unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP FLÁVIA GRAZIELA MOREIRA PASSALACQUA Necessidades Formativas: os impasses para a efetividade das ações de formação continuada de professores no espaço escolar ARARAQUARA – S.P. 2017 FLAVIA GRAZIELA MOREIRA PASSALACQUA Necessidades Formativas: os impasses para a efetividade das ações de formação continuada de professores no espaço escolar Exemplar apresentado ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras, da UNESP – Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Formação do Professor, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas. Orientador: Prof. Dr. Edson do Carmo Inforsato. Bolsa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq ARARAQUARA – S.P. 2017 Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizado com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Passalacqua, Flávia Graziela Moreira Necessidades Formativas : os impasses para a efetividade das ações de formação continuada de professores no espaço escolar / Flávia Graziela Moreira Passalacqua – 2017 226 f . Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara) Orientador : Edson do Carmo Inforsato 1. Formação Continuada em Serviço. 2. Necessidades Formativas. 3. Desenvolvimento Profissional. 4. Anos Iniciais do Ensino Fundamental. I. Título. FLÁVIA GRAZIELA MOREIRA PASSALACQUA Necessidades Formativas: os impasses para a efetividade das ações de formação continuada de professores no espaço escolar Exemplar apresentado ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras, da UNESP – Campus de Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutora em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Formação do Professor, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas. Orientador: Prof. Dr. Edson do Carmo Inforsato. Bolsa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq Data da defesa: 26/07/2017. MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. Edson do Carmo Inforsato Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara Membro Titular: Profa. Dra. Alda Junqueira Marin Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP Faculdade de Educação Membro Titular: Profa. Dra. Márcia Regina Onofre Universidade Federal de São Carlos – UFSCar Centro de Educação e Ciências Humanas – CECH Membro Titular: Profa. Dra. Maria José da Silva Fernandes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências – Campus de Bauru Membro Titular: Profa. Dra. Maria Regina Guarnieri Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Dedico este trabalho àqueles a quem também dedico minha vida: meu filho Lorenzo e meu esposo Ricardo. AGRADECIMENTOS Inicialmente agradeço a Deus, por iluminar meus pensamentos e abrir meus caminhos para que pudesse chegar ao final dessa tese. Agradeço aos meus pais Luiz Roberto Moreira e Terezinha de Lourdes Catissi Moreira pelos valores ensinados e que me fizeram ver nos estudos o trilhar de um caminho promissor e a certeza de um futuro próspero. Aos meus irmãos Luís, Fabiana e Rodrigo, assim como aos meus sobrinhos Gabriel, Sophia e Miguel, pelos momentos de convivência agradáveis e acolhedores em família, pelo amor fraterno e incondicional. Ao meu esposo Ricardo Passalacqua, pelas lutas vencidas, pelos sonhos realizados, pelo amor recíproco e pelo companheirismo sempre presentes, assim como, pelo nosso filho Lorenzo, razão da nossa vida. Ao meu filho Lorenzo, por ser o bebê mais bonzinho e compreensivo do mundo, pela sua doçura e ternura, pelo seu sorriso que derrete meu coração e me fortalece, transformando um dia ruim em um dia maravilhoso, e ao mesmo tempo em que eu o agradeço, peço-lhe desculpas por privar-lhe das suas necessidades de bebê em detrimento da escrita desta tese. Ao Prof. Dr. Edson do Carmo Inforsato, por ser meu orientador durante todo o meu caminhar acadêmico, pela constante paciência com esta pesquisadora em formação e por dividir comigo sua experiência profissional no campo da Educação. Além disso, pela confiança sempre presente. À UNESP, na figura dos professores, seja na Graduação em Pedagogia ou no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, por deixarem suas marcas no trilhar da minha carreira acadêmica através de seus ensinamentos. Assim como, na figura dos seus funcionários, zelando pelo bom funcionamento e prestígio desta instituição de ensino. À Profa. Dra. Maria Regina Guarnieri, por orientar o trilhar dos primeiros passos desta tese, bem como, pelo apoio, companheirismo e confiança. À Profa. Dra. Luci Regina Muzzeti, à Profa. Dra. Roseli Aparecida Parizzi e a equipe do Depto de Didática da FCLAr, pela confiança ao ofertar a oportunidade de conduzir disciplinas para os alunos em formação inicial como Bolsista Didática, nas quais pude crescer como pessoa e profissionalmente. Aos amigos e companheiros dentro e fora da Universidade como a Evelin, a Natália Trevisan, a Nathália Amorim, a Rayana, o Carlos Eduardo, o Sidnei e o Darbi, pela amizade, pelo apoio nos momentos difíceis e que mais precisei de ajuda, e pelas conversas intermináveis e cativantes sobre as demandas educacionais. Ao GEPFEC, pelas reflexões e discussões sobre a educação e a formação de professores, ocorridas ao longo dos anos de participação, possibilitando enriquecer o meu conhecimento. À Banca de Qualificação, composta pelas docentes Maria Regina Guarnieri e Márcia Regina Onofre, pelas observações e apontamentos imprescindíveis para que eu pudesse chegar à conclusão deste estudo. Ao CNPq pelo apoio financeiro. Enfim, agradeço a todos que de alguma forma contribuíram para a realização dos meus sonhos, formação pessoal e profissional, possibilitando atingir meus objetivos e trilhar meu caminho com sabedoria. “[...] Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo Ou que você nunca vai ser alguém [...] Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança! [...]” (Letra da Música: Mais uma vez. Composição: Flávio Venturini; Renato Russo). RESUMO A presente tese tem como foco a formação continuada em serviço e a analisa no que tange às ações realizadas no próprio local de exercício de trabalho dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na tentativa de mostrar a relação que ela mantém com as necessidades formativas dos docentes. Parte-se do pressuposto de que a identificação de tais necessidades pode gerar ações que contribuem de forma positiva para a obtenção de bons resultados no desenvolvimento profissional e no atendimento das necessidades de formação. Assim, buscou-se por meio da pesquisa bibliográfica e da análise de conteúdo de 20 dissertações e 10 teses, produzidas no período de 2000 a 2015 nos Programas de Pós-Graduação em Educação situados no Estado de São Paulo, responder ao questionamento suscitado de que essas ações de formação continuada ainda não garantem o suprimento das necessidades formativas. Levanta-se a hipótese de que as ações de formação realizadas in lócus apresentam pouca efetividade, ou seja, não melhoram o desempenho dos professores e tampouco contribuem para o seu desenvolvimento profissional, por elas não serem baseadas em levantamentos criteriosos de análises de necessidades. O referencial teórico utilizado aborda a temática das necessidades formativas, amparado principalmente nos estudos de Rodrigues e Esteves, associado aos estudos sobre aspectos importantes da formação continuada de professores registrados, sobretudo, nos estudos de Hargreaves, Huberman e Tardif. As análises dos conteúdos da amostragem foram balizadas nas propostas de Bardin. Os resultados obtidos nessas análises mostraram que as ações formativas realizadas dentro das escolas, assumem características reflexivas, coletivas e colaborativas, porém ainda são alicerçadas em práticas e concepções tecnicistas, esbarrando na cultura da escola e na instrumentalização da didática. Também mostraram que tais ações não atendem às reais necessidades formativas dos professores, pois não superam a oposição existente entre as suas necessidades particulares e coletivas, pessoais e sistêmicas e entre as suas necessidades conscientes e inconscientes. Ainda os resultados mostraram o estabelecimento de ações e parcerias colaborativas artificiais entre universidade e escolas básicas. Ademais, especialmente no tocante às necessidades formativas dos professores, constatou-se que sua gênese está no período relativo à formação inicial deles e que elas continuam a se manifestar ao longo da carreira, no embrenhado entre as etapas profissionais, os saberes adquiridos nesse percurso e as culturas profissionais presentes nas escolas. Por fim, conclui-se que em mais de três décadas de consenso crítico à racionalidade técnica e à didática instrumental, enfatizando uma formação continuada centrada na escola, ainda não houve grandes progressos e que sem melhorar a formação inicial, não há como melhorar a formação continuada, aliado ao fato de que a associação dos fatores relacionados às necessidades influenciam a realização das ações de formação continuada, constituindo-se em impasses para a obtenção de resultados promissores. Palavras-chave: Formação Continuada em Serviço; Necessidades Formativas; Desenvolvimento Profissional; Anos Iniciais do Ensino Fundamental. PASSALACQUA, Flávia Graziela Moreira. Necessidades Formativas: os impasses para a efetividade das ações de formação continuada de professores no espaço escolar. 2017. 226f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara/SP, 2017. ABSTRACT The present thesis focuses on continuing in-service training and analyzes it with regard to the actions carried out in the work place of the teachers of the beginning of Elementary School, in an attempt to show the relationship that it maintains with the training needs of the Teachers. It is assumed that the identification of such needs can generate actions that contribute positively to the achievement of good results in the professional development and the attendance of the training needs of the students. Thus, the literature search and the content analysis of 20 dissertations and 10 theses, produced in the period 2000 to 2015 in the Programs of Postgraduate Studies in Education located in the State of São Paulo, answered the question raised that These ongoing training actions still do not guarantee the supply of training needs. It is hypothesized that the training actions carried out in lócus are not very effective, that is, they do not improve the performance of the teachers nor do they contribute to their professional development, because they do not be based on careful surveys of needs analysis. The theoretical framework used addresses the needs of training, supported mainly by the studies of Rodrigues and Esteves, associated to the studies on important aspects of the continuing education of teachers recorded, especially in the studies of Hargreaves, Huberman and Tardif. The analyzes of the contents of the sampling were used in the proposals of Bardin. The results obtained in these analyzes showed that the formative actions carried out within the schools take on reflexive, collective and collaborative characteristics, but are still based on technicist practices and conceptions, hindering the school culture and the didactics instrumentalization. They also showed that such actions do not meet the real training needs of teachers, because they do not overcome the existing opposition between their particular and collective, personal and systemic needs and between their conscious and unconscious needs. Still the results showed the establishment of artificial collaborative actions and partnerships between university and basic schools. Especially in relation to the training needs of teachers, it was verified that their genesis is in the period related to their initial formation and that they continue to manifest throughout the career, in the entanglement between the professional stages, the knowledge acquired in this course and the professional cultures present in schools. Finally, it is concluded that in more than three decades of critical consensus on technical rationality and instrumental didactics, emphasizing a school-based continuing education, great progress has not yet been made and without improving initial training there is any way to improve training continuity, together with the fact that the association of factors related to the needs influence the implementation of continuing training actions, constituting impasses to obtain promising results. Keywords: Continuing Service Training; Formative Needs; Professional development; Beginning of Elementary Education. PASSALACQUA, Flávia Graziela Moreira. Formative Needs: the impasses for the effectiveness of the actions of continun service training of teachers in the school space. 2017. 226f. Thesis (PhD in School Education) – Paulista State University, Faculty of Sciences and Letters. Araraquara/SP, 2017. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Dinâmica de trabalho e pesquisa de grupos colaborativos 57 Figura 2 Implicações das Necessidades Formativas 67 Figura 3 Fases e anos da carreira docente 73 Figura 4 Porcentagem de Dissertações e Teses sobre “Formação Continuada de Professores” 92 Figura 5 Porcentagem de Dissertações e Teses selecionadas sobre “formação continuada em serviço no espaço escolar” 105 Figura 6 Porcentagem de publicações selecionadas sobre “formação continuada em serviço no espaço escolar” 106 Figura 7 Frequência das unidades de registro 132 Figura 8 Frequência das unidades de registro para composição das categorias de análise 132 Figura 9 Abordagens teóricas 141 Figura 10 A formação dos sujeitos das pesquisas 149 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Quantidade de Dissertações e Teses por ano de publicação sobre “Formação Continuada de Professores” 92 Gráfico 2 Projeção Linear de Dissertações e Teses sobre formação continuada de professores no Brasil 99 Gráfico 3 Projeção Linear de Dissertações e Teses sobre formação continuada de professores no Estado de São Paulo 100 Gráfico 4 Quantidade de Dissertações e Teses selecionadas sobre “formação continuada em serviço no espaço escolar” por ano de publicação 105 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Práticas comuns de investigação em ações colaborativas 57 Quadro 2 Tipologias e Manifestações de necessidades 69 Quadro 3 Técnicas de análise de necessidades 72 Quadro 4 Percursos da carreira docente 75 Quadro 5 Os saberes dos professores 77 Quadro 6 Programas de Pós-Graduação em Educação do Estado de São Paulo 88 Quadro 7 Subdivisão das publicações por IES 95 Quadro 8 Balanço de publicações sobre formação continuada de professores no Brasil - de1990 a 2010 99 Quadro 9 Temática 130 Quadro 10 Estrutura das unidades de registro 131 Quadro 11 Categorias de análise 132 Quadro 12 Objetivos das pesquisas 134 Quadro 13 Ações formativas 142 Quadro 14 Tempo de experiência dos sujeitos das pesquisas 149 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Total de Dissertações e Teses, sobre “Formação Continuada de Professores” 91 Tabela 2 Total de Dissertações e Teses sobre “formação continuada de professores em serviço no espaço escolar” 104 Tabela 3 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da CUML 108 Tabela 4 Formação Continuada e Formação em Serviço nos Programas de Pós-Graduação em Educação da PUC – São Paulo 109 Tabela 5 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo 110 Tabela 6 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação: Formação de Formadores 110 Tabela 7 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política e Sociedade 110 Tabela 8 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação 111 Tabela 9 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática 111 Tabela 10 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCCAMP 112 Tabela 11 Formação Continuada e Formação em Serviço nos Programas de Pós-Graduação em Educação da UFSCar 113 Tabela 12 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação 114 Tabela 13 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial 114 Tabela 14 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da UMESP 115 Tabela 15 Formação Continuada e Formação em Serviço nos Programas de Pós-Graduação em Educação da UNESP 115 Tabela 16 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL de Araraquara 116 Tabela 17 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica da FC de Bauru 117 Tabela 18 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da FC de Bauru 117 Tabela 19 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC de Marília 118 Tabela 20 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT de Presidente Prudente 118 Tabela 21 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação do IB de Rio Claro 119 Tabela 22 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática do IGCE de Rico Claro 119 Tabela 23 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP 121 Tabela 24 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP 121 Tabela 25 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISO 122 Tabela 26 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da USF 122 Tabela 27 Formação Continuada e Formação em Serviço no Programa de Pós-Graduação em Educação da USP – SP 123 Tabela 28 Assuntos 136 Tabela 29 Metodologias 137 Tabela 30 Instrumentos 139 Tabela 31 Necessidades dos professores 147 Tabela 32 Ações coletivas 170 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANPEd Associação nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ATPC Aula de Trabalho Pedagógico coletivo BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Cefet Centro Federal de Educação Tecnológica CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CUML Centro Universitário Moura Lacerda ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCLAr Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara FC Faculdade de Ciências FCL Faculdade de Ciências e Letras FCT Faculdade de Ciência e Tecnologia FE Faculdade de Educação FFC Faculdade de Filosofia e Ciências GEPFEC Grupo de Estudos e Propostas sobre a Formação do Educador Contemporâneo GT Grupo de Trabalho HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo IB Instituto de Biociências IBRC Instituto de Biociências de Rio Claro Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IES Instituição de Ensino Superior IGCE Instituto de Geociências e Ciências Exatas Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação Parfor Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PNE Plano Nacional da Educação Pnud Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação PROGRAD Pró-Reitoria de Graduação PROPE Pró-Reitoria de Pesquisa ProUni Programa Universidade Para Todos PUC Pontifícia Universidade Católica PUCCAMP Pontifícia Universidade Católica de Campinas Reuni Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica SARESP Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SP São Paulo UAB Universidade Aberta do Brasil UFSCar Universidade Federal de São Carlos UMESP Universidade Metodista de São Paulo UNESP Universidade Estadual Paulista UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICID Universidade da Cidade de São Paulo UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba UNINOVE Universidade Nove de Julho UNISAL Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISANTOS Universidade Católica de Santos UNISO Universidade de Sorocaba UNOESTE Universidade do Oeste Paulista USF Universidade São Francisco USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 20 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 23 1. FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: dos antecedentes históricos ao consenso para a formação continuada de professores........................... 33 1.1 O contexto político-educacional ......................................................... 33 1.2 A formação ao longo da vida ............................................................... 39 1.3 O problema conceitual ........................................................................ 44 1.4 O consenso: formação reflexiva e coletiva no contexto da escola ...... 51 2. NECESSIDADES FORMATIVAS: os impasses para a formação continuada em serviço...................................................................................... 66 2.1 As diferentes necessidades e suas implicações na carreira ............... 66 2.1.1 As etapas da carreira, os saberes docentes e as culturas profissionais ................................................................................. 73 3. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA: da opção metodológica à busca e seleção dos textos............................................................................................. 84 3.1 A metodologia de pesquisa............................................................... 85 3.2 O corpus em estudo: busca e seleção.............................................. 90 3.3 O objeto de pesquisa: a formação em serviço no espaço escolar ... 103 3.4 As dificuldades da pesquisa ............................................................. 127 4. TRATAMENTO DOS DADOS: da hipótese as categorias de análise .... 129 4.1 A análise do corpus......................................................................... 129 4.2 As características metodológicas do corpus................................... 133 4.3 Fatores negativos: necessidades dos professores ........................ 147 4.4 Fatores positivos: ações coletivas.................................................. 169 5. CONCLUSÕES ............................................................................................ 177 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 185 REFERÊNCIAS................................................................................................. 188 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...................................................................... 199 APÊNDICES..................................................................................................... 224 APÊNDICE A – Resumo das dissertações e teses...................................... 225 APÊNDICE B – Sujeitos, Observações e Ações Formativas...................... 226 20 APRESENTAÇÃO A presente tese seguiu os indicativos da dissertação de mestrado defendida pela autora (PASSALACQUA, 2013), na qual destacou que as estratégias de formação continuada em serviço voltadas à parceria e colaboração estão distantes de atingir bons resultados, carecendo de novos estudos com foco na compreensão dos fatores que influenciam sua efetiva realização. Assim, empreendemos este estudo com o intuito de evidenciar a relação que essa modalidade de formação mantém com as necessidades formativas dos docentes, identificando os aspectos que refletem nas ações formativas realizadas dentro do espaço escolar, de forma positiva e/ou negativa, para que se alcancem os objetivos propostos de melhoria no desenvolvimento profissional e, também, identificando os seus efeitos diante do suprimento/atendimento das necessidades formativas dos professores. Desse modo, por meio da pesquisa bibliográfica (GIL, 2008) e da análise de conteúdo (BARDIN, 2011) de 20 dissertações e 10 teses sobre formação continuada de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação situados no Estado de São Paulo, procurou-se responder por que as ações de formação continuada em serviço ainda não garantem efetividade suficiente na profissionalidade docente quanto ao suprimento das necessidades formativas e, também, procurou-se testar a hipótese da tese ao ressaltar a pouca efetividade das ações formativas e o mau levantamento e atendimento das reais necessidades dos professores. O texto que segue é organizado em cinco partes seguidas de sua introdução, promovendo a compreensão dos conceitos abordados, destacando o consenso teórico que se formou em torno das ações de formação continuada e a implicação das necessidades formativas (RODRIGUES & ESTEVES, 1993; RODRIGUES, 2006), que estão ancoradas em um conglomerado de relações que envolvem o percurso profissional e as diferentes fases da carreira docente (HUBERMAN, 2000), os saberes adquiridos (TARDIF, 2011) e as diferentes culturas profissionais existentes nas instituições de ensino (HARGREAVES, 1998). Deste modo, a seção introdutória permite ao leitor situar-se em relação aos caminhos percorridos pela autora até o surgimento da questão que norteia esta tese, apresentando uma síntese do cenário educacional contemporâneo e da formação de 21 professores, alguns resultados de pesquisa que justificam a relevância do estudo proposto, assim como, a hipótese da tese. Na primeira seção são abordadas as questões que envolvem a formação continuada, mais especificamente, na modalidade em serviço, apresentando desde os seus antecedentes históricos, ilustrando o contexto político-educacional, até à dificuldade em se estabelecer um conceito para a área, bem como, o consenso teórico construído em torno da formação continuada de professores, abordando-a como um processo continuum, fundamentado na formação reflexiva, coletiva e no espaço escolar. Na segunda seção são apontados os impasses para a formação continuada em serviço através das necessidades formativas (RODRIGUES & ESTEVES, 1993; RODRIGUES, 2006), apresentando as diferentes formas de sua manifestação e os modos de diagnóstico, destacando as decorrências presentes no conjunto de relações que envolvem o ciclo de vida profissional dos professores (HUBERMAN, 2000), os saberes docentes (TARDIF, 2011; TARDIF & RAYMOND, 2000) e as diferentes culturas profissionais dos professores (HARGREAVES, 1998; FULLAN & HARGREAVES, 2000). Na terceira seção é abordada a trajetória metodológica, ressaltando a forma como os textos foram selecionados, assim como, a problemática e os objetivos de pesquisa, a metodologia utilizada (estudo bibliográfico), o corpus em estudo, o objeto de pesquisa (a formação em serviço no espaço escolar) e as dificuldades encontradas para a realização desta investigação. Na quarta seção é apresentado o tratamento dos dados através da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), as características metodológicas do corpus e as categorias de análise, apontando os fatores negativos e positivos que implicam na efetivação das ações de formação continuada realizadas in lócus. Assim, no primeiro grupo de fatores, são expressos as dificuldades que os pesquisadores enfrentam para a realização das pesquisas nas instituições escolares, as dificuldades dos professores no cotidiano escolar, a dualidade entre a teoria e a prática, a insuficiência da formação inicial, as necessidades dos professores que são direcionadas e apontadas como sendo as dificuldades dos alunos e as negativas dos professores quanto às mudanças nas práticas; a segunda, indica os seus fatores positivos, que são expressos através das ações colaborativas e parcerias, assim como, as atividades realizadas em HTPC/ATPC. 22 Na quinta seção são ressaltados os principais resultados obtidos na investigação, destacando a dualidade expressa nas oposições de necessidades dos professores, implicando na efetividade das ações formativas e confirmando a hipótese da tese. E para arrematar, apresenta-se as considerações que finalizam esta tese, destacando a importância de refletirmos sobre os dilemas que os pesquisadores enfrentam para constituir suas pesquisas nas escolas. Assim como, indicando a necessidade de novos estudos que busquem uma melhor compreensão entre as necessidades formativas, a formação inicial e os professores do ensino superior. 23 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas ascenderam em importância os estudos e as pesquisas sobre as escolas eficazes e a efetividade do professor (LÉLIS, 2012), assim como a qualidade do trabalho docente dentro das escolas, atendendo às exigências postas pelo atual cenário contemporâneo no que diz respeito ao descompasso entre o como deve ser feito o trabalho e a realidade do trabalho dentro da escola (ESTEVE, 1995). Soma-se às dificuldades do trabalho pedagógico dos docentes, outros fatores que geram mal-estar no exercício da função, como a sobrecarga de trabalho, a decorrente exaustão e as dificuldades de acesso ao aprimoramento profissional (LÉLIS, 2012). Neste aspecto, Hargreaves (1998) aponta que as inovações provenientes principalmente das propostas dos programas de formação continuada tenderam a se multiplicar e acabaram suscitando nos professores os sentimentos de culpa e de frustração, que estão relacionados a intensificação de funções do seu trabalho. Assim, para o autor: Assiste-se a um colapso das certezas morais, com poucos substitutos para o seu lugar e ao passo que as certezas científicas perdem sua credibilidade, os métodos e as estratégias utilizados pelos professores passam a ser criticados. Aquilo que os professores fazem parece não ter, perigosamente, qualquer fundamento. (HARGREAVES, 1998, p. 4). Portanto, o professor se encontra em uma conjuntura na qual é obrigado a se reposicionar constantemente, revendo as questões que envolvem sua própria identidade profissional, evidenciando que o impacto das mudanças percorre o âmbito institucional, mas também o pessoal dos professores, através das transformações provocadas na sua individualidade ao experiênciar as propostas em vigor (HARGREAVES, 1998). Apesar disso existem consensos em várias esferas da educação sobre a responsabilidade dos professores como agentes provedores das mudanças nos ambientes escolares, sendo considerados atores fundamentais para o bom desempenho dos alunos, da escola e do sistema educacional (OLIVEIRA, 2004). Há também o fato de que as demandas para a socialização do aluno na escola ampliaram o escopo da função dos professores como agentes civilizadores, ou seja, mais do que professores de conteúdos das matérias escolares, eles devem ser formadores de atitudes cívicas, de valores democráticos compartilhados, fomentadores dos 24 cuidados com a saúde, com o meio ambiente e mediadores dos conflitos entre uma sociedade consumista, imediatista e de uma escolaridade que se destina ao preparo de cidadãos letrados e reflexivos, portanto, críticos (PASSALACQUA & INFORSATO, 2014; BRASIL, 1997-2013; SAMPAIO & MARIN, 2004). Segundo Oliveira (2004): [...] muitas vezes esses profissionais são obrigados a desempenhar funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras. Tais exigências contribuem para um sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais importante [...]. Nesse contexto é que se identifica um processo de desqualificação e desvalorização sofrido pelos professores (OLIVEIRA, 2004, p.1132). Tais funções, aliás, raramente exercidas pelos professores, são entendidas por eles, e por muitos estudos da pesquisa educacional, como fatores de desordem na profissão (TEDESCO, 2004), acarretando assim, ainda segundo essa visão, a falta de motivação dos professores, a péssima remuneração, posto que os cuidados que eles devem dispensar aos seus alunos exigem pouco profissionalismo. Consequentemente também são precários os planos de carreira, uma vez que a profissão não é focalizada apenas na função de ensinar um conteúdo escolar específico, nesse sentido torna-se difícil a delimitação da própria carreira. Ainda por essa dispersão e acúmulo de afazeres, sempre de acordo com a perspectiva de análise mencionada, há o aumento de doenças e licenças-saúde e o aumento da evasão da profissão (PASSALACQUA & INFORSATO, 2014). Acrescenta-se a esses fatores de dispersão e de decadência da profissão docente, a falta de recursos materiais, a falta de apoio técnico-pedagógico, o número elevado de alunos por turma, a indisciplina e dispersão dos alunos dentro das salas de aula, a falta de envolvimento das famílias com o processo de escolarização dos seus filhos, além da falta de segurança e de um crescente aumento da violência em muitas unidades escolares (LÉLIS, 2012; LÉLIS & XAVIER, 2010; GATTI & BARRETO, 2009). Esses fatores de desordem constituem um complexo arranjo que interferem e se somam às inúmeras necessidades presentes na vida desses professores, refletindo diretamente no como eles atuarão em sala de aula. Tais necessidades derivam do confronto entre as experiências, os anseios e as pretensões de um lado e, do outro, as frustrações, os dilemas, as dificuldades e os problemas sentidos por eles no cotidiano da profissão (RODRIGUES & ESTEVES, 1993). Considerando os fatores apontados, denotadores de um trabalho docente precarizado, há, por causa deles, limitado acesso dos docentes à formação 25 continuada (LÉLIS, 2012). Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n°. 9394/96 (BRASIL, 2016) reconheça o direito a programas de Formação Continuada para os profissionais da educação dos diferentes níveis de ensino, de fato verifica-se que ter o direito reconhecido nem sempre tem correspondido à sua verificação prática, uma vez que nem sempre a formação continuada tem sido oferecida nos sistemas educacionais (LÉLIS, 2012) e, quando oferecida, muitos professores não reúnem condições de frequentá-la nos moldes em que ela é oferecida (GATTI, et al., 2011, p.203), não obstante os direitos assegurados (PASSALACQUA & INFORSATO, 2014). Com base nessas considerações que apresentam um paradoxo entre uma política afirmativa de formação continuada e uma categoria que, por muitos estudos e manifestações recorrentes dos próprios professores, sofre evidentemente de uma falta absoluta de identidade profissional e de motivação por construí-la ou fortalecê- la, dou continuidade ao desenvolvimento dos meus estudos sobre formação continuada de professores, iniciados durante a formação inicial1 e que estão vinculados aos temas do grupo de estudos e pesquisas2 no qual venho desenvolvendo investigações sobre a formação de professores, mais especificamente, formação continuada de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental, na perspectiva das necessidades formativas e sob o enfoque da pesquisa-ação e etnografia. Na dissertação de Mestrado3 (PASSALACQUA, 2013), com o intuito de estabelecer relações mais estreitas entre as necessidades pessoais e coletivas dos professores e a relevância dessas necessidades na formação continuada em serviço, foi possível identificar aspectos favoráveis e limitadores para o estabelecimento de ações de parceria e estratégias formativas dentro do próprio local de trabalho dos professores. Seus objetivos visavam ao estabelecimento de critérios para o desenvolvimento de estratégias de formação continuada em serviço de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com base nas necessidades formativas 1 Durante a Licenciatura em Pedagogia, a autora nos anos de 2007 e 2008 foi bolsista do Núcleo de Ensino da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD); e em 2009, foi bolsista PIBIC/CNPq através da Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPE). 2 O GEPFEC (Grupo de Estudos e Propostas sobre a Formação do Educador Contemporâneo), situa- se na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara/SP (UNESP/FCLAr), devidamente reconhecido e cadastrado nos Grupos de Pesquisa do CNPq. 3 Durante o curso de Mestrado, a autora foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 26 observadas. A metodologia utilizada alicerçou-se na pesquisa qualitativa com características da etnografia e o referencial teórico foi composto por trabalhos recentes (2009-2015) que abordavam os conceitos de formação continuada, formação continuada em serviço e necessidades formativas dos professores. O conjunto de dados foi obtido por meio de observações diretas e entrevistas realizadas com dez professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental de duas escolas situadas no interior do Estado de São Paulo, sendo cinco professores em cada unidade escolar. Por fim, após o cotejamento dos dados empíricos e uso da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), foram levantados ao final da pesquisa os aspectos favoráveis e limitadores para o estabelecimento de ações de formação continuada em serviço no que tange às propostas de colaboração e parceria. Entre os aspectos favoráveis, estavam a estabilidade do corpo docente das escolas, uma vez que poucos professores mudavam de escola com a mudança de ano letivo, sendo este fator propício para as ações formativas e sua continuidade; o grau elevado de escolaridade dos professores, apresentando um grande número de pós-graduações, além de possuírem a escolaridade desejada através do Magistério e/ou Pedagogia, facilitando a articulação e elaboração de estratégias formativas; escolas com profissionais responsáveis pela coordenação que podiam se transformar em atores fundamentais nos processos de formação e o HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo) instalado na escola com bom potencial formativo. Entre os aspectos limitadores, destacaram-se as resistências dos professores quanto aos processos de mudanças e às interferências de pesquisadores e autoridades administrativas e/ou avaliativas; a pouca disposição para a acolhida de parcerias com outros formadores, incumbindo-os de atividades ao dar-lhes apenas assistência para a resolução dos problemas encontrados em sala de aula; a padronização excessiva e recorrente das práticas e métodos de ensino que configuram um ambiente escolar com tarefas fragmentadas e pouco estimuladoras para a aprendizagem dos alunos; a negativa dos professores quanto à existência de necessidades de formação em decorrência da experiência adquirida ao longo dos anos na carreira e a interiorização cultural de que os docentes dominam os conteúdos a serem ensinados aos alunos; a dualidade entre teoria e prática e a falta de valorização da formação pessoal dos professores. Quanto às especificidades que envolvem as necessidades formativas dos professores, a pesquisa mostrou que as manifestações dos professores se dividem 27 entre aqueles que aceitam e os que não aceitam as intervenções formativas relacionadas às suas necessidades pessoais, expressas em suas resistências. Nesse sentido, a pesquisa revelou que tanto os professores que possuíam maior experiência no exercício da carreira pedagógica quanto os professores jovens apresentaram pouca disposição para o envolvimento com novos desafios e processos de mudanças, ambos apresentaram dificuldades para lidar com as situações que fogem ao seu padrão de trabalho, inibindo o estabelecimento de estratégias de formação continuada realizadas no exercício da função docente. Considerando o tempo de exercício profissional dos professores em suas diferentes fases (HUBERMAN, 2000) era de se esperar dos docentes mais experientes na carreira e próximos à aposentadoria, certo distanciamento afetivo, diminuição das expectativas, falta de investimento na profissão, aumento da confiança, conservadorismo e rigidez quanto ao exercício da função, portanto, sendo comuns atitudes que denotassem resistências ao aceitar novos desafios e projetos. Já para os professores jovens era esperado que apresentassem um perfil contrário; por terem menos experiência na carreira poderiam ser propensos a aceitar com maior facilidade as inovações. No entanto, as características observadas nesses eram muito semelhantes às aquelas do corpo docente mais velho. Mesmo destacando que essas fases, dentro do ciclo de vida profissional dos professores, não são lineares (HUBERMAN, 2000), nelas também se manifestam necessidades formativas (GALINDO, 2011), que podem estar associadas às expectativas sociais, à gama de atividades, à hierarquização de papéis dentro de um grupo de professores, ao planejamento e organização escolar, aos valores pessoais, entre outros aspectos, que estão interligados à vida de cada um dos professores e que refletem na atuação profissional deles. Entre outros pontos ressaltados, concluiu-se que os fatores citados devem ser considerados pelas políticas de formação continuada de professores para avançar em seus propósitos quanto à melhoria da qualidade do ensino público, pois esses fatores dão indicativos de que o campo da formação de professores, no que tange às ações e estratégias formativas voltadas à parceria e colaboração, ainda estão distantes de atingirem resultados promissores, necessitando de novas pesquisas que tenham como tema central a formação continuada de professores em serviço e considerem as possibilidades e limites quanto à sua efetiva realização. Seguindo os indicativos da dissertação, novos questionamentos foram surgindo à medida que refiz as leituras dos levantamentos bibliográficos realizados 28 no Brasil sobre formação de professores, nos quais ressaltam uma crescente preocupação a partir da década de 1990 com o preparo dos professores para o exercício da função nos anos iniciais do Ensino Fundamental, enfatizando a necessidade de articulação entre a teoria e a prática, tornando o fazer pedagógico o núcleo principal desse processo (ANDRÉ, et al., 1999; ANDRÉ, 2002). Além disso, André, et al., (1999) ressalta o isolamento das práticas cotidianas dos professores, das disciplinas específicas e pedagógicas dos cursos de formação, tanto da formação inicial, quanto da formação continuada, e salienta que existe uma demasia de discurso sobre a temática da formação docente e uma carência de elementos empíricos para elucidar as práticas e as políticas educacionais. Especificamente sobre a formação continuada de professores, as autoras analisaram as propostas de Governo ou de Secretarias de Educação, de programas ou cursos de formação, de processos de formação em serviço e questões da prática pedagógica, e notaram que os aspectos focalizados nos trabalhos são diversificados e abarcam os diferentes níveis do ensino (Infantil, fundamental e adultos), diferentes contextos (rural, diurno, noturno, especial e a distância), utilizam meios e materiais diversos (televisão, rádio, módulos, informática e textos pedagógicos), expondo as ações significativas dessa modalidade de formação (ANDRÉ, et al., 1999, p.302). Por sua vez, as autoras salientam que nos estudos a formação continuada é concebida na modalidade em serviço. Por outro lado, Granúzzio e Ceribelli (2010) observa que as pesquisas analisadas demonstram uma nova concepção de formação continuada que excede a ideia de que a formação em serviço seja concretizada através de treinamentos, reciclagens e cursos de curta duração (BRZEZINSKI & GARRIDO, 2001), pois essas ações formativas não demonstraram a capacidade de modificar o cotidiano escolar, como por exemplo: [...] nos diversos campos geográficos brasileiros, nos confins sertanejos, em comunidades quilombolas e indígenas, e de outras realidades brasileiras. Eram práticas idealistas e completamente fora do contexto real e necessário aos professores e às suas comunidades (GRANÚZZIO & CERIBELLI, 2010, p.113). No entanto, a formação continuada de professores no primeiro decênio do século XXI, esboçou a inquietação dos pesquisadores em produzir conhecimentos para a implementação do projeto federal de educação, abarcando temas diversos, voltados para a formação em serviço, formação a distância, construção dos saberes 29 docentes, assim como outros (FORNAZARI, 2009). Segundo Romanowski (2013), no levantamento das pesquisas sobre formação de professores nos Programas de Pós- Graduação em Educação, foram evidenciadas temáticas como a profissão docente, a profissionalização, o desenvolvimento profissional, a identidade, a prática pedagógica e os saberes docentes, destacando que esta tendência marca a preocupação em defender e colocar os professores no centro do processo de construção da sua própria formação e desenvolvimento profissional. Dentro desse panorama de pesquisas, assim como os indicativos da dissertação, os demais estudos confluem no problema de pesquisa que norteou esta tese e que diz respeito à efetividade das ações de formação continuada em serviço na profissionalidade docente, assim como, as dificuldades para se estruturar essas ações, considerando o levantamento de necessidades formativas. O estudo de Lourenço (2014)4, por exemplo, buscou analisar a viabilidade da formação continuada em serviço de professores no HTPC, ressaltando em seus resultados o isolamento dos professores e a ausência do trabalho coletivo nas escolas. Fato também verificado por André (2013) e Gatti et al. (2011) ao estudarem as políticas e ações de formação continuada no território brasileiro, apontando que as ações formativas evidenciam o seu caráter individualizado e também a carência de instrumental avaliativo para conferir seu efeito no desenvolvimento profissional docente e em sua atuação em sala de aula. Além disso, as autoras apontam um forte predomínio, e prioridade quase que absoluta, para ações de formação nas áreas de Língua Portuguesa e de Matemática, o que para André “[...] causa enorme preocupação porque pode levar a um reducionismo da função da escola, uma vez que ela deve tratar dos vários campos do conhecimento humano, igualmente importantes para a formação humana e da própria cidadania” (p.48, 2013). Nesse sentido, o estudo de Rigolon (2007) mostra este aspecto, ao enfatizar as dificuldades dos professores em adequar os princípios que eles deveriam seguir sobre alfabetização nas atividades realizadas, pois evidencia-se na prática de sala de aula os efeitos dos programas de formação continuada que os professores foram submetidos. Por sua vez, Nascimento (2012) conclui em seu estudo que: A formação vivenciada pela pesquisadora/formadora, nos encontros de formação dos Professores Coordenadores 4 O estudo citado será devidamente estudado ao longo desta tese. 30 revelou-se distante das necessidades dos professores [...]. A formação proposta pela SEESP, no âmbito do Programa Ler e Escrever, ao pautar-se em um modelo de formação escolar, por meio da estratégia de repasse via efeito multiplicador, não leva em consideração os problemas da prática e as necessidades dos professores para quem se destinará a formação, não se constituindo em uma formação efetiva e significativa capaz de trazer contribuições e promover mudanças à prática docente (p.161). Outro ponto de relevo na pesquisa de André (2013) e Gatti, et al. (2011) refere- se à resistência dos professores ao falarem de suas práticas ou possíveis mudanças realizadas após as ações formativas, o que deixou a conclusão do estudo nebulosa, pois pode indicar, assim como apontado no estudo de Passalacqua (2013) e de Scanfella (2013), uma certa negativa dos professores ao aceitar as ações formativas, necessitando de novas pesquisas que venham a contribuir com a finalidade de se entender o engajamento dos docentes às políticas e ações de formação continuada, principalmente pelo fato de que a formação continuada tem aumentado a sua presença nos sistemas de oferta de ensino básico, seja através de cursos presenciais ou a distância (GATTI, 2008). Assim como já apontado acima, em muitos desses estudos5 são destacados a insuficiência dos resultados da formação continuada e os efeitos na prática e no trabalho educativo dos professores, o que não acarreta melhorias nas aprendizagens dos alunos e nem o suprimento das necessidades formativas dos professores. No entanto, como pesquisadora da área, crescia a minha preocupação quanto à efetividade das ações de formação continuada em serviço realizadas no próprio local de trabalho dos professores e, portanto, observava a necessidade de identificar os nós existentes nessa modalidade formativa, através dos estudos já publicados na área, identificando os efeitos dessa formação nas atitudes e nas práticas dos professores em exercício, bem como, o atendimento e o suprimento das suas necessidades de formação. Assim, a opção por um estudo bibliográfico mostrava-se ser mais adequada à medida que os meus questionamentos evidenciavam que se voltasse ao campo investigado (a escola como lócus de formação), para estudar a 5 Amparado pelas pesquisas contidas nos diferentes Anais de Congressos de relevo na área da Educação, principalmente, para o campo da Formação de Professores no Brasil, como por exemplo: ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), ENDIPE (Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino), Congresso Nacional de Formação de Professores e Congresso Estadual Paulista, assim como outros e nas Dissertações e Teses devidamente estudadas nesta tese. 31 formação em serviço e as necessidades dos professores, fruto dos meus estudos desde a formação inicial, seria alta a probabilidade de que pouco ou nenhum acréscimo traria à área estudada. Dessa forma, busquei desenvolver um estudo bibliográfico (GIL, 2008) sobre formação continuada de professores em serviço, que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que as ações formativas são realizadas no próprio local de exercício profissional, ou seja, a escola. O recorte metodológico centrou-se nas Dissertações e Teses defendidas entre 2000 e 2015, nos Programas de Pós- Graduação em Educação situados no Estado de São Paulo e publicadas nas Bibliotecas Digitais e Bancos de Publicações de Teses e Dissertações das respectivas IES e seus Programas de Pós-Graduação. Foram selecionadas 30 pesquisas para compor o corpus em estudo e devidamente analisadas seguindo os critérios da análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Assim, com o intuito de analisar a formação continuada em serviço, no que tange as ações realizadas no próprio local de exercício de trabalho dos professores, mostrando a relação que essa abordagem mantém com as necessidades formativas dos docentes e identificando os aspectos que contribuem, de forma positiva e/ou negativa, para que se alcance os objetivos propostos de melhoria no desenvolvimento profissional e o seu efeito diante do suprimento/atendimento das necessidades formativas dos professores, busquei através do levantamento realizado, responder ao seguinte questionamento:  Por que as ações de formação continuada em serviço, ainda não garantem efetividade suficientes na profissionalidade docente quanto ao suprimento das necessidades formativas? A hipótese que fundamentou a tese foi a de que as ações de formação continuada em serviço têm pouca efetividade, isto é, não melhoram o desempenho dos professores, nem tampouco contribuem para o seu desenvolvimento profissional, porque elas não são baseadas em levantamentos criteriosos de necessidades formativas. Os estudos sobre necessidades formativas são conclusivos no sentido de que elas se manifestam no embrenhado entre as etapas da carreira docente (GALINDO, 2011), nos saberes adquiridos nesse percurso (GALINDO, 2011; SCANFELLA, 2013) e nas diferentes culturas profissionais presentes nas escolas (SCANDELLA, 2013), nas quais a associação desses fatores influencia a realização das ações de formação continuada e, consequentemente, os seus resultados. 32 Sendo assim, na próxima seção é apresentado o movimento da formação continuada em suas diferentes abordagens, enfatizando a formação como um processo contínuo, percorrendo a história de vida, a socialização dos professores e o desenvolvimento ao longo da carreira (GARCIA, 1999; TARDIF & RAYMOND, 2000; TARDIF, 2011) e evidenciando o consenso existente em relação ao caráter tecnicista das ações formativas realizadas (IMBERNÓN, 2009-2010; MARIN, 1995; CANDAU, 1996-1997; SANTOS, 2005-2010) e o seu redirecionamento voltado para o professor em exercício no interior das instituições escolares (SANTOS, 2005-2010; CANÁRIO, 1999; IMBERNÓN, 2009-2010), o trabalho colaborativo (HARGREAVES, 1998; FULLAN & HARGREAVES, 2000; FIORENTINI, 2012-2013), reflexivo (SHÖN, 1992; ZEICHNER, 1992) e as necessidades formativas dos professores (RODRIGUES; ESTEVES, 1993; RODRIGUES, 2006), assim como, alguns resultados de pesquisas realizadas (GATTI, et al. 2011; DAVIS, et al., 2011). 33 1. FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: dos antecedentes históricos ao consenso para a formação continuada de professores A seção apresenta as questões que envolvem a formação continuada de professores, destacando o contexto político educacional presente desde as últimas décadas do século XX – através das exigências decorrentes das rápidas mudanças na sociedade devidas, sobretudo, ao progresso cientifico tecnológico – apontando as dificuldades de se instituir um conceito para essa modalidade formativa, predominantemente definida pela concepção da racionalidade técnica e instituída pela formação clássica obtida através de cursos de capacitação e treinamento. Assim, busca-se um consenso teórico que aborda a formação como um processo continuum ao longo da vida, constituído na formação reflexiva e coletiva e em parcerias colaborativas que são realizadas dentro do espaço escolar, com o intuito de atender às necessidades formativas dos professores em serviço. 1.1 O contexto político-educacional Nos últimos anos, a formação de professores tem assumido um lugar de destaque nas pesquisas e nas preocupações das políticas públicas de educação, pois ela se encontra em um contexto de dupla preocupação, de um lado está a qualidade da escolarização dos alunos e do outro o desenvolvimento profissional dos docentes (DAVIS, et al., 2011-2012). Nas ocasiões em que se discutem os resultados6, bons ou ruins, do desempenho escolar das crianças e dos jovens, a formação de professores é apontada como um dos principais fatores de seu sucesso ou insucesso. Nessas discussões ela não é abordada isoladamente, mas relacionada a aspectos que a complementam para o registro dos níveis de sucesso da empreitada educacional, principalmente aqueles ligados às condições de trabalho destes profissionais, ao processo de seu recrutamento para os serviços educacionais e ao 6 Provas de avaliação do Governo Federal ou Estadual que medem o nível de desempenho dos alunos, como por exemplo, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), o SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). 34 desenvolvimento profissional que possibilita a manutenção da vitalidade da profissão nestes tempos de mudanças permanentes. Sabe-se que as críticas atribuídas à formação de professores não são recentes, foram ganhando força a partir da década de 1980, período no qual o baixo rendimento escolar passou a ser visto como o reflexo da má formação dos professores, devido à falta de habilidade ao trato com a diversidade dos alunos, principalmente aqueles advindos das camadas populares (VASQUES, 2012), crescendo o argumento da incompetência docente (SOUZA, 2006). Segundo Maués (2003) as mudanças que ocorreram na estrutura da sociedade, no processo trabalhista, com a introdução das novas tecnologias, exigiram a formação de profissionais mais flexíveis, eficientes e polivalentes, por sua vez, a escola que preparava para atender ao paradigma industrial, não se preparou para atender às demandas exigidas pela nova etapa do capital. Essa escola passou a ser criticada e responsabilizada pelo insucesso escolar, pelo despreparo dos alunos ao término dos estudos, pela desvinculação dos conteúdos ensinados em relação às novas demandas oriundas do mundo do trabalho assentado no paradigma informacional (MAUÉS, 2003, p. 91). Assim como as escolas, os professores também passaram a sofrer intensas críticas e, de certo modo, responsabilizados por esse “fracasso” escolar” (MAUÉS, 2003, p.91) e a formação docente passou a ser vista como “muito teórica” e desvinculada de uma prática efetiva e distante do cotidiano das escolas e da sociedade (idem, 2006). Tais aspectos colocaram a educação diante de uma agenda desafiadora, ressaltada pela necessidade de atender ao novo perfil de qualificação de mão-de-obra, priorizando fatores como a inteligência e o conhecimento, assim como, a necessidade de qualificação da população para o exercício da cidadania, considerando os novos parâmetros de difusão de conhecimentos pela informática e meios de comunicação de massa e, também, contribuindo para recuperar e/ou construir a dimensão social e ética do desenvolvimento econômico (MELLO. 1994). Nesse sentido, são ressaltados os questionamentos quanto a qual tipo de conhecimento, destrezas, atitudes e valores serão transmitidos para formar as futuras gerações, levando-se em consideração as suas necessidades individuais e as demandas no processo produtivo para o exercício de uma cidadania plena. Na Conferência Mundial sobre Educação para Todos (PNUD / UNESCO / BANCO MUNDIAL, 1990), o conceito de satisfação das necessidades básicas de 35 aprendizagem destaca o estabelecimento de parâmetros de qualidade do ensino, enfatizando conteúdos que direcionam os indivíduos a terem uma vida melhor, que trabalhem de forma eficaz e possam aprender permanentemente (TEDESCO, 2004; MELLO, 1994; GOLDEMBERG, 1993). Desse modo, alguns princípios foram semeados na tentativa de oferecer meios da educação atender à dura tarefa de transmitir de forma eficaz, os saberes e competências presentes no mundo contemporâneo, rodeado de informações e comunicação, e que são indispensáveis para o constante desenvolvimento individual e coletivo da sociedade (DELORS, 2010). Nesse sentido a educação ao longo da vida aparece como um passaporte de acesso ao século XXI, superando a distinção entre a educação inicial e a permanente, dando resposta ao desafio posto por um mundo em constante transformação, impondo que os indivíduos aprendam a aprender. Contudo, tal constatação “[...] não constitui uma novidade já que relatórios precedentes sobre a educação sublinhavam a necessidade de um retorno à escola para enfrentar as novas situações que ocorrem tanto na vida privada quanto na vida profissional” (DELORS, 2010, p.13). Indicando que a educação deveria ser organizada em torno de aprendizagens que tenham como pilares do conhecimento ao longo da vida: o “aprender a conhecer”, que está associado à metacognição, a conhecer o conhecimento; o “aprender a fazer”, que está ligado a situação prática do conhecimento; o “aprender a conviver”, tratando-se da importância da convivência em sociedade, em busca de despertar a consciência pelo outro, os valores e a ética; e, por fim, o “aprender a ser”, no sentido de que o homem compreenda o mundo em que vive e saiba se relacionar com ele, realizando- se de acordo com seus projetos pessoais (DELORS, 2010). Dentro dessa ampla agenda educativa, permeada de mudanças, o conceito de necessidades básicas resgata para a escola o papel do ensino e põe em destaque duas estratégias, em que a primeira visa dar atenção prioritária à aprendizagem e a outra melhorar o ambiente em que ela se processa (MELLO, 1994), o que evidentemente implica nas questões pedagógicas e coloca como centro das preocupações a qualidade do professor em sala de aula. Assim, assistimos nas ultimas décadas, inúmeras reformas e políticas educacionais, entre elas, destacam- se as reformulações dos cursos de licenciatura e os exames de avaliação de cursos e desempenho dos alunos, que buscam adequar-se às exigências da atualidade, assim como, aos padrões de qualidade e os programas de formação continuada; pois 36 tem-se o pressuposto de que é necessário enviar para a sala de aula professores que dominem os conteúdos que deverão ensinar e que saibam a metodologia e didática adequadas para ensiná-los (MELLO, 1994). Seguindo a tendencia internacional de reformar a formação docente, no Brasil optou-se pela “universitarização dos professores” (MAUÉS, 2003) através da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – n°. 9394/96 (BRASIL, 2016), em que são estabelecidos nos Art. 62 e 63 as modalidades e os níveis de formação para os professores da Educação Básica. Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal. § 1º A União, o Distrito Federal, os estados e os municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério. § 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. § 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância. [...] Art. 62-A. A formação dos profissionais [...] far-se-á por meio de cursos de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior, incluindo habilitações tecnológicas. [...] Garantir-se-á formação continuada para os profissionais a que se refere o caput, no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos e de pós- graduação. Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: I – cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental; II – programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica; III – programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis. (BRASIL, 2016, p.20) A legislação determina a formação em nível superior, porém admite a formação em nível médio como formação mínima para o exercício da profissão docente, com o intuito de garantir o direito adquirido pelos professores anteriormente. Com o intento de assegurar a qualificação mínima exigida pela legislação, outros documentos 37 também influenciaram a formação dos professores no Brasil, como o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001-2014) que estabeleceu como meta a ampliação dos programas de formação continuada em serviço e a valorização dos profissionais da educação: Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. Meta 17: valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE. Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os(as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos(as) profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, 2014, p. 12). Recentemente, a Resolução n°. 2, de 1º de julho de 2015 (BRASIL, 2015), define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em nível superior e para a Formação Continuada, considerando que a consolidação das normas nacionais para a formação de professores para a educação básica é indispensável para o projeto nacional da educação brasileira e a compreensão sobre conhecimento e ensino são fundamentais para garantir o projeto da educação nacional, assim como a necessidade de articular as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada, em Nível Superior, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. A Resolução ainda considera os princípios, que orientam a base comum nacional para a formação inicial e continuada, como: uma sólida formação teórica e interdisciplinar; uma unidade entre a teoria e a prática; o trabalho coletivo e 38 interdisciplinar; o compromisso social e a valorização do profissional da educação; a gestão democrática; e a avaliação e a regulação dos cursos de formação. Não obstante, a Resolução pondera: [...] a realidade concreta dos sujeitos que dão vida ao currículo e às instituições de educação básica, sua organização e gestão, os projetos de formação, devem ser contextualizados no espaço e no tempo e atentos às características das crianças, adolescentes, jovens e adultos que justificam e instituem a vida da/e na escola, bem como possibilitar a reflexão sobre as relações entre a vida, o conhecimento, a cultura, o profissional do magistério, o estudante e a instituição; [...] a importância do profissional do magistério e de sua valorização profissional, assegurada pela garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho; [...] o trabalho coletivo como dinâmica político-pedagógica que requer planejamento sistemático e integrado, [...] (BRASIL, 2015, p. 2). Esse processo de ampliação da formação docente e valorização dos profissionais da educação busca alcançar a melhoria da qualidade do ensino através da qualificação dos professores (MAUÉS, 2003; BELLO, 2008, VASQUES, 2012). De certo modo, essas políticas ressaltam a importância da formação pedagógica em nível superior, pois consideram fundamental o aprimoramento dos conhecimentos teóricos e científicos, que acabam refletindo no exercício da profissão e, consequentemente, na melhoria da qualidade do ensino (MAUÉS, 2003). Sob tal perspectiva, almeja-se que a formação docente seja fundamentada em conhecimentos especializados, significativos e necessários para o exercício da função pedagógica e certificados por diplomas (MAUÉS, 2003). Assim, a partir da década de 1990, proliferaram ações formativas e educativas “[...] direcionadas não só para produzir conhecimentos acerca dos professores e dos seus saberes e fazeres, como também para formá-los a partir de uma nova concepção” (CASTRO & AMORIM, 2015, p.47). Desse modo, as perspectivas do professor reflexivo e professor pesquisador, as estratégias voltadas para a apreciação dos relatos de experiência, histórias de vida ou narrativas autobiográficas, compuseram as iniciativas vindas das universidades e o crescente discurso das políticas educacionais brasileiras (CASTRO & AMORIM, 2015) sinalizando para a valorização dos docentes como pessoas e profissionais e destacando os saberes (TARDIF, 2011) adquiridos ao longo da carreira. 39 1.2 A formação ao longo da vida A exigência dos tempos modernos, apoiada pelas reformas educacionais apontadas, demanda por profissionais suficientemente preparados para permitir o acesso e a desenvoltura dos alunos nos domínios da cultura letrada e da cognição satisfatórias para o desempenho de uma cidadania ativa. É consensual a necessidade de manutenção e atualização desses profissionais em um nível adequado de preparo para as tarefas pedagógicas que são cada vez mais complexas, necessitando da formação permanente, ou seja, somente haverá o desenvolvimento profissional dos professores se houver a articulação entre a formação inicial e a formação continuada, levando em consideração os diversos saberes (TARDIF, 2011) dos professores. Nessa abordagem a formação é vista como um continuum, como uma evolução permanente, perpassando pela trajetória pré-profissional ao desenvolvimento da carreira (TARDIF & RAYMOND, 2000), superando a visão dissociada entre formação inicial e a formação continuada. Segundo Tardif e Raymond (2000) os saberes dos professores são construídos ao longo de sua história de vida, pois interiorizam um certo número de conhecimentos e técnicas, crenças e valores, os quais estruturam e compõem a sua personalidade e as relações que os envolvem, sendo frequentemente reatualizados e reutilizados no exercício da profissão. Sendo assim: [...] os saberes experienciais do professor de profissão, longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande parte, de preconcepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história escolar (TARDIF & RAYMOND, 2000, p.223). Para os autores, os professores atribuem o seu “saber-ensinar” à sua própria “personalidade”, não sendo algo “natural” do professor, mas modelado ao longo de sua socialização e trajetória pessoal, ressaltando que “[...] essa naturalização e essa personalização do saber profissional são tão fortes que resultam em práticas frequentemente reprodutoras dos papéis e das rotinas institucionalizadas da escola” (idem, p.223). Assim, os saberes adquiridos anteriormente à formação profissional, não podem assumir sozinhos ou abranger todo o saber profissional, pois a 40 experiência formativa e no exercício de trabalho, também são fontes de conhecimento e de aprendizagem da docência. Contudo, a institucionalização da carreira deriva da realidade social e coletiva em que os professores estão inseridos, sofrendo os reflexos das especificidades das trajetórias seguidas pelos pares de profissão, assim como, a compreensão dos papéis profissionais desempenhados pela tradição cultural, normativa e valores adquiridos no âmbito da socialização profissional e contato com a comunidade escolar (TARDIF & RAYMOND, 2000; TARDIF, 2011). Na dimensão subjetiva da carreira, os professores dão “[...] sentido a sua vida profissional e se entregam a ela como atores” (TARDIF & RAYMOND, 2000, p.225), neste aspecto, suas ações e projetos colaboram para determinar e edificar suas carreiras. Assim: [...] a modelação de uma carreira situa-se no ponto de encontro entre a ação dos indivíduos e as normas e papéis que decorrem da institucionalização das ocupações, papéis esses que devem ser “interiorizados” e dominados pelos indivíduos para que possam fazer parte dessas ocupações. Em troca, a ação dos indivíduos contribui para remodelar as normas e papéis institucionalizados, por exemplo, alterando-os para levar em conta a situação dos novos “insumos” ou das transformações das condições de trabalho. A carreira é, portanto, fruto das transações contínuas entre as interações dos indivíduos e as ocupações; essas transações são recorrentes, ou seja, elas modificam a trajetória dos indivíduos bem como as ocupações que eles assumem (TARDIF & RAYMOND, 2000, p.225). Logo, abordar a carreira dessa forma, situando-a entre “os atores e as ocupações”, e ao mesmo tempo, ponderando-as como sendo fruto da interação pessoal e coletiva, permite compreender melhor o lugar que o saber profissional se encontra nas relações entre o trabalhador e seu ofício (TARDIF & RAYMOND, 2000; TARDIF, 2011). Nesta perspectiva de continuidade, com o intuito de destacar a dimensão da formação, Garcia (1999) amparado nos estudos de Feiman7 ressalta quatro fases para o processo formativo: 7 Bibliografia utilizada por Carlos Marcelo Garcia (1999) para enfatizar as fases do desenvolvimento do aprender a ensinar na formação de professores: FEIMAM-NEMSEN, S. Teacher Preparation. Structural and Conceptual Alternatives. In: R. HOUSTON (ed.) Handbook of Researcher on Teacher Education. New York: Macmillan, 1990, p. 212-233. FEIMAM-NEMSEN. S, and FLODEN, R. The cultures of teaching. In M. Wittrock (Ed.), Handbook of research on teaching 3rd ed., New York: Macmillan, 1986, p.505-526. FEIMAM-NEMSEN. S, and BUCHMAN, M. Lagunas de las Prácticas de Enseñanza de los Programas de formación del Profesorado. In: L. M. VILAR ÂNGULO (ed.) Conocimiento, Creencias y Teorias de los Profesores. Alicante: Marfil, 1988, p. 301-314. 41 a) Fase de pré-treino Inclui as experiências prévias de ensino que os candidatos a professor viveram, geralmente como alunos, as quais podem ser assumidas de forma crítica e influenciar de um modo inconsciente o professor. b) Fase de formação inicial É a etapa de preparação formal numa instituição específica de formação de professores, na qual o futuro professor adquire conhecimentos pedagógicos e de disciplinas acadêmicas, assim como realiza as práticas de ensino [...]. c) Fase de iniciação Esta é a etapa que corresponde aos primeiros anos do exercício profissional do professor, durante os quais os docentes aprendem na prática, em geral através de estratégias de sobrevivência [...] d) Fase de formação permanente Esta é a última fase [...], e inclui todas as atividades planificadas pelas instituições ou até pelos próprios professores de modo a permitir o desenvolvimento profissional e aperfeiçoamento de seu ensino [...] (GARCIA,1999, p.25-26). O autor ainda salienta que cada uma dessas fases possui uma implicação diferenciada em relação aos objetivos, conteúdos, metodologias, etc., a serem aplicados na formação de professores, sendo a fase de pré-treino aquela que tem ou pode ter influência no desenvolvimento de crenças e teorias implícitas nos futuros professores, no entanto, a formação de professores no que tange à perspectiva institucional não consegue incidir sobre ela, apenas obter a nível de diagnóstico as possíveis influências que foram incorporadas e que podem ser acionadas pelos futuros docentes (GARCIA, 1999). Para Huberman (2000) existem variadas formas de se estabelecer fases e etapas para a carreira de indivíduos diferentes dentro de uma mesma profissão, porém, não significa que tais fases podem ser sentidas e vivenciadas da mesma forma por cada sujeito, pois elas demonstram não ser lineares. Assim, pode-se considerar, por exemplo, a fase de ingresso na carreira, nas quais existe a exploração dos contornos da profissão e o conhecimento dos diferentes papeis vivenciados profissionalmente, observa-se que, se de maneira geral os elementos vivenciados e sentidos pelo indivíduo nesta fase forem positivos, passa- se para a fase de estabilização, na qual os profissionais centram suas atenções no domínio das diferentes demandas e especificidades do trabalho (HUBERMAN, 2000). Da mesma forma, salienta o autor, que “[...] há pessoas que estabilizam cedo, outras que o fazem mais tarde, outras que não o fazem nunca e outras ainda que estabilizam de seguida” (p.37-38), demonstrando que o desenvolvimento da carreira é um processo e não uma série de eventos. 42 Entretanto, tais categorizações (GARCIA, 1999; HUBERMAN, 2000) além de confirmarem a ideia de continuidade, estabelecem fases para que se possa compreender a formação como um processo peculiar e ininterrupto (SANTOS, 2005). Assim: É possível perceber que existe forte relação entre as experiências dos professores enquanto alunos, sua formação inicial e as diversas modalidades de formação contínua a que venham a entrar em contato nas suas trajetórias profissionais; que dada à natureza do trabalho docente, dar-se-á ad eternum, caracterizando assim, um processo de formação ininterrupto, ainda mais se considerarmos que o próprio exercício da docência implica aprendizagem para os professores, pois, como negar que também se aprende a ser professor o sendo? (SANTOS, 2005, p.43). De fato, a formação como um continuum supera a visão dissociada entre os dois processos formativos, construindo um discurso integrado entre a formação inicial e a formação continuada, pois está atrelada com a história de vida, a socialização dos professores e o desenvolvimento ao longo da carreira, permitindo perceber a dimensão do “saber fazer” e do “saber ser” dos professores, à medida que os saberes são incorporados através da socialização profissional, fundamentando a prática dos professores, ou seja, “o que ele é e faz” em sua história (TARDIF & RAYMOND, 2000). Além disso, Garcia (1999) entende a própria formação de professores como sendo a: [...] área de conhecimentos, investigação e de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores – em formação ou em exercício – se implicam individualmente ou em equipa (sic) , em experiências da aprendizagem através das quais adquirem ou melhoram seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o objectivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem (GARCIA, 1999, p. 26). Nesse sentido, pode-se compreender a formação de professores como um processo continuo de aprendizagens, assumindo as diferentes demandas que envolvem a profissão docente e que didaticamente podem ser dispostas na dimensão do “saber”, do “saber-fazer” e do “saber-ser” dos professores (SANTOS, 2010). Assim, segundo o autor, seguindo o pressuposto que a formação de professores é fator crucial para a melhoria da qualidade da educação na atualidade, não há como suprir as necessidades (RODRIGUES & ESTEVES, 1993) encontradas no cenário 43 escolar sem o imperativo de uma formação de professores que seja permanente, isto é, que conjugue formação inicial e formação continuada em uma perspectiva progressiva de novos aportes de conhecimento e também de ressignificação dos conhecimentos adquiridos. Contudo, salienta-se que embora seja expressivo o esforço dos governos através de políticas e programas8 de formação de professores (GATTI, 2008; GATTI, et al., 2011), ainda é considerável a desmotivação que os atinge em ambas as modalidades, inicial e continuada. Na esfera da formação inicial, os cursos de licenciatura não se adaptaram ao preparo de profissionais para atender às diversas demandas existentes no cotidiano das escolas atualmente. Apesar desses cursos terem sofrido reformulações em suas diretrizes curriculares na primeira década do século XXI, ainda é significativo o despreparo dos professores para o exercício da função pedagógica, pois a maior parte dos cursos de formação não enfatiza na construção de suas grades curriculares os saberes indispensáveis para os licenciandos constituírem-se como professores, preservando nesses cursos o traço dominante do bacharelismo (GATTI, 2013-2010; GATTI & BARRETO, 2009). Os cursos de licenciaturas possuem currículos desarticulados da prática pedagógica das escolas do ensino básico, tais currículos são compostos por um amontoado de disciplinas isoladas (GATTI, 2013; GATTI & BARRETO, 2009) e por atividades de estágio voltadas às técnicas de observações em sala de aula (PIMENTA & LIMA, 2006), cujos registros raramente são submetidos a uma reflexão alicerçada teoricamente e legitimada na realidade cotidiana das escolas. 9 Por outro lado, Militão e Leite (2013) salientam que a busca das possíveis saídas para a crise educacional tem-se amparado nas políticas de formação continuada, sendo consolidadas de diferentes formas, nas quais responsabilizam os docentes pelos problemas educacionais e, embora autores como Imbernón (2009) 8 São exemplos das ações políticas de formação do governo federal e estadual nos últimos anos: a Universidade Aberta do Brasil - UAB, a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - Reuni, o Programa Universidade Para Todos - ProUni, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - Parfor, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e o Bolsa Formação: Escola Pública e Universidade, do Estado de São Paulo. 9 Na tentativa de melhorar este quadro, pode-se citar por exemplo, o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), que é realizado no interior das universidades, com o intuito de inserir os licenciandos no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação universitária para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas, orientadas por um docente da graduação e de um professor da escola, podendo adotar uma perspectiva de investigação (ROMANOWSKI, 2013). Assim, a inserção da pesquisa na formação inicial, pode evidenciar a compreensão da mesma como um elemento fundamental na formação docente (ANDRÉ, 2006). 44 advirtam explanando que “[...] o contexto condicionará as práticas formativas [...]” (p.10), assim como, “ [...] sua repercussão no professorado [...]” (p.10), tais políticas desconsideram o contexto de trabalho profissional. Nesse sentido, ao se falar em formação continuada de professores deve-se considerar os diferentes modos de sua difusão conceitual, compreendendo o paradigma da racionalidade técnica e o da prática-reflexiva. 1.3 O problema conceitual O cenário em que se desenvolve a formação continuada está vinculado a educação de adultos e associado à democratização do ensino, carecendo de maior especificidade para que a modalidade formativa desempenhe sua função de forma satisfatória, “[...] principalmente no que se refere à sua relação com a formação inicial” (CASTRO & AMORIM, 2015, p.39). Dessa forma a educação foi constituída em um processo formal de ensino e aprendizagem, sendo desenvolvido em uma instituição educativa através de profissionais qualificados e bem treinados, capazes de transmitir de forma eficaz os conteúdos a serem ensinados, assim, distinguindo a formação continuada entre a sua aproximação com a concepção de educação permanente e o que se refere a sua dimensão experiencial, com o desenvolvimento de saberes prático-reflexivos e não apenas técnicos (CASTRO & AMORIM, 2015). Deste modo, autores como Castro e Amorim, (2015), Canário (2013), Gatti (2008), Militão e Leite (2013), Santos (2005) e Souza (2013) sinalizam a dificuldade em definir um conceito para a formação continuada e, mais especificamente, para a formação continuada em serviço, pois ambas, geralmente são abordadas de forma conjunta (MILITÃO & LEITE, 2013) e na análise dos programas são apontados apenas expressões que indicam os limites dos cursos oferecidos após a graduação, ou após o ingresso no exercício da profissão (GATTI, 2008). Gatti (2008) salienta que: [...] ora ele é tomado de modo amplo e genérico, como compreendendo qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional – horas de trabalho coletivo na escola, reuniões pedagógicas, trocas cotidianas com os pares, participação na gestão escolar, congressos, seminários, cursos de diversas naturezas e formatos, oferecidos pelas Secretarias de Educação ou outras instituições para pessoal em exercício nos sistemas de ensino, relações profissionais virtuais, processos diversos a distância (vídeo ou 45 teleconferências, cursos via internet etc.), grupos de sensibilização profissional, enfim, tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e trocas que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus ângulos, em qualquer situação. Uma vastidão de possibilidades dentro do rótulo de educação continuada (p.57). De certo modo a autora enfatiza que “[...] as discussões sobre o conceito de educação continuada nos estudos educacionais não ajudam a precisar o conceito, e talvez isso não seja mesmo importante, aberto que fica ao curso da história” (GATTI, 2008, p.57). Segundo Castro e Amorin, (2015) na “[...] leitura do capítulo V, Título VI da Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacional (LDB) 9394/96, que trata dos profissionais da educação, mostra uma dispersão de conceitos” (p.40), e que em “[...[ seis artigos, a LDB usa as formulações “capacitação em serviço”; “formação continuada e capacitação”; “formação continuada”; “educação profissional”, “educação continuada” e “aperfeiçoamento profissional continuado” [...]” (p.43) realçando uma “flutuação terminológica” e reforçando a perspectiva tecnicista para a formação continuada de professores (CASTRO & AMORIM, 2015). Nesse sentido, Davis, et al. (2011) ressaltam que a bibliografia especializada indica que a formação continuada de professores se faz necessária em razão das limitações da formação inicial, tendo como principal função, suprir as lacunas existentes e que repercutem no trabalho docente. Nota-se que segundo as autoras existem diversos modelos de formação continuada, que podem ser subdivididos em dois grupos:  A perspectiva individualizada: neste grupo os modelos de formação centram suas atenções no professor, visando a sua formação política e ética, com o objetivo de levar os docentes à atribuição de uma nova definição/sentido para sua profissão, através da compreensão e entendimento de sua importância dentro da sociedade e sua função como educador/formador, ou visando amenizar as carências da formação inicial, passando pelos modelos que se apoiam nos ciclos de vida profissional;  A perspectiva colaborativa: neste grupo os modelos de formação centram seus esforços nas necessidades das instituições em que os professores atuam, ou seja, pode-se trabalhar a formação dentro do sistema em sua totalidade ou em uma unidade particular; nesses 46 modelos, atribuem-se responsabilidades a grupos de gestão para a coordenação da formação continuada e, assim, a escola passa a ser vista como lugar de formação. Porém, no curso da história da formação continuada, ao resgatar alguns termos usualmente utilizados na área, Marin (1995) aponta que a expressão “reciclagem” é um termo que esteve presente, principalmente na década de 1980, nos discursos habituais e nos órgãos de imprensa, evidenciando as questões que envolviam as ações de qualificação dos profissionais do setor público e privado, abrangendo tanto o campo da educação quanto as demais áreas do conhecimento. Para a autora a ideia de “aperfeiçoamento” desencadeou inúmeras ações de “capacitação” com o intuito de vender pacotes educacionais ou propostas formativas fechadas, que são aceitas acriticamente em nome da inovação e da hipotética melhoria (MARIN, 1995; MENDES SOBRINHO, 2006). Crítica análoga a essa é feita por Barroso e Canário (1999) sobre um programa estruturado de formação continuada realizado em Portugal no final dos anos de 1990, chamados Centros de Formação que construía cursos de formação continuada para professores do ensino básico naquele país. Para o autor, os tais Centros de Formação são “[...] instrumentos de execução de programas financeiros que alimentam um 'mercado' de formação contínua de professores em que dominam os traços mais negativos da oferta escolarizada” (p.149), assim como, para Estrela (2001) existe: [...] uma oferta de formação por catálogo, assente num modelo de aquisições, descentrado da escola e dos seus projectos educativos e uma procura mais determinada por necessidades decorrentes da gestão da carreira do que por necessidades surgidas de uma intenção de desenvolvimento profissional (p.42). Neste aspecto é evidenciado o descompromisso das agencias empregadoras dos professores com a formação contínua ao concebê-la como uma estratégia de mercado, pois transfere-se para os docentes a responsabilidade de gerir e de garantir a efetividade das ações realizadas no exercício do seu trabalho (SANTOS, 2010). O que para Santos (2010) demonstra que: [...] a formação contínua está sendo instituída, mas não como elemento constitutivo da concepção da carreira docente, [...], mas sim, como uma corrida em busca de ínfimos acréscimos salariais por meio da progressão na carreira (p.14). 47 Imbernón (2009) ressalta que historicamente os processos de formação eram realizados com o intuito de solucionar os problemas considerados uniformes e padronizados nos professores, ou seja, tentava-se resolver as dificuldades que se supunha que todo o professorado tivesse, por meio de resoluções genéricas e organizadas por especialistas. Assim, em muitas das estratégias e modalidades formativas apresentadas a que os professores foram submetidos, predominava uma grande descontextualização do ensino e dos conteúdos, pois para diferentes problemas educacionais eram sugeridos o mesmo recurso. Desta forma, tratando a formação como um problema genérico, resultou em um sistema de formação padronizado, baseado em um modelo de treinamento. Muitos professores estão habituados a participar de cursos e seminários nos quais o ministrante é o expert que estabelece o conteúdo e o desenvolvimento das atividades. Num curso ou numa sessão de “treinamento”, os objetivos e os resultados esperados estão claramente especificados e costumam acrescentar em termos de conhecimento (por exemplo, os princípios da aprendizagem significativa) ou de desenvolvimento de habilidades (por exemplo, os participantes mostrarão que sabem utilizar na discussão de classe questões sem um esquema preestabelecido) (IMBERNÓN, 2009, p.50). O autor, ainda enfatiza que a concepção principal que apoia o “treinamento” utiliza principalmente cursos, seminários e oficinas com especialistas/expert no assunto abordado, o que para Marin (1995) são evidenciados por “[...] cursos rápidos e descontextualizados, somados a palestras e encontros esporádicos que tomam parcelas muito reduzidas do amplo universo que envolve o ensino, abordando-o de forma superficial” (p.14). Porém, cabe ressaltar, que a base científica dessa modalidade de formação permanente dos professores, assim como aponta Imbernón (2009), foi historicamente o positivismo, através de “[...] uma racionalidade técnica que buscava com afinco na pesquisa educativa ações generalizadoras para leva-las aos diversos contextos educativos” (p.51). De acordo com Marin (1995), o emprego da expressão “educação continuada” é abrangente, pois pode incorporar os diferentes elementos presentes nas noções de reciclagem, capacitação, aperfeiçoamento e treinamento, de forma a enriquecer o seu potencial, dependendo da perspectiva, dos objetivos ou dos aspectos referentes ao processo educativo. Segundo Militão e Leite (2013) a terminologia “formação continuada” ou “formação contínua”, são apontadas em maior proporção nos estudos acadêmicos e em menor medida em documentos oficiais. No entanto, Santos (2005) 48 salienta que as expressões “reciclagem”, “treinamento” e “capacitação” tem dado lugar a novos termos, como “formação contínua” e “formação em serviço” e esclarece que: [...] os novos termos são empregados, atualmente, para adjetivar as mesmas práticas de antes: cursos e mais cursos, promovidos ora pelas agências formadoras e ora pelas agências empregadoras, em sua maioria fora do horário de trabalho dos professores, aos sábados, durante a noite, depois de uma exaustiva jornada, ou ainda nos períodos de férias (p,15). Além disso, o autor salienta que tanto as ações referentes aos programas de formação inicial quanto aos programas de formação contínua, recebem atualmente de forma genérica o nome de “formação em serviço”, quando as ações formativas são destinadas aos professores que estão em exercício. Para o autor, isso é possível, pois as “[...] várias práticas de formação contínua não se encerram definitivamente em uma mesma modalidade, já que se diferenciam inicialmente pelo protagonismo, tanto de seus propositores quanto de seus sujeitos” (SANTOS, 2010, p.13). Assim, o autor defende que: As práticas formativas organizadas em cursos modulares fora do horário de trabalho dos professores não podem ser consideradas como formação contínua em serviço, posto que estão fora da jornada de trabalho dos professores, consistindo assim, em mera reprodução das práticas formativas desenvolvidas pelas agências formadoras, sem o necessário envolvimento histórico dessas últimas com a formação em si (SANTOS, 2010, p.14). Nesse aspecto, Santos (2010) chama a atenção para o entendimento que se forma em torno desta modalidade de formação, demonstrando que há a necessidade de uma reorganização do trabalho dos professores, contemplando o plano do ensinar e do aprender. A formação continuada, no entanto, para ser considerada em serviço, deve ser constituída dentro do exercício de trabalho dos professores, evitando que os professores sejam tratados como “clientes” em busca de treinamento e progressão da carreira, e também, não assumam solitários a responsabilidade pelo desenvolvimento do ensino. Por outro lado, Santos (2010) ressalta que a formação em serviço possui o paradigma da solução de problemas por assinalar a atividade docente como um conjunto de situações e ocorrências inusitadas que não foram compreendidos durante a formação inicial. Assim, para o autor a formação continuada em serviço deve ser: 49 [...] “um compromisso dos sistemas de ensino para o enfrentamento da universalização de uma escola que atenda tanto às necessidades quanto às expectativas das camadas populares, que, para além da visão de ascensão social, possibilite às gerações mais jovens a efetiva compreensão do mundo em que vivem (SANTOS, 2010, p. 15). Neste sentido, a formação continuada em serviço é assumida por meio de uma política educativa fundamentada em três elementos formativos: nas quais as necessidades formativas dos professores (RODRIGUES & ESTEVES,1993) fazem parte: as de ordem individual, as de ordem coletiva e as de ordem sistêmica (SANTOS, 2005-2010). Sendo:  Ordem individual: as necessidades formativas dos professores são referentes às condições de acesso e permanência do docente na fase de formação continuada. Neste aspecto são considerados a pessoa do professor e seu meio, compreendendo desde sua situação socioeconômica até suas condições psicológicas.  Ordem coletiva: as necessidades referem-se à dimensão profissional dos professores em relação as diversas demandas e especificidades do ambiente esc