-cerrado (Anadenthera falcata). .... 30 Figura 10: Parcela de recomposição referente ao cultivo florestal de Tapirira...................... 30 Figura 11: Área de recomposição com Pinus e serapilheira formada nesta parcela. ........... 31 Figura 12: Área de plantio misto florestal. ............................................................................ 31 Figura 13: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Tapirira guianeses. . 40 Figura 14: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp. ................ 40 Figura 15: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo misto de espécies florestais. ............................................................................................................................. 40 Figura 16: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata. ................................................................................................................................. 41 Figura 17: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Tapirira guianeses (Ta). .................................................................................................................... 42 Figura 18: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Tapirira guianeses (Tb). .................................................................................................................... 42 Figura 19:Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pa). ....... 43 Figura 20: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pb). ...... 43 Figura 21: Série temporal para o poço de monitoramento sob plantio misto florestal (Ma). . 44 Figura 22: Série temporal para o poço de monitoramento sob misto florestal (Mb). ............. 44 Figura 23: Série temporal para o poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (Aa). ................................................................................................ 45 Figura 24: Série temporal para o poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (Ab). ................................................................................................ 45 Figura 25: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Taipirira guianeses (Ta). ........................................ 47 Figura 26: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Taipirira guianeses (Tb). ........................................ 48 Figura 27: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pa). ........................................................ 48 Figura 28: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pb). ........................................................ 48 Figura 29: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de plantio misto (Ma). ................................................. 49 Figura 30: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de plantio misto (Mb). ................................................. 49 Figura 31: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Anadenthera falcata (Aa). ...................................... 49 Figura 32: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Anadenthera falcata (Ab). ...................................... 50 Figura 33: Histogramas das séries de precipitação e evapotranspiração mensais entre 1991 e 2012. ........................................................................................................................ 52 Figura 34: Série temporal referente à precipitação (mm) entre os anos de 1991 e 2012. .... 53 Figura 35: Série temporal referente à evapotranspiração (mm) encontrada entre os anos de 1991 e 2012. .......................................................................................................... 53 Figura 36: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para precipitação (mm) entre os anos de 1991 e 2012. ............................................................... 54 Figura 37: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para a evapotranspiração (mm) encontrada entre os anos de 1991 e 2012. ................................... 54 Figura 38: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (alto). ........................................................................................................................ 57 Figura 39: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (baixo). ..................................................................................................................... 57 Figura 40: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob cultivo de plantio misto (alto). ........ 57 Figura 41: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob cultivo de plantio misto (baixo). ...... 58 Figura 42: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp (alto). ............ 58 Figura 43: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp (baixo). ......... 58 Figura 44: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Tapirira guianeses (alto). ................................................................................................................................... 58 Figura 45: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Tapirira guianeses (baixo). ................................................................................................................................ 59 Figura 46: Correlação entre os teores de areia e a resistência à drenagem estimada pelo modelo PIRFICT. ......................................................................................................... 60 Figura 47: Correlação entre os teores de argila e a resistência à drenagem estimada pelo modelo PIRFICT. ......................................................................................................... 61 Figura 48: Correlação entre os teores de areia e a porosidade estimada pelo modelo PIRFICT. .............................................................................................................................. 61 Figura 49: Correlação entre os teores de argila e a porosidade estimada pelo modelo PIRFICT. .............................................................................................................................. 62 Figura 50: Abertura de orifício para a instalação do Permeâmetro de Guelph. .................... 62 Figura 51: Permeâmetro de Guelph e medição da permeabilidade do solo. ........................ 63 ÍNDICE DE TABELA Tabela 1: Medidas de posição amostral calculadas para as séries temporais analisadas. ... 37 Tabela 2: Medidas de dispersão amostral calculadas para as séries temporais analisadas. 38 Tabela 3: Medidas de forma amostral calculadas para as séries temporais analisadas. ...... 39 Tabela 4: Medidas de posição amostral calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). ..................................................................................................... 51 Tabela 5: Medidas de dispersão amostral calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). ..................................................................................................... 51 Tabela 6: Medidas de forma calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). ..................................................................................................... 52 Tabela 7: Estatísticas de calibração do modelo PIRFICT às séries temporais das alturas do lençol freático observadas no período de março/2008 a dezembro/2012. ........... 55 Tabela 8: Parâmetros estimados a partir da calibração pelo modelo PIRFICT..................... 56 Tabela 9: Desvios padrões dos parâmetros estimados pelo modelo PIRFICT. .................... 56 Tabela 10: Resultado da análise textural para as amostras coletadas na área de estudo. .. 59 Tabela 11: Resultado do fracionamento da areia* para as amostras coletadas na área de estudo. ............................................................................................................................ 60 11 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA A água, elemento essencial à vida, é um componente necessário para quase todas as atividades humanas. Um bem de extrema importância que deve ser conservado e protegido. O Brasil possui um volume de recursos hídricos privilegiado, porém mais de 70% da água doce disponível no país encontra-se na bacia Amazônica, que é habitada por menos de 5% da população. Sendo assim, apenas 30% dos recursos hídricos estão disponíveis para 95% da população. Conforme assinalado por SETTI et al. (2000, p. 57), a ideia de abundância do recurso alimentou por muito tempo a cultura do desperdício, a não realização dos investimentos necessários para sua proteção e a sua pequena valorização econômica. Somando-se a isto, o aumento demográfico brasileiro associado às transformações econômicas, tem-se que o problema da escassez de água no país é fruto do aumento exagerado das demandas localizadas e da degradação da qualidade da água. Consequência do crescimento desordenado dos processos de urbanização, industrialização e expansão agrícola, ocorridos a partir da década de cinquenta. Importante para os mais diversos fins, a água pode ser utilizada de modo consuntivo (quando o recurso é captado em seu curso natural e apenas uma parte, geralmente de qualidade inferior á inicial, retorna ao curso normal); não consuntivo (onde toda água captada retorna com a mesma qualidade e quantidade para o curso) e local (usos que aproveitam a disponibilidade natural em sua fonte sem qualquer modificação relevante de sua disponibilidade). Á exemplo do primeiro é possível citar o abastecimento urbano e a irrigação e, do segundo, atividades como pesca e navegação, de acordo com LANNA (2007, p. 734). Daí surge a importância do planejamento dos recursos hídricos como forma de avaliação da relação entre a demanda e a disponibilidade. A principal finalidade é se obter um bom aproveitamento, garantindo melhores benefícios socioeconômicos, sem que ocorra uma demasiada degradação ambiental. O planejamento deve ser feito em longo prazo, para que seja possível o acompanhamento da repercussão das decisões tomadas, pois estas podem atingir várias gerações, sendo muitas vezes irreversíveis. A administração de recursos hídricos é um conjunto de ações necessárias para tornar efetivo o planejamento, com os devidos suportes técnicos, jurídicos e administrativos. Além disso, é instrumento de revisão permanente e dinâmica, permitindo ajuste de objetivos e metas a novas conjunturas, sem que o planejamento torne-se obsoleto e irreal. (SETTI et al, 2000, p.44) 12 Com o atual quadro de degradação ambiental e poluição dos recursos hídricos, as águas subterrâneas tem ganhado destaque na agenda política e aos poucos começa a se inserir no planejamento dos recursos hídricos. A água subterrânea se destaca pela boa qualidade, baixo custo de captação e relativa abundancia no Estado de São Paulo. Na região hidrográfica do Médio Paranapanema o Sistema Aquífero Bauru (SAB) é uma reserva estratégica e o monitoramento de suas águas é fundamental para que a exploração seja feita de maneira sustentável e o aquífero continue desenvolvendo seu papel no fornecimento de água para a região. As fontes de poluição das águas subterrâneas são diversas e geradas tanto pela contaminação decorrente das diversas atividades antrópicas quanto pela extração excessiva. Neste caso, o “termo poluição pode ser definido como alteração nas características físicas, químicas ou biológicas de águas naturais decorrentes de atividades humanas” (BENETTI; BIDONE, 2007). Apesar das águas subterrâneas serem naturalmente melhores protegidas dos agentes contaminantes que as águas superficiais, a expansão das atividades antrópicas nas áreas urbanas e rurais tende a aumentar os processos de contaminação que, pelas características do meio físico em questão (os fluxo nos aquíferos variam geralmente de poucos centímetros a alguns metros por dia), podem levar alguns anos para que seus efeitos sejam percebidos, (CBH-MP, 2007). Em geral, “todos os sistemas aquíferos do território paulista acham-se expostos à deterioração progressiva, face aos impactos causados às estruturas geológicas pela ocupação urbana crescente, pela explosão industrial e pela escalada agrícola” (IDEM, p. 76). Fato que torna a devastação ambiental exponencial e de difícil previsão, cujo efeito cumulativo de todos os pontos de origem pode ocorrer de uma vez e sem aviso e/ou indícios (BARLOW; CLARKE, 2003). Mesmo que o Estado de São Paulo seja um dos mais avançados no país em termos de políticas de recursos hídricos, observa-se mau uso generalizado do solo mesmo com os esforços dos órgãos públicos em estabelecer, nos últimos anos, o controle e a preservação do meio ambiente (CBH-MP, 2007). Partindo-se disto e do fato de que a hidrogeografia possui papel importante no estudo do “comportamento e aproveitamento da água na bacia hidrográfica, quantificando os recursos hídricos no tempo e no espaço e avaliando o impacto da modificação da bacia sobre o comportamento dos processos hidrológicos” (TUCCI, 2007, p.26). 13 Com base numa visão holística capaz de compatibilizar necessidades crescentes da população com recursos limitados, o presente trabalho visa o monitoramento dos níveis freáticos em de diferentes usos florestais que se encontram na Floresta Estadual de Assis (SP) e em sua zona de amortecimento. Buscando aumentar o conhecimento sobre o funcionamento hidrológico destas áreas e aperfeiçoar o gerenciamento dos seus recursos. A avaliação do comportamento do aquífero, principalmente nas áreas de afloramento e recarga direta, fornece dados importantes para sua conservação e subsídios aos projetos de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável (OAS/GEF, 2001) assegurando a qualidade e a quantidade de seu manancial para as futuras gerações. 14 2. OBEJTIVOS 2.1 Objetivos Gerais  Aplicação de modelos baseados em observações e em séries temporais para compreensão dos processos que ocorrem durante o ciclo hidrológico e afetam a disponibilidade dos recursos subterrâneos do Sistema Aquífero Bauru;  Verificação dos efeitos de diferentes cultivos florestais e sua influência nos processos de oscilação dos níveis freáticos da região;  Caracterização dos recursos hídricos disponíveis em áreas críticas, afetadas pelas variações sazonais e onde a utilização da água é feita de maneira contínua. 2.2. Objetivos Específicos  Calibração de modelos de séries temporais fisicamente embasados que consideram os processos decorrentes do ciclo hidrológico de maneira determinística, levando em consideração o conhecimento físico sobre o fenômeno e explicando sua dinâmica, os quais contém um resíduo estocástico que determina as incertezas associadas ao sistema;  Entender como processos de evapotranspiração e a demanda hídrica dos cultivos florestais e vegetação nativa interferem nos mecanismos de recarga em aquíferos livres;  Inferir sobre a dinâmica dos níveis freáticos do Sistema Aquífero Bauru, um dos principais mananciais subterrâneos disponíveis na região do Médio Paranapanema, sobre a formação Adamantina no município de Assis (SP). 15 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1. Águas subterrâneas e aquíferos A agua subterrânea, segundo IRITANI & EZAKI (2009), é aquela que circula abaixo da superfície do terreno, nos poros (ou espaços vazios) existentes entre as partículas não consolidadas que formam os solos e as rochas sedimentares. Seu processo de formação se da quando, ao infiltrar no solo, a água da chuva passa por uma camada chamada de zona não saturada, na qual os poros são preenchidos tanto por água quanto por ar. Parte desta água é absorvida pelas raízes das plantas, por outros organismos vivos ou evapora; o restante continua em movimento descendente devido à ação da gravidade, acumulando-se nas zonas mais profundas e preenchendo totalmente os poros, formando a zona saturada. O limite entre as zonas não saturada e saturada é conhecido como lençol freático. A profundidade do nível da água pode sofrer oscilações ao longo do ano, variando de acordo com o clima e as mudanças do tempo. Períodos chuvosos tendem a gerar uma maior infiltração e, por consequência, a elevação dos níveis freáticos; já nos de estiagem, aonde o processo de evapotranspiração é maior e a infiltração é baixa, o nível da água tende a ser mais profundo, o que é bastante perceptível em regiões áridas e semi-áridas. A maioria da água doce na Terra é armazenada no subterrâneo, logo abaixo da superfície ou mais profundamente. Essa água é chamada de lençol freático e é 60 vezes maior em volume que a água existente na superfície da Terra. Há muitos tipos de lençóis freáticos, o mais importante para os humanos é o da “água meteórica” – lençóis freáticos móveis que circulam como parte do ciclo da água, alimentando rios e lagos que estão acima do solo. (BARLOW; CLARKE, 2003, p.7) Os reservatórios de água subterrânea são conhecidos como aquíferos e se caracterizam por “camadas ou formações geológicas suficientemente permeáveis, capazes de armazenar e transmitir a água em quantidades que possam ser aproveitadas como fonte de abastecimento para diferentes usos” (IRITANI; EZAKI, 2009, p.19). Os aquíferos podem ser classificados segundo o tipo de porosidade da rocha armazenadora (granular ou sedimentar, fissural e cárstico) e, também, de acordo com suas características hidráulicas, sendo livre ou confinado, dependendo da pressão a que estão submetidos. Os aquíferos livres encontram-se mais próximos à superfície e estão submetidos diretamente á pressão atmosférica. Neste caso, a zona não saturada e saturada possui contato direto, fazendo com que a água proveniente da infiltração recarregue diretamente o aquífero. Já, o aquífero confinado é limitado em seu topo e em sua base por camadas constituídas de rocha que apresentam baixa permeabilidade. Tais aquíferos não possuem uma zona saturada e estão submetidos a uma pressão maior devido à sua camada confinante que também é preenchida com água. Este fato faz com que a água de um 16 aquífero confinado tenha um potencial de atingir níveis acima de seu topo. Neste caso, o nível da água é denominado de nível potenciométrico (Figura 1). Figura 1: Aquíferos livres e confinados. Fonte: IRITANI & EZAKI, 2009. Os “aquíferos confinados são geralmente aquíferos de grande produção, enquanto que os aquíferos livres são os mais explorados devido ao seu fácil acesso” (CAICEDO, 2007, p.290). Tem-se, ainda, que a recarga de um aquífero confinado é um processo lento á medida em que a água precisa atravessar as camadas menos permeáveis. Porém esta pode se infiltrar também, em áreas onde o aquífero se encontra livre. Estas camadas com baixa capacidade de transmissão de água às rochas adjacentes são considerados aquitardes (como no caso da argila arenosa); quando o material é impermeável (possui capacidade de armazenar, mas não de transmitir a água) utiliza-se o termo aquiclude (exemplo: argila) e, quando as rochas não possuem capacidade de armazenar ou transmitir a água, denomina-se aquifugos, como no caso de granito não fraturado ou alterado (IRITANI; EZAKI, 2009, p. 21 e 22). 3.2. Águas subterrâneas no Estado de São Paulo No Estado de São Paulo, segundo IRITANI & EZAKI (2009), os aquíferos estão reunidos em dois grandes grupos: os sedimentares e os fraturados, diferenciando-se em suas características hidrogeológicas (ex.: tipo de rocha e circulação da água), as quais se refletem em suas produtividades. Acerca do grupo dos Aquíferos Sedimentares, estes são formados por depósitos de sedimentos provenientes da ação do vento, rio e mar, onde a água circula através dos poros existentes entre os grãos minerais, destacando-se por sua produção o Guarani, Bauru, Taubaté, São Paulo e Tubarão. 17 Com relação ao grupo dos Aquíferos Fraturados, este é formado por rochas ígneas e metamórficas, que surgiram pelo resfriamento do magma, sendo o granito o mais comum. Por se caracterizarem como rochas maciças e compactas (sem espaços vazios entre os minerais que as compõem), a água circula por suas fraturas. Neste grupo, destacam-se os aquíferos Serra Geral e o Cristalino. Inclui-se, também, “as rochas carbonáticas, como calcário e mármore, de porosidade carstica, onde as fraturas são alargadas, formando cavidades e cavernas em razão da percolação da água, que dissolve lentamente os minerais constituintes das rochas” (IRITANI; EZAKI, 2009, p. 26). Por meio da Figura 2, é possível identificar ambos os grupos no território estadual. Assim, em azul encontram-se os Aquíferos Sedimentares e em verde, os Fraturados, sendo que suas produtividades variam de acordo com as tonalidades, quanto mais escuras maiores os potenciais produtivos. Ressalta-se que, embora os aquíferos se caracterizem, em geral, como unidades de dimensões regionais, não apresentam, necessariamente, homogeneidades geológicas e hidrológicas por toda extensão, podendo com assim, variar em questões como tamanho dos grãos e porosidade das rochas e solos. Figura 2: Mapa das águas subterrâneas do Estado de São Paulo, com os principais aquíferos e suas potencialidades. Fonte: IRITANI & EZAKI (2009). 18 No Estado, as rochas que compõem os aquíferos foram originadas em períodos geológicos distintos, atribuindo propriedades físicas diferentes a cada um, as quais refletem tanto em suas potencialidades quanto em suas vulnerabilidades à poluição. A vulnerabilidade ambiental está relacionada com a “susceptibilidade de uma área em sofrer danos quando submetida a uma determinada ação [...] quanto maior a vulnerabilidade da bacia, menor a chance de recuperação do ambiente”, assim, conhecer o grau de vulnerabilidade de uma área a “determinados fatores de pressão ambiental auxilia na priorização de investimentos públicos, normalmente escassos” (FIGUEIREDO et al, 2007. p. 399). Desta forma, para as autoras IRITANI & EZAKI (2009), a porção leste do Estado é constituída pelo Embasamento Cristalino, ou seja, rochas antigas formadas há mais de 550 milhões de anos, que originaram o Aquífero Cristalino, composto principalmente de rochas ígneas. Sobre este embasamento, entre 500 e 130 milhões de anos atrás, ocorreu o deposito de sedimentos variados que formaram a Bacia Sedimentar do Paraná, a qual ocupa toda a porção centro-oeste do Estado. No inicio da formação desta Bacia, [...] a região foi ocupada pelo mar, que em alguns períodos, recuava, resultando em ambientes litorâneos e continentais; e em outros, voltava a avançar sobre a região. Nesta dinâmica, foram depositados sedimentos marinhos profundos, rasos ou litorâneos e sedimentos continentais, com influencia ou não do degelo das calotas glaciais, até, aproximadamente 250 milhões de anos atrás. Estes sedimentos, após a deposição, sofreram a ação do retrabalhamento, compactação e consolidação, formando diferentes rochas que constituem os atuais Aquíferos Furnas, Tubarão e Aquiclude Passa Dois. (IRITANI; EZAKI, 2009, p. 29) Após estes processos, o mar passou a recuar e as modificações do clima o levaram a se caracterizar como desértico, fazendo com que o transporte dos sedimentos se desse basicamente pelo vento. Em primeira instancia, com um clima ainda de baixa umidade, originaram-se as rochas sedimentares arenosas da Formação Pirambóia e, quando desértico, a deposição dos sedimentos eólicos formaram os arenitos da Formação Botucatu. Por apresentarem propriedades hidráulicas semelhantes, ambas as unidades passaram a compor o Aquífero Guarani. Ainda com um clima seco, há aproximadamente 138 e 127 milhões de anos, os derramamentos de lava, ocasionados pela separação dos continentes Sul-Americano e Africano, recobriram a Bacia Sedimentar do Paraná, confinando o Aquífero Guarani. O resfriamento da lava gerou as rochas que constituem os Aquíferos Serra Geral e Diabásio. 19 Passado este período e com um clima mais úmido, uma nova deposição de sedimentos até 65 milhões de anos atrás, formou a Bacia Sedimentar Bauru e deu origem as rochas que constituem o Aquífero Bauru. “Por fim, os sedimentos passaram a ser depositados sobre as unidades mais antigas. Na porção leste do Estado, a consolidação destes sedimentos sobre o Embasamento Cristalino, há mais de 2 milhões de anos, originou os Aquiferos São Paulo, Taubaté e Litorâneo” (IDEM, p. 30). A Figura 3, a seguir auxilia na compreensão destes processos. Figura 3: Perfis hidrológicos esquemáticos do Estado de São Paulo. Fonte: IRITANI & EZAKI (2009). 3.2.1. Importância do Aquífero Bauru no Médio Paranapanema De acordo com a CETESB (2007), no Estado de São Paulo, aproximadamente 80% dos municíp ios são total ou parcialmente abastecidos por 20 águas subterrâneas, atendendo uma população de mais de 5,5 milhões habitantes, conforme pode ser visualizado na Figura 4, que apresenta o levantamento de uso da água para o abastecimento público. Figura 4: Municípios abastecidos com águas subterrâneas no Estado de São Paulo. Fonte: CETESB, 2007. Segundo o CIVAP (2013), o Aquífero Bauru aflora em 60% da área referente à Bacia Hidrográfica do Médio Paranapanema (UGRHI-17). De extensão regional, constitui uma excelente fonte de recursos hídricos para a região e é amplamente utilizado para abastecimento público devido à sua fácil captação, com poços relativamente rasos. Por se caracterizar como um aquífero livre, sua recarga é realizada através da precipitação pluvial, “sendo suas bases de drenagens os rios Paranapanema, Tietê, Grande e Paraná e suas malhas de afluentes em toda a área de afloramento. O aquífero funciona como reservatório regulador do escoamento dessa rede fluvial” (DINIZ; MARANHÃO, 2010 apud SOLDERA, 2011, p.13). A UGRHI-17 com área total de 16.763 km² representa uma das unidades de gerenciamento definidas pela Lei Estadual n.º 7.663/1991. Localizada na porção centro- oeste do Estado de São Paulo, é definida pelas bacias hidrográficas de vários afluentes do rio Paranapanema em sua margem direita, destacando-se os seguintes: rio Pardo e rio Novo que desaguam no reservatório de Salto Grande e tem como seu principal afluente o rio 21 Turvo; Parí e rio da Capivara que desemboca no reservatório de Capivara, de acordo com o Plano de Bacia elaborado pelo Comitê das Bacias Hidrográficas do Médio Paranapanema (CBH-MP, 2007). Atualmente, 46 municípios pertencem ao CBH-MP, conforme observado na Figura 5. Em relação às faixas de população, mais de 40% do número de municípios apresentam até 5.000 habitantes. Por outro lado, os três municípios mais populosos, Ourinhos, Assis e Avaré, que representam apenas 7,2% do número de municípios, apresentam 42,6% da população da UGRHI-17. O destaque é Ourinhos, com mais de 100.000 habitantes. Figura 5: Municípios pertencentes à UGRHI-17. Fonte: CBH-MP, 2007. Com base nos dados disponíveis, tem-se que o principal uso consuntivo é o abastecimento público: nas captações superficiais, representa 58,5% e nas captações subterrâneas, 75,5%. O Plano de Bacia ressalta, ainda, que acerca do uso e ocupação do solo, destacam-se as áreas de pastagens e de culturas temporárias (como milho e cana-de- açúcar), além das indústrias sucro-alcooleira, curtumes e frigoríficos. A caracterização do uso do solo é importante, pois tem como objetivo a sua correlação com os “processos que propiciam a degradação ambiental, principalmente pelo comprometimento dos recursos hídricos por processos da dinâmica superficial (como erosão, assoreamento, inundação) e outras formas de degradação” (CBH-MP, 2007, p. 31). 22 3.3. Uso da estatística como ferramenta de interpretação de dados hidrológicos “Em alguma fase do seu trabalho, o pesquisador depara-se com o problema de analisar e entender um conjunto de dados relevante ao seu particular objeto de estudos. Ele necessitará trabalhar com os dados para transformá-los em informações, para compará-los com outros resultados, ou ainda para julgar sua adequação a alguma teoria” (BUSSAB, 2010, p.1). Tem-se, então, a importância da inferência estatística cujo objetivo é a coleta, redução, análise e modelagem dos dados, para que assim seja feita a inferência de uma população da qual os dados amostrais foram obtidos. Os processos hidrológicos são aleatórios. Diante disso, “desde o instante em que o ser humano buscou planejar seus empreendimentos ele se preocupou em estabelecer instrumentos para o tratamento da aleatoriedade” (LANNA, 2007, p.79), fazendo com que, desta preocupação surgissem disciplinas relacionadas com a teoria das probabilidades e estatística. Segundo o autor, o tratamento de um processo aleatório pressupõe inicialmente a sua quantificação e sendo o processo hidrológico estocástico, esta é realizada por meio de variáveis aleatórias hidrológicas. Para quantificar uma variável hidrológica deve ser entendido que os processos hidrológicos desenvolvem-se no tempo e espaço sendo, geralmente, contínuos. Por processo contínuo, entende-se que a variável que o quantifica assume valores ao longo de qualquer ponto no qual for medido, espacial ou temporalmente, o que pode gerar uma dificuldade no tratamento computacional. Diante disso, é comum “representar os processos hidrológicos por variáveis aleatórias discretizadas. O termo discretização significa que são tratados os valores das variáveis obtidos em instantes ou períodos sucessivos do tempo, ou em pontos geográficos definidos” (IDEM, p. 81), formando, assim, registros de uma série de valores discretos instantâneos a partir de uma variável aleatória continua. O processo hidrológico pode ser representado de diversas formas com base em uma série de valores numéricos. A escolha do modo de representação é determinada pelos objetivos da análise e pelas características do processo. Uma das manipulações inicias mais comumente realizadas, por exemplo, é a representação gráfica dos dados com relação ao tempo, que pode fornecer, entre outras informações, a noção da variabilidade destes, como suas periodicidades anuais em função das estações secas e úmidas. Na maior parte de seu âmbito, a Hidrologia infere os seus princípios a partir de séries históricas, isto é, de conhecimentos que resultam da observação sistemática dos fenômenos hidrológicos no decorrer do tempo. Muito dos dados hidrológicos [...] são elementos de natureza histórica porque cada um deles constitui um evento que não pode ser repetido na prática sob controle de um experimentador. (GARCEZ; ALVAREZ, 1988, p.3) 23 Diferente de dados experimentais que podem ser verificados por meio da repetição, os dados históricos não podem ser confirmados por repetição do fenômeno, em laboratório, o que torna necessária uma observação continuada para que se possam fazer análises completas em suas comparações e verificações. Quando se procede alguma análise de dados, busca-se alguma forma de regularidade ou padrão ou, ainda, modelo, presente nas observações. Uma característica importante da modelagem dos dados é a possibilidade de fazer previsões e, com isso, criar subsídios para a tomada de decisões (LANNA, 2007; GARCEZ & ALVAREZ, 1988; BUSSAB, 2010). Segundo HIPEL & MCLEOD (1994), o método científico é em geral empregado na busca pelas verdades da natureza e dos fenômenos que estão sendo estudados, podendo ser utilizado pela humanidade para auxiliar na restauração e no gerenciamento adequado do meio ambiente. Nele, as inferências estatísticas agem como catalisadoras, acelerando ainda mais no processo de resolução dos problemas ambientais. Em suas etapas, o método científico pode ser dedutivo (no qual se argumenta das premissas às conclusões) ou indutivo (por meio do qual se passa do indutivo para o geral). Podendo ser compreendido, também, através um sistema de retroalimentação, conforme esquematizado na Figura 6. Figura 6: Retroalimentação no método científico. Fonte: HIPEL; MCLEOD, 1994. Como mostrado na figura anterior, a ideia que origina um estudo científico é iniciada como uma hipótese (H1), a qual será testada para saber se descreve ou não de forma satisfatória os processos da natureza. As discrepâncias ou erros que eventualmente podem ser encontrados entre os dados coletados e a hipótese formulada, leva à revisão desta e, por consequência, à sua reformulação, fazendo com que a hipótese modificada seja denominada de H2. Esse sistema de feedback pode continuar, aonde H2 leva à H3 e, em geral, Hi se torna Hi+1, até que os dados não refutem mais a hipótese testada. 24 Ressalta-se que, no método científico, as hipóteses devem ser testadas com base em dado reais, obtidos por meio de experimentos formalmente concebidos ou recolhidos de forma empírica ao longo do tempo. Além disso, este método é propositadamente concebido para facilitar a identificação do erro através em um processo interativo, no qual o aprendizado é construído com base nas experiências que foram sendo adquiridas. Na Hidrologia Estocástica, método no qual os dados estatísticos são processados com base nas observações das propriedades estocásticas das variáveis hidrológicas (como variável estocástica entende-se aquele na qual o valor é determinado por uma função probabilística qualquer), pode-se estudar um número limitado de variáveis “com a finalidade de se estender ou ampliar a amostragem disponível ou a considerações de leis estatísticas na previsão do regime de cursos d’água para o futuro, deixando de considera-los apenas uma simples repetição de eventos passados” (GARCEZ; ALVAREZ, 1988, p.3). Para HIPEL e MCLEOD (1994), quando se trata de fenômenos naturais, é impossível afirmar de forma determinística o que vai acontecer. Entretanto, uma vez que o evento ocorre o valor de sua série temporal é conhecido. Neste sentido, o processo estocástico se refere à expressão matemática que descreve a estrutura probabilística das series temporais. Modelos estocásticos são classificados de acordo com o estado continuo ou discreto do tempo e espaço, como pode ser visto na Figura 7. Por meio desta, nota-se que as séries temporais constituem uma classe especial de tais modelos, aonde o tempo é discreto e os possíveis valores variáveis no espaço são contínuos. Figura 7: Classificação dos modelos estocásticos. Fonte: HIPEL; MCLEOD, 1994. De forma geral, as séries temporais são um conjunto de observações organizadas cronologicamente, sendo de crucial importância respeitar a ordem de ocorrência dos dados obtidos, pois uma vez que esta não é seguida, grande parte das informações contidas nestas séries é perdida e sua função de modelar comportamentos futuros, prejudicada. 25 A principal característica de uma série temporal é a dependência entre as observações e a análise das séries temporais consiste em técnicas que permitem entender esta dependência. Assim, se um polinômio puder ser adaptado para uma série temporal conhecida e as entradas futuras desta puderem ser determinadas com precisão, então a série temporal segue uma função determinística. Quando os futuros valores das series temporais não puderem ser calculados com exatidão, descritos somente em termos probabilísticos, a série passa a ser descrita por modelos não determinísticos, normalmente estatísticos ou estocásticos (BOX & JENKINS, 1976; HIPEL & MCLEOD, 1994). 26 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1. Caracterização da área de estudo 4.1.1 Caracterização do município de Assis/SP O município de Assis (SP), segundo o IBGE (2013), possui uma população de aproximadamente 95.100 habitantes. Com uma área de 460 km², sua sede situa-se geograficamente nas coordenadas 22° 40’ S e 50° 25’ W, estando a 556 metros acima do nível do mar. Apresenta uma economia diversificada, destacando-se tanto pelo setor de comércio e serviços quanto pela produção de cana-de-açúcar. De acordo com o SEADE (2013), a cidade possui um grau de urbanização correspondente a 95,64%, sendo que o saneamento básico (neste caso, coleta de esgoto, tratamento de água e coleta de lixo) atende em média a 99,17% da população. Segundo a classificação climática de Koppen, Assis-SP encontra-se em uma região de transição entre dois tipos climáticos: Cwa (tropical com a concentração de chuvas no verão, com temperatura média do mês mais quente superior a 22 ºC) e Cfa (tropical, sem estação seca). A pluviosidade média anual é maior que 1400 mm/ano, com concentração de chuvas entre os meses de novembro e abril. Entre junho e setembro, chove apenas 15% do total anual, época em que os solos se tornam deficitários em água e os rios têm seus níveis mais baixos (BOIN; ZAVATINI; MENDES, 2002, apud BONGIOVANNI, 2008). Assis está posicionada na porção centro nordeste da Bacia do Paraná. Segundo BONGIOVANNI (2008), os aspectos estruturais e tectônicos da Bacia do Paraná ao longo do tempo teve sua configuração alterada por alinhamentos, flexuras e arqueamentos do embasamento que influenciaram a compartimentação e a acumulação dos sedimentos do Grupo Bauru, sob o substrato basáltico. O derrame vulcânico continental da Bacia do Paraná é composto, em mais de 90% em volume, por basaltos toleíticos e andesito basáltico, apresentando vesículas e amídalas no topo e na base do derrame. Intercalados aos sucessivos derrames, localmente, há depósitos de arenitos eólicos, formando um sistema intertrapeano (MEAULO, 2004). Cessados os derrames de lava da Formação Serra Geral que marcaram o final dos eventos deposicionais e vulcânicos generalizados na área da bacia do Paraná, observou-se uma tendência geral para o soerguimento epirogênico em toda a Plataforma Sul-Americana, em território brasileiro. A porção norte da bacia, entretanto, comportou-se como área negativa, relativamente aos soerguimentos marginais à zona central da bacia, marcando o início de uma fase de embaciamentos localizados em relação à área da bacia como um todo. Nessa área deprimida acumulou-se o Grupo Bauru, no Cretáceo superior, aparecendo em grande parte do oeste do Estado de São Paulo (CPTI, 1999). 27 Na região em estudo, onde se localiza o município de Assis, as unidades litoestratigráficas presentes são constituídas por rochas ígneas (pertencentes à Formação Serra Geral) e rochas sedimentares (da Formação Adamantina), ambas de idade predominantemente mesozóica; e por depósitos sedimentares recentes, de idade cenozóica (Figura 2). A Formação Adamantina aflora em vasta extensão do oeste paulista, recobrindo as unidades pretéritas do Grupo Bauru (formações Caiuá e Santo Anastácio) e Formação Serra Geral. Em algumas regiões esta formação é recoberta em parte pela Formação Marília e em parte por depósitos cenozóicos. Esta unidade estratigráfica contempla 41,45% de área aflorante no Médio- Paranapanema (BONGIOVANNI, 2008). O contato entre a Formação Adamantina e os basaltos da Formação Serra Geral é marcado por discordância erosiva, apresentando algumas vezes delgados níveis de brecha basal. Recobrindo praticamente todo o município de Assis, encontram-se sedimentos inconsolidados com coloração variando de vermelho intenso a vermelho alaranjado a amarelo pálido, com baixos teores de argila, denominadas por SALLUN et. al (2008) de Aloformação Paranavaí (ANEXO 1). BONGIOVANNI (2008) reclassificou o mapa exibido na Figura 2, incluindo as coberturas cenozóicas da aloformação Paranavaí e regiões aluvionares. Sendo assim, no município afloram rochas das formações Serra Geral, Adamantina e sedimentos atribuídos à Aloformação Paranavaí, unidades que se encontram parcialmente cobertas por solo, normalmente recente e de pequena espessura. Ainda segundo BONGIOVANNI (2008), no município predominam as classes de solos Latossolo, Argissolo, Nitossolo, Neossolo e Gleissolo, sendo que 80% da área do município têm predominância da classe dos Latossolos. 4.1.2. Estação Ecológica e Floresta Estadual de Assis Através do APÊNDICE A, é possível visualizar a Estação Ecológica de Assis (EEcA) e a Floresta Estadual de Assis (FEA). Segundo os respectivos Planos de Manejo, tem-se que a FEA possui uma área de 2,816,42 ha (28,16 Km²) e que a EEcA detém uma área de 1.760,64 ha (17,61 km²). Correspondente a 10% das áreas de cerrado protegidas em Unidades de Conservação no Estado de São Paulo, a área é considerada local de proteção integral dos recursos naturais, tendo como objetivo básico a preservação da natureza, aonde é permitido apenas o uso indireto dos seus recursos, com algumas exceções previstas em lei (ex.: pesquisa cientifica e educação ambiental). Seu principal objetivo a preservação da vegetação de cerrado lato sensu, “com uma amostra significativa do bioma Cerrado nas áreas limítrofes da face sul da sua área de domínio” (IF, 2010, p. 14). 28 O local destaca-se por sua condição ecotonal, com parte sendo ocupada por vegetação de transição devido ao contato entre o Cerrado e a Mata Atlântica (Floresta Estacional Semidecidual). Esse fato garante uma maior relevância do local na conservação não apenas de espécies, mas de processos ecológicos importantes, como os ecossistemas derivados de mudanças climáticas. “A baixa representatividade das áreas ecotonais nas unidades de conservação tem sido apontada como uma importante lacuna no sistema (DURIGAN & RATTER 2006), que a Estação Ecológica de Assis contribui para sanar” (IF, 2010, p.12). Ressalta-se que entre os anos de 1962 e 2001, 88,3% das áreas de cerrado existentes no Estado de São Paulo haviam sido desmatadas. Nessas décadas, a vegetação perdeu seu espaço para os seguintes usos do solo: cana-de-açúcar, pastagens, agricultura anual, citricultura e reflorestamento. Esse tipo de vegetação ocupava 14% do território no inicio do século. Em 2001 (segundo Kronka et al., 2005), restavam pouco mais de 2,100 km, distribuídos em milhares de fragmentos, dos quais apenas 42 são maiores que 400 ha (um desses é a Estação Ecológica de Assis) e nenhum chega a 10.000 ha. (IF, 2010, p.14). Sabe-se que todos os fragmentos remanescentes sofrem as consequências do isolamento, dos riscos de incêndio e de invasões biológicas. Com base nisso, o Plano de Manejo da Floresta Estadual de Assis estabeleceu zonas de recuperação em grandes áreas contiguas, nas quais os reflorestamentos de Pinus sp. e Eucalyptus sp. estão sendo gradativamente revertidos em vegetação de cerrado, resultando em considerável ampliação do habitat para a fauna silvestre na zona de entorno da unidade. Acerca dos recursos hídricos, o local possui em seu interior a nascente do principal manancial da região (ribeirão do Cervo) e detém todas as sub-bacias que abastecem o reservatório da SABESP de Assis, localizadas total ou parcialmente na Zona de Amortecimento da Unidade de Conservação (UC). Além disso, os corpos de água que compõem a rede de drenagem da Estação Ecológica (Palmitalzinho, Campestre, Xaxim e Pirapitinga) “tem suas nascentes no interior da UC. Esses córregos pertencem às unidades hidrográficas Pari e Capivara, integrantes da bacia hidrográfica do Rio Paranapanema” (IF, 2010, p.48). Dentre os problemas listados nos Planos de Manejo, é possível destacar: a ausência de mata ciliar nos cursos d’água situados no entorno da Estação Ecológica; a proliferação de espécies invasoras; o aterro sanitário na Zona de Amortecimento; erosão a partir das estradas e rodovias; fiscalização insuficiente e mal preparada; e a proximidade com o núcleo urbano. 29 4.2. Dados de monitoramento 4.2.1. Dados disponíveis O presente trabalho estuda o ribeirão do Barro Preto, pertencente à microbacia do ribeirão do Cervo. Nessa área, a equipe do Instituto Florestal de Assis conduz um experimento de recomposição de mata ciliar utilizando diferentes espécies florestais. O local de estudo foi dividido em quatro parcelas com a recomposição da área de preservação permanente (APP) sendo feita com Pinus (Pinus sp.), Tapirira (Tapirira sp.), Angico-do- cerrado (Anadenanthera falcata) e uma mistura de espécies nativas, como pode ser visto nas Figuras 9 a 12. Em cada uma dessas parcelas estão instalados dois piezômetros, um próximo ao curso d’água e outro 10 metros a montante deste, sendo dois por parcela, num total de oito poços de monitoramento. Os níveis foram medidos semanalmente no período de 31/03/2008 a 10/12/2013. As análises das séries de precipitação e evapotranspiração tiveram como base os dados disponibilizados pelo Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas (CIIAGRO ONLINE – www.ciiagro.sp.gov.br). Para tal, estes dados foram coletados mensalmente e organizados entre os anos de 1991 e 2012. As técnicas de plantio e condução de mudas foram descritas por DURIGAN & SILVEIRA (1999) e a estrutura das plantas, aos 17 anos, foram descritas por GÊNOVA; HONDA & DURIGAN (2007). No caso específico do Pinus, seu poder de invasão em outras áreas é muito alto, representando um problema sério em áreas de manejo florestal. Na Estação Ecológica de Assis, seu plantio foi introduzido através de um estudo inicial que visava à recomposição urgente das matas ciliares e, por consequência, a recuperação do solo e dos recursos hídricos. Na época, o Pinus apresentou-se “altamente promissor para a formação de florestas às margens dos rios em condições de solo com baixa fertilidade e lençol freático pouco profundo” (DURIGAN & SILVEIRA, 1999, p.18). Entretanto, mesmo com uma regeneração positiva das espécies nativas sob o plantio de Pinus, principalmente nos anos inicias do estudo, em longo prazo ou sem o manejo adequado “acredita-se que o Pinus possa afetar consideravelmente os processos de regeneração natural, á medida que se intensificar a competição por recursos do meio” (DURIGAN; CONTIERI; MELO; GARRIDO, 2004, p. 374). http://www.ciiagro.sp.gov.br/ 30 Figura 8: Parcela de recomposição feita com Angico-do-cerrado (Anadenthera falcata). Figura 9: Parcela de recomposição referente ao cultivo florestal de Tapirira. 31 Figura 10: Área de recomposição com Pinus e serapilheira formada nesta parcela. Figura 11: Área de plantio misto florestal. 32 4.2.2. Medições de permeabilidade e amostragem de solo Como visto, a infiltração é o mecanismo que permite a recarga dos aquíferos, onde as águas provenientes da precipitação que ficam retidas no terreno ou escoam superficialmente “[...] podem se infiltrar no solo sob o efeito da gravidade ou capilaridade, passando a formar a fase subterrânea do ciclo hidrológico” (GARCEZ; ALVAREZ, 1988, p.199). Tal fenômeno é função das características geológicas do solo, do relevo e dos obstáculos ao escoamento superficial, como o tipo de vegetação da área. Neste sentido, de acordo com PAZZETTO (2009, p. 17), um dos parâmetros que mais influencia nas características de fluxo das águas subterrâneas é a permeabilidade, que se caracteriza como uma propriedade do solo em permitir uma maior ou menor percolação da água, sendo seu grau expresso numericamente através do coeficiente de permeabilidade. Este que pode ser definido como a velocidade de infiltração da água em um solo saturado, medindo a facilidade que cada solo em tais condições oferece ao escoamento através de seus poros vazios e interconectados (GARCEZ; ALVAREZ, 1988, p. 200). Além do grau de saturação, fatores como a porosidade, a granulometria e a forma dos grãos que compões o solo afetam diretamente em sua permeabilidade. Solos argilosos, por exemplo, apresentam uma porosidade total maior que os arenosos, porém “os primeiros tem um número elevado de pequenos poros, que contribuem para uma elevada capacidade de retenção da água e baixa permeabilidade. Os solos arenosos por sua vez, apresentam grandes poros, os quais conferem ao solo uma baixa capacidade de retenção e uma permeabilidade alta” (GROHMANN, 1960). Tem-se, também, que efeito da compactação do solo e seu grau de agregação são direto na infiltração do solo e, consequentemente na recarga do aquífero, pois o tempo que a água leva para atingir a zona saturada é determinado pela maior ou menor obstrução física do solo (KLEIN et al., 1998). Assim, com base em tais pressupostos, foram realizadas amostragens de solo na área de cada cultivo florestal para verificação dos teores de areia, silte e argila desses solos e sua granulometria. As informações sobre textura e granulometria dos pontos levantados foram analisadas segundo os métodos da EMBRAPA (1997). Foram realizadas, ainda, medições de permeabilidade do solo com a utilização do Permeâmetro de Guelph, segundo as metodologias estabelecidas por REYNOLDS e ELRICK (1986), com leituras em intervalos de dois minutos até que a condição de fluxo constante seja encontrada, a qual de acordo com LOMBARDI NETO et al (1993), é constatada no campo se ao menos três diferenças entre as leitura consecutivas forem iguais. 33 4.3. Modelagem de dados proposta 4.3.1. Modelos de séries temporais Informações sobre a dinâmica do lençol freático são importantes para balancear os interesses econômicos e ecológicos quanto ao uso do solo e da água (VON ASMUTH & KNOTTERS, 2004). Em hidrologia, a dinâmica do lençol freático tem sido explicada de diversas formas. No campo das análises de séries temporais, modelos de função de transferência de ruído (transfer-function noise models-TFN) têm sido aplicados para descrever a relação dinâmica entre a precipitação excedente e as alturas de lençol freático (BOX & JENKINS, 1976; HIPEL & McLEOD, 1994; TANKERSLEY & GRAHAM, 1994; VAN GEER & ZUUR, 1997). O sistema transforma séries de observações de entrada (variáveis explicativas) em séries de saída (variável de resposta, no caso alturas de lençol freático). Para alturas de lençol freático, a relação dinâmica entre a precipitação e as alturas do lençol podem também ser descritas por modelos físico-mecanisticos de fluxo. Entretanto, modelos muito menos complexos como os modelos de função de transferência de ruído geralmente obtêm predições tão acuradas quanto modelos físico-mecanisticos (KNOTTERS & BIERKENS, 2001). 4.3.2. O modelo PIRFICT O comportamento de um sistema linear de entrada e saída pode ser completamente caracterizado por sua função de impulso e resposta (IR) (ZIEMER et al., 1998; VON ASMUTH et al., 2002). O modelo PIRFICT (Predefined Impulse Response Function In Continuous Time) é uma alternativa a modelos TFN em intervalos de tempo discretos apresentada por VON ASMUTH et al. (2002). No modelo PIRFICT o pulso de entrada é transformado em uma série de saída por uma função de transferência em tempo contínuo. Os coeficientes dessa função não dependem da frequência de observação. Assumindo-se linearidade no sistema, uma série de alturas de lençol freático é uma transformação de uma série de precipitação excedente, descontando a evapotranspiração potencial. Essa transformação é completamente governada pela função IR. Para o caso de um sistema linear simples, sem perturbações freáticas, que é influenciado somente pela precipitação excedente, o modelo TFN a seguir (escrito como uma convolução integral) pode ser usado para descrever a relação entre alturas de lençol freático e a precipitação excedente (VON ASMUTH et al., 2002): 34 )()()( * trdthth  (1)    t tpth  )()()(* (2)    t Wttr )()()(  (3) onde: h(t) é a altura de lençol freático observada no tempo t [T]; h*(t) é a altura de lençol freático predita no tempo t creditado ao excedente de precipitação relativa a d [L]; d é o nível de h*(t) sem a precipitação, ou em outras palavras o nível da drenagem local, relativo a superfície do solo [L]; r(t) é a série dos resíduos [L]; p(t) é a intensidade do excedente de precipitação no tempo t [L/T]; θ(t) é a função de transferência de impulso/resposta (IR) [-]; )(t é a função IR do ruído [-]; e W(t) é um processo de ruído branco contínuo (Wiener) [L], com propriedades E{dW(t)}=0, E[{dW(t)}2]=dt, E[dW(t1)dW(t2)]=0, t1 ≠ t2. O nível da drenagem local d é obtido a partir dos dados como se segue: N tr N th N th d N i i N i i N i i    00 * 0 )()()( (4) sendo N o número de observações de alturas de lençol freático. A área e forma da função IR depende muito das circunstancias hidrologias in situ. θ(t) é uma função de distribuição Pearson tipo III (PIII df, ABRAMOWITZ & STEGUN, 1965). A opção por esse tipo de função se dá por sua natureza flexível, ajustando-se a uma grande gama de respostas hidrológicas. Assumindo-se linearidade, a componente determinística da dinâmica do lençol freático é completamente descrita pelos momentos da função IR. Nesse caso, os parâmetros podem ser definidos segundo VON ASMUTH et al. (2002): )( e)( 1 n taAt atnn     (5) t rt   e2)( 2 onde A, a, n, são os parâmetros da curva ajustada, Γ(n) é a função Gamma e α controla a taxa de decaimento de )(t e 2 r é a variância dos resíduos. 35 A equação 5 e seus parâmetros apresentam sentido físico como descrito em VON ASMUTH & KNOTTERS (2004). O parâmetro A é relacionado com a resistência a drenagem (a área da função IR é igual a razão entre a altura média do lençol freático e a recarga média). O parâmetro a é determinado pelo coeficiente de armazenamento do solo (porosidade) e n pelo tempo de convecção e dispersão da precipitação pela zona não saturada. As bases físicas são explicadas por funções de transferência de uma série de reservatórios lineares (NASH, 1958). O parâmetro n demonstra o número de reservatórios e a é igual ao inverso do coeficiente de reservatório normalmente usado. Como explicam KNOTTERS & BIERKENS (2000), um simples reservatório linear (PIII df com n=1) é igual a um simples modelo físico de coluna de solo unidimensional, descartando fluxo lateral e o funcionamento da zona não-saturada. VON ASMUTH & KNOTTERS (2004) chamam atenção para cuidados ao interpretar esses parâmetros da PIII df quanto a seu sentido físico no processo, uma vez que suas bases são empíricas. Originalmente formulado para descrever a variação dos níveis freáticos nos diques holandeses, o modelo PIRFICT demonstrou grande potencial de aplicação à realidade brasileira através dos estudos de MANZIONE (2007). A flexibilidade da função de impulso e resposta que estabelece a relação entre as variáveis climáticas e os níveis freáticos (Pearson III df) permite ao modelo se ajustar a diferentes sistemas hidrológicos, como no Cerrados brasileiros. Sendo assim, o modelo PIRFICT apresenta grandes possibilidades de aplicação a estudos do Sistema Aquífero Bauru. Antes de se aplicar o modelo PIRFICT aos dados de monitoramento, será realizada uma análise exploratória dos dados, verificando medidas de posição (média), dispersão (desvio padrão, variância) e forma (Assimetria e curtose) para um melhor conhecimento e entendimento do conjunto de dados. Serão também verificadas características das séries temporais, como as funções de autocorrelação (ACP) e autocorrelação parcial (PACF) para verificar o tipo de processo que ocorre com os dados (autoregressivo, média móvel). Essas análises serão feitas em ambiente de software livre, utilizando o programa R e os respectivos pacotes e bibliotecas (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2010). As análises do modelo PIRFICT serão realizadas utilizando o software Menyanthes (www.menyanthes.nl). http://www.menyanthes.nl/ 36 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1. Análise exploratória dos dados A análise exploratória fornece um amplo repertório de métodos para o estudo detalhado dos dados, antes de adaptá-los às necessidades do analista. Além da construção de tabelas e gráficos, a análise abrange ainda cálculos de medidas estatísticas que resumem as informações obtidas, fornecendo uma visão global dos dados. Tais medidas, também conhecidas como descritivas, recebem o nome genérico de estatísticas quando calculada com os dados da amostra, e de parâmetros quando calculadas com dados populacionais. Dentre elas, as mais utilizadas são as medidas de tendência central (ou de posição), as medidas de dispersão (ou de variabilidade) e as medidas de forma (estatísticas descritivas da distribuição) (MEDRI, 2011). São denominadas medidas de tendência central aquelas capazes de resumir uma série de dados em um ou alguns valores que a representam em sua totalidade. Estes valores caracterizam uma sumarização do conjunto de mensurações e seus cálculos dependem da natureza da distribuição, do tipo de dados e das propriedades dos valores escolhidos. Entre os vários tipos de medidas de posição destacam-se a média aritmética que divide a soma de todos os valores da série pelo número de observações; a moda que é o valor mais frequente da amostra (se todos os valores forem diferentes não há moda, por outro lado, um conjunto pode ter mais do que uma moda, sendo: bimodal, trimodal ou multimodal); e a mediana que é o valor que ocupa o valor central de uma série ordenada de forma crescente, dividindo a distribuição em duas partes iguais: 50% acima e 50% abaixo do seu valor. Ressalta-se que, assim como a mediana divide a amostra em duas partes, pode-se especificar outras quantidades que tomam as demais frações dos dados. Tais medidas são denominadas de quantis e os mais comuns são os quartis, decis e percentis, que dividem a serie, respectivamente, em quatro, dez e cem partes iguais (BUSSAB & MORETTIN, 2010; FERREIRA, 2005; MEDRI, 2011). A análise exploratória dos dados referentes às medições dos níveis freáticos pode ser visualizada na Tabela 1, a seguir, cujas indicações “A” se designa às áreas altas e “B” às áreas baixas ou próximas ao curso d’água. 37 Tabela 1: Medidas de posição amostral calculadas para as séries temporais analisadas. MEDIDAS Tapirira guianeses Pinus sp Plantio misto Anadenanthera falcata TA TB PA PB MA MB AA AB MÉDIA -2,21 -1,52 -2,54 -1,39 -2,32 -1,27 -2,15 -1,26 MODA -2,22 -1,43 -2,50 -1,4; -1,3 -2,44; -2,29; - 2,28; -2,25; -2,12 -1,3; - 1,25 -2,10 -1,30 MEDIANA -2,22 -1,54 -2,57 -1,40 -2,28 -1,29 -2,17 -1,28 1º QUARTIL -2,36 -1,65 -2,69 -1,52 -2,44 -1,39 -2,28 -1,36 3º QUARTIL -2,14 -1,43 -2,47 -1,31 -2,15 -1,18 -2,08 -1,17 Percebe-se que, apesar dos valores serem próximos, o plantio de Pinus apresentou os níveis médios mais baixos na área afastada da montante, representando não apenas a maior demanda por água quando comparado aos demais usos, mas também caracterizando a influencia que cada tipo florestal exerce nestes locais. Nota-se, também, que a diferença entre as áreas altas e baixas se dá entre 0,69 m e 1,15 m. Entretanto, “o resumo de um conjunto de dados por uma única média representativa de posição central esconde toda a informação sobre a variabilidade do conjunto de observações” (BUSSAB; MORETTIN, 2010, p. 38). Para que isto seja superado, um dos critérios frequentemente utilizados é aquele que mede a dispersão dos dados em torno de sua média, sendo os mais comuns a variância e o desvio padrão. A variância se caracteriza como a soma dos quadrados do desvio médio de uma mostra, sendo uma boa opção se a distribuição dos dados for aproximadamente normal, indicando quão longe os seus valores se encontram do valor que se espera. A variância é zero quando todas as mensurações são iguais entre si e cresce à medida que se aumentam as diferenças (dispersão) entre os elementos do conjunto. Já o desvio padrão corresponde à raiz quadrada da variância, sendo expresso na mesma unidade dos dados e, por esta razão, possui significado físico e de maior facilidade de interpretações. Assim, a dispersão de conjunto de dados é a variabilidade que estes apresentam entre si. Se todos os valores forem iguais, não há dispersão, sendo baixa quando os valores são próximos uns dos outros e elevada quando valores são muito diferentes entre si (BUSSAB & MORETTIN, 2010; FERREIRA, 2005; MEDRI, 2011; LANNA, 2007) Neste trabalho, foram calculadas, ainda, os valores máximos, mínimos, amplitude total e o coeficiente de variação que, segundo GOMES (2000), podem ser classificados como baixos quando inferiores a 10%, médios entre 10 e 20%, altos entre 20 e 30% e muito altos se superiores a 30%, conforme a Tabela 2. 38 Tabela 2: Medidas de dispersão amostral calculadas para as séries temporais analisadas. MEDIDAS Tapirira guianeses Pinus sp Plantio misto Anadenanthera falcata TA TB PA PB MA MB AA AB Máximo -1,71 -1,10 -1,76 -1,00 -1,76 -0,86 -1,71 -0,84 Mínimo -2,53 -1,77 -2,84 -1,66 -2,95 -1,57 -2,45 -1,68 Amplitude Total 0,82 0,67 1,08 0,66 1,19 0,71 0,74 0,84 Variância 0,04 0,03 0,04 0,03 0,08 0,03 0,03 0,03 Desvio Padrão 0,20 0,17 0,21 0,17 0,29 0,17 0,17 0,17 Coeficiente Variação 8,92 11,25 8,19 11,99 12,34 13,24 8,12 13,68 Com base nesta tabela, observa-se que os dados de todos os poços de monitoramento apresentaram uma baixa dispersão. Isto pode ser facilmente observado por meio da variância muito próxima á zero e dos coeficientes de variação que, permanecendo próximos a 10%, caracterizaram-se como baixos. Nota-se, ainda, que em áreas próximas ao curso d’água o coeficiente de variação apresentou maiores valores, aonde a totalidade encontrada se deu com coeficientes de média intensidade. Entende-se que essa variação maior dos dados próximos à drenagem seja um efeito da influencia do rio, a 20 metros desses poços, que altera a dinâmica dos níveis de forma mais rápida em relação aos poços mais distantes. Nota-se, ainda, que o desvio-padrão oscilou entre, aproximadamente, mais ou menos 0,29 cm nas áreas altas e 0,17 cm nas áreas baixas. Como a média dos níveis é menor nas partes mais baixas, os coeficientes de variação são maiores apesar dos desvios serem menores. “Embora as medidas de posição e de variação possibilitam descrever estatisticamente um conjunto de dados, é necessário verificar como está se comportando de forma geral essa distribuição, o que é possível através da distribuição de frequência e de histograma” (MEDRI, 2007, p. 39). Uma vez que estas podem assumir praticamente qualquer forma, as distribuições consideradas simétricas se apresentam em forma de sino, em que a metade da esquerda do seu histograma é aproximadamente a imagem-espelho da metade direita. E, as distribuições assimétricas apresentam uma “cauda” em uma das extremidades que, quando á direita é positivamente assimétrica e, quando à esquerda, é negativamente assimétrica. Neste sentido, calcula-se, também, a curtose - pois se refere ao grau de achatamento de uma distribuição em relação a uma distribuição padrão, denominada de curva normal - e o grau de assimetria, intensidade e sinal indicam a direção da assimetria. 39 Assim, o valor em módulo do Coeficiente de Pearson indica a intensidade da assimetria, e o seu sinal indica a direção desta: se 0,15 <= |As| <= 1, então a assimetria é moderada; se |As| > 1, a assimetria é forte; se As < 0, a assimetria é negativa e, se As > 0, a assimetria é positiva. Já, para coeficientes de curtose (CC), tem-se que: CC = 0, distribuição mesocúrtica (distribuição normal); CC < 0, distribuição platicúrtica (curva de frequência mais aberta ou achatada em sua parte superior) e, CC > 0, distribuição leptocúrtica (apresenta uma curva de frequência mais fechada, aguda em sua parte superior), conforme pode ser observado na Tabela 3 (BUSSAB & MORETTIN, 2010; FERREIRA, 2005; MEDRI, 2011, MAGRINI, 2013). Tabela 3: Medidas de forma amostral calculadas para as séries temporais analisadas. MEDIDAS Tapirira guianeses Pinus sp Plantio misto Anadenanthera falcata TA TB PA PB MA MB AA AB Coeficiente de Assimetria 0,93 0,84 1,28 0,63 -0,45 0,55 0,67 0,43 Coeficiente de Curtose 0,59 0,36 2,52 0,17 0,12 0,10 0,29 0,45 Com base nos dados aprestados, nota-se que todos os coeficientes de curtoses (CC) encontrados correspondem a uma distribuição leptocúrtica, uma vez que estes se configuraram maiores que zero. Os que mais se aproximaram de uma distribuição normal foram os registrados nas áreas próximas ao curso d’água e nas parcelas de plantio florestal misto. Acerca do coeficiente de assimetria, esta se caracterizou como forte apenas no poço à montante do curso d’água em parcela de Pinus. Nas demais, configurou-se como moderada, sendo menores nas áreas baixas. Além disso, apenas na parcela de plantio misto foi encontrado CC negativo. Para que tais informações possam ser visualizadas foram gerados histogramas que podem ser analisados com base nas Figuras de 13 a 16. 40 Figura 12: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Tapirira guianeses. Figura 13: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp. Figura 14: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo misto de espécies florestais. 41 Figura 15: Histogramas dos poços de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata. 5.2. Análise das séries temporais De acordo com BOX & JENKINS (1976) apud KNOTTERS (2004), é possível identificar três passos para a construção de um modelo de séries temporais: identificação, estimação (calibração) e diagnóstico (validação). O estágio de identificação começa por meio da analise visual do gráfico de series temporal, importante para indicar a presença de um componente sazonal ou alguma outra forma de tendência. Este estágio pode ser útil para filtrar a série, a fim de se obter uma suavização da imagem, exibindo seu nível médio mais claramente. Neste estágio, busca-se compreender a ordem e o tipo que o processo estocástico que pode assumir (autorregressivo – AR; média móvel – MA ou autorregressivo/média móvel - ARMA ou autoregressivo integrado com médias móveis sazonais – SARIMA, por exemplo). O que é feito por meio da representação gráfica das ferramentas de identificação conhecidas como funções autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF). No estágio seguinte, valores dos parâmetros são estimados por meio de um algoritmo de optimização, com base num critério de mínimos quadrados ou um critério de máxima verossimilhança. E, em ultima instância, procura-se verificar se as premissas dos modelos foram respondidas, o que é feito com base na analise dos resíduos. As Figuras 17 a 24 mostram a flutuação dos níveis freáticos para os oito poços de monitoramento no período de 31/03/2008 a 10/12/2012. 42 Figura 16: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Tapirira guianeses (Ta). Figura 17: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Tapirira guianeses (Tb). 43 Figura 18:Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pa). Figura 19: Série temporal para o poço de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pb). 44 Figura 20: Série temporal para o poço de monitoramento sob plantio misto florestal (Ma). Figura 21: Série temporal para o poço de monitoramento sob plantio misto florestal (Mb). 45 Figura 22: Série temporal para o poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (Aa). Figura 23: Série temporal para o poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (Ab). 46 O comportamento das séries é parecido, em virtude da proximidade dos poços e da homogeneidade do terreno, apesar dos diferentes cultivos. Visualmente não se nota nenhum padrão diferenciado nas séries em função das espécies florestais ali plantadas. Em todos os casos percebe-se um pico nos níveis no verão de 2010, ficando o nível freático nesse período entre 0,8 e 1,8 metros abaixo da superfície. 5.3. Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) Como visto anteriormente, os fenômenos naturais possuem um comportamento dinâmico, que pode ser descrito com base nos modelos de séries temporais, utilizados para estimar parâmetros específicos. Estes parâmetros são estimados com a finalidade de se obter as características dos processos naturais ao longo do tempo e a sua extrapolação para situações futuras. Processos que são totalmente conhecidos são chamados de determinísticos, no qual seu estado futuro pode ser calculado com exatidão, resultando em uma série. Enquanto o estado futuro de um processo estocástico só pode ser previsto, o que leva à formação de várias séries resultantes de experimentos de probabilidade (KNOTTERS, 2004). Com base em tais pressupostos, HIPEL e MCLEOD (1994) afirmam que a função de autocorrelação (ACF) é usada como forma de se inferir o tipo de processo que gerou uma determinada série temporal de comprimento N, com base na autocorrelação de seus diferentes instantes. Ou seja, é a correlação de uma variável com ela mesma em diferentes instantes de tempos. Depois de calculada, a ACF pode ser plotada a partir de um atraso (lag) k contra um atraso máximo de cerca de N/4, para determinar quais os valores da estimativa são significativamente diferentes de zero. No gráfico são incluídos limites de confiança, o que requer um conhecimento da variância da amostra relacionada à ACF, rk. Além disso, entende-se que, o coeficiente de autocorrelação (pk) de uma série temporal varia entre -1 e 1. Se, pk assumir valor de 1, pode se dizer que as duas variáveis medidas possuem uma autocorrelação positiva absoluta, logo, se assumir valor de -1, diz-se que possuem uma autocorrelação negativa absoluta e, se pk for igual a zero, a autocorrelação é nula. Já a PACF mede a intensidade da relação entre duas observações da serie, controlando (mantendo constante) o efeito das demais. É importante ressaltar que os modelos nos quais os dados serão ajustados podem assumir dois tipos de processos: estacionários (AR, MA, ARMA) ou não estacionários. Segundo KNOTTERS (2004), um processo estacionário ocorre quando suas propriedades estatísticas não se alteram com tempo. Nota-se que isto não pode ser é encontrado na natureza, sendo possível apenas em determinados períodos ou intervalos de tempo. 47 Entretanto, processos estacionários de segunda ordem poder ser descritos com base na média e variância da função de autocorrelação. Os processos não estacionários, caracterizam-se por possuir normalmente uma tendência, como a variabilidade sazonal que faz com que a média e a variância, por exemplo, sejam fortemente variáveis. Assim, o processo autorregressivo (AR) ocorre quando as observações da série são dependentes entre si, e esta dependência tende a se perder com o afastamento da primeira observação até o ponto que os dados se tornam ruídos brancos (aleatórios). Quando a ordem do processo é um (1), este é chamado de Processo de Markov. Já o processo de MA (q) refere-se aquele em que há forte presença do ruído branco. Deste modo, a correlação entre os dados sofre uma queda brusca devido a este efeito aleatório. A partir disso o modelo de MA busca compreender o quanto este ruído está relacionado com as observações anteriores (HIPEL & MCLOED, 1994). Há casos em que ambos os processos, AR e MA estão presentes simultaneamente na série. Desse modo, há uma correlação entre as primeiras observações que tendem a diminuir lentamente. Posteriormente, um processo MA caracteriza a série a partir de certo momento, a levar a uma queda brusca do coeficiente de correlação. Segundo COPERTWAIT & METCALFE (2009) o AR (p) é um caso especial de ARMA (p, 0) enquanto que o MA (q) é um caso especial de ARMA (0, p). As Figuras 25 a 32 mostram as funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os oito poços de monitoramento durante o período estudado. Figura 24: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Taipirira guianeses (Ta). 48 Figura 25: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Taipirira guianeses (Tb). Figura 26: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pa). Figura 27: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Pinus sp (Pb). 49 Figura 28: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de plantio misto (Ma). Figura 29: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de plantio misto (Mb). Figura 30: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Anadenthera falcata (Aa). 50 Figura 31: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para os poços de monitoramento sob cultivo de Anadenthera falcata (Ab). A partir das ACF’s calculadas, verifica-se que os processos possuem uma dependência temporal ao redor do terceiro ou quarto lag. Assim, conclui-se que existe uma correlação entre instantes subsequentes, mas que se perde no tempo em função da frequência mensal dos dados. Isso pode ser interpretado como um processo autoregressivo (AR), já que um instante no tempo é diretamente dependente de uma ou mais observações prévias. O fato de a função decair exponencialmente a partir do passo t3 e t4 indicam processos autoregressivos de ordem 3 ou 4. Já quanto as PACF’s, verifica-se uma correlação moderadas, em torno de 0,6, entre os instantes calculados. Isso mostra que apesar da correlação existir e persistir por 3 ou 4 instantes no tempo, ela se torna muito fraca a partir do segundo instante. A decisão sobre o tipo e a ordem do modelo ajustado passa por essa análise, pois determinará o número de coeficientes e consequentemente a complexidade do modelo proposto e ajustado. Considerar lags mais distantes que possuam uma correlação fraca pode não melhorar o modelo e torna-lo mais difícil de calibrar, devendo ser testado na fase de identificação do modelo que melhor se ajusta ao fenômeno em análise. 5.4. Análise de dados climáticos Por meio das Tabelas 4 a 5 é possível observar uma grande variação e dispersão dos dados, o que ocorre pela natureza destes fenômenos que são influenciados pela sazonalidade e dinâmicas atmosféricas. Assim, com base na Tabela 4, tem que a precipitação média corresponde a 123,1 mm, caracterizando-se como multimodal e, a série de evapotranspiração, com média de 96,43 mm, configura-se como bimodal. Tais informações podem ser visualizadas a seguir por meio dos histogramas gerados para as séries (Figura 33). 51 Tabela 4: Medidas de posição amostral calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). MEDIDAS PRECIPITAÇÃO EVAPOTRANSPIRAÇÃO MÉDIA 123,1 96,43 MODA 7,8; 27,3; 35,2; 41,2; 51,6; 72,5; 73,5; 80,8; 85,4; 105,8; 110; 121,3 53; 123 MEDIANA 107,9 100,5 1º QUARTIL 55,2 65 3º QUARTIL 176,4 124 Com base na Tabela 5, notam-se os valores elevados de dispersão, sendo que as series de precipitação e de evapotranspiração apresentaram coeficientes de variação muito alta (acima de 30%), segundo Gomes (2000), configurando-se como 72,34% e 34,16%, respectivamente. Por consequência, o mesmo acontece com os desvios padrões e variancia (89,03 e 7924,14 para precipitação e 32,94 e 1085,01 para evapotranspiração). Além disso, a precipitação destaca-se por sua amplitude total de 504,3 mm. Nesse caso, são considerados todos os dias, havendo ou não eventos de chuva. Se considerados somente os eventos de chuva e não os dias com valores zero, as medidas de dispersão dos dados de precipitação serão menores. Tabela 5: Medidas de dispersão amostral calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). MEDIDAS PRECIPITAÇÃO EVAPOTRANSPIRAÇÃO Máximo 504,4 159 Mínimo 0,1 41 Amplitude Total 504,3 118 Variância 7924,14 1085,01 Desvio Padrão 89,03 32,94 Coef. Variação 72,34 34,16 Acerca das medidas de forma (Tabela 6), a precipitação apresentou uma assimetria forte e seu coeficiente de curtose indicou uma distribuição leptocúrtica, ou seja, uma curva de frequência mais fechada, aguda em sua parte superior. No caso da Evapotranspiração, esta se mostrou com uma assimetria negativa e com distribuição platicúrtica (curva de frequência mais aberta ou achatada em sua parte superior). 52 Tabela 6: Medidas de forma calculadas para as séries de precipitação e evapotranspiração (mm). MEDIDAS PRECIPITAÇÃO EVAPOTRANSPIRAÇÃO Coeficiente de Assimetria 1,02 -0,0043 Coeficiente de Curtose 1,20 -1,36 Figura 32: Histogramas das séries de precipitação e evapotranspiração mensais entre 1991 e 2012. A partir dessas séries climáticas, repetiu-se os procedimentos realizados para as séries de observação dos níveis freáticos para visualização do comportamento da precipitação (Figura 34) e da evapotranspiração (Figura 35). As séries demonstram o comportamento sazonal das variáveis, podendo-se identificar anos mais chuvosos como 2007 e anos mais secos como 1996. Apesar disso não são observadas alterações nos dados de evapotranspiração para os mesmos períodos, demonstrando um comportamento mais constante dessa variável. 53 Figura 33: Série temporal referente à precipitação (mm) entre os anos de 1991 e 2012. Figura 34: Série temporal referente à evapotranspiração (mm) encontrada entre os anos de 1991 e 2012. As Figuras 36 e 37 mostram as funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para as séries climáticas de precipitação e evapotranspiração, respectivamente. Em ambos os casos as ACF’s demonstram um caráter sazonal, com correlação significativa até o terceiro lag. Isso significa que a partir de 3 meses os dados tornam-se independentes. Pode-se também imaginar que os processos em análise possuam um componente de média móvel, com uma janela de aproximadamente 4 meses em que as observações se agrupam dentro de um ciclo climatológico. Ressalta-se que as linhas pontilhadas caracterizam o intervalo de confiança. 54 Figura 35: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para precipitação (mm) entre os anos de 1991 e 2012. Figura 36: Funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF) para a evapotranspiração (mm) encontrada entre os anos de 1991 e 2012. No caso das PACF’s, verifica-se que a correlação entre os lags da precipitação é fraca, ao redor de 0,35. Isso acontece devido à aleatoriedade que pode ocorrer em eventos chuvosos, apesar da predicatibilidade dos eventos. Já a evapotranspiração que é dependente principalmente da temperatura e radiação solar, possui correlação mais forte justamente devido às mudanças graduais nessas variáveis durante os meses que condiciona um instante analisado com outro. 55 5.5. Calibração dos dados pelo modelo PIRFICT Utilizando as séries históricas de precipitação e evapotranspiração como variáveis de entrada, o modelo PIRFIC foi calibrado com base nas séries temporais dos níveis freáticos do SAB para os oito poços de monitoramento (Tabela 7). Tabela 7: Estatísticas de calibração do modelo PIRFICT às séries temporais das alturas do lençol freático observadas no período de março/2008 a dezembro/2012. ID EVP (%) RMSE (m) RMSI (m) Paa 82,35 0,075 0,060 Pab 83,70 0,065 0,053 Pma 60,23 0,202 0,105 Pmb 83,66 0,069 0,055 Ppa 80,06 0,079 0,055 Ppb 84,08 0,065 0,052 Pta 80,10 0,086 0,065 Ptb 82,10 0,074 0,065 *EVP: variância explicada pelo modelo; RMSE (m): corresponde à raiz do erro quadrático médio; RMSI (m): erro do modelo entre um instante t em relação à t-1. Percebe-se, por meio da variância explicada pelo modelo (EVP), que os ajustes foram bons entre 80,1% e 84,1%, com erros menores que 10 cm (RMSE e RMSI), exceto para o plantio misto em áreas mais elevadas onde o modelo apresentatou 60,23% de congruência entre os dados observados e os estimados. Ressalta-se que RMSE corresponde à raiz do erro quadrático médio e RMSI ao erro do modelo entre um instante t em relação à t-1. A calibração possibilitou estimar o nível médio do lençol freático ao longo do período (LDB) e os parâmetros de caráter físico que influenciam a oscilação dos níveis freáticos (Tabela 8) bem como seus respectivos desvios padrões (Tabela 9). Desta forma, tem-se que “A” indica a resistência à drenagem (dias); “a” coeficiente de armazenamento da água no solo (1/dias); “n” o tempo de convecção/dispersão através da zona não-saturada (dias) e α o ruído branco. Além disso, o parâmetro E, relacionado ao ajuste da variável evapotranspiração, serve como base para qualificar o desempenho do ajuste do modelo uma vez que, segundo Von Asmuth et al. (2002) este não deve ultrapassar o valor 3. 56 Tabela 8: Parâmetros estimados a partir da calibração pelo modelo PIRFICT. ID LDB A a n E α Paa -2,25 206,7 0,00378 0,9175 1,30 16,88 Pab -1,41 174,6 0,00441 0,9471 1,15 16,12 Pma -0,87 100,4 0,01147 1,3690 7,04 60,16 Pmb -1,36 179,8 0,00453 0,9433 1,28 17,33 Ppa -2,41 151,2 0,00552 0,9520 1,82 28,96 Ppb -1,38 173,4 0,00412 0,9003 1,49 18,44 Pta -1,96 179,3 0,00448 0,9003 1,99 17,34 Ptb -1,62 176,7 0,00507 0,9808 1,26 12,85 *A= resistência a drenagem (dias); a= coeficiente de armazenamento no solo (1/dias); n= tempo de convecção/dispersão (dias); E= fator de correção da evapotranspiração (-); α= ruído branco. Tabela 9: Desvios padrões dos parâmetros estimados pelo modelo PIRFICT. ID DP (A) DP (a) DP (n) DP (E) DP (α) Paa 30 0,00083 0,056 0,26 3,93 Pab 24 0,00089 0,057 0,25 3,77 Pma 20 0,00290 0,210 1,40 19,19 Pmb 24 0,00089 0,056 0,25 4,02 Ppa 20 0,00120 0,070 0,31 7,95 Ppb 23 0,00083 0,053 0,25 4,44 Pta 25 0,00098 0,064 0,31 4,02 Ptb 24 0,00100 0,063 0,27 2,94 *DP= desvio padrão A= resistência a drenagem (dias); a= coeficiente de armazenamento no solo (1/dias); n= tempo de convecção/dispersão (dias); E= fator de correção da evapotranspiração (-); α= ruído branco. Assim, tem-se que o parâmetro A demostrou que a água leva em média 167 dias (ou cinco meses, aproximadamente) para atingir a zona saturada e gerar uma resposta nos níveis freáticos. Além disso, percebe-se que os parâmetros a e n mostraram valores bastante semelhantes entre os poços de monitoramento, caracterizando uma homogeneidade nas características físicas do solo. Isso indica que a área de plantio misto mais afastada (alta) do rio representa uma área de maior porosidade e o plantio de angico- do-cerrado em área alta, o menor. Já, o parâmetro n, estima que a água para chegar ao freático encontra apenas uma camada de solo com características físicas semelhantes, onde ocorre o processo de infiltração, representando somente um reservatório linear. 57 Nota-se, também, que o poço referente à área de plantio misto apresenta os valores mais discrepantes. Entretanto, como ressaltado por MANZIONE (2007), em séries curtas (menores que 5 anos) como neste caso, o modelo encontra dificuldades em descrever a relação dinâmica entre os dados de entrada (precipitação e evapotranspiração) e as oscilações nos níveis, o que por consequência pode gerar resultados insatisfatórios, falhando ao tentar ajustar os parâmetros do modelo. As Figuras 38 a 45 apresentam as calibrações do modelo PIRFICT as séries de observações de níveis freáticos para os oito poços de monitoramento durante o período estudado. Figura 37: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (alto). Figura 38: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Anadenanthera falcata (baixo). Figura 39: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob cultivo de plantio misto (alto). 58 Figura 40: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob cultivo de plantio misto (baixo). Figura 41: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp (alto). Figura 42: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Pinus sp (baixo). Figura 43: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos dados de observação de alturas do lençol freático (pontos) no poço de monitoramento sob o cultivo de Tapirira guianeses (alto). 59 Figura 44: Modelo PIRFICT ajustado (linha) aos