1 Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" Instituto de Artes IGOR ERBERT Aspectos Visuais da Música no Teatro Visual SÃO PAULO 2017 2 IGOR ERBERT Aspectos Visuais da Música no Teatro Visual Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP, como parte dos requisitos para obtenção do grau de licenciado em Arte-Teatro. Sob orientação do Prof. Drº. Wagner Cintra SÃO PAULO 2017 3 IGOR ERBERT Aspectos Visuais da Musica no Teatro Visual Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em Arte-Teatro no curso de graduação em Arte-Teatro do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP, pela seguinte banca examinadora: ________________________________________________________________ Prof. Drº Wagner Cintra Instituto de Artes da UNESP – Orientador ________________________________________________________________ Me. Prof. Drº Vinicius Torres Machado São Paulo, ___ de novembro de 2017. 4 Dedicatória A todas as pessoas que estão em meu coração. 5 Agradecimentos Aos meus pais, minha irmã, meu sobrinho, a minha querida avó que se foi, ao professor Wagner por ter me mostrado essa linguagem que me apaixono a cada dia, ao professor Vinicius que se prontificou em me ajudar fazendo parte da minha banca, a sala 103, a sala 28, a uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida, Lat 13: Lais (a quem sempre resolve tudo), Fernando (grande amigo e escritor, jamais esquecerei o que fez por mim), Vanessa (minha senhorita Júlia), Zé (Grande amado), Valeria Cardoso, Bibis (de coração acolhedor), Amanda Stahl (Grande parceira, grande conversas), Ana Lee (algumas belas parcerias musicais), Tati (A mais carioca), Thiago (Nosso revolucionário), Ingrid (a mais esforçada, isso dissemina nas pessoas), Carol (Ca, minha esquizofrênica, minha mais irritante amada), Camis (minha figura número três, minha fiel escudeira de todos os momentos), Catarina (Só no trucão, mas é um ótimo coração), Lana (Companheira de rock e conversas noturnas), Ricardo (Cadinho, sinto falta da sua pessoa e conversas, bela pessoa), Rafhael (super amigo, mais que empolgado), Thays do Valle, Douglas (Você foi pra outros ares, mas a gente se encontra), Ivan (Grande brother), Iolanda (Bela parceira de cena), Sofia (a mais fofa), Alessandra (nos abandonou cedo, mas estamos juntos mesmo assim), Caio (Belo espirito pra fazer o que gosta, bela inspiração), Tati (minha judia) e Thaís (Minha inspiração do leste, minha maninha pra toda vida). Contínuo: Onofre, Daisy, Edvirges, Lucas, Gerson, Marcia (minha longneck), Fabricia (Parceira de vida), Charles (de tanto tempo), Ariane, Rômel (de infância), Flavia, Garibaldo (de subir em arvores), Jackson, Emanuel, Pérola, Kalu, Elisa, Gugudinha, Cláudio, Soraia (Sheep), Dabliu Parceraço), Diego Althaus (Criador da trilha), Tamis, Irmão Léo, Cacilda, Anninha (Parceira de vida, temos uma estação), Aline (outra parceira de vida), Norma, Meu dengo (sempre aparece quando mais preciso), Fabio, Meu Destino (obrigado pelos sorrisos), Chimanski, Sofia, Cida, Marcio, Rocco (Grande artista), Cecilia, Mia, Tita, Thiago (Soldador do rei), Salo, Lis, Chico, Beatriz (Grande Mulher), Cacilda Belinello, Gui (Grande achado), Tati (minha mestra em iluminação), Giovanne (amigo de verdade, a qualquer momento), e a minha Piquinininha (não cabe aqui). 6 Consentimento Necessidade de mudança Nas frases, palavras, gênero Vó, mãe Irmãs e amigos com seu feminino latente Carrego uma índole Esse caráter Devido a essa troca de olhares O enxergar além do comedido Do dito necessário Devido Vó, mãe Irmãs e amigos com seu feminino latente Consentimento para: “Há mulheres que lutam um dia e são boas, há outras que lutam um ano e são melhores, há as que lutam muitos anos e são muito boas. Mas há as que lutam toda a vida e estas são imprescindíveis.” (Bertolt Brecht) “... só quando nos damos conta de que a vida não nos esta levando a parte alguma é que ela começa a ter sentido.” (Piotr Demianovich Ousoensky) 7 RESUMO Este trabalho tem como finalidade investigar a trilha sonora do espetáculo Paulicéia Desvairada, produzido e encenado pelo Teatro Didático da Unesp. Foi de suma importância um estudo da evolução da música e algumas de suas particularidades nos seus períodos históricos ocidentais para se ter um entendimento maior das músicas que são utilizadas e compostas para os trabalhos do Teatro Didático da Unesp. Mostrou se também necessário o conhecimento da formação do grupo e da linguagem fundamental que se torna primordial em seus espetáculos: O teatro Visual através da dramaturgia da VISUALIDADE. Palavras-Chaves: Teatro Visual. Dramaturgia da Visualidade. Teatro Didático. Paulicéia. Bunraku. Teatro da Matéria. ABSTRACT This work has a it purpose to investigate the original sound track of Paulicéia Desvairada spectacle, development and staged by Unesp Didactic Theater. A study of the evolution of music and some of its peculiarities in its western historical periods was of great importance in order to have a greater understanding of the songs that are used and composed for the works of the Unesp Didactic Theater. He also showed the need to know the formation of the group and the fundamental language that becomes paramount in his spectacles: The Visual Theater through the dramaturgy of VISUALITY. Key-words: The Visual Theater. Dramaturgy of Visuality. Didactic Theater. Paulicéia. Bunraku. Material (Substance) Theater. 8 1. Introdução.........................................................................................10 2. A música no teatro ocidental.............................................................12 2.1. Da Antiguidade ao Cristianismo.......................................................12 2.2. Medieval...........................................................................................23 2.3. Renascimento..................................................................................26 2.4. Barroco............................................................................................32 2.5. Classicismo......................................................................................36 2.6. Romantismo.....................................................................................40 2.7. Do naturalismo ao transbordo do século XX...................................43 3. Teatro Didático da Unesp.................................................................51 3.1. Sistematização para a criação.........................................................51 3.2. Experiências pessoais nas três etapas............................................55 4. Teatro Visual....................................................................................58 4.1. Dramaturgia do espaço....................................................................60 4.2. Dramaturgia da matéria...................................................................61 4.3. Dramaturgia da forma......................................................................64 4.4. Extensões do teatro Visual..............................................................65 4.5. Iluminação........................................................................................65 4.6. Som..................................................................................................67 5. A música no Teatro Didático da Unesp...........................................68 6. A música na Paulicéia Desvairada...................................................70 6.1. A trilha que segue a Paulicéia.......................................................72 6.2. Movimento 01................................................................................73 6.3. Movimento 02................................................................................74 6.4. Movimento 03................................................................................75 6.5. Movimento 04................................................................................75 6.6. Movimento 05................................................................................76 6.7. Movimento 06................................................................................76 6.8. Movimento 07................................................................................76 9 6.9. Movimento 08................................................................................77 6.10. Movimento 09................................................................................78 6.11. Movimento 10................................................................................79 6.12. Movimento 11................................................................................79 6.13. Movimento 12................................................................................80 7. Considerações finais..........................................................................81 8. Referências Bibliográficas.................................................................83 9. Anexos................................................................................................85 Evolução da Música............................................................................85 Evolução da Música Eletroacústica...................................................86 Música Eletroacústica.........................................................................87 10 1. Introdução Dramaturgia da visualidade é um fenômeno que acontece por meio da visão, como em uma arte pictórica que é possível ser contemplada observando suas pinceladas materializadas em formas no espaço e não necessariamente em um quadro. A poética do Teatro Didático da Unesp se respalda na utilização da matéria bruta para se chegar a uma determinada imagem que irá compor essa dramaturgia. Utiliza também de materiais muito simples para a construção e confecção de bonecos, objetos e acessórios rememorando a utilização que Kantor1 fazia em seus espetáculos que utilizavam materiais que não são mais úteis e simplesmente descartados pela sociedade de consumo. Além da matéria existem outros elementos que fundamentam a construção de um determinado espetáculo de Teatro Visual. O elemento recortado para análise nesse projeto é a música. Como é possível visualizar o audível, entretanto invisível ao fenômeno da visualidade? Além de sua incidência peculiar, essa projeção nas imagens só é possível através de outros elementos que em conjunto criam um jogo plástico para que ela permeie subjetivamente em cada espectador. Elaborei assim um pensamento sobre os Aspectos Visuais da música no Teatro Visual, analisando e dialogando levantamentos bibliográficos, percepções musicais e minhas experiências pessoais adquiridas a partir da elaboração, construção e apresentação do espetáculo fomentado pelo Teatro Didático da Unesp: Paulicéia Desvairada. Através das próprias obras bibliográficas e das minhas experiências particulares com os objetos de estudo gerados pelo Teatro Didático da Unesp (áudio e vídeo das aulas, palestras e worhshops), pretende-se desenvolver um questionamento da incidência da música como um dos elementos que deixam o secundarismo, a mera ilustração, para agir como um dos sujeitos principais para a construção de uma 1 Artista Polonês, pintor, cenógrafo, encenador e criador de happenings (1915 – 1990). 11 imagem, que serão a base idiossincrática de signos construídos relativos a experiências pessoais do observador e que conflua para sua própria empatia. Também se mostrou necessário um levantamento de dados da história da música que se estende no teatro ocidental desde seu principio na Grécia, ao século XX. Isso se torna de suma importância pelo fato de gerar uma compreensão de como que essa música se transformou ao longo de todos os seus períodos históricos, concebendo assim um entendimento maior de como essa música está sendo criada e utilizada para o espetáculo Paulicéia Desvairada. Claro que essa investigação tem que sempre permear com a história do próprio grupo, o Teatro Didático da Unesp, e principalmente com a linguagem por ele assumida, desde um de seus espetáculos: O Rio, denominada de Teatro Visual ou como também é conhecido como Teatro da Matéria. Esse trabalho se torna preponderante pelo fato de existir uma escassez desse tipo de tema, que discursa sobre a trilha sonora de um determinado espetáculo teatral. 12 2. A música no teatro Ocidental 2.1 Da antiguidade ao Cristianismo “O caráter é a espinha dorsal da cultura humana. A música é o florescimento do caráter”. (Confúcio apud Menuhin e Davis, 1981, p. 15) Considerada nossa arte de expressão mais antiga, a música circunda o homem desde sua idade mais tenra, desde seu princípio. Junto com suas manifestações corporais em contar histórias, vem à necessidade através dos sons e da voz de conceder ao outro os conhecimentos adquiridos no decorrer do seu próprio período de vida. Ela se torna muito mais que palavras, porque perpassa o campo simbólico, adquirindo muitas vezes caráter abstrato, elevando a experiência de cada um a uma abstração única e real. Existem provas antropológicas de que a música surgiu antes da fala. E podemos observar isso em manifestações em seus mais variados meios, desde os sons dos ventos assoviando em bambus, o transpassar de passos descalços quebrando os ramos através das matas, as suas primeiras tentativas de criação de instrumentos através de ossos e dos primeiros amplificadores naturais, os troncos ocos, entre tantos outros. Sendo a música a evolução da índole humana, então os humanos são seres musicais por natureza: gritam, sussurram, conversam, produzem sons através do próprio corpo, confluindo em uma mescla de musicalidade e representações que unem famílias e tribos, desde seus tempos mais remotos. Antes de tudo o teatro e a música tiveram um papel preponderante na formação e evolução do homem nos períodos históricos, tinham um caráter sagrado entre o homem e a natureza, e o homem e a sua fé no desconhecido, no que está além de suas compreensões mundanas. Os rituais de passagens da vida e da morte engendraram o carater das civilizações que se ergueram durante as épocas. Enquanto vivia só, o homem produzia sons, cantava para espantar o medo, e também imitar e competir com os sons que o circundavam por sua fascinação e 13 curiosidade. Ao encontrar o outro, houve a necessidade de compartilhar essa melodia entoada como celebração as divindades e, principalmente, mostrar essa devoção através do corpo e das fogueiras nas reuniões de sua tribo, ressaltando como foi à caça do dia ou simplesmente enaltecendo os feitos seus e de seus semelhantes em batalhas com outras tribos. No decorrer da ascendência musical, foram se descobrindo suas propriedades melódicas, harmônicas, rítmicas, de timbre e a fluidez de suas tessituras que começaram a estimular ainda mais seus estudos para o desenvolvimento de suas diferentes escritas. Um dos grandes responsáveis por essa evolução foi o matemático e filósofo Pitágoras (540 A/C), que depois de perceber os sons produzidos por trabalhadores, que batiam seus instrumentos de trabalho em materiais de tamanhos diferentes, percebeu que ali ocorria uma diferença de tonalidade e que alguns sons produzidos ao mesmo tempo eram agradáveis à escuta. Então, através de experiências com um instrumento que denominou de monocórdio (que constava apenas de uma corda), aprimorou de uma maneira matemática as relações precisas das notas em uma escala, definindo seus intervalos. Dessa forma, ele começa a distinguir as alturas, ou seja, os sons graves e agudos. Pitágoras percebeu que quando modificava o cavalete número 4 de lugar, ele obtinha uma tonalidade diferente. Então ele começou a fazer experimentos: ● Beliscado a corda sem o cavalete central ele obteve o Do. Figura 1 - Monocórdio Fonte: Do próprio autor do TCC 14 ● Colocando o cavalete no centro, ele divide a corda em duas partes. Obteve um som parecido com o primeiro, só que uma oitava2 acima, um Dó mais agudo. ● Dividiu a corda em três partes obtendo a quinta parte da primeira nota, ou seja, um Sol. ● Dividiu a corda em quatro partes obtendo a quarta parte da primeira nota que foi beliscada, um Fá. A partir desse momento, ele consegue compreender melhor esses sons produzidos e começa a determinar os intervalos justos entre as notas. Essa descoberta foi preponderante como base para as sucessões de pensamentos sobre a música que surgiriam, e conceitos para a constituição dos instrumentos de cordas, principalmente da lira, muito utilizada inicialmente pelos gregos desde o seu período clássico3. 2 Intervalo entre notas musicais com metade ou o dobro de sua frequência. 3 Século V A.C. Figura 2 – Divisões da corda Fonte: Do próprio autor do TCC 15 Desde a aurora da civilização, o homem tem a necessidade de cultivar conexões com o sagrado através de suas criações que são concebidas para serem contempladas pela sua época, entretanto muitas vezes são apenas entendidas pela posteridade. Ilíada e a Odisseia 4foram e são obras universais que abrem esses parâmetros de contemplação e, principalmente, de inspiração para a gênese de outras realizações que modificam a maneira de ponderar de uma sociedade. Nessas obras, Homero já se utiliza de hinos a Apolo5, coros femininos e poesia. Identificam- se características germinais da universalidade trágica. Foi no mesmo século V de Pitágoras que a figura do Herói emerge com notoriedade, prestigiada pelas suas armas e feitos, cantados desde seus tempos mais remotos. Ou seja, a origem da narrativa do teatro Grego em seu princípio é sorvida no mythos6. Essa figura desde o seu início está fadada ao infortúnio, ao erro que a levará a sua desgraça. Nas tragédias de um dos grandes mestres do gênero, Ésquilo7, o Herói se encontra à mercê da vontade divina, em que apenas os Deuses podem oferecer segurança ou infelicidade. Dizem que Arion8 foi o inventor do gênero trágico. Organizou o coro e o ditirambo9, incluindo os sátiros10 com seus cantos ferinos para pronunciar versos. Ele tinha ainda um domínio completo sobre o que acontecia em cena. Antes de a tragédia tomar essa constituição que chegou até nós através de papiros, ela derivou-se, além dos mythos antigos, de festivais sagrados em homenagem ao Deus Dionísio11. Eram entoados cânticos pelos seus seguidores, os sátiros, que 4 Um dos principais poemas da Grécia antiga, de autoria do poeta Homero. Ilíada é a primeira parte seguida da segunda: Odisseia. 5 Deus grego da beleza, harmonia, perfeição, equilíbrio e razão. 6 Em grego significa Mito. 7 Dramaturgo grego considerado o pai da tragédia (523 A/C – 456 A/C). 8 Poeta Lírico Grego (600 A/C) 9 Canto lírico coral de caráter apaixonado e alegre ou sério. Constituído de uma parte narrada e outra cantada. Executado por personagens trajados de faunos e sátiros. 10 Na mitologia; seres que a metade do corpo era de bode e de humano. 11 Deus grego das festas, vinho e teatro. Seu nome romano é Baco. 16 exaltavam a vegetação, o crescimento, o vinho e a procriação. Esses festivais, conhecidas como dionisíacas, se estabeleciam tanto na cidade como no campo. Para cada local foi designado nomes diferentes que ficou atrelado aos diferentes gêneros12 gregos que eram permitidos pelo estado: ● Dionísio Eleutério – Dionisíacas Urbanas – Tragédia ● Dionísio das Lenéias – Dionisíacas Rurais – Comédia O teatro grego, antes de qualquer coisa, era um fenômeno social em que todos os cidadãos tinham o direito de partilhar, inclusive os escravos. Esse episódio acarretava na transformação da figura do herói no decorrer do acontecimento trágico, que tinha um efeito catártico e educativo, apresentando os homens melhores do que vulgarmente são. Diferentemente da comédia que por si possuía um caráter mais libertário, mostrando os homens piores do que vulgarmente são. No entanto, é claro que a comédia tinha e tem uma característica imbuída extremamente preponderante: a capacidade de gerar reflexão através do grotesco e do riso. Tanto a tragédia quanto a comédia tinham configurações similares de composição cênica. Na época de Ésquilo, os tragediógrafos elaboravam uma trilogia trágica mais um drama satírico para participarem das olimpíadas. Sófocles13 e Eurípedes14 já refutavam essa configuração, escrevendo de maneira única. Além disso, a comédia tanto com Aristófanes 15e mais tarde, no período Helenístico, com Menandro16, nunca adotaram particularidades de trilogia. Existia um prólogo que passava uma prévia da história, a música ficava por conta dos cânticos entoados pelo coro e, de princípio, dois atores que antepunham o mesmo (depois de participar de uma das 12 Gêneros aceitos pelos gregos: Tragédia, comédia e drama satírico. 13 Foi um dos mais importantes dramaturgos de tragédias gregas (???-406 A/C) 14 Foi um dos mais importantes dramaturgos de tragédias gregas (480 A/C-406 A/C) 15 Dramaturgo grego considerado o maior representante da comédia antiga (444 A/C - ???) 16 Principal autor da comédia nova no período helenístico (342 A/C – 291 A/C) 17 dionisíacas, Téspis17 se posicionou a frente do coro, surgindo assim o protagonista). No decorrer do período clássico e helenístico, esse número foi aumentando. Já na comédia nova, na época de Menandro, além de se modificar o espaço onde é representada a comédia, o coro desapareceu. Aristófanes em suas comédias utilizava passagens musicais agressivas que alternavam com efeitos corais líricos. Além dos instrumentos de sopro e corda utilizados no teatro, existiam também os mechanopoioi, que eram os sonoplastas da época, responsáveis pelos sons de trovões, tumultos, terremotos, gerados pelo rolar de pedras em tambores de madeira e metal. No período helenístico, grupos de acrobatas, malabaristas, prestigiadores, flautistas vagavam pelas terras gregas à procura de oportunidade de se apresentar. Tendo sidos excluídos das exibições de gêneros consentidas pelo estado, começaram a executar um teatro popular, com abordagens vulgares e grosseiras, de gestos baixos, grotescos, utilizando-se de imitação dos tipos da sociedade, e a caricaturização dos homens e animais de seus costumes e gesticulações. Enquanto a tragédia glorificava os Deuses e os heróis, em contraposição simétrica a comédia, com seus cantos fálicos (exarchontes) 18ora fazia pilhéria com os próprios autores das tragédias, ora maldizia os políticos, os mimos amoldavam-se e zombavam dos hábitos do povo. Eles evoluíram da farsa siciliana e a maioria tinha como característica a prosa, algumas tipicamente cantadas, denominadas mimeidoi. A música era homófona, os gregos não conseguiram emitir simultaneamente duas linhas musicais diferentes. Os corais sempre eram cantados em uníssono ou em oitavas, os valores de duração das notas eram longos ou curtos e existiam três gêneros: Diatônico19, cromático20 e enarmônico21. 17 Ator e Dramaturgo grego do século VI 18 Farsas mimadas, bastante indecentes. 19 Escala de sete notas, com cinco intervalos de tons e dois de semitons. 20 Escala de doze notas. Sete tons e cinco semitons. 21 Duas notas diferentes em uma partitura, mas que na prática produzem o mesmo som. 18 Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Modos_gregos Antes de se inserir no teatro, a música tinha uma finalidade terapêutica para os gregos, expurgando a alma e a conciliando com a mente através das danças e ritmos. Um homem educado significava um homem musical, ou seja, um homem de caráter. Acreditavam que as melodias de cada uma de suas escalas tinham o poder sobre quem as ouvia, podendo ser prejudicial ou benéfica. Não estimulavam muito a escrita musical, acreditando que essa ação fosse afetar a atividade da memória. Pode-se ver nas pinturas de vasos e desenhos de papiros como os instrumentos da época eram utilizados e, pela literatura, como foram escritas e como funcionavam suas teorias e métodos. Porém, infelizmente não se tem nenhum indício como de fato essa música soava, sua execução se perdeu. No entanto, chegaram até nós estruturas melódicas baseadas em oito notas, cuja diferença entre elas se definirá pelos seus semitons. Elas são chamadas de escalas ou modos gregos: Figura 3 https://pt.wikipedia.org/wiki/Modos_gregos 19 Desde que Eurípedes começou a escrever suas tragédias, inicia-se a identificação de alguns traços de desenvolvimento do drama. Nas suas obras mais tardias algumas modificações mais contundentes vêm à tona, principalmente quando se diz sobre um psicologismo, mesmo que primitivo, de suas personagens. Elas começam a se questionar sobre as suas ações, deixando em segundo plano a existência dos deuses, muitas vezes episódicas na trama. Segundo Sófocles, Eurípedes retratava suas personagens como elas realmente eram, e não como elas deveriam ser. Outro aspecto fundamental desses últimos momentos de sua obra, é que o conflito trágico não se tornava algo intransponível, onde a única solução para todas as questões seria a morte, o seu desenlace passa a ter características conciliadoras, onde as forças trágicas opostas a do herói tramitam em direções que não sejam o fim, ou seja, pode se falar perfeitamente em happy end, como é o caso de Helena e Ion duas de suas tragédias. É a partir do século IV com esse novo desenrolar, a tragédia ática 22se propaga para outros locais, irrompendo outros deuses de outras correntes literárias. Companhias itinerantes de atores assumem essa significação crescente e propagam a língua 22 Região que engloba a cidade de Atenas. Período Homérico XII – VIII A.C. Período Arcaico VIII - VI A.C. Período Clássico V – IV A.C. Período Helenístico IV – II A.C. Ilíada Odisseia Democracia Leis Assembleia Diálogo Téspis Ditirambo Coro Ésquilo Sófocles Eurípides Aristófanes Competições musicais Pitágoras Meandro Mimos “A Poética” - Aristóteles Figura 4 Fonte: https://rodrigovivas.wordpress.com/2009/12/30/teatro-grego/ 20 grega com suas interpretações trágicas e cômicas, assim como a influência cada vez maior da música de outras regiões, introduzidas pelo ditirambo. A tragédia grega indiretamente através da comédia influenciou outras culturas, fecundou as letras romanas, um estado militar que se fundamentava no poder da autoridade. Como conquistadores natos, os romanos, ao incorporar novos territórios, integravam também à cultura de outros povos conquistados a sua cultura, estabelecendo os ajustes necessários aos interesses do estado. Apossaram-se do conhecimento grego, que apesar de ter influenciado sua arte, era acima de tudo se denominado no mote panem et circense23. Quanto mais instruído um povo, mais difícil de governa-lo, por isso os governadores ofereciam ao seu público espetáculos em suas arenas, que anestesiavam as mínimas reflexões que poderiam idealizar. O teatro romano foi praticamente galgado na tradição grega, que, no entanto dependia do gosto popular, se o artista não agradasse, ele não teria uma carreira prolongada, algo que nunca havia acontecido na Grécia. Os autores enxertavam em seus textos trechos dos textos gregos, acarretando em uma contaminação, um mosaico de dramas. Além de sua forma embrionária ter sido pautada em cerimonias religiosas de caráter sério ou satírico, os primeiros jogos cênicos dos romanos se baseavam em farsas populares e mimos (diferentemente dos gregos, não utilizavam mascaras) e o fascenino24, que incluíam danças e canções acompanhadas de alguns instrumentos, principalmente da flauta. Seus principais dramaturgos foram Plauto, herdeiro de Aristófanes (comédia ática), que transitava no popular, Terêncio, ligado a tradição da alta comédia, paradigma de elegância (Menandro) e Aneu Sêneca 25, cujas tragédias não chegaram a ser vistas encenadas por ele mesmo, apesar de ficar famoso séculos depois. Mesmo com toda essa herança grega, as apresentações dramáticas por si só não davam conta do clamor popular. Tanto que em suas principais arenas, principalmente o Colisseum, abrigavam um verdadeiro show, lutas entre gladiadores e animais ferozes, corridas de bigas e batalhas navais. O drama romano e seus autores muitas vezes ficavam eclipsados em favor a uma 23 Politica do Pão e circo. 24 Gênero dramático de versos libertinos. 25 Advogado, escritor e intelectual do Império Romano (4 A/C – 65 D/C) 21 vontade de derramamento de sangue que satisfazia seus governantes e principalmente o povo. Como os gregos, os romanos não chegaram a emitir duas linhas melódicas diferentes, a música tanto em celebrações religiosas, como em apresentações nas arenas, desfiles, banquetes, funerais, sacrifícios aos deuses e espetáculos, eram homófonas. Nas comédias eram inseridas canções com acompanhamento musicais de instrumentos que lhe conferiam uma leve característica de opereta26. A música litúrgica sofreu interferência pelos dialetos locais incorporando elementos sagrados e profanos. A apesar das características anteriormente citadas, há muitos poucos indícios da música romana, principalmente em seus estabelecimentos de entretenimento popular. É bem provável que para a criação e reprodução da música, eles tenham se orientados pelos sistemas de modos criados pelos gregos. Essa limitação de elementos que forneceriam um maior conhecimento de como essa música soava, é muito devido ao desagrado a igreja. Ela encarava o teatro, festivais e ritos pagãos, junto com a sua música como algo pernicioso aos intentos que tramitavam dentro de seus muros. Foi nesse momento com a tomada de Bizâncio27 por Constantino28, O Grande, que começa a se impor lentamente outra força ocidental, com o esfacelamento do poderio romano; o cristianismo. Apesar de até o século V ainda serem encenadas as comédias de Menandro, a igreja cristã não apreciava muito o espirito da literatura antiga, principalmente tudo que era pagão, e nisso estava incluso o teatro e sua música. Os atores foram incluídos na lista de personae inhonestae29, ou seja, não possuíam nenhum tipo de direito civil e, sobretudo sua “salvação” pela igreja. Era proibido se unir matrimonialmente com qualquer tipo de artista, a não ser que a pessoa tivesse uma alta patente ou fosse o imperador. 26 Ópera de menor duração e de estilo leve. 27 Continuação do império Romano na antiguidade tardia da idade média, fundado em 330 D/C. 28 Constantino Magno ou Constantino o Grande, foi um imperador romano (272 D/C-337 D/C) 29 Pessoa impura, desonesta. 22 Não se tinha um fazer teatral propriamente original do império Bizantino, ele era uma reprodução modesta de seus antecessores. Além dos mimos, pantomimas, dançarinos e trágicos que eram malvistos pelos olhos sacros, a liturgia assumiu um caráter dramático, com encenações da paixão de cristo, hinos antifonais 30relacionados ao divino, cantados por solista ou coro, evocando os profetas, recitações alternadas e textos de sermões dialogados. Apesar disso o principal que se cultivava em suas arenas e era preterido pelo povo, era o esquema de Circus Máximus de Roma, com suas corridas de bigas e lutas entre gladiadores. Independentemente de o império de Bizâncio ter prosseguido o império romano e perdurado durante alguns séculos, outras civilizações também fomentaram a evolução da arte acompanhada de sua musicalidade, que ganharam mais relevo posteriormente. Fonte: https://pt.slideshare.net/chifri/teatro-romano-76108079 30 Canto cristão que se divide em dois setores, para ser cantado alternadamente. Figura 5 23 2.2 Medieval O cristianismo vai sobrepujar o paganismo e muitos dos mitos romanos começam a ser misturados, iniciando-se então o cultivo ao terror, onde o homem é regido por algo que está além dele, por uma força considerada por muitos, invisível e respaldada na fé. O que nesse momento se torna impactante não é o conflito entre o mundo e Deus, mas a sua submissão a Ele, gerando algo discrepante do amor divino, influindo assim para a temeridade. O teatro na idade média por um longo período travará um dialogo entre o bem e o mal, entre Deus e o demônio, e apesar de ser hereditário dos mimos da antiguidade, sua natureza em seu inicio tem um caráter extremamente pedagógico e moralizante, o altar se torna seu palco. Sua fonte de recursos para a dramatização é pautada nos textos do evangelho, e suas peças litúrgicas se configuram nas formas de mistérios31, milagres32 e paixão33, trazendo presente o memorial de Cristo. A missa34 considerada como instrumento da alta cultura também ganha seu teor teatral, por mais que de maneira amena, com o incremento de diálogos em prosa. A música é fundada em corais, primeiramente em latim, depois nas mais diversas línguas em adoração ao Senhor. O Te Deum 35e os cantos antifonários 36que conduzem ao hino da ressurreição são frequentemente utilizados. Inicialmente essa música não tinha acompanhamento, as melodias fluíam livremente, em sua maioria dentro de uma oitava, prazerosamente em seus intervalos de tonalidades. Os coros ora se alternavam no cântico, ora replicavam um 31 Tem relação com a vida de Cristo. 32 Contam a história de um Santo. 33 Enfoca no sofrimento de Cristo (crucifixão, morte e ressurreição). 34 Até os dias de hoje é dividida em cinco partes básicas. No decorrer do ano outras datas comemorativas cristãs se adentram nesse esquema: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. 35 Hino cristão usado na liturgia católica. 36 Tipo de canto Gregoriano que consiste em alternar as vozes entre dois corpos corais. 24 solista. Essa música se denominava cantochão37, que também poderia ter uma peculiaridade profana. Durante esse período os compositores de música sacra começaram com experimentações, fazendo junções de mais de uma linha melódica, adornando as estruturas musicais de suas criações. A música a partir de então toma outro rumo em sua evolução se tornando polifônica. O organum38 começa a ser preterido pelos músicos a fim de criar novas tessituras, se libertando da composição de uma única voz principal. Para uma universalidade maior para os entendedores eruditos, também se criam os neumas39, e uma notação musical por Guido d’ Arezzo40. Depois de a dramatização atingir seu resplendor litúrgico dentro da instituição de Deus, ela abre suas portas em direção à rua, as praças, atingindo assim um maior número de adeptos. As representações eram feitas em tablados de madeira, em carroças ou carros palcos. A sua finalidade ainda se constituía em impactar no público palavras que vem de cima. A alegoria41, a moralidade42, e os autos43 de natal ou de pascoa tinha um caráter de procissão, no entanto ainda com a premissa educativa de elevar como única possibilidade a palavra divina cristã. Com a inserção da personagem de Cristo como atuante e não mais meramente como símbolo, abrem-se possibilidades de representar acontecimentos posteriores ao auto da pascoa, aumentando assim as possibilidades de novos momentos representacionais, o espaço cênico foi ampliado e espalhado pelas praças ou locais da cidade. Os espectadores poderiam se locomover até os carros-palcos, ou esperá- los em locais determinados que se denominavam estações. Eles tinham 37 Canto tradicional cristão-católico. Características monódicas e diatônicas de ritmo livre. 38 Composição de duas ou mais linhas melódicas de vozes. 39 Sistema de registrar notas no papel. 40 Monge italiano regente da catedral Arezzo (992-1050). Baseando-se nas primeiras sílabas de um texto em latim a são João Batista, nomeou as notas musicais: Ut, ré, mi, fá, sol, lá, Sa. Posteriormente Ut e Sa, foram substituídas por Dó e Si respectivamente. 41 Modo simbólico de representação e interpretação. 42 Representação das virtudes e pecados mortais. 43 Representação que se constituem de elementos cômicos e moralizantes. 25 características cênicas do céu, paraíso, inferno e lugares que perpetuaram a vida de Cristo. Entretanto a aproximação dessas celebrações com o ambiente fora dos portões da igreja propiciou um cruzamento com as formas profanas. O dialogo vulgar foi tomando conta da fala vernácula das representações litúrgicas. Eram frequentes os tumultos e blasfêmias ao pé da cruz, o sacerdócio começava a perder o controle das celebrações que ocorriam nas ruas. Começaram a surgir novas manifestações de auto expressões profanas. Bufões, palhaços, prestidigitadores, comediantes, charlatões, domadores de animais, acrobatas, marionetistas e menestréis se adentravam a essas celebrações, e rompiam com o caráter sério para debutar em formas que proporcionavam maior liberdade, um prazer sensual combinado com uma forte piedade: Farsa44, Sottie45, Carnaval46 e representações camponesas47, ou seja, o povo se apossava do drama. Os cidadãos prezavam por representações de lutas de espadas, batalhas, cenas que remetiam ao baixo calão ou que chacoteavam figuras ilustres ou críticas que desmoralizassem o domínio conservador da igreja. Não só os atores como os próprios cidadãos comuns se esforçavam para fazer parte dessas comemorações populares que além de atingir a vida de Cristo, atingia os atos de redenção. Essas manifestações consideradas desenfreadas pelo clero além de absorverem a música sacra, utilizando-se da polifonia, introduziam textos profanos distintos para cada voz em vernáculos, e motetes, que se baseavam em mitos e lendas folclóricas. Também eram utilizados textos poéticos em lugar da prosa, por músicos poetas e trovadores. Os ritmos mais populares eram o estampie48 e o saltarello.49. O período medieval não se estagnou apenas sob a escuridão, ele apenas pairava em um jogo de cara e coroa, em uma dualidade divina e grotesca, desde a fruição 44 Gênero teatral de caráter caricatural. 45 Comédia ligeira sem escrúpulos, que tem origem em festas de bufões. Farsa são truões em trajes comuns ou de cortesãos. Sottie são pessoas comuns vertidas de bobo. 46 Tem como uma de suas denominações, a festa dos loucos. Celebração em que as pessoas durante esse período poderiam viver e ser o seu contrário 47 Representações irônicas e ardilosas. 48 Dança Sapateada. 49 Dança Saltitante. 26 de seus aprazíveis cantos gregorianos as apavorantes e perturbadoras caçadas de Harlequins 50que proporcionavam um amalgama de manifestações que enriqueciam as celebrações do homem durante sua estância. 2.3 Renascimento “[...] catarse aristotélica como purificação das paixões por meio do temor e da compaixão.” (Lessing51 apud Berthold, 2006, p 273) A língua vulgar começa a se impor na transição para o Renascimento no estilo monódico, em primeira instância apenas com as vozes, para logo em seguida serem 50 Grupos que usavam mascaras de animais grotescas e que em certos períodos saiam para tentar os homens e fazer lhes maldades. 51 Poeta, dramaturgo, crítico de arte alemão (1729-1781) Figura 6 Fonte: http://cursodeteatro14.blogspot.com.br/2012/01/teatro-medieval.html 27 acompanhadas a principio pelo órgão, seguidamente de outros instrumentos. Nesse período ainda não existia a música puramente instrumental, os corais ainda se sustentavam como a linha principal da melodia. Além dos motetes religiosos começam a surgir canções profanas em diversas partes da Europa como a villanella52, canzonetta53, chanson54, villancico55 e Lied56, só para citar algumas. Todas elas com suas próprias variedades de ritmos, números de silabas em seus versos, e utilização de estribilho ou não. Elas foram importantes para definir as influências musicais nas manifestações culturais de cada país. Com o florescer dessas canções populares ficou muito mais evidente a expressão das emoções e estados de espirito que elas proporcionavam. Muitas delas já tinham características harmônicas, construídas com acordes e tessituras 57 contrapontísticas58. A disseminação dessas informações se deu devida as comunicações entre um monastério e outro pelos monges e a um método que estava começando a dar os seus primeiros passos que foi a impressão para o papel. Todo esse surgimento de características profanas foram regimentadas pela própria igreja, já que ela se declarava absolutamente contra a cultura antiga clássica, e como nunca afirmava ainda mais as manifestações dramáticas da pureza do rito, proibindo inteiramente qualquer tipo de expressões que poderiam vir de fora de seus domínios. Todas as peculiaridades profanas adquiridas no âmbito de seus dramas litúrgicos, mistérios, procissões foram abolidas e restritas apenas ao clero. O envolvimento popular se tornou apenas presencial, não era permitida sua atuação 52 Música vocal italiana. 53 Música popular italiana de caráter leve. 54 Música vocal francesa. 55 Forma musical e poética espanhola. 56 Música germânica de caráter popular ou erudito. 57 Constitui na extensão das notas em que uma determinada música esta escrita. 58 Técnica da polifonia, que institui sobrepor uma melodia a outra. 28 em qualquer esfera do drama. Sendo assim isso foi um dos motivos que corroborou para a libertação desses indivíduos, para o despertar de sua personalidade. As muitas definições do Renascimento se caracterizam pela consciência desse sujeito, que adquire novos pontos de vista, acarretando assim em uma era de novas descobertas e explorações, onde o intelecto passa a ser prestigiado, e o homem o centro do universo. Nesse período houve a ascensão de muitos artistas, principalmente da pintura e escultura. A cena medieval e romana ainda tinha reminiscências no período renascentista. Em seu inicio o texto era algo que sobrepujava a cena mais do que qualquer outro impulso artístico. Sêneca, Plauto e Terêncio depois de serem redescobertos, dominavam o cenário dramático. O teatro com em qualquer outro período de sua existência possuía suas ramificações, entre os grupos ditos escolásticos (eruditos) aceitavam o recital do texto, e os mascarados (popular) representavam o texto em forma de pantomima. Os escolásticos eram constituídos de estudantes, professores, mestres e diretores, onde os textos eram escritos, adaptados, traduzidos e encenados em salas de aula, auditórios de universidades e prefeituras. Esse Teatro tinha uma finalidade didática utilizando como premissa a palavra e não a imagem de ações. Criticavam assuntos políticos e principalmente religiosos, respaldados e também censurados pelo protestantismo. Essas recitações dificilmente eram acompanhadas por instrumentos, deixando as partes musicais sob a responsabilidade das vozes dos corais. A procissão romana junto com os festivais e suas formas especificas da corte; números de dança, recitações, arias59 e pantomimas60, eram apoiadas pelos nobres e príncipes, idealizando assim uma grande participação popular. Muitas vezes esses festivais tinham cunho politico, sendo meramente um tipo de distração para a grande maioria, para mantê-los ocupados. Segundo Maquiavel61 era mais vantajoso que a nobreza fosse mais temida do que estimada, assim não se criavam indagações, mas 59 Composição musical escrita para um solista. 60 1. Na Roma antiga, representação dramática com um dançarino solista e um coro narrativo. 2. Representação de uma história através de gestos, expressões faciais e movimentos. 61 Historiador, dramaturgo, poeta, diplomata e músico italiano (1469-1527). 29 apenas aceitações do que fosse proposto, desviando assim o foco do principal problema. A descoberta das regras aristotélicas trouxe a tona algumas discussões sobre o que se adequaria nas encenações dramáticas. Muitos críticos e dramaturgos concordavam com a unidade de ação, entretanto as unidades de tempo e lugar eram muito contestadas, gerando assim alguns problemas na criação de um texto dramático, e para muitos colocando em cheque a liberdade da escrita artística. A tragédia humanista baseando-se nos dramaturgos romanos e suas reestruturações e adaptações se direcionava por um caminho tenebroso, assolado de horrores, incestos, assassinatos, parricídios, suicídios, com o único intuito de punir severamente os seus heróis com seus destinos irrevogáveis. Elas eram compostas de cinco atos e versadas em versos alexandrinos62. Outros países como a Inglaterra preferiam versos mais livres. Além dos coros trágicos, as tragédias eram animadas por interlúdios musicais, mantidos em grande estilo por um grupo de músicos. Pode- se se dizer que seriam um mero antecedente da orquestra que acompanhava as grandes óperas no período romântico. Independentemente de todas essas características que a tornavam uma arte nobre, a tragédia não era unanimidade, ela não se adequava a alegria mundana, a corte desse período se inclinava mais para outro gênero mais leve, que agradava tanto o popular, quanto o erudito: a comédia. É claro que essa preferência não era modelo para todos os países, tanto que na França a tragédia foi bem mais acolhida. Em geral a comédia tinha uma maior popularidade. Além de seus atos, ela era dividida em prólogos, epílogos e entreatos. Foram divisões importantes que fizeram surgir outras estruturas nas artes dramáticas. Eles eram compostos de ações curtas, mimicas, danças que se direcionavam para temas ligeiros e bucólicos e as mais diversas canções populares. A comédia em sua grande maioria por ter um caráter mais alegre sempre era acompanhada por música polifônica com misturas de timbres vocais e instrumentais. Esse período também ficou conhecido pelo inicio das andanças de trupes de Comédia Dell’ Arte63. 62 Verso composto por doze sílabas poéticas. 63 Comédia italiana onde os atores utilizam mascaras de tipos fixos. 30 Outro gênero importante do Renascimento que de certa forma foi um importante antecedente para a ópera que irá fluir no período barroco, foi à peça pastoral. Eram inspiradas na beleza da juventude. O homem a procura por um refugio idílico e a idealização de uma musa rústica e bela. Cenários que ambientam os bosques e as florestas levando a um mundo imaginário e fantástico. A peça pastoral como a comédia era composta pelas suas estruturas anteriormente citadas, porém ela também era constituída pelo Ballett, onde personagens mitológicos se misturam com a dança e versos declamados. Todas essas formas reunidas em um mesmo gênero provocam mudanças na maneira de se conceber um espetáculo. Juntamente com a descoberta da perspectiva, o que era apenas entretenimento, começa a ganhar formas suntuosas, os edifícios teatrais passam a serem mais confortáveis e luxuosos com cenários monumentais agregados a complexas maquinarias que transformam o espaço cênico. As telas de cenário deixam de ser apenas pinturas e ganham profundidade. Grandes fossos para os músicos foram incluídos perto do palco que passou a ser elevado em relação ao público. Em muitos momentos as apresentações ficavam em segundo plano devido a toda essa grandiosidade e a possibilidade de pessoas da nobreza ter notoriedade em seus camarotes. Essas transformações evidenciaram uma etapa anterior as grandes óperas dos séculos posteriores. Esse individuo liberto das amarras da temeridade e consciente de si, encontra seu resplendor no teatro Elisabetano, com a chegada de seu grande expoente a cidade de Londres. Shakespeare adquire uma liberdade maior na escrita de suas peças, pois transgrede as regras formais das três unidades de Aristóteles. Resolve o problema do declamatório exacerbado com ações cênicas, tempo e lugar eram representados pelas palavras dos atores. Tanto em suas comédias, dramas históricos e tragédias, ele utilizava a música como acompanhamento para acentuar e contrastar momentos de tensão, alivio e os momentos trágicos cômicos. Na Inglaterra nesse período era muito comum a utilização de um coro vocal acompanhado por instrumentos, principalmente as violas. Outro instrumento que também se destacava era o virginal64. Com ele os músicos compunham um estilo 64 Popular instrumento de teclado na época. 31 que vindo da Itália, se tornou muito admirado na Inglaterra, o madrigal65. Eles podiam ser apenas cantados ou acompanhados por instrumentos, fazendo o uso da imitação de vozes, quase sempre contrapontístico, de uma tessitura limpa, leve e suave. Era tão popular que era executado nas casas familiares. Além das músicas populares e metafóricas de cunho cultural inglês, muito provavelmente esses estilos poderiam ter sido usados por Shakespeare em alguns momentos em suas peças. Entretanto tanto para o dramaturgo de Hamlet quanto para seu contemporâneo Marlowe66, é sabido que os melhores músicos da era Isabelina 67escreveram canções e interlúdios para eles. Quase todos os dramaturgos isabelinos para facilitar a inserção nas graças reais muitas vezes se utilizavam de um coro de meninos, que normalmente eram treinados para cantar o estilo litúrgico, para cantarem ou entonarem os versos de suas peças diante do público, de uma maneira a vociferar e ultrajar o teatro vulgar, ou seja, seus potenciais adversários. O Renascimento devido a variados fatores proporcionou ao homem uma liberdade de expressão cultural que jamais poderia ser concebida em seu período predecessor. Temos que levar em conta também que esses artistas, considerados percussores em suas áreas, em sua maioria não eram abastados necessitando de um mecenas, um patrono, que muitas vezes enclausuravam suas pretensões artísticas devido aos seus mimos. A igreja por alguns momentos também foi uma ameaça às experimentações artísticas. Mesmo com seus revezes esse período permitiu o inicio de criações sonoras independentes da palavra e abriu a tampa para realizações que não cabem mais dentro de uma única caixa. 65 Gênero musical polifônico, cujos textos poéticos possuem um grande impacto dramático. 66 Foi poeta, tradutor e dramaturgo inglês (1564-1593). 67 Ou período Elisabetano, associado ao reinado da rainha Isabel I. 32 2.4 Barroco Período em que todas as suas tenuidades e estruturas mais simples se rompem, reivindicando assim por alicerces mais suntuosos. O simples tracejado, o verso declamado, a melodia composta adquirem maiores ornamentos. O artista passa a incorporar no seu oficio a abundância, o exagero em suas obras. Ao contrário de um conceito Kitsch68, essa riqueza foi galgada em pensamentos de períodos anteriores, que buscavam principalmente características que circundavam a idade média. Até a antiga temeridade de um Deus impiedoso pronto a qualquer momento a desferir seu golpe misericordioso contra os seres mundanos influência as criações artísticas. Elas adquirem um maior apelo emocional, sombreamento e uma densidade que tomam conta da composição de muitos criadores. Nesse momento a música instrumental conquista a mesma importância que a musica vocal. Os compositores foram se acostumando a sustenizar e a bemolizar as notas resultando em uma estrutura mais complexa. A orquestra passa a tomar 68 Termo de origem alemã. É empregado nos estudos de estéticas para designar objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências de uma cultura se utilizar critérios. Fonte: http://arquivopublicoop.blogspot.com.br/2014/04/conservacao-do-patrimonio-casa-da- opera.html Figura 7 33 corpo, mesmo que com poucos instrumentos, comparada as orquestras mais recentes, e surge uma característica que irá acompanhar, em sua grande maioria, os estilos musicais do período barroco, o baixo continuo69. No teatro as características fantásticas das peças pastorais, o melodrama com seus textos acompanhados de música, em companhia de um grupo formado na Itália patrocinado por príncipes, chamado de camerata Fiorentina, desenvolveram um novo estilo lírico dramático denominado ópera. Esse grupo tinha o intuito de reunir em uma única apresentação, a dança, mais precisamente o ballet, as artes pictóricas, a música e o teatro. Mais tarde essa junção será chamada de arte total por Wagner70. Com o decorrer da evolução da opera, o luxo, grandiosidade, as maquinarias e cenários pomposos, as grandes orquestras, a grandiloquência de suas primas donas 71, começam a ser sinônimos desse tipo de espetáculo. No início os compositores se inspiram nos gregos da antiguidade, trazendo a tona temas como Dafne, a primeira ópera realizada e Orfeu a primeira obra prima de Monteverdi72. Além desse universo imaginário imbuído, diferentemente das apresentações na Grécia, os protagonistas é que são venerados pelos deuses. Normalmente ela é composta de musica instrumental, coral, diálogos, Arias73 e aberturas. Claro que a definição dessas partes depende de como o compositor irá manuseá-las e elaborá-las de acordo com as características de sua ou de outras culturas. A França como alguns outros países tiveram papéis preponderantes no desenvolvimento das artes desse período. Em sua estrutura artística uma tríade compõe a formação de suas artes dramáticas: Cornielle74, Racine75 e Moliere76. 69 Linha melódica também chamada de linha de baixo, que era tocada por um instrumento grave em toda uma determinada peça como acompanhamento de outras linhas melódicas. 70 Compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão (1813-1883) 71 Cantoras principais da ópera. 72 Compositor e maestro italiano (1567-1643). 73 Escrita para um cantor solista. 74 Dramaturgo francês (1606-1684) 75 Poeta e dramaturgo trágico francês (1639-1699). 34 Cornielle a exemplo de Shakespeare rompe também com as regras aristotélicas com sua maior tragédia Le Cid. Racine ao contrário de Cornielle se prontificou a favor das três unidades, não as considerando nenhum empecilho para a criação de suas tragédias, tornando-se um catedrático alexandrino (versos recitados em doze sílabas), aflorando uma força emocional expressiva transbordante em suas obras, acompanhadas pela música do criador da ópera francesa, Lully. Para ele a música estava a serviço do poema, enriquecendo o sentido dramático com o intuito de encontrar as verdades nas expressões cênicas. Considerava sua ópera bailado um espetáculo total, onde a junção do canto e dança, proporcionava inúmeras ações que qualificavam seus atos e entradas. Oriundo do teatro de rua e feiras francesas, Moliere foi considerado o comediógrafo mais famoso da comédie-française, criada pelo rei sol; Luiz XIV. Seu teatro utilizava de estereótipos sociais, ápices de tensões nos seus golpes de teatros acompanhados de temas musicais acelerados e ágeis. Também foi fundamental para o prosseguimento do ballet, arte considerada criação francesa. Ele e Lully77 criam um gênero chamado comédie-ballet, que foi a união de bailados e dança com a comédia, onde o espírito satírico, e a simplicidade melódica integram um gênero de fácil assimilação e suavidade que atingiram a sua maior finalidade que era a de entreter a corte. Dentre muitos traços dessa absorção do teatro medieval, a moralidade é um dos atributos que preenchem as formas atuantes do barroco. A igreja católica através de seu teatro jesuítico tem uma função catequizadora. Eles se utilizam de efeitos cênicos, em procissões, desfiles alegóricos, e tem como finalidade atingir os olhos e encantarem os sentidos dos espectadores de maneira pedagógica. Suas personagens bíblicas, lendas de santos, cantos e interlúdios musicais proporcionam um espetáculo adequado para endossar as mentes ordinárias com os conceitos cristãos. Os oratórios narrativos ou dramáticos se utilizavam de ações e cantos para esse tipo de propósito. Esse fenômeno se espalha pelo território europeu acarretando em diversos tipos de manifestações de controle. Como é o caso dos corrales78 espanhóis, onde a própria igreja facilita as apresentações de zarzuelas79, 76 Dramaturgo cômico francês (1622-1673). 77 Compositor italiano naturalizado francês (1632-1687). 78 Trupes de teatro que se instalavam em pátios de igrejas ou casas plebeias e se apresentarem. 35 por diversas trupes, abrindo os portões de seus pátios para que se concretize o espetáculo. Isso possibilita maior arrecadação para o clero e comando sobre as ações dos grupos. No entanto nem todas as trupes foram condicionadas a esse poderio eclesiástico. Trupes de diversos países e principalmente as de oficio, como as da comédia Dell’ Arte que conseguiram apresentar em diversas cortes e influenciar muitas culturas, tanto pela sua estrutura dramática com base no improviso, quanto pela sua música baseada em instrumentos já consagrados como alaúde, flauta, viola da gamba, e sua sonoplastia baseada em diversos tipos de objetos, sem que se tornassem rebanhos doutrinados. Entretanto estas apresentações não eram tão fáceis de acontecer, mesmo em domínio público, pelo fato de apenas alguns artistas terem privilégios, os da academia real. Cabia à maioria arranjar estratégias para poder sobreviver nas ruas e feiras. Se fosse vetado o verso e dialogo, eles apenas cantavam, utilizavam de didascálias80 escritas em placas, ou se comunicavam com um ator disfarçado entre o público, estratagemas estes utilizados para poderem prosseguir com seus ofícios. Entre suas dualidades o barroco foi à idealização do ator trágico como costumava ressaltar Diderot81, o exagero com elegância, o morrer em graça, enfim a grandiosidade da beleza e harmonia de suas personagens representadas. 79 Ópera cômica espanhola que alterna o canto com o dialogo falado. 80 Indicações cênicas de ações, rubricas. 81 Filósofo e escritor francês (1713-1784). 36 2.5 Classicismo “Onde o ser humano chega à idade adulta”. (Kant82 apud Roland de Cande83, 1995, Vol.1, p. 152) A burguesia com todos os seus atributos começa a ganhar estabilidade, emergindo de uma sociedade proveniente de características da realeza. Ela surge como um novo estilo de vida, em que não necessita mais da representatividade nobre e suas regras estabelecidas. A crença feudal perdeu o seu domínio em permuta a um homem mais esclarecido de suas dificuldades e potencialidades. A razão se instaura no lugar do divino. O iluminismo84 encabeçado pela elite emergente pretendeu movimentar uma renovação nas estruturas sociais tradicionais que vinham até então tendo a hegemonia do estado e da igreja. 82 Filosofo prussiano (1724-1804) 83 Musicólogo francês (1923-2013) 84 Também conhecido como século das luzes. Movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII, que tinha como fundamento mobilizar a razão. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Barroco Figura 8 37 São retomados os modelos da antiguidade clássica nas artes, dando vazão as qualidades intelectuais e ao espírito crítico. A graça, a simplicidade, o equilíbrio e o controle das formas, e o senso comum abarcam as características que irão encaminhar as produções artísticas do individuo nessa atualidade. A burguesia promove o intelecto artístico, pratica o mecenato ou simplesmente contrata artistas profissionais a fim de viabilizar a ela mesma um luxo privilegiado. Mozart 85foi um dos primeiros a se emancipar do patronato e adquirir um status independente. No inicio do classicismo o estilo galante toma conta dos palcos, dando ao teatro, aos concertos, a dança um estilo amável, cortês que visava principalmente agradar aos espectadores que frequentavam as apresentações desses gêneros, impondo rigor e controle na seleção dos gestos, se afastando das apresentações praticadas na rua, como a dos meistersingers86, que ainda tinham fortes atributos na tradição popular, formas carnavalescas e trupes mambembes. O palco se transforma em uma simples sala de estar, onde os atores são assistidos pelo público executando seus afazeres ordinários por meio de ações e diálogos curtos, substituindo os monólogos extensos. Os atores não atuavam mais de frente para o público e sim um para o outro. Apesar dessa mudança as personagens quase nunca demonstravam o que internamente estavam pensando. Entretanto algo primordial marca essa nova configuração, o drama ganha status de denuncia. O abuso social, o preconceito, os sentimentos fingidos, as injustiças foram pintadas e ressaltadas sobre o palco. Esse clima de quase intimidade leva as apresentações a serem acompanhadas por pequenos grupos de instrumentos ou solistas, que despejam tessituras musicais claras, delicadas, sem muita ornamentação. A música começa a adquirir outras características nas suas mais variadas manifestações, o contraponto ainda continuava presente, entretanto com uma maior frequência a melodia é acompanhada por acordes, a harmonia começa a adquirir maior realce nas obras. A orquestra em pleno desenvolvimento eleva a quantidade de músicos em sua constituição, concedendo um enriquecimento da instrumentação, e a sinfonia desperta como um dos principais gêneros para os compositores. O 85 Compositor austríaco do período clássico (1756-1791). 86 Mestres cantores. Grupos amadores de teatro alemão. 38 cravo começa a ficar obsoleto para as composições, em seu lugar o piano irá estabelecer outras concepções na maioria dos estilos musicais inclusive acompanhando representações teatrais, devido ao seu jogo expressivo, que permite executar maiores nuances nas tessituras. Nesse interim também começam a surgir os teatros nacionais. Dramaturgos da mesma maneira que comunicam ao público as mazelas da sociedade estão preocupados em desenvolver obras baseadas em temas e costumes populares de seu próprio país, manifestando assim um sentimento patriótico. A suíte foi uma forma musical baseada inicialmente em várias danças dramáticas contrastadas e coreografadas (ao longo do tempo perde esse caráter para os instrumentos), que tem essa característica de junção de especificidades locais, que os dramaturgos estavam tentando se direcionar. Algumas delas foram inspiradas em textos dramáticos, como é o caso de Peer Gynt de Ibsen87, musicada por Grieg88. A ópera apesar de toda essa reforma continua sendo conservadora dentro de suas características. O Bel Canto 89 (Itália) com seus diálogos falados, canções populares e grandiosas Arias executadas pelas primas donas e cantores assumiam tamanha importância, permitindo que a personagem exprimisse sua reação às situações muitas vezes isoladamente, que todos os outros quesitos ficavam em segundo plano. Com isso outras características da obra se tornavam opacas. O virtuosismo exacerbado encobria o enredo dramático e suas outras qualidades. Gluck 90foi o grande responsável pela mudança do gênero operístico, foi seu grande reformador, acabando por equalizar seus atributos, promovendo uma importância maior a trama. Empresários dos grandes teatros começam a banir declamações e linguagens que não ostentem a naturalidade, a vivacidade e simplicidade. O novo drama impõe a verossimilhança, e que todas as suas características tem que ser dominadas pelo intelecto. 87 Dramaturgo Norueguês (1828-1906). 88 Compositor Norueguês (1843-1907) 89 Tradição vocal, técnica e interpretativa da ópera italiana, que se originou no século XVII. 90 Compositor alemão (1714-1787). 39 Os palhaços, bufões e arlequins com suas histórias fantásticas que pairavam ao absurdo, causavam náuseas aos grandes pensadores que propunham uma reestruturação na maneira de se conceber um espetáculo teatral. Cidades como Weimar, seguidamente de Berlim e Viena proporcionaram safras de pensadores que começavam a reestruturar a maneira de idealizar o espetáculo sobre o palco. Gottsched91 foi o primeiro a defender o bom gosto na Alemanha e se inspirar nos modelos clássicos, principalmente na tragédia clássica francesa. Para ele o espetáculo não podia apenas propiciar prazer, mas também um ensinamento, uma lição. Refutava qualquer verossimilhança em termos de poesia, truques e trapaças, a naturalidade tinha que predominar. O teatro alemão não tinha uma identidade, era uma mistura de gêneros, oriundos de outros países, era necessária uma mudança, Lessing 92 foi um dos intelectos que pensavam a respeito de um teatro nacional, entretanto ia de encontro ao racionalismo extremo de Gottsched. Nesse transbordamento de ideias de uma reforma teatral e as características obsoletas demonstradas em palco consideradas por determinados grupos de pensadores, surge um movimento alemão primeiramente literário, para logo em seguida se direcionar para outras áreas artísticas, o Sturm und Drang93, que veio como resposta ao racionalismo do Iluminismo. Seus artistas promovem a liberdade das regras, quase que em um instinto primitivo. A mais valorosa demonstração artística era a emoção, os atos imediatos que demonstravam uma essência poderosa que se estabelecia acima da razão. Era um protesto contra os poderosos e suas manipulações políticas. As representações em suas instâncias artísticas beiravam ao natural e ao improviso. Esse movimento foi uma das molas propulsoras para as características que iriam vigorar nos pensamentos subsequentes. 91 Escritor, crítico e dramaturgo alemão (1700-1766). 92 Poeta e dramaturgo alemão (1729-1781). 93 Tempestade e ímpeto, tensão. 40 2.6 Romantismo “[...] mas sem dúvida que nunca teria chegado a tal densidade do pensamento musical, se o silêncio exterior não lhe tivesse imposto a concentração da vontade sobre uma música ideal. “Este surdo ouvia o infinito”, há de escrever Victor Hugo.” (Rolande de Candé, 1995, Vol. 2, p.49) Talvez um dos atributos que talvez sejam mais latentes dessa nova concepção de pensamento acerca do direcionamento da arte, é a possibilidade de autonomia de seus próprios passos, não se prendendo a nenhuma aresta, propiciando o vislumbre de novas conquistas, conhecendo a si mesmo acima de tudo, posicionando a obra em nível de caráter único e indelével. A emoção passa a ser o cerne das estruturas criativas, o sujeito passa a ganhar maior importância muitas vezes chegando à posição de estrelato, florescendo um estado de ego artístico. As relações humanas ganham destaque, simples figurantes deixam de ser mera decoração em cena suscitando sua importância no decorrer da trama. O número de participantes em cena aumenta. As estruturas musicais e seus estilos se modificam quebrando parâmetros que não suportam as velhas configurações. Beethoven leva e elava a música para formas mais abertas Figura 9 Fonte: http://www.littlerocksoiree.com/post/107163/sounds-in-the-stacks-brings-concerts-to-libraries 41 destituindo regras e conceitos enquanto que Shakespeare é retomando como grande nome da dramaturgia a ser encenada, não pela sua referência como dramaturgo universal, mas pela importância de compreender sua alma de escritor. Tanto o teatro quanto a música passam a ser comercializados, cria-se o esquema de bilheteria. As apresentações deixam os recintos de salas seletas, e desembocam em salões e teatros com públicos distintos e variados. Criou-se uma relação mais afinca entre dramaturgos, libretistas e compositores, pois as canções e os textos ganham outra característica, não só de acompanhar as especificidades da obra, mas também de entreter o público. Muitas vezes não importava a qualidade da obra, mas sim se ela agradava. Muitos artistas buscavam inspiração em seus heróis, voltando às origens, para conceberam uma obra que explorassem os sentimentos mais profundos e uma verdade interior. Wagner94 foi um desses casos de idealização de uma arte total, que todas elas estivessem em comunhão. Tanto a sua trama quanto sua tessitura musical em suas óperas eram constituídas por leitmotivs95. Característica a qual interveio como construção para outros artistas. Por mais que sua vontade de conexão entre as artes fosse grande, a música nesse caso se sobrepunha não sobre a trama que se seguia, muitas vezes dos povos germânicos, mas da representação cênica que eram feitas por seus cantores, ao qual tinha como premissa o estudo da música. Sua arte era faustosa e começou a ser seletiva, ainda mais quando suas óperas começaram a serem apresentadas apenas em Bayreuth.96. Nesse local ele criou uma ambientação que influiu impetuosamente no teatro. Ele escondeu a orquestra em um fosso abaixo do palco e retirou as luzes da plateia, gerando assim algo que ele denominou de buraco místico. A plateia estava isenta de qualquer participação, assistindo o espetáculo como se fosse por um buraco de fechadura de uma porta. 94 Maestro, compositor e diretor de teatro alemão (1813-1883). 95 Fios condutores que guiam uma obra. 96 Casa de ópera na Alemanha construída especialmente para as óperas de Wagner. 42 Essa grandiosidade de espetáculos no decorrer do tempo, sem o apadrinhamento de um nobre ou mecenas, começou a ficar muito além das contas que os idealizadores poderiam suportar financeiramente. Apesar de muitos países terem contribuído para o desenvolvimento do teatro, a grande coqueluche desse período foi à França. A sua comédie-française renunciou aos ares majestosos pensando no déficit de suas finanças se ostentassem características barrocas. Seu grande compositor dessa época por criar um espetáculo miniatura, foi Jacques Offenbach97. Ele compunha uma música de caráter ligeiro, genuinamente cômico, que poderia ter suas modulações em momentos de tensão, na psicologia das personagens, e nas situações ricas em ações de golpes de teatro98. Parecia que tudo era motivo para se criar uma nova canção, tanto que o texto vivia e função do espetáculo. Esse gênero mais alegre e exacerbado era extremamente popular, ao ponto de provocar uma derrocada do grande gênero operístico. O melodrama era tão elementar que apesar de não ter nuances das características das suas personagens e investir em mensagens de cunho moral, suas sessões estavam sempre abarrotadas. De um modo simples expunha de maneira crua e satírica a problemática social e trivialidade burguesa. Esse ambiente e encontro de variados artistas oriundos desde os teatros de feira e daqueles que renunciaram a ópera formaram um gênero de entretenimento e variedades, o vaudeville. Esses espetáculos de canções, acrobacias e monólogos, e números se instauram em sua grande maioria nos boulevards99 parisienses, procurados por um publico desejoso de entretenimentos visuais. Possivelmente se não fosse à fatalidade de perder um de seus sentidos, Beethoven talvez não tivesse se libertado. Seu gênio arrebatador nunca teria aflorado de tal maneira para que a intensidade de suas emoções chegasse ao ápice, transformando meras linhas melódicas em universais. A efusão de sentimentos desse período decorre desde as complexidades de uma nona sinfonia, aos 97 Compositor e violoncelista francês (1819-1880) 98 Situações absurdas que envolvem a resolução de um conflito cênico. 99 Casas de apresentações que ficavam em paris nos arredores de um local denominado Buolevard du Temple. 43 maneirismos dos diálogos dos cafés parisienses, sem nunca, portanto, deixar que a verdade da índole estivesse em primeiro plano. 2.7 Do naturalismo ao transbordo do século XX “[...] o teatro para poder viver, deve morrer: só o verdadeiro artista de teatro, aquele que será capaz de construir obras cênicas que sejam fruto unicamente da sua mente e, em parte das suas próprias mãos, poderá voltar a dar-lhe vida.” (Gordon Craig 100apud Molinari, 2010, p.338) Os diálogos triviais do teatro burguês já não tinham a mesma eficácia para um sujeito em constante transformação. Muitos escritores sentiam a necessidade de eliminar suas linhas fantasiosas para poder expressar mais em suas personagens, o 100 Ator, cenógrafo e diretor teatral inglês (1872-1966) Figura 10 Fonte: http://noticias.universia.com.br/cultura/noticia/2017/03/15/1150533/arte-dia-liberdade- guiando-povo-eugene-delacroix.html 44 que elas realmente eram e sentiam. Suas dores, suas angústias tornaram o foco de muitas obras e manuscritos levados ao palco. Zola101 foi um dos primeiros a refutar o estilo refinado do proscênio, adotando uma escrita mais áspera, em que o homem era observado na sua própria realidade social, nas suas ações cotidianas. Houve uma maior relevância sobre atributos específicos da personagem, seus desesperos e patologias eram mencionados a uma sociedade preconceituosa já com indícios de uma precoce decadência. Esse raio x do interior das personagens assumia também posturas de denúncia das mazelas que as infligiam. O buraco místico é acentuado pela quarta parede 102criada por Antoine103, onde os atores passam a ignorar o público tornando-o cada vez mais passivo. Ao mesmo tempo em que os detalhes despontavam em cena, a relação com a plateia submergia ainda cada vez mais. O estilo ligeiro das músicas dos cabarés parisienses começaram a dividir o cenário teatral com uma música mais realista possível, mergulhada nos conflitos psicológicos e emocionais dos atores em relação às suas personagens que começaram a brotar em outros polos (Londres, Berlin, Moscou) livres de questões apenas comerciais. Essas relações foram muito difundidas por Stanislavski104 um dos fundadores do TAM105. Institui estúdios de estudos de interpretação dramática, sendo que um deles era especialmente voltado para música e técnicas de dicção, fomentando esse estilo baseado na memória, no reviver de sentimentos e emoções, fazendo com que as personagens saiam de uma esfera de dualidade e apresentem maior profundidade psicológica. 101 Emile Zola foi um escritor francês (1840-1902). 102 Parede imaginária que fica entre os atores e a plateia. 103 Ator, autor e diretor de teatro francês (1858-1943). 104 Escritor, pedagogo e diretor russo (1863-1938). 105 Teatro de Arte de Moscou. 45 O naturalismo foi apenas um propulsor de muitas tendências e estilos que romperam com as regras até então estabelecidas, que já não davam mais conta de suportar as obrigações por elas imposta. Ao adentrar no século XX, entre conflitos, guerras, racismo, intolerância, evolução tecnológica, emergiram muitas manifestações de variados campos artísticos e científicos que corroboraram para a definição de muitos estilos que foram vigentes e marcaram o domínio teatral. A experimentação foi o verbo disparador para a radicalização das artes cênicas. O teatro passou a disputar território junto com o cinema e a televisão. Os cenários passaram a ser mais complexos e menos oriundos de um espetáculo tradicional. Plataformas, escadas e mecanismos cênicos ganham notoriedade em cena. A sala de estar definida anteriormente como local de representação ideal foi dissolvida, dando lugar a espaços considerados não convencionais. Foram utilizados cenários sem quaisquer aspectos descritivos, utilizando apenas elementos geométricos, chegando a uma possível abstração. O encenador passa a ser tão ou mais valorizado que a própria obra teatral, que também passou a ter uma função de pedagogo. Os atores utilizam desde figurinos, acessórios muito simples, a roupa do próprio corpo. E um dos quesitos mais importantes; eles poderiam ser eles mesmos em cena, sem ter uma personagem como anteparo intermediário com o público. A música deixa de ser subordinada a harmonia, atingindo campos da atonalidade106, do serialismo107 e do dodecafonismo108 com Schomberg109. Tanto a música, quanto o teatro são invadidos por uma sonoridade que até então não era considerada comum, criando tessituras exóticas de fortes contrastes. Harmonias extremamente dissonantes, melodias frenéticas e despassadas, com grandes saltos de uma nota a outra. Os instrumentos passam a ser utilizados em registros extremos dando outra qualidade a obra. A tecnologia também incidiu diretamente nesses dois campos, pois deslocou para a cena aparatos e aparelhos eletrônicos. 106 Não existe mais uma relação hierárquica entre as notas, todas tem o mesmo valor. 107 Método de composição musical na qual utiliza várias séries para organizar a estrutura musical. 108 Composição atonal das 12 notas musicais. Só poderá repetir uma nota quando todas forem utilizadas. 109 Compositor alemão e criador do dodecafonismo (1874-1951) 46 A inclusão dessas características reputadas como extravagantes foram também uma tentativa de banir desse teatro e dessa música um esquema anedótico e casual que até então era vigente. Isso resultou no surgimento de vários movimentos de vanguarda que deram outras peculiaridades as obras. Os ismos110 adentraram de tal maneira na concepção artística, que toda obra concebida pareceu ir além de seu limite, ultrapassando barreiras até então dogmatizadas. Atores com seus monólogos verbais e entonação de cantigas automáticas pareciam mais máquinas, chegando quase ao nível de marionetes. Muitas vozes e movimentações aleatórias não permitiam à identificação de caráter sociológico ou psicológico, levando a quase anulação das características do ator. A iluminação e as cores foram fundamentais para aclimatar as imagens criadas no palco, muitas vezes elas eram o mainstream111 do espetáculo. Grande parte dessas peculiaridades foram respostas a todas as atrocidades cometidas durante os anos do começo desse século, trazendo a tona alucinações, pesadelos e a autodestruição do próprio ser humano. Entonava-se então um som que poderia se tornar um desespero completo, refugio, ou simplesmente um único suspiro que ainda restava da dignidade: um grito. Artaud112 acreditava que o teatro era como uma operação mágica que tinha a função de exteriorizar os tumores coletivos, trazendo a superfície todo o mal e a imundice do individuo. As palavras ficavam impotentes perante as ações físicas. Por mais que o publico não estivesse preparado para o que poderia confrontar, os gêneros foram se desenvolvendo por criadores que foram responsáveis por desequilibrar o status quo e reestabelecer uma nova maneira de contemplação. De toda essa nevoa que se instaurava ainda surgiu momentos de sutileza. Debussy113 foi um dos responsáveis, vindo logo após, e em contraposição aos seguidores de Wagner, a direcionar o futuro da música. Ele se guiava por uma sensibilidade auditiva, utilizava seus sons não de uma maneira matemática seguindo conceitos harmônicos e melódicos estabelecidos, mas pelo seu efeito expressivo, 110 Dadaísmo, Expressionismo, Futurismo, Simbolismo e Surrealismo. 111 Conceito que expressa principal, dominante. 112 Poeta, ator, escritor e dramaturgo francês (1896-1948) 113 Compositor francês (1862-1918) 47 como se estivesse preenchendo um quadro com cores. Formava uma cadeia de acordes dissonantes que pairavam na delicadeza, na sensação pura. Sua música e suas inspirações foram muito utilizadas por muitos encenadores principalmente os simbolistas, ambientando seus espetáculos, dando a sensação de um estado onírico, de um mundo muito distante. O ballet tornou-se um gênero emancipado da ópera. Principalmente com Stravinsky114, foi ele quem elevou esse status como obra independente, com um forte ritmo percussivo, regularidade das pulsações alternando com ostinatos115 e a utilização de timbres variados pela orquestra. Enquanto que a ópera era composta de várias técnicas, no entanto a forma que atingiu a maioria do público foi à escrita tradicional, desconsiderando o dodecafonismo serial, e adotando o estilo neoclássico, baseado no estilo helenístico. Surge também o espetáculo para as massas, onde seu intuito era atingir o maior número de pessoas, deixando de ser apenas entretenimento, obtendo cunho politico. Os grupos de Agitprop116 russo se comunicavam diretamente com o seu público, falando da miséria dos trabalhadores, através dos seus diálogos e canções folclóricas, marchas e hinos de caráter nacionalista a favor da revolução. Na Alemanha Piscator117 se baseou nessas manifestações politicas russas, levando ao palco além desses hinos políticos, a inserção de aparatos cênicos variados e trechos de canções populares combinadas com sons mecânicos de aparelhos eletrônicos. Queria que sua materialização cênica não se direcionasse para uma finalidade artística, mas a de propaganda efetiva. Entretanto foi definitivamente Brecht118 que elevou o nível dessas apresentações. Seu teatro e peças didáticas mostravam a crueza e os problemas sociais através de um procedimento denominado distanciamento. Nele os atores a todo o momento da apresentação não submetiam a plateia a um efeito hipnótico, não queriam provocar qualquer tipo de emoção, mas 114 Compositor e pianista russo (1882-1971) 115 Frase musical repetida freneticamente. 116 Agitação e propaganda. 117 Diretor e produtor teatral alemão (1893-1966) 118 Dramaturgo, poeta e encenador alemão (1898-1956) 48 sim fomentar a consciência crítica sobre a sua situação politica e social. Para esse efeito a música era de suma importância, pois ela interrompia bruscamente a ação produzindo uma função didática e transformadora. Ela muitas vezes tinha características de baladas populares berlinenses e de pequenas formações instrumentais do music hall119. De encontro a essas apresentações que almejavam a reflexão, o show business na Broadway continuava em sua efervescência. Espetáculos que pautavam a variedade, misturando baladas sentimentais, western120, números musicais, pequenas cenas dialogadas, danças, burletas121 e o ministrel show122, esse último afirmava o preconceito já existente. O negócio era o fundamental, tudo era feito para que os estabelecimentos estivessem sempre lotados em todas as suas sessões. Esse tipo de espetáculo entra em decadência com o surgimento da televisão, entretanto esse fato favorece a estimulação de teatros universitários, que ficaram conhecido como off-Broadway, estabelecendo um caráter mais sério ao teatro na que era praticado na américa. Na segunda metade do século, mais do que nunca a história do individuo e sua cultura antepassada, passaram a ser o cerne das produções teatrais, o estudo antropológico (Grotowski e Barba) 123 penetra nas cenas com suas experiências únicas e individuais, Os ritos e os cantos ancestrais voltam a ecoar. Todos os acontecimentos sonoros passaram a ter os mesmos valores, suas relações musicais hierárquicas foram abolidas, instrumentos são preparados (John Cage124) com a função de estabelecer novas possibilidades de timbres e a imagem do espetáculo teatral é elevada a sua máxima potência (Bob Wilson125). 119 Casa de show de gêneros variáveis que envolvia música. 120 Música country. 121 Tipo de comédia musical do século XVIII. 122 Apresentação em que os atores pintavam o rosto de preto. 123 Diretor polaco (1933-1999) e autor e diretor italiano (1936) 124 Compositor americano (1912-1992) 125 Dramaturgo, encenador e coreografo americano (1941) 49 Todas essas experimentações foram utilizadas de maneira exponencial, onde na maioria das vezes a única regra que se instaurava era a de não ter limites. A idiossincrasia de cada compositor, de cada autor era colocada em xeque, como se tivesse sido arrancada de suas próprias consciências, demarcando a fronteira entre o bom senso e a insanidade. Figura 11 Fonte: http://lojaanabotafogo.com.br/o-eterno-fascinio-das-bailarinas-de-degas/ 50 Figura 12 Fonte: http://transinformacao.blogspot.com.br/2015/03/farsas-medievais-tinham-muito- improviso.html Figura 13 Fonte: http://www.cursodehistoriadaarte.com.br/lopreto/index.php/arte-teatro-erwin-piscator- 1893-1966 51 3 Teatro didático da Unesp O teatro Didático da Unesp nasceu em 1993 no antigo campus do Instituto de Artes da Unesp, no Ipiranga, sob a coordenação do Prof. Dr. Renúncio Lima. Ele tinha a finalidade tanto de contribuir para as atividades acadêmicas que envolvem a arte teatral, como também atender com as extensões a comunidade circundante. Em um primeiro momento ele se direciona tanto para Brecht quanto para o teatro de rua. Em um segundo momento, a partir de 2008, a coordenação passa a ser do Prof. Dr° Wagner Cinta, adotando uma linguagem mais hibrida, em conexão com as artes visuais. Hoje, em 2017, o teatro didático conta com parcerias com Charles Nasby da universidade de Louisville, Kentucky (EUA). Ele trouxe para o teatro didático suas experiências, através de palestras sobre cenografia, reutilização de materiais, um teatro sustentável. Outro parceiro desde 2011 é a Cia Talagadá que tem em seu foco de trabalho o teatro de marionetes, o teatro de objetos, o teatro com objetos, o teatro visual e as artes plásticas. Por fim, mais recentemente, em 2017, a Cia Colérico que tem como sua pesquisa principal o teatro de marionetes. Desde que assumiu o teatro didático, o Prof. Wagner Cintra ajudou a organizar e a dirigir alguns espetáculos dentro da disciplina de formas animadas que vai desde teatro de ator, de imagem, até o que se assumiu como linguagem definitiva nesses últimos anos, que é o teatro visual. A partir dessa apropriação, juntamente com a dramaturgia da visualidade, houve uma sistematização para a criação dos espetáculos, ao menos em dois deles que foram O Rio, e, ainda em andamento, Paulicéia Desvairada. 3.1 Sistematização para a Criação “Todo conhecimento exige um conceito, por mais imperfeito ou obscuro que ele possa ser.” (Kant apud Grandes nomes do pensamento, 2015, Vol. 28, p. 22) 52 Fonte: Teatro Didático da Unesp Fotografia 1 São três anos para que cada espetáculo fique pronto, em cada ano uma fase diferente. As atividades sempre são executadas pelos próprios alunos que tem o interesse de participar do Teatro Didático. No primeiro ano, os alunos são iniciados no teatro visual, ao estudo da matéria, a manipulação de suas várias possibilidades, chegando assim a um potencial expressivo. No segundo momento intitulado Teatro Visual – Da matéria a Forma, começa-se a priorizar a construção de esboços de cenas a partir do trabalho feito com as matérias brutas escolhidas no ano anterior, como papel Kraft, jornais velhos, fitas adesivas, tecidos, madeiras, ferros, a pele humana, entre outras. É nesse momento também que se começa a trabalhar uma das características principais do teatro Didático da Unesp, que é a inserção de bonecos. A manipulação é baseada no teatro de boneco japonês, o Bunraku, em que são necessárias três pessoas para manipulá-lo: nos pés, nos braços, corpo e cabeça (ao todo são seis condutores126). Na técnica milenar japonesa há uma hierarquia do que cada um manipula. Os iniciantes começam pelos pés, e com o passar de suas experiências chegam até a cabeça. Esse processo até o topo no molde tradicional japonês dura aproximadamente 30 anos. Em nossos procedimentos não nos demoramos a praticar a manipulação nem metade desse tempo, o que também não é o nosso intuito nos transformarmos em mestres de manipulação desses tipos de boneco, mas sim manipulá-los de uma maneira que faça o espectador acreditar nas ações que estejam executando. Contudo, temos uma individualidade pertinente no desenvolvimento do nosso intento. Como já trabalhamos com a matéria em seu estado bruto, esses bonecos também são construídos e confeccionados com materiais muitos simples e que, muito provavelmente, poderiam ser descartados (não se segue de regra a opção pela matéria descartada, no entanto é sempre uma grande alternativa). O cerne de utilizar esses tipos de materiais é dar-lhes 126 Parte em que os manipuladores seguram para o manejo dos bonecos. 53 Fotografia 2 Fotografia 3 Fotografia 4 expressividade através da dramaturgia da visualidade, elaborando o conceito de que é praticável transformar até mesmo o que não é considerado ou mesmo postergado pela sociedade de consumo em potencialidade cênica. A base desses bonecos é de jornal ou outro tipo de papel amassado, fita crepe e barbante. Como condutores utilizamos lápis ou pequenos pedaços de madeira ou metal. O aluno tem conhecimento dessa técnica desde que adentra na universidade na disciplina de Laboratório de Formas Animadas e Visualidades. Esses bonecos não precisam exatamente ser criados utilizando o realismo como eixo, podem também ser grotescos, geométricos ou em parte geométricos. Fonte: Teatro Didático da Unesp, as três fotografias desta página. 54 Todo esse processo de trabalho com a matéria e a inserção dos bonecos tem por finalidade transcender a realidade cotidiana, fazendo com que os espectadores na medida de suas experiências sociais, históricas, políticas e estéticas, atribuam significados a um determinado objeto ou cena. Isso apenas para eles, pois para nós o que importa é o jogo de tensões e a plasticidade cênica. Estruturamos assim um esqueleto para que possa ser desenvolvida uma determinada ideia (toda cena passa por essa estrutura): Matéria Tema Poética Abstração Matéria – Material que vai ser escolhido e trabalhado. Ex: Madeira, Vidro, Papel, Ferro, entre outros. Tema – Pode ser escolhido antes ou depois da matéria, podendo ser concreto ou abstrato. Serve também de suporte para o desenvolvimento de uma ideia. Exemplo de temas: “Ingritude das borboletas, ou a ingratidão na ilha de Lesbos”, ou, “Volatilidade do desejo de estar juntos.” 127 Observação: Temas ideais seriam aqueles que não descrevessem o que realmente é realizado em cena, fazendo assim que o espectador seja obrigado a interpretar o que está assistindo. Poética – Maneira pelo qual um grupo escolhe uma determinada linguagem e tipo de raciocínio que desempenhará em seus projetos. 127 Exemplo de temas desenvolvidos nas aulas de teatro visual. 55 Fotografia 5 Abstração – Transcender algo que está além do humano, além de uma realidade sensível. Oscar Schlemmer 128 define como elementos de abstração: O cubo O quadrado O circulo A reta A Esfera O ponto O cone 3.2 Experiências Pessoais nas três etapas Primeira etapa – Ano de descobertas sobre o que é o Teatro Visual e experimentações de diversas matérias. Ano também de paciência e perseverança em relação a minha continuação de estar atuando no projeto. Antes mesmo de entrar na universidade já tinha um caminho traçado que é o estudo de máscaras. O universo de formas animadas contemplava minhas expectativas, pois vinha ao encontro dos conceitos que vinha pesquisando. No começo ouve um inchaço de participantes no processo, que por muitas vezes foi desestimulador no empenho de se começar a construir um diálogo com a linguagem. 128 Pintor, escultor, designer e coreografo associado a escola Bauhaus (1888 – 1943) Fonte: Teatro Didático da Unesp 56 Fonte: Teatro Didático da Unesp Fonte: Teatro Didático da Unesp Fotografia 6 Fotografia 7 Assumo a responsabilidade de estar escrevendo essas linhas e respondendo quais foram às impressões desse início de trabalho. Conseguia observar que existia muito potencial, porém percebia muitas pessoas dispersas em encontrar se era essa a linguagem a se trabalhar, ou até mesmo se definitivamente o curso escolhido e carimbado pelo vestibular era algo que realmente os motivava. Não posso descartar a insegurança e a indecisão dessas escolhas, pois isso faz parte de nossas corriqueiras vidas. Segunda etapa – Muito trabalho de ateliê (não que isso não fosse reverberar em outras etapas, mas nesse momento foi bem constante). Tínhamos que pensar que essa matéria que foi trabalhada, precisava “evoluir” e se concretizar em uma forma. Foram muitos testes, pois não bastava apenas encontrar uma forma, era preciso testá-la sob a iluminação, que era o termômetro primordial para seu funcionamento. Essas matérias também tinham que se acordar com os bonecos que eram feitos de materiais muito simples. Se sob a perspectiva precisa da iluminação esses elementos não ornassem, era necessário voltar à prancheta de elaboração e pensar em alternativas que seriam possíveis para resolução de problemas. Terceira etapa – Muitos e muitos retornos à prancheta de testes, e muitas outras escolhas de que caminho tomar para que o espetáculo fosse concluído. Nessa etapa, se realiza a afinação de tudo que foi utilizado. Fizemos aberturas de processo para poder identificar possíveis problemas e soluções. Descartamos imagens que não “evoluíram” e rearranjamos outras com possíveis potenciais. A música tem que ser original e está sendo composta exatamente para este espetáculo e tem que conversar com as cenas e suas transições. 57 Como em qualquer outra linguagem teatral, para que a dramaturgia da visualidade se encaixe no que está sendo desenvolvido, são necessárias ações. Como não utilizamos palavras ditas no durante o espetáculo (apenas trechos em off), precisamos trabalhar as ações e lapidá-las em seus pormenores para que orne com as imagens construídas. As ações se baseiam nas relações entre os elementos e seus jogos de tensões, e não existem conflitos a serem resolvidos. Elas são imprescindíveis para qualquer elemento utilizado em cena. A estimativa para o término desse projeto é dezembro de 2017. 58 4 Teatro Visual “Não se trata de dar forma em pintura às formas que apresentam na natureza, mas de dar forma a essência das coisas, isto é, traduzir a “forma pictórica” aquilo que o olhar intui, mas que permanece estranho as práticas da representação e da análise da retina”. Kandinsky129 (Grandes mestres da pintura Kandinsky, p.149) Teatro que se originou na Europa na década de 90. Nesse momento os Marionetistas não estavam conseguindo mais definir o trabalho ao qual vinham realizando. A comunicação verbal havia se enfraquecido, a palavra não suportava mais expressar tudo aquilo que acontecia em cena, restringindo a quantidade de signos ligados a ela. Então foi nesse instante que o teatro se aproximou das artes plásticas, acima de tudo da pintura. Esse teatro adquire características imagéticas, não conquistadas pela razão, mas intuídas pelo espectador, proporcionando uma vivencia estética e abstrata, como se fosse uma pintura em movimento. Outro acontecimento que corroborou para a derrocada do texto épico (narrativo) muito comum no teatro de marionete, foi à inversão de sua manipulação. Até então a marionete tinha uma relação frontal com o espectador, e em um determinado momento ocorre uma ruptura. Que além dessa relação frontal, a marionete passa a ter uma relação com o próprio manipulador. A relação se modifica, e esse tipo de teatro não se define mais como apenas um teatro de atores ou de marionetes, ele se transforma em