UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE GUARATINGUETÁ PAULO JOSÉ MORAES DE PAULA SANTOS ANÁLISE BIOMECÂNICA DO CHUTE FRONTAL DE KARATÊ: IMPLICAÇÕES EM LESÕES NOS MEMBROS INFERIORES Guaratinguetá 2015 PAULO JOSÉ MORAES DE PAULA SANTOS ANÁLISE BIOMECÂNICA DO CHUTE FRONTAL DE KARATÊ: IMPLICAÇÕES EM LESÕES NOS MEMBROS INFERIORES Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Mestre em Engenharia Mecânicana área de projetos. Orientador: Prof. Dr. Tamotsu Hirata Co-orientador: Prof.Dr. Marcelo Sampaio Martins. Guaratinguetá 2015 S237a Santos, Paulo José Moraes de Paula Análise biomecânica do chute frontal de karatê: implicações em lesões nos membros inferiores / Paulo José M. de P. Santos. – Guaratinguetá, 2015 75 f. : il. Bibliografia: f. 69-72 Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2015 Orientador: Prof. Dr. Tamotsu Hirata Co-orientador: Prof. Dr. Marcelo Sampaio Martins 1. Biomecânica 2. Karatê I. Título CDU 612.766 DADOS CURRICULARES PAULO JOSÉ MORAES DE PAULA SANTOS NASCIMENTO 05.01.1990 – SÃO PAULO/SP FILIAÇÃO Reinaldo José Tavares de Paula Santos Rosângela Moraes Pinto 2009/2012 Curso de Graduação Escola Superior de Cruzeiro (ESC) 2013/2015 Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, nível de Mestrado, na Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá da Universidade Estadual Paulista. A todos os amigos e mestres que me acompanham nesta jornada de conhecimento. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço aos meus pais por me darem a chance de continuar meu aprendizado e por me apoiarem nesta decisão. Ao meu orientador, Prof. Dr. Tamotsu Hirata, que é um homem humilde e um exemplo para aqueles que realmente desejam seguir o caminho da sabedoria, não somente acadêmica, mas também de vida. Ao meu Co-orientador, Prof.Dr. Marcelo Sampaio,que sempre foi atencioso para com a pesquisa e totalmente participativo na execução do trabalho onde juntos novos aprendizados foram conquistados. Aos professores da instituição, que passaram pela minha formação, José Elias Tomazini, Mauro Hugo, José Geraldo Trani Brandão e Guillaume Thomann, pelas contribuições, cada um à sua maneira, que culminaram em um melhor desenvolvimento da pesquisa. A todos os funcionários da FEG/UNESP, especialmente para a secretária da Pós- graduação pela grande atenção para com os alunos. A toda “turma” dos laboratórios de Biomecânica e Mecânica, Tupi, Miguel e João Bernini, que são grandes amigos; sem os mesmos este trabalho nunca teria acontecido. Aos “karate guys” pelo elo de amizade inexorável que se formou: com certeza irá perdurar para o resto de nossas vidas. Ao meu Mestre, Sensei Cícero, que me mostrou o caminho para o aprendizado do Karate em todas as suas possibilidades. À turma de Física noturna, onde encontrei ótimos colegas, em especial, o casal mais completo da sala, Vitor e Gabriela, e os grandes amigos Guilherme, Rodrigo, Nilce, Juana e Vanessa. E por fim agradeço a mulher que surgiu do inesperado, sendo autêntica, atrasada e meiga deixando sempre uma vontade de quero mais: “Não há nada mais importante que a mulher, o resto é bobagem.” “Que homem é o homem que não torna o mundo um lugar melhor? UM FERREIRO. Este trabalho contou com apoio da: - CAPES – através da bolsa CAPES DS pelo programa de Demanda Social. SANTOS, P, J, M, P. Análise Biomecânica do chute frontal de Karatê: implicação em lesões nos membros inferiores. 2015. 75f. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2015. RESUMO O karatê é uma modalidade esportiva ainda em ascensão. Neste estudo, a implicação do golpe de karate foi avaliada utilizando princípios biomecânicos. Um dos intuitos é ajudar na epidemiologia das lesões nos esportes e, no karatê, o chute frontal é um dos golpes mais utilizados, sendo, ao mesmo tempo, os membros inferiores os locais mais acometidos por injúrias. O objetivo desta pesquisa foi correlacionar o pico de aceleração do movimento e suas implicações para a lesão nos membros inferiores dentro do karatê, além de verificar a atuação da musculatura do Reto Femoral durante a execução do golpe. Este trabalho estuda a técnica do chute frontal Mae Geri, por meio da Cinemetria, da Eletromiografia e dos dados do pico de aceleração do golpe. A coleta em laboratório foi realizada com 8 atletas, sendo 7 do sexo masculino e 1 do sexo feminino. Cada praticante realizou 10 sendo 5 em posição estática e 5 em posição dinâmica. A aceleração foi verificada por um acelerômetro acoplado a uma chapa de aço protegida, fixada em uma estrutura metálica, ajustada à altura do atleta. Os resultados obtidos foram comparados com os dados existentes na literatura sobre a relação entre o pico de aceleração e o modo pelo qual as lesões ocorrem. Assim, a presente pesquisa verificou que o chute frontal estudado desenvolve uma grande aceleração, sendo esta não obrigatoriamente ligada à massa do sujeito, podendo ser lesiva aos praticantes da modalidade, além disso, os valores de RMS obtidos através da análise eletromiografica do Reto Femoral apontam que não necessariamente o chute que mais requisita a musculatura é aquele que ira desenvolver uma maior aceleração. PALAVRAS – CHAVE: Karatê, Biomecânica, Lesão, Aceleração, Chute Frontal. SANTOS, P, J, M, P. Biomechanical Analysis of the front kick Karate: implication in lower limb injuries. 2015. 75f. Master Thesis (Master in Mechanical Engineering) - College of Guaratinguetá Campus Engineering, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2015. ABSTRACT Karate is a sport still on the rise. In this study, the implication of karate blow was evaluated using biomechanical principles. One of the purposes is to help in the epidemiology of injuries in sports and in karate, the front kick is one of the most used strokes, while at the same time, the legs were the most affected sites due to injuries. The aim of this study was to correlate the peak acceleration of the movement and its implications for the injury in the lower limbs in karate and to verify the performance of the Straight femoral muscles during blow execution. This work studies the technical front kick Mae Geri, through the kinematics of Electromyography and data peak Bang acceleration. The collection was carried out in the laboratory with 8 athletes, 7 males and 1 female. Each practitioner held 10 and 5 in a static position and 5 in dynamic position. The acceleration was detected by an accelerometer coupled to a protected steel plate fixed to a metal frame adjusted to the athlete's height. The results were compared with data in the literature on the relationship between peak acceleration and the way that injuries occur. Thus, the present study found that the front kick studied develops a great acceleration, which is not necessarily linked to the weight of the subject, and may be detrimental to practitioners of the embodiment, moreover, the RMS values obtained by analysis of the electromyographic Straight femoral link not necessarily the most kick that orders the muscle is one that will develop greater acceleration. KEYWORDS: Karate, Biomechanics, Injury, Acceleration, Front Kick. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Demonstração do chute frontal Mae geri ........................................................... 32 Figura 2 - Representação do músculo Reto Femoral ........................................................... 33 Figura 3 - Representação do músculo Gastrocnêmio Médio ............................................... 34 Figura 4 - Condicionador utilizado para EMGS.. ................................................................ 41 Figura 5- Eletrodos de superfície utilizados. ....................................................................... 41 Figura 6 - Placa de aço já revestida com EVA. ................................................................... 42 Figura 7- Condicionador Quantum MX410 ........................................................................ 43 Figura 8 - Câmera para captação da aproximação do chute ................................................ 44 Figura 9 - Esquema representativo da aquisição de dados .................................................. 44 Figura 10 - Fundo adaptado no Laboratório de Mecânica................................................... 45 Figura 11 - Bancada para computadores ............................................................................. 46 Figura 12 - Atleta com eletrodos fixos no músculo reto femoral e com marcadores nas articulações .......................................................................................................................... 47 Figura 13 - Postura estática do chute frontal em posição de repouso.................................. 48 Figura 14 - Postura dinâmica do chute frontal com os membros inferiores em movimento 48 Figura 15 - Exemplo do sinal verificado.. ........................................................................... 49 Figura 16 - Sinal janelado .................................................................................................... 50 Figura 17 - fase inicial do chute .......................................................................................... 51 Figura 18 - Fase final do chute ............................................................................................ 51 Figura 19 - Exemplo do pico de contração muscular, chute estático. ................................. 52 Figura 20 - Exemplo do pico de contração muscular, chute dinâmico. ............................... 52 Figura 21 - Exemplo da queda do sinal ............................................................................... 56 Figura 22 - Boneco hibrido 3 ............................................................................................... 59 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Dados de picos de aceleração e tempo de execução. ......................................... 54 Tabela 2 - Resultados da eletromiografia no músculo reto femoral da perna de chute. ...... 55 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS B&K – Brüel&Kjaer CBKT - Confederação Brasileira de Karatê EMG – Eletromiografia EMGS – Eletromiografia de superfície FAPI – Faculdade de Pindamonhangaba FPKT - Federação Paulista de Karatê Tradicional ISEK - International Society Electrophysiology Kinesiology LD – Lesão desportiva MMII – Membros inferiores SBB – Sociedade Brasileira de Biomecânica SENIAM - Surface EMG for a Non-invasive Assesment of Muscle SPSS - Statistical Package for the Social Sciences UNESP – Universidade Estadual Paulista WFK – Federação Mundial de Karatê LISTA DE SÍMBOLOS g – aceleração gravitacional (m/s²) s – segundos fps – frames per second mV/V – milivolt por volt SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 18 1.1 Objetivos ........................................................................................................................ 20 2 REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................................... 21 2.1 Breve histórico da Biomecânica .................................................................................... 21 2.1.1 Algumas Aplicações para a Biomecânica .................................................................. 21 2.1.2 Biomecânica dos esportes ........................................................................................... 22 2.1.3 Biomecânica preventiva ............................................................................................. 22 2.2 Origem do Karate-dô ..................................................................................................... 23 2.2.1 Karatê no Brasil como modalidade esportiva ............................................................. 25 2.3 Saúde pública e lesão músculo esquelética ................................................................... 25 2.4 Lesão Esportiva ............................................................................................................. 26 2.4.1 Lesões no Karate-dô ................................................................................................... 29 2.5 Técnica do Chute frontal Mae geri ................................................................................ 31 2.6 Musculatura dos Membros Inferiores ............................................................................ 33 2.6.1 Reto Femoral .............................................................................................................. 33 2.6.2 Gastrocnêmio Médio .................................................................................................. 34 2.7 Instrumentação da Biomecânica .................................................................................... 35 2.7.1 Eletromiografia ........................................................................................................... 35 2.7.2 Antropometria ............................................................................................................. 36 2.7.3 Cinemetria .................................................................................................................. 37 2.7.4 Dinamometria ............................................................................................................. 38 3 METODOLOGIA ........................................................................................................... 40 3.1 Amostra ......................................................................................................................... 40 3.2 Instrumentos .................................................................................................................. 40 3.2.1 Eletromiógrafo ............................................................................................................ 40 3.2.2 Acelerômetro .............................................................................................................. 42 3.2.3 Câmeras digitais ......................................................................................................... 43 3.3 Procedimentos ............................................................................................................... 45 3.3.1 Preparação dos voluntários ......................................................................................... 46 3.3.2 Coleta dos dados ......................................................................................................... 47 3.3.3 Aquisição e tratamento dos dados .............................................................................. 49 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 54 4.1 Apresentação dos dados ................................................................................................ 54 4.2 sobre pico de aceleração e o estudo nas artes marciais ................................................. 56 4.2.1 Impacto e a lesão esportiva ......................................................................................... 58 4.2.2 RMS e pico de aceleração .......................................................................................... 64 4.3 Interferências do Educador físico no atual quadro de lesão no karate .......................... 65 4.4 Sugestões de continuidade ............................................................................................. 67 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 69 ANEXO A ........................................................................................................................... 73 ANEXO B ........................................................................................................................... 74 ANEXO C ........................................................................................................................... 75 18 1 INTRODUÇÃO O esporte contemporâneo, atualmente, é um dos acontecimentos mais estudados na sociedade pelos pesquisadores das mais diversas áreas como Medicina, Fisioterapia, Educação Física e Engenharia, que se unem para compreender melhor tal fenômeno que mobiliza milhões de pessoas em eventos de magnitude mundial. Dentre as inúmeras áreas de estudo supracitada, encontra-se a Biomecânica, uma linha de pesquisa multidisciplinar que visa entender o modo pelo qual acontece o fenômeno do movimento humano, utilizando, como viés principal, as leis da física (HALL, 2003). Além disso, a Biomecânica une também as bases biológicas, fisiológicas e anatômicas humana em conjunto com a matemática e a física, criando, assim, possibilidades maiores de compreensão no que tange o aparelho locomotor humano. ... A Biomecânicaainda utiliza-se dos conhecimentos da Anatomias da Fisiologia, disciplinas que delimitam ascaracterísticas estruturais e funcionais do aparelho locomotor humano. Configura-se desta forma, umadisciplina com forte característica multidisciplinar, cuja meta central é a analise dos parâmetros físicosdo movimento, em função das característicasanatômicas e fisiológicas do corpo humano (AMADIO; SERRÃO, 2011, p. 16). As aplicações dos estudos biomecânicos possuem os mais diversos objetivos, partindo do conhecimento geral sobre o corpo humano, passando por fins de desempenho esportivo e alcançando até mesmo resultados medicinais. Souza (2002), por exemplo, afirma que os avanços nos estudos da Biomecânica já possibilitam a criação de próteses para segmentos danificados do corpo de um indivíduo. Outro ponto que se destaca nos estudos biomecânicos está tem sua base na contribuição da prevenção de lesões que o movimento humano pode gerar. No contexto da Biomecânica, lesão é definida como o dano causado por traumatismo físico sofrido pelos tecidos do corpo (WHITING; ZERNICKE, 2001). Na prática esportiva, o número de lesões é demasiado, tanto no campo de alto desempenho, quanto no esporte recreativo que visa a qualidade de vida, produzindo demanda de estudos que buscam compreender o motivo para tantas lesões (CAINE; MAFULLI; CAINE, 2008; RESTROM; LYNCH, 1999; SOUZA et al. 2006), porém, muitas vezes, as diversas pesquisas que seguem esta linha excluem, de certo modo, outras modalidades esportivas de menor foco, como, por exemplo, o Karate-dô, modalidade que ainda não está presente nos jogos olímpicos (COMITÊ OLÍMPICO BRASILEIRO, 2013), mas que apresenta problemas graves relacionados à lesão quanto qualquer outra modalidade de luta, ou 19 esporte, onde o contato físico é essencial para que se atinja o objetivo; nesse sentido, encontra-se a pesquisa realizada por McLathie (1976) que, em seu estudo, buscou compreender melhor que tipos de danos físicos ocorriam aos lutadores durante as competições do Karate-dô. Com a evolução das pesquisas, mais dados foram sendo coletados e analisados, permitindo uma visão mais ampla sobre a problemática relacionado às lesões. No trabalho de Yard et al. (2007), foi realizado um levantamento do número de pacientes infantis e adolescentes que deram entrada em hospitais nos Estados Unidos nos anos de 1990 a 2003 devido a lesões provenientes de artes marciais. Foi constatado que o maior número de lesionados foram os praticantes da modalidade do Karate-dô, e que a região mais acometida pelas lesões foram os membros inferiores (MMII). De acordo com os autores, os locais das lesões estão, primeiramente, relacionados à área atingida pelos golpes e, segundo, pela utilização inadequada das pernas como ferramenta técnica para se golpear o adversário, produzindo um movimento deficiente e, conseqüentemente, lesivo. Outros estudos indicam também que algumas lesões no Karate-dô são severas e deixam sequelas permanentes em locais como a cabeça, rosto e pescoço, que são pontos sensíveis ao impacto, e que podem gerar traumas graves, inclusive em atletas de alto rendimento,como concussões cerebral, contusão na face e luxação temporomandibular (OLIVEIRA; VIEIRA; VALENÇA, 2011). Ainda, soma-se ao risco de propensão à lesão no Karatê-do a falta de regulamentação minuciosa sobre os equipamentos de proteção obrigatórios aos atletas no momento do combate. Lennard e Crabtree (2005), em sua obra discutem os métodos de prevenção de lesões durante o combate, evidenciando a necessidade de um vestuário que promova uma maior proteção ao indivíduo, como o equipamento já utilizado no Tae kwon do, devidamente padronizado e exigido nas competições de alto nível. Entre os inúmeros motivos que influenciam no surgimento das lesões, evidencia-se o impacto que, conceitualmente, é uma simples colisão de uma massa em movimento com outra que pode ou não estar em movimento (HARRIS; CREDE, 1976). Quando aplicado a uma modalidade de luta, onde dois atletas utilizam de técnicas que buscam a contusão, fica claro que o impacto é um fator determinante para uma possível lesão durante o evento esportivo. Em anatomia humana, sabe-se que os membros inferiores são constituídos por um agrupamento muscular capaz de gerar uma enorme potência (WHITING; ZERNICKE, 2001), fator que faz com que a força gerada por uma técnica que utilize as pernas seja muito grande, e, conseqüentemente, um pico máximo do impacto também muito grande; talvez por isso que 20 os atletas da modalidade utilizem tanto das técnicas de perna, principalmente do chute frontal, visando finalizar o combate de maneira rápida e eficiente. No entanto é possível que o uso excessivo do golpe seja o responsável pelo alto número de lesões da modalidade, deixando evidente a necessidade de novas pesquisas que investiguem as causas do alto número de lesões no Karate-dô. Assim, neste contexto, a presente pesquisa se justifica como forma de prover uma melhor compreensão do modo como os mecanismos lesivos dentro da modalidade podem ocorrer, podendo, deste modo, orientar futuros atletas à prática preventiva do Karate-dô, e, ainda, para os profissionais da área, fornecer um compilado de informações que possam auxiliar nos seus treinamentos, buscando a profilaxia e a integridade dos seus alunos. Portanto, o presente trabalho se fundamenta sobre essa premissa e busca levantar dados que tentem responder aos questionamentos apresentados. 1.1 OBJETIVOS Objetivo Geral: Analisar o movimento de Chute frontal do Karatê-dô em duas situações, estático e dinâmico, e verificar o pico de aceleração advindo da técnica, objetivando o melhor entendimento no que tange às lesões esportivas nos membros inferiores. Objetivos Específicos: - Realizar mensurações de grandezas dinâmicas (aceleração), da execução chute frontal; - Verificar pico de aceleração dos golpes. - Coletar atividade muscular no Reto femoral durante a realização do chute. 21 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Breve histórico da Biomecânica O constante estudo para a compreensão do movimento humano não é um fenômeno atual, e, Aristóteles, por exemplo, já se questionava sobre o funcionamento da estrutura humana apenas por reflexão. Outro pesquisador, Galeno, que é considerado o primeiro médico voltado ao esporte, realizava seu trabalho por meio da análise do movimento e acompanhamento dos gladiadores durante as pelejas no período Romano (PETEEFEUSP, 2009). Muitos outros pesquisadores foram surgindo e nomes como Leonardo da Vinci e Galileu deram sua parcela de contribuição na área do estudo humano. No entanto, segundo Souza (2002), foi somente após a segunda guerra mundial que a Biomecânica passou a ter uma atenção maior como linha de estudo, tendo ocorrido em 1967 o primeiro Seminário Internacional em Biomecânica, evento realizado em Zurique, já com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). No Brasil, a consolidação do estudo do movimento humano é mais recente, onde, por meio da união com a Alemanha em 1976, os professores estrangeiros vieram lecionar nas Universidades Brasileiras de Educação Física, iniciando então as primeiras pesquisas nacionais na área (AMADIO; SERRÃO, 2011). Com a nova gama de pesquisas sendo produzidas, foi realizado em 1989 o I Encontro Nacional de Docentes de Cinesiologia e Biomecânica e, em 1992, foi criada a Sociedade Brasileira de Biomecânica (SBB) (AMADIO; SERRÃO, 2011). Atualmente, o estudo da motricidade humana não é exclusividade da Educação Física, tendo outros campos da Ciência demonstrado interesse nesta linha de pesquisa, fator que diversificou os objetivos de estudo, gerando, assim, uma alta produção de conhecimento no campo da Biomecânica, tornando-a, em consequência, interdisciplinar e ampliando ainda mais as suas possibilidades de aplicação. 2.1.1 Algumas Aplicações para a Biomecânica. Existem diversas definições para a Biomecânica, porém, grande parte delas concordam ao afirmar que o seu objeto de estudo é composto por pesquisas interdisciplinares que buscam analisar, descrever, quantificar e qualificar o movimento, seja ele humano ou animal, levando- 22 se em consideração as propriedades biológicas, fisiológicas, anatômicas e as forças que atuam sobre um corpo, sejam elas de origem interna, ação muscular, ou externa (AMADIO et al. 1999; CARR, 1998; COSTA et al. 2012; HAMILL; KNUTZEN, 1999). A partir deste pressuposto, a Biomecânica passou a possuir vários enfoques de estudo, criando, desta maneira, linhas de pesquisa que, segundo Santos e Guimarães (2002), se distribuem, principalmente, em Biomecânica dos esportes, a antropométrica e a Biomecânica preventiva, que trata sobre o estudo das lesões musculoesqueléticas. 2.1.2 Biomecânica dos esportes. O Esporte é fenômeno sócio-cultural que atinge toda a população mundial devido a grandeza de eventos como as Olimpíadas, a Copa do Mundo e os Jogos Mundiais. Por meio desses eventos é possível perceber o mais alto envolvimento da Ciência com as modalidades Esportivas, uma vez que os atletas passam por uma rigorosa preparação que objetiva o melhor desempenho possível. Uma das áreas de pesquisa que contribui com este fato é a Biomecânica esportiva, que, por meio dos conhecimentos da Mecânica, auxilia na melhoria da técnica de uma atleta. ... Todos os atletas de nível mundial, não importa o esporte, utilizam técnica superior, baseada no melhor uso dos princípios mecânicos que controlam o movimento humano. Porém, é importante lembrar que os movimentos refinados e elaborados que você vê na técnica de um atleta de elite, raramente, ocorrem por acaso. Da mesma forma, é praticamente impossível para um atleta alcançar um nível mundial sem a assistência de alguém que saiba por que é melhor desempenhar os movimentos em uma habilidade esportiva de uma forma ou de outra (CARR, 1998, p. 5). Deste modo, fica clara a influência da Biomecânica no âmbito esportivo, onde o auxílio aos atletas de alto rendimento com a função de maximizar seus resultados é o objetivo. 2.1.3 Biomecânica preventiva. A Biomecânica possui tambéma função de promover a qualidade de vida com estudos que buscam compreender, por exemplo, as melhores possibilidades corporais espaciais e de deslocamento a fim de amenizar possíveis problemas advindos da sobrecarga mecânica gerada pela movimentação do corpo (AMADIO; SERRÃO, 2011). Além disso, as lesões geradas pelo o impacto produzidos por cargas, sejam elas oriundas de atividades diárias, laborais ou esportivas, também são analisadas pelos estudiosos 23 da Biomecânica. Hall (2003) aponta a união da Medicina com o esporte, buscando entender melhor de que maneira as lesões esportivas ocorrem e como pode ser possível preveni-las. Diante dessa situação, a modalidade de luta Karate-dô, pelo fato de ainda, em muitos países, inclusive no Brasil, ser um esporte amador, recebe pouca atenção e pouco são os trabalhos científicos que envolvem o tema, porém muitas são as questões levantadas ao longo da prática dessa modalidade. 2.2 Origem do Karate-dô. O desenvolvimento das lutas surgiu da necessidade do homem de se defender. Atividades como caçar, defesa territorial, e até mesmo defesa contra animais selvagens fez com que o ser humano passasse a buscar métodos de proteção para sua sobrevivência, cada qual referente ao tipo de cultura e à população que a desenvolvia (MOREIRA, 2003). Segundo Natali (1981), com a evolução das civilizações e início do arquivamento de dados históricos, é possível saber que o primeiro estilo de luta reconhecido e padronizado é o Vajramushti, que era ensinado somente a realeza Indiana, trabalhava o preparo físico e também atribuía valores espirituais e cognitivos durante os treinamentos. Com o passar dos séculos, mais precisamente no ano 525 d.C., um sábio indiano conhecido como Bodhidharma (Daruma no Japão), que realizava peregrinações pelo território onde hoje é a China, se estabeleceu no templo Shaolin, onde passou a conviver com os monges (BREDA et al. 2010). Foi durante esse período de convivência que, de acordo com Lima (2000), Bodhidharma percebeu a indisponibilidade física dos monges, já que os mesmos passavam muitas horas sentados e de pernas cruzadas, realizando meditações, não utilizando de nenhuma atividade que objetivasse o desenvolvimento saudável do corpo humano. Assim, Bodhidharma que era um especialista em Vajramushti, introduziu as técnicas da luta aos monges que, após o aprendizado, passaram a organizar a sua rotina com base nos ensinamentos. Os seguidores de Daruma, eram fisicamente despreparados para os rigores do treinamento que ele exigia: assim, depois de muitos caírem em exaustão, ele lhes ordenava que começassem já na manhã seguinte, a treinar seus corpos de modo que suas mentes e corações se dispusessem a aceitar e seguir o caminho do Buda (FUNAKOSHI, 1975, p. 49). 24 A partir deste ponto, a prática da luta fez parte do cotidiano dos monges, e a consequente evolução dessas técnicas deu origem ao conhecido estilo do Kung Fu, que, posteriormente, teve influência na criação do Karate-dô. A criação do Karatê-dô se deu no final do século XIX, na ilha de Okinawa, território nipônico; como o Japão mantinha intenso comércio com a China por meio das vias marítimas, a troca de cultura ocorria naturalmente. Breda et al. (2010) afirma que os japoneses passaram a se interessar pela estilo de luta do Kung Fu e iniciaram seus aprendizados, porém, as técnicas eram passadas por vários grupos, o que deu origem à criação de diversos estilos da arte, entre eles o Okinawa-te (mãos de Okinawa). Ginchin Funakoshi, ainda quando criança foi apresentado ao Okinawa-te pelo Mestre Azato, logo demonstrando grande aptidão e interesse pela arte marcial. Assim, realizou diversos estudos da técnica de combate, além de introduzir à luta o caráter Zen, que se resume à busca do equilíbrio espiritual, físico e cognitivo, permitindo que o praticante atinja um estado de paz, elevando sua qualidade de vida (FUNAKOSHI, 1975). A principal mudança ocorrida foi a criação de metodologia de treinamento que facilitou o aprendizado e transformou a prática em uma atividade mais interessante. Foram criadas então três etapas: KIHON: são os fundamentos da técnica do karate-dô, os movimentos são treinados um de cada vez e cada atleta realiza esta atividade individualmente, existindo a variação realizando o movimento junto ao colega, servindo como alvo para o golpe (NATALI, 1981). KATA: é uma sequência com movimentos pré-determinados com início e fim também já determinados; possuem nomes e também são realizados como forma de competição, onde o atleta que melhor executar a série vence, além de engrandecer o sujeito que o pratica. ... O kata pode trabalhar muito bem a concentração e o controle respiratório de quem o executa e enche os olhos de quem o assiste, dado a sua graça, beleza e leveza, sendo este conjunto de possibilidades o fator de este poder ser praticado por crianças, adolescentes adultos e idosos. Adicionamos a isto, a versatilidade de treiná-lo em diferentes ambientes, de forma a derepente, poder melhorar as ações motoras dos alunos, com maior motivação (MOREIRA, 2003, p.15). KUMITÊ: é o combate realizado entre dois atletas no o intuito de desenvolver as habilidades de combate, além de ser a forma esportiva mais disputada pelos atletas, com competições que atingem um nível mundial. Deste modo, com todas essas características, criou-se um estilo próprio de luta que perdura até os tempos atuais, conhecido hoje como Karate – dô Shotokan. Com a vinda deste 25 método de luta para o ocidente, acabou ganhando conotações esportivas e hoje é praticado no mundo todo, sendo uma modalidade ascendente com representações também aqui no Brasil. 2.2.1 Karatê no Brasil como modalidade esportiva. Assim como o Judô, o Karatê-do foi conhecido pelos brasileiros a partir da chegada dos imigrantes Japoneses, no início do século XX, ganhando destaque nacional apenas na década de cinquenta. Desde então, o Karatê-do adquiriu destaque no Brasil, sendo hoje representado por diversas federações dividas pelos Estados brasileiros. O Karatê-do possui diversas competições nacionais e internacionais provando ser uma modalidade reconhecida e com prática expressiva, porém ainda pouco estudada. Souza (2002) aponta que apesar do destaque que o Karatê-do recebe como esporte, o mesmo ainda não recebe a devida atenção quando relacionado às pesquisas científicas. Quando estudado, o Karatê-do produz muitos questionamentos, como, por exemplo, os relacionados ao modo como a mecânica dos golpes acontecem e a causa do surgimento das lesões, frequentes em modalidades que visam o contato físico. 2.3 Saúde pública e lesão músculo esquelética. Existem diversos fatores que indicam a saúde como um fator contribuinte para a qualidade de vida do ser humano e, segundo Rouquayrol e Almeida filho (2003), mensurar continuamente a situação da saúde de uma população é necessário, pois, por meio do levantamento de dados, fica possível a elaboração de políticas públicas que sejam eficazes no combate de novas doenças. Deste modo, a epidemiologia entra como fator contribuinte, sendo o eixo da saúde pública, uma vez que proporciona as ferramentas necessárias para o descobrimento da aparição de novas enfermidades, além de ter a função de estudar analiticamente os dados provenientes, por exemplo, dos casos de mortalidade em função de uma patologia ou doença, a fim de ser traçado um perfil da doença, contribuindo para o desenvolvimento das melhores opções de tratamento (ROUQUAYROL; ALMEIDA FILHO, 2003). Assim, do mesmo modo que as doenças cardíacas e até mesmo o câncer, as lesões também são caso de saúde pública. Só nos Estados Unidos, de acordo com os pesquisadores 26 Whiting e Zernicke (2001), mais de 8 milhões de pessoas morrem em decorrência de lesões graves e mais de 435 bilhões de dólares são gastos, em atendimentos realizados em hospitais. É alarmante a indicação desses números, tornando perceptível que a população, de um modo geral, sofre devido às ocorrências de lesões, sejam elas advindas de casos simples ou até mesmo de casos mais graves, onde há o óbito. Portanto, as lesões estão presentes no cotidiano da população e pode-se ilustrar o caso indicando os números de acidentes que ocorrem durante um dia de trabalho, seja por esforço repetitivo ou por outro fato isolado. Chaffin, Andersson e Martin (1999) relatam que em 1990 haviam 1,8 milhões de trabalhadores afastados devido às lesões ocorridas durante as tarefas ocupacionais e que a maior parte dessas lesões se concentravam na região da coluna lombar, devido à dor aguda. Considera-se que esse fator lesivo não acarreta em prejuízo somente para as empresas, mas também que seja, principalmente, um desrespeito com o trabalhador que dedicou a sua força motriz ao desempenhar uma tarefa exaustiva que gerou dor e infelicidade, uma vez que, atualmente, já é possível ser encontradas medidas que busquem solucionar essa problemática. Assim, devido às recorrentes reclamações ocupacionais, ao absenteísmo e ao afastamento dos funcionários dos seus postos de trabalho devido à lesão, surgiu a Ergonomia, uma ciência multidisciplinar na qual se estuda a interação do ser humano com o ambiente de trabalho, analisando suas tarefas ocupacionais na busca de meios profiláticos que minimizem os impactos sofridos pelo corpo devido às práticas no trabalho (TORRES, 2004). Apesar de vários esforços para a diminuição da ocorrência de lesões ocorridas no cotidiano, muitas vezes outras práticas elevam os risco da sua aparição, destacando-se, entre elas, as modalidades esportivas que, quando realizadas de maneira incorreta e displicente, não beneficiam a saúde do indivíduo que a pratica. 2.4 Lesão Esportiva Nos tempos atuais é comum aos profissionais da área da saúde o reconhecimento da real necessidade da ciência em sua prática profissional; Educadores físicos e Fisioterapeutas buscam compreender melhor os movimentos humanos visando melhorar o desempenho profissional, promovendo, ao atleta ou paciente, melhoras significativas em relação aos seus objetivos. Diante do aumento desses estudos, um tópico exclusivo surgiu, o da lesão esportiva (LD), que é definida como: 27 Em conceito amplo, a LD pode ser definida como qualquer queixa física ocorrida durante treinamento e/ou competição, sendo necessária atenção médica e que resultam na restrição da participação do atleta por no mínimo um dia após a lesão. De maneira mais específica, LD é definida como qualquer dor ou afecção musculoesquelética resultante de treinamentos e/ou competições desportivas e que foi suficiente para causar alterações no treinamento normal, seja na forma, duração, intensidade ou frequência (VANDERLEI, 2011, p. 33). Em ambas as definições, é perceptível que a LD exerce sobre o sujeito algum nível de desconforto, alterando a prática de algo que poderia ser saudável em uma atividade dolorosa e insatisfatória. Diversos aspectos contribuem para o surgimento da lesão no esporte, incluindo o próprio aumento no número de novos praticantes;Vanderlei (2011) indica que entre 35 e 45 milhões de crianças e adolescentes estão treinando alguma modalidade esportiva, salientando- se que essa prática promove diversas mudanças positivas no desenvolvimento físico, percepção motora, desenvolvimento do reflexo, etc., em conjunto, no entanto, com uma maior incidência no número de lesões (TORRES, 2004). É importante ser compreendido que a LD não é exclusiva aos atletas de alta performance, ocorrendo também em pessoas que realizam uma prática esportiva recreativa de modo inadequado e sem as devidas considerações de segurança contra as lesões. Torres (2004) afirma que a LD atinge toda a parcela da população praticante de uma modalidade esportiva, que, muitas vezes, a realiza sem orientação, resultando em um aumento da incidência de lesão desportiva, mesmo em ambientes como escola, clubes e outras localidades se pratica de forma recreativa o esporte. Além desses fatos supracitados, é sabido que o esporte de alto nível e rendimento não possui nenhuma relação com a promoção da qualidade de vida, uma vez que a sobrecarga de treinamento aplicada ao atleta é, muitas vezes, nociva ao seu corpo, gerando desgastes articulares e musculares, além de outros fatores como stress e problemas psicológicos, o que leva os praticantes à desistência da modalidade precocemente. Diante desses fatores, a LD é estudada nos mais diversos campos de pesquisa, inclusive nas pesquisas biomecânicas, responsável pela elucidação de alguns mecanismos causais das lesões esportivas, sabendo-se, porém, que existem limitações sobre a sua compreensão epidemiológica (AGUIAR et al., 2010). O mesmo autor indica, ainda, que exista a falta de informação sobre a especificidade da lesão e a modalidade em que ela ocorreu, dificultando o entendimento do fator epidemiológico; os dados sobre a gravidade das lesões existem e são publicados, contudo, 28 sem um consenso geral, o que abre a discussão sobre os métodos utilizados para a aquisição dessas informações. Já se é compreendido que cada esporte causa um diferente tipo de lesão, de acordo com a sua característica e com o tempo de sua prática; Arena e Carazzato (2007) apresentam em seu estudo diversos dados indicando os diferentes tipos de lesões entre as modalidades esportivas, onde é mostrado, por exemplo, que o maior número de injúria no voleibol é ocasionado na articulação do joelho, enquanto que no futsal a prevalência acontece no tornozelo, fato explicado pela especificidade do movimento praticado na modalidade: “A ocorrência de lesões esportivas é decorrência de inter-relação entre o atleta e o esporte praticado” (TORRES, 2004, p. 28). Outro conhecimento também já fundamentado é o sobre a classificação dos tipos de lesões que ocorrem durante a prática de uma modalidade que, segundo os autores Safran, Mckeag, e Camp (2002), são divididos em sete possibilidades: Contato: Ocasionado principalmente devido a choques entre atletas, ou entre atletas e estruturas rígidas. Excesso de sobrecarga: é a aplicação excessiva de sobrecarga durante o treinamento, levando o atleta a realizar, por exemplo, tensões e pressões exageradas em uma parte do tecido humano, sendo classificada como uma entre as lesões mais frequentes. Crescimento rápido: aplicado à criança e ao adolescente em fase de crescimento, já que as mudanças corporais físicas podem, em alguns casos, ser incompatíveis com a exigência e o esforço requerido em algumas modalidades esportiva. Sobrecarga dinâmica: a lesão é resultado de uma tensão ou estiramento abrupto, podendo gerar, por exemplo, rompimento de tendões. Falta de flexibilidade: a falta de flexibilidade acarreta na perda de arco de movimento, o que em algumas modalidades específicas é prejudicial, podendo, além disso, limitar o completo desenvolvimento muscular. Desequilíbrio muscular: relacionado com o recrutamento ineficiente e desordenado das fibras musculares em determinados movimentos; um condicionamento físico deficiente e o excesso de atividade muscular são também causas para a falha muscular. Vulnerabilidade estrutural: o uso excessivo de uma estrutura corporal pode gerar a sua fadiga, predispondo à possíveis lesões. Da classificação supracitada apresentada, é provável que os fatores lesivos mais comuns sejam os três primeiros, apontam que o excesso de sobrecarga é o primeiro fator que 29 potencializa uma lesão, principalmente nos momentos de treinamento do atleta (SAFRAN; MCKEAG; CAMP, 2002). Em relação ao crescimento das crianças e dos adolescentes, é certo que a possibilidade de uma LD ocorrer aumenta durante seu pico de desenvolvimento corporal, já que neste período podem surgir fraqueza muscular, incoordenação motora e outros problemas biomecânicos (VANDERLEI, 2011). A lesão por choques é mais frequente em esporte de contato como, por exemplo o futebol, o rúgbi e os estilos de lutas. Como já mencionado, a epidemiologia das lesões esportivas não é totalmente compreendida, porém, quando somados a especificidade da modalidade esportiva com os aspectos que podem influenciar o aparecimento da LD, fica mais fácil compreender de que maneira a lesão pode ocorrer. Nessa condição, um esporte que pouco foi estudado é o Karate- dô, principalmente sobre as suas lesões, mecanismos lesivos e prevenção, abrindo possibilidades maiores de estudo, compreensão e esclarecimento sobre os fatores que podem levar o seu praticante ao desenvolvimento de uma LD. 2.4.1 Lesões no Karate-dô A participação no mundo das artes marciais vem ganhando vários adeptos, trazendo pessoas que buscam nas lutas a defesa pessoal, uma forma de cuidar da saúde e, também, uma possibilidade de participação em eventos competitivos (ZETARUKet al.,2005). O Karate-dô também possui a sua parte esportiva, onde em uma competição de embate, vence o atleta que golpear o adversário primeiro com movimentos técnicos da modalidade, podendo ser socos e chutes, na tentativa de golpear o corpo do oponente e, assim, causar um impacto, garantido a pontuação. A situação de combate no Karatê-do aumenta muito as chances de uma LD acontecer, sendo objeto de pesquisa de alguns estudos que buscam entender melhor esse fenômeno, como a pesquisa realizada por Zetaruket al.(2005), que relata que já é possível detectar esta tendência à lesão, entrevistando 263 praticantes de diversos estilos de artes marciais diferentes, com a sua maioria adepta ao Karate-dô, o restante sendo dividido entre tae-kwon- do, Aikido, Kung Fu e Tai Chi, e identificando que o Karate-dô é a segunda arte marcial com mais LD, tendo a sua prevalência nos membros inferiores, sendo observado também que atletas com maior tempo de experiência sofrem ou já sofreram algum tipo de lesão. 30 Vários estudos realizam a comparação entre as lesões ocorridas em artes marciais diferentes, como, por exemplo, entre o Jiu-jítsu e o Karate-dô, onde os locais de LD e as intensidades com que elas ocorrem são diferentes. No Jiu-jítsu, as áreas mais acometidas pelas LD foram os joelhos, parte dorsal do tronco e a cabeça, enquanto que no Karate-dô, foram identificadas nos tornozelos, coxa e ponta dos dedos (COUTO DE SOUZA et al., 2011), demonstrando, mais uma vez, que as LD aparecem com maior frequência nos membros inferiores no Karatê-do; o fato dos locais das lesões serem diferentes é atribuído à especificidade da modalidade Em relação à experiência do atleta e ao maior risco de lesões, Moura, Silva e Alonso (2011), apresentam dados interessantes, onde dos trinta e um atletas entrevistados, três atletas (9,69%) praticavam entre um e dez anos a modalidade, treze atletas (9,69%) praticam entre onze e vinte anos a modalidade e quinze atletas (48,38%) praticavam a mais de vinte anos a modalidade, todos afirmavam já ter sofrido algum tipo de lesão durante a prática do esporte, tanto durante a competição, quanto durante os períodos de treinamento. Os autores também verificaram os locais anatômicos mais afetados e chegaram as suas conclusões: A prevalência de lesões em atletas experientes sobrepôs os inexperientes, com um predomínio de injurias no momento do treino. Em relação a localização anatômica, houve uma prevalência dos membros inferiores (perna e coxa), seguidos pelo tronco (cabeça e pescoço) e por último os membros superiores (mãos e dedos) (MOURA; SILVA; ALONSO, 2011, p. 345). Quanto maior o tempo de prática na modalidade, mais suscetível à LD o atleta estará, porém esse não parece ser o único motivo da aparição de uma injúria, alguns autores afirmam que quanto maior a experiência de um atleta na modalidade, mais confiança na realização da técnica ele irá ter, fator que demonstra aumentar as chances de uma lesão, principalmente no decorrer do combate (MOURA; SILVA; ALONSO, 2011; ZETARUKet al.,2005). Oliveira, Vieira e Valença (2011) apresentaram outros dados relevantes à questão sobre a LD, onde buscaram demonstrar a causa de outras lesões graves, utilizando, para tanto, um questionário que foi respondido pelos atletas participantes do campeonato sul americano de Karate-dô. O questionário orientava que os atletas assinalassem os locais no corpo nos quais já haviam sofrido algum tipo de lesão, e, como resposta,os pesquisadores descobriram que as LD nos membros inferiores foram as assinaladas primeiramente; em terceiro lugar, foram apontadas as lesões no segmento cefálico (cabeça e pescoço), com a concussão cerebral como a mais apontada, seguida pelas fraturas no nariz, mandíbula e dentes. 31 É provável que tal situação ocorra devido a exposição da cabeça e pelo fato de que algumas competições valorizam o golpe quando executado nesta região do corpo, fator situacional de grande perigo, mesmo em competição, podendo levar muitas vezes à traumas trágicos. A fisiopatologia da concussão é bem menos entendida do que outras lesões graves na cabeça e como resultado tem recebido menos atenção do que merece. Lesões na cabeça podem provocar hematomas, contusões e edemas no cérebro. Embora sejam eventos raros, lesões graves ou fatais podem ocorrer... (OLIVEIRA; VIEIRA; VALENÇA, 2011, p. 113). Até este ponto, com os estudos apresentados, fica evidenciado que o local mais acometido por lesões são os MMII. Porém, pouco ainda é sabido sobre os motivos que levam à LD, sendo que uma análise dos golpes que se utilizam dos membros inferiores pode ajudar a esclarecer alguns pontos importantes sobre esse tipo de lesão. 2.5 Técnica do Chute frontal Mae geri. Dentre as várias técnicas do Karate-dô que utilizam as pernas para a realização do golpe, o Mae-geri (chute frontal) se destaca por ser um movimento rápido e de extrema potência, gerando uma grande força de impacto (DOKE; KUO, 2005), fator que leva a técnica a ser muito utilizada durante uma competição de embate. A descrição da técnica do Mae-geri é simples (Figura 1): o atleta, em postura de combate com o pé de apoio avançado e o que irá chutar recuado (etapa 1), deve iniciar o movimento “empurrando o chão e assim levantando o joelho a altura do quadril (etapa 2); a sola do pé do chute deve estar paralela ao chão e, por fim, o praticante deve estender a perna, realizando a rotação de joelho (etapa 3), podendo desferir o golpe na região do tórax ou na região cranial (KANAZAWA, 2010). Alguns estudos já estão tentando compreender melhor de que maneira o corpo desempenha a técnica do chute, Doke e Kuo (2005), em sua pesquisa desenvolveram um modelo matemático simples com o intuito de analisar como as articulações envolvidas no movimento desempenham seu papel na ação do chute e, como resultado, os autores observaram uma grande participação dos quadris em todas as fazes de realização do golpe. Além disso, a simulação do chute confirma a hipótese de que durante a etapa de flexão do joelho, a articulação do quadril é menos ativada, se comparado com a fase de extensão de joelho, e que a maior ativação do quadril promove uma velocidade máxima do chute. 32 Figura 1: Demonstração do chute frontal Mae geri Fonte: (KANAZAWA, 2010). Um estudo realizado por Robertson et al. (2002), também indica uma ação prevalente da articulação do quadril e dos joelhos durante toda a execução do movimento do chute, apontando, também, a importância da articulação de tornozelo no movimento sendo, uma vez que essa articulação é a primeira a receber a carga de impacto quando os pés encontram o alvo objetivado. É evidente que a participação dos membros inferiores é de extrema importância para uma melhor ação do golpe, contudo, alguns dados não são apresentados de forma concreta, sendo, um deles, a força de impacto gerada pelo chute no momento do contato com o alvo, que, como já mencionado anteriormente, pode acarretar em sérias lesões para o atleta que realiza o golpe e, também, para aquele que o recebe. Os MMII são um grupamento muscular forte, oferecendo força para a sustentabilidade do tronco, membros superiores, pescoço e cabeça. Compostos por grandes músculos, quadríceps, isquiotibiais e gastrocnêmios, que, quando solicitados, geram uma enorme potência para a realização do movimento (WHITING; ZERNICKE, 2001). Portanto, quando ação do chute é desempenhada por um atleta, todos os grupos musculares agem se contraindo, gerando movimentos articulares e promovendo uma força máxima de execução. Com a intenção de compreender melhor o movimento realizado pelo atleta durante o Mae geri, faz-se necessário uma breve apresentação dos agrupamentos musculares 33 supracitados, de suas respectivas funções e características funcionais que possibilitam o uso de toda a estrutura da perna no movimento desejado. 2.6 Musculatura dos Membros Inferiores O sistema musculoesquelético apresenta uma grande diversidade em relação ao tamanho, à forma, à disposição no segmento, origem e a sua inserção, atuando por meio da contração e extensão de suas fibras, produzindo, assim, movimentação corporal (NAGATA, 2010). Para a realização do chute, o músculo mais ativo no movimento é, provavelmente, o Reto Femoral, pertencente ao grupo do Quadríceps Femoral, devido à principal ação de extensão do joelho, e o Gastrocnêmio Médio, atuante no momento de saída do golpe. 2.6.1 Reto Femoral A musculatura do Reto Femoral está localizada na face anterior da coxa e pertenceao grupo do Quadríceps Femoral, possuindo fibras longas que seguem uma direção retilínea, no mesmo sentido da coxa. Sua origem está situada na Espinha IlíacaAntero-inferior, e sua inserção ocorre na base da patela pelo Ligamento Patelar, na tuberosidade da Tíbia (NORDIN; FRANKEL; HIRSCH, 2003). Figura 2: Representação do músculo Reto Femoral Fonte: (NAGATA, 2010). 34 Considerado como sendo uma musculatura forte do corpo humano, o Reto Femoral é responsável pela extensão da articulação do joelho. Além disso, o Quadríceps colabora com a flexão do quadril, permitindo assim a elevação do joelho, sendo um grupo muscular imprescindível para a realização do chute Mae Geri, já que ele necessita de ambos os movimentos, extensão de joelho e flexão de quadril, para a sua boa execução. 2.6.2 Gastrocnêmio Médio O Gastrocnêmio é localizado na parte posterior da perna e é dividido em duas porções, uma lateral e a outra medial, atuando sobre as articulações do joelho e do tornozelo. Tem sua origem na face posterior dos côndilos femorais e a sua inserção na parte posterior do calcâneo, por meio do tendão calcâneo (NORDIN; FRANKEL; HIRSCH, 2003). O músculo do Gastrocnêmio, em conjunto com a do Sóleo, formam o grupo muscular do Tríceps Sural (Figura 3), principal flexor plantar do tornozelo que possui a função de iniciar a força propulsora para o deslocamento do corpo, sendo esse mesmo princípio de propulsão aplicado ao golpe de chute. Figura 3: Representação do músculo Gastrocnêmio Médio Fonte: (NAGATA, 2010). 35 O Gastrocnêmio pode também estar ligado à potência do golpe, uma vez que existe uma relação entre o músculo e a articulação do joelho. Como cruza a articulação do joelho, o Gastrocnêmio é também seu flexor. Mas, ele não consegue exercer sua força completa sobre ambas as articulações simultaneamente. Por exemplo, se o joelho for flexionado, o Gastrocnêmio não e capaz de exercer força máxima na articulação do tornozelo e vice-versa (NAGATA, 2010, p. 29). Portanto, essa situação específica indica que dependendo da angulação de flexão do joelho, o músculo estará relaxado, apresentando uma ação mecânica diminuída. Os pesquisadores no intuito de aprofundar suas investigações sobre a anatomia humana, fisiologia e biomecânica, desenvolveram métodos de análise que, atualmente, tem sido amplamente utilizados nas pesquisas que buscam analisar o movimento humano, com instrumentação que permite a quantificação de dados e, conseqüentemente, um viés alternativo na busca pelo esclarecimento sobre os aspectos do corpo. 2.7 Instrumentação na Biomecânica Diversas questões da Educação Física estão diretamente ligadas às avaliações realizadas por meio da tecnologia. As análises do desempenho de um atleta, do seu condicionamento físico, da busca pelo aperfeiçoamento da técnica, e de outros fatores, têm sido possíveis devido à instrumentação criada para as análises Biomecânicas. Entre os métodos de análise mais conhecidos, destaca-se a Eletromiografia, a Antropometria, a Cinemetria e a Dinamometria (AMADIO et al., 1999). 2.7.1 Eletromiografia. Segundo Amadio e Serrão (2011), a eletromiografia basicamente estuda a atividade muscular a partir da captação dos sinais elétricos associados à contração muscular, possuindo importante função na interpretação de parâmetros internos musculares, colaborando com a determinação de mecanismos relacionados ao sistema nervoso, além de não estar associada com os aspectos mecânicos, mas sim, com os aspectos musculares internos. O sinal eletromiográfico é a somatória de todos os sinais obtidos em uma determinada região muscular, podendo ser influenciada por aspectos anatômicos, musculares e fisiológicos. 36 Pela eletromiografia é possível realizar diagnósticos de doenças musculares, estado de fadiga muscular e pico de ação muscular (AMADIO et al., 1999). A determinação do pico de ação muscular é muito aplicado em atletas de várias modalidades esportivas e, mais recentemente, também vem sendo trazido para o âmbito das lutas. Ferreira e Brito (2010) buscaram verificar se haveria diferença no atraso eletromecânico do golpe de soco do Karatê, fazendo uma comparação em atletas e não atletas. Para isso, foram instrumentalizados diversos segmentos dos membros superiores com eletrodos a fim de determinar a ação eletromiográfica, tanto nos atletas, quanto naqueles não atletas, durante a execução do movimento. Como conclusão, os autores relatam, por exemplo, que os atletas apresentaram um menor atraso para realizar a ação de flexão de cotovelo, indicando uma melhor capacidade motora, do que os indivíduos não atletas. Vale ressaltar que para a captação da ação muscular existem 2 tipos de eletrodos a serem utilizados, os de contato superficial, que são colado sobre a pele, ou os eletrodos de aplicação profunda, compostos por fio ou agulha, utilizados quando se busca uma interpretação da atividade muscular mais interna. Os eletrodos, de modo geral, são como uma antena que capta o sinal elétrico, enviando este sinal a um amplificador, passando, posteriormente, por um filtro para a amenização de ruídos (NAGATA, 2010). 2.7.2 Antropometria A antropometria descreve, por meio de técnicas experimentais ou analíticas, as características físicas de todo o corpo humano, sendo possível coletar dados que irão dar suporte aos estudos, como as informações sobre a altura, a massa, o centro de gravidade, os braços de alavanca e as posições articulares, permitindo, por meio dessas mensurações, até a montagem de um modelo biomecânico (AMADIO et al., 1999). Entre as propriedades que podem ser estudas, encontram-se: propriedade biomaterial, relacionada com a resistência do aparelho locomotor, e níveis de ruptura e lesão. Ainda, com a antropometria, pode-se estudar a cinética na verificação do momento de inércia dos segmentos corporais, centro de rotação articular e origem e inserção muscular (AMADIO et al., 1999). Atualmente, a antropometria é utilizada em quase todos os estudos que, de alguma maneira, buscam analisar a Biomecânica do ser humano, porque essas informações podem 37 influenciar diretamente o resultado da pesquisa, apresentando, deste modo, resultados que serão mais fidedignos e cumprirão com o papel da construção do conhecimento sobre o movimento humano. A partir da utilização de um destes procedimentos, ou da combinação deles, estratégia essa muito frequente em função da característica complexidade do movimento humano, torna-se possível cumprir aquela que é a meta central da Biomecânica: a análise física do movimento humano (AMADIO; SERRÃO, 2011, p. 17). 2.7.3 Cinemetria A cinemetria é um dos métodos de análise da Biomecânica mais utilizados nas pesquisas, provavelmente por ser uma metodologia simples e muito eficaz ao mesmo tempo. Segundo Amadio e Serrão (2011), o conceito puro da cinemetria é o de determinar à posição, o deslocamento, a velocidade e a aceleração do corpo humano, sendo possível obter essas informações dos segmentos corporais e até mesmo do corpo como um todo. Entre os equipamentos utilizados, encontram-se as câmeras de vídeo de alta velocidade, que conseguem gravar as imagens com mais detalhes, possibilitando a análise de alguns movimentos que, de modo geral, possuem grande aceleração, além dos sistemas opto- eletrônicos, de acelerômetros, ou dos eletrogoniômetros. As análises podem ser feitas de forma bidimensional, ou seja, estudando apenas um plano segmental de onde ocorre o movimento, ou de maneira tridimensional, que verifica o movimento em mais de um plano segmental, sendo importante para a fidelidade das informações obtidas que a amostra esteja corretamente instrumentada, os pontos articulares identificados por marcadores e todas as câmeras calibradas e colocadas de maneira que gravem ao mesmo tempo e acompanhem o movimento durante todo o processo (AMADIO et al.,1999). Esses recursos disponíveis pelas técnicas da cinemetria logo migraram o setor de análise do desempenho esportivo. Losset al.(1999) fizeram análises de várias modalidades esportivas tidas como sendo de grande dificuldade devido à alta velocidade, como, por exemplo, o Tênis de mesa, onde foram identificados os níveis de velocidade em dois movimentos característicos desse esporte, além de outros esportes coletivos como o Futsal e o Voleibol, aplicando, de diferentes formas as técnicas de filmagem. De igual forma, as lutas também passaram a utilizar os recursos da cinemetria:Viero (2012), em sua dissertação, verificou a cinética do soco do Karatê-dô em duas situações, 38 apesar do foco principal da pesquisa ter sido a coleta dos dados sobre a força de impacto gerada no alvo fixo, recursos de foto foram feitos para ilustrar o movimento, evidenciando o valor da Cinemetria, uma vez que a mesma auxilia direta ou indiretamente o estudo de um determinado tipo de movimento. Cita-se, também, que a Cinemetria possui conteúdo para estudos interdisciplinares, onde em análises onde diversas interferências ocorrem, os ruídos, a solução é a utilização de rotinas matemáticas específicas, como a Splinequíntica (AMADIO et al., 1999). 2.7.4 Dinamometria A dinamometria na Biomecânica estuda a produção de força do corpo ao longo da realização de um movimento, ou para que se possa realizar o movimento. Dividindo-seem dois grupos, existem os métodos de análise das forças externas e outras para medidas das forças internas. As análises das forças externas possuem diversos indicadores, podendo ser interpretada a partir das forças de reação do solo (FRS), por meio do uso de plataformas de força, além de poder ser verificadas pela mensuração de torques, de pressão, de força de impacto entre outros (AMADIO; SERRÃO, 2011). A força de reação do solo é considerada uma das mais importantes informações a se obter na Dinamometria, isso porque essa força age sobre o sujeito durante o contato com solo, de acordo com uma das leis físicas proposta por Newton. Para isso, são utilizadas plataformas de força, um dos instrumentos mais efetivos para esse fim, que, basicamente, quantificam essa força de reação do solo, ou seja, analisam a força gerada pelo corpo para a realização do movimento, como, por exemplo, a quantificação das forças ao longo da marcha. As plataformas de força medem a força de reação do solo na superfície de contato durante a fase de apoio do movimento. A força de reação do solo é representada em forma de vetor em função do tempo, considerando-se a sua açãotridimensional (componentes: vertical, antero-posterior e médio lateral). Em suma, a plataforma quantifica a variação dinâmica da força reação do solo durante a fase de contato entre corpos, fase esta onde ocorre a transferência destas forças externas para o corpo determinando alterações nas condições do movimento (VIERO, 2012, p. 28). Os principais elementos que compõem a plataforma de força são as células de carga constituídas por extensômetros (strain gauges) de diversos tipos, entre eles os piezoelétricos, piezoresistivos e capacitivos. Seu funcionamento ocorre da seguinte maneira: uma placa metálica instrumentada com transdutores é disposta a reagir à sobrecarga, sofrendo 39 deformação, causando alteração na resistência elétrica dos sensores que, por sua vez, estão ligados à circuitos elétricos formados por ponte de Wheatstone, captando um sinal que, posteriormente, é ampliado analisado em softwares específicos (NAGATA, 2010). As análises e mensurações das forças internas são mais difíceis de serem realizadas, talvez não por falta de método específico, mas, sim, por serem invasivas ao corpo do indivíduo analisado. Assim, sabendo-se dessa problemática, Amadio e Serrão (2011) relatam que existem estudos que buscam analisar e mensurar essas forças externas por meio indireto, isso devido à adoção de modelos físico-matemáticos aliados às análises antropométricas e cinemáticas, sendo possível, por exemplo, a utilização de técnicas de cálculo como a dinâmica inversa. Deve-se ficar claro, no entanto, que a construção deste modelos físico-matemáticos ocorrem de maneira muito complexa, sendo limitados quanto as suas análises, não podendo se não estimar as forças que agem sobre o corpo humano. Diversos estudos da Biomecânica utilizam a Dinamometria, seja para verificação da marcha humana, ou para analisar forças de impacto no movimento do salto, tendo as suas aplicações em diversas análises que irão depender do objetivo do estudo realizado. 40 3 METODOLOGIA Este é um estudo exploratório, descritivo, quantitativo, experimental com uma amostragem sistemática. 3.1 Amostra O número da amostra foi de oito praticantes do Karatê-do, todos com experiência mínima de quatro anos na modalidade, sendo um graduado na faixa preta, 4 graduados na faixa marrom e 3 graduado na faixa roxa. A amostra é composta por 7 indivíduos masculinos e um feminino com idade variando entre 17 e 24 anos, massa entre 42 a 104 kg e altura entre 1,60 e 1,94 m, sem nenhum histórico de lesões nos membros inferiores que pudesse influenciar os resultados. Os praticantes com experiência foram escolhidos devido à complexidade do movimento do chute frontal, que, por sua vez, utiliza uma técnica elevada para ser realizado com precisão e força. As coletas dos dados foram feitas em dias diferentes para cada atleta, uma vez que todos eram voluntários e tiveram que adequar a sua rotina para a vinda ao laboratório. 3.2 Instrumentos Os instrumentos utilizados foram um eletromiógrafo, um acelerômetro, e duas câmeras digitais. 3.2.1 Eletromiógrafo Utilizou-se um eletromiógrafo da marca EMG System do Brasil, com conversor A/ D (analógico / digital) de 16bits, faixa de entrada de -5V a +5V, freqüência de amostragem de 2000 Hz, com amplificação de 2000 vezes e uma bateria LI-PO de 11,1V e 1,8A/h, modelo BTD110203/11, para que não houvesse interferência dos sinais da rede elétrica. O filtro foi ajustado na faixa de 10Hz a 500Hz, de quarta ordem, com tempo de análise de 10 segundos para a captação do sinal de Eletromiografia de superfície (EMGS) (Figura 4). 41 Figura 4: Condicionador utilizado para EMGS. Fonte: (autoria própria, 2015). Dos oito canais disponíveis, foi utilizado apenas o canal de número 1, acoplando-se o cabo transmissor aos eletrodos para analisar o músculo do reto femoral, sendo também usado um eletrodo terra, colocando-o sobre o maléolo lateral. Os eletrodos têm 10 mm de diâmetro e foram cobertos com gel condutor para uma melhor condutividade elétrica (figura 5). Figura 5: Eletrodos de superfície utilizados. Fonte: (autoria própria, 2015). 42 Toda a aquisição de análise dos dados eletromiográficos foi embasada nas recomendações da International Society Electrophysiology Kinesiology (ISEK,1999). 3.2.2 Acelerômetro Para verificar as forças e as acelerações dos chutes, uma placa de aço com dimensões de 6 x 215 x 220 mm (espessura, largura e comprimento), revestida por material EVA de 5mm, foi fixada em uma estrutura rígida junto à parede do laboratório do Departamento de Mecânica da faculdade de Engenharia de Guaratinguetá (Figura 6). Figura 6: Placa de aço já revestida com EVA. Fonte: (autoria própria, 2015) Na parte posterior dessa placa, foi acoplado um acelerômetro utilizado para a coleta do pico de aceleração do chute, posicionado no centro da placa, ponto no qual foi pedido para os atletas chutarem. O acelerômetro utilizado foi o Brüel&Kjaer (B&K), modelo 4533-B, sensibilidade 1,06 mV/ms-2 (10,06 mV/g), faixa de freqüência de 0,2 Hz - 12,8 kHz. Os sinais do acelerômetro foram enviados para o condicionador de sinais, HBM, modelo Quantum MX410 de 4 canais IEPE e frequência de aquisição de 2.400Hz, utilizando-se, ainda, um filtro com passa baixa de 43 50 Hz (Figura 7). Para a coleta e análise dos sinais de aceleração, foi utilizado o software Catman-Easy da marca HBM. Figura 7: Condicionador Quantum MX410 Fonte: (autoria própria, 2015) 3.2.3 Câmeras digitais Para o registro da execução do chute, foram utilizadas duas câmeras digitais de lata velocidade da marca Cassio com, 30 fps (frames por segundo ou “quadros por segundo”), adaptadas na freqüência de 240Hz. A primeira câmera foi fixada sobre um tripé localizado perpendicularmente ao plano sagital do voluntário (lado esquerdo), à distância de 0,5m e altura de 1m, teve como função registrar a aproximação do pé do atleta até o alvo (Figura 8). Já a segunda câmera foi posicionada à distância de 1,5m ao plano sagital (lado direito do voluntário), para a captação da movimentação do seu corpo e da perna do chute. Neste estudo, a cinemetria foi utilizada, principalmente para a sincronização de dados de acelerômetro e da atividade muscular, uma vez que os dois tipos de sinais foram coletados com diferentes condicionadores. 44 Figura 8: Câmera para captação da aproximação do chute Fonte: (autoria própria, 2015) Figura 9: Esquema representativo da aquisição de dados Fonte: (autoria própria, 2015) 45 A figura 9 apresenta um esquema do sistema utilizado para aquisições dos dados do eletromiógrafo, da cinemetria e da aceleração do chute. O computador é conectado ao EMG que, por sua vez, está ligada ao sujeito que irá executar o chute. 3.3 Procedimentos Todas as coletas foram realizadas no Laboratório de Mecânica do departamento de Engenharia Mecânica da UNESP, Campus de Guaratinguetá. A parede foi parcialmente coberta por um pano escuro (Figura 10), e para isolar o pé do atleta do fundo da filmagem, foi montado um suporte, também recoberto com pano escuro, possível de ser visto na Figura 6 ou 8. Figura 10: Fundo adaptado no Laboratório de Mecânica Fonte: (autoria própria, 2015) Uma bancada para o apoio dos aparelhos e computadores foi utilizada durante a coleta (Figura 11). 46 Figura 11: Bancada para computadores Fonte: (autoria própria, 2015) 3.3.1 Preparação dos voluntários Todos os praticantes concordaram em colaborar com a pesquisa de maneira totalmente voluntária, assianando um termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa da Faculdade de Pindamonhangaba (FAPI) - o termo de consentimento quanto a carta de aprovação do Comitê de Ética se encontram, respectivamente, nos anexos A e B. Antes da realização do experimento, os atletas responderam algumas questões numa ficha de avaliação física simples, onde foi perguntado os dados antropométricos, massa e altura, além do tempo de prática na modalidade, graduação atual e se o sujeito sofreu alguma lesão nos membros inferiores. Esta ficha encontra-se no anexo C. Iniciando o experimento, o voluntário foi instruído a familiarizar se com o alvo, objetivando a melhor ação do chute. Após esta etapa de reconhecimento, para a fixação dos eletrodos na perna direita sobre a musculatura do Reto Femoral, foi feita a tricotomia da pele, para evitar possíveis ruídos no sinal eletromiográfico, seguindo os procedimentos descritos no protocolo SENIAM (2014). Apenas o chute do membro dominante foi analisado, e somente se verificou a ativação do reto femoral para ser evitada a utilização de mais canais, pois poderia prejudicar o gesto motor do atleta, já que muitos fios poderiam atrapalhar na execução do golpe e gerar ruídos na 47 coleta de um modo geral; fita adesiva foi passada sobre o eletrodo melhorando sua fixação e evitando que os fios ficassem espalhados. O fio terra foi posicionado no maléolo lateral, e para identificação dos pontos articulares do atleta em filmagem foi utilizado marcadores de isopor, demarcando tais áreas (Figura 12). Também foi pedido que o praticante utilizasse uma vestimenta leve (bermuda) e, se possível, que ficasse sem camiseta durante todo o experimento. Figura 12: Atleta com eletrodos fixos no músculo reto femoral e com marcadores nas articulações Fonte: (autoria própria, 2015) 3.3.2 Coleta dos dados A etapa experimental foi dividida em 2 partes. Na primeira, foram executados 5 chutes na postura estática, com o atleta parado na posição de combate usual da modalidade (Figura 13) e, a cada golpe realizado, 1 minuto de descanso foi dado ao voluntário, fornecendo também tempo o suficiente para que os avaliadores pudessem armazenar os dados coletados. 48 A segunda parte foi realizada da mesma maneira, porém, nesta fase os chutes executados seriam na postura dinâmica: nessa postura, o atleta se movimenta até momentos antes da execução da técnica (Figura 14). Figura 13: Postura estática do chute frontal em posição de repouso Fonte: (autoria própria, 2015) Figura 14: Postura dinâmica do chute frontal com os membros inferiores em movimento Fonte: (autoria própria, 2015) 49 O procedimento para o chute do voluntário ocorreu da seguinte forma: ao dizer que estava preparado, 2 colaboradores acionavam as câmeras ao mesmo tempo, dando início à gravação. Após esse procedimento, o terceiro colaborador acionava simultaneamente os softwares do EMG e do Catman-Easy, dando um sinal para que o praticante pudesse iniciar o golpe, sendo estipulado, com o voluntário, uma janela de tempo de 10 segundos para a realização do golpe. 3.3.3 Aquisição e tratamento dos dados A planilha do software Microsoft Excel foi utilizada para obter os gráficos dos chutes estáticos e dinâmicos para todos os sujeitos e, abaixo, segue um exemplo do sinal de aceleração (Figura 15). Figura 15: Exemplo do sinal verificado. Fonte: (autoria própria, 2015) Como visto na figura 15 no eixo das abscissas, tem-se a variação do tempo a partir do momento que o pesquisador aciona o software Catman-Easy e, no eixo das ordenadas, encontra-se a variação do valor em (g) do pico de aceleração; o atleta então executa o chute e os dados registrados são salvos em arquivo com extensão XLS do Excel. Para uma melhor visualização de como se comportou o sinal coletado, fez-se um janelamento buscando deixar mais claras as informações (Figura 16). -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ac el er aç ão g variação do tempo (s) Pico de aceleração chute estático 50 Figura 16: Sinal janelado Fonte: (autoria própria, 2015) Novamente, em ambos os eixos, tem-se as mesmas informações da figura 15, agora, com o intervalo de tempo curto (5milisegundos). Além deste processo, foram identificados também no Excel, todos os valores aceleração, tanto dos chutes estáticos como dos dinâmicos, e, após isso, verificado as suas médias aritméticas e desvio padrão. Para a coleta do tempo de execução do chute foi utilizada uma ferramenta de fragmentação de vídeo do software Kinovea, desde o inicio da movimentação do pé até, ao final, quando o mesmo entra em contato com o alvo. As imagens foram exportadas com frequência de um quadro a cada 10 centésimos de segundos. Para determinar o início do movimento do chute, foi considerado o tempo a partir do momento em que o atleta retira o pé do chão (Figura 17) e, para determinar o seu término, foi utilizado o momento em que o mesmo atinge o alvo (Figura 18). Os dados do pico de aceleração passaram por análise estatística, onde se buscou verificar diferença significativa entre as médias do pico dos chutes estáticos e dinâmicos. Para testar a normalidade dos dados, utilizou-se o teste de Shapiro-Wilk e para verificar se houve diferença entre as médias o teste T de Student para amostras independentes. -2 0 2 4 6 8 10 12 14 6.343 6.344 6.345 6.346 6.347 6.348 6.349 ac el er aç ão (g ) variação do tempo (s) Pico de aceleração do chute estático (g) 51 Figura 17: fase inicial do chute Fonte: (autoria própria, 2015) Figura 18: Fase final do chute Fonte: (autoria própria, 2015) Os dados de contração muscular do Reto femoral foram analisados pelo software MATLAB, onde se obteve os gráficos da atividade muscular para os chutes estáticos e dinâmicos. 52 Figura 19: Exemplo do pico de contração muscular, chute estático. Fonte: (autoria própria, 2015) Figura 20: Exemplo do pico de contração muscular, chute dinâmico. Fonte: (autoria própria, 2015) 53 No gráfico da atividade do Reto femoral no chute dinâmico, percebe-se várias “pequenas” atividades musculares antes do pico, isso devido ao fato da movimentação, o que faz com que a musculatura já atue anteriormente ao chute. Utilizando o Microsoft Excel, foi obtido o pico de ação muscular em um intervalo de 10 milésimos de segundos, e, assim, calculado o RMS (root mean square) para todos os chutes neste espaço de tempo, sendo também calculada a média para cada sujeito de ambos os chutes. 54 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Apresentação dos dados A tabela 1 apresenta a média de 5 execuções realizadas para picos de acelerações (estático e dinâmico) e os tempos de execução (estático e dinâmico) Tabela 1: dados de picos de aceleração e tempo de execução. Amostras Média pico de aceleração estático (g) Média pico de aceleração dinâmico(g) Média Tempo de execução estático (s) Média Tempo de execução dinâmico(s) Massa (kg) Altura (m) Sujeito 1 9,83 9,07 1, 28 1,2 104 1,94 Sujeito 2 6,58 6,47 2, 62 2, 54 69 1,71 Sujeito 3 20,44 29,61 2, 38 2, 32 67,5 1,69 Sujeito 4 4,44 6,16 3, 08 2, 94 42 1,60 Sujeito 5 5,91 10,84 2,48 2,30 80 1,77 Sujeito 6 14,69 15,09 3,2 2,72 69 1,81 Sujeito 7 4,72 6,66 1,28 1,32 79 1,68 Sujeito 8 24,88 18,13 3,12 2,86 100 1,83 Foi realizada, inicialmente, uma análise estatística para verificação da diferença entre as médias dos chutes dinâmicos e estáticos dos atletas. Toda a análise foi realizada com o software IBM SPSS statistics versão 20. Primeiramente, buscou-se identificar a normalidade dos valores das médias do chutes, o teste Shapiro – Wilk foi o utilizado, por ter mais aplicações comuns em trabalhos científicos. Uma vez identificada a normalidade dos valores, foi escolhido qual teste seria aplicado posteriormente para a análise dos resultado. De acordo com Scudino (2008), os testes paramétricos devem ser utilizados para amostrar com valores normais, e, assim, escolheu-se o teste T para amostras independentes, uma vez que o mesmo busca fazer o comparativo entre as médias de duas amostras diferentes, verificando se existe diferença significativa entre as médias das duas condições (SCUDINO, 2008), sendo este o caso da coleta desta pesquisa. A hipótese nula é de que as médias não possuem uma diferença significativa, utilizando como valor de significância ≤ 0,05, e a hipótese alternativa é de que existe uma diferença entre as médias. 55 Para ser decidido quais destes resultados vão ser utilizados, foi utilizado o teste de Levene, que testa a hipótese de igualdade das variâncias. Se a significância do teste for P ≤0.05, rejeita-se a igualdade das variâncias; se a significância do teste for P>0.05, as variâncias são iguais Na presente pesquisa, o valor de significância do teste de Levene foi de 0, 895 e, assim, usou-se o teste t para variâncias iguais (Equal variances assumed). Neste caso, o valor do teste a ser interpretado será t=1,31608. Como a significância é maior que 0,05, não rejeitamos a hipótese nula, ou seja, não há uma diferença estaticamente significativa entre as médias, a um nível de 95% de confiança. Assim, não existindo diferença estatística entre a aplicação dos chutes dinâmicos em relação aos estáticos, pode-se permitir que o atleta utilize a postura de chute que preferir, aquele no qual o seu perfil de luta se encaixa melhor. A tabela 2 apresenta os resultados de atividades do reto femoral da perna de chute (estático e dinâmico). Tabela 2: Resultados da eletromiografia no músculo reto femoral da perna de chute. Amostras Média RMS estático (mV/V) Média RMS dinâmico (mV/V) Desvio padrão RMS estático Desvio padrão RMS dinâmico Sujeito 1 0, 78 0, 65 0, 212172 0, 191201 Sujeito 2 2, 08 2, 97 0, 74789 1, 635505 Sujeito 3 1, 40 1, 72 0, 394658 0, 273982 Sujeito 4 0, 85 1, 17 0, 220103 0, 205614 Sujeito 5 1, 56 4, 34 0, 60108 2, 699913 Sujeito 7 1, 56 1, 37 0, 32139 0, 375396 Sujeito 8 1, 54 1, 44 0, 672663 0, 733367 Uma observação a ser feita é que para a coleta do sujeito 6, da Tabela 1, não foi possível a coletada atividade muscular do Reto femoral, assim o mesmo não aparece como informação na tabela 2. 56 4.2 O pico de aceleração e o estudo nas artes marciais Entre as informações coletadas neste estudo, a de maior relevância é o valor do pico de aceleração do chute Mae geri, seja ele estático ou dinâmico. Após o impacto segue um curto período de vibração de amortecimento do sistema atleta-alvo, como se é notado no sinal apresentado no gráfico, mostrando uma queda gradativa no valor de aceleração. Figura 21: Exemplo da queda do sinal Fonte: (autoria própria, 2015) O sinal que decresce é o amortecimento do alvo pelo impacto, após o choque ocorre uma resposta do sistema e se obtém valores secundários devido ao movimento oscilatório da estrutura, mesmo que pouco percebido através da inspeção visual. O alvo se deforma elasticamente no sentido da força, assim como o membro recebe a força em sentido contrário, também se deforma elasticamente. Souza (2002), em sua pesquisa similar, verificou o soco do karatê-do do membro dominante em um alvo também instrumentado com um acelerômetro. Um dos pontos que foi identificado é o de que existe uma tendência de absorção maior de energia vibratória por parte dos sujeitos com uma maior massa corporal, ou seja, a energia resultante do impacto pode estar relacionada diretamente e proporcional à massa do indivíduo que aplica o golpe. -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 0 1 2 3 4 5 6ac el er aç ão (g ) variação do tempo (s) Pico de aceleração dinâmico 1 57 O autor acredita que o tempo de treinamento esteja diretamente ligado com o valor final do pico de aceleração, isso devido, provavelmente, a uma maior consciência corporal que o atleta adquire com os anos de prática na modalidade. Ainda, analisando os dados que tangem ao desempenho, outro estudo, que verifica as técnicas do karatê-do, realizado por Pozo, Bastien e Dierick (2011), comparou o chute Mae geri do membro dominante entre atletas de nível internacional e nacional na Bélgica, sendo todos faixas pretas e com experiência de pelo menos 7 anos, analisando os aspectos de tempo de execução do chute e força de impacto do golpe. Como resultado, os atletas de performance internacional executam o chute num tempo de médio de 991 milissegundos, enquanto os nacionais realizaram em 1139, um pouco mais lento, porém, um movimento ainda muito rápido. Esses valores, quando comparados às médias dos tempos da Tabela 1, mostram uma diferença maior, onde no chute estático, a média foi de 2432 milésimos de segundos e de 2276 milésimos de segundos no dinâmico. O caso pode ser explicado pelo fato das amostras terem um tempo de experiência bem menor na modalidade, além disso, na pesquisa dos autores supracitados, os praticantes são atletas de nível nacional e internacional, indicando um padrão de alta qualidade no movimento executado. Sobre o impacto, o estudo não apontou diferença significativa entre os lutadores nacionais e internacionais, explicando que este fato pode ser decorrente da capacidade dos praticantes em controlar essa força momentos antes do impacto acontecer, isso talvez devido ao fato do bíceps femoral demonstrar alta contração excêntrica durante a extensão de joelho durante o Mae geri (SBRICCOLIet al., 2010). Essa explicação motora muscular pode ser também utilizada no caso dos atletas nacionais e internacionais, quando a média da força dos chutes dos atletas não mostrou uma diferença significativa em ambos os tipos de chutes. Outras modalidades de luta também investigam a força de seus golpes, Coral et al. (2011) estudaram a força do chute circular e tempo de execução segundo a categoria de peso de atletas de Tae Kwon do. O estudo selecionou sete atletas da categoria pluma, que seria a mais leve, sete da categoria super ligeiro, de peso médio, e por último, sete pesados, todos com pelo menos 4 anos de experiência na modalidade. Cada voluntário executou o chute circular com o membro dominante em um alvo pré montado. Apesar do fato de que a massa está diretamente ligada à geração de força, os sujeitos da categoria pesado foram os que apresentaram os menores resultados, 2016,13 N, enquanto que para a categoria super ligeiro foi coletado 2040,93 N de força e para os pluma 2032,64N. 58 Segundo os pesquisadores, isso pode ter acontecido pelo fato das categorias mais leves desenvolverem uma aceleração do segmento maior que os da categoria pesado, o que vai de encontro com alguns casos das amostras deste estudo, onde é possível se verificar que o atleta que desenvolveu a maior aceleração foi o sujeito 3, atingindo 20,44g no chute estático e 29,61g no dinâmico, tendo ele umas das menores massa corporal; os sujeitos 6 e 5 também mostraram uma maior aceleração e possuem menos massa se comparados aos demais da pesquisa. Com relação ao tempo de execução, foi verificado que também as categorias menores chutaram mais rápido, porém os autores advertem que isso pode ser devido ao fato de que os seus membros inferiores possuem um comprimento menor e, assim, precisam de uma menor trajetória para completar o chute. Um ponto em comum nos trabalhos é que a técnica verificada foi feita com os membros dominantes dos indivíduos, isso possui uma grande influência no resultado final da força de impacto. Os pesquisadores Pinto Neto et al. (2012) tentaram mostrar essa relação entre a força de impacto e a dominância, comparando o soco do membro dominante com o não dominante de 7 atletas de Kung fu com experiênciamédia de 5 a 10 anos. A diferença neste estudo foi grande, os membros dominantes tiveram os valores mais altos com média de 1593,76 N, contra apenas 1042,28 N da mão não dominante, isto provavelmente pela melhor coordenação inter articular que o membro dominante possui, além de uma maior massa que influência no resultado final (PINTO NETO et al., 2012). Interessante ver como diversos estudos buscam compreender de que maneira se dá a liberação da energia cinética do movimento e qual a magnitude dessa força liberada, porém é importante se atentar aos fatores negativos que podem surgir, principalmente no que tange à lesão esportiva. 4.2.1 Impacto e a lesão esportiva Muitos são os estudos que buscam identificar as várias causas de lesão esportiva, entre elas o impacto que os atletas de diversas modalidades sofrem; nos Estados Unidos, por exemplo, diversos pesquisadores verificam os riscos do futebol americano, uma vez que este exige que os praticantes entre em contato direto por meio de corrida e empurrões (CRAIG et al.,2008). Nas lutas os estudos do impacto e suas consequências vêm aumentando, McLatchie (1976) investigou, em um campeonato de karatê-do, a incidência de lesão dos competidores 59 após o torneio. Dos 295 atletas que participaram da pesquisa, mais de 25% sofreram algum tipo de lesão durante os combates por contato direto com o oponente. McPherson e Pickett (2010) realizaram um levantamento estatístico sobre os tipos de lesões tratadas nos hospitais do Canadá entre os anos de 1993 a 2006. Foram encontrados 920 casos gerais, dos quais 299 eram da modalidade do karatê-do, caracterizando a modalidade com o maior índice de lesão. Quando analisada a etiologia dessas lesões, verifica-se que o contato por chute é o segundo maior motivo de lesão, perdendo somente para as quedas e saltos, sendo, ainda, que o local mais afetado pelos traumas foram os membros inferiores, em lesões de fratura, estiramento e ferimento de corte. Quando analisados os dados de força de impacto apresentados tanto nesta pesquisa, fica claro que o chute é um grande gerador de força e pode facilmente acarretar as lesões descritas acima, o sujeito 8, por exemplo, alcançou 24,88 de aceleração em pico. Atletas olímpicos de boxe profissional alcançam valores maiores, Walilko, Viana e Bir (2005) acharam uma média de 3427 N de força, e pico de aceleração translacional de 58. Para a obtenção destes dados, os pesquisadores utilizaram um boneco especial (Figura 22) para as pesquisas por impacto, que imita as condições humanas do corpo. Figura 22: Boneco hibrido 3 Fonte: (WALILKO; VIANA; BIR, 2005). Sete boxeadores participaram do estudo e cada um executou 3 golpes diretos na cabeça do boneco: para os autores, os dados podem vir a contribuir para uma melhor análise das lesões por impacto na cabeça; por exemplo, a aceleração translacional pode ser o principal 60 causador de um alto impacto na cabeça (WALILKO; VIANA; BIR, 2005). Os valores obtidos pelos boxeadores são maiores do que os chutes desta pesquisa, mas isso pode ser pelo fato de serem atletas de nível olímpico. Muito importante é saber a magnitude dos picos de impacto, porém mais importante é saber quais locais são mais acometidos pelas lesões e quais são essas. Destombet al.(2006) estudaram 186 praticantes de Karatê-do na cidade de Brest na França, mandando cópias de um questionário com perguntas básicas como gênero, idade, tempo de prática, dados antropométricos e se os mesmos tiveram algum tipo de lesão, maneira como ocorreu e se o fato aconteceu em treinamento ou campeonato. Dos 186 karatecas, 48 sofreram 83 tipos de lesões, sendo que 57 das injúrias foram de nível baixo, 17 severas, 7 moderadas e 2 muito severas; o tipo de lesões mais citadas foram os hematomas, seguidos pelas entorses e pelos estiramentos musculares. Os locais mais atingidos pelas lesões foram os membros inferiores com 35% dos casos, seguido por 28,9% dos relatos nos membros superiores, 26,5% na cabeça e 9,6% no torso, sendo o principal fator para essas lesões os impactos sofridos durante as lutas, tanto em treinamento quanto em competição. No entanto, a maior parte aconteceu fora dos torneios: dos hematomas, 69,7% ocorreram ao receber um golpe, 87,5% das entorses foram por ter recebido também um golpe e, por último, as injúrias musculares que foram causadas especificamente pela execução dos chutes. Ao serem comparados dos dados da magnitude dos golpes das diversas pesquisas aos dados obtidos neste estudo, é possível demonstrar que a prática do treinamento da luta potencializa a chances do surgimento de uma lesão, sendo que é verificado um alto valor de impacto como consequência da execução da técnica no adversário. A lesão muscular pode vir a ocorrer, pois o reto femoral é altamente requisitado para a realização do chute, sendo este talvez o motivo que interligue o fato das LD aparecerem pela execução do Mae geri. Outro aspecto identificado é que a maior parte das lesões ocorreram nos atletas de maior tempo e experiência na modalidade, além do fato de estarem a mais tempo praticando e de estarem, assim, mais suscetíveis à injúria, existe também o fato dos mesmos desenvolverem uma maior confiança em suas habilidades e acabarem extrapolando na ação do golpe (DESTOMB et al., 2006). Uma pesquisa realizada no Brasil, pelos estudiosos Moura. Silva e Alonso (2011) vai de encontro com muitos dados citados anteriormente, onde se aplicou um questionário com 31 participantes do campeonato Brasileiro de Karatê-do ano de 2010, com perguntas como idade, tempo de prática e dados antropométricos, questionando-se, também, sobre a ocorrência de LD em suas carreiras e o local onde mais ela tenha vindo a ocorrer. 61 Assim como na pesquisa de Destombet al. (2006), também foi relatado que os atletas mais experientes vieram a sofrer mais lesões e que essas ocorrem principalmente no treinamento. Sobre os locais mais acometidos, novamente, temos os membros inferiores em primeiro lugar, com o foco principal nas coxas, em segundo a região do tronco e, em terceiro, os membros superiores, tendo o diagnóstico clínico mostrado que de um total de 38 lesões, 13(34,21%) eram por fratura/luxação, seguidas das lesões musculares 11(28,9%), asentorses 6(15,8%), tendinite/fascite 5(13,1%) e por, último, as lombalgia/dorsalgia com 03(7,91%). Este caso difere um pouco da pesquisa realizada por Destombet al. (2006), pois surgiram problemas relacionados à região lombar e tendinites, casos que não haviam sido citados anteriormente. O fato de os MMII serem a região que mais sofre é explicado devido a grande utilização dos chutes permitidos na modalidade, pois os técnicos incentivam a execução do golpe, já que o mesmo facilita a obtenção da vitória. Além disso, fatores como treinamento incorreto e excesso de repetição do movimento pode levar à exaustão da musculatura (MOURA; SILVA; ALONSO, 2011; ZETARUK, et al.,2005). Com isso, é possível dizer que o impacto do chute também está envolvido com as lesões, uma vez que nesta pesquisa as amostras geraram acelerações de alto valor em seus alvos, podendo, assim, pré-dispor às lesões citadas acima, não somente para quem recebe o golpe, mas como também para que o executa, já que dependendo da região de contato que o pé toca, uma resistência é oferecida. O impacto ocasionado pela técnica pode ser fatal, segundo Oliveira, Vieira e Valença (2011) existem casos que o choque pode vir a causar óbito, exemplo disso foi o que ocorreu a um atleta de 20 anos que, após ter recebido um chute na cabeça, morreu no hospital devido a um hematoma extradural. O papel deste trabalho também foi de identificar de que maneira o impacto atua no corpo humano, e, inicialmente, é possível dizer que os choques podem causar danos físicos, ocorrendo por meio de receptores biológicos e mecanismos de transferência que produzem mudanças no organismo (SOUZA, 2002). Foram citadas aqui diversas patologias que podem surgir devido ao impacto do chute, e, segundo Souza (2002),a causa mais comuns desse tipo de lesão se dá pelos fortes indícios de que as forças transientes, geradas durante o impacto, são danosas aos tecidos ósseos, sendo, depois de acidentes automobilísticos, a prática de modalidades de contato a maior causadora 62 da aparição desse tipo de força, onde as sobrecargas sofridas podem ultrapassar o limite dos tecidos (ossos, musculatura, cartilagens e tendões) gerando macro e micro traumatismos. Assim como Souza (2002) faz uma análise dos possíveis danos causados aos membros superiores, é possível fazer uma relação semelhante para os membros inferiores, por exemplo: é sugerido, pelo autor, que uma hiperextensão de cotovelo pode vir a ser danosa durante a execução do soco, pois a região distal da ulna pode chocar-se com o olecrano, podendo ser danoso ao ligamento colateral ulnar; assim, fazendo-se uma alusão aos membros inferiores, uma vez que o atleta faça uma hiperextensão de joelho, pode ser que ocorra um toque entre os epicôndilos do fêmur com os côndilos da tibia, fazendo com a patela se sobreponha e ocorra um dano no ligamento cruzado posterior. Assim como a mão é o primeiro segmento do corpo que recebe a transmissão da vibração da execução do soco, os pés também passam pelo mesmo processo, sendo os que mais sofrem com a fadiga mecânica. Um estudo demonstrou alguns valores para que se ocorra a lesão na porção distal do rádio e, como resultado, 3,39 kN foi a força necessário para que isso viesse a acontecer. Sabendo-se que os socos dos atletas atingem um valor bem maior, fica claro o quanto as extremidades dos segmentos estão expostas ao riso de injúria. Apesar de não ter um valor especifico para a região distal da tíbia, é provável que a mesma possa a vir sofrer com os altos valores de chutes apontados nesta pesquisa. Es