Medicina Veterinária ISSN 1809-4678 (*)Autor para correspondência/Corresponding author : e-mail: jmcn@ufba.br Recebido em: 29 de junho de 2011 Aceito em: 22 de setembro de 2011 Osteossíntese ilíaca com braçadeira de náilon e cimento ósseo de polimetilmetacrilato - estudo experimental em cadáveres de cães [Iliac osteosynthesis with nylon clamp associated to polymethylmethacrylate bone cement – experimental study in dogs cadavers] NOTA JM Costa Neto i(*) , AST Freitas Junior ii , CP Bürger 3 , DC Gomes Junior 3 , VJ Moraes 4 , EM Penha 5 , EF Martins Filho 3 , AP Ória 1 Departamento de Patologia e Clínicas – Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia/UFBA, Salvador – BA, Brasil. Médico Veterinário Autônomo, Salvador – BA, Brasil Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Veterinária da FCAV/UNESP, Jaboticabal – SP, Brasil Programa de Pós-Graduação em Ciência animal nos Trópicos da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia/UFBA, Salvador-BA, Brasil Médico Veterinário – EMV/UFBA, Salvador-BA, Brasil ___________________________________________________________________________ Resumo As fraturas do corpo ilíaco geralmente decorrem de traumas de grande impacto. Estas levam a um déficit locomotor, e em casos específicos necessitam de correção cirúrgica. Dentre as vertentes terapêuticas disponíveis, a utilização de implantes é a mais vantajosa. Com esse trabalho, buscou-se desenvolver em cadáveres de cães, técnica de osteosíntese de fratura ilíaca com braçadeiras de náilon e cimento ósseo de polimetilmetacrilato (PMMA). Para tanto foram empregadas 16 hemipelvis de oito cadáveres de cães, que tiveram o corpo do ílio transversalmente submetido à osteotomia. A osteosíntese foi alcançada através da implantação de seis braçadeiras de náilon que foram distribuídas equitativamente entre os fragmentos ósseos, proporcionando o realinhamento ósseo e servindo de superfície de contato para fixação do biomaterial. A técnica desenvolvida em cadáveres se mostrou de fácil execução, eficaz no alinhamento e estabilização da fratura produzida, sugerindo-se assim, estudos “in vitro” para avaliar a resistência da imobilização e sua funcionalidade em cães com essa afecção. Palavras-chave: fratura, pelve, implante. Abstract Fractures of iliac body are generally consequences of traumas of great impact. These fractures lead to a lack of locomotor response and in specific cases, surgery is needed. Among the possible therapeutic lines, implants become a good option. In this paper, the authors used dog corpses to develop a surgery technique of iliac osteosynthesis, employing nylon clamps and bone cement of polymethylmethacrylate (PMMA). Sixteen hemi pelvises of eight dog corpses, which had its iliac bodies totally fractured previously, were utilized. The osteosynthesis was reached through the implantation of six nylon clamps, distributed equally between the bone fragments. With the use of the nylon clamps there were bone realignment and a contact surface to fixation of the biomaterial. The technique developed in corpses was easily executed, effective in reduction, alignment and stabilization of the fracture. The authors suggest more studies in vitro to evaluate immobilization resistance and functionality in dogs with this condition. Key words: fracture, pelvis, implant. Introdução Costa Neto et al., Osteossíntese ilíaca com braçadeira de náilon e cimento ósseo............................................................. .......23 _____________________________________________________________________________________________________ Medicina Veterinária, Recife, v.5, n.3, p.22-26, jul-set, 2011 As fraturas pélvicas, frequentemente, estão relacionadas a traumas de grande impacto, associados ou não a outras alterações sistêmicas. Para seu tratamento é de crucial importância o estabelecimento de uma conduta terapêutica adequada e eficiente para cada tipo de fratura, podendo este ser conservador e cirúrgico. O primeiro aborda as técnicas de contenção do membro atingido e/ou restrição de espaço do animal, associados ao suporte clínico adequado. Já o segundo, consiste na abordagem ao foco da lesão, redução e estabilização da fratura (JOHNSON e DUNNING, 2005; TARVIN e LENEHAN, 2005; BRINKER et al., 2006; ROEHSIG et al., 2008). Para a correção cirúrgica poderão ser empregadas placas, parafusos, ou até mesmo fios de kirschner (CHUEIRE et al., 2004), em especial nos gatos, devido sua anatomia singular que mostra corpo ilíaco relativamente plano (DENNY e BUTTERWORTH, 2006). Dentre outros métodos estão ainda os pinos, a fixação interfragmentar, ou ainda a combinação entre essas técnicas (BRINKER, PIERMATTEI e FLO, 2006). Roehsig et al. (2008) empregou com sucesso a associação de parafusos, fios de aço e cimento ósseo de polimetilmetacrilato (PMMA) para osteossíntese ilíaca de dezesseis cães. Segundo os autores, esta técnica mostrou- se eficiente, proporcionando adequada estabilidade, precoce recuperação funcional e consolidação óssea. As braçadeiras de náilon (poliamida) em virtude de suas características de flexibilidade, resistência, segurança e economia, têm sido amplamente empregadas como recurso cirúrgico. Na ortopedia, mostram-se adequadas para redução e estabilização de fraturas de ossos longos (CARRILLO et al., 2005; MIRANDA et. al., 2006). Tendo como base a técnica proposta por Roehsig et al. (2008) e observando os bons resultados do uso da braçadeira de náilon na ortopedia, objetivou-se avaliar em cadáveres de cães, o uso de braçadeiras de náilon associada ao cimento ósseo de polimetilmetacrilato (PMMA) para osteossíntese ilíaca. Material e Métodos Foram utilizados oito cadáveres de cães, com peso compreendido entre 20 e 25 quilos, que vieram a óbito por causas naturais. Os procedimentos cirúrgicos foram executados seqüencialmente nas duas hemipelvis tendo como base a abordagem ao corpo do ílio foi realizada tendo-se como base as técnicas de acesso lateral e de tenotomia dos músculos glúteos, ambas preconizadas por Piermattei (1993). Após a exposição óssea, o fio de serra foi passado através da face medial da diáfise ilíaca, posicionado transversalmente e acionado para que se produzisse uma fratura transversal (Figura 1A e 1B). Resquícios ósseos foram removidos com auxílio de uma cisalha de Liston e em seguida empregando-se broca de 2,5 mm, dois orifícios foram feitos em cada fragmento ósseo, a 0,5cm da linha de fratura e equidistantes entre as bordas ventral e dorsal do corpo do ílio. Quatro braçadeiras de 2,5 mm X 100 mm foram inseridas nos orifícios, no sentido latero-medial do corpo do ílio, envolvendo as bordas dorsal e ventral respectivamente, de modo que o sistema de travas da braçadeira repousasse em íntimo contato com as perfurações produzidas. Essas foram parcialmente travadas, e serviram de base para fixação das outras duas braçadeiras colocadas paralelas ao eixo longitudinal do corpo ilíaco. Por fim, todos os sistemas de travas foram gradualmente acionados e fechados, proporcionando a estabelização dos fragmentos ósseos. Ato contínuo, realizou-se a secção transversal da fita sobressalente da braçadeira, imediatamente após sua emergência de sistema de travagem (Figura 01- A, B e C). Em seguida, o cimento ósseo de PMMA foi aplicado em estado semi-sólido de modo a preencher toda superfície da face lateral do corpo do ílio e envolver os sistemas de travas das braçadeiras (Figura 01- D). O campo cirúrgico foi umedecido para proteger Costa Neto et al., Osteossíntese ilíaca com braçadeira de náilon e cimento ósseo............................................................. .......24 _____________________________________________________________________________________________________ Medicina Veterinária, Recife, v.5, n.3, p.22-26, jul-set, 2011 as estruturas adjacentes durante a fase de reação exotérmica de polimerização simulando o procedimento cirúrgico real. O fechamento da ferida cirúrgica deu-se por procedimentos de rotina para a síntese muscular, subcutâneo e pelo. Para avaliar a estabilidade do foco de fratura e para verificar os graus de coaptação e alinhamento dos fragmentos ósseos, empregou-se teste subjetivo de mobilidade após o enrijecimento do cimento. Exames radiográficos, nas projeções ventro-dorsal e latero-lateral foram realizados logo após a confecção da fratura e ao final do procedimento cirúrgico. Resultados e Discussão Na concepção do estudo, presumiu-se que as braçadeiras de náilon poderiam promover a satisfatória estabilização dos fragmentos ósseos, ao mesmo tempo em que, serviriam de superfície de contato para a adesão do cimento ósseo (PMMA). Considerando os preceitos de Johnson e Dunning (2005), que recomendam o mínimo de dois pontos para fixação de implantes ósseos, optou-se por confeccionar dois orifícios por fragmento, transversalmente ao eixo longitudinal do corpo do ílio, de maneira equidistante entre as bordas dorsal e ventral, para posteriormente, serem inseridas as braçadeiras em cada um, envolvendo as bordas dorsal e ventral. A distribuição de forças no sentido longitudinal foi alcançada a partir da fixação de mais duas braçadeiras colocadas neste sentido. A flexibilidade e facilidade de manuseio das fitas de náilon permitiu o fechamento gradativo de todas elas, proporcionando uma adequada justaposição dos fragmentos ósseos, assim como visto por Carrilho et al. (2005) e Miranda et al. (2006). Após seu posicionamento, o foco de fratura apresentou adequado alinhamento, com mínima mobilidade e após o enrijecimento do cimento, verificou-se perfeita estabilidade e coaptação de toda linha de fratura, coaptação esta, posteriormente evidenciada pelo exame radiográfico. Buscando uma maior resistência à força, o cimento ósseo de PMMA foi aplicado sobre as braçadeiras, seguindo o sentido longitudinal do osso ilíaco. A presença dos sistemas de travas das braçadeiras na superfície lateral do corpo do íleo tiveram papel fundamental para o aumento da superfície de adesão entre o cimento e os implantes, assim como descrito por Lidbetter e Wong (2000). Corroborando os achados de Roehsig et al. (2008), o cimento se tornou um bloco rígido que envolveu e fixou completamente as braçadeiras, além de estar em íntimo contato com a superfície do osso, favorecendo a estabilização da fratura e proporcionando fixação do osso. Por tratar-se de um estudo em cadáveres, não foi possível verificar o grau de comprometimento ósseo decorrente da reação exotérmica do PMMA durante o processo cicatricial. De acordo com Barbos et al. (1991), a necrose decorrente desta reação é seguida por uma série de fenômenos imuno-mediados que favorecem o remodelamento ósseo e a formação de tecido fibroso em torno do cimento. Assim sendo, supõe-se que as sequelas geradas por essa necrose inicial, sejam mínimas, tendo seus efeitos deletérios sobrepujados pelos benefícios das reações de osteocondução e osteoindução estimulados pelo biomaterial implantado. Durante a avaliação pós-implantação imediata não foram observados quebra, afrouxamento ou deterioração das braçadeiras ou comprometimento do cimento ósseo. A única possibilidade de degradação das braçadeiras, no momento de implantação, seria causada pela reação exotérmica do PMMA, que alcança temperaturas próximas de 90 o C por 10 minutos (CAMPOS et al., 2008), porém essa hipótese é descartada, pois segundo Sorbello et al. (1999), a braçadeira de náilon é resistente a temperatura de até 260 o C. Costa Neto et al., Osteossíntese ilíaca com braçadeira de náilon e cimento ósseo............................................................. .......25 _____________________________________________________________________________________________________ Medicina Veterinária, Recife, v.5, n.3, p.22-26, jul-set, 2011 Figura 1: Imagens fotográficas da osteossíntese ilíaca com braçadeira de náilon e cimento ósseo de polimetilmetacrilato. Em A, colocação das braçadeiras nos quatro orifícios. B: fixação das duas braçadeiras restantes, colocadas paralelas ao eixo longitudinal do corpo do ílio. Em C e D aplicação do cimento ósseo de modo a preencher toda superfície da face lateral do corpo do ílio e envolver os sistemas de travas das braçadeiras. Conclusão Pode-se concluir que a técnica desenvolvida se mostrou de fácil execução, eficaz na redução, e alinhamento da osteotomia produzida, sugerindo-se assim, estudos “in vitro” para avaliar a resistência da imobilização e sua funcionalidade e sua funcionalidade em cães com essa afecção. Referências BARBOS, M. P.; BACCHINI, B.; BALBO, C.; VIGLINO, C. Reaction of bone to methacrylate interface remodelling. Acta Orthopedica Belgica, vol 57(3), p.247-253, 1991. Disponível em: Acesso em: 13 jan. 2010. BRINKER, W.O.; PIERMATTEI, D.L.; FLO, G.L.F. Fractures of the Pelvis. In: PIERMATTEI, D.L.; FLO, G.L.F . 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