1 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE DOUTORAMENTO EM DESIGN VESTUÁRIO E TERCEIRA IDADE: uma abordagem ergonômica acerca dos aspectos do vestir/despir do usuário idoso ERICA PEREIRA DAS NEVES Orientador Brasil (UNESP): Prof. Titular Dr. Luis Carlos Paschoarelli Orientador Portugal (ULisboa): Prof. Catedrático Dr. Fernando Moreira da Silva Bauru Lisboa 2020 3 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE DOUTORAMENTO EM DESIGN VESTUÁRIO E TERCEIRA IDADE: uma abordagem ergonômica acerca dos aspectos do vestir/despir do usuário idoso ERICA PEREIRA DAS NEVES Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP em cotutela com o Curso de Doutoramento em Design da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, sob orientação, respectivamente, do Professor Titular Luis Carlos Paschoarelli e do Catedrático Fernando J.C. Moreira da Silva; como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Design. Bauru Lisboa 2020 4 Neves, Érica Pereira. Vestuário e Terceira idade: uma abordagem ergonômica acerca dos aspectos do vestir/despir do usuário idoso / Érica Pereira das Neves, 2020. 179 f. : il. Orientador: Luís Carlos Paschoarelli. Tese (Doutorado)- Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2020. 1.Design Ergonômico. 2.Design para idosos. 3.Fashion Design. 4.Usabilidade do vestuário. 5.Vestuário para idoso. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Vestuário e Terceira idade: uma abordagem ergonômica acerca dos aspectos do vestir/despir do usuário idoso. 5 PRESIDENTE Prof. Titular Luís Carlos Paschoarelli Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Orientador TITULARES Professor Catedrático Fernando José Carneiro Moreira da Silva Universidade de Lisboa Orientador Prof. Dra. Marizilda dos Santos Menezes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Prof. Dra. Maria Sílvia Barros de Held Universidade de São Paulo Prof. Dra. Rita Assoreira Almendra Universidade de Lisboa Prof. Dra. Cristina Maria Santos Nunes Pires Caramelo Gomes Universidade Lusíada de Lisboa 6 7 8 9 10 Aos meus pais e A todos as meninas e meninos da tal terceira idade... 11 Agradeço à Deus por me acompanhar ao longo de tamanho desafio, dando-me força e sabedoria para sempre buscar o meu melhor. À Nossa Senhora pela proteção e conforto em todos os momentos. Muito obrigada por colocarem sempre as melhores pessoas perto de mim ... Agradeço aos meus pais. Não conseguiria colocar em palavras o que sinto por eles, mas sei que sem eles, eu nunca teria chegado onde estou e muito menos teria me tornado a pessoa que sou. A minha dupla da terceira idade sempre me mostrou com maestria o que é viver em respeito aos demais, lutando pela justiça e torcendo pelo bem. Com certeza isso me influenciou nas escolhas profissionais que fiz, afinal, lidar com Design (e Arquitetura) é lidar com a emoção dos indivíduos; é promover e partilhar alegrias; é simplesmente, incluir a todos em um processo de empatia constante. Aos meus irmãos, Tadeu e Mateus, pelo apoio incondicional de sempre ... Agradeço à minha irmã de coração, Cintia Samaan, pelo apoio imensurável que me deu em todo o momento. Muito obrigada pela paciência e por falar sempre que eu não sou tão ruim assim (rs). Mais que tudo, muito obrigada por confiar em mim, mesmo conhecendo meu lado mais pesado. Ao meu amigo Gabriel Bonfim, pelas palavras de apoio e incentivo, e pelos meses mais divertidos em terras lusitanas ... Ao meu orientador, e amigo, Prof. Dr. Luis Carlos Paschoarelli. Muito Obrigada pela confiança em meu trabalho e em mim. Agradeço de coração por todo o companheirismo. Com certeza se não fosse por ele, não teria conseguido chegar até aqui ... Ao meu coordenador, Prof. Dr. Fausto Orsi Medola, que sempre me ajudou contribuindo muito com meu trabalho; e ao meu orientador português chiquérrimo (de óculos espelhado e tudo mais), Prof. Catedrático Fernando Moreira da Silva. Obrigada professor pelo apoio e pela confiança ... Ao meu primo Toninho pelo apoio nos meus últimos meses em Portugal. Obrigada pelo carinho e disposição. ... Ao meu querido amigo (em memória) S. Ino, por querer sempre meu bem e por sempre falar que eu estava fazendo o certo. Obrigada por sempre renovar minha fé por meio de seus olhar e orações. Saudades! ... Aos meus amigos do LEI, pela troca de conhecimentos, pelas palavras de incentivo e conversas sem sentido, mas com muitas risadas. Agradeço também às equipes do PPGDesign da UNESP e da ULisboa. Vocês são essenciais para dar todo o suporte aos nossos projetos ... À “bulgára” mais portuguesa desse mundo, minha grande amiga, Mira. Não tens ideia rapariga de como foste importante na minha aventura em Portugal. Sério. Tu foste meu anjo! ... À Carla Carriço, técnica do Centro de Convívio Felipe Folque de Lisboa, a qual sem a confiança e disposição, meu estudo não conseguiria ter sido desenvolvido. Muito Obrigada! À malta do centro de apoio aos idosos Lar de Galache, de Vila Franca de Xira, que se dispuseram a participar do meu estudo com todo carinho e dedicação ... E por fim, a TODOS OS SENHORES E SENHORAS que com muito carinho, respeito e dedicação, participaram de meu experimento. Vocês foram sensacionais! Em especial a Vera e Alceu Bonfim, os quais foram a razão por eu ter conseguido completar meus objetivos de coleta. Muito obrigada! ... E finalmente, agradeço a CAPES e a CNPq por terem financiado este estudo no Brasil e em Portugal, respectivamente. “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.” Antoine de Saint-Exupéry 12 Num tempo em que as forças políticas e os agentes económicos apresentam uma evidente falta de capacidade para encontrar soluções para os complexos problemas sociais com que nos confrontamos, espera-se dos designers que sejam capazes de aplicar uma das suas mais vincadas características disciplinares: a criatividade perante o mundo, associada à capacidade de constantemente reinventar o suporte cultural que enquadra a nossa vida coletiva. As transformações sociais começam sempre por ser, num primeiro momento, reformulações narrativas, utopias a serem perseguidas ou visões a serem construídas. A natureza especulativa do design, bem como a sua capacidade de síntese, põe os designers numa posição privilegiada para esta tarefa de transformação simbólica do mundo que precede a transformação real. Partilhando do postulado de Herbert Simon, que afirma que a atividade de design é sempre orientada pela transformação da realidade numa nova realidade preferida, encontrando alternativas e criando possibilidades que antes não existiam, dedica-se a presente tese a todas as pessoas que escolhem a realidade preferida invés, da mera realidade, agradecendo desde já o seu apoio e inspiração. BISPO, R.J.C.L Design contra o estigma (dedicatória). Tese de doutorado. Universidade de Aveiro. Departamento de Comunicação e Arte, 2018. 13 14 TÍTULO: VESTUÁRIO E TERCEIRA IDADE: uma abordagem ergonômica acerca dos aspectos do vestir/despir do usuário idoso RESUMO: O crescimento da população idosa no mundo há tempos ganha destaque na sociedade, tornando-se objeto de discussão de diversas áreas do conhecimento. Dentre elas, o Design é sensibilizado em decorrência, principalmente, das crescentes demandas por produtos e serviços que atendam as necessidades e expectativas dos usuários idosos de forma a garantir-lhes bem-estar psicológico, emocional, cognitivo e físico. Dado ao caráter multi e interdisciplinar da disciplina, identificar e compreender as características e as limitações físicas, cognitivas e biopsicossociais inerentes ao envelhecimento, faz parte do processo de concepção e desenvolvimento de produtos e serviços que contribuam com os hábitos saudáveis dos idosos, principalmente no que diz respeito a sua autonomia e independência na realização de atividades de rotina, tal como o vestir e despir. Neste caso, em específico, o vestuário passa a ser objeto de investigação por interagir diretamente com o corpo, influenciando o desempenho dos idosos durante a ação do vestir-despir. Frente a tal conjuntura, o presente estudo teve por objetivo realizar uma avaliação com base em atividades de uso do vestuário que possam esclarecer detalhes acerca da relação do usuário idoso com a vestimenta, visando verificar que fatores biopsicossociais e motores podem servir de parâmetros para a definição de requisitos de produto que possam contribuir para o design de vestuário desenvolvidos para estes usuários. A definição da amostragem teve por base a teoria da inferência estatística, a qual, em síntese, constitui-se pelo conjunto de métodos que permitem inferir, induzir ou estimar as leis de comportamento da população com base nos resultados de um conjunto de dados proveniente de uma amostra extraída de um universo mais amplo de população. Devido à população portuguesa se apresentar mais envelhecida, o estudo envolveu idosos do Brasil e de Portugal, caracterizando uma amostra de 60 indivíduos, acima dos 65 anos, de ambos os gêneros e nacionalidades. Os resultados permitiram verificar fatores biopsicossociais e motores que podem contribuir para a definição de requisitos para o design de vestuário para estes usuários. Pôde-se concluir que os resultados desta investigação corroboram com a hipótese de que os fatores biopsicossociais e motores decorrentes do envelhecimento e envolvidos no vestir-despir de indivíduos idosos podem colaborar na formulação de diretrizes e requisitos para o design de vestuário para estes usuários. Com base na observação e na análise das atividades de vestir e despir de diferentes peças do vestuário, padrões sequenciais de movimentos corporais puderam ser detectados e segmentados em etapas. Apesar de não ter sido registrado fatores físicos e motores que viessem a inviabilizar as tarefas requeridas, observou-se que destreza manual, equilíbrio corporal e amplitude de membros, principalmente os superiores, já apresentam perdas que começam a afetar a qualidade dos movimentos envolvidos nas ações do vestir e despir. Em relação às amostras de idosos de Portugal e Brasil, verificaram-se semelhanças quanto ao perfil físico e às alterações antropométricas dos participantes. Os fatores percebidos como importantes ao vestuário também apresentaram dados parecidos, principalmente em relação a importância do conforto e a percepção da moda como algo voltado aos indivíduos mais jovens. Palavras-chaves: Design Ergonômico; Design para Idosos; Fashion Design; Usabilidade do vestuário; Vestuário para Idoso. 15 TITLE: CLOTHING AND THIRD AGE: an ergonomic approach concerning dressing/undressing aspects of the elderly user ABSTRACT: The growth of the elderly population in the world has long been standing out in society, becoming the subject of discussion in several areas of study/knowledge. Among them, Design is sensitized as a result, mainly, by the growth of products and services demands that meet the needs and expectations that assure to elderly users psychological, emotional, cognitive and physical well-being support. Given the multi and interdisciplinary nature of the discipline, identifying and understanding the physical, cognitive and biopsychosocial characteristics and limitations inherent to aging, is part of process of designing and developing the products and services, that contribute to the healthy habits of the elderly, especially in what concerns their autonomy and independence in carrying out daily activities, such as dressing and undressing. In this case, in particular, clothing becomes an object of investigation for interacting directly with the body, influencing how the elderly performs dressing-undressing actions. Facing this situation, the present study aimed to carry out an assessment based on clothing use activities that shows details about elderly users’ relationship with clothes and also verifies biopsychosocial and mechanisms factors can be parameters for product requirements that contributes for clothing development designs. The definition of sampling was based on the theory of statistical inference, which, in summary, consists of a set of methods that allow inferring, inducing or estimating the population behavior laws based on the results of a set of data from a sample drawn from a wider universe of a population. The study involved elderly people from Brazil and Portugal, characterizing a sample of 60 individuals, over 65 years old, of both genders and nationalities. The results allowed to verify biopsychosocial and motor factors that can contribute on how to define the requirements for clothing design for these users. It was concluded that the results of this investigation corroborate with the hypothesis that the biopsychosocial and motor factors resulting from aging and dressing-undressing actions of elderly individuals can collaborate in the formulation of guidelines and requirements for the design of clothing for these users. Based on the observation and analysis of the dressing and undressing activities of different apparel, sequential patterns of body movements could be detected and segmented in stages. Although physical and motor factors that could impact the required tasks have not been registered, it was observed that manual skills, body balance and range of body members, especially the upper ones, already present losses that begin to affect the quality of the movements involved in the actions of dressing and undressing. Regarding the samples of elderly people from Portugal and Brazil, similarities were found in the participants´ physical profile and anthropometric changes. The perceived factors as important to clothing also presented similar data, mainly regarding the importance in comforting and the perception of fashion as something aimed at younger individuals. Keywords: Ergonomic Design; Design for the Elderly; Fashion Design; Clothing usability; Clothing for the Elderly. 16 Figura 01. Percentual da população com 65 anos ou mais de idade em 1990, 2019 e 2050, de acordo com a projeção de média variante. Praticamente todos os países e áreas estão passando por um envelhecimento populacional. 29 Figura 02. Percentual da população com 65 anos ou mais de idade em 1990, 2019 e 2050, de acordo com a projeção de média variante. Praticamente todos os países e áreas estão passando por um envelhecimento populacional. 30 Figura 03. Taxa de fecundidade geral e taxas de fecundidade específicas por grupo etário (‰), Portugal, 2012 – 2017. 32 Figura 04. Exemplos de peças publicitárias das décadas de 1960 e 1970. 49 Figura 05. Campanha #velhapraisso promovida pela empresa de cosméticos Natura. 51 Figura 06. Campanha #Velhovens promovida pela empresa de bebida Skol. 52 Figura 07. Pôster e Cenas do filme Cocoon, lançado em 1985 53 Figura 08. Pôsteres e cenas dos filmes “Conduzindo Miss Daisy” (1989), “Meu Pai, uma lição de vida” (1989) e “Estamos todos bem” (1990). 55 Figura 09. Seriado Original da Netflix, Grace e Frankie. 57 Figura 10. Imagens da série Grace e Frankie; Vibrador desenvolvido pelas personagens; Peça publicitária desenvolvida pela marca das personagens para comercialização do dispositivo erótico. 58 Figura 11. Fotos dos perfis do Instagram dos atores Ian McKellen (1,8 milhões de seguidores); Patrick Stewart (1,3 milhões de seguidores); Betty White (1,4 milhões de seguidores). 61 Figura 12. Fotos do perfil do Instagram da atriz brasileira Vera Holtz. As imagens em destaque (preto) corresponde às legendas “Evangelho da Diversidade” e “Longe da Revoada” (1,3 milhões de seguidores). 61 Figura 13. Fotos do perfil do Instagram de Baddie Winkle 63 Figura 14. Fotos do perfil do Instagram de Iris Apfel 63 Figura 15. Exposição MET Museum; Livro; Documentário e Bonecas da Barbie em homenagem a Iris Apfel. 64 Figura 16. Fotos de Dee Goldberg; Beatrix Ost; Sarah Jane Adams; e, Lesley Crawford. 65 Figura 17. Ron Jack Foley, Eric Rutherford, Anthony Varrecchia, Thomas R. Pescod; Philippe Dumas; e Gunther Krabbenhof. 66 Figura 18. Wang Deshun em desfile realizado por Hu Sheguang; campanha para Ermenegildo Zegna e para Rebook China. 66 Figura 19. Imagens disponíveis no Instagram de Ari Seth Cohen, @advancedstyle. 68 Figura 20. Perfis que se tornaram icônicos pelas mãos de algumas personalidades idosas. 69 Figura 21. Idosos que se inovaram por meio de suas publicações no Instagram 71 17 Figura 22. Em três dos principais mercados emergentes de alto crescimento, a participação percentual da população total acima de 60 anos de idade está subindo rapidamente; paralelamente, a porcentagem de menores de 15 anos está encolhendo. 75 Figura 23. Prospecção do crescimento de consumidores acima de 60 anos de idade 77 Figura 24: Organização do protocolo 99 Figura 25: Instrumentos Utilizados: a) Dinamômetro Digital Hidráulico Jamar Plus para medição de preensão palmar; b) Jamar Digital Pinch Gauge para averiguação de força digital; c) Nine Peg Hole Test para coordenação e destreza. 100 Figura 26: a) Posição (empunhadura) da mão na posição 2 (Jamar); b) Posição do participante para o teste com o Jamar; c) Pinça Pulpo-Lateral; d) Pinça polpa-a-polpa; e) Teste com o Pinch Gauge. 101 Figura 27: Nine Peg Hole Test 102 Figura 28: Time Up and Go (TUG) 102 Figura 29: Detalhamentos das peças escolhidas para a tarefa: a) camisa de manga longa com abotoamento central; b) camiseta de malha; c) meia. 103 Figura 30: Sequência das tarefas a serem avaliadas. 104 Figura 31: Posicionamento da câmera e distância mínima necessária para a captação integral dos movimentos do participante. 104 Figura 32: Estatística Inferencial – Passos. 108 Figura 33. Resultado: Perfil da Amostra quanto a idade. 110 Figura 34. Resultado por gênero e nacionalidade: Estado Civil; Etnia; Filhos; e Nível de Instrução. 112 Figura 35. Resultado por gênero e nacionalidade: Aposentadoria e Condição profissional (ativo ou não ativo). 113 Figura 36. Resultado por gênero e nacionalidade: Situação de Moradia; Cuidador; Classe Social. 114 Figura 37. Resultado por gênero e nacionalidade: Anamnese – Hábito do Fumo; Lentes Corretivas; Sintomas Depressivos 116 Figura 38. Resultado por gênero e nacionalidade: Anamnese – Hábito do Fumo; Lentes Corretivas; Sintomas Depressivos. 116 Figura 39. Resultado do Índice de Katz e Lawton. Todos os participantes declararam serem capazes de realizar as ABVD e AIVD de maneira independente. 117 Figura 40. Resultado por gênero e nacionalidade: IMC; Peso; Altura. 119 Figura 41. Resultado por gênero e nacionalidade: Circunferência da Cintura; Relação Cintura x Quadril. 120 Figura 42. Gêneros x Nacionalidade: diferenças antropométricas. 121 18 Figura 43. Gêneros x Nacionalidade: diferenças antropométricas. Comparativo da composição antropométrica. 122 Figura 44. Resultado por gênero e nacionalidade: Dinamômetro; Pinch Gauge; TUG; e 9Peg Hole. 125 Figura 45. Resultado por gênero e nacionalidade: Precisa de ajuda para se vestir?; Como avalia as tarefas do vestir e despir?; Já caiu enquanto estava a se vestir ou despir?. 126 Figura 46. Resultado por gênero e nacionalidade: Padrões quanto ao hábito de se vestir 127 Figura 47. Resultado por gênero e nacionalidade: Avaliação das características percebidas no vestuário. 130 Figura 48. Resultado por gênero e nacionalidade: Hábitos de consumo. 131 Figura 49. Resultado por gênero e nacionalidade (Comparação): tempo para realização das tarefas 132 Figura 50. Resultado considerando mesmo gênero e nacionalidade diferente (Comparação): tempo para realização das tarefas. 133 Figura 51. Sequência VESTIR camisa. 135 Figura 52. Botões: detalhamento do abotoamento 135 Figura 53. Sequência DESPIR camisa. 136 Figura 54. Sequência A - VESTIR CAMISETA. 137 Figura 55. Sequência B - VESTIR CAMISETA. 137 Figura 56. Sequência C - VESTIR CAMISETA. 138 Figura 57. Sequência A - DESPIR CAMISETA. 138 Figura 58. Sequência B - DESPIR CAMISETA. 139 Figura 59. Sequência C - DESPIR CAMISETA. 139 Figura 60. Sequência VESTIR MEIA: Apoio do pé no mobiliário. 140 Figura 61. Sequência VESTIR MEIA: Sentados. 140 Figura 62. Sequência VESTIR MEIA: Sentados e inclinados sobre a perna. 141 Figura 63. Sequência VESTIR MEIA: Sentados e pé sobre mobília. 141 Figura 64. Sequência VESTIR MEIA: Sentados usando de duas posições de perna. 142 Figura 65. Sequência VESTIR MEIA: Em pé com apoio 142 19 1. INTRODUÇÃO – APRESENTAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO 21 1.1 Pesquisa e abordagem metodológica 25 1.2 Questão de Pesquisa 25 1.3 Hipóteses 26 1.4 Objetivos 26 2. REFERENCIAL TEÓRICO 28 2.1 Envelhecimento: cenário global e nacional 28 2.2 Portugal e Brasil: panorama do envelhecimento demográfico 30 2.3 Sociedade e Envelhecimento 33 2.3.1 Envelhecimento: cenário global e nacional 38 2.3.2 Portugal e Brasil: panorama do envelhecimento demográfico 40 2.3.3 Sociedade e Envelhecimento 43 2.4 Consumo e terceira idade 72 2.4.1 Idosos: mercado promissor a ser atendido 74 2.4.1.1 Projeções do mercado brasileiro acerca do consumidor idoso 81 2.5 As relações entre moda, vestuário e design 85 2.5.1 Design e Idoso: a importância de se analisar a tarefa e o produto 86 2.5.1.1 Implicações do envelhecimento 90 2.5.1.2 Questões do envelhecimento: fisiologia, antropometria, biomecânica e cinesiologia 91 2.5.2 Oportunidades contemporâneas sobre o envelhecimento 93 2.5.3 Vestuário, Usabilidade e Ergonomia: o viés da terceira idade 93 3. MATERIAIS E MÉTODOS 97 3.1 Questões éticas 97 3.2 Amostragem 97 3.3 Materiais 98 3.3.1. Elaboração do Protocolo e escolha dos Instrumentos 98 20 3.4 Procedimentos 102 3.4.1. Tarefa pré-definida 102 3.5 Testes Pilotos e conduta do Experimento 104 3.6 Análise Estatística 107 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 110 4.1 Perfil da amostra 110 4.2 Anamnese 114 4.3 Características antropométricas e IMC 117 4.4 Forças e coordenação 123 4.5 Atividade de Vestir-despir 126 4.6 Uso e compras: qualidade e fatores percebidos 128 4.7 Tarefa: Padrões de movimentos da atividade vestir-despir 131 4.7.1. Tempo de realização das atividades 131 4.7.2. Atividade de despir e vestir uma camisa 133 4.7.3. Atividade de despir e vestir uma camiseta (t-shirt) 136 4.7.4. Atividade de despir e vestir uma meia 139 4.8 Discussão 142 5. CONCLUSÃO 149 BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA 154 APÊNDICES 169 21 22 1. INTRODUÇÃO – APRESENTAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO Ao longo dos últimos anos, questões acerca do envelhecimento vem ganhando destaque por todo o mundo. Essa realidade se justifica pelas alterações demográficas, culturais e sociais ocorridas nos países desenvolvidos nas últimas décadas, e mais recentemente, nos países de economias emergentes. O expressivo aumento dessa demanda populacional implicará, gradativamente, em avaliações precisas de diversos aspectos relacionados ao atendimento deste grupo de indivíduos com demandas específicas, principalmente no que tange à autonomia funcional, ao acesso a informações, segurança, saúde preventiva, entre outros. Essas peculiaridades, por sua vez, determinam que novos padrões de usabilidade sejam aplicados em diferentes interfaces tecnológicas, no intuito da promoção do bem-estar psicológico, emocional, cognitivo e físico do indivíduo. Isso deve-se principalmente às inabilidades e restrições físicas do idoso bem como ao seu declínio funcional e cognitivo. Dado isso, aliados às diretrizes de usabilidade, os princípios da ergonomia podem conferir bases assertivas ao desenvolvimento de projeto de produtos específicos para tal demanda de usuários e consumidores. Considerando o contato direto e prolongado que o produto de moda, em especial o vestuário, mantem com o corpo, a negligência acerca das especificidades biopsicossociais e motoras do indivíduo idoso pode acarretar constrangimentos e desconforto ao usuário, não apenas no que tange as características de usabilidade, mas também quanto ao ato de vestir-despir. Esse último, devido às restrições motoras decorrentes do envelhecimento e, consequentemente, perda do equilíbrio corporal, pode decorrer em dificuldades ao usuário quanto ao cumprimento de sua tarefa, além de ampliar o risco de queda. Além disso, limitações sensoriais, como visão e tato, implicam maiores dificuldades, em especial quando considerado os dispositivos presentes no vestuário de tamanho reduzido, tal como botões, ilhoses, fechos, zíper, entre outros. Esse quadro é agravado quando somado à redução de destreza manual e habilidade de preensão que envolvem atividades manuais, como a manipulação de objetos de tamanho pequeno. Nesse sentido, a manipulação desses pode intimidar e acanhar o indivíduo; isso é, atividades que podem ser consideradas simples e cotidianas, como fechar ou abotoar uma camisa, acabam sendo dificultadas devido a estas restrições, resultando em constrangimentos e, até mesmo, sentimentos que envolvam a sensação de incapacidade e falta de independência. Mesmo que mínimas, algumas pesquisas já começam a apresentar apontamentos acerca desse público, tanto nos quesitos de usabilidade, quanto na atividade do vestir-despir do vestuário (Neves et al., 2015a; Brigatto et al., 2014; Schiehll, 2012; Vianna, Quaresma, 2015). Slongo et al. (2009) e Barcelos et al. (2016), ao fazerem um estudo exploratório sobre a moda para a consumidora da terceira idade evidenciaram a heterogeneidade do segmento, ressaltando a importância de se disponibilizar modelos que atendam diferentes tipos de preferências, as quais são influenciadas e determinadas por aspectos do convívio social no qual cada mulher está inserida. A preferência por conforto e praticidade foi exaltada em detrimento aos demais aspectos vinculados ao produto de moda, como estar ou não na moda. Essa opinião foi percebida principalmente em relação ao sapato, acessório que, 23 para boa parte das mulheres abordadas no decorrer das entrevistas, apresentam-se falhos quanto a modelagem, e quando não, são difíceis de ser encontrados no mercado. Além disso, os autores observaram que as roupas são escolhidas e utilizadas à medida que possibilitem essas mulheres a esconderem ou disfarçarem partes do corpo. O mesmo foi indicado por Neves (2015) que, ao estudar o impacto dos aspectos biopsicossociais decorrentes do climatério e menopausa sobre as preferências de uso bem como sobre os aspectos de usabilidade do vestuário feminino, percebeu que a relação que as mulheres mais velhas mantem com o vestuário extrapola de maneira relevante às questões básicas do produto de moda que se caracteriza, tradicionalmente, pelo recobrimento e adornamento do corpo. Ao que tudo indica, as peças de roupa foram consideravelmente associadas ao redesign e à manipulação corpórea. Sobretudo, as investigações revelaram o forte laço que as mulheres formam com o vestuário em vias da construção de sua imagem percebida, processo esse que incide sobre a segurança emocional da usuária em decorrência do prazer e da satisfação pessoal. Lopes et al. (2012), corroborando com os achados de Neves (2015), também evidenciaram a busca de mulheres mais velhas por produtos que refletem a beleza, bem-estar e elegância. Contudo, como as duas investigações mostram, as mulheres declaram que o mercado da moda se mostra despreparado para suas necessidades e expectativas. Oliveira e Moraes (2017), ao analisar como a terceira idade lida com a aparência, também verificaram a percepção negativa que as mulheres possuem em relação à carência de produtos específicos para aquelas acima dos 60 anos. Mediante essa realidade, as autoras concluem que orientações providas por um consultor de imagem e estilo podem contribuir para a promoção de bem-estar a essas mulheres, dado a especialidade do profissional acerca da valorização dos aspectos físicos de suas clientes, tanto por meio de cosméticos como vestuário. Bernardo e Pepece (2014), com base em entrevista feita com mulheres entre 70 e 75 anos, encontraram que, em oposição a alguns estigmas sociais que rejeitam a condição do indivíduo idoso, elas possuem vida ativa, dedicando-se à tarefas de rotina bem como viajam com frequência, convivem entre amigos da mesma faixa etária e praticam atividade física. As autoras argumentam que tal realidade envolve mulheres que estão conscientes sobre as tendências da moda, trocando informações com os grupos os quais interagem sob diferentes contextos. Apontam que, independentemente da ocasião social, as mulheres dão preferência às roupas consideradas práticas, como calças, bermudas e blusas. Contudo, a falta de produtos adequados também se revela como uma problemática: Como exemplo ilustrativo, no último verão as estampas de azulejo acompanharam diversas coleções, mas como as bermudas não estavam em voga, não se via bermudas com esta estamparia nas lojas. (...) As mulheres da terceira idade estão à procura de roupas diferentes das tradicionais “moderninhas”. Tal fato, como mencionado por uma das entrevistas, gera “estranheza” por parte das pessoas próximas. (...) Esse estereótipo pode ser mudado por meio de campanhas de comunicação que valorizem a beleza da mulher da terceira idade, com exemplos de senhoras elegantes e bem vestidas. Empresas que investirem neste tipo de comunicação certamente conquistarão a simpatia das idosas como consumidoras. 24 As consumidoras da terceira idade querem roupas mais bonitas e diferentes, querem trajes que demonstrem elegância e também “vida”. (...) querem demonstrar que estão vivas, mas não querer escandalizar, querem sair dos estereótipos de “senhoras vovozinhas” para senhoras elegantes, alegres e ativas (Bernardo e Pepece, 2014, p. 70-71) Considerando os estudos aqui apresentados, nota-se que há uma tendência de pesquisa no que diz respeito ao universo do gênero feminino da terceira idade, negligenciando uma realidade cada vez mais crescente que coloca o homem como agente que produz e consome tendências da moda, independentemente da idade. Essa inclinação, naturalmente, está relacionada ao fato histórico e tradicional de que as mulheres são as que mais consomem e interagem com os produtos de moda, contudo, não se pode negar as mudanças ocorridas ao longo dos últimos anos que colocam indivíduos do gênero masculino como agentes produtores e consumidores do mercado fashion. Ressalta-se, contudo, que a integração dos usuários do gênero masculino nas investigações sobre a moda e os produtos derivados do setor, em especial o vestuário, não deve ocorrer apenas pelo viés do consumo ou estilo. As questões de usabilidade e vestibilidade também devem ser abordadas, principalmente quando considerado o segmento de usuários idosos, os quais, como já brevemente comentado, apresentam necessidades e expectativas influenciadas pelas alterações biopsicossociais e físicas do envelhecimento. Neves et al. (2015b) defendem que mediante o contato prolongado que o corpo mantem com o vestuário, a configuração do produto reflete substancialmente sobre os aspectos da usabilidade, contribuindo (ou não) para que sejam percebidos fatores como conforto, segurança e, consequentemente, bem-estar e satisfação. Os autores explicam que a compreensão dos fatores percebidos durante o uso de um determinado vestuário contribui para que sejam geradas diretrizes de produto mais assertivas e adequadas aos usuários, com destaque, os idosos. Tal perspectiva corrobora com os princípios do design ergonômico, o qual usufrui do conhecimento ergonômico no projeto de dispositivos tecnológicos, garantindo a efetiva aplicação dos critérios de usabilidade na ação projetual (Paschoarelli, Silva, 2006). Devido ao caráter multi e interdisciplinar dessa competência, as metodologias do design ergonômico buscam em áreas correlatas, ferramentas e materiais que contribuam para que sejam gerados dados que sejam relevantes e determinantes para o desenvolvimento de diretrizes de projeto que garantam a integridade de diferentes tipos de produtos. No caso da problematização atribuída à integração do vestuário e do usuário idoso, a identificação de critérios ergonômicos e de usabilidade gera a necessidade de se identificar padrões e fatores que possam comprometer a qualidade de uso bem como da ação do vestir-despir, prejudicando a autonomia e independência do individuo idoso. Menegucci e Santos Filho (2010) argumentam que as pesquisas que tratam do produto de vestuário com qualidades ergonômicas para a população idosa são escassas, possivelmente pela pouca ou quase nenhuma preocupação dos setores da moda com esta faixa etária. Ou seja, no cenário nacional da moda, o indivíduo idoso ainda não possui espaço representativo, o que consequentemente acentua seus problemas com relação ao vestuário. 25 1.1 Pesquisa e abordagem metodológica O presente estudo está inserido no campo científico do Design com ênfase na linha de pesquisa da ergonomia. Optou-se pelo desenvolvimento de uma pesquisa aplicada de viés transversal e exploratório, em virtude do interesse de se familiarizar com os fatos e fenômenos relacionados ao problema a ser estudado. Os procedimentos técnicos seguiram os parâmetros da pesquisa de campo, procurando coletar dados que permitissem responder à questão de pesquisa bem como atingir os objetos propostos acerca da compreensão do problema abordado (Fontelles et al., 2009; Silva, 2004). Trata-se de uma abordagem mista, na qual técnicas de pesquisa qualitativa foram conjugadas aos métodos quantitativos. A escolha foi motivada em decorrência do caráter exploratório da pesquisa, que visa levantar novos dados quando há escassez de literatura sobre o tema. Nesse caso, a conjugação dos métodos possibilitou um novo desenho metodológico, que produziu dados mutuamente complementares, favorecendo a integração mais completa dos resultados bem como mais abrangente do fenômeno investigado (Santos et al., 2017). A parte prática da pesquisa, caracterizada por testes com atividades pré-definidas envolvendo usuários idosos de ambos os gêneros, foi realizada em duas etapas que se diferenciaram pela nacionalidade dos participantes bem como pelo país onde foram aplicadas: 1) Etapa Portugal; 2) Etapa Brasil. Evidencia-se que os procedimentos desse estudo foram motivados e justificados em razão da possibilidade de desenvolvê-lo em sistema de cotutela entre o PPGDesign da UNESP/Bauru (Brasil) e o PPGDesign da Universidade de Lisboa-Faculdade de Arquitetura (Portugal). A escolha pela Universidade de Lisboa se justificou por seu destaque acadêmico dentre as 100 melhores instituições da Europa1; por ser um centro de pesquisa em expansão2; e pela parceria entre a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e a Universidade de Lisboa (ULisboa), a qual proporciona aos alunos de doutorado a obtenção de dupla titulação ao desenvolverem sua tese em ambas as instituições em esquema de tutela. Além disso, Portugal destaca-se pelo seu envelhecimento populacional, registrando, atualmente, proporções maiores de idosos do que jovens, realidade essa que contribuiu para o levantamento de dados que justificaram e contribuíram com o presente projeto. 1.2 Questão de Investigação Compreender o envelhecimento da população pela perspectiva do Design implica em reconhecer que novas demandas por artefatos irão determinar ações de projeto mais holísticas e empáticas. Diante do exposto definiu-se o seguinte questionamento: Os fatores biopsicossociais e motores decorrentes do envelhecimento e envolvidos no vestir-despir de indivíduos idosos podem contribuir para o design de vestuário desenvolvidos para estes usuários? 1 Dados do SCImago Institutions Rankings; 2 Ranking Mundial de Universidades QS. 26 1.3 Hipóteses A partir desta questão de pesquisa, foram formuladas as seguintes hipóteses: H1 – Os fatores biopsicossociais e motores decorrentes do envelhecimento e envolvidos no vestir- despir de indivíduos idosos podem colaborar na formulação de diretrizes e requisitos para o design de vestuário; HO – Os fatores biopsicossociais e motores decorrentes do envelhecimento e envolvidos no vestir-despir de indivíduos idosos não servem de requisitos para o design de vestuário; 1.4 Objetivos O objetivo principal desse estudo foi realizar uma avaliação com base em atividades de uso do vestuário que possam esclarecer detalhes acerca da relação do usuário idoso com a vestimenta, visando verificar quais fatores biopsicossociais e motores podem contribuir para o design de vestuário desenvolvidos para estes usuários. Como objetivos específicos, destacam-se: • Compreender os fatores que podem influenciar os hábitos de consumo dos usuários idosos; • Identificar características do vestuário que influenciam a percepção de conforto e usabilidade destes usuários; • Entender se as alterações antropométricas e físicas do corpo ocorridas durante o envelhecimento influenciam no tipo de vestimenta adotado; • Reconhecer e diferenciar padrões de movimentos realizados pelo corpo durante o vestir-despir de diferentes tipos de vestimentas; • Verificar se algum aspecto configurativo da vestimenta pode ocasionar constrangimento e desconforto ao usuário idoso na ação de vestir-despir ou mesmo, impedi-la; 27 28 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Envelhecimento: cenário global e nacional De acordo com as Nações Unidas, o número global de pessoas idosas – com 60 anos ou mais de idade – está projetado para aumentar de 962 milhões, contingente registrado em 2017, para 1,4 bilhões em 2030 e 2,1 bilhões em 2050 (ONU, 201-). Na previsão da agência, com exceção da África, todas as demais regiões do mundo terão quase um quarto ou mais de suas populações com 60 anos de idade ou mais. Para o ano 2100, o número de idosos poderá atingir 3,1 bilhões de indivíduos. Tal progressão indica que esse segmento populacional está crescendo a uma taxa de cerca de 3% por ano (ONU, 201-). No relatório The World Population Prospects 2019, a ONU (2019) corrobora com tais dados e destaca algumas estimativas importantes que evidenciam (Figura 1), dentre outros números, que: em 2018, pela primeira vez na história, o número de pessoas com 65 anos ou mais superaram o número de crianças abaixo dos 5 anos de idade; em 2050, projeta-se que 1,5 bilhões de pessoas estarão com 65 anos ou mais, e; até 2050, uma a cada seis pessoas no mundo terá mais de 65 anos (16% do total populacional); considerando a Europa e a América do Norte essa taxa pode chegar a uma em cada quatro pessoas. Em síntese, a ONU (2019) prevê um crescimento geral na proporção de pessoas com 65 anos ou mais até 2050 em todos os 2013 países e territórios envolvidos na pesquisa, principalmente na Europa, América do Norte e Nova Zelândia\Austrália, nações que atualmente já são caracterizadas por apresentarem as maiores proporções de idosos dentre a população total em comparação com o restante dos países (Figura 02). Somado a isso, tem-se que o número de indivíduos acima dos 80 anos tem crescido ainda mais rápido que o de acima dos 65 anos. O relatório apresenta que no ano de 1990 existiam cerca de 54 milhões de indivíduos com 80 anos ou acima em todo o mundo, número que quase triplicou em 2019, chegando a 143 milhões de indivíduos. Estima-se, com isso, que em 2050 esse número suba para 426 milhões e para 881 milhões em 2100. Ressalta-se que, em termos de marco cronológico, a idade instituída como idosa para os países desenvolvidos corresponde aos 65 anos, enquanto em países subdesenvolvidos, a idade diminui para 60 anos. Frente ao considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO, 2015; 2005), essa diferença se justifica pelos diferentes níveis socioeconômicos bem como pelas abordagens acerca das políticas e ações de melhorias da saúde. No entanto, a própria Organização declara que qualquer que seja a idade estipulada, independentemente do contexto social, cultural ou econômico, é importante reconhecer que a idade cronológica não é um marcador preciso para as alterações que acompanham o envelhecimento, uma vez que existem variações dramáticas no estado 3 Áreas com no mínimo 90.000 habitantes. 29 de saúde bem como no nível de independência e participativo entre pessoas idosas da mesma idade (OMS/WHO, 2005). Figura 01. Percentual da população com 65 anos ou mais de idade em 1990, 2019 e 2050, de acordo com a projeção de média variante. Praticamente todos os países e áreas estão passando por um envelhecimento populacional. Fonte: adaptado de ONU, The World Population Prospects, 2019. 30 Figura 02. Percentual da população com 65 anos ou mais de idade em 1990, 2019 e 2050, de acordo com a projeção de média variante. Praticamente todos os países e áreas estão passando por um envelhecimento populacional. Fonte: adaptado de ONU, The World Population Prospects, 2019 2.2 Portugal e Brasil: panorama do envelhecimento demográfico Em Portugal4, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE, 2017), o país poderá perder população até 2080, passando dos atuais 10,3 para 7,5 milhões de pessoas. Na projeção indicada pelo Instituto, a população ficaria abaixo do limiar de 10 milhões de habitantes em 2031, de 8 milhões em 2070, e de 7,5 milhões em 2080. Até o mesmo período, o número de jovens diminuirá de 1,5 para 0,9 milhões, em decorrência, especialmente, da redução de mulheres em idade fértil. Já o número de idosos passará de 2,1 para 2,8 milhões de indivíduos, implicando no substancial aumento do índice de envelhecimento, o qual passará de 147 para 317 idosos, por cada 100 jovens em 2080. A população em idade ativa (entre 15 e 64 anos) residente em Portugal passará de 6,7 milhões em 2015 para 3,8 milhões, face aos resultados obtidos5. No Brasil, em contrapartida, a população do país deverá crescer até 2047, passando dos atuais 210 milhões de pessoas para 233,2 milhões. Nos anos seguintes, essa projeção tende a cair gradualmente, atingindo a casa de 4 A Organização das Nações Unidas (ONU) considera que em países desenvolvidos, tal como Portugal, a faixa etária que classifica o sujeito como idoso se inicia a partir dos 65 anos. 5 Os dados apresentados consideram as hipóteses de evolução central da fecundidade, da mortalidade e das migrações, considerado pelo INE como “cenário central”. 31 228,3 milhões de pessoas em 2060 (IBGE, 2018a). Contudo, à espelho do que vem ocorrendo nos países desenvolvidos, em especial Portugal, a tendência do envelhecimento populacional também há alguns anos já começa a determinar novos padrões demográficos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018a), em 2060, um quarto da população (25,5%; cerca de 58,2 milhões) deverá ter mais de 65 anos, e o índice de envelhecimento passará dos atuais 13 para 32 brasileiros acima de 60 anos, por cada 100 jovens, até 20606. Com base nesse cenário, o Ministério da Saúde (2016) declara que o Brasil possui a quinta maior população idosa do mundo e, ao que tudo indica, irá detê-la até 2030, quando o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. Considerando o cenário global, esse fenômeno está associado ao declínio das taxas de fecundidade7 e mortalidade associada ao aumento de expectativa de vida da população promovido pela melhoria da qualidade de vida nas últimas décadas (National Institute on Aging – NIA, 2007; OMS/WHO, 2015). De acordo com o relatório Global Burden of Disease 2017 (GBD) (IHME, 2017), realizado pelo Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, a queda na taxa de fecundidade global registrada nas últimas décadas8 irá continuar a progredir. A ONU (2019) corrobora com tal estimava indicando que a taxa de fecundidade irá passar da média atual de 2,5 nascimentos por mulher, para 2,2 em 2050 e 1,9 em 2100. À imagem do cenário global, Portugal e Brasil há anos vêm apresentando declínio na taxa de fecundidade bem como alteração no padrão etário feminino de fecundidade. No caso de Portugal, o INE (2019a) apresenta que houve uma ligeira recuperação do índice sintético9 de fecundidade em relação a anos anteriores, atingindo 1,41 filhos por mulher em 2018, contra 1,37 em 2017, e 1,30 em 2015. Contudo, o país ainda apresenta um dos índices mais baixos do mundo, junto a Espanha e Itália (Eurostat, 2018). A gravidez passou a ser mais tardia entre as mulheres com o passar dos anos. Segundo a Base de Dados Portugal Contemporâneo (PORDATA, 2018), a partir da década de 1990 o percentil de mulheres em Portugal que engravidam entre 30 e 39 passou a aumentar, e, em contrapartida, o percentil entre as que engravidam entre 20 e 6 No Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS), à espelho da classificação etária determinada pela Organização das Nações Unidas (ONU), considera como idoso todo indivíduos com 60 anos ou mais. Esta classificação, apesar de estar associada ao processo biológico de declínio das capacidades físicas e fragilidades psicológicas e cognitivas, resulta de diversos outros aspectos que estão associados ao grau de desenvolvimento socioeconômico bem como das estratégias e ações de políticas públicas sociais e de saúde realizadas em um determinado país. Desta maneira, em países em desenvolvimento como o Brasil o marco cronológico do envelhecimento se dá aos 60 anos, enquanto nos países em desenvolvimento, ele se inicia com 65 anos. Contudo, ao longo dos últimos anos, o aumento da expetativa de vida do brasileiro em decorrência da melhoria das políticas de atenção a saúde e avanços na área da medicina, esta classificação etária vem sendo discutida, 7 Taxa de fecundidade corresponde ao número de filhos por mulher fértil. 8 O Global Burden of Disease 2017, ou o relatório Fardo Global das Doenças 2017 (GBD), realizado pelo Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME), da Universidade de Washington, nos Estados unidos, a partir da análise de mais de 38 bilhões de estimativas de 195 países, identificou substancial queda na taxa de fecundidade global. Os dados mostraram que entre 1950 e 2017 a taxa de fecundidade mundial caiu de 4,7 filhos por mulher para 2,4 filhos (GBD 2017 Population and Fertility Collaborators. Population and fertility by age and sex for 195 countries and territories, 1950– 2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. The Lancet. 8 Nov 2018;392:1995-2051). 9 Terminologia utilizada pelas instituições de estudo demográfico Portuguesa. O índice Sintético de fecundidade (ISF) corresponde ao número médio de crianças nascidas vivas por mulheres em idade fértil (dos 15 aos 49 anos de idade), admitindo que as mulheres estariam submetidas às taxas de fecundidade observadas em um determinado momento. O valor resulta da soma das taxas de fecundidades por idades, ano a ano ou grupos quinquenais, entre os 15 e os 49 anos, observadas em um determinado período (habitualmente um ano civil (INE, 2018). 32 29 começou a diminuir (Figura 03). Entre 1990 e 2018, a idade média das mulheres ao nascimento do primeiro filho aumentou de 27,1 anos para 32,1 anos, média acima da registrada na Europa (30,6 anos) (PORDATA, 2019; Eurostat, 2018). Figura 03. Taxa de fecundidade geral e taxas de fecundidade específicas por grupo etário (‰), Portugal, 2012 – 2017. Fonte: adaptado de Instituto Nacional de Estatística, INE, Portugal – Estatísticas demográficas 2017. No contexto demográfico brasileiro, a taxa de fecundidade total no Brasil passou de 2,39 filhos por mulher em 2000 para 1,77 em 2018, devendo cair para 1,66 em 2060 (IBGE, 2018c). O instituto explica que o envelhecimento do padrão da fecundidade é determinado pelo aumento na quantidade de mulheres que engravidam entre 30 e 39 anos e pela redução da participação de mulheres entre 15 e 24 anos na fecundidade em todas as grandes regiões do país nos últimos anos. A tendência de gravidez tardia pode ser observada também na alteração do padrão etário de fecundidade ao longo dos últimos anos. Segundo projeção do IBGE (2018c), em 2013 a idade média que as mulheres tinham filho foi de 26,9 anos, sendo que em 2018 a média registrou 27,7 anos, devendo atingir os 28,8 anos em 2060. Paralelamente, o relatório da Situação da População Mundial 2019, desenvolvido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, 2019), revela o aumento na expectativa de vida ao nascer dos indivíduos, e mostra que em um período de 50 anos, de 1969 a 2019, a estimativa da idade passou de 56 anos para 72 anos, 33 respectivamente. No caso das regiões mais desenvolvidas10, a expectativa média de vida passou de 71 anos para 80 anos, e nas regiões menos desenvolvidas11 de 53 para 71. Em Portugal, a esperança de vida à nascença foi estimada em 80,80 anos (77,78 anos para homens e 83,43 anos para as mulheres), o que indicou um aumento de 2,06 anos de vida para o total da população considerando a última década (INE, 2019a). Já no Brasil, a expectativa de vida ao nascer atingiu os 76 anos em 2017 (72,5 anos para homens e 79,6 anos para as mulheres) (IBGE, 2018a). Diante dessas projeções, ao longo dos últimos anos, globalmente, a realidade do idoso começa a ser cada vez mais discutida, trazendo preocupações, principalmente, quanto a ações e políticas públicas governamentais que possam atender de maneira eficaz e adequada essa crescente parcela da população. Somado a isso, tem-se a questão inquietante do papel do idoso na sociedade contemporânea, na qual deve-se buscar entender a complexidade e a heterogeneidade desse grupo de indivíduos, na ordem de reverter papeis e impressões anteriormente concebidas que se caracterizam por definições pejorativas que minimizam, ou anulam, a participação do idoso no contexto econômico, social e familiar. No viés do aumento da qualidade de vida do idoso e, consequentemente, da sua expectativa de vida, reconhece-se que em tal população são encontrados cada vez mais subgrupos que são formados por indivíduos idosos ativos, produtivos, independentes, autônomos e conscientes acerca de sua capacidade dinâmica na sociedade contemporânea. Contudo, assume-se que a idade traz vulnerabilidades que determinam demandas de serviço e produtos que possam vir ao encontro de suas necessidades, garantindo-lhes segurança e conforto mediante soluções que atenuem os efeitos da senescência e evitem visões discriminatórias em relação ao seu estágio de vida. 2.3 Sociedade e Envelhecimento O envelhecimento populacional há anos vem movimentando questões acerca das diretrizes a serem tomadas pela sociedade frente aos novos padrões demográficos e epidemiológicos. No viés da Saúde Pública, a OMS incorpora e destaca outras preocupações que englobam fatores psicológicos, cognitivos e comportamentais dos idosos (OMS, 2005). A década de 1980 marcou substancialmente o início das discussões sobre o envelhecimento que há alguns anos já começava a ser motivo de preocupações. No ano de 1978, a Nações Unidas (ONU), motivada pelas 10 No relatório as regiões mais desenvolvidas compreendem as regiões da Divisão da População das Nações Unidas da Europa, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia e Japão. 11 No relatório as regiões menos desenvolvidas compreendem todas as regiões da Divisão de População das Nações Unidas da África, Ásia (exceto Japão), América Latina e Caribe, além da Melanésia, Micronésia e Polinésia 34 projeções demográficas que alertavam sobre o aumento da população idosa no mundo nas décadas conseguintes, por meio de sua Assembleia Geral decidiu promover a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, que ocorreu em 1982, em Viena. Cumprindo seu principal objetivo, a assembleia resultou no lançamento do Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhecimento, o qual apresentava programas e ações a nível internacional que vislumbravam garantir aos idosos segurança social e econômica, bem como criar oportunidades para que eles pudessem contribuir para o crescimento de sua sociedade. Temas como saúde e nutrição, feminilização da população, emprego, aposentadoria, dependência financeira, proteção ao consumidor, moradia e meio ambiente, bem estar social, educação e família, foram assuntos fundamentais que foram debatidos e que, posteriormente, determinaram diretrizes e princípios gerais que tornaram-se referência para a criação de leis e políticas em diversos países (ONU, 1982). Sobre o Plano, Camarano e Pasinato (2004) argumentam que apesar do Plano colocar na agenda internacional as questões acerca do envelhecimento, tanto pela perspectiva individual como coletiva, ele se baseou no contexto dos idosos dos países desenvolvidos. Reforçam sua perspectiva ao explorarem que parte das recomendações visavam promover a independência dos idosos, dotando-os, de meios físicos ou financeiros para a sua autonomia. Contudo, alguns países em desenvolvimento passaram a incorporar em sua agenda política as questões do envelhecimento em graus diferenciados, principalmente após 1991, quando a ONU, novamente por meio da Assembleia Geral, adota o Princípio das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas, enumerando dezoito direitos das pessoas idosas em relação à independência, participação, cuidado, autorrealização e dignidade. Este documento serviu de base para a aprovação da Proclamação sobre o Envelhecimento, em 1992, que, posteriormente, estabeleceu o ano de 1999 como o Ano Internacional dos Idosos e definiu mais parâmetros sobre a questão do envelhecimento. No Brasil, ao ser instituída em 1988, a Constituição Federal formalizou disposições acerca da participação do idoso na sociedade. Apesar de já haver algumas ações acerca da seguridade social do idoso desde o período colonial (Camaro e Pasinato, 2004), pela primeira vez na história o idoso se fez personagem de um instrumento legislativo em termos de cidadão integrante da sociedade. Logo no primeiro capítulo (Art. 3), mesmo que de forma generalizada, a lei apresenta e defende o fundamento da dignidade da pessoa humana e prega como um dos objetivos fundamentais da República a promoção do bem-estar de todos, sem preconceito por parte da origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). Introduz o conceito de seguridade social e direito de cidadania, estabelecendo princípios básicos e universalização de direitos trabalhistas e acesso à saúde e a educação. A Lei faz referência às questões acerca do cuidado e apoio aos idosos, e determina que as responsabilidades acerca das demandas provenientes do envelhecimento populacional devem vir de três esferas: do Estado; da família; e da sociedade. Dentre suas normativas, tem-se que: 35 • Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou efemeridade (Título VII, Capítulo VII, Art. 229); • A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (Título VII, Capítulo VII, Art. 230); Compreende-se, dessa maneira, que a Constituição inaugurou um princípio de proteção ao idoso atribuindo ao Ministério Público o papel de “defensor” juntamente com a sociedade, o que sucumbiu ao debate a partir da década seguinte a sua instauração com a implementação da política neoliberal, a qual, na prática, veio a contramão de tais diretrizes. O modelo exógeno neoliberal absorvido pelo Brasil, principalmente após a década de 1990, sucumbiu junto à crise do capitalismo, trazendo consequências graves ao sistema político e econômico do país, tal como o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, a exclusão social e o aumento da pobreza (Prado, 2012). Somado a isso, o fenômeno do envelhecimento populacional revelou com mais ênfase o despreparo das diversas esferas sociais e políticas frente às novas demandas de seguridade social, cujo tripé se baseia em previdência social, saúde e assistência social. Na perspectiva de assegurar os direitos sociais do idoso, em 1994, o Plano Nacional do Idoso (PNI) (Lei no. 8.842; Decreto no. 1.948) é criado com a finalidade de promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Novamente reforça que a responsabilidade pela efetiva participação do idoso na comunidade é da sociedade, do Estado e da família, sendo a última o principal locus de atendimento ao idoso. Além disso, determina a criação de mecanismos para a divulgação de informações sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento e apoia os estudos e as pesquisas relacionados ao tema (BRASIL, 1994 – PNI; Alcântara, 2016). Contudo, o objetivo de criar condições para promover a longevidade com qualidade de vida atribuída ao Plano, sofreu várias críticas por sua ineficiência prática, tanto por parte do engajamento de determinados órgãos públicos como também família e sociedade (Cielo e Vaz, 2009; Ferreira e Teixeira, 2014). Cielo e Vaz (2009) atribuem a ineficiência da aplicabilidade da legislação às contradições dos próprios textos legais e o próprio desconhecimento do conteúdo. Argumentam que o amparo ao idoso necessita de ações conjuntas entre governo, sociedade e família, para que, sejam implementados projetos com supervisão dos órgãos competentes (tal como o de educação, saúde e assistência social) bem como para que a família esteja estruturalmente preparada para proporcionar uma melhor convivência entre os membros, assumindo o seu papel de tutoria jurídica e de amparo dos idosos. Em 2003, atrelado ao PNI, o Estatuto do idoso (Lei no.10.741) é sancionado pelo Congresso Nacional incorporando e apresentando, em uma ampla peça legal, além de muitas das leis e políticas já aprovada, novos elementos e enfoques que tratam de uma maneira holística e de longo prazo o estabelecimentos de medidas que visam proporcionar o bem-estar do idoso (Camaro, Pasinato, 2004). O Estatuto reforça o direito à cidadania e à dignidade ao idoso, priorizando-o em várias ações tanto da esfera pública quanto privada. 36 Considerando o contexto que foi criado, o Estatuto vai ao encontro às orientações do Plano de Ação para Envelhecimento de Madri, o qual, novamente sob conclamação da Nações Unidas e sua Assembleia Geral, discutiu e incorporou metas para o desenvolvimento de ambientes favoráveis a um envelhecimento ativo, defendendo a perspectiva de uma sociedade para todas as idades. A assembleia, ocorrida em 2002 na cidade de Madri, resultou em um novo Plano de Ação para o Envelhecimento em resposta ao gradativo aumento populacional dos idosos no mundo e, naturalmente, as profundas transformações nas esferas econômicas, social e política, e nos sistemas de valores e de arranjos familiares (Camaro, Pasinato, 2004). No mesmo ano, ao passo das ações da Assembleia Geral da ONU, a OMS lançou o Marco Político do Envelhecimento Ativo. Por meio da publicação Active Ageing: A Policy Framework12, a organização promoveu uma mudança de paradigma acerca das ações do envelhecimento, deixando de lado o foco restrito à prevenção de doenças e ao cuidado à saúde, em prol da defesa do Envelhecimento Ativo, definido como “o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (ILC-Brasil, 2015; OMS, 2015a, 2015b). A OMS argumenta que para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, os idosos devem ser amparados por oportunidades contínuas de saúde, participação e segurança e, portanto, adotou o termo “envelhecimento ativo” para expressar o processo de conquista. Explica que o termo deve estimular os indivíduos a perceberem seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida, bem como sua importância como indivíduo ativo da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades, ao mesmo tempo que tenham proteção, segurança e cuidados necessários. À exemplo dos outros instrumentos legislativos, defende a importância das ações dos governantes, familiares e sociedade em prol da autonomia e independência do indivíduo durante o processo do envelhecimento, e exalta a importância da interdependência e solidariedade entre as diferentes gerações. Em seu texto, discorre que: Manter a autonomia e independência durante o processo de envelhecimento é uma meta fundamental para indivíduos e governantes (...). Além disto, o envelhecimento ocorre dentro de um contexto que envolve outras pessoas – amigos, colegas de trabalho, vizinhos e membros da família. Esta é a razão pela qual interdependência e solidariedade entre gerações (uma via de mão- dupla, com indivíduos jovens e velhos, onde se dá e se recebe) são princípios relevantes para o envelhecimento ativo. A criança de ontem é o adulto de hoje e o avô ou avó de amanhã. A qualidade de vida que as pessoas terão quando avós depende não só dos riscos e oportunidades que experimentarem durante a vida, mas também da maneira como as gerações posteriores irão oferecer ajuda e apoio mútuos, quando necessário.2. Envelhecimento ativo: conceito e fundamento (OMS, 2015: 13). 12 Na tradução para o português foi denominada Envelhecimento Ativo: Uma Política de Saúde, sendo publicado em 2015 pela Organização Mundial da Saúde. 37 Apesar do legislado, mediante à crise econômica e política vivenciada no Brasil no decorrer das últimas décadas, o país se encontra longe de colocar efetivamente em prática boa parte das ações e estratégias estabelecidas. O cenário de instabilidade política, recesso econômico, desvio de dinheiro público, dentre outros fatores, prejudicam substancialmente a implementação dos planos, afetando, consequentemente, toda a estrutura social e familiar. Camaro e Pasinato (2004) argumentam que em um contexto de constante restrições fiscais, surge o conceito do determinismo demográfico onde uma parcela da população, cada vez menor, de indivíduos em idade ativa se vê paulatinamente mais sobrecarregada com a responsabilidade da manutenção da população idosa. Este processo pode ser somado ao afastamento do Estado de suas responsabilidades civis apregoadas na Carta Constitucional e nos demais instrumentos referentes aos planos de ações sobre o envelhecimento., já a partir da década de 1990 (Soares, Poltronieri, Costa, 2014). Faleiros (2016) argumenta que as políticas apregoadas fazem pressão sobre as forças sociais ao transferir a elas atividades de manutenção da vida saudável no envelhecimento, estratégia que pode contribuir para a redução dos gastos da seguridade social, melhorando a qualidade de vida no envelhecimento e, consequentemente, mantendo a força de trabalho ativa e contribuinte. Essa transferência, contudo, recai sobre a qualidade da atenção prestada ao idoso, dado que cada esfera acionada passa por situações diferenciadas no que diz respeito à capacidade técnica, financeira, preparo psicológico e assistencial à saúde, paradigmas culturais, níveis de escolaridade, entre outros. Conceder a família à prioridade no cuidado com o idoso, por exemplo, gera dúvidas acerca das melhores decisões a serem tomadas, uma vez que as consequências podem afetar negativamente o ambiente familiar e, por conseguinte, o bem-estar do idoso. Realidade esta que vem ao desencontro do apregoado pelas políticas nacionais que, em síntese, visa recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos idosos (Brasil, 2006 – Portaria no. 2.528). Arbex (2006) expõe que o cuidado domiciliar (e familiar) do idoso não deve ter como única finalidade a redução de custos e a transferência de responsabilidade do Estado para os familiares. A autora destaca que os cuidados com os idosos devem ter comprometimento funcional, o que demanda programas de orientação, informação e apoio de profissionais capacitados em saúde do idoso. No entanto, destaca que o suporte familiar não deve ser isolado do acompanhando comunitário dos indivíduos idosos junto aos Estabelecimentos de Saúde albergados pelo Sistema Único de Saúde. Sob tal prerrogativa, Arbex assume que o grande desafio para o sistema é conseguir traduzir os avanços no campo legal em mudança efetivas e resolutivas da prática da atenção à saúde. Tal contexto também é motivo de preocupações acerca da equidade na aplicação das políticas públicas em relação ao status socioeconômico dos indivíduos idosos, uma vez que o que se prega legalmente não está de fato sendo realizado. Berzins, Giacomin e Camarano (2016), ao analisarem as políticas nacionais de atenção ao idoso constatam que a cidadania simbólica preconizada nos instrumentos legais está muito distante da cidadania de direito e de fato. O que corrobora com Arbex (2006, apud Berzins, Giacomin e Camarano, 2016) que argumenta que: O que temos constatado é que a existência da PNI não eliminou a dimensão do exercício da cidadania, que depende da criação de condições favoráveis à manutenção de seu poder de decisão, escolha e deliberação. Acreditamos que estas condições, para serem efetivadas, demandam que a sociedade perceba que precisa mudar seu comportamento em relação ao envelhecimento. Neste sentido é preciso que seja garantido ao idoso o respeito aos direitos sociais, espaços de 38 participação política e inserção social (Arbex, 2006, p. 80, apud Berzins, Giacomin e Camarano, 2016). De modo geral, a complexidade do cenário se amplia à medida que esse segmento vem prolongando a vida. O que se observa é um processo no qual as políticas de proteção social devem, cada vez mais, ser sensíveis e compatíveis às diferentes demandas advindas com a heterogeneidade do segmento. Com os anos a mais, as condições de sobrevivência, autonomia, independência e bem-estar do idoso, naturalmente, vêm levantando questões que trazem discussões acerca das perspectivas reais dos idosos estarem inseridos na sociedade de uma maneira digna e respeitosa. No entanto, questiona-se o quão preparados e dispostos o poder público e os indivíduos de gerações mais novas estão frente ao novo papel do idoso dentro da família e da sociedade. 2.3.1 Mais que cronologia etária Ainda que a velhice esteja fortemente (e indiscutivelmente) atrelada à manutenção do funcionamento físico e mental, o envelhecimento bem sucedido engloba também outros aspectos complexos que devem ser levados em consideração, tais como: o contexto socioeconômico; estado emocional; interação social; atividade intelectual; valores culturais; estilo de vida; satisfação com o emprego e atividades diárias; e, naturalmente, o ambiente onde se vive Camaro e Pasinato (2004) explicam que o envelhecimento traz vulnerabilidades, perda de papéis sociais em decorrência da supressão da atividade econômica, novos papéis com novas responsabilidades (ser avós), agravamento de doenças crônicas e degenerativas, perdas de parentes e amigos, entre outros. Contudo, as autoras evidenciam que esse processo pode ser diferenciado por vários aspectos, sendo eles: gênero; grupo social; cor (raça); localização geográfica; e, da conjuntura das políticas públicas no local onde vivem. Além disso, expõem que as condições de vida dos indivíduos vão depender das capacidades básicas com que nasceram, das adquiridas e da inter-relação entre ambas com as facilidades e dificuldades criadas pelo meio ambiente, pela política pública, desenvolvimento econômico e pelas condições do envelhecimento populacional no local o qual está inserido. Esses fatores corroboram com a heterogeneidade do segmento, que apesar de definido por um corte etário, apresenta subgrupos que exibem características diferentes apesar do processo de envelhecimento. Whitbourne e Whitbourne (2011) defendem que há certa arbitrariedade no deferimento simplista de números aos estágios de vida de um indivíduo, especialmente ao do idoso, frente ao alongamento da vida vivenciado nas últimas décadas. Explicam que o significado social associado à idade cronológica supera à simplicidade da determinação etária, isso porque é comum pessoas da mesma idade apresentarem estados biológicos, físicos e emocionais substancialmente diferentes. No final dos anos 60, considerando os rumos educacionais e as alterações na composição populacional do idoso que já estavam sendo foco de interesse da comunidade médica, Busse (1969) sugeriu a distinção do envelhecimento em duas categorias: envelhecimento primário e secundário. O primeiro, estruturado sob a perspectiva das teorias de desenvolvimento genético, está associado às alterações irreversíveis do envelhecimento, isto é, ao declínio nas funções que são geneticamente controladas. O segundo, sob o viés de um padrão estocástico (ou eventos aleatórios), trata o envelhecimento como resultante de doenças e traumas adquiridos. Assim, se a 39 ocorrência de tais enfermidades puder ser evitada a vida pode se estender, contudo, em decorrência das manifestações do primeiro envelhecimento, o declínio biológico e a morte são inevitáveis (Busse, 2002). Em 1985, Birren e Cunningham, assumiram uma nova divisão: primeiro, segundo e terceiro envelhecimento. O primeiro envelhecimento corresponde ao envelhecimento normal (senescência) e atinge todos os seres humanos. Nele as mudanças biológicas, psicológicas, socioculturais e de curso de vida são inevitáveis e fazem parte do processo de desenvolvimento natural. O segundo envelhecimento envolve doenças, estilo de vida, e outros aspectos ambientais que induzem mudanças que não inevitáveis, tal como o declínio das habilidades intelectuais inerentes ao Alzheimer e outras patologias que envolvem demência. Por último, o terceiro envelhecimento, refere-se as rápidas perdas ocorridas um pouco antes da morte, quando o indivíduo começa a apresentar comorbidades cada vez mais sérias, e que, em grande parte, são agravadas em decorrência da associação entre elas (Cavanaugh e Blanchard-Fields, 2006). A tendência de subdivisões reflete a preocupação de que nem todos envelhecem da mesma maneira. Nesse processo, o envelhecimento passa a ser discutido sob o viés de diversas teorias, que negam a simplicidade da rigidez cronológica e passam a ter visões diferenciadas, que o tratam sob diferentes perspectivas. Em meados de 1990, Schroots retoma as teorias já desenvolvidas classificando-as em três períodos: Clássico (1940 – 1970); Moderno (1970 – 1990); e Novo Período (a partir de 1980). O autor sintetiza o desenvolvimento das teorias sob três pilares principais - o biológico, o psicológico e o social - e reforça a importância de reconhecer que existe uma variedade de diferenças individuais que influenciam a maneira e a intensidade do envelhecer em todos os três parâmetros. Sob tal perspectiva, Schroots (1996) exalta a importância dos avanços metodológicos desenvolvidos e utilizados na pesquisa envolvendo idosos e ressalta a relevância de integrar o pensamento teórico e a pesquisa empírica. Withbourne e Withbourne (2011) abordam que as subdivisões baseadas no perfil funcional do indivíduo idoso são reflexo de fortes críticas acerca das generalizações sobre as condições do idoso. Os autores comentam que indivíduos com 65 anos enfrentam problemas diferentes daqueles com 85 anos, além disso, alertam sobre o aumento dos centenários e dos supercentenários (indivíduos acima de 110 anos) na sociedade nos próximos anos, o que acarretará ainda mais discussões sobre o simplismo cronológico. Dessa maneira, explicam que as novas condutas, baseadas no tripé formado pela Idade Biológica, Idade Psicológica e Idade Social, são potencialmente mais esclarecedoras em relação as características e habilidades individuais. o que vem contribuindo na investigação sobre as tendências do envelhecimento dentro da sociedade. A idade biológica é baseada na qualidade do sistema corporal do indivíduo (Witbourne e Witbourne, 2011). É medida por meio de marcadores biológicos associados ao processo do envelhecimento, tal como as mudanças ocorridas no metabolismo, alterações estruturais e funcionais nos tecidos e nos órgãos, aumento da gordura e redução do tecido muscular, perda do mecanismo regulatório do corpo, entre outros processos que se caracterizam por déficits e perdas progressivas das funções básicas do corpo. A idade psicológica é determinada por meio da avaliação da inteligência, memória e capacidade de aprendizado (capacidade cognitiva) (Witbourne e Witbourne, 2011; Birren, 1959). Envolve a capacidade dos indivíduos de perceber determinado estímulo, processar a informação e agir (responder) (Murman, 2015). Considerar tais habilidades é crítico para avaliar a independência e autonomia funcional dos indivíduos idosos, inclusive determinando a necessidade do cuidado de terceiros quanto às atividades diárias, tais como administrar a medicação, efetuar pagamentos, dirigir, entre outros (Murman, 2015; Harada, Love, Triebel, 2013). De maneira 40 geral, a perda de cognição é inata ao envelhecimento, contudo, compreender que tipos de mudanças cognitivas fazem parte do envelhecimento natural e quais estão associadas à doenças neurológicas garantem um maior entendimento sobre os riscos assumidos com o prolongamento da vida, possibilitando que estratégias sejam tomadas de maneira a minimizá-los ou evita-los. Já a idade social é baseada em papéis assumidos frente a sociedade. Esta categoria considera o ambiente familiar, trabalho e participação na comunidade (Witbourne e Witbourne, 2011; Birren, 1959). De acordo com Lobo, Camára e Gracia-García (2016), apesar do envelhecimento ser indiscutivelmente relacionado às mudanças fisiológicas do corpo, a percepção acerca de sua ocorrência é influenciada por normas e expectativas que caracterizam a sociedade durante os diferentes períodos de vida do indivíduo. Sob tal argumento, os autores explicam que juntamente com os processos biológicos, os fatores sociais encontrados durante o envelhecimento podem ser nocivos, causando no idoso distúrbios psiquiátricos e emocionais. Desta maneira, evidenciam a importância da investigação interdisciplinar entre o campo sociológico e o processo do envelhecimento, uma vez que em conjunto, tais áreas do conhecimento podem compreender o universo social do idoso, buscando por soluções e estratégias que contribuem para sua inserção na sociedade contemporânea. 2.3.2 Imagens do envelhecimento na sociedade contemporânea Como visto, a longevidade vem estimulando o repensar acerca das definições dos estágios da vida e os desdobramentos inerentes ao contexto biopsicossocial, cultural e emocional do indivíduo que atinge idades mais avançadas, principalmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estes, paulatinamente, estão a se libertar de delimitações etárias rígidas, passando a dar novas significações a um período socialmente correlacionado à improdutividade e à menor valia. Estudos, mudança de carreira e busca por interesses antes negligenciados passaram a qualificar os anos “extras”, percebidos, cada vez mais, como tempo de oportunidade para conquistar novos conhecimentos (OMS, 2015b). Entretanto, os preceitos direcionados à visão de como perceber e avaliar o envelhecimento recaem sobre valores e normas culturais, bem como sobre ações políticas e econômicas que foram estruturadas a partir do conceito de menos valia do indivíduo idoso, construído ao longo da modernização das sociedades, em especial, as ocidentais. Camaro e Pasinato (2004) argumentam que a sociedade cria expectativas em relação aos papéis sociais dos indivíduos idosos generalizando-os sob o viés etário e ao pré-conceito de um status, negligenciando, assim, características particulares que determinam a heterogeneidade do grupo. Com base em tal princípio, discorrem a respeito da visão negativa da sociedade em relação ao idoso, que é vista como dependente, vulnerável e improdutiva, tanto do ponto de vista econômico quanto do da saúde e da autonomia. Shneider e Irigaray (2008) contextualizam que há séculos a velhice vem sendo associada às conjunturas negativas e, mesmo com os paradigmas de menos valia sendo recentemente revistos, ainda se vincula à ideia de deterioração do corpo e ausência de papeis sociais. Os autores argumentam que esta ideia acerca do envelhecimento está fortemente compenetrada nas sociedades ocidentais, enquanto nas orientais, o envelhecimento está associado a uma imagem mais positiva, na qual o indivíduo idoso é respeitado por sua sabedoria e experiência de vida. 41 Pontarolo e Oliveira (2008) colocam que a construção do significado depreciativo do envelhecimento foi reforçada a partir da instauração de sistemas de produção baseado na produtividade e no lucro, o qual contribuiu para a estrutura social das sociedades capitalistas e a mais valia do individuo em idade ativa. O idoso, então, sob a ótica social do trabalho, perde seu valor dentro da lógica capitalista, pois, como avaliava Karl Marx (1988), a característica fundamental do homem está no trabalho e é por ele que o homem se faz homem e constrói a sociedade e sua história. Somado a isso, tem-se a supervalorização do consumo, da jovialidade e de corpos ideais construídos sobre a ideia de produtividade e energia em sociedades cada vez mais voltadas para o consumismo, aparência e posse. Castro (2016) atribuí à indústria midiática e de entretenimento a pedagogia social de avaliar a velhice como obscena, digna de ser oculta. Responsabiliza tais veículos pela propagação de um ideal de velhice “turbinada” onde homens e mulheres devem investir no corpo como capital, quesito dado como indispensável para a autoestima e qualidade de vida. Retomando Shneider e Irigaray (2008, p. 587), os conceitos sobre o envelhecer resultam de construções sociais e temporais feitas no seio de uma sociedade com valores e princípios próprios, “que são atravessados por questões multifacetadas, multidirecionadas e contraditórias”. Ainda declaram que: Na época contemporânea, florescer do século XXI, ao mesmo tempo em que a sociedade potencializa a longevidade, ela nega aos velhos o seu valor e sua importância social. Vive-se em uma sociedade de consumo na qual apenas o novo pode ser valorizado, caso contrário, não existe produção e acumulação de capital. Nesta dura realidade, o velho passa a ser ultrapassado, descartado, ou já está fora de moda (...) O status reduzido das pessoas idosas é também devido à ênfase contemporânea na juventude, beleza, autonomia, independência e na habilidade de ser produtivo ou reprodutivo. Assim, ‘ser velho’ assume uma conotação negativa, remetendo à perda de atributos tão valorizados pelo meio social e, simultaneamente, pelo próprio idoso. (Shneider e Irigaray, 2008, p.587). Alguns estudos associaram os níveis socioeconômicos mais altos a uma atitude menos positiva sobre o envelhecimento, sendo os modos de produção advindos com a modernização da sociedade um dos maiores causadores da desvalorização do conhecimento baseado no tempo de vida e na experiência e da própria estrutura familiar, dado a perda do papel na hierarquia doméstica (Arnhoff, Leon, Lorge, 1964; Cowgill, 1972; Fiske, 2017). Frente tal marginalização, o isolamento social se torna um padrão de comportamento que pode ser correlacionado a sensação de proteção e fuga vivenciada pelos indivíduos idosos. Taylor et al. (2018) apontam que no decorrer do envelhecimento a composição e o tamanho do círculo social do indivíduo passa por alterações, tornando-se menor e mais íntimo em comparação aos adultos mais novos. Carstensen, Isaacowitz e Charles (1999), 42 com base na Teoria da seletividade socioemocional13, argumentam que, à medida que os anos passam, os indivíduos tendem a reavaliar suas relações sociais, substituindo as trocas sociais superficiais pelas que possuem maior conteúdo emocional, mesmo que isso signifique restringir o contato à poucas pessoas. Reiter et al. (2017) identificaram que os idosos tendem a manter uma resposta empática intacta bem como compaixão aprimorada durante a velhice, propriedade que está associada a um funcionamento “sócio-afetivo” preservado ou mesmo elevado. Essas descobertas, de acordo com os autores, estão alinhadas com a Teoria da seletividade socioemocional, uma vez que sugere que os idosos se tornam cada mais seletivos ao se concentrar mais no conteúdo socioemocional ao invés de objetivos orientados para si próprio. Kotter-Gruhn e Hess (2012) expõe dois tipos de percepções que o indivíduo pode fazer em relação ao envelhecimento: Idade Subjetiva e Satisfação do Envelhecimento14. A primeira forma de percepção é um construto multidimensional que avalia fatores tais como idade sentida, idade percebida ou idade desejada. Comentam que é a prerrogativa dos jovens desejarem serem mais velhos e os mais velhos desejarem serem mais novos. A segunda percepção está associada à avaliação subjetiva do próprio processo do envelhecimento. Nesse caso, Kotter-Gruhn e Hess (2012) explicam que na avaliação subjetiva dos idosos sobre a própria vida, os atributos negativos ainda superam os positivos, afirmação que vai à contramão de outros estudos que apontam que os indivíduos idosos se apresentam satisfeitos com o envelhecimento, principalmente quando possuem boa estrutura social e suporte na saúde (Medeiros, Brito, 2006; Joia, Ruiz, 2013; Glidden, et al. 2019). Borden (2009) argumenta que a estereotipagem do idoso corrobora com os fatores discriminatórios praticados pelo ageísmo, uma forma de exclusão social devido a idade avançada do indivíduo. A ideia de desvalorização do idoso, praticada desde a infância, é levada pelos indivíduos por muitos anos, até que as manifestações físicas e cognitivas do envelhecimento começam a se manifestar, de forma substancial, em si próprio, levando-o a repensar certos conceitos. O autor, analisando publicações acerca do ageísmo e ambiente social, sustenta que a concepção de nulidade em relação ao envelhecimento pode mudar mediante a alteração do significado associativo entre os conceitos de idade avançada e fim da vida. Para tanto, recomenda o contato de indivíduos mais novos, inclusive adultos, com os mais velhos, como uma estratégia de empatia na qual a vida do idoso passa a ser compartilhada, contribuindo para a familiaridade e empatia com o período. Burnes et al. (2019) também manifestam preocupação em relação a influência prejudicial do ageismo sobre a saúde e o bem-estar do idoso, e corroboram com Borden (2009) ao concluírem que a educação e o contato entre as gerações são essenciais para mudar a concepção dos indivíduos mais novos em relação ao idoso. 13 A teoria da seletividade sócio-emocional ensina que a percepção do tempo tem papel fundamental na seleção e na busca de objetivos sociais. Formulada por Laura Carstensen no início da década de 1990, explica a tendência ao isolamento social do idoso como reflexo da redistribuição da redistribuição ativa de recursos sócioe-mocionais por parte dos idosos, as quais ocorrem em virtude de mudanças em relação ao tempo futuro. CARSTENSEN, L. L. (1991), Socioemotional selectivity theory: Social activity in lifespan context. Annual Review of Gerontology and Geriatrics, 11, 195- 217. 14 Os autores utilizam dos termos Subjective Age e Aging Satisfaction. Tradução da autora. 43 A percepção dos indivíduos idosos em relação a aproximação de amigos e familiares durante um período associado à desvalorização contribui para que seu sentimento de pertencimento e significação seja reforçado, isso porque as sensações emotivas positivas experimentadas durante as interações sociais são benéficas para o funcionamento cognitivo do indivíduo bem como para sua autoestima e, consequentemente, qualidade de vida (Charles e Carstensen, 2010) . Para Blazer (2008), o ambiente social determina a avaliação do indivíduo sobre seu estado de saúde e bem-estar, sendo os sentimentos uma das conexões entre o comportamento psicológico e o corpo. Bunt et al. (2017), utilizando o termo fragilidade social, discorrem que considerando a gradativa necessidade dos idosos de apoio social e familiar, sobretudo mediante às medidas políticas de transferência de responsabilidade devido às estratégias públicas de redução no financiamento de assistência e apoio ao idoso, intervenções destinadas a prevenir ou retardar o isolamento do idoso se tornam relevantes para cada indivíduo. Os autores analisam que as intervenções devem possibilitar que o idoso faça a autogestão de seus relacionamentos, sejam eles a nível individual (como a mantida com os cuidadores, por exemplo), seja a nível coletivo (como a capacidade de manter amigos ou iniciar novas amizades). Sabe-se, no entanto, considerando uma visão generalista, que na sociedade, em destaque a ocidental, o despreparo da população mais jovem e adulta ainda é uma realidade. A falta de conhecimento extrapola às informações acerca dos cuidados da saúde, atingindo relevantemente à esfera social que abriga as questões do inter- relacionamento pessoal. Trata-se da possibilidade de encontros dialógicos entre contextos de vida diferentes que podem reforçar o valor individual de cada um, em especial do idoso, uma vez que este se encontra mais sensível às alterações cognitivas e comportamentais restritivas inerentes ao envelhecimento. Com o envelhecimento demográfico, é certo que o contato com idosos será, cada vez mais, uma realidade na vida dos indivíduos. Os dados das estimativas demográficas comprovam. Kuchemann (2012), ao analisar os padrões de cuidado ao idoso na esfera privada e individual da família, defende que os idosos não devem ser neutralizados, principalmente porque o seu bem-estar e o exercício de sua cidadania guardam estreita relação com a sociedade em que vivem. Steverink e Lindenberg (2006) corroboram ao articularem que idosos que permanecem ativos socialmente ou que possuem papéis sociais diversificados possuem índices mais altos de bem-estar físico e psicológico e, portanto, também defendem ações que garantam melhores práticas sociais entre os idosos. 2.3.3 O Idoso: novos papeis sociais A caracterização por estereótipos envolve um processo de avaliação subjetiva de representação de indivíduos com características semelhantes, principalmente no que tange aos aspectos físicos e cognitivos percebidos com mais rapidez. No caso do idosos: cabelo branco, marcas de expressão, lentidão, entre outros. Esse processo tende a generalizar os grupos, implicando em uma avaliação homogênea, negligenciando fatores individuais que substancialmente atuam sobre as condições de bem-estar bem como a apresentação social dos indivíduos. 44 Pereira (2002) associa a interpretação dos estereótipos aos aspectos culturais de uma sociedade. Argumenta que, sendo o mundo ordenado por códigos que são passados a cada nova geração, a visão estereotipada é carregada por avaliações generalista acerca de um determinado padrão de conhecimento, o qual, por vezes, implica em conceituações discriminatórias e preconceituosas que são alimentadas por fatores sociais, efetivos e cognitivos que são observados em um determinado segmento de indivíduos. Palmore (1999), ao final da década de noventa, descreve nove atributos negativos que são atribuídos ao estereótipo do idoso, sendo eles: doença, impotência ou desinteresse sexual, feiura, declínio mental, doença mental, inutilidade, isolamento, pobreza e depressão. Por outro lado, descreve outros oito atributos positivos: gentileza, sabedoria, confiabilidade, afluência, poder político, liberdade, juventude prolongada e felicidade. No que tange às qualidades negativas, as atribuições de Palmore (1999) não fogem à visão de incapacidade, fragilidade e impotência do indivíduo idoso apregoada no Estatuto do Idoso brasileiro, relação essa que também é discutida por Justo e Rozendo (2010). Tal posicionamento cria subsídio para a construção de representações negativas sobre a velhice e negligência à heterogeneidade do grupo ao generalizar os idosos sob os mesmos aspectos patológicos e sociais que alimentam estereótipos depreciativos. No século XVII, a definição de “velho”, ao aparecer pioneiramente no dicionário francês Richelet (1679)15, já vem acompanhada de um sentido negativo e estereotipado, registrando, inclusive, diferenças entre a velhice masculina e feminina. A primeira associada aos atributos morais e a segunda aos elementos corpóreos (Richelet, 1679)16. Bourdelais (1993 citado por Silva, 2006)16 afirma que a partir do século XVIII começa uma construção de imagem mais positiva sobre velhice, associada à simpatia e a sabedoria que induz respeito e legitimação da autoridade. No século XX, mais especificamente no início da década de 1960, Simone Beauvoir (1990) incitou o pensamento social ao discorrer sobre a conduta negativa de marginalização do idoso, principalmente as adotadas pelos indivíduos adultos. A autora depôs sobre o construto social de repúdio atribuído à pessoa mais velha, o qual conduziu a sociedade a uma cegueira apática que impugna qualquer sentimento de reciprocidade. Dizendo romper com a conspiração do silêncio, alegou que a sociedade de consumo é criminosa e culpada pelo ostracismo, fato este que contribuiu, inclusive, para a negação do indivíduo mais novo em relação ao próprio envelhecimento. Em suas palavras, denuncia esse exílio contra ao idoso, evidenciando que: Todo mundo sabe: a condição das pessoas idosas é hoje escandalosa. Antes de examiná-la em detalhe é preciso tentar entender por que a sociedade se acomoda tão facilmente a essa situação. De maneira geral, ela fecha os olhos para os abusos, os escândalos e os dramas que não abalam seu equilíbrio; não se preocupa mais com a sorte das crianças abandonadas, dos jovens delinquentes, dos deficientes, do que com a dos velhos. Nesse último caso, entretanto, sua indiferença parece, a priori, mais surpreendente; cada membro da coletividade deveria saber 15 Ambas as citações se encontram no trabalho de Silva (2006). Para efeito de informação, as bibliografias correspondem às seguintes: BOURDELAIS, P. (1993). L’Âge de la Vieillesse. Paris: Éditions Odile Jacob; RICHELET, L. Dictionnaire François, 1679. 45 que seu futuro está em questão; e quase todos têm relações individuais e estreitas com certos velhos. (Beauvoir, 1990, 265p.) No contexto geral, há de se considerar que desnaturalizar papeis socialmente construídos em relação ao idoso requer a ruptura com associações negativas construídas no decorrer da história das sociedades, as quais foram carregadas durante muitas gerações e ainda se fazem presente na contemporaneidade. Há relevância da questão, como já visto, tem adquirido cada vez mais espaço, contudo, a multidimensionalidade da problemática acarreta sua vulnerabilidade, principalmente em sociedades onde a desigualdade social, as mudanças no âmbito familiar e os novos padrões de socialização e pertencimento social ferem ainda mais a condição de bem-estar do idoso. Tratam- se de atitudes negativas provocadas pelo individualismo e pela intolerância frente a diferenças físicas, psicológicas e culturais, isto é, um comportamento nocivo programado pelo etnocentrismo histórico de rejeição dos diferentes que é reforçado ainda mais pelos valores do capitalismo que incentivam competições, enaltecem o descartável, menosprezam as relações humanas e mercantilizam as relações sociais (Miranda, 2011). Pode-se considerar que as ações e movimentos socioculturais ainda se apresentam superficiais, caracterizando-se como medidas paliativas que tentam amenizar os efeitos da segregação e exclusão pela idade, ou, ainda, idade e gênero. Haja visto os temas e tabus que ainda condicionam a realidade do idoso à ideia de resguardo e padrões comportamentais que ditam o que “não é para sua idade”, bem como a importância de se dar novos títulos aos indivíduos idosos, em uma espécie de manobra para amenizar os aspectos negativos atribuídos ao período anterior ao da finitude da vida. Correa (2007), por exemplo, argumenta que a associação da velhice à morte vem sendo alterada à medida que o arsenal médico e científico evolui. Em outras palavras, diz que a relação do homem com a finitude passa por diversos intermediários que cada vez mais distanciam o indivíduo da sua condição de ser finito. A autora expõe que esse processo tem por base um novo construto social sobre a velhice que vem sendo construído desde o final do século passado. A face da velhice, na atualidade, apresenta, enquanto construção social, aspectos muito diferentes em relação àquela que se exibia no início do século XX. Até mesmo a nomenclatura para essa fase da vida modificou-se com o aparecimento de outras designações. Terceira idade, melhor idade, feliz idade, maturidade, segunda juventude...: novas materialidades, novos sujeitos e novos procedimentos para referir-se à velhice, assim como alusões a novas possibilidades de vivê- la (Correa, 2009: 28). Laslett (1987) expõe que a utilização da expressão Terceira Idade surgiu na década de 1970 na França, em decorrência da criação das primeiras “universites du Troisieme Age” (universidades da Terceira Idade), e foi rapidamente incorporado ao vocabulário anglo-saxão no decorrer da década seguinte, quando também começaram a surgir na Inglaterra, em especial, em Cambridge. O exposto pelo autor revela uma conotação mais positiva da expressão, associando-o a termos como liberdade e realização individual. Além disso, comenta sobre o processo de conscientização dos mais jovens quanto a possibilidade de se viver mais anos no período posterior ao que chama de Segunda Idade, salientando, inclusive, a eventualidade de uma Quarta Idade. 46 Machado (2005) avalia que as elaborações simbólicas e práticas que envolvem a ideia das novas expressões vinculadas ao envelhecimento são um reflexo da resistência à visão marginalizada, à solidão e aos estigmas do envelhecimento, mas pondera ao dizer que se trata de uma forja baseada no enaltecimento de uma velhice bem- sucedida. Em suas palavras, “estudos que revisam criticamente essa ‘ideologia da terceira idade’, indicam-na como busca exteriorizada de superação dos riscos “naturais”, numa escolha de competência individual para adequação a modernos padrões de sociabilidade, de controle do corpo e do envelhecimento” (2005, p. 151). Côrte (2018) defende que a utilização de novos termos são vestimentas aceitas em vão para se cobrir os efeitos do período e promover um comportamento mais “jovem” de redescobrimento do prazer de viver. Para efeitos ilustrativos, a autora discorre sobre todos os termos atualmente empregados, sendo alguns deles: maturidade, maior idade, futuridade, envelhescência e gerontelescência. Em suas palavras: “Enfim, a busca de terminologias é uma tentativa de se encontrar outros horizontes, que não apontem a incapacidade e a doença como sendo os únicos destinos da velhice, conforme os discursos existentes, especialmente os geriátricos, nos empurram goela abaixo” (Cortê, 2018: 15). Retomando Correa (2007), a autora argumenta que não foram apenas as palavras os resultados dessas mudanças de perspectiva, mas também os signos óticos e as imagens visuais. Em suas palavras: Ao olharmos fotografias antigas com idosos, identificamos alguns signos típicos da velhice de épocas passadas: senhores com ternos, chapéus e bengalas, e senhoras com vestidos mais recatados e cabelos penteados. Se antes a valorização do homem velho era calcada no signo do recato, do comedimento, da sobriedade, da sabedoria, da experiência de vida, hoje ela também passa pela possibilidade de ser uma fase de realizações, de atividade, de atualização, de acompanhamento das inovações e modismos, como se pode observar na iconografia expressa, por exemplo, nas novelas e anúncios comerciais dirigidos para esse segmento. Certamente, essa velhice modificou-se, ou pelo menos abriu-se um leque maior de modos de ser e de viver essa fase da vida (Correa, 2007: 28, 29). Afirmar que se trata de uma tendência de efeito rápido sobre um possível novo construto social do idoso pode ser arriscado, dado que os estereótipos negativos da velhice dificilmente serão descontruídos, ainda mais quando emerge no discurso dominante das sociedades como um “problema social”. Afinal, tomando-se por base o estudo do desenvolvimento humano, observa-se uma forte tendência a promoção de pesquisas centrada sobre as perdas, as alterações biológicas, as patologias cognitivas e psicológicas, entre outros temas que aproximam o período a um significado cada vez mais forte de finitude da vida, anunciado por período de fragilidade e enfermidades (Quaresma, 2006; Cortê, 2018). Não que tais pesquisas não sejm de absoluta relevância para a compreensão dos efeitos complexos do envelhecimento sobre o indivíduo, mas pesquisas de cunho sociológicos e de historicidade que aprofundem os conhecimentos sobre as interpretações possíveis sobre o período, remetendo-o à algo natural é próprio da vida, pode contribuir para que estigmas negativos sejam reavaliados (Cortê, 2018). Para Silva (2006), atribuir identidades prontas às pessoas que a sociedade moderna categorizadas como “velhas” é violentar a sua inserção social, negligenciando trajetórias de ressignificações individuais. Por outro lado, 47 pode-se observar que os termos, apesar de se tratar de ‘eufemizações’, parecem descontruir o medo e o constrangimento associado à palavra velho ou velhice. Há de se observar que, no contexto social, qua