UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes – Campus São Paulo ABNER DE SOUZA SANTANA ENSAIO CORAL AMADOR COMO CONTEXTO DE APRENDIZAGEM SEGUNDO REGENTES São Paulo 2021 ABNER DE SOUZA SANTANA ENSAIO CORAL AMADOR COMO CONTEXTO DE APRENDIZAGEM SEGUNDO REGENTES Dissertação apresentada ao programa de Pós- graduação em Música, com a área de concentração em Música: processos, práticas e teorizações em diálogos, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Música. Linha de pesquisa: Música, epistemologia, cultura Orientadora: Prof.ª Dr.ª Margarete Arroyo São Paulo 2021 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. S232e Santana, Abner de Souza, 1990- Ensaio coral amador como contexto de aprendizagem segundo regentes / Abner de Souza Santana. - São Paulo, 2021. 114 f. : il. Orientadora: Prof.ª Dra. Margarete Arroyo Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Coros (Música). 2. Coral - Regência (Música). 3. Aprendizagem. 4. Música - Instrução e estudo. 5. Canto coral. I. Arroyo, Margarete. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 781.45 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 ABNER DE SOUZA SANTANA ENSAIO CORAL AMADOR COMO CONTEXTO DE APRENDIZAGEM SEGUNDO REGENTES Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Música, do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (Unesp), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Música. Dissertação aprovada em: _______/_______/_____________ Banca Examinadora __________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Margarete Arroyo Universidade Estadual Paulista – Orientadora __________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Marisa Trench de Oliveira Fonterrada Universidade Estadual Paulista __________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo Universidade Estadual de Santa Catarina Este trabalho é dedicado ao Professor Doutor Fábio Miguel (In memorian). Seus ensinamentos continuarão ecoando em minha trajetória musical, assim como sua risada marcante continuará em minha memória. AGRADECIMENTOS Sou grato primeiramente a Deus, por seu amor infinito, por meio do qual entregou seu único filho para que eu pudesse ter vida. À Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP, pela estrutura de seu campus e por se corpo docente de alto nível. Faço menção também ao Conselho de Pós- Graduação pelo acompanhamento humano. À Professora Dra. Margarete Arroyo, por me acolher após o falecimento do querido Professor Dr. Fábio Miguel. Obrigado por ter acreditado no meu projeto e por ter aceitado esse grande desafio. Aos participantes que, gentilmente, doaram parte de seu tempo para concederem as entrevistas. Agradeço à minha amada esposa, Lidia Santana, pelo amor, compreensão, afeto, cuidado e por me apoiar em tudo. Minha melhor companhia. Aos meus Pais, Ronis e Débora, pelos gestos de carinho, apoio ininterrupto e por cada minuto de constante oração. À minha irmã Bruna e ao meu cunhado Thiago, que, mesmo longe, me incentivam e demonstram alegria a cada nova conquista. Por fim, a toda minha querida família. Agradeço também a todos os profissionais da educação que, um dia, dedicaram parte do tempo para me ensinarem. Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. (Jo 3.16) RESUMO A presente pesquisa aborda a questão da aprendizagem musical dos coralistas no âmbito do ensaio coral amador brasileiro. O objetivo deste trabalho é conhecer as ações pedagógicas que os regentes de corais amadores colocam em prática visando a aprendizagem dos coralistas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que recorreu a entrevistas semiestruturadas com quatro regentes experientes. Como referencial teórico, adotou-se a aprendizagem abrangente segundo modelo de Knud Illeris. Foi possível observar, como resultado, a perspectiva educacional como norteadora do trabalho dos participantes, assim como as ações pedagógicas implementadas por eles. Palavras-chave: Canto coral amador. Ensaio Coral. Aprendizagem musical. Regentes corais. ABSTRACT This research addresses the issue of musical learning of choir singers in the context of the Brazilian amateur choir rehearsal. The objective of this work is to know the pedagogical actions that amateur choir conductors put into practice aiming at the chorister’s learning. This is a qualitative research that used semi-structured interviews with four experienced conductors. As a theoretical framework, comprehensive learning was adopted according to the Knud Illeris model. As a result, it was possible to observe the educational perspective as a guide for the work of the participants, as well as the pedagogical actions implemented by them. Keywords: Amateur choir singing. Choral rehearsal. Musical learning. Choir conductors LISTA DE FIGURAS Figura 1 – “As principais áreas de estudo da aprendizagem” 34 Figura 2 – “Processos fundamentais da aprendizagem” (aquisição e interação) 35 Figura 3 – “As três dimensões da aprendizagem e do desenvolvimento de competências” 36 Figura 4 – Subtemas do roteiro das entrevistas semiestruturadas 42 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEM Associação Brasileira de Educação Musical ANPPOM Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior PAC Planejamento de aprendizagem do coralista SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 1 ENSAIO CORAL AMADOR E APRENDIZAGEM ABRANGENTE ........................... 20 1.1 Revisão Bibliográfica ........................................................................................................ 20 1.1.1 Ensaio coral amador e aprendizagem .............................................................................. 21 1.1.2 Comentários acerca da revisão bibliográfica ................................................................... 32 1.2 Aprendizagem abrangente segundo Illeris: um modelo teórico....................................... 32 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................................... 39 2.1 Entrevista semiestruturada ............................................................................................. 39 2.2 Participantes da pesquisa ................................................................................................. 40 2.3 Roteiro de entrevista semiestruturada............................................................................ 41 2.4 Perfil dos entrevistados .................................................................................................... 43 3 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS ........................................................... 47 3.1 Regente de coros amadores: seus papéis ........................................................................ 47 3.1.1 Regente educador ............................................................................................................ 48 3.1.2 Regente Líder .................................................................................................................. 51 3.2 Dimensão educacional no canto coral amador: aprendizagem .................................... 53 3.3 Diálogos com referencial teórico ..................................................................................... 67 3.3.1 Diálogos com referencial teórico: dimensão do incentivo .............................................. 67 3.3.2 Diálogos com referencial teórico: dimensão da interação ............................................... 74 3.3.3 Diálogos com o referencial teórico: dimensão do conteúdo............................................ 78 3.4 Planejamento de ensaio .................................................................................................... 82 3.4.1 Planejamento de Ensaio – Etapas e organização ............................................................. 83 3.4.2 Planejamento de ensaio: metodologia e estratégias de ensaio ......................................... 87 3.5 Pressuposto pedagógico às ações pedagógicas dos regentes ......................................... 91 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 98 4.1 Resultados ......................................................................................................................... 98 4.2 Discussão ......................................................................................................................... 101 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 104 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................................................ 110 APÊNDICE B – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA .................................................... 112 APÊNDICE C – CATEGORIAS ......................................................................................... 114 13 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, no ambiente acadêmico, professores, regentes, coralistas e estudiosos debruçaram-se sobre o estudo da atividade coral no Brasil. Assuntos como educação musical, aprendizagem, técnica vocal e canto são frequentemente discutidos em dissertações, publicações em Anais e periódicos da área. Dentre os inúmeros temas inerentes aos debates, emerge um ponto consensual: grande parte dos grupos corais é formada por cantores amadores. A maior parte dos corais em todo o mundo é formada por cantores amadores, encontrados em escolas, igrejas, faculdades, bancos, comunidades, clubes e outras organizações. Diferentemente dos cantores profissionais, que do canto obtêm seu sustento, fama e reconhecimento, o cantor amador canta apenas por prazer. Ele ama o canto incondicionalmente e seus únicos interesses são aceitação, companhia, aprendizado e aventura, e por isso são chamados de amadores ou voluntários. (COSTA et al., 2006, p. 96). A respeito da realidade coral predominantemente amadora no Brasil, Junker (1999) afirma que: Em todo o mundo, e o Brasil não é exceção, a grande maioria dos grupos corais é de amadores. São movimentos de natureza comunitária em geral ligados à uma instituição, ou independentes [...] Estes últimos, em via de regra [sic] são guiados pelo idealismo de seu regente ou, em bem menores proporções, de um número de líderes que insiste em manter o grupo com todas as forças possíveis. (JUNKER, 1999, p. 01). Ramos (2003) corrobora a percepção da referida realidade quando se refere à necessidade de formar alunos que pudessem lidar com corais de leigos em música. O Canto Coral, embora amado pela população e com grande mercado de trabalho, é uma área com pouquíssimos coros profissionais. Meus alunos estavam sendo preparados para serem bons regentes de coros de músicos, mas não sabiam trabalhar em um coro de leigos. Era preciso ensiná-los a trabalhar também em uma realidade mais dura, para que eles não se sentissem frustrados e consequentemente desencorajados ao se lançar no mercado de trabalho. E também prepará-los para transformar essa realidade. (RAMOS, 2003, p. 12). Diversas são as características oriundas desta práxis; uma delas é a concepção de ensaios realizados sem um fio condutor pedagógico, norteados apenas no aprendizado por repetição exaustiva de excertos musicais. Percebi, nos coros por onde passei, regendo, cantando ou ouvindo, que há uma ideia comum de que, para obter um resultado musical consistente e, 14 consequentemente, uma performance satisfatória, o uso do método de ensaio canta/repete/canta/repete1, infelizmente, é visto como suficiente. Entretanto, muitos não se dão conta de que ir ao ensaio para fazer repetições de excertos musicais sem ao menos saber para que se repete tanto pode significar um fator desestimulante para todos os envolvidos na atividade coral. Entretanto, cabe a ressalva de que existem muitos trabalhos norteados pela questão pedagógica em canto coral. Por outro lado, há a perspectiva de se considerar os ensaios como momento de formação dos coralistas, conforme defendem os autores que citarei a seguir. Tal perspectiva também corrobora a ideia de se pensar o coro amador como espaço de aprendizagem musical. Por isso, o objeto desta pesquisa é a aprendizagem musical e as ações pedagógicas realizadas por regentes no contexto do ensaio coral amador. ****** Entendo que regentes e cantores brasileiros possuem características que reverberam as virtudes e dificuldades presentes em nossa práxis coral. Uma delas se refere à necessidade de avançar no conhecimento musical. “Em nosso país, o canto coral é uma das atividades musicais que mais reúne praticantes amadores com pouquíssimo ou nenhum conhecimento teórico sobre música ou sobre leitura musical.” (KOMOSINSKI, 2009, p. 14)2. Tais características também são encontradas para além dos coralistas. Envolvendo um grande número de adeptos, essa prática coral costuma ser conduzida e orientada, no Brasil, tanto por profissionais capacitados – com formação específica na área – como por leigos interessados e dedicados ou, ainda, por pessoas sem o menor preparo ou conhecimento a respeito da arte do canto coral. Porém, independentemente do nível de preparo dos regentes corais, há uma enorme carência, em nosso país, de informações técnicas apropriadas que pudessem auxiliar qualquer um destes regentes no trabalho com os atuais coros brasileiros e suas peculiaridades (KOMOSINSKI, 2009, p. 14, grifo nosso). A partir das afirmações relatadas, observo que alguns líderes e regentes podem não possuir conhecimento musical ou técnico vocal suficiente para uma prática coral saudável. 1 Tal afirmação, embora empírica, foi construída ao longo dos anos por meio da reflexão da metodologia de ensaio de coros por onde passei, seja regendo, cantando ou ouvindo. 2 Entretanto, cabe a ressalva de que o autor desta dissertação não considera o saber teórico musical um pré-requisito para a prática coral e que, apesar de importante, esse não é, nem deve ser, o único conhecimento construído por meio da prática coral amadora. 15 [Carlos] Figueiredo (2006) chama-nos a atenção de que “cantar em coro deveria ser sempre uma experiência de desenvolvimento e crescimento, individual e coletivo: o desenvolvimento da musicalidade e da capacidade de se expressar através de sua voz” (p.9). Esta afirmação, que nos aponta para um norte a ser seguido, explicita a consciência deste autor de que, em nossa realidade brasileira, infelizmente, nem sempre o cantar em coro acaba por conduzir seus participantes a um desenvolvimento e a um crescimento propriamente ditos (KOMOSINSKI, 2009, p. 22 apud FIGUEIREDO et al., 2006, p. 04). Os apontamentos de Carlos Figueiredo (2006) e Komosinski (2009) a respeito de que o ato de cantar em coro deveria conduzir a experiências de desenvolvimento e crescimento se correlacionam com as falhas identificadas por Crowther (1981) ao analisar a práxis realizada nos ensaios corais das escolas secundárias americanas. Na década de mil novecentos e oitenta, o referido autor postulou que: […] muitos professores de coros escolares fazem, relativamente, pouco ensino de conceitos corais específicos em suas aulas. Em vez disso, o seu ensino tende a centrar- se quase exclusivamente na preparação de peças específicas para performance3 (CROWTHER, 1981, p. 16, tradução nossa).4 Assim, a inexperiência musical dos coralistas e regentes, aliada a estruturas de ensaios corais descompromissados com ideias pedagógicas, podem minimizar o potencial de aprendizado e desenvolvimento musical do coralista. Por isso, a fim de contribuir para a reversão desta realidade, alguns autores, como Carlos Figueiredo (2006) e Prueter (2010), entre outros, consideram a alternativa de pensar o ensaio coral como um espaço para aprendizagem. A alternativa de pensar a concepção de um ensaio coral amador sob o viés de um fio condutor pedagógico mostra forte ligação com o que se entende por ser o papel do regente. Heffernan (1982), por exemplo, considera o regente como o líder responsável por conduzir o grupo, ajudando-o a desenvolver-se. “Regentes de coros que aspiram a um alto nível de excelência artística devem, portanto, se verem [...] como professores de técnica vocal [...] A influência do regente, vocalmente falando, pode ser extensiva, e ele ou ela devem assumir a responsabilidade desta posição de liderança.” (HEFFERNAN, 1982, p. 20). A concepção acerca do papel e responsabilidade do regente na tarefa de instruir, interagir e liderar também está presente nos trabalhos de Sergio Figueiredo (1989) e Prueter (2010). 3 [...] that many teachers of school chorurses do relatively little teaching of specific choral concepts in their classes. Instead, their teaching tends to center almost exclusively in the preparation of specific pieces for performance. (CROWTHER, 1981, p.16) 4 No contexto desta pesquisa, os conceitos corais podem ser compreendidos como conteúdos de aprendizagem da área coral. Isto é, tudo o que se pode aprender em um coro, como articulação, fraseado, aspectos da técnica vocal, comportamentos, valores, princípios, atitudes, entre outros conhecimentos e saberes. 16 Se há ciência a respeito da responsabilidade do regente como propulsor do desenvolvimento no grupo, considero ser importante pensar no conjunto de ações que esse líder pode tomar. Costa (2005) ajuda a enxergar melhor esta questão em sua dissertação de mestrado, intitulada Diagnose em canto coral: parâmetros de análise e ferramentas para avaliação. O autor defende que: Muitas iniciativas podem ser implementadas por um regente para promover a melhoria da qualidade musical do seu coro. Acreditamos que uma das mais importantes delas é aquela que se volta para a ação pedagógica. Numa perspectiva educativa, o crescimento musical do coro é alcançado através da prática de atividades programadas que se destinam a desenvolver a musicalidade de cada coralista. Dentro desta visão, o investimento na formação dos coralistas reverterá em amadurecimento musical do grupo. (COSTA, 2005, p. 06, grifo nosso). Ao observar a importância da necessidade em nortear o trabalho com corais amadores por meio de uma perspectiva educacional, consequentemente, pela realização de ações pedagógicas no ensaio, surge a questão: mas quais ações pedagógicas? Esta pesquisa procura responder a essa e outras questões com base em entrevistas empreendidas com regentes de corais amadores. ***** Ao considerar a já relatada prática da repetição pela repetição, o entendimento do ensaio coral como momento de aprendizagem e o papel dos regentes para promover tal aprendizado, as seguintes questões nortearam a investigação: a) Os regentes entrevistados consideram o ensaio coral amador como espaço de aprendizagem? b) O que os regentes entrevistados relatam sobre o ensaio de coral amador como contexto de aprendizagem? c) Que ações pedagógicas eles colocam em prática visando promover a aprendizagem dos coralistas amadores? Esta pesquisa tem por objetivo geral conhecer as ações pedagógicas que regentes de corais amadores põem em prática visando promover a aprendizagem por coralistas amadores. Assim, as fontes de dados da investigação são as entrevistas semiestruturada, técnica tratada segundo a pesquisa qualitativa. 17 De acordo com Triviños (1987), A pesquisa qualitativa com apoio teórico na fenomenologia é essencialmente descritiva. E como as descrições dos fenômenos estão impregnadas dos significados que o ambiente lhes outorga, e como aquelas são produto de uma visão subjetiva, rejeita toda expressão quantitativa, numérica, toda medida. Desta maneira, a interpretação dos resultados surge como a totalidade de uma especulação que tem como base a percepção de um fenômeno num contexto. Por isso, não é vazia, mas coerente, lógica e consistente. Assim, os resultados são expressos, por exemplo, em retratos (ou descrições), em narrativas, ilustradas com declarações das pessoas para dar o fundamento concreto necessário, com fotografias etc., acompanhados de documentos pessoais, fragmentos de entrevistas etc. (TRIVIÑOS, 1987, p. 128). Considero esse tipo de pesquisa como adequada para colher e analisar dados advindos de entrevistas, visto que, no âmbito desta dissertação, foi necessário lidar com aspectos subjetivos, como vivências e opiniões. Quatro regentes de corais amadores foram convidados para participar da investigação, que tratou, majoritariamente, do tema da aprendizagem no ensaio coral amador. Em virtude da pandemia de COVID-19, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) a partir de março 2020, as entrevistas foram realizadas remotamente. O referencial teórico da pesquisa está baseado no modelo teórico de aprendizagem humana abrangente de Knud Illeris (2007 e 2013). As dimensões do “conteúdo”, “incentivo” e “interação”, presentes nas postulações do educador dinamarquês, ajudaram-me a analisar os dados acerca do que os regentes entrevistados trouxeram a respeito do aprendizado do coralista amador. Defendo o ensaio coral como momento no qual “o coro aprende música e todos os aspectos importantes relacionados à execução musical” (PRUETER, 2010, p. 15). Também sigo Prueter (2010) na convicção de que o ensaio coral amador pode ser um espaço que promove a oportunidade da aprendizagem musical e onde, segundo Sergio Figueiredo, “[…] se constrói o conhecimento musical de um grupo” (1990, p. 13). Sob orientação do professor Dr. Fábio Miguel, iniciei, em 2018, já no curso de mestrado, o processo de lapidação no projeto de pesquisa, cujo título era “O ensaio Coral no contexto amador: aprendizagem, desenvolvimento musical e pressupostos pedagógico-musicais”. Por meio de reuniões periódicas, foram discutidas questões referentes ao objeto, às justificativas e aos objetivos da pesquisa. Inicialmente, havia o objetivo de apresentar uma maneira de trabalho que pudesse subsidiar os regentes corais de coros amadores com estratégias pedagógicas para aplicação em ensaios corais, evitando a construção de uma prática docente baseada na repetição pela repetição. A preocupação com a necessidade de um fio condutor pedagógico para 18 estruturação, planejamento e realização de ensaio corais no âmbito amador sempre esteve presente. Para isso, tinha-se como planejamento inicial a revisão bibliográfica, a realização de entrevistas com regentes corais, a observação participante no coral Canto Livre5 e entrevista com grupo focal. A primeira etapa, revisão bibliográfica, foi realizada durante todo ano de 2018 e início de 2019, por meio de reflexão teórica de conteúdos presentes em teses, dissertações, monografias, artigos, livros e periódicos. Infelizmente, por motivos de saúde, precisei suspender minha matrícula no curso de mestrado por duas vezes, totalizando 120 dias. Devido à pandemia de COVID-19, não foi possível observar o processo de aprendizagem no ensaio coral amador in loco, assim como também não foi possível concretizar a observação participante, regendo ou coordenando um grupo coral, procedimentos previstos no projeto inicial da pesquisa. Porém, foi observada a prática descrita na literatura disponível em trabalhos publicados em periódicos, Anais de congressos musicais, teses, dissertações e nos relatos dos regentes entrevistados. No ano de 2021, já sob orientação da Professora Dra. Margarete Arroyo, após o falecimento do prof. dr. Fábio Miguel, o objeto, as etapas e estrutura da pesquisa foram adaptados. Deste modo, com a certeza de que as atividades corais não voltariam a ser presenciais até o fim da pesquisa, renunciei à ideia inicial de realizar a observação participante e entrevistas do tipo grupo focal com os coralistas. Em vez disso, decidi ampliar o arcabouço teórico do trabalho e aumentar o número de entrevistas semiestruturadas com regentes corais. A dissertação está estruturada em quatro capítulos. No primeiro capítulo, trato da revisão bibliográfica acerca do assunto ensaio coral amador e aprendizagem. Neste momento, são elencadas as concepções de ensaio e estratégias metodológicas encontradas na literatura selecionada. Ato contínuo, apresento a aprendizagem abrangente, segundo modelo teórico de Illeris (2007 e2013). No segundo capítulo, abordo os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. Nesta etapa, apresento a pesquisa qualitativa, a entrevista semiestruturada, o roteiro de entrevista semiestruturada, critérios de escolha dos entrevistados e o perfil dos regentes. O terceiro capítulo concentra-se em apresentar os dados obtidos por meio das entrevistas semiestruturadas realizadas com os regentes. Exponho temas como os papéis dos regentes de corais amadores, a dimensão educacional em canto coral, o ensaio como contexto de aprendizagem, os diálogos com as dimensões do incentivo, interação e conteúdo, planejamento 5 O coral Canto Livre é regido pelo autor da presente dissertação e pertence ao Departamento de Formação e Pesquisa Cultural – Deforpec, lotado na Secretaria Municipal de Cultura – Secult/ Prefeitura de Santos - SP. 19 de ensaio e finalizo com os pressupostos e ações pedagógicas que fundamentam o trabalho dos entrevistados O quarto e último capítulo é destinado para a exposição dos resultados. Em seguida, realizo discussão dos dados ora apresentados no capítulo terceiro. Ato contínuo, apresento as considerações finais da pesquisa. Pensar e estruturar o ensaio pedagogicamente, inserindo atividades que contribuam com a aprendizagem musical do coralista, poderá contribuir para o crescimento e aprimoramento dos grupos corais amadores, a produção de ensaios mais organizados, a ampliação da experiência de forma participativa e significativa, o vislumbre do coralista como parte integrada ao processo. O regente que considera a importância da intenção pedagógica no ensaio poderá agir de modo transformador. Em vez de mera repetição, percorrerá um caminho que prioriza a identificação de problemas, a construção, a reelaboração do conhecimento e a aplicação de ações pedagógicas. As ações pedagógicas devem representar um fator de aprendizagem musical. 20 1 ENSAIO CORAL AMADOR E APRENDIZAGEM ABRANGENTE Tendo como norte o objetivo desta pesquisa, este capítulo apresenta, inicialmente, uma revisão bibliográfica sobre ensaio coral amador. Assuntos relacionados à realidade coral amadora brasileira são abordados, como o perfil de coralistas amadores, as características de regentes de grupos formados por leigos em música, o coral visto como espaço de desenvolvimento e crescimento musical, o ensino de conteúdos musicais no ensaio, os pressupostos e ações pedagógicas que norteiam o trabalho de regentes de corais amadores, o regente como líder e a importância da ação pedagógica no ensaio. Também apresento a aprendizagem abrangente, segundo modelo teórico de Illeris (2007 e 2013), autor dinamarquês. 1.1 Revisão Bibliográfica Para proceder ao levantamento de literatura que focalizasse o ensaio coral e, especificamente, estudos que abordassem o ensaio de coros amadores como momento de aprendizagem musical, conforme o objetivo desta pesquisa, realizei busca em algumas fontes, descritas a seguir. A palavra-chave ensaio coral foi pesquisada nos Anais da ABEM e da ANPPOM, em artigos publicados no período de 1989 a 2019, assim como no portal da Capes e no periódico Opus. Nesse levantamento, constatei que muitos trabalhos mencionam o termo ensaio ou o termo coral, mas o termo ensaio coral não está amplamente presente. Durante a verificação, foi observado que parte dos trabalhos, por concentrarem o foco principal em outras questões, tangenciam ou tateiam o termo sem necessariamente tratá-lo com profundidade. Como assunto de destaque, o termo ensaio coral foi encontrado em vinte e um trabalhos, sendo três nos Anais da ABEM, quatro nos Anais da ANPPOM, um no periódico Opus e 13 no portal de teses da Capes. São eles: Figueiredo (1989 e1990); Hauck-Silva (2010); Prueter (2010); Nascimento e Silva (2012); Fucci-Amato (2011); Fiorini e Castiglioni (2016); Gaborim-Moreira et al. (2019); Kohlrausch (2015); Silva, B. (2014); Silva, L. (2017); Clemente (2014); Soares (2014); Silva, C. (2012); Costa (2011); Dias (2011); Oliveira (2011); Branco (2010); Coellho (2009); Fernandes (2009); Assumpção (2003). Temas como função e responsabilidade do regente diante do coral, o regente como educador, importância do planejamento das etapas do ensaio, importância de boa condição e estrutura no ambiente de aprendizagem, escolha de repertório, antecipação de possíveis dificuldades, estudo profundo da 21 partitura, utilização do momento de aquecimento como espaço para ensino-aprendizagem, estratégias para construção da sonoridade do grupo, exercícios para aprimoramento técnico vocal, aprendizagem ou técnicas de aprendizagem, adequação de repertório, performance, técnicas ou dinâmicas de ensaio, tecnologias como ferramentas pedagógicas em ensaios corais e motivação para a aprendizagem em corais da terceira idade, entre outros, foram os enfoques encontrados nos textos pesquisados, todos eles com relação direta ao momento do ensaio coral. O tema ensaio coral reúne diversos conhecimentos e habilidades que se interseccionam e se relacionam mutuamente. Entretanto, faz-se necessário lembrar que, mesmo que o foco de uma determinada publicação se concentre majoritariamente em um assunto, nada impede que ela aborde paralelamente outros temas fundamentais à prática. Assim, essa literatura revisada trata de diversos aspectos do ensaio coral, do qual me concentrei nos relativos ao ensaio como momento de aprendizagem e coral amador. 1.1.1 Ensaio coral amador e aprendizagem O artigo de Sergio Figueiredo, “Ensaio coral: Treinamento ou aprendizagem” (1989), apresenta diversos apontamentos acerca da questão do ensaio coral. Dentre eles, destaco as orientações a respeito do papel de liderança dos regentes e a importância do seu domínio de “técnicas de aprendizagem”. Segundo o autor, a prática coral sofreu muitas mudanças após o século XIX. Antes composta por especialistas, a atividade coral passou a receber leigos. Com o avançar dos anos, o número de coros de leigos superou o de coros profissionais. Nos corais de leigos, o regente tem função central, pois, frequentemente, é a referência musical. Consequentemente, cria-se, mesmo que indiretamente, grande dependência técnica dos coralistas em relação ao regente. Sergio Figueiredo (1989) menciona que o despreparo ou inabilidade do regente, no que tange ao conhecimento dos processos de aprendizagem e da pedagogia/técnica vocal, pode gerar diversos problemas na prática coral, em especial no ensaio, visto que um destes problemas é a repetição de tarefas e os treinamentos exaustivos. Tais treinamentos podem tornar o ensaio pedante, cansativo, sem ideia clara do porquê cada atitude é tomada. O maestro discorre sobre a responsabilidade do orientador musical trabalhar “conceitos básicos para que se entenda o porquê fazer isto desta ou daquela maneira” (FIGUEIREDO, 1989, p. 74). Assim, há a necessidade da clareza na comunicação, por parte do regente, a fim de contribuir para a compreensão, por parte dos coralistas, de modo que saibam o porquê e para que serve o “treinamento”. 22 A respeito das características do regente coral, o autor postula que ele funciona como um catalisador, tendo ascendência sobre o grupo, orientando e capacitando os cantores para a realização musical expressiva. O fazer musical expressivo inclui a ideia de que “é natural que a prática coral propicie um crescimento musical àqueles que dela participam” (FIGUEIREDO, 1989, p. 72). Figueiredo também menciona que “um bom regente deve saber o que pretende musicalmente e como obter os resultados.” (FIGUEIREDO, 1989, p. 72). Outra característica considerada importante é a formação adequada. “Uma boa formação pressupõe conhecimentos, vivência e experiência musicais, além de conhecimento pedagógico.” (FIGUEIREDO, 1989, p. 72). O autor defende que, em atividades que envolvem aprendizagem e que pressupõem a ênfase na relação professor-aluno ou regente-coralista, “a competência musical por si só não é garantia de êxito” (FIGUEIREDO, 1989, p. 73). Por isso, considera de suma importância que o regente coral possua, além de sólido conhecimento musical, domínio de “técnicas de aprendizagem” e “pedagogia vocal”. “A pedagogia vocal e as técnicas de aprendizagem são importantes e, portanto, devem ser familiares ao regente para que ele possa transmitir com eficiência as informações necessárias à compreensão musical daquilo que se propõe a realizar” (FIGUEIREDO, 1989, p. 73). Ainda sobre a necessidade do domínio das questões de aprendizagem e da pedagogia vocal, Sergio Figueiredo menciona que “a ausência de conhecimento de tais técnicas pode conduzir a uma prática repetitiva e pouco musical, centralizada na figura do regente, desconsiderando o crescimento musical dos coralistas, estando estes à mercê do conhecimento, dos caprichos e até do humor do regente”. (FIGUEIREDO, 1989, p. 73). A repetição, o treinamento exaustivo em determinadas passagens, a expectativa com relação ao produto final, transformam o coralista num mero repetidor que atua segundo a vontade do regente, tornando-se completamente dependente da sua ação. Faz parte da orientação musical, uma formação de conceitos básicos para que se entenda o porquê de fazer isto desta ou daquela maneira. (FIGUEIREDO, 1989, p.74). No que se refere à aprendizagem no âmbito da prática coral, em especial no ensaio coral, Sergio Figueiredo também menciona “[a] aprendizagem depende de condições ambientais favoráveis, assim como condições sociais e materiais que facilitem e estimulem o trabalho ” (FIGUEIREDO, 1989, p. 73). Porém, faz a ressalva de que a solução destes problemas, ou seja, contar apenas o ambiente favorável, não é suficiente. 23 O autor considera que a questão central de um coral está na orientação que o regente dá aos coralistas e no aprendizado destas orientações (FIGUEIREDO, 1989, p.73). Desse modo, o aprendizado do coralista é visto pelo que foi assimilado e compreendido. O entusiasmo inicial, muito comum em corais recém-criados e em integrantes novos, é geralmente presente, pois o indivíduo está em contato com diversos estímulos novos. A novidade, compreendida como incentivo, tem potencial para influenciar o interesse do aluno- coralista. Ocorre, porém, que, após o entusiasmo, o que antes era novidade, passa a ser rotina, e atividades como cantar em outro idioma ou realizar vocalises se tornam corriqueiras, podendo levar a uma prática repetitiva e monótona. (FIGUEIREDO, 1989, p. 74). As etapas presentes em um ensaio coral tendem a repetir-se; contudo, as atividades, seja por meio de exercícios ou por meio de dinâmicas no ensaio, podem ser constantemente renovadas, de modo a fugir da monotonia sem se deixar de trabalhar as necessidades técnicas do coro. Assim, busca-se estimular no coralista a compreensão do porquê fazer, dando a ele um claro objetivo (FIGUEIREDO, 1989, p. 74). Encontrar maneiras de ensaiar que fogem da monotonia é um desafio constante na prática coral. Figueiredo (1989) conclui dizendo que o treinamento é necessário para a realização musical. A qualidade da realização musical está ligada à compreensão. A compreensão musical dependerá do “treinamento com conteúdo, ou seja, da aprendizagem.” (FIGUEIREDO, 1989, p. 75). O autor considera que a “mudança de comportamento através da experiência é aprendizagem e esta mudança implica no conteúdo adquirido para que se possa aplicar a mesma ação em diferentes situações.” (FIGUEIREDO, 1989, p. 75). O artigo “Estratégias de ensaio para construção do som coletivo em coros amadores”, elaborado por Carlos Fiorini e Paula Castiglioni (2016), discute a construção sonora de corais de leigos a partir de revisão bibliográfica feita pelos autores, apontando caminhos possíveis aos regentes corais. Assuntos como a função de liderança do regente, o estudo da partitura, o domínio técnico musical e o ensaio planejado também são encontrados no trabalho. O autor e a autora mencionam que: O regente eficiente deverá dominar previamente o conteúdo musical a ser ensaiado, assumir uma postura de liderança além de investir constantemente no estudo musical pessoal, planejando os ensaios de maneira organizada e que atenda claramente as necessidades específicas do coro no qual atua (FIORINI; CASTIGLIONI, 2016, p. 01). Em consonância com os apontamentos a respeito da importância de produzir ou planejar bem os ensaios, Oakley (1999), citado por Fiorini e Castiglioni (2016), menciona que “o ensaio 24 bem produzido fornece uma oportunidade para se alcançar objetivos curriculares de longo prazo, cujos benefícios poderão ser sentidos muito depois da apresentação da música ora sendo ensaiada” (OAKLEY, 1999, p. 113 apud FIORINI & CASTIGLIONI, 2016, p.02). Ainda sobre planejamento, os autores mencionam a necessidade de antecipar possíveis problemas que poderão surgir durante o ensaio, assim como a importância de traçar estratégias para solucioná-los. “Sem planejar e antecipar as ações que ocorrerão no tempo destinado ao ensaio, dificulta-se o processo de construção e manutenção do som coletivo” (FIORINI; CASTIGLIONI, 2016, p. 03). O texto de Hauck-Silva, “A preparação vocal no ensaio coral: uma oportunidade para aprender ensinando e aquecendo” (2010), faz parte da pesquisa de mestrado da referida autora e aborda a questão da preparação vocal no ensaio coral. A autora, com base na bibliografia coral, menciona a importância do momento da preparação vocal como espaço de ensino e aprendizagem da técnica vocal e considera um momento importante para o desenvolvimento musical. “Tendo em perspectiva que existem muitos corais formados por cantores que nunca estudaram canto individualmente (Miller, 1995, p. 31; Robinson e Winold, 1976, p. 45; Glover, 2001, p. 22), o aquecimento vocal pode se tornar um momento importante de desenvolvimento musical e de ensino-aprendizagem da técnica vocal”. (HAUCK-SILVA, 2010 p. 01). A fim de exemplificar a referida importância, a autora, no decorrer do texto, oferece aos leitores um roteiro de preparação vocal, propondo exercícios que trabalham apoio, liberdade laríngea e afinação e colaboram para o desenvolvimento da ressonância, do ciclo coordenado de ataque finalização, do staccato, da articulação de vogais, do ataque em nota aguda, da flexibilidade vocal, da homogeneização de registros vocais e de extensão. Discorrendo sobre o aspecto educativo presente na atividade coral, a autora, citando Robinson e Winold (1976), menciona o canto coral como ambiente de aprendizado. Muitos regentes trabalharão com corais compostos por não profissionais, que o regente deve ser um educador competente e que o momento do ensaio seja visto como uma aula coletiva de técnica vocal (ROBINSON; WINOLD, 1976, p. 3 apud HAUCK-SILVA, 2010, p. 47). O trabalho “Ensaio coral a distância (ECAD) ou tele-ensaio: uma nova forma de organização de trabalho e uma nova ferramenta pedagógica para o canto coral?”, de Fucci Amato (2011), relata a experiência da autora diante de um coral amador no desafio de realizar ensaios corais remotamente, com a utilização de um software que conta com som e imagem em tempo real. A partir disso, averiguou-se as potencialidades da ferramenta, as dificuldades e limitações oriundas da experiência, verificando as questões da organização de um ensaio a 25 distância e seu potencial educativo-musical. Conclui-se que a utilização destes recursos aponta para um caminho de complementação ao ensaio presencial. Os ensaios a distância, ou ECaD, como a autora menciona, foram realizados via Skype, plataforma de comunicação que permite transmissão simultânea de áudio e vídeo. A autora menciona o termo em tempo real; entretanto, no decorrer do texto, Fucci Amato (2011) discorre sobre algumas limitações presentes na utilização do software mencionado, como a falta de sincronia entre som e imagem, que impossibilita a realização de canto simultâneo entre pessoas de diferentes lugares. Além da observação da autora, que também é maestrina do grupo madrigal InCanto, a regente colheu opiniões de nove coralistas por meio de discussão oral em ensaio presencial. Assim como Figueiredo (1989), Fucci Amato (2011) igualmente menciona características de alguns regentes. “Há também certa autoridade da figura do maestro, em parte por uma posição formal, em parte por seu carisma e liderança pessoais (variável conforme o maestro se coloque mais como um “igual” diante dos cantores, ou mais como um controlador distante daqueles)” (FUCCI AMATO, 2011, p. 527). Dado o papel de liderança, infere-se, portanto, o potencial agregador pertencente à função do regente coral, conferindo a ele a oportunidade de agir por meio de uma postura aberta, amigável e igualitária. Com isso, estreitar relações, promover interações, contribuir com a construção de um ambiente de ensaio leve e, consequentemente, pavimentar o caminho da aprendizagem. Em outro texto, Fucci Amato (2007) discorre sobre a organização e o aspecto social característico aos grupos corais e menciona dinâmicas presentes no decorrer de um ensaio. Um ensaio pode contemplar uma série de ferramentas e dinâmicas de ensino, tais como a informação sobre saúde vocal e fisiologia da voz, os vocalizes, técnicas de alongamento e relaxamento muscular, exercícios de respiração, consciência auditiva, estudo e prática do repertório, com correção de questões musicais diversas (FUCCI AMATO, 2007, p. 257). Aprender informações a respeito da saúde vocal e da fisiologia da voz, aprimorar a respiração por meio da prática de exercícios, entre outros, também pode ser compreendido como conteúdo de aprendizagem, visto que se trata do desenvolvimento de conhecimentos e habilidades dos cantores. Além da realização de exercícios que abranjam as necessidades técnicas de um coro, a autora menciona a necessidade de haver boas condições no espaço físico onde o ensaio ocorre, com silêncio e dimensões apropriadas, assim como a necessidade de haver regente e piano (instrumento). 26 As condições do ambiente de ensaio podem representar relação direta com a aprendizagem. No contexto do trabalho de Fucci Amato (2007), os coralistas se reuniam em um local previamente organizado, com computador, conexão de internet, software de comunicação acesso a áudio e vídeo. Entretanto, quando considero o oposto, condições adversas – como a falta de estrutura e equipamentos – podem representar obstáculos à aprendizagem no ensaio coral amador, seja ele realizado de forma presencial ou remota. A utilização de recursos digitais tem potencial para complementar as atividades corais presenciais, pois ajudam a estreitar a comunicação entre os coralistas, auxiliando o estudo individual por meio de gravações de áudios e vídeos referência e diminuindo os deslocamentos, entre outros. Segundo a autora, estes recursos podem acelerar o desenvolvimento musical de um coro (FUCCI AMATO, 2011, p. 531). Os apontamentos levantados pela autora em 2011 se mostram atuais, isto é, a tecnologia como ferramenta pedagógica em ensaios corais, visto que, em decorrência da pandemia de COVID-19, muitos grupos corais precisaram recorrer a softwares de comunicação, edição de áudio e vídeo, entre outros. Muitos regentes consideram, mesmo após o contexto pandêmico, repensar a estrutura de seus ensaios, passando a incluir cada vez mais ferramentas e recursos tecnológicos. O envio prévio de áudios, vídeos, reuniões online, comunicações constantes etc. tendem a se tronarem frequentes. O texto “Por uma prática coral educativa: uma proposta de utilização do Guia Prático, de Heitor Villa-Lobos”, dos autores Jeter M. da S. Nascimento e Vladimir A. P. Silva (2012), discute os procedimentos metodológicos contidos em um ensaio coral à luz da educação contemporânea. Deste modo, visa contribuir para o desenvolvimento de uma estrutura de ensaio norteada pelo foco no aprimoramento do ensino-aprendizagem, em especial, a aprendizagem procedimental, defendida por Sloboda (2008). Assim, os autores buscam subsidiar regentes com exemplos de procedimentos metodológicos e estratégias pedagógicas a fim de substituir o treinamento – muito presente nos ensaios corais – pela aprendizagem procedimental. “Sloboda (2008, p. 285) argumenta que, para aprender habilidades, é preciso passar de um conhecimento factual (saber o quê) para um conhecimento procedimental (saber como)” (NASCIMENTO; SILVA, 2012, p. 1826). Os autores utilizaram o Guia Prático de Heitor Villa-Lobos para elucidar como regentes corais podem trabalhar diversos conceitos musicais contidos no repertório coral. No âmbito do trabalho, a prática coral é concebida como meio importante de educação musical. A publicação está dividida em três partes. Na primeira, são discutidos aspectos da aprendizagem com considerações de teóricos dos séculos XIX e XX. Dentre eles estão 27 Thorndike (1874-1943), Skinner (1904-1990) e Piaget (1986-1980). Na segunda parte, os autores apresentam o Guia Prático de Heitor Villa-Lobos. Com base neste guia, algumas estratégias de ensaio utilizadas como metodologia são apresentadas aos leitores na terceira parte. Os autores concluem que o modelo proposto não é conclusivo, mas que esperam que a proposta possa ser aplicada por regentes corais a fim de contribuir para construção de ensaios que contemplem a questão do ensino-aprendizagem, amparados em estratégias metodológicas. Espera-se que a aplicação desta proposta contribua para dinamizar o processo de ensino-aprendizagem no ensaio coral, substituindo a ineficiente prática do treinamento baseado na imitação, que comumente ocorre quando o cantor reproduz acriticamente aquilo que o regente lhe oferece, por uma forma mais consciente de aquisição do conhecimento, na qual o coralista passe a agir procedimentalmente, conforme mostra Sloboda (2008). (NASCIMENTO; SILVA, 2012, p. 1830). O trabalho “Dinâmica de ensaio para coros de terceira idade: aspectos da preparação vocal e do estudo de repertório”, das autoras Ana Lúcia Iara Gaborim-Moreira, Angela Cristina Colognesi dos Reis e Edineide Dias de Oliveira (2019), trata de investigações acerca do canto coral em coros de terceira idade. As autoras objetivaram caracterizar o perfil destes coros levantando apontamentos importantes para a prática coral nesta faixa etária, como aspectos fisiológicos, pedagógicos e psicológicos, de modo a exemplificar a maneira pela qual é possível realizar a dinâmica de ensaio coral, preparação vocal e estudo de repertório. Ao longo do texto, propõem exercícios práticos, discorrem sobre a experiência na UFMS e apresentam os resultados alcançados. No âmbito social, as autoras citam benefícios que a atividade musical na terceira idade podem gerar, como bem-estar dos participantes, socialização, trabalho em equipe, autoestima e motivação para a aprendizagem, entre outros. Alimentada por uma certa dose de saudosismo ou nostalgia de tempos passados – que é característica da maturidade - a música promove socialização, trabalho em equipe, valorização da autoestima, estímulo ao raciocínio, ativação da memória, motivação para a aprendizagem de novos conhecimentos, envolvimento com a cultura e a arte – aspectos que podemos considerar como extramusicais. (GABORIM-MOREIRA; REIS; OLIVEIRA, 2019, p. 02-03). Observei também que as razões pelas quais as pessoas da terceira idade buscam atividades culturais/corais são muito semelhantes às motivações apresentadas pelo público adulto, de modo geral. 28 De acordo com a pesquisa de Fenalti e Schwartz (2003, p.136), o público participante de atividades específicas para a terceira idade nos projetos universitários traz as seguintes expectativas: buscar novos conhecimentos, fugir da rotina, procurar bem estar geral, trocar experiências de vida, conhecer novas pessoas, acompanhar amigos(as), acompanhar esposo(a), preencher o tempo livre, ter formação de nível superior, fugir da solidão, estar com pessoas da mesma idade, procurar atividades culturais, praticar atividades físicas, entre outras (GABORIM-MOREIRA; REIS; OLIVEIRA, 2019, p. 02). Deste modo, nota-se a forte ligação de características sociais no fazer musical e, consequentemente, na atividade coral amadora com idosos. A motivação para o aprendizado é um exemplo de benefício oriundo do convívio relacional em grupo, da realização pessoal e do bem-estar. […] podemos entender que as questões socioafetivas permeiam o fazer musical, e ressaltamos que a participação em um coro de terceira idade tem trazido benefícios sociais não só a seus integrantes, mas também à comunidade em que se inserem, incluindo o ambiente universitário (GABORIM-MOREIRA, REIS, OLIVEIRA, 2019, p. 04). A escolha de repertório é parte importante no trabalho com grupos corais em qualquer faixa etária. É importante um olhar atencioso por parte do regente – considerando além dos conteúdos musicais e vocais que o coro precisa aprender – sobre os aspectos que aproximam as músicas escolhidas dos cantores do grupo, criando assim conexões e fornecendo elementos potencialmente motivadores ao coro. Mencionando o ambiente coral na terceira idade, as autoras citam características importantes no processo de escolha de repertório, assim como os benefícios decorrentes de seleções que consideram as conexões afetivas, pessoais e coletivas. Com relação à escolha de repertório para o coro de terceira idade, é muito importante que o regente permita e incentive os coralistas a participar desse processo, sugerindo músicas que lhes sejam significativas, que lhes tragam sentimentos e emoções positivas e que criem relação com a sua própria história pessoal de vida. Dessa forma, o repertório fortalece a própria identidade do grupo; aviva-se o sentido de pertença ao coro e provê-se motivação para participar dos ensaios e apresentações. Entretanto, também é interessante apresentar músicas novas, ampliando o conhecimento dos idosos e conectando-os com as épocas mais atuais (GABORIM-MOREIRA; REIS; OLIVEIRA, 2019, p. 06). No contexto do trabalho dessas autoras, o ensaio coral amador com o público idoso apresenta grande potencial socializador. Nesse potencial reside o impulso motivador que pode ser refletido nos processos de aprendizagem. As questões emocionais entremeadas na relação entre os participantes, no estabelecimento de novas amizades, no compartilhamento de valores, 29 no aprendizado de novas habilidades e no ato cantar músicas que resgatam lembranças distantes são exemplos que retratam esses impulsos. A dissertação de mestrado “O ensaio coral sob a perspectiva da performance musical: abordagens metodológicas, planejamento e aplicação de técnicas e estratégias de ensaio junto a corais amadores”, de Priscilla Battini Prueter (2010), tem como foco a construção da performance no ensaio coral e os assuntos que a circundam. Desse modo, discute abordagens metodológicas, discorre a respeito do processo interpretativo na prática coral, da função de intérprete desempenhada por regentes e coralistas e aborda aspectos da escolha de repertório e questionamentos sobre a técnica vocal no ensaio coral. O trabalho também trata de assuntos como planejamento de ensaio, organização de conteúdos e aplicação de estratégias para otimização do tempo e aprimoramento da performance musical. Apesar do foco do trabalho estar na construção da performance musical, a temática da aprendizagem aparece com frequência na dissertação em questão. Ocorre que ideias, como o regente visto como educador, a escolha de repertório e suas influências motivacionais e as estratégias e metodologias de ensaio, entre outros, aparecem no decorrer do texto. Por meio de reflexões a respeito de ensaios corais dos quais participou ao longo de sua trajetória musical, a autora notou problemas como a utilização de metodologias, estratégias e exercícios praticamente iguais aplicados em corais de níveis e contextos diferentes e a falta de otimização do tempo no ensaio (PRUETER, 2010, p. 02). Tais temas motivaram a autora a pensar e pesquisar a respeito da performance no ensaio coral. Considerando os cursos e oficinas na área coral dos quais pôde participar, a autora notou que muitos abordavam temas como o gestual, por exemplo. Porém, percebeu que as discussões em torno das estratégias para aperfeiçoar o ensaio coral eram pouco abordadas (PRUETER, 2010, p. 03). No decorrer do trabalho, o ensaio coral é discutido sob prismas diferentes, de modo a convergir para a questão central, a saber, o aprimoramento da performance. É possível destacar também a concepção de que “o ensaio coral pode ser considerado como um momento de construção e recriação da performance musical.” (PRUETER, 2010, p. 05). Assim como o entendimento de que a função do regente coral é análoga à de um professor (FIGUEIREDO, 1990, p. 04 apud PRUETER, 2010, p. 04), o ensaio coral amador pode ser um espaço que promove a oportunidade da aprendizagem musical (PRUETER, 2010), a necessidade em debruçar-se sobre as questões de aprendizagem no ensaio, a concepção de que o regente pode contribuir para a ampliação acerca do entendimento do discurso musical considerando as 30 possibilidades dos cantores (KERR, 2006, p. 207 apud PRUETER, 2010, p. 14), integrando-os ao ensaio. A ideia de que, em muitos coros amadores, o regente, geralmente, é o único músico profissional (PRUETER, 2010, p. 14), também está presente na dissertação e serve como pano de fundo para discussões acerca das múltiplas funções exercidas por este profissional e o impacto que o acúmulo de tarefas possivelmente pode gerar na qualidade do planejamento de ensaio. Contudo, Prueter (2010) destaca, ao regente coral amador, o papel de educador. A autora menciona que "muitas pessoas que cantam no coro têm nele o único professor de música em toda a sua vida” (PRUETER, 2010, p. 01). Segundo ela, no contexto do ensaio coral, o regente age de modo a auxiliar os coralistas no fazer musical por meio de diversas formas, dentre elas as questões técnicas vocais, afinação, articulação, fraseados e compreensão do discurso musical, entre outros, aperfeiçoando, portanto, o processo de aprendizagem. (PRUETER, 2010, p. 01). Com foco na questão da performance, o ensaio coral é abordado como um momento no qual “o coro aprende música e todos os aspectos importantes relacionados à execução musical” (PRUETER, 2010, p. 15). Deste modo, apregoa-se o afastamento da concepção que considera o coralista apenas como um instrumento nas mãos do regente, passando a vê-lo como parte integrante de participação efetiva no processo coral (PRUETER, 2010, p. 16). A fim de se coadunar com a ideia de integração do coralista nos processos do ensaio, o trabalho aponta para discussões a respeito desse momento como atenuante das diferenças entre regente e executantes, oportunidade aos participantes para ajustarem suas partes ao todo e importância da concepção do regente como agente unificador (GREEN, 1997, p. 245 apud PRUETER, 2010, p. 15). O terceiro capítulo do trabalho traz sugestões e abordagens metodológicas para aplicação em diferentes etapas do ensaio coral; além disso, apresenta e discorre a respeito de técnicas e estratégias de ensaio contidas na literatura. E mostra, também, relação com meu próprio trabalho, pois o estudo e a observação dos processos metodológicos e das estratégias de ensaio possuem potencial influenciador na questão da aprendizagem de coralistas amadores. Prueter (2010, p. 22), citando Oakley (1999, p. 113), menciona que “a regência tem muito mais a ver com o ensaio que com a apresentação. [...] A proporção de tempo gasto com ensaio em contraste com o tempo gasto com performance é, algumas vezes, surpreendente”. Desse modo, compreende-se tanto a aprendizagem como a construção da performance como desdobramentos emanados por meio das relações com os coralistas no dia a dia, as atividades planejadas e aplicadas, os exercícios realizados e, também, as reelaborações, interações e trocas. 31 Etapa fundamental na preparação do regente para o ensaio, o estudo da partitura é mencionado no sentido de subsidiar o ensaiador a fim de que este elabore exercícios que ajudem no aprimoramento musical do grupo, contribuindo para a execução de trechos musicais complexos, fomentando o avanço técnico vocal e definindo estratégias, visto que “as técnicas de ensaio utilizadas pelo regente devem ser aplicadas em função das músicas estudadas” (CARVALHO, 1999, p. 55 apud PRUETER, 2010, p. 22). Prueter (2010, p. 24), citando Zander (2003, p. 13), menciona a importância de exercícios para aplicação em casos específicos de dificuldade de aprendizagem do coro em situações como passagens difíceis da partitura, expressões corretas que devem ser utilizadas pelo regente e a aplicação de exercícios para correta execução de efeitos, assim como coloraturas e vocalises. Para definir o termo ensaio, Prueter (2010), citando Schimiti (1999, p. 122), menciona que o ensaio é denominado como trabalho rotineiro e progressivo com o coral. Pensando o ensaio como um processo único coerente, a autora compreende que o regente deve estar instrumentalizado de ferramentas que forneçam auxílio às suas escolhas. As estratégias e dinâmicas de ensaio que estão amparadas em tais ferramentas podem contribuir com a coesão de todo o processo do ensaio. A dinâmica de ensaio é vista como um conjunto de práticas que determina o andamento do ensaio (PRUETER, 2010, p. 25). Os exercícios propostos durante a dinâmica de ensaio devem ser variados e relacionados aos objetivos musicais (SHIMITI, 1997, p. 124 apud PRUETER, 2010, p. 25). Construir um repertório com peças de níveis de dificuldade diferentes e variar o posicionamento dos cantores durante os ensaios também são procedimentos metodológicos relatados no trabalho. A respeito de procedimentos para iniciar um ensaio coral, Prueter (2010) mostra sugestões de alguns autores que recomendam: revisar o material do ensaio anterior a fim de reforçar a segurança já adquirida pelo coro (MOORE, 1999, p. 50 apud PRUETER, 2010, p. 31); aproveitar o burburinho inicial como elemento para aplicação do aquecimento (KERR, 2006, p. 212 apud PRUETER, 2010, p. 31); realizar a leitura completa da música para criar uma visão geral da peça; trabalhar isoladamente os elementos musicais como ritmo, melodia e texto (SILATIEN, 1999, p. 92 apud PRUETER, 2010, p. 31), entre outros. Outra abordagem metodológica para o ensaio coral apresentada por Prueter (2010) é o Pedagogical Pie de Boers (2006). Trata-se de um modelo baseado em um círculo dividido em 12 partes. Cada parte representa um aspecto musical que deve ser trabalhado com o coro, como a dicção, o timbre, o fraseado e a ressonância, entre outros. O regente fica encarregado de, com 32 base no repertório e no que o coro precisa aprender, escolher um aspecto presente no círculo para trabalhá-lo de forma focada no ensaio, sem, com isso, deixar de trabalhar secundariamente os outros elementos. O Pedagogical Pie de Boers (2006) pode contribuir com a organização e o planejamento de trabalho do regente em sua tarefa de estimular o desenvolvimento de conteúdos de aprendizagem da área coral durante os ensaios. Com relação à escolha de repertório, Prueter menciona que: “No que tange a processos de aprendizagem, a escolha do repertório adequado poderá servir como motivação para se alcançar certos objetivos” (PRUETER, 2010, p. 46). 1.1.2 Comentários acerca da revisão bibliográfica Ao realizar uma comparação com outras áreas da pesquisa em música, foram localizados poucos estudos a respeito do ensaio de coral amador como espaço de aprendizagem. Isso pode indicar a necessidade de avançar no estudo do tema, na criação de novos grupos de pesquisas, na realização de congressos e seminários, e, consequentemente, aumentar o número de publicações. Os autores estudados mencionam diferentes elementos de aprendizagem, como aprendizagem vocal, aprendizagem musical e aprendizagem de repertórios. Dentre os trabalhos pesquisados, pude encontrar alguns assuntos comuns e pontos convergentes nas visões de regentes e educadores. O ensaio coral como momento de aprendizagem é citado por alguns autores, como Hauck-Silva (2010) e Figueiredo (1989). O regente coral como educador é mencionado em mais de um trabalho (PRUETER, 2010 e FIGUEIREDO, 1989 e 1990). O potencial motivador presente na atividade coral também é relatado por mais de um regente. Gaborim-Moreira, Reis e Oliveira (2019) mencionam a motivação para aprendizagem proporcionada pelo coro a idosos. Já Prueter (2010) discorre acerca da influência da escolha de repertório frente a motivação dos coralistas. A necessidade de condições favoráveis no ambiente onde ocorre a aprendizagem também é um assunto recorrente entre os autores, como Figueiredo (1989) e Fucci Amato (2007). 1.2 Aprendizagem abrangente segundo Illeris: um modelo teórico Knud Illeris é um cientista e professor dinamarquês que, ao longo da vida, tem se dedicado ao estudo da aprendizagem humana. Na década de 1970, o professor era conhecido 33 por seus projetos que estudavam teoria e prática. Nesses projetos, a teoria da aprendizagem era aplicada como uma combinação entre a abordagem de Jean Piaget à aprendizagem e a "teoria crítica" da escola de Frankfurt. Já na década de 1990, Illeris retornou às suas bases teóricas de aprendizagem e ampliou sua abordagem a respeito do tema. O autor apresentou suas concepções inicialmente em The Three Dimensions of Learning (2002) e ampliou a compreensão em How we learn: Learning and Non-learning in School and Beyon (2007). Em 2013, o autor organizou o livro Teorias Contemporâneas da Aprendizagem, que aborda concepções de diversos autores contemporâneos a respeito da aprendizagem humana. No capítulo inicial do referido livro, a aprendizagem é definida como “qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento” (ILLERIS, 2007, p. 03 apud ILLERIS, 2013, p. 16). De modo geral, atualmente há uma grande variedade de abordagens e construções teóricas acerca da aprendizagem, algumas com enfoque no indivíduo e outras com foco no ambiente. Porém, para Illeris (2013), o estudo do tema se torna mais completo e profundo quando tanto as questões sobre o indivíduo quanto as que se referem ao ambiente e à relação entre eles são consideradas. Para o autor, o conceito de aprendizagem inclui um conjunto amplo e complexo de processos, além de condições internas e externas que podem influenciar ou serem influenciadas. É possível observar, na imagem a seguir (Figura 1), as principais áreas consideradas pelo autor como envolvidas na aprendizagem, assim como suas conexões mútuas. 34 Figura 1 – “As principais áreas de estudo da aprendizagem” Fonte: ILLERIS, 2013, p. 16. A base da teoria é composta por três áreas de conhecimento, a partir das quais se devem fundamentar o desenvolvimento de uma construção teórica abrangente e coerente. São elas: Biologia, Psicologia e Ciências Sociais. Segundo o autor, essas áreas incluem todas as condições psicológicas, biológicas e sociais que estão envolvidas em qualquer forma de aprendizagem. (ILLERIS, 2013 p. 16). A aprendizagem em si inclui processos, dimensões, diferentes tipos, obstáculos e condições internas e externas específicas. Para o autor, os obstáculos são os elementos centrais da compreensão da teoria, visto que, por meio deles é que se despertam impulsos a fim de resolvê-los ou minimizá-los. Os obstáculos podem ser compreendidos como impedimentos que podem surgir no processo de aprendizagem e ser de natureza psicológica, ou estar relacionadas a questões do espaço físico ou outros. A área chamada “aplicação” diz respeito aos meios pelos quais a aprendizagem pode ser realizada, como a pedagogia, as políticas de aprendizagem, as estratégias e metodologias, entre outros. O enfoque nas ações pedagógicas realizadas por regentes de corais amadores, foco de atenção nesta pesquisa, encontra-se nessa área “aplicação” da teoria. Segundo o autor, toda aprendizagem acarreta a integração de dois processos muito diferentes. São eles: 35 a) Processo externo: interação do indivíduo com seu meio social, cultural e/ou material. O ambiente/interação é a base geral do esquema, e o indivíduo, que é o aprendiz específico, é representado no topo; b) Processo interno: de natureza psicológica, refere-se à elaboração e aquisição. Essa aquisição é vista como "um processo de inter-relação integrada entre duas funções psicológicas iguais envolvidas em qualquer forma de aprendizagem, a saber, a função de administrar o conteúdo da aprendizagem e a função de incentivo e de prover e direcionar a energia mental necessária que move o processo". (ILLERIS, 2013, p. 17). Essas duas funções sempre estão envolvidas e, geralmente, de maneira integrada. Para Illeris (2013, p. 17), “parece evidente que os dois processos (aquisição e interação) devem estar ativamente envolvidos para que haja qualquer forma de aprendizagem”. (Figura 2). Figura 2 – “Processos fundamentais da aprendizagem” (aquisição e interação) Fonte: ILLERIS, 2013, p. 18. O autor avança na sua teorização argumentando que toda aprendizagem envolve três dimensões: conteúdo, incentivo e interação. Essas dimensões podem ser compreendidas como os pilares da teoria da aprendizagem do autor. Conforme demonstrado na imagem da Figura 3, as setas duplas cobrem um campo triangular, representado por cada pilar desta teoria. 36 Figura 3 – “As três dimensões da aprendizagem e do desenvolvimento de competências” Fonte: ILLERIS, 2013, p. 19. Segundo o autor dinamarquês: A dimensão do conteúdo diz respeito àquilo que é aprendido. Isso costuma ser descrito como conhecimento e habilidades, mas muitas outras questões, como opiniões, insights, significados, postura, valores, modos de agir, métodos, estratégias, etc. podem estar envolvidas como conteúdo da aprendizagem e contribuir para construir a compreensão e a capacidade do aprendiz. (ILLERIS, 2013, p. 18). Outro aspecto importante é que o conteúdo está relacionado à busca do ser humano em "construir significado e capacidade para lidar com os desafios da vida prática e, assim, desenvolver uma funcionalidade pessoal geral". (ILLERIS, 2013, p. 18). A respeito do Incentivo, Illeris (2013) considera que: “A dimensão do incentivo proporciona e direciona a energia mental necessária para o processo de aprendizagem. Ela 37 compreende elementos como sentimentos, emoções, motivação e volição.” (ILLERIS, 2013 p. 18). Segundo o autor, a função do incentivo é "garantir o equilíbrio mental contínuo do indivíduo e, assim, desenvolver simultaneamente uma sensibilidade pessoal". (ILLERIS, 2013, p. 18). As dimensões conteúdo e incentivo são iniciadas por impulsos no processo de interação e integradas no processo interno de aquisição e elaboração, tornando, portanto, intrínseca a relação entre conteúdo e incentivo, de modo que os conteúdos da aprendizagem estão fortemente ligados aos incentivos presentes durante o processo, como o interesse do indivíduo pelo assunto, a necessidade em aprender determinado tema, a forma pela qual o assunto é apresentado e o ambiente no qual ocorre o aprendizado, entre outras coisas. Simetricamente, o incentivo também é influenciado pelo conteúdo, pois, dependendo das circunstâncias e informações geradas, a condição do incentivo pode mudar. Com relação a interação, o autor postula que: A dimensão da interação propicia os impulsos que dão início ao processo de aprendizagem, podendo ocorrer na forma de percepção, transmissão, experiência, imitação, atividade, participação, etc. (Illeris, 2007, p. 100ff). Ela serve à integração pessoal em comunidades e na sociedade […] (ILLERIS, 2013 p. 19). Illeris (2013) considera a interação do indivíduo com seu meio social, tanto na esfera individual, quanto no aspecto da sociedade como um todo. Entretanto, é importante salientar que, para ele, a interação deste indivíduo com o ambiente material onde a aprendizagem acontece é indissociável da interação com o seu meio. Isto ocorre porque a situação da aprendizagem está inclusa em um contexto social mais amplo. Finalmente, pode ser surpreendente que, embora a situação de interação da aprendizagem diga respeito a uma interação entre o indivíduo e o ambiente no sentido mais amplo, eu, no entanto, defini esse ambiente em um nível diretamente social e em um nível mais geral da sociedade. O que aconteceu com a interação com o ambiente material, as localidades que circundam a situação de aprendizagem, as ferramentas e instrumentos utilizados e as instituições nas quais ocorre grande parte da aprendizagem? Naturalmente, o indivíduo está envolvido em interação com o ambiente material o tempo todo, mas a natureza dessa interação é sempre transmitida social e socialmente. […] Visto em relação à aprendizagem, o aspecto material do ambiente está sujeito ao lado social mais dominante. […] […] Assim, não é possível separar a interação com os arredores materiais da interação com o meio social […]”. (ILLEIS, 2007, p. 99, tradução nossa).6 6 “Finally, it may be surprising that even though the interaction situation of learning concerns an interaction 38 Por isso, no âmbito desta pesquisa, torna-se importante conhecer os impactos gerados por meio da interação dos coralistas e regentes com o ambiente material do ensaio coral amador, assim como as influências ocasionadas pelo meio social em que estão inseridos. Por ambiente material compreendo a interação dos coralistas e regentes com a sala onde o ensaio acontece, sua estrutura, localização, condições etc. Assim como também é possível compreender, como meio social, as relações de interação entre coralistas, regentes, público, repertório, influências geográficas, financeiras, escolares etc. É importante lembrar que a aprendizagem ocorre por meio da inter-relação das três dimensões. É possível, a título de estudo e compreensão, dissecar e compartimentá-las; entretanto, tais dimensões ocorrem de forma integrada. between the individual and the environment in the broadest sense, I have, nevertheless, defined this environment on a directly social and a more general societal level. Whatever has happened to the interaction with the material environment, the localities that surround the learning situation, the tools and instruments one utilises, and the institutions in which a great part of learning takes place? Naturally the individual is involved in interaction with the material surroundings all the time, but the nature of this interaction is always transmitted socially and societally. Viewed in relation to learning, the material aspect of the environment is under submission to the more dominant social side. […] […] Thus it is not possible to separate interaction with the material surroundings from interaction with the social surroundings […]” (ILLEIS, 2007, p. 99). 39 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo, discorrerei sobre os procedimentos metodológicos adotados para a realização das entrevistas, no âmbito do que caracteriza a pesquisa qualitativa, conforme informado na introdução da dissertação. Assim, aqui, exponho sobre o tipo de entrevista – no caso, a semiestruturada –, os critérios de escolha dos participantes, seus perfis e o roteiro de entrevista. 2.1 Entrevista semiestruturada Conforme informado, esta pesquisa é do tipo qualitativo, o que, segundo Strauss e Corbin (2008, p. 23 apud Silva, 2017, p. 48), é uma maneira de interpretar o funcionamento da vida das pessoas, a maneira como se organizam e as interações sociais e culturais. O coral amador é um espaço no qual ocorrem diferentes relações humanas e interações sociais. Como planejei obter dados por meio de entrevistas semiestruturadas, nas quais o estabelecimento de relações empáticas com os agentes da pesquisa se faz necessário, julgo ser a pesquisa qualitativa a mais adequada para essa situação. Outro fator que me move a esse tipo de investigação é a necessidade de considerar, para análise dos dados, aspectos subjetivos humanos como motivações e interesses dos indivíduos. De acordo com Manzini (2012, p. 156): A entrevista semiestruturada tem como característica um roteiro com perguntas abertas e é indicada para estudar um fenômeno com uma população específica: grupo de professores; grupo de alunos; grupo de enfermeiras, etc. Deve existir flexibilidade na sequência da apresentação das perguntas ao entrevistado e o entrevistador pode realizar perguntas complementares para entender melhor o fenômeno em pauta. Para Triviños (1987), em alguns tipos de pesquisa qualitativa a entrevista semiestruturada é considerada como principal meio de coleta de dados. O autor menciona que este tipo de entrevista valoriza o investigador e, simultaneamente, proporciona liberdade e espontaneidade ao informante. Segundo Triviños (1987, p. 146): Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas 40 hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. 2.2 Participantes da pesquisa Com o intuito de conhecer os pressupostos pedagógicos que fundamentam a aprendizagem musical do coralista durante os ensaios de corais amadores, foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas com regentes corais, três mulheres e um homem. Para o convite, optei por dois critérios que me permitissem focar nas ações de regentes: um, que estivessem envolvidos com o canto coral amador, e outro, que possuíssem experiência igual ou superior a 5 anos trabalhando com corais. Assim, passei a levantar prováveis participantes a partir do meu conhecimento de regentes que atendessem a esses critérios. Cheguei, inicialmente, a dois nomes que aceitaram meu convite para serem entrevistados. Após realizadas essas entrevistas, levantei mais dois nomes que prontamente também aceitaram colaborar. No decorrer das entrevistas constatei que os quatro regentes atuavam em locais diferentes do Brasil: uma no nordeste, uma no sul e dois no sudeste. Considerei essa diversidade como muito interessante para a pesquisa visto obter dados de práticas de ensaio coral amador em diferentes contextos. A experiência igual ou superior a 5 anos também foi preconizada para a escolha dos entrevistados, pois considero que, após este período, o ferramental de ideias e concepções de ensaio destes agentes pôde ter sido, em alguma medida, posto à prova repetidas vezes por meio de ensaios regulares realizados no decorrer da jornada profissional de cada um. Isso não impede, evidentemente, a contínua reformulação e reelaborações de novos conhecimentos decorrentes do constante fluxo de estudo que a área requer de seus integrantes. Portanto, os regentes foram selecionados de acordo com os critérios relatados anteriormente. O parecer do Comitê de Ética em Pesquisa encontra-se no Apêndice B. O perfil de cada entrevistado, identificados por número em razão da preservação das respectivas identidades, pode ser visto no último item deste capítulo. 41 2.3 Roteiro de entrevista semiestruturada Tendo como horizonte o objeto e o referencial teórico da pesquisa, optei por elaborar um roteiro de entrevista que pudesse contemplar as questões relativas ao ensaio coral amador, ao planejamento e às ações dos regentes nos ensaios. Para isso, tomei como eixo dois assuntos. São eles: 1) O coral amador; e 2) A aprendizagem no ensaio coral amador. A respeito das questões para um determinado roteiro de entrevista semiestruturada, Triviños (1987) nos alerta que: […] essas perguntas fundamentais que constituem, em parte, a entrevista semi- estruturada, no enfoque qualitativo, não nasceram a priori. Elas são resultados não só da teoria que alimenta a ação do investigador, mas também de toda a informação que ele já recolheu sobre o fenômeno social que interessa, não sendo menos importantes seus contatos, inclusive, realizados na escolha das pessoas que serão entrevistadas. (TRIVIÑOS, 1987, p. 146). Em relação ao primeiro assunto, as questões presentes no roteiro buscam conhecer as concepções dos entrevistados a respeito do ensaio coral amador como possível espaço de aprendizagem musical, a trajetória de cada um atuando em corais com este perfil e os objetivos que norteiam o trabalho de cada agente. Em relação ao assunto ensaio coral, cito como exemplo de perguntas que serviram de guia no momento da entrevista as seguintes: • Quais os objetivos que você possui ao trabalhar com corais desse perfil? • Para você, existe alguma relação entre a prática coral realizada em ensaios de corais amadores e a educação musical? Qual? Com relação à aprendizagem no coral amador e alguns fatores que podem ter potencial para influenciá-la, elaborei questões que pudessem ajudar a aclarar como cada um dos regentes entrevistados enxergava a temática. Por consequência, conhecer quais ações e os pressupostos pedagógicos que norteiam o trabalho de cada regente. Entretanto, por se tratar de um tema extenso, foi necessário subdividi-lo em alguns subtemas, conforme demostro na figura 4: 42 Figura 4 – Subtemas do roteiro das entrevistas semiestruturadas Fonte: autoria própria. Com relação à aprendizagem, cito algumas questões, presentes no roteiro, que nos ajudaram a realizar a entrevista semiestruturada: • Quando você planeja um ensaio, costuma utilizar princípios/pressupostos de algum pedagogo ou educador musical? Em caso afirmativo, quais educadores foram citados e quais eram seus pressupostos? • Considerando seu trabalho. Quais fatores você acredita que podem interferir no incentivo do coralista no ensaio? Que tipo de ações/ação você costuma tomar para incentivar os coralistas? • Como lidar com a necessidade de repetir sem tornar o ensaio monótono? As entrevistas foram realizadas priorizando-se o estabelecimento de um ambiente empático e agradável, tratando o entrevistado com acolhimento e educação, demostrando sua importância e relevância para a pesquisa. Tais premissas são mencionadas por Triviños (1987, p. 149): […] o investigador deve estar plenamente convencido da necessidade de desenvolver, no desenrolar dela [entrevista], todos os elementos humanos que permitam um clima 43 de simpatia, de confiança, de lealdade, de harmonia entre ele e o entrevistado. Isto é essencial para atingir a máxima profundidade no espírito do informante sobre o fenômeno que se estuda. […] A modéstia, e não a arrogância, contribui de maneira singela para que se estabeleça o ambiente que permite a mais ampla expressão de naturalidade, de espontaneidade. […] O investigador, ao mesmo tempo que se ajuda, deve apoiar o informante. Este, desde o começo, deverá ter a sensação de sua utilidade, de sua importância para as metas que se procura atingir. [...]Pelo menos existem duas maneiras de o cientista proceder para permitir a abertura e a compreensão desejadas. A primeira consiste em confirmar, em apoiar as asseverações do entrevistado, em mostrar-se de acordo com seu modo de apreciar as coisas. E a segunda, mais técnica e precisa, reside em oferecer possibilidade ao informante de iniciar a entrevista, dando respostas a aspectos de sua vida que ele conhece de forma ampla e completa. As quatro entrevistas foram realizadas entre os dias 05 de maio e 29 de julho de 2021, de modo remoto e síncronas, utilizando a plataforma Meet (google). O tempo médio de duração de cada uma foi de 76 minutos. As entrevistas em vídeo, gravadas com o consentimento das regentes e do regente, foram transcritas pelo programa Gglot (https://gglot.com/), transcrição revista por mim. Ressalto que cada um dos regentes atua em diferentes locais do Brasil: cidade do interior do Nordeste, uma capital do Sul, interior de São Paulo e litoral de São Paulo. A entrevista semiestruturada se deu com base no roteiro que consta anexado ao trabalho (APÊNDICE A). Por meio do referido roteiro, foi possível conhecer as concepções dos participantes a respeito das questões que envolvem a aprendizagem no ensaio coral amador. 2.4 Perfil dos entrevistados Entrevistada 1 Trata-se de uma regente da Região Nordeste brasileira com muitos anos de experiência na área coral, em especial no canto coral amador. Além do trabalho com corais, a Regente 1 também é professora no curso de licenciatura em Música em uma Universidade Federal na Região Nordeste, além de cantora. Possui Doutorado em Música por uma Universidade pública situada em São Paulo, Mestrado em Educação Brasileira por uma Universidade Federal da Região Nordeste, Bacharelado em Música por uma Universidade Estadual nordestina, especialização em Arte e Educação pelo (CEFET), situado na Região Nordeste, e Tecnólogo em Artes Cênicas por um Instituto Federal da Região Nordeste brasileira. Iniciou-se no canto coral quando criança, participando de corais infantis que incentivavam o aspecto cênico. Estudou em conservatório de música e depois participou de https://gglot.com/ 44 coros adultos. Optou por realizar graduação, cursando Licenciatura em Música, e, durante sua trajetória acadêmica, por não encontrar regentes de orquestra que fossem mulheres, decidiu ser regente. Após a conclusão da graduação, passou a trabalhar na mesma instituição como professora substituta, lecionando técnica vocal. Iniciou também carreira como cantora solista, regente e arranjadora. Em 2004, deu início à pesquisa de Mestrado cujo tema de pesquisa foi corpo e voz no campo somático, no qual se debruça até hoje. Passou a integrar o corpo docente da referida Universidade, criando projetos de extensão, grupos vocais e atuando como regente de vários coros da instituição. Atualmente possui título de Doutorado, obtido em uma Universidade Estadual na região de São Paulo, atua como professora de licenciatura em música, rege coros amadores em contexto universitário, além de ser cantora solista e compositora. Entrevistada 2 Trata-se de uma regente da Região Sul brasileira com vasta experiência em corais amadores, e que é educadora em uma Universidade pública Federal no sul do país. A Regente 2 carrega em seu currículo premiações de órgãos renomados na área artística brasileira por montagens de espetáculos corais. Além de regente coral, professora e pianista, possui Mestrado em Música por uma Universidade Pública da Região Sul, especialização em Regência Coral, Licenciatura em Música e Bacharelado em Canto Lírico por uma instituição estadual. Trabalha com assessoria cultural em universidade Federal no Sul do país. Iniciou o contato com a música por meio da participação em coral infantil no contexto religioso. Na igreja, desde os 15 anos de idades, a participante começou a tocar piano e a reger grupos corais com aproximadamente 130 vozes. No fim da adolescência, optou por cursar Licenciatura em Música. Além de Licenciatura em Música, a entrevistada passou também por outros 3 cursos na área das Artes. Ao longo de sua jornada como estudante, a segunda entrevistada desenvolveu habilidades como pianista, preparadora vocal, professora de música, regente de diversos grupos vocais e iniciou pesquisa com foco nos corais amadores. Além da pesquisa, também regeu grupos corais universitários em faculdades públicas no estado do Paraná. Atualmente é Mestra em Música, Professora em Universidade na Região Sul, regente de coros universitários e desenvolve projetos de inovação digital vinculados à música em uma grande empresa americana de serviços online e softwares. 45 Entrevistada 3 Assim como a Entrevistada 2, teve contato com a música no contexto religioso, no seu caso, especificamente na Igreja Batista. Concomitantemente, a terceira participante iniciou seus estudos musicais em conservatório tradicional situado no ABC paulista, onde foi integrante de coros infantis. Ainda na igreja, participou de grupos vocais infantis. Fruto do contato com o universo coral, a participante formou e liderou diversos grupos vocais no âmbito religioso, desenvolvendo competências e habilidades como regente. Apesar do contato com diversas formas de grupos vocais, a Entrevistada não nutria interesse em profissionalizar-se em regência. Contudo, como possuía vocação para o ensino de música e longo estudo em um instrumento de sopro, tinha como meta ser professora e instrumentista de orquestra. Chegou a integrar orquestras profissionais como trompetista, mas não se identificou com o ambiente. Cursou Licenciatura em Música em uma Universidade Pública situada na cidade de São Paulo. Durante a graduação, teve contato com um Laboratório Coral onde aconteciam as atividades ligadas aos corais do departamento de música da referida Universidade. Nesse contexto, regeu grupos amadores de diversos perfis, quando surgiu o interesse em profissionalizar-se. Atualmente a participante cursa Doutorado em uma Universidade Pública do Estado de São Paulo, é professora de projetos sociais mantidos pelo mesmo estado, rege um grupo coral com pacientes de Parkinson e atua como regente coral em grupos amadores em âmbito escolar, religioso e de associações. Entrevistado 4 O quarto participante é o que possui maior tempo de atuação profissional como regente. Iniciou os estudos musicais por meio de instrumentos de corda como baixo elétrico e violão. Optou por seguir carreira musical, por isso decidiu cursar o Bacharelado em Violão Clássico em uma Universidade Pública no estado de São Paulo. O contato com o meio coral se deu quando o entrevistado ingressou, aos 18 anos, em corais amadores. Nesta época, o interesse em estar nesses grupos se dava pela necessidade de aprender aspectos técnico vocais que o ajudassem a melhorar a voz, pois gostava muito de cantar e tocar. Durante a graduação, o participante passou a admirar a regência coral. Por isso, no contexto de sua jornada acadêmica, integrou grupos de estudos com foco na regência coral, teve aulas com professores expoentes da área, fundou madrigais e grupos vocais de diversas formações. Por meio da criação de grupos vocais, o entrevistado foi aprimorando sua prática 46 como regente. Chegou a iniciar o curso de Composição e Regência, em que pôde desenvolver e praticar, porém não o concluiu. Além dos contatos com grupos corais no contexto universitário, o quarto participante também atuou como regente principal em escolas de música de cidades situadas no interior paulista. Liderou bandas musicais, orquestras e corais de alunos, desenvolveu habilidades como arranjador, fundou festivais de música e lecionou em cursos de verão. Atuou também como professor, gerente artístico e coordenador em projeto social mantido pelo estado de São Paulo e foi regente de coros semiprofissionais em cidades litorâneas. Atualmente é Mestre em Música, vencedor de mais de uma edição do Mapa Cultural Paulista; professor universitário, leciona práticas vocais em universidades particulares; é regente de coros amadores em faculdades, realiza cursos de regência coral e rege coros amadores independentes. 47 3 ANÁLISE E DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Este capítulo objetiva expor os dados dessas entrevistas, organizados pelas categorias reagrupadas de acordo com o objetivo da pesquisa7. Inicio descrevendo acerca dos papéis dos regentes de corais amadores, sigo com as dimensões vinculadas ao aprendizado no ensaio, prossigo com os diálogos com o referencial teórico em suas dimensões do incentivo, interação e conteúdo, abordo o assunto planejamento de ensaio com foco nas questões de estruturação das etapas, organização, metodologias e estratégias e finalizo com os pressupostos e ações pedagógicas que norteiam o trabalho dos participantes com corais amadores. Ao final de cada citação de entrevista, segue a identificação dos entrevistados (Entrevistada 1, 2, 3 ou Entrevistado 4 e a página da citação no arquivo de transcrição). 3.1 Regente de coros amadores: seus papéis Todos os entrevistados postularam aos regentes de corais amadores a característica de possuírem multifunções. Esta característica, em suma, advém da necessidade de superar problemas como a falta de boa infraestrutura nos ambientes de ensaio, o baixo orçamento das instituições mantenedoras, o mau gerenciamento de políticas públicas e as condições inadequadas de trabalho. Deste modo, o regente coral acaba por ter de suprir funções que, muitas vezes, fogem à atividade estritamente musical, como menciona a Entrevistada 3. “Mas é que acho que não tem uma função, o regente tem múltiplas funções […] A gente é educador, a gente é preparador vocal, a gente é arquivista. O regente de coro amador é pianista correpetidor as vezes (risos), é... ele psicólogo em determinados momentos, porque você precisa saber lidar com conflitos, gerenciamento de conflitos, gerenciamento de pessoas, né. Você é seu próprio secretário e também você atua frente ao marketing do seu grupo […] Você também tem que ser tesoureiro e administrador”. (ENTREVISTADA 3, p. 05 e 06). Dentre as características oriundas desta complexidade, destaco as menções encontradas referentes à importância da postura de educador e a capacidade de liderança. No decorrer das entrevistas, os participantes atribuíram, cada um a seu modo, características ao que consideram 7 A lista completa das categorias pode ser visualizada no APÊNDICE C. 48 ser regente educador e regente líder. Abaixo, elenco o que foi relatado por cada um dos integrantes. 3.1.1 Regente educador O papel de regente em sua função de educador foi preconizado por todos os entrevistados e pode ser verificado por meio da fala da Entrevistada 1: “Para começo de conversa ele é vai [ser]… um professor. Isso antes de qualquer outra coisa é um professor […]” (ENTREVISTADA 1, p. 08). No mesmo sentido, também encontrei características inerentes à postura de educador do regente de coral amador quando me deparei com a fala da Entrevistada 2, como o regente em sua função de professor de música, em seu papel de motivador, a importância em ser mediador, a habilidade em entender as expectativas dos coralistas e o ato de descentralizar o processo de ensino e aprendizagem durante os ensaios. “tem pessoas que eu atendo no coral adulto da Universidade, eles chegam para cantar comigo lá com quarenta, cinquenta anos e eu sou a primeira professora de música” (ENTREVISTADA 2, p. 04). “Musicalmente, eu acho que tem uma questão de energia também que eu acredito que faz muita diferença. A gente trabalha a nossa, a nossa área é vibração, né. Música é vibração. Então eu acho que tem tudo a ver, assim. O regente no coro amador, no coro leigo ele é um motivador. Ele é um mediador. Ele é muito mais que um regente.” (ENTREVISTADA 2, p. 13). “Eu acho que a gente não pode se colocar no lugar tipo, ah eu domino o saber musical. Você pobre coitado que é leigo está aqui, então eu sou o centro das atenções e faça tudo que eu quero. Eu acho que tem que, o regente ele tem que ter um… mais… ele tem que ser mais mediador, do que, do que qualquer outra coisa. Se você passa a ser um mediador desse processo, é… eu acho que as coisas fluem um pouco melhor tanto para você quanto para o teu coralista.” (ENTREVISTADA 2, p. 13). “Tem uma questão social no coral, que é muito importante, que o regente precisa entender com quem que ele está lidando. Entender as expectativas das pessoas, porque assim, a gente não está fazendo favor nenhum a ninguém.” (ENTREVISTADA 2, p. 13). “Eu vejo que a gente tem que buscar uma descentralização, e para isso tem que trabalhar o nosso ego. Porque a regência tem a ver com o poder, né, poder de decisão, eu dou a entrada, você segue, eu que defino através do meu gesto o que vai acontecer. A interpretação musical que os cantores fazem é a do regente. Como é que isso? Qualquer participação que eles têm? A, mas está escrito na partitura aqui, as vezes nem tá escrito, né. As vezes o regente pegou um arranjo lá e fala, ah aqui é pianíssimo. Mas tá, por que não fazer forte? Experimenta, dá espaço pras pessoas. Eu acho que parece que a gente tem medo. Parece que a gente tem medo que os cantores cresçam 49 musicalmente, sabe? Às vezes eu penso assim, falei será que tudo isso não é medo, assim, sabe? (Risos) Tem que dar mais espaço, descentralizar.” (ENTREVISTADA 2, p. 24). A Entrevistada 3, por sua vez, vislumbra a função de educador como atribuição principal do regente coral em contexto amador, ao passo que também aborda, conforme mencionado no parágrafo inicial deste capítulo, características multifunções presentes no trabalho destes profissionais. Assim como a Entrevistada 2, a terceira Entrevistada também atribui ao regente a habilidade em discernir as expectativas dos integrantes do grupo a fim de considerá-las na composição do trabalho. “[…] eu tenho um coral que é amador, mas que eles têm uma vivência musical. Com esse grupo eu já sou mais técnica, porque eles também têm, é... eles têm uma outra expectativa, né. Eles ... por exemplo, eles me contrataram com uma expectativa. Então aí as vezes… eu não uso tantos processos criativos, eu até poderia usar mais, né. Eu sempre penso nisso, agora falando pensei de novo, né. Mas com eles eu sou mais… baseado na técnica vocal um pouco mais tradicional, faço coisas é… pedagógicas assim, de… algumas coisas do Kodály para trabalhar com leitura, mas é mais a técnica tradicional assim né”. (ENTREVISTADA 3, p. 04). Apesar do desejo em desenvolver propostas que envolvam ações pedagógicas que trabalhem com a ideia da criatividade, a Entrevistada 3, diante da expectativa dos coralistas – que esperam outro tipo de abordagem nos ensaios –, adequa sua postura de educadora. Além de ser maleável e habilidosa em perceber os anseios e expectativas dos coralistas, esse excerto também revela a influência exercida pelos contratantes e os possíveis impactos gerados na forma pela qual os regentes educadores constroem seus trabalhos. “[…] ele é um educador. Se o regente de coro amador não se colocar como um educador é… acho que a prática dele, de alguma maneira, não vai funcionar em algum ponto, né. Mas é que acho que não tem uma função, o regente tem múltiplas funções, […]” (ENTREVISTADA 3, p. 05). “Mas eu vejo que numa função de professor, se você for comparar com a função de professor dentro de uma sala de aula, você também vai ter muitas dessas, dessas, dessas funções que eu citei. Então eu acho que o educador ele tem que se sobressair. O educador artístico né, não é uma pura educação. A música tem que estar junto, né, o fazer artístico, tem que estar junto. Mas, acho que o que mais se sobressai é... a educação sim.” (ENTREVISTADA 3, p. 06). O Entrevistado 4 corrobora os vários dos papéis dos regentes de corais amadores citados até aqui. Além das competências de saber ensinar, ele menciona saber ensaiar e saber conduzir. Tendo como objetivo ensinar o coralista a cantar melhor, esse participante confere status de destaque à função de educador musical, defendendo-a como primordial. 50 “E regência não é… regência não é só você mexer os braços, tem que aprender a ensaiar, você tem que saber como ensaiar, você tem que saber como conduzir. E quando você trabalha com coro amador, você tem que saber como ensinar né (risos). Não é só reger e falar ó, canta isso, não é canta isso. Se você está com um profissional você pode dizer para ele cantar, você… aí você acerta a questão de interpretação e tudo mais. O coro amador você precisa ensinar ele a cantar né, desde a emissão vocal, até é… a dinâmica ideal. Então, então é isso que você precisa fazer.” (ENTREVISTADO 4, p. 04). O regente de coro amador ele é um educador musical, antes de ser um regente, ele é um educador musical. Claro que quanto mais experiên