UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA CARACTERÍSTICAS SEMINAIS E RESFRIAMENTO DE SÊMEN DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE VIDA LIVRE CAMILA DO NASCIMENTO LUBA Botucatu - SP 2014 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA CARACTERÍSTICAS SEMINAIS E RESFRIAMENTO DE SÊMEN DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE VIDA LIVRE CAMILA DO NASCIMENTO LUBA Dissertação apresentada junto ao programa de pós- graduação em Biotecnologia Animal para obtenção do título de mestre. Orientador: Prof. Dr. João Carlos Pinheiro Ferreira Botucatu - SP 2014 ii Nome do autor: Camila do Nascimento Luba Título: CARACTERÍSTICAS SEMINAIS E RESFRIAMENTO DE SÊMEN DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE VIDA LIVRE COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Assistente Dr. João Carlos Pinheiro Ferreira Presidente e Orientador Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária FMVZ – UNESP, Botucatu-SP Prof. PhD. Fernanda da Cruz Landim e Alvarenga Membro Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária FMVZ – UNESP, Botucatu-SP Prof. Dr. Marcelo Alcindo de Barros Vaz Guimarães Membro Departamento de Reprodução Animal FMVZ – USP, São Paulo-SP Data da defesa: 29 de agosto de 2014. iii AGRADECIMENTOS Professor João Carlos Pinheiro Ferreira, obrigada pela oportunidade e por ter me recebido de braços abertos, ainda que com uma idéia ousada e inovadora, pelos ensinamentos, broncas, incentivos e por ter confiado em mim até o final. Família: Obrigada pelo apoio financeiro, psicológico e emocional, por acreditarem sempre em mim, aceitarem a minha ausência e me incentivarem a correr atrás dos meus sonhos sempre. Vocês são a base de tudo. CERAN: Obrigada Professor Frederico Ozanan Papa, Gabriel Monteiro, Yamê Fabres, Felipe Hartwig, Camila Dell'Aqua e Priscilla Guasti pela forma como me receberam no laboratório, por me passarem o conhecimento de vocês e me ajudarem a planejar o experimento. Projeto Tamanduá: Flávia Miranda obrigada por me fornecer toda a estrutura para conseguir trabalhar a campo e por todos os ensinamentos sobre Xenarthras e conservação. Alexandre Martins obrigada pela disposição, pelos mapas, pela força e incentivo a campo quando o cansaço era grande na procura pelos tamanduás. Marcelo Gomes obrigada por todas as anestesias impecáveis, pela companhia e risadas, por dividir comigo seus ensinamentos e sua experiência de vida, e por me abrir as portas do Zoo de SBC. iv Vinícius Gasparotto obrigada pelas corridas ninjas e tiros em movimento com a zarabatana, por ser o melhor ASCP que existe, sempre me socorrer e ouvir minhas lamentações, me colocando para cima com nossos ideais em comum. Paola Stramandinoli e Carolina Lorieri pela amizade e ajuda a campo. Mariana Catapani obrigada pela irmandade, doçura, e parceria emocional e profissional. Além disso, obrigada EQUIPE por dispenderem do tempo de vocês, me ajudarem de coração sem receber nada em troca, largarem os empregos, madrugarem (ou não dormirem), e ainda sempre bem humorados e dispostos. Eu devo muito a vocês e serei grata o resto da vida. PZMQB: Rodrigo Teixeira sempre disposto a ajudar no que é preciso, Adauto Nunes, Cecília Pessuti, Alícia Hippólito e Henrique Riva obrigada a todos pela confiança, oportunidade de realização dos pilotos, anestesias e necropsias concedidas. CEMPAS: Professor Carlinhos, Lígia Rigoletto Oliva, Diogo Rossetti, Daniela Akemi, Mariana Martins, Gustavo Calasans obrigada por cada telefonema de tamanduá recebido, por abrirem o cempas a noite quando precisei, coletarem por mim quando estava ausente, perderem vários dias de almoço com meus exames, e por aguentarem meus surtos quando tudo não saía conforme o esperado. v POUSADA AGUAPÉ: Joana, André, Sr. João, Jaira, Fabiano, Rosalino, e todos os funcionários, obrigada por conceder o espaço para a base de campo, auxiliares e pela boa vontade e disposição em ajudar sempre. Aos amigos: Taina Gonçalves, Daniel Capucho, Andressa Tucholski, Carla Queiróz, Mariane Boaretto, Babi Del Corso obrigada pela amizade, incentivo, por torcerem por mim, aguentarem meus surtos e choros, e me levantarem todas as vezes que pensei em desistir. Caroline Destro obrigada por me ajudar com as colorações no laboratório de FIV. Professora Fabiana Ferreira de Souza obrigada pelo incentivo e ajuda em todas as correções. Professor Sony e José Dell'Aqua obrigada pela banca de qualificação, vocês foram essenciais para a elaboração desta dissertação. Professora Fernanda da Cruz Landim obrigada por aceitar meu convite para a banca e pela ajuda com a microscopia eletrônica. Professor Marcelo Guimarães obrigada por se colocar sempre a disposição em ajudar desde o início do projeto e por aceitar o convite para a banca. Sua sabedoria e experiência não poderiam faltar neste trabalho. À FAPESP obrigada pelo auxílio financeiro. E a Deus por ter colocado os tamanduás no meu caminho, por me fazer uma pessoa forte e determinada. Obrigada por não me abandonar nem por um minuto. vi LISTA DE FIGURAS REVISÃO DE LITERATURA Figura 1: Mapa de distribuição da espécie Myrmecophaga tridactyla . ............. 7 Figura 2: Foto ilustrativa do pênis de um tamanduá-bandeira, demonstrando o sulco medial ventral e a ausência de testículos externos. ............................... 10 ARTIGO 1 Figura 1: Animal após receber dardo anestésico, localizado na musculatura do membro torácico esquerdo ............................................................................... 22 Figura 2: Probe confeccionada para realização de eletroejaculação em tamanduás-bandeira ........................................................................................ 24 Figura 3: Aspecto microscópico dos espermatozoides de tamanduá-bandeira corados pelo método Karras-modificado sob aumento de 1000x ..................... 31 Figura 4: Aspecto microscópico do sêmen de Myrmecophaga tridactyla em aumento de 200x, contendo grânulos arredondados (setas pretas) e espermatozoides (setas vermelhas) ................................................................. 33 Figura 5: Grânulos de lipídio (seta) evidenciados pela coloração oil-red O observados no ejaculado de tamanduás-bandeira em aumento de 6300x ...... 34 Figura 6: Aspecto microscópico da célula espermática de tamanduá-bandeira apresentando os seus valores morfométricos médios ± erro padrão ............... 35 ARTIGO 2 Figura 1: Morfologia ultraestrutural dos espermatozoides de tamanduá- bandeira. (A) Corte longitudinal da célula espermática - PL: Palmalena; ES: segmento equatorial; PA: região pós-acrossomal. (B) Corte transversal da vii cabeça espermática – AC: crista apical. (C) A: acrosoma; AC: crista apical; NU: núcleo espermático; IF: fossa de implantação; CAP: capitulum; PC: centríolo proximal; M: mitocôndria; MS: bainha mitocondrial; setas pretas: segmento equatorial; setas vermelhas: pontos difusos elétron-lucentes presentes no núcleo. (D) MP: peça intermediária; PP: peça principal; AN: annulus; MS: bainha mitocondrial. (E) NU: núcleo; OAM: membrana acrossomal externa; IAM: membrana acrossomal interna; PL: plasmalema; AC: crista apical; PA: região pós-acrossomal; setas pretas: segmento equatorial; setas vermelhas: pontos difusos elétron-lucentes presentes no núcleo. (F) corte transversal da cauda – AX: axonema; MS: bainha mitocondrial; ODF: fibra densa externa .... 53 Figura 2: Anormalidades encontradas nas células espermáticas de tamanduás- bandeira (Myrmecophaga tridactyla). (A) Seta preta: Dag-defect – é possível observar uma massa citoplasmática contendo diversos cortes do axonema; (B/C/D) seta preta: perda de microtúbulos em um dos lados do axonema; (E) seta preta: reação acrossomal prematura; (F/G) seta preta: destacamento do acrossoma ........................................................................................................ 54 viii LISTA DE TABELAS ARTIGO 1 Tabela 1: Valores individuais e médios (± erro padrão) das características seminais de tamanduá-bandeira de vida livre .................................................. 30 Tabela 2: Classes morfológicas encontradas em espermatozoides do tamanduá-bandeira espressas em porcentagem, sob coloração com Karras- modificado e DIC, e média (± erro padrão) das alterações encontradas para cada técnica ..................................................................................................... 32 Tabela 3: Valores representativos de motilidade e vigor após até 24 horas da solução espermática de cada animal após refrigeração à 5°C em Botuflex® ... 36 ix LISTA DE ANEXOS Figura 1: Morfologia espermática sob coloração com Karras-modificado. a) célula espermática normal; b) cabeça piriforme e cauda abaxial; c) cabeça com contorno anormal; d) cabeça subdesenvolvida; e) Acrossomo lesado e gota citoplasmática proximal; f) defeito em peça intermediária; g) gota citoplasmática distal; h) cauda abaxial; i) cauda fortemente dobrada; j) cauda dobrada com gota citoplasmática.. ......................................................................................... 77 Figura 2: Morfolgia espermática em microscopia de contraste de interferência diferencial (DIC). a, b, c) células espermáticas normais; d) defeito de acrossomo e cauda dobrada; e) cauda dobrada com gota citoplasmática; f) gota citoplasmática proximal; g) gota citoplasmática distal; h) cauda abaxial; i) cauda enrolada. ................................................................................................ 78 Figura 3: Morfologia espermática em microscopia de contraste de interferência diferencial (DIC). a) Defeito de acrossoma; b,c) Knobbed; d) cabeça subdesenvolvida; e) cabeça estreita na base; f) cabeça piriforme; g,h) vacúolos nucleares .......................................................................................................... 79 x LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS ANOVA CEMPAS CITES DIC EP I.M.P. IUCN MA1 MA2 MA3 MA4 MA5 MA6 MA7 Análise de variância Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora Microscopia de contraste de interferência diferencial Erro Padrão Índice de integridade da membrana plasmática International Union for Conservation of Nature Primeiro animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Segundo animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Terceiro animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Quarto animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Quinto animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Sexto animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana Sétimo animal da espécie Myrmecophaga tridactyla encontrado em Aquidauana xi MB1 M6 M12 M18 M24 Primeiro animal da espécie Myrmecophaga tridactyla apreendido em Botucatu Momento após 6 horas de refrigeração do sêmen diluído Momento após 12 horas de refrigeração do sêmen diluído Momento após 18 horas de refrigeração do sêmen diluído Momento após 24 horas de refrigeração do sêmen diluído xii SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................... vi LISTA DE TABELAS .................................................................................................. viii LISTA DE ANEXOS ...................................................................................................... ix LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS .......................................................................... x RESUMO ..................................................................................................................... xiii ABSTRACT .................................................................................................................. xv INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 2 OBJETIVOS ................................................................................................................... 5 REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 6 1. Taxonomia e características da espécie .............................................................. 6 2. Habitat e distribuição geográfica .......................................................................... 7 3. Situação atual da espécie .................................................................................... 7 4. Características Reprodutivas do tamanduá-bandeira .......................................... 8 5. Características seminais da espécie ................................................................. 10 6. Colheita de sêmen ............................................................................................. 11 7. Análise subjetiva convencional da motilidade e vigor espermáticos ................. 12 8. Avaliação da integridade de membrana plasmática e morfologia espermática . 13 9. Microscopia eletrônica de transmissão .............................................................. 15 10. Refrigeração de sêmen .................................................................................. 15 TRABALHOS CIENTÍFICOS ....................................................................................... 17 DETERMINAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS SEMINAIS E REFRIGERAÇÃO DE SÊMEN DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE VIDA LIVRE .................................................................................................................................. 17 AVALIAÇÃO POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO DOS ESPERMATOZOIDES DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE VIDA LIVRE .............................................................................................................. 45 DISCUSSÃO GERAL ................................................................................................... 60 CONCLUSÕES GERAIS .............................................................................................. 64 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 65 ANEXOS ....................................................................................................................... 77 APÊNDICE ................................................................................................................... 80 Normas dos trabalhos científicos .............................................................................. 80 xiii RESUMO LUBA, C. N. Características seminais e resfriamento de sêmen de tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre. Botucatu, 2014. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é considerado vulnerável à extinção e dados científicos em relação à andrologia e características seminais são escassos. Colheu-se sêmen de oito animais com o intuito de estabeler parâmetros seminais de tamanduás-bandeira de vida livre no que se refere a volume, odor, coloração, motilidade, vigor, concentração e morfologia espermática, e investigar o tempo em que o sêmen mantém-se com motilidade e vigor sob refrigeração à 5ºC. A motilidade e vigor espermáticos foram avaliados de forma subjetiva por microscopia óptica convencional, e a análise morfológica dos espermatozoides foi realizada por microscopia de luz, microscopia de contraste e interferência diferencial e microscopia eletrônica de transmissão. O ejaculado foi caracterizado com duas frações distintas (fração esbranquiçada, leitosa e rica em células espermáticas, e fração gel, incolor e viscosa com ausência de espermatozoides) e volume médio 0,75 ml (±0,13). Os valores médios dos parâmetros (± erro padrão) encontrados nas amostras seminais à fresco foram motilidade 75% (±2,98), vigor 3,21(±0,29), concentração 108,5 x106/ml (±13,46), índice de integridade de membrana plasmática de 71% (±4,01), anormalidades espermáticas em coloração karras- modificado 35,5% (±3,38) e 48,37% (±6,83) em microscopia de contraste de interferência diferencial. Quando submetido a refrigeração o sêmen apresentou xiv motilidade e vigor até no máximo 24 horas, com valores decrescentes em ambos os parâmetros com o decorrer do tempo. Palavras-chave: in-situ, eletroejaculação, reprodução, Myrmecophagidae, Pilosa, Xenarthra. xv ABSTRACT LUBA, C. N. Seminal characteristics and cooling semen of in situ anteaters (Myrmecophaga tridactyla). Botucatu, 2014. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. The giant anteater (Myrmecophaga tridactyla) is considered vulnerable to extinction and scientific data regarding andrology and seminal characteristics are scarce. The semen were collected from eight animals with the intention of seminal parameters to establish anteaters free life as regards the volume, odor, color, motility, vigor, concentration and morphology, and to investigate the time the semen remains with motility and vigor under refrigeration at a temperature of 5 ° C. The sperm motility and vigor were subjectively assessed by light microscopy and morphological analysis of sperm were performed by conventional optical microscopy, differential interference contrast microscopy and transmission electron microscopy. The ejaculate was characterized with two distinct fractions (fraction whitish, milky and rich in sperm cells, and gel fraction colorless and viscous with absence of sperm) and average volume 0.75 ml (± 0.13). The mean values of the parameters (± standard error) found in the fresh semen samples motility were 75% (± 2.98), vigor 3.21 (± 0.29), concentration x106/ml 108.5 (± 13.46), index of plasma membrane integrity of 71% (± 4.01) and sperm abnormalities in karras-modified staining 35.5% (± 3.38) and 48.37% (± 6.83) in contrast microscopy differential interference. When subjected to cooled semen presented motility and vigor up to 24 hours, with decreasing values in both parameters over time. xvi Keywords: in-situ, electroejaculation, reproduction, Myrmecophagidae, Pilosa, Xenarthra. INTRODUÇÃO 2 INTRODUÇÃO O Brasil representa uma importante reserva de biodiversidade de flora e fauna mundial, o que oferece muitas possibilidades de estudo e avanços científicos para o país, principalmente em relação a conservação de espécies. Dentre essas possibilidades, uma das áreas mais importantes é a reprodução de animais silvestres. Porém, para que se possa contribuir e utilizar biotecnologias da reprodução é necessário desenvolver pesquisas básicas sobre os mecanismos e estruturas envolvidos no processo reprodutivo de cada espécie (GUIMARÃES, 2008). O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é o maior representante da família Myrmecophagidae, pertencente a ordem Pilosa e Superordem Xenarthra. A espécie é restrita às Américas Central e do Sul, sendo encontrado em todo o território brasileiro (MEDRI & MIRANDA, 2010) e considerada extinta no Uruguai (FALLABRINO & CASTIÑEIRA, 2006), Belize, Guatemala e Costa Rica. Considerando-se que as populações da espécie diminuíram cerca de 30% nos últimos 10 anos, a União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) inclui esta espécie na categoria Vulnerável, ou seja, enfrenta um grande risco de extinção em médio prazo. Ainda assim, pouco se sabe sobre aspectos reprodutivos do tamanduá-bandeira, o que torna ainda mais difícil a utilização de algumas técnicas de reprodução assistida para auxiliar a conservação da espécie. As principais ameaças ao tamanduá-bandeira são os incêndios, desmatamentos e atropelamentos (MEDRI & MIRANDA, 2010). Essa constante destruição de habitats representa um dos principais fatores para a diminuição 3 da biodiversidade. As perdas de grandes áreas naturais e a fragmentação de matas geram pequenas populações isoladas, o que pode acarretar em superlotação, aumento da endogamia, e aumento da susceptibilidade à doenças (LASLEY et al., 1994). Desta forma, a reprodução é fundamental para a conservação de espécies, populações e indiretamente à vitalidade de todos os ecossistemas (WILDT et al, 2003). A fertilidade em animais do sexo masculino é o resultado de uma série de fatores que envolvem a capacidade do macho de produzir e ejacular gametas saudáveis (potentia generandi) e de realizar adequadamente a cópula (potentia coeundi). O recurso biotecnológico mais adequado para se inferir a potentia generandi é o exame andrológico. As etapas fundamentais deste exame são o exame físico geral do animal, associado a um exame rigoroso dos órgãos do sistema reprodutor masculino, seguido da colheita e avaliação seminal (CBRA, 1998). Mendonça (2010) avaliou o sêmen de tamanduás-bandeira de cativeiro em zoológicos do estado de São Paulo e encontrou grande proporção de indivíduos com alterações seminais graves. Ao final do estudo o autor ressaltou a necessidade de serem estudadas características seminais de animais de vida livre, pois posto que, a qualidade espermática é resultado de fatores envolvendo a sanidade genética e a qualidade dos manejos ambiental, sanitário e nutricional, entre outros, só assim torna-se possível uma compreensão real das características espermáticas da espécie. Assim, foi realizada a colheita de sêmen por eletroejaculação de tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre, com o objetivo de estabelecer as características do ejaculado por meio de microscopia de luz, 4 microscopia óptica com contraste de fase de interferência diferencial (DIC) e microscopia eletrônica de transmissão, e avaliar motilidade e vigor após refrigeração a 5°C. OBJETIVOS 5 OBJETIVOS  Caracterizar o aspecto macroscópico como volume, cor, odor, aspecto e pH do sêmen de tamanduás-bandeira de vida livre.  Determinar os parâmetros motilidade, vigor, concentração e integridade de membrana plasmática de amostras seminais da espécie.  Estabelecer a morfologia espermática por meio de microscopia de luz e microscopia com contraste de fase de interferência diferencial (DIC).  Analisar ultraestruturalmente as células espermáticas por meio de microscopia eletrônica de transmissão.  Avaliar motilidade e vigor das amostras seminais após diluição em meio Botucrio® e refrigeração a 5°C. REVISÃO DE LITERATURA 6 REVISÃO DE LITERATURA 1. Taxonomia e características da espécie A superordem Xenarthra é dividida em duas ordens: Cingulata (Tatus) e Pilosa (Tamanduás e Preguiças). São mamíferos com características únicas como: articulações secundárias denominadas “xenarthrales” localizadas entre as vértebras lombares, ossos pélvicos fusionados, taxa metabólica baixa e temperatura corporal variável sendo em média de 33°C (VALDES e SOTO, 2011). A ordem Pilosa engloba a Subordem Vermilingua, e esta por sua vez a família Myrmecophagidae, formada por tamanduás (MACKENNAL & BELL, 1997). Myrmecophaga tridactyla é o maior membro da família, pode medir até 2,1 m de comprimento e pesar até 45 kg (MEDRI et al., 2006). Muitas características anatômicas dos tamanduás refletem sua extrema especialização em uma dieta mirmecófaga, ou seja, baseada em formigas e cupins. Seus fortes membros anteriores são providos de grandes garras, que lhes permitem não só despedaçar formigueiros e cupinzeiros, como também se defender de predadores (SUPERINA, 2012). Em vida livre os tamanduás-bandeira dormem em poços cavados no solo, geralmente abaixo de árvores ou arbustos, onde se enrolam e se cobrem com a cauda espessa se camuflando. Geralmente saem a noite a procura de alimento, sendo vistos durante o dia somente em regiões raramente habitadas e podendo ser encontrados em certos momentos do dia no mesmo local do dia anterior (SCHAUERTE, 2005). 7 2. Habitat e distribuição geográfica O tamanduá-bandeira habita florestas tropicais úmidas, florestas secas, savanas e pradarias (MERITT, 2008). É encontrado na Colômbia, Equador, Venezuela, do Sul das Guianas até o Peru, Brasil, Bolívia e do Paraguai ao Norte da Argentina (GARDNER, 2007) (Figura 1). Figura 1: Mapa de distribuição da espécie Myrmecophaga tridactyla (IUCN, 2012). 3. Situação atual da espécie O tamanduá-bandeira é considerado um dos mamíferos mais ameaçados do continente americano. A espécie é decretada extinta em Belize, 8 Guatemala, Costa Rica (MEDRI & MIRANDA, 2010) e Uruguai (FALLABRINO & CASTIÑEIRA, 2006). No Brasil já desapareceu no estado de Santa Catarina (CHEREM et al., 2004) e ainda é considerado criticamente em perigo de extinção no Rio Grande do Sul (FONTANA et al., 2003). Devido à situação crítica, esta espécie é avaliada como “Vulnerável” pela IUCN (International Union for Conservation of Nature) (MEDRI e MIRANDA, 2010) e listada no Apêndice II do CITES (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora) como uma espécie de alta probabilidade de extinção, a menos que suas ameaças sejam rigorosamente controladas (CITES, 2014). Quando considerados os últimos 10 anos, nota-se que mais de 30% das populações de natureza diminuíram, devido a perdas de habitats e mortes causadas por incêndios e atropelamentos. Outros fatores importantes para o declínio destas populações in-situ são: dieta altamente específica, baixas taxas reprodutivas, e tamanho corporal avantajado (MEDRI & MIRANDA, 2010). 4. Características Reprodutivas do tamanduá-bandeira O trato reprodutivo da fêmea de tamanduá-bandeira apresenta em torno 11 cm de vestíbulo vaginal, 10 cm de vagina e um útero simples piriforme de 4 cm de comprimento por 3 cm de largura (SCHAUERTE, 2005). As fêmeas são poliéstricas não sazonais, os sinais de cio são pouco visíveis, podendo ser observada descarga vaginal sanguinolenta, a qual varia de um indivíduo para outro (BARTMANN, 1993; SCHRATTER, 2001). Patzl et al. (1998) avaliaram os perfis de estrógeno e progestágeno por meio de metabólitos fecais e observou 9 um ciclo estral com duração média de 51 dias, com fase folicular e luteal com cerca de 2 semanas cada uma, e um período médio de anestro de 3 semanas. Segundo Bartmann (1983) a cópula ocorre por 3 dias consecutivos, com a fêmea em decúbito lateral e o macho sobre ela em decúbito esternal, pressionando-a contra o solo. A gestação dura cerca de 180 dias e geralmente nasce apenas um filhote (PATZL et al., 1998; SCHAUERTE, 2005). Em natureza os tamanduás vivem solitários, com exceção de pares em período de acasalamento e de mães que permanecem com os filhotes por aproximadamente seis meses (SHAW et al. 1987). Os machos da espécie possuem um sulco grande e nítido no pênis na zona mediana ventral que termina em uma abertura prepucial de aproximadamente um centímetro de longitude (Figura 2). A constituição interna e externa do pênis permite apenas ereções brandas, sem introdução profunda no canal vaginal (BARTMANN, 1991). Os testículos estão dentro da cavidade abdominal, expostos à temperatura corporal de aproximadamente 32 a 34ºC, e a espermatogênese é ativa o ano todo (BARTMANN, 1991). Assim como o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) (ROSSI et al., 2012), os tamanduás-bandeira possuem próstata, glândula vesicular e glândula bulbouretral, as quais estão diretamente envolvidas com o transporte da secreção espermática (BARTMANN, 1991). 10 Figura 2: Foto ilustrativa do pênis de um tamanduá-bandeira, demonstrando o sulco medial ventral e a ausência de testículos externos. Não existem dados sobre longevidade, taxas de sobrevivência ou de reprodução de tamanduás selvagens, uma vez que não é possível determinar a idade de um indivíduo ao atingir o tamanho adulto (MEDRI & MIRANDA, 2010). 5. Características seminais da espécie Até o presente momento, somente MENDONÇA (2010) relatou a colheita e avaliação de sêmen de tamanduás-bandeira. Realizou-se contenção química de 13 animais de cativeiro e obtenção do ejaculado utilizando eletroejaculação. O sêmen apresentou duas frações: a primeira translúcida de aspecto viscoso e sem presença de células espermáticas, e a segunda cremosa de coloração variando do branco ao marrom claro e rica em células 11 espermáticas. Observou-se ainda a presença de grânulos com aspecto circular em ambas as frações do ejaculado. As características médias do ejaculado foram: volume de 1,3 ± 0,86 ml, pH de 7,44 ± 0,6, vigor espermático de 2,27 ± 0,35 e motilidade espermática de 33,18 ± 20,14%, com grande dispersão entre os resultados de motilidade. A avaliação morfológica evidenciou maior incidência de defeitos maiores (cauda fortemente dobrada, defeito na peça intermediária e cauda dobrada com gota) do que de menores (cauda dobrada, cabeça isolada normal e abaxial). Por fim, os testes funcionais, as análises de integridade do acrossoma e de membrana plasmática apresentaram prevalência de acrossomas e membranas intactos, e bom potencial de mitocôndria para a maioria dos animais (MENDONÇA, 2010). 6. Colheita de sêmen O volume e a composição do sêmen variam entre as espécies, sendo influenciados pelas características anatomofisiológicas do aparelho reprodutor masculino e feminino. Durante a evolução, fatores como volume, concentração e presença de gel, foram determinados mediante anatomia do útero, do pênis e do local onde o sêmen é depositado (MANN & LUTWAK-MANN, 1981). O procedimento de eletroejaculação baseia-se na indução da ejaculação através de estímulos elétricos na região da ampola retal do animal, com o auxílio de uma probe transretal com eletrodo conectado a uma fonte de estimulação elétrica (SILVA et al., 2004). Esse método é empregado com frequência em animais domésticos para avaliação andrológica e vem sendo utilizado com sucesso também em animais silvestres. Contudo, devido a 12 elevada sensibilidade desses animais à manipulação e para evitar o estresse e garantir a segurança dos animais e da equipe envolvida, o método é praticado sob contenção química (MORATO & BARNABE, 1998). A anestesia representa o principal fator de risco no procedimento, tanto para a vida do animal mediante alterações nos parâmetros fisiológicos, como para o ejaculado (DURRANT, 1990), pois pode contaminar a amostra com urina, diminuir o volume seminal, ocasionar uma ejaculação retrógrada para a bexiga, além de planos anestésicos inadequados e ineficácia de algumas colheitas (QUEIROZ, 2003; TEBET, 2004). Entretanto, a eletroejaculação transretal tem sido utilizada com sucesso na obtenção de sêmen de diversos animais selvagens, como felinos, cervos, primatas não humanos e catetos (KAHWAGE, 2010; MORATTO et al, 1998; SILVA et al., 2004; TEBET, 2004) e é considerada o recurso mais seguro e apropriado para colher sêmen desses animais, devendo-se, contudo, estabelecer um protocolo para cada espécie e de acordo com a resposta de cada indivíduo (DURRANT, 1990). 7. Análise subjetiva convencional da motilidade e vigor espermáticos Uma das principais características evolutivas de animais com fecundação interna é o desenvolvimento de uma célula germinativa móvel, capaz de se locomover em progressão no trato reprodutor feminino (FAWCETT, 1970). A eficácia no movimento progressivo representa um dos principais fatores determinantes para a fertilização (HOLT, 2000), sendo incontestável a associação entre infertilidade e ausência de motilidade espermática (OLDS-CLARKE, 1996). 13 Os parâmetros motilidade e vigor espermáticos são os mais empregados para determinar o estado fisiológico da célula e devem ser mensurados simultaneamente (SEAGER & FLETCHER, 1972). Usualmente a motilidade espermática é estimada de forma subjetiva através da avaliação visual das células sob microscopia de luz (CRESPILHO et al., 2006) determinando a percentagem de espermatozoides com movimentos progressivos na amostra (CBRA, 1998). Já o vigor espermático classifica de 0 a 5 a qualidade da motilidade observada nas células espermáticas (SILVA et al., 2003). 8. Avaliação da integridade de membrana plasmática e morfologia espermática Já foi comprovada a relação existente entre morfologia espermática e a taxa de fertilização (FRENEAU et al., 2000; SAACKE et al., 2000). A fim de avaliar as anormalidades morfológicas, Blom (1973) subdividiu os defeitos encontrados em primários e secundários. Paralelamente, Rao (1971) sugeriu uma classificação baseada nos prejuízos causados à fertilidade, dividindo os defeitos em maiores e menores. Posteriormente, os defeitos passaram a ser classificados como compensatórios e não compensatórios (SAACKE et al., 1990). Desta forma, defeitos que envolvem motilidade e transporte no trato genital da fêmea e podem ser compensados com o aumento do número de células espermáticas, enquanto aqueles ligados às falhas na fecundação do ovócito e manutenção do desenvolvimento embrionário não podem ser compensados, pois uma quantidade maior de células não aumentaria a taxa fertilizante do animal (CHENOWETH, 2005). 14 As avaliações da morfologia espermática e/ou da integridade acrossomal podem ser realizadas através de sondas fluorescentes (KALLAJOKI et al., 1986; MORTIMER et al., 1987), esfregaços corados (DIDION et al., 1989; TALBOT & CHACON, 1981; PAPA et al., 1988) ou preparações úmidas (SAACKE & MARSHALL, 1968; PURSEL et al., 1972). Esfregaços corados com eosina têm sido utilizados com eficácia para avaliar a integridade de membrana das células espermáticas. A eosina é um corante supra vital que penetra somente em células com a membrana plasmática lesada, ligando-se aos ácidos nucléicos e conferindo uma coloração rosa ao espermatozoide (BRITO et al., 2003). A coloração pelo método Karras- modificado sugerido por PAPA et al. (1988), consiste na utilização de três corantes: Rosa Bengala, Tanino e Azul Vitória e tem sido muito utilizado com sucesso no que diz respeito à coloração da célula espermática, inclusive acrossomo. A técnica de preparação úmida, na qual os espermatozoides não são corados, deve ser realizada utilizando-se microscopia capaz de destacar os contornos celulares, como microscopia de contraste de fase ou microscopia de contraste de interferência diferencial - DIC (JOHNSON et al., 1997; CELEGHINI, 2005). A metodologia com lâmina úmida em microscopia de contraste de interferência diferencial deve ser priorizada pela melhor observação dos defeitos espermáticos, uma vez que esfregaços corados apresentam mais artefatos de técnica aumentando os defeitos de cauda, peça intermediária e cabeça isolada. Adicionalmente, lâminas coradas exibem uma diminuição da observação de alguns defeitos maiores como alterações de acrossoma, vacúolos e gotas citoplasmáticas (FRENEAU et al., 2010). 15 9. Microscopia eletrônica de transmissão A microscopia eletrônica de transmissão tem sido muito utilizada para avaliação ultraestrutural dos espermatozoides de diversas espécies animais. Baseada na interação de elétrons incidentes sobre a matéria a técnica determina o tamanho e a forma de estruturas inorgânicas e biológicas (SILVA et al., 2009). Quando se pretende avaliar a morfologia e defeitos de células espermáticas em escala nanométrica (nm) há a necessidade do uso da microscopia eletrônica, pois ocorrem falhas nos métodos tradicionais de avaliação (JOSHI et al., 2001). 10. Refrigeração de sêmen A refrigeração do sêmen permite estocar e preservar o material genético de um animal por um período prolongado de tempo. Esta biotecnologia tem sido amplamente utilizada por criadores de animais domésticos (CARDOSO et al., 2002). As baixas temperaturas diminuem as taxas metabólicas do espermatozoide e prolongam sua longevidade (WATSON, 1995) devido às características da membrana plasmática das células espermáticas que nestas condições mantém menor mobilidade dos lipídios da dupla membrana, os quais se solidificam, impedindo que estes e proteínas celulares se alterem, o que mantém a estrutura da membrana celular (SÁNCHEZ, 2003). 16 Para uma refrigeração adequada do sêmen é necessário o uso de diluidores que garantam a sobrevivência dos espermatozoides em baixas temperaturas. Assim, após diluição, a queda da temperatura deve ser gradativa até manter-se a solução seminal entre 4 e 6°C (HAFEZ & HAFEZ, 2003). FELDMAN & NELSON (1996) afirmam que o sêmen de espécies domésticas quando adequadamente diluído e refrigerado, podem manter-se viáveis por até cinco dias. O sistema de refrigeração de sêmen passivo tem sido o mais utilizado em animais domésticos devido ao menor preço e maior facilidade prática a campo (VALLE et al., 1999). Este método é desenvolvido em contêineres que garantem taxas lentas de refrigeração em torno de 0,05°C/min (BRINSKO et al., 2000) e mantêm a temperatura em média de 5°C (VARNER et al., 1998). O Equitainer foi o primeiro contêiner fabricado para resfrigerar sêmen equino e garante que tais taxas de refrigeração e temperatura final sejam adequadas (DOUGLAS-HAMILTON et al., 1984). AVANZI et al. (2006) compararam outros sistemas passivos com o Equitainer, como Botutainer e Botubox, e afirmam não existir diferenças entre os contêineres quando mantidos a temperatura ambiente de cerca de 24°C. O uso destas caixas isotérmicas para o envio de amostra de sêmen entre regiões distantes permite uma melhor programação para o destino das amostras e evita a perda do material (MOTA-FILHO et al., 2007). O sistema Botuflex tem sido muito utilizado para resfriamento de sêmen equino, mantendo a temperatura de 5°C por um período máximo de 48 horas com eficácia, quando armazenado um volume total de 150 a 200 ml de solução espermática (PAPA et al., 2011). TRABALHOS CIENTÍFICOS 17 DETERMINAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS SEMINAIS E REFRIGERAÇÃO 1 DE SÊMEN DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga tridactyla) DE 2 VIDA LIVRE 3 4 Camila do Nascimento Lubaa,b - camilaluba@gmail.com 5 Flávia Regina Mirandab - flavia@tamandua.org 6 Alexandre Martins Costa Lopesb - alemclzoo@hotmail.com 7 Marcelo da Silva Gomesb - zoosbc.marcelo@gmail.com 8 Frederico Ozanan Papaa - papa@fmvz.unesp.br 9 João Carlos Pinheiro Ferreiraa - jcferreira@fmvz.unesp.br 10 11 a Departamento de Radiologia Veterinária e Reprodução animal, Faculdade de 12 Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Julio de 13 Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, São Paulo, Brasil. Endereço: Rubião 14 Junior, s/n CEP: 18.618-000. 15 16 b Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil – Projeto 17 Tamanduá. Endereço: Rua Pastor Carlos Frank, 458. Boqueirão, Curitiba, 18 Paraná, Brasil. Cep: 81.730-340. 19 20 21 Autor correspondente: 22 João Carlos Pinheiro Ferreira - Departamento de Reprodução Animal e 23 Radiologia Veterinária FMVZ – UNESP. Distrito de Rubião Junior, s/n Botucatu-24 São Paulo, Brasil. Cep: 18.618-970. jcferreira@fmvz.unesp.br. 25 mailto:camilaluba@gmail.com mailto:flavia@tamandua.org mailto:alemclzoo@hotmail.com mailto:zoosbc.marcelo@gmail.com mailto:papa@fmvz.unesp.br mailto:jcferreira@fmvz.unesp.br mailto:jcferreira@fmvz.unesp.br 18 RESUMO 26 27 O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é considerado 28 vulnerável à extinção e dados científicos em relação aos parâmetros 29 reprodutivos da espécie são escassos. Colheu-se sêmen de oito tamanduás-30 bandeira de vida livre com o intuito de estabelecer parâmetros de amostras 31 seminais relacionados ao volume, odor, coloração, motilidade, vigor, 32 concentração e morfologia espermática, e investigar o tempo em que o sêmen 33 mantém-se com motilidade e vigor quando submetido à refrigeração à 5ºC. A 34 motilidade e vigor espermáticos foram avaliados de forma subjetiva, e a 35 avaliação de morfologia espermática foi realizada por microscopia óptica 36 convencional e microscopia de contraste e interferência diferencial. O ejaculado 37 apresentou duas frações distintas sequenciais: fração esbranquiçada - leitosa e 38 rica em células espermáticas, e fração gel - incolor, viscosa e azoospérmica). 39 Os valores médios (± erro padrão) das características seminais foram: volume 40 da primeira fração 0,75 (±0,1) mL, motilidade 75 (±2,9) %, vigor 3,2 (±0,3), 41 concentração 108,5 x106/ml (±13,4), índice de integridade de membrana 42 plasmática de 71% (±4,0), alterações espermáticas em coloração karras-43 modificado 35,5% (±3,3) e 48,3% (±6,8) em microscopia de contraste de 44 interferência diferencial. Quando diluído em Botucrio® e refrigerado, o sêmen 45 apresentou motilidade e vigor por no máximo 24 horas, com valores 46 decrescentes em ambos os parâmetros no decorrer do tempo. 47 48 Palavras-chave: in-situ, eletroejaculação, reprodução, Xenarthra, Pilosa, 49 Myrmecophagidae 50 19 ABSTRACT 51 The giant anteater (Myrmecophaga tridactyla) is considered vulnerable to 52 extinction. Scientific data in relation to species reproductive parameters are 53 scarce. Semen from eight free-living giant anteaters was collected to establish 54 parameters from seminal samples related to volume, odor, color, motility, vigor, 55 concentration and spermatic morphology. Also, the period that the semen 56 maintains motility and vigor when submitted to 5ºC refrigeration was 57 investigated. Motility and spermatic vigor were evaluated subjectively. 58 Evaluation of spermatic morphology was performed with conventional optical 59 microscopy, contrast microscopy and differential interference contrast 60 microscopy. The ejaculate presented two distinct sequential fractions: a whitish 61 fraction-milky and rich in sperm cells, and a gel fraction-colorless, viscous and 62 azospermic. Mean values (± SEM) of seminal characteristics were: volume of 63 first fraction 0.75 (±0.1) mL, motility 75 (±2.9) %, vigor 3.2 (±0.3), concentration 64 108.5 x106/mL (±13.4), plasma membrane integrity index of 71% (±4.0), 65 spermatic alterations with the modified Karras staining 35.5% (±3.3) and 48.3% 66 (±6.8) in differential interference contrast microscopy. When diluted in Botucrio® 67 and refrigerated, the semen maintained motility and vigor for a maximum of 24 68 hours, with decreasing values in both parameters over time. 69 70 Keywords: in-situ, electroejaculation, reproduction, Myrmecophagidae, Pilosa, 71 Xenarthra. 72 73 74 75 20 1. INTRODUÇÃO 76 77 O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é o maior 78 representante da família Myrmecophagidae, pertencente a ordem Pilosa e 79 Superordem Xenarthra. A espécie é restrita às Américas Central e do Sul, 80 sendo encontrado em todo o território brasileiro [1] e considerada extinta no 81 Uruguai [2], Belize, Guatemala e Costa Rica. Considerando-se que as 82 populações da espécie diminuíram cerca de 30% nos últimos 10 anos, a União 83 Internacional de Conservação da Natureza (IUCN) inclui esta espécie na 84 categoria Vulnerável, ou seja, enfrenta um grande risco de extinção em médio 85 prazo [1]. Sabe-se que a espécie não possui sazonalidade, tem hábito solitário, 86 gestação de 180 dias e que origina somente um filhote, o qual permanece com 87 a mãe por cerca de seis meses. Porém, pouco se conhece sobre mais 88 aspectos reprodutivos do tamanduá-bandeira, o que torna difícil a utilização de 89 técnicas de reprodução assistida para auxiliar na conservação da espécie. 90 As principais ameaças ao tamanduá-bandeira são atropelamentos, 91 incêndios e desmatamentos [1]. As perdas de grandes áreas naturais e a 92 fragmentação de matas representa um dos principais fatores para a diminuição 93 da biodiversidade, pois geram pequenas populações isoladas, o que pode 94 acarretar em superlotação, aumento da endogamia, e aumento da 95 susceptibilidade à doenças [3]. Desta forma, a reprodução é fundamental para 96 a conservação de espécies, populações e indiretamente à vitalidade de todos 97 os ecossistemas [4]. 98 Mendonça [5] avaliou o sêmen de tamanduás-bandeira de cativeiro e 99 encontrou grande proporção de indivíduos com alterações seminais graves. Ao 100 21 final do estudo o autor ressalta a necessidade de se estudar características 101 seminais de animais de vida livre, pois uma vez que a qualidade espermática é 102 resultado de fatores que envolvem manejos ambiental, sanitário e nutricional 103 adequados, entre outros, somente assim torna-se possível compreender as 104 reais características espermáticas de uma espécie. 105 O objetivo do presente estudo foi estabelecer características do sêmen 106 fresco de tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre como 107 volume, odor, coloração, motilidade, vigor, concentração e morfologia 108 espermática, assim como avaliar motilidade e vigor do sêmen após refrigeração 109 a 5° C durante 24 horas. 110 111 2. MATERIAL E MÉTODOS 112 113 2.1. Animais e Local de Captura 114 115 Foi colhido sêmen por eletroejaculação de oito tamanduás-bandeira 116 adultos de vida livre. Destes, um animal foi apreendido em área urbana da 117 cidade de Botucatu (22º53'09"/48º26'42"), passou por triagem no CEMPAS 118 (Centro de Medicina e Pesquisa de Animais Selvagens – Universidade 119 Estadual de São Paulo) e após colheita de sêmen foi liberado em natureza. Os 120 outros sete tamanduás foram capturados na fazenda São José, região de 121 Aquidauana, no estado brasileiro de Mato Grosso do Sul 122 (20°05’43.46’’S/55°57’53.25’’) em quatro expedições de sete dias cada, nos 123 meses de outubro de 2012, abril, julho e novembro de 2013, considerando-se 124 que os animais não são sazonais. 125 22 As capturas foram realizadas por busca ativa, com procura e 126 avistamento do animal, sem uso de armadilhas. O local selecionado 127 apresentava vegetação característica de cerrado, que atua como facilitador em 128 capturas de animais desta espécie por propiciar melhor visualização dos 129 espécimes e poucas áreas de fuga. A procura dos animais foi realizada ao 130 amanhecer e ao anoitecer, devido ao hábito vespertino/noturno da espécie. 131 Uma vez encontrado, estimou-se visualmente o peso do animal e este foi 132 cercado e contido quimicamente com dardo anestésico e zarabatana (Figura 133 1). 134 135 136 Figura 1: Animal após receber dardo anestésico, localizado na musculatura do 137 membro torácico esquerdo. 138 139 23 O protocolo utilizado para anestesiar os animais foi a associação de 8,0 140 mg/kg de cloridrato de cetamina 10% (Cetamina, Syntec®, Cotia, estado de São 141 Paulo, Brasil), 0,5 mg/kg de midazolam (Dormire®, Cristália Produtos Químicos 142 Farmacêuticos LTDA., São Paulo, Brasil) e 0,5 mg/kg de cloridrato de xilazina 143 2% (Xilazin, Syntec®, Cotia, estado de São Paulo, Brasil). 144 Todos os animais capturados foram marcados individualmente com 145 implantação de microchip subcutâneo em região dorsal. Os indivíduos 146 utilizados no experimento foram identificados com a primeira letra do gênero 147 Myrmecophaga seguida da letra inicial da cidade onde foram encontrados, 148 utilizando-se MB1 (tamanduá encontrado em Botucatu, estado de São Paulo, 149 Brasil), MA1, MA2, MA3, MA4, MA5, MA6 e MA7 (animais capturados em 150 Aquidauana, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil). 151 152 2.2. Colheita de sêmen 153 154 Após contenção química foi realizada tricotomia e lavagem com solução 155 de 0,9% de NaCl da área genital. Utilizou-se um aparelho de eletroestimulação 156 (Eletrojet Premium, Eletrovet®, Eletrovet LTDA, Valinhos, estado de São Paulo, 157 Brasil) e uma probe com 1,3 cm de diâmetro, 17 cm de comprimento e dois 158 eletrodos com 7 cm de extensão (Figura 2). A probe foi lubrificada com 159 carboximetil celulose, cerca de 16 cm da sua extensão total foi introduzida no 160 reto, sendo assim posicionada sobre as glândulas sexuais acessórias [6]. 161 24 162 Figura 2: Probe confeccionada para realização de eletroejaculação em tamanduás-163 bandeira. 164 165 O protocolo de eletroejaculação foi baseado nos estudos de PLATZ e 166 SEAGER em felinos [7], no qual são descritos 80 estímulos, divididos em três 167 séries. A primeira série composta de 10 estímulos elétricos de 2 V, 10 de 3 V e 168 10 de 4 V, seguidos por um período de descanso de dois minutos. A segunda 169 série consiste de 10 estímulos de 3 V, 10 de 4 V e 10 de 5 V, seguidos 170 novamente de um período de descanso de dois minutos. Por fim, a última série 171 com 10 estímulos elétricos de 5 V e 10 de 6 V. O procedimento de 172 eletroestimulação foi interrompido assim que se obteve a fração rica em células 173 espermáticas do ejaculado, exceto em 3 procedimentos nos quais os estímulos 174 foram prolongados até a obtenção da fração gel do ejaculado. 175 25 As amostras seminas foram acondicionadas em tubos plásticos de 2,0 176 mL e transportadas ao laboratório em cerca de 10 a 15 minutos. 177 178 2.3. Avaliação do sêmen 179 180 O volume do ejaculado foi mensurado com micropipeta variável de 100 a 181 1.000 µL. O aspecto foi determinado visualmente e classificado como viscoso, 182 cremoso ou aquoso. A cor foi classificada como translúcida, opalescente ou 183 esbranquiçada. O pH foi aferido com tiras indicadoras (pH - indicator strips 0-184 14, Universal indicator, Merck®, Merck KGaA, Hessen, Alemanha). 185 Subsequentemente, realizou-se exames subjetivos de motilidade e vigor 186 espermáticos, entre lâmina e lamínula aquecidas a 30°C em placa aquecedora, 187 utilizando-se microscópio de luz (DM500, Leica®, Wetzlar, Alemanha) com 188 câmera digital (ICC50 HD, Leica®, Leica Microsystems, Wetzlar, Alemanha) 189 acoplada, em aumento de 200x. A temperatura de 30°C foi selecionada a partir 190 dos resultados de estudos preliminares, nos quais obteve-se maior tempo de 191 manutenção da motilidade e vigor espermáticos. Os resultados foram 192 expressos em porcentagem (0 a 100%) para a motilidade e em escore de 0 a 5 193 para vigor. 194 A concentração espermática foi determinada em câmara hematimétrica 195 de Neubauer sob microscopia de luz (aumento de 400x), após diluição de 1:20 196 em água destilada. Os resultados foram apresentados em número de 197 espermatozoides/mL. 198 A integridade de membrana plasmática foi avaliada pela coloração com 199 eosina 3% em água destilada, após confecção de dois esfregaços para cada 200 26 animal com 10 µL de sêmen fresco e 10 µL da solução de coloração. A leitura 201 das lâminas foi realizada em aumento de 400x, classificando-se as células 202 coradas em vermelho como apresentando membrana lesada e as células sem 203 coloração com a membrana íntegra. O resultado foi expresso em porcentagem 204 (0 a 100%) de células com a membrana íntegra. 205 A morfologia espermática foi avaliada por dois métodos, nos quais foram 206 contadas 200 células. Utilizou-se método Karras-modificado [8], para o qual 207 foram confeccionados três esfregaços com 10 µL de sêmen fresco fixados em 208 metanol. Concomitantemente, uma alíquota de 10 µL de sêmen fresco foi 209 conservada em 500 µL de formol salina para realização do segundo teste em 210 microscopia de contraste de interferência diferencial (DIC). 211 Para dimensionar a morfometria espermática foi utilizado o software 212 LAS EZ (Leica®, Leica Microsystems, Wetzlar, Alemanha). Foram avaliadas 213 trinta células de cada indivíduo em esfregaço corado com Karras-modificado e 214 aumento de 1000x, nas quais aferiu-se a largura da cabeça, comprimento de 215 cabeça e da peça intermediária, comprimento total da cauda e comprimento 216 total do espermatozoide. 217 Para identificação da constituição dos grânulos presentes no ejaculado 218 da espécie, descritos por Mendonça [5] foi utilizada a coloração de 219 diferenciação lipídica com o corante oil-red O (Invitrogen Life Science 220 Technologies, Carlsbad, CA, USA), que faz com que moléculas de lipídio 221 tornem-se avermelhadas. Para isto empregou-se alíquotas de 200 μL de cada 222 fração da amostra seminal (frações rica espermática e gel), que foram 223 depositadas separadamente em placas de petri. Subsequentemente, foi 224 adicionado 1 mL do corante em cada placa e após 20 minutos lavou-se ambas 225 27 com água destilada, retirando posteriormente o conteúdo líquido em excesso. A 226 solução restante em cada placa de petri foi observada em microscopia de luz 227 sob aumento de 2000 a 6300x. 228 229 2.4. Refrigeração do sêmen 230 231 Após colheita e avaliação do ejaculado, diluiu-se uma parte do sêmen 232 em duas partes do diluente Botucrio® sem crioprotetor (Botupharma Ind. e 233 Com. de Produtos Veterinários Ltda, Botucatu, São Paulo, Brasil), em 234 recipientes plásticos com capacidade volumétrica de 2 mL. O sêmen diluído foi 235 armazenado em sistema Botuflex® (Botupharma®, Botupharma Ind. e Com. de 236 Produtos Veterinários Ltda, Botucatu, São Paulo, Brasil), adequando-se o 237 volume necessário para uma taxa eficiente de refrigeração (-0,05°C/min até 238 5°C) com dois frascos contendo 90 mL de água, de acordo com a metodologia 239 descrita por Papa et al [9] . A motilidade e vigor espermáticos foram avaliados a 240 cada seis horas, utilizando-se os mesmos procedimentos descritos 241 anteriormente, até que não fossem observados espermatozoides móveis na 242 amostra. 243 244 2.5. Análise estatística dos dados 245 246 Para os parâmetros seminais foi utilizado a média e erro padrão dos 247 valores encontrados para os oito animais. Já para refrigeração de sêmen foi 248 utilizada análise de variância (ANOVA) para medidas repetidas, seguida pelo 249 teste tukey, no programa SigmaPlot 11.0 (Systat Software, Inc., 2008). Para 250 28 avaliação estatística dos dados, considerou-se M0 para o sêmen fresco, M6, 251 M12, M18 e M24, para 6, 12, 18 e 24 horas após o início do resfriamento, 252 respectivamente. 253 254 3. RESULTADOS 255 256 Durante o período experimental foram capturados um macho no mês de 257 abril, um no mês de julho e cinco machos no mês de novembro de 2013. 258 Nenhum indivíduo foi recapturado e todos foram considerados saudáveis e 259 mantiveram-se estáveis durante todo o procedimento de colheita do sêmen, 260 com bom retorno anestésico. 261 As amostras seminais apresentaram duas frações distintas: a primeira 262 de coloração esbranquiçada, aspecto leitoso e rica em células espermáticas, e 263 a segunda incolor, de aspecto viscoso e ausência de espermatozoides. A 264 segunda fração, denominada gel espermático, foi de difícil dissolução, não 265 podendo ser liquefeita em até 6 horas de aquecimento em banho-maria a 37°C. 266 A primeira fração do ejaculado, em todos os animais, foi obtida com o 267 emprego apenas da primeira série de estímulos elétricos, não sendo 268 necessária a execução completa do protocolo de eletroestimulação. O término 269 da primeira fração foi caracterizado pelo inicio da expulsão da segunda fração 270 de aspecto gel. 271 O volume da fração gel variou entre os indivíduos, de forma que o 272 animal MB1 ejaculou 1,2 mL, o MA1 0,3 mL e o MA2 0,4 mL. Observou-se 273 maior quantidade de gel conforme o aumento do número e intensidade dos 274 estímulos elétricos e maior profundidade da probe no reto. 275 29 O odor foi caracterizado como suis-generis e o pH de todos os 276 ejaculados foi 10, conferindo caráter básico ao sêmen. 277 Os valores individuais e médios (± erro padrão) encontrados para 278 volume, motilidade, vigor e concentração espermáticos, e integridade de 279 membrana plasmática, estão expressos na Tabela 1. 280 30 Tabela 1: Valores individuais e médios (± erro padrão) das características seminais de tamanduá-bandeira de vida livre. 281 Volume (ml) Animais Fração rica Gel Motilidade (%) Vigor (0- 5) Concentração (x106/ml) I.M.P(%)* MB1 0,7 1,2 70 2 52 68 MA1 1,5 0,4 75 3 102 77 MA2 1 0,3 60 3 60 58 MA3 0,2 0 70 2 99 53 MA4 0,6 0 80 3 157 74 MA5 0,9 0 85 4 131 70 MA6 0,6 0 85 4 147 87 MA7 0,5 0 75 4 120 81 Média ± EP 0,75 (± 0,1) 0,6 (± 0,1) 75 (± 2,9) 3,1 (± 0,3) 108,5 (± 13,4) 71 (± 4,0) * I.M.P: Índice de integridade da membrana plasmática 282 31 Os espermatozoides apresentaram cabeça de formato oval, com 283 acrossomo ocupando cerca de metade da sua área (Figura 3). A morfologia 284 espermática mediante Karras-modificado e DIC estão exibidas na tabela 2. 285 286 287 Figura 3: Aspecto microscópico dos espermatozoides de tamanduá-bandeira corados 288 pelo método Karras-modificado sob aumento de 1000x. 289 290 291 292 293 294 295 296 32 Tabela 2: Classes morfológicas encontradas em espermatozoides do tamanduá-297 bandeira espressas em porcentagem, sob coloração com Karras-modificado e DIC, e 298 média (± erro padrão) das alterações encontradas para cada técnica. 299 Morfologia espermática KARRAS - modificado DIC Acrossoma lesado 4,37 ± 1,01 8,25 ± 1,80 Knobedd 0 2,50 ± 0,56 Cabeça Piriforme 2,00 ± 0,56 2,50 ± 0,56 Subdesenvolvida 1,62 ± 0,46 2,12 ± 0,69 Estreita na base 0 0,12 ± 0,12 Pequena anormal 0,50 ± 0,37 0,37 ± 0,26 Contorno anormal 0,50 ± 0,26 0,62 ± 0,41 Isolada patológica 0,50 ± 0,50 0,25 ± 0,16 Vacúolos nucleares 0 3,25 ± 0,95 Defeito de peça intermediária 0,87 ± 0,35 1,50 ± 0,37 Cauda Gota citoplasmática proximal 5,25 ± 1,42 6,00 ± 1,34 Gota citoplasmática distal 6,00 ± 1,40 13,5 ± 4,53 Fortemente dobrada 2,62 ± 1,08 1,75 ± 1,84 Dobrada com gota 4,37 ± 1,03 7,00 ± 0,64 Enrolada/dobrada 6,62 ± 2,40 6,25 ± 4,46 Abaxial 4,37 ±1,55 6,75 ± 1,97 Média ± EP 35,5% (±3,3) 48,3% (±6,8) 300 A presença de grânulos arredondados simétricos, com borda regular, de 301 diversos tamanhos e de difícil dissolução foi identificada em ambas as frações 302 espermáticas, porém em maior quantidade na primeira (Figura 4). Sob a 303 coloração por oil-red O, os grânulos tornaram-se avermelhados, o que 304 caracteriza sua constituição lipídica (figura 5). 305 306 33 307 Figura 4: Aspecto microscópico do sêmen de Myrmecophaga tridactyla em aumento 308 de 200x, contendo grânulos arredondados (setas pretas) e espermatozoides (setas 309 vermelhas). 310 311 34 312 Figura 5: Grânulos de lipídio (seta) evidenciados pela coloração oil-red O observados 313 no ejaculado de tamanduás-bandeira em aumento de 6300x. 314 315 Os valores morfométricos médios ± erro padrão dos espermatozoides 316 foram: largura de cabeça de 5,1 ± 0,09 µm, comprimento de cabeça 9,2 ± 0,1 317 µm, comprimento de peça intermediária 14,2 ± 0,1 µm, comprimento de cauda 318 55,1 ± 0,7 µm, comprimento total da célula espermática 64,4 ± 0,8 µm (figura 319 6). 320 321 35 322 Figura 6: Aspecto microscópico da célula espermática de tamanduá-bandeira 323 apresentando os seus valores morfométricos médios ± erro padrão. 324 325 3.1. Refrigeração do sêmen 326 327 Os ejaculados obtidos dos animais MB1 e MA3 não foram refrigerados, 328 pois não apresentaram volume suficiente. 329 A motilidade espermática diminuiu de acordo com o tempo de 330 refrigeração (p<0,05), com exceção dos momentos M18 e M24, que não 331 apresentaram diferenças (p>0,05). Já vigor manteve-se constante até M6 332 (p>0,05), quando teve uma diminuição significativa de M6 para M18 (p<0,05) e 333 manteve-se novamente constante de M18 a M24 (p>0,05). Os valores para 334 cada animal pós-refrigeração do sêmen estão expressos na tabela 3. 335 336 337 36 Tabela 3: Valores representativos de motilidade e vigor após até 24 horas da solução espermática de cada animal após refrigeração à 5°C em 338 Botuflex®. 339 Sêmen fresco 6 horas 12 horas 18 horas 24 horas Animais Motilidade (%) Vigor (0-5) Motilidade (%) Vigor (0-5) Motilidade (%) Vigor (0-5) Motilidade (%) Vigor (0-5) Motilidade (%) Vigor (0-5) MA1 75 3 60 3 40 2 10 1 0 0 MA2 60 3 30 2 10 1 0 0 0 0 MA4 80 3 65 3 50 3 30 2 10 2 MA5 85 4 75 3 50 2 10 1 0 0 MA6 85 4 55 3 20 2 10 1 0 0 MA7 75 4 65 3 50 2 30 1 10 1 37 4. DISCUSSÃO 340 341 Este é o primeiro estudo a respeito das características seminais de 342 tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) realizado in situ, o que 343 representa um importante avanço científico e início de um banco de dados para 344 a superordem Xenarthra. 345 Foi possível demonstrar que a eletroejaculação é um método efetivo 346 para colheita de sêmen de tamanduás-bandeira de vida livre, assim como 347 descrito por Mendonça [5] em espécimes de cativeiro, e para tatus [10, 11] e 348 preguiças [12]. 349 O ejaculado formado por duas frações distintas também pode ser 350 observado em outros animais como cavalos [13], cachaços [14], javalis [15] e 351 catetos [16], porém a função fisiológica deste gel ainda é desconhecida e pode 352 variar conforme a espécie. 353 O gel encontrado em amostras seminais de tamanduás-bandeira de vida 354 livre também foi descrito no ejaculado de outros membros da superordem 355 Xenarthra como preguiças do gênero Bradypus [12] e tatus da espécie 356 Euphractus sexcinctus [10, 11]. Santos et al. [17], relata ainda a ausência de 357 motilidade progressiva em tatus devido a alta viscosidade do gel e a dificuldade 358 de liquefação deste conteúdo. Contudo, verificou-se durante o procedimento de 359 eletroejaculação dos tamanduás in-situ a ejeção inicial da fração rica em 360 espermatozoides, ao contrário daquilo referido para tamanduás cativos, os 361 quais expulsam primeiramente a fração gel [5]. 362 Conforme descrito por Mendonça e observado em etapas preliminares 363 deste estudo, as amostras seminais obtidas de tamanduás-bandeira cativos 364 38 apresentam diferenças marcantes em relação aos espécimes de vida livre. Os 365 animais in-situ apresentaram valores superiores de motilidade e vigor 366 espermáticos, assim como valores inferiores de alterações nos 367 espermatozoides, quando comparados com tamanduás de cativeiro [5]. Além 368 disso, evidencia-se o pH alcalino encontrado em ejaculados de animais livres, 369 condizente com o sêmen de tatus ex situ [10], porém diferente do observado 370 em Myrmecophaga tridactyla de cativeiro, relatado em torno de 7 [5]. Segundo 371 Setchell et al. [18] a eletroejaculação pode elevar o pH do sêmen devido a uma 372 superestimulação de glândulas acessórias e consequentemente maior 373 quantidade de plasma seminal. No entanto, o volume adquirido em animais ex 374 situ foi maior [5] do que o encontrado em animais de vida livre, o que torna 375 plausível uma alteração seminal devido as modificações nutricionais e no bem-376 estar destes animais quando submetidos ao cativeiro. 377 Outro aspecto de relevância no sêmen de tamanduás livres e cativos [5] 378 é a presença de grânulos de lipídio no ejaculado, o que não foi descrito para 379 outros xenarthros. A função deste componente no plasma seminal não foi 380 elucidada e não está disponível em literatura. Sabe-se que lipídio é um dos 381 componentes do plasma seminal e que este fluido tem papel essencial nas 382 funções espermáticas desde a ejaculação até a sobrevivência no trato 383 reprodutivo das fêmeas [19]. Considerando ainda o pênis diminuto e limitada 384 penetração peniana durante a cópula [6], é possível relacionar tais achados 385 com o longo percurso espermático no aparelho reprodutivo das fêmeas da 386 espécie, que possuem grande comprimento de vagina e vestíbulo vaginal, 387 medindo cerca de 10 cm cada [20]. 388 39 Em geral, a morfologia do espermatozoide de tamanduás-bandeira é 389 semelhante a de outros mamíferos, incluindo os membros da ordem Pilosa 390 Bradypus variegatus [12], porém, difere em formato do espermatozoide de 391 Euphractus sexcinctus, que possui cabeça mais arredondada e achatada 392 [10,11]. As anormalidades mais encontradas em células espermáticas de 393 tamanduás de vida livre, tais como gota citoplasmática distal e cauda dobrada, 394 consideradas por Blom como defeitos menores [21], também foram verificadas 395 em tamanduás-bandeira cativos [5], tatus [11] e preguiças [12]. Essas 396 alterações podem aindaser sugestivas da menor atividade sexual observada 397 em animais com hábitos solitários in situ. 398 A morfometria dos espermatozoides de Myrmecophaga tridactyla (64,4 ± 399 0,8 µm) encontra-se próxima a média de mamíferos placentários que medem 400 69,2 (± 4,1 µm) [22], sendo maior do que de Preguiças de três dedos (Bradypus 401 tridactylus) com comprimento de 33,2 ± 0,7 µm [12], porém semelhante a 402 Tamandua tetradactyla, que mede 67,0 ± 1,6 µm [23]. 403 As células espermáticas de tamanduás-bandeira de vida livre quando 404 submetidas a 5°C permaneceram com motilidade e vigor por no máximo 24 405 horas, o que não corresponde com padrões encontrados para animais 406 domésticos, em que os espermatozoides permanecem com movimento 407 progressivo até 48 horas sob mesmas condições de temperatura e volume [9]. 408 Segundo Darenius [24], para uma boa refrigeração do sêmen a pressão 409 osmótica e o pH do meio diluente devem ser semelhantes aqueles encontrados 410 no ejaculado de garanhões, ou seja 300 a 350 mOsm e 7,0 a 7,2, 411 respectivamente. Sabendo-se que o meio diluente Botucrio é formulado em pH 412 40 7 para a espécie equina, sugere-se que o resfriamento foi ineficaz devido as 413 diferenças físico-químicas encontradas no sêmen dos tamanduás. 414 Sabe-se que condições de cativeiro como nutrição, sanidade e ambiente 415 inadequados, juntamente com o estresse podem alterar os parâmetros 416 reprodutivos e limitar o uso de estratégias tradicionais de reprodução de 417 animais ex situ [3, 25]. Assim, o presente estudo proporciona um incentivo para 418 o contínuo estudo com animais da espécie in-situ em relação a criopreservação 419 do sêmen, bancos genéticos e uso de biotecnologias da reprodução, que 420 podem futuramente auxiliar em programas de conservação para os membros 421 da família Myrmecophagidae. 422 423 Agradecimentos 424 Os autores agradecem o auxílio ao processo nº 2012/24538-7, 425 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e a 426 Pousada Aguapé por todo o apoio pessoal e estrutural a campo. 427 428 429 REFERÊNCIAS 430 431 [1] Medri I, Miranda F. 2010. Myrmecophaga tridactyla. In: IUCN 2012. IUCN 432 Red List of Threatened Species. 2012. www.iucnredlist.org - Accessed on 433 30/07/2014. 434 [2] Fallabrino A, Castiñeira E. Situacion de los Edentados en Uruguay. Edentata 435 2006; 7:1-3. 436 41 [3] Lasley BL, Loskutoff NM, Anderson GB. 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Reproduction 2001; 122:745-751. 512 45 AVALIAÇÃO POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO DOS 1 ESPERMATOZOIDES DE TAMANDUÁS-BANDEIRA (Myrmecophaga 2 tridactyla) DE VIDA LIVRE 3 4 Camila do Nascimento Lubaa,b - camilaluba@gmail.com 5 Flávia Regina Mirandab - flavia@tamandua.org 6 Vinícius Peron de Oliveira Gasparottob - vini_peron@msn.com 7 Fernanda da Cruz Landim e Alvarengaa - fernanda@fmvz.unesp.br 8 Frederico Ozanan Papaa - papa@fmvz.unesp.br 9 João Carlos Pinheiro Ferreiraa - jcferreira@fmvz.unesp.br 10 11 a Departamento de Radiologia Veterinária e Reprodução animal, Faculdade de 12 Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Julio de 13 Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, São Paulo, Brasil. Endereço: Rubião 14 Junior, s/n CEP: 18.618-000. 15 16 b Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil – Projeto 17 Tamanduá. Endereço: Rua Pastor Carlos Frank, 458. Boqueirão, Curitiba, 18 Paraná, Brasil. Cep: 81.730-340. 19 20 21 Autor correspondente: 22 João Carlos Pinheiro Ferreira - Departamento de Reprodução Animal e 23 Radiologia Veterinária FMVZ – UNESP. Distrito de Rubião Junior, s/n Botucatu-24 São Paulo, Brasil. Cep: 18.618-970. jcferreira@fmvz.unesp.br. 25 26 mailto:camilaluba@gmail.com mailto:flavia@tamandua.org mailto:fernanda@fmvz.unesp.br mailto:papa@fmvz.unesp.br mailto:jcferreira@fmvz.unesp.br mailto:jcferreira@fmvz.unesp.br 46 RESUMO 27 28 Foram realizadas avaliações ultraestruturais sob microscopia eletrônica 29 de transmissão dos espermatozoides de oito tamanduás-bandeira 30 (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre. As amostras seminais foram colhidas 31 por eletroejaculação e armazenadas em glutaraldeído 2,5%. As células 32 espermáticas apresentaram-se com formato cônico, acrossoma ocupando dois 33 terços da cabeça e núcleo espermático elétron-denso com pontos elétron-34 lucentes distribuídos por toda a cabeça espermática. Na região do pescoço 35 observou-se a presença do capitulum e centríolo proximal. A estrutura da 36 cauda dos espermatozoides é semelhante a maioria dos mamíferos, com um 37 axonema central e uma bainha mitocondrial helicoidal na peça intermediária. 38 Quanto as anormalidades, observou-se destacamento do acrossoma e dag-39 defect em algumas células. 40 41 Palavras-chave: Myrmecophagidae, Xenarthra, sêmen 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 47 ABSTRACT 52 53 Ultrastuctural evaluations were performed under transmission electron 54 microscopy of sperm eight free-living giant anteater (Myrmecophaga tridactyla). 55 The seminal samples were collected by electroejaculation and stored in 56 glutaraldehyde 2.5%. Sperm cells presented with conical shape, acrosome 57 occupying two thirds of the sperm head. Observed electron-dense nucleus with 58 electron-lucentes points distributed throughout the sperm head. In the neck it 59 was observed the presence of the capitulum and proximal centriole. The 60 structure of the tail of the sperm is similar to most mammals, with a central 61 axoneme and mitochondrial sheath helical in midpiece. The abnormalities 62 observed in some cells it was detachment of the acrosome and dag-defect. 63 64 Keywords: Myrmecophagidae, Xenarthra, Semen 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 48 1. INTRODUÇÃO 77 78 O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é um dos mamíferos 79 mais ameaçados da América do Sul, listado na categoria Vulnerável pela IUCN 80 (União Internacional de Conservação da Natureza). Devido a ameaças como 81 atropelamentos, incêndios e desmatamentos, essa espécie teve sua população 82 diminuída em cerca de 30% nos últimos 10 anos [1]. 83 O maior representante da família Myrmecophagidae, o tamanduá-84 bandeira, pertence a ordem Pilosa e Superordem Xenarthra, ocorre em todos 85 os biomas brasileiros e tem sua distribuição restrita às Américas Central e do 86 Sul [1]. Considerada extinta no Uruguai [2], Belize, Guatemala e Costa Rica, a 87 espécie enfrenta um grande risco de extinção em médio prazo [1]. 88 O conhecimento morfofisiológico reprodutivo é fundamental para a 89 conservação de espécies, populações e indiretamente à vitalidade dos 90 ecossistemas [3]. Dados reprodutivos de Myrmecophaga tridactyla são 91 escassos, há poucos estudos disponíveis sobre aspectos reprodutivos do 92 macho da espécie e até o presente momento não existem relatos científicos 93 sobre a morfologia ultraestrutural dos seus espermatozoides. 94 O conhecimento da morfologia da célula espermática é a base para a 95 compreensão de mecanismos reprodutivos relacionados ao sexo masculino. A 96 microscopia eletrônica de transmissão permite a avaliação de aspectos 97 morfológicos dos espermatozoides em escala nanométrica (nm), o que não é 98 possível com os métodos tradicionais de microscopia de luz [4]. Assim, o 99 objetivo do presente estudo foi descrever a ultraestrutura das células 100 espermáticas utilizando-se microscopia eletrônica de transmissão. 101 49 102 2. MATERIAL E MÉTODOS 103 104 Colheu-se sêmen por eletroejaculação de oito tamanduás-bandeira 105 adultos de vida livre capturados na Fazenda São José, região de Aquidauana, 106 no estado brasileiro de Mato Grosso do Sul (20°05’43.46’’S/55°57’53.25’’), em 107 quatro expedições de sete dias cada uma, nos meses de outubro de 2012, 108 abril, julho e novembro de 2013. 109 As capturas foram realizadas por busca ativa, com procura e 110 avistamento do animal, sem uso de armadilhas. O local foi selecionado por 111 apresentar vegetação característica de cerrado, que atua como facilitador em 112 capturas de animais desta espécie devido à melhor visualização dos 113 espécimes e poucas áreas de fuga. Devido às características sono-vigília da 114 espécie, a procura pelos animais foi realizada sempre ao amanhecer e a partir 115 do anoitecer. Uma vez encontrado, estimava-se visualmente o peso do animal, 116 o qual era cercado e contido quimicamente com dardo anestésico e 117 zarabatana. 118 O protocolo utilizado para anestesiar os animais foi a associação de 8,0 119 mg/kg de cloridrato de cetamina 10% (Cetamina, Syntec®, Cotia, estado de São 120 Paulo, Brasil), 0,5 mg/kg de midazolam (Dormire®, Cristália Produtos Químicos 121 Farmacêuticos LTDA., São Paulo, Brasil) e 0,5 mg/kg de cloridrato de xilazina 122 2% (Xilazin, Syntec®, Cotia, estado de São Paulo, Brasil). 123 Após contenção química foi realizada tricotomia e lavagem com solução 124 de 0,9% de NaCl da área genital. Utilizou-se um aparelho de eletroestimulação 125 (Eletrojet Premium, Eletrovet®, Eletrovet LTDA, Valinhos, estado de São Paulo, 126 50 Brasil) e uma probe com 1,3 cm de diâmetro, 17 cm de comprimento e dois 127 eletrodos com 7 cm de extensão. A probe foi lubrificada com carboximetil 128 celulose e introduzida no reto sobre as glândulas sexuais acessórias [5]. O 129 protocolo de eletroejaculação foi baseado nos estudos de Platz e Seager em 130 felinos [6], no qual utilizou-se 80 estímulos, divididos em três séries. A primeira 131 série foi composta de 10 estímulos elétricos de 2 V, 10 de 3 V e 10 de 4 V, 132 seguidos por um período de descanso de dois minutos. A segunda série 133 consistiu de 10 estímulos de 3 V, 10 de 4 V e 10 de 5 V, seguidos novamente 134 de um período de descanso de dois minutos. Por fim, na terceira série utilizou-135 se 10 estímulos elétricos de 5 V e 10 de 6 V. 136 Após as colheitas, alíquotas de 50 µL da amostra seminal de cada 137 animal foram armazenadas em tubos plásticos contendo 2,0 mL de 138 glutaraldeído a 2,5% com tampão fosfato 0,1mol l-1, em pH 7,4. Posteriormente, 139 no laboratório de morfologia celular (Instituto de biociências – UNESP, Campus 140 de Botucatu-SP, Brasil) a solução foi centrifugada a 300x g por 10 minutos e os 141 pellets foram enxaguados com solução tampão fosfato e fixados em solução de 142 tetróxido de ósmio 1%, tamponada em PBS, durante 3 horas a 4°C. 143 Subsequentemente, as células espermáticas foram desidratadas em gradiente 144 crescente de acetona (30, 50, 70, 90 e 100%) por 5 minutos em cada escala. 145 Utilizou-se resina Araldite 502 para as inclusões do material, que foi então 146 cortado (cortes ultrafinos de 50 nm) e corado com solução saturada de acetato 147 de uranila em álcool etílico 50% e, posteriormente, em citrato de chumbo. As 148 amostras foram avaliadas e fotografadas em aparelho Tecnai G2 Spirit® (Fei 149 Company®). 150 151 51 3. RESULTADOS 152 153 A avaliação dos espermatozoides foi realizada somente de maneira 154 descritiva. As células espermáticas apresentaram cabeça de formato cônico e 155 acrossoma estendendo-se por dois terços da cabeça espermática (figura 1A e 156 1C). O acrossoma apresentou elétron-densidade homogênea, com duas cristas 157 apicais, na porção apical, caracterizadas como protuberâncias similares em 158 tamanho e em extremidades opostas (figura 1B, 1C e 1E). O segmento 159 equatorial do acrossoma apresentou um estreitamento sutil terminando na 160 região pós-acrossomal onde está presente uma lâmina densa entre o núcleo e 161 a membrana plasmática (figura 1A). Não foi observada estrutura condizente 162 com perforatorium. 163 O núcleo mostrou-se significantemente elétron-denso com pontos 164 elétron-lucentes pequenos e difusos espalhados por toda a cabeça 165 espermática (figura 1C e 1E). A parte caudal do núcleo apresentou-se 166 praticamente plana formando a fossa de implantação. Associada a membrana 167 nuclear desta região foi observada uma camada espessa de material fibroso 168 formando o capitulum, alongado no seu eixo transversal, e ligando-se as fibras 169 densas da peça intermediária. Além do capitulum, é possível observar na 170 região do colo espermático o centríolo proximal (figura 1C). 171 A peça intermediária apareceu composta por um axonema típico (com 172 um par central e nove pares periféricos de microtúbulos) envolto por 173 mitocôndrias dispostas aparentemente de maneira longitudinal e helicoidal (1D 174 e 1F). Na transição entre a peça intermediária e peça principal foi observado o 175 52 annulus marcando o fim do cinturão mitocondrial, porém sem diminuição do 176 diâmetro do axonema (figura 1D). 177 Em todas as amostras examinadas foi observada uma pequena 178 porcentagem de espermatozoides anormais. As anormalidades morfológicas 179 mais observadas foram cauda enrolada e destacamento do acrossomo. A 180 primeira, também conhecida como Dag deffect, foi caracterizada pela presença 181 de grandes massas citoplasmáticas contendo vários cortes do axonema (figura 182 2A). Nestes casos, com frequência observou-se perda de microtúbulos em um 183 dos lados do axonema (figura 2B, 2C e 2D). Já em células espermáticas que 184 exibiram destacamento do acrossoma, este apresentou-se com elétron-185 densidade normal, porém com aspecto ondulado e completamente destacado 186 da membrana nuclear externa (figura 2F e 2G). Este aspecto foi diferente das 187 eventuais observações de espermatozoides que sofreram reação acrossomal 188 prematura (figura 2E). 189 190 191 192 193 194 53 195 Figura 1: Morfologia ultraestrutural dos espermatozoides de tamanduá-bandeira. (A) 196 Corte longitudinal da célula espermática - PL: Plasmalema; ES: segmento equatorial; 197 PA: região pós-acrossomal. (B) Corte transversal da cabeça espermática – AC: crista 198 apical. (C) A: acrosoma; AC: crista apical; NU: núcleo espermático; IF: fossa de 199 implantação; CAP: capitulum; PC: centríolo proximal; M: mitocôndria; MS: bainha 200 mitocondrial; setas pretas: segmento equatorial; setas vermelhas: pontos difusos 201 elétron-lucentes presentes no núcleo. (D) MP: peça intermediária; PP: peça principal; 202 AN: annulus; MS: bainha mitocondrial. (E) NU: núcleo; OAM: membrana acrossomal 203 externa; IAM: membrana acrossomal interna; PL: plasmalema; AC: crista apical; PA: 204 região pós-acrossomal; setas pretas: segmento equatorial; setas vermelhas: pontos 205 difusos elétron-lucentes presentes no núcleo. (F) corte transversal da cauda – AX: 206 axonema; MS: bainha mitocondrial; ODF: fibra densa externa. 207 208 54 209 Figura 2: Anormalidades encontradas nas células espermáticas de tamanduás-210 bandeira (Myrmecophaga tridactyla). (A) Seta preta: Dag-defect – é possível observar 211 uma massa citoplasmática contendo diversos cortes do axonema; (B/C/D) seta preta: 212 55 perda de microtúbulos em um dos lados do axonema; (E) seta preta: reação 213 acrossomal prematura; (F/G) seta preta: destacamento do acrossoma. 214 215 216 4. DISCUSSÃO 217 218 A morfologia dos espermatozoides de cada espécie animal está 219 relacionada a características filogenéticas e com o sítio de fertilização da 220 espécie [7]. A ultraestrutura do espermatozoide de tamanduás-bandeira 221 (Myrmecophaga tridactyla) se assemelha a de outros mamíferos, entretanto 222 diferencia-se em formato e espessura do espermatozoide de tatus das 223 espécies Euphractus sexcinctus [8] e Cabassous unicinctus [9], membros da 224 mesma superordem xenarthra, os quais apresentam cabeça espermática 225 arredondada, achatada e com um estreitamento gradual em direção ao ápice. 226 O acrossomo é uma estrutura altamente especializada que recobre 227 anteriormente o núcleo espermático. Seu conteúdo é composto por enzimas 228 hidrolíticas armazenadas durante a espermiogênese, as quais são liberadas no 229 momento do contato entre espermatozoide e óvulo quando ocorre a reação 230 acrossomal [10]. Em mamíferos, diversos estudos ultraestruturais têm 231 demonstrado que o acrossomo é composto por um conteúdo amorfo de média 232 elétron-densidade [7], assim como observado no espermazoide de tamanduás-233 bandeira, o qual possui elétron-densidade homogênea em toda a sua extensão. 234 As cristas apicais presentes no acrossomo de espermatozoides de 235 tamanduás-bandeira são semelhantes àquelas encontradas também de forma 236 bilateral em células espermáticas de tatus da espécie Cabassous unicinctus [9], 237 porém em tamanduás encontram-se maiores e mais proeminentes do que nos 238 tatus. Esta estrutura foi descrita anteriormente em bovinos como um 239 56 espessamento unilateral do acrossomo [11, 12]. Possivelmente, essas 240 peculiaridades do acrossoma estejam também relacionadas com o transporte 241 espermático no trato reprodutivo da fêmea e sua interação com o óvulo [13], 242 porém, não existem estudos científicos que comprovem sua função. 243 O segmento equatorial exibiu uma leve diminuição de espessura, porém 244 não foi observado um aumento de elétron-densidade conforme descrito para 245 outras espécies [7], incluindo membros da superordem xenarthra [8, 9]. 246 Segundo Bloom e Fawcet [14], a presença de pontos elétron-lucentes no 247 núcleo espermático, conforme observado neste trabalho, pode estar 248 relacionada com defeitos no processo de condensação da cromatina durante a 249 espermatogênese. Porém, este achado foi encontrado também em outros 250 membros da superordem Xenarthra, como Euphractus sexcinctus [8] e 251 Cabassous unicinctus [9] e não há evidência clara de que isto interfira na 252 capacidade fertilizante dos espermatozoides. Esta característica dos 253 espermatozoides provavelmente condiz com o padrão filogenético de 254 condensação da cromatina nuclear de xenarthras, porém para elucidar este 255 parâmetro são necessários mais estudos. 256 A peça intermediária contém mitocôndrias helicoidais responsáveis por 257 gerar energia para movimentação dos flagelos [15]. A organização básica da 258 peça intermediária observado em espermatozoides de tamanduás-bandeira 259 não difere de outras espécies, porém não foi possível distinguir o comprimento 260 da peça intermediária e número de mitocôndrias neste estudo. 261 A maioria das anomalias encontradas na cauda dos espermatozoides 262 está associada com mudanças estruturais complexas na célula espermática, o 263 que muitas vezes pode ocultar o problema primário [12]. Barth e Oko 264 57 observaram que, em espermatozoides de ratos, a ausência de um segmento 265 da bainha mitocondrial ocasiona dispersão da substância granular que une esta 266 bainha às fibras densas externas, provocando uma fraqueza estrutural na 267 célula. Com isso, durante a movimentação do espermatozoide, o axonema 268 pode se romper e perder parte das fibras axiais na porção inferior à falha na 269 bainha mitocondrial, o que torna a cauda propensa a se dobrar [12]. Esta 270 ausência de microtúbulos observada em espermatozoides de tamanduás-271 bandeira estava associada com grandes massas citoplasmáticas contendo 272 vários cortes do axonema, o que correlaciona tal defeito com o dobramento da 273 cauda espermática. 274 O presente estudo descreveu a ultraestrutura de espermatozoides da 275 espécie Myrmecophaga tridactyla, demonstrando as peculiaridades e 276 características do gameta masculino, assim como as alterações morfológicas 277 encontradas, o que inicia um importante banco de dados sobre aspectos 278 reprodutivos do macho da espécie. 279 280 Agradecimentos 281 Os autores agradecem o auxílio processo nº 2012/24538-7da Fundação 282 de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e ao setor de 283 morfologia celular do Instituto de Biologia da Universidade Estadual Paulista 284 “Julio de Mesquita Filho”, Botucatu, São Paulo, Brasil. 285 286 REFERÊNCIAS 287 288 58 [1] Medri I, Miranda F. 2010. Myrmecophaga tridactyla. In: IUCN 2012. IUCN 289 Red List of Threatened Species. 2012. www.iucnredlist.org - Accessed on 290 30/07/2014. 291 [2] Fallabrino A, Castiñeira E. Situacion de los Edentados en Uruguay. Edentata 292 2006; 7:1-3. 293 [3] Wildt DE, Ellis S, Janssen D, Buff J. Toward more effective reproductive 294 science for conservation. In: Holt WV, Pickard AR, Rodger J, Wildt DE, 295 editors. Reproductive Science and Integrated Conservation, New York: 296 Cambridge University Press 2003; p.2-20. 297 [4] Joshi N. Determination of the ultrastructural pathology of human sperm by 298 atomic force microscopy. Fertil Steril 2001, 75 (5):961-966. 299 [5] Bartmann CP, Beyer C, Wissdorf, H. Topographie der Beckenhöhlenorgane 300 sowie Befunde zur Makroskopie und Histologie der Geschlechtsorgane 301 eines männlichen Großen Ameisenbären (Myrmecophaga tridactyla) im 302 Hinblick auf seine Fertilität. Berl. Münch. Tierärztl. Wschr 1991; 104:41-46. 303 [6] Platz CC, Seager SWJ. 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Uma das características marcantes do sêmen é a presença da segunda fração da amostra seminal, caracterizada por um gel com alta viscosidade. Este gel parece ser predominante em outras espécies de Xenarthras, como preguiças do gênero Bradypus (PERES et al., 2008) e tatus da espécie Euphractus sexcinctus (SERAFIM et al., 2010; SANTOS et al., 2011; SOUZA et al., 2013). Entretanto, Mendonça (2010) relatou que o processo de ejaculação dos animais em cativeiro iniciou-se com a fração gel, opostamente ao encontrado em tamanduás de vida livre. Em estudos preliminares do presente trabalho foram colhidas amostras seminais de animais ex-situ, nas quais se observou dificuldade de fracionar o ejaculado, notando-se a ejeção das duas frações de maneira mesclada, havendo assim indícios de alterações seminais de animais submetidos ao cativeiro. Entre as principais distinções observadas no sêmen de tamanduás de vida livre são os valores de motilidade e vigor espermáticos consideravelmente maiores do que aqueles descritos para animais de cativeiro. Associado a isso, os exemplares in situ apresentaram valores inferiores de alterações nos espermatozoides, quando comparados com animais ex situ. Porém, a diferença mais surpreendente constatada na amostra seminal de tamanduás livres foi o pH alcalino, contrastantemente diferente daquele relatado em torno de 7 em animais da espécie cativos (MENDONÇA, 2010). Este pH seminal alcalino, 61 entretanto, condiz com outros xenarthros, como tatus (SERAFIM et al., 2010). Os tamanduás são animais estritamente insetívoros, o que dificulta e altera de maneira acentuada sua alimentação em cativeiro. Além disso, possuem hábito solitário e são muitas vezes mantidos em grupos quando cativos. Essas condições inadequadas de nutrição, sanidade e ambiente, associadas ao estresse, podem justificar a alteração de parâmetros reprodutivos dos animais ex situ (LASLEY et al., 1994). A presença de grânulos de lipídio no ejaculado de tamanduás-bandeira, tanto em cativeiro como em vida livre, mostrou-se uma característica incomum em relação a amostras seminais de outras espécies de mamíferos. O lipídio é um dos componentes do plasma seminal de todas as espécies (JOHNSTON et al., 1988), porém neste caso encontra-se em grandes quantidades formando grânulos visíveis em microscopia de luz. A função deste componente no plasma seminal de tamanduás não foi elucidada e não está disponível em literatura até o presente momento. Contudo, sabe-se que o fluido seminal tem papel essencial nas funções espermáticas desde a ejaculação até a sobrevivência no trato reprodutivo das fêmeas (JOHNSTON et al., 1988), podendo assim estar relacionado com o pênis diminuto e a limitada penetração peniana durante a cópula em Myrmecophaga tridactyla (BARTMANN et al., 1991), considerando-se que o aparelho reprodutivo das fêmeas possui grande comprimento de vagina e vestíbulo vaginal, medindo cerca de 10 cm cada (SCHAUERTE, 2005). A morfologia ultraestrutural dos espermatozoides se relaciona com as características filogenéticas e com o sítio de fertilização de cada espécie (FAWCETT, 1970). Desta forma, entre os membros da superordem Xenarthra 62 há diferentes aspectos em relação ao formato e espessura da cabeça espermática. Entretanto os espermatozoides de tamanduás assemelham-se aos de tatus em relação a condensação da cromatina nuclear, uma vez que ambos possuem pontos difusos elétron-lucentes no núcleo espermático (HEATH et al., 1987; SOUZA et al., 2013). Outra particularidade encontrada na célula espermática de tamanduás-bandeira é a presença de cristas apicais bilaterais, semelhantes aquelas descritas em espermatozoides de tatus da espécie Cabassous unicinctus (HEATH et al., 1987). Apesar de já ter sido constatada a formação de uma crista apical unilateral em bovinos há certo tempo (BLOM, 1973; BARTH & OKO, 1989), até o presente momento não existem estudos científicos que comprovem sua função. Quando se pretende armazenar uma amostra seminal para uso posterior daquele material genético, há a necessidade de criopreservar as células espermáticas. Segundo Darenius (1998), para uma boa refrigeração do sêmen a pressão osmótica e o pH do meio diluente devem ser semelhantes aqueles encontrados no ejaculado da espécie. O meio diluente Botucrio® foi elaborado para equinos, considerando-se as car