UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DE MARÍLIA PROGRAMA NACIONAL DE MESTRADO PROFISSIONAL DE SOCIOLOGIA ALCIR JOSÉ GONÇALVES SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PROPOSTA HISTÓRICO-CRÍTICA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO ENSINO MÉDIO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE SANTANA DE PARNAÍBA/SP MARÍLIA – SP 2023 ALCIR JOSÉ GONÇALVES SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PROPOSTA HISTÓRICO-CRÍTICA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO ENSINO MÉDIO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE SANTANA DE PARNAÍBA/SP Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília, para obtenção do título de Mestre em Sociologia. Linha de pesquisa: Educação, escola e sociedade. Orientador: Prof. Dr. Marcelo Augusto Totti. MARÍLIA – SP 2023 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Gonçalves, Alcir José G635s Sociologia e educação ambiental : proposta histórico-crítica de sequência didática no ensino médio em uma escola pública de Santana de Parnaíba/SP / Alcir José Gonçalves. -- Marília, 2023 143 p. : tabs., fotos Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: Marcelo Augusto Totti 1. Educação ambiental. 2. Sociologia. 3. Pedagogia histórico-crítica. I. Título. ALCIR JOSÉ GONÇALVES SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PROPOSTA HISTÓRICO-CRÍTICA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA NO ENSINO MÉDIO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE SANTANA DE PARNAÍBA/SP Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO) da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Sociologia. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Orientador Prof. Dr. Marcelo Augusto Totti Departamento de Sociologia e Antropologia / Unesp, Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília ____________________________________________ Prof. Dr. Paulo Cesar Oliveira Diniz Unidade Acadêmica de Ciências Sociais, Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido / Universidade Federal de Campina Grande ____________________________________________ Prof. Dr. Fábio Fernandes Villela Educação / Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP – Campus de São José do Rio Preto Marília (SP), 30 de março de 2023 Dedico este trabalho à memória de minha mãe Marlene e meu pai Ivo, apesar de estarem ausentes fisicamente, continuam vivos em minha memória. Vocês foram meus primeiros professores, meus primeiros exemplos de amor, respeito e educação. AGRADECIMENTOS À minha esposa, Vanessa, que me apoiou e encorajou durante todo o período de estudo. Seus incentivos e palavras de motivação foram fundamentais para que eu pudesse superar os desafios que surgiram. Minha profunda gratidão ao meu orientador, Professor Marcelo, por ter contribuído para meu crescimento profissional e pessoal. À amiga Vanda Lúcia Neago, minha gratidão pela ajuda valiosa e inestimável. Aos professores titulares e suplentes da banca examinadora deste trabalho, pela disponibilidade em contribuir para a realização dessa pesquisa. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Por fim, agradeço aos meus professores e professoras do Mestrado em Sociologia em Rede Nacional (PROFSOCIO) do campus de Marília, pelas aulas maravilhosas. Mais uma vez, expresso meu sincero agradecimento a todos que fizeram parte desta jornada. RESUMO O presente trabalho parte da necessidade de analisar as relações entre meio ambiente, sociedade e educação no ensino médio. O objetivo central do projeto está na elaboração de uma proposta de sequência didática ancorada no materialismo histórico, com metodologia direcionada para a pedagogia Histórico-Crítica. A partir da relação dialética da escola e dos estudantes com a realidade social concreta, busca-se incentivar a desnaturalização das aparências e a compreensão consciente do real. Essas escolhas não são aleatórias, mas baseiam-se na observação pedagógica do pátio da escola e da efervescente dinâmica do cotidiano estudantil, permeado pelo atual estágio de produção capitalista, que visa transformar o homem e a natureza em mercadorias. O objetivo não é apenas entender os problemas expostos, mas considerar a educação escolar como mecanismo concreto de mudanças, a fim de promover os primeiros atributos de uma educação socioambiental crítica. Dentro desta perspectiva, o trabalho procura estabelecer um diálogo entre a Sociologia e a temática socioambiental, utilizando referenciais teóricos marxistas como Karel Kosik, John Bellamy Foster, Michel Löwy, Demerval Saviani, Luiz Marques, entre outros. A pretensão é que essa investigação contribua para a ampliação dos debates sócio-ambientais, adentrando nas premissas do que é ensinar e aprender sociologia a partir de um diálogo com a Educação Socioambiental. Palavras-chave: Educação Ambiental; Sociologia; Pedagogia Histórico-crítica. ABSTRACT This study arises from the need to analyze the relationships between environment, society, and education in high school. The main objective of the project is the development of a didactic sequence proposal anchored in historical materialism, with a methodology directed towards Historical-Critical pedagogy. For the investigation and approach of the problems, we will start from the dialectical relationship of the school and the students with concrete social reality, thus encouraging the denaturalization of appearances and conscious understanding of the real. These choices are not random, as they stem from the pedagogical observation of the schoolyard and the effervescent dynamics of student daily life, permeated by the current stage of capitalist production, which aims to transform man and nature into commodities. It is not just about understanding the exposed problems, but rather considering school education as a concrete mechanism for change, in order to promote the first attributes of a critical socio- environmental education. Within this perspective, this study seeks to establish a dialogue between Sociology and socio-environmental issues from Marxist theoretical references such as Karel Kosik, John Bellamy Foster, Michel Löwy, Demerval Saviani, Luiz Marques, among others. The intention is that this investigation contributes to the expansion of socio-environmental debates, entering into the premises of teaching and learning sociology through a dialogue with socio-environmental education. Keywords: Environmental Education; Sociology; Historical-Critical Pedagogy. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Recortes históricos ................................................................................................. 42 Quadro 2: Mudanças paradigmáticas propostas...................................................................... 69 Quadro 3: Diferenças entre as macrotendências ..................................................................... 75 Quadro 4: Catarse da aula ..................................................................................................... 112 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Localização do Colégio Municipal .......................................................................... 89 Figura 2: Fachada do Colégio Municipal ................................................................................ 89 Figura 3: Material apostilado .................................................................................................. 92 Figura 4: Esquema ................................................................................................................. 102 Figura 5: Área de risco socioambiental ................................................................................. 104 Figura 6: Notícia.................................................................................................................... 109 Figura 7: Anúncio.................................................................................................................. 110 Figura 8: Anúncio publicitário .............................................................................................. 110 Figura 9: Anúncio publicitário .............................................................................................. 111 Figura 10: Moradia em risco ................................................................................................. 118 Figura 11: Córrego ................................................................................................................ 118 Figura 12: Estudantes trabalhando em grupos ....................................................................... 132 Figura 13: Estudantes reunidos na biblioteca ........................................................................ 135 Figura 14: Estragos causados pela força da chuva ................................................................ 137 Figura 15: Aterro sanitário do bairro Refúgio dos Bandeirantes .......................................... 137 Figura 16: Rio Tietê vista da janela da casa de um dos estudantes ....................................... 138 Figura 17: Casa do Bairro Suru ............................................................................................. 138 Figura 18: Estrada Tenente Marques .................................................................................... 139 Figura 19: Ponto de alagamento ............................................................................................ 139 Figura 20: Estudantes na sala de informática ........................................................................ 140 Figura 21: Estudantes realizando uma pesquisa utilizando o Google Street View ............... 140 Figura 22: Estudantes durante a apresentação da peça "Compro, logo existo" .................... 141 Figura 23: Debate realizado com os estudantes do colégio municipal ................................. 142 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 2. A (IN) DISCUTÍVEL RELAÇÃO ENTRE HOMEM E MEIO AMBIENTE.............. 17 2.1 O que é meio ambiente? ..................................................................................................... 19 2.2 O drama da industrialização ............................................................................................... 22 2.3 Interação metabólica ........................................................................................................... 24 3 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O ENCONTRO COM A SOCIOLOGIA ........................................................................................................................ 34 3.1 Um pouco da história e dos cenários .................................................................................. 41 3.2 Os primeiros passos da Educação Ambiental no Brasil ..................................................... 54 3.3 O surgimento da Sociologia Ambiental.............................................................................. 67 3.4 Problematizando e classificando as práticas educacionais em Educação Ambiental ......... 70 3.5 A contribuição da Sociologia para a Educação Ambiental ................................................ 76 4. DESENVOLVENDO UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA ................................................. 79 4.1 Os princípios metodológicos da intervenção pedagógica................................................... 82 4.2 Sobre o lócus e a intervenção pedagógica .......................................................................... 89 4.2.1 Plano de aula: Depois de mim, o dilúvio! ....................................................................... 94 4.2.2 Plano de aula: Progresso tecnológico-industrial e a questão socioambiental .................. 98 4.2.3 Plano de aula: Qual a relação entre desigualdade social e meio ambiente? .................. 103 4.2.4 Plano de aula: O capitalismo é tech, o capitalismo é pop .............................................. 107 4.2.5 Plano de aula: A luta indígena pela demarcação de terras. ........................................... 112 4.2.6 Plano de aula: Praticando a cidadania. .......................................................................... 117 4.3.7 Trabalho final – Compro, logo existo. ........................................................................... 120 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 122 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 125 ANEXOS................................................................................................................................ 131 11 1 INTRODUÇÃO A compreensão da necessidade de incorporar a Sociologia nas questões ambientais é decorrente da conscientização de que muitos temas tratados atualmente na educação formal, tais como poluição, mudanças climáticas, escassez de recursos naturais, práticas de uso da terra, desastres ambientais, conservação, entre outros, precisam ser examinados no contexto histórico, político e econômico. Embora isso pareça lógico, há desafios em sua aplicação prática e pedagógica. Assim sendo, de onde partimos? Partimos de três conceitos importantes e interdependentes sob o olhar sociológico: sociedade, meio-ambiente e educação, tomando emprestado a perspectiva do materialismo histórico-dialético de Marx (2013). Embora nem sempre declarado dentro do modelo de produção econômica atual, entende-se que, quanto maior for o crescimento econômico, maior será o padrão de vida dos indivíduos e de seus sucessores. A consideração a ser feita é, “[...] acreditamos estar na entrada do céu, mas podemos estar nas portas do inferno”. (LEIS, 2002, p. 23). E dando ênfase no elemento pedagógico e nas análises dos impactos socioambientais causados pela modernidade e pelo desenvolvimento do capitalismo, torna-se necessário uma revisão de autores e estudos em Sociologia Ambiental e que, convenientemente, no interior desses debates, debruçar sobre as premissas da pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 1999), propondo uma educação atuante no seio de uma sociedade dividida por classes desiguais e sob um modelo de produção onde tudo tende a ser transformado em mercadoria. A questão norteadora é: Como podemos trazer as questões discutidas na Educação Ambiental para dentro das aulas de Sociologia? Nesse cenário, acreditamos que a disciplina de Sociologia traz consigo um grande desafio; a necessidade de se dedicar com maior atenção à temática ambiental, uma vez que os problemas ambientais que presenciamos têm em partes raízes em processos sociais. (LENZI, 2019). Diante disto, o trabalho tem por objetivos: I) Mobilizar conhecimentos sociológicos e recursos das Ciências Humanas e Sociais propondo ações de mediação e intervenção sobre situações-problema de natureza socioambiental, estruturando uma intervenção pedagógica pela ótica da pedagogia histórico- crítica. (SAVIANI, 1999). II) Promover a reflexão crítica sobre a relação entre o sistema econômico, o desenvolvimento tecnológico/científico e as questões de desordem ambiental, e como se relacionam às desigualdades sociais. 12 III) Compreender o momento atual de crises socioambientais, e formular hipóteses sobre possíveis ações locais e/ou regionais (contrariando ações políticas-pedagógicas conservacionistas e pragmáticas). IV) Elaborar uma sequência didática, voltada à promoção da reflexão crítica sobre a forma como o sistema econômico e o desenvolvimento tecnológico e científico se relacionam com as questões de desordem ambiental, e essa por sua vez, se relaciona às desigualdades sociais; De modo a reforçar os objetivos gerais e específicos, as competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), reiteradas pelo Currículo Paulista explicitam os fundamentos pedagógicos em todas as etapas do ensino da Educação Básica. Destacamos a seguinte competência: 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. (BNCC, [s.d], p. 09, grifo nosso). Embora contemplado o uso do termo “consciência socioambiental”, colocamos em discussão que as temáticas e abordagens são pouco desenvolvidas pela disciplina de Sociologia no ensino médio paulista. É oportuno e bastante adequado para a atual conjuntura da Educação Básica problematizar a Educação Socioambiental sob o viés da Sociologia e principalmente, colocar a educação num arranjo contrário ao padrão de desenvolvimento econômico vigente no sistema capitalista selvagem. (JUNIOR; PELICIONI, 2005). O encontro da Sociologia com as questões ambientais parte de uma crítica à pouca ênfase dada ao mundo natural em detrimento do mundo social. A aceitação de que as questões ambientais são geralmente vistas como objetos de estudo exclusivo do pensamento biológico, está ligada à divisão do trabalho estabelecida durante o século XX. (LENZI, 2019). Sobre isso, temos ainda a divisão do currículo escolar para o Ensino Médio em áreas do conhecimento - ciências da natureza, ciências exatas, linguagens e ciências humanas e sociais - culminando numa interpretação dualista: ora naturalista e a ora culturalista da sociedade. Há que salientar que, a Sociologia integra as ciências humanas e sociais, e de início, parte significativa de suas bases epistemológicas foram extraídas do pensamento biológico (ciências naturais). Segundo Mattedi (2015), ao longo dos duzentos anos representamos o meio ambiente como um organismo vivo, ou uma entidade exterior ao homem em função das trocas materiais. Reconhecemos que esta interpretação sobreviveu, em contrapartida, nossa intenção 13 é incorporar novos contornos dialéticos-materialistas às problemáticas ambientais sob a ótica do ensino de Sociologia, considerando que a sociedade não pode ser pensada sem o meio ambiente e o meio ambiente não pode ser pensado sem a sociedade. O interesse pelas questões ambientais repousa na aceitação de variáveis diversas sobre “meio ambiente” - vão desde o ambiente humanamente construído (artificial), até mundo “natural”. Ao considerarmos as possibilidades do enfoque crítico oferecido pela disciplina de Sociologia, o trabalho de pesquisa e a sequência didática se diferem de uma abordagem biológica em virtude do reconhecimento de dois aspectos fundamentais: I) As dinâmicas sociais acabam interferindo no meio ambiente - as práticas indústrias de produção e consumo implicam num panorama de transformações indesejáveis na sociedade. O viés sociológico considera que o meio ambiente é resultado da ação coletiva e histórica de mudanças socioambientais realizadas pelo próprio homem. Dito de outro modo, se a enchente de um rio no período de chuvas ocorre em uma floresta, isto é apenas um fenômeno natural do meio ambiente. Por outro lado, se a enchente ocorre em ambiente urbano, este fenômeno não pode ser considerado natural, mas socialmente provocado - acarretando diversas consequências e perdas materiais e imateriais. O outro ponto importante da abordagem sociológica é. II) As intervenções humanas no meio ambiente não são percebidas do mesmo modo por grupos sociais, por movimentos sociais, por comunidades, por professores, por estudantes etc. (embora os efeitos e causas estejam entrelaçadas). Os valores e o contexto socioeconômico influenciam na percepção e na velocidade de reação frente a certos problemas ambientais, podemos considerar que os meios de comunicação de massa têm função importante nesse aspecto, uma vez que a visibilidade dada a determinado assunto passa pelo filtro do mercado publicitário, pelo filtro das políticas públicas e pela cadeia de eventos históricos. Ao mesmo tempo, tal empreitada não é tarefa fácil, devido a inúmeros obstáculos, por exemplo, o leque bastante diversificado de fenômenos na relação entre homens e meio ambiente e por vezes, na contramão de narrativas ambientais "românticas" que durante as aulas nos deparamos. De qualquer forma, essa realidade diversa nos coloca questões importantes para o ensino de Sociologia: quais linhas de pensamento dariam resultados mais promissores para o entendimento da problemática ambiental moderna? Como investigá-los sem cair no determinismo do pensamento biológico? (HERCULANO, 2000; LENZI, 2019). Nestas duas questões, a educação interdisciplinar torna-se mais urgente. O que implica a ideia de uma responsabilidade intelectual (FERNANDES, 2022), e no ensino específico da disciplina de Sociologia, de uma inspiração advinda da imaginação sociológica (MILLS, 1975). Posto que, a educação ainda “adestra” a sociedade para ignorar as consequências 14 socioambientais dos seus atos políticos. Logo, os estudantes e os professores não podem estar alheios a esta dimensão. Nesse viés, a educação ambiental, deverá percorrer de modo transversal os conhecimentos das Ciências Sociais. Reigota (2009), considera que a Educação Ambiental pode estar presente em todas as disciplinas, sem deixar de lado suas especificidades, especificamente na disciplina de Sociologia, já que é impossível negligenciar o reforço dessa área do conhecimento. E apresentadas as questões acima, é importante reforçar que o Brasil dispõe de um amplo leque de normas e legislações que tratam do assunto em questão, por exemplo: PNEA – Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999, Programa Nacional de EA - ProNEA, Carta da Terra - Rio-92, Parâmetros Curriculares Nacionais, Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, mecanismos legais que afirmam à temática um rótulo transversal e indissociável enquanto política de educação pública (LOUREIRO, 2005). Outra perspectiva válida é de que a percepção sobre a degradação ambiental não é democrática, ou seja, os problemas ambientais não são percebidos da mesma forma por ricos e pobres. O modelo atual de desenvolvimento econômico e a sociedade urbano-industrial impactam fortemente na distribuição da riqueza e na desigualdade social, uma vez que as áreas mais afetadas pelas ações antrópicas negativas são aquelas com menor renda per capita. Fundamentada em tal perspectiva crítica, as percepções ambientais dos grupos ricos e pobres se situam numa incompreensão da totalidade, e se estabelecem por um fio condutor decorrente de um processo educacional em certa dose negligente. E que, por conseguinte, acaba por reproduzir um processo de transformação da natureza focado na satisfação das necessidades, em que prevalece o lucro a qualquer preço. Daí que consideremos a importância da proposta do trabalho pelo viés da Pedagogia Histórico-Crítica, voltado para uma práxis1 que favoreça o sentido de coletividade e cidadania, com destaque na relação dialética da escola com seu entorno. No que tange às orientações metodológicas, no decorrer da sequência didática, algumas provocações são apresentadas aos estudantes. Elas estimulam os estudantes para a tomada de consciência da realidade, a priori é importante o professor deixar que os jovens se manifestem e que tragam consigo suas vivências. Ou seja, o ponto de partida será o conhecimento do já conhecido e vivido pelos estudantes da unidade escolar. É honesto considerar que, a adoção desta metodologia de ensino como ponto de partida diferencia-se bastante de uma metodologia de pesquisa, uma vez que o ponto de partida da pesquisa é o desconhecido. 1 Interpretada como “ação, reflexão, ação”, isto é, à ação humana de transformar a realidade. A unidade dialética entre teoria e prática, através da tomada de consciência da nossa condição. 15 Nesse caso, acreditamos num fim metodológico para a sequência didática ancorado na Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 1999), com base numa abordagem inspirada nos cinco passos; Prática Social Inicial – Problematização – Instrumentalização - Catarse - Prática Social Final, que se complementam, e, portanto, não se apresentam de forma independente na sequência didática, mas sim, num processo contínuo e cíclico. Há de salientar que, este trabalho se vale de pesquisa bibliográfica que objetiva dar suporte teórico para as abordagens socioambientais aqui discutidas. Tais abordagens, situam- se muitas vezes em perspectivas opostas, sobretudo porque não existe uma, mas uma infinidade de perspectivas (LENZI, 2019). Desta forma a pesquisa bibliográfica é de extremo valor, mas, está longe de pretender esgotar todas as perspectivas socioambientais. Convém considerarmos rapidamente a sequência didática e seu locus; o trabalho está organizado em 7 horas-aula, totalizando um tempo de aproximadamente um bimestre letivo, uma vez que os estudantes têm apenas 1 (uma) aula de Sociologia semanal. Optou-se pela aplicação da sequência didática em uma turma do 2°ano do ensino médio, da Escola Municipal Tenente General Gaspar de Godoi Colaço, localizada no município de Santana de Parnaíba, Estado de São Paulo. A turma é composta por 31 estudantes na faixa etária de 15 a 17 anos. Para a elaboração das atividades, buscou-se uma abordagem da problemática sobre os impactos da interferência humana no entorno da escola, cidade e região, e as vivências dos estudantes com a degradação ambiental. Diante disso, foi necessário uma articulação entre – prática-teoria-prática -, entre o vivido e o pensado, para que houvesse sentido entre as ideias- chave. (DAYRREL, 2007; MOURA, 2010). As vivências, produções e atividades desenvolvidas pelos estudantes foram anotadas ao final de cada plano de aula para que esses materiais pudessem ser considerados evidências. Sob o prisma da observação docente que a escola municipal em questão, identificamos perfis socioeconômicos múltiplos, o que até certo ponto é compreensível, porque a escola é uma amostra local da sociedade brasileira. Porém, quando comparamos os estudantes, observamos que as variáveis e as diferenças são maiores, assim, reconhecemos que a condição sócio-histórico-cultural precisa ser considerada, pois revela especificidades que, ao serem transportadas para uma sala de aula, produziram debates e reflexões importantes para a proposta do trabalho. Portanto, de modo introdutório e numa perspectiva pedagógica-científica, não podemos ignorar as bases materiais e históricas. Portanto, esse é o ponto de partida do trabalho, e como guia na tarefa, organizamos os capítulos da seguinte maneira: Primeiro capítulo, constitui-se na apresentação das linhas gerais deste trabalho e em justificativas por meio de alguns apontamentos sociológicos. As profundas transformações 16 trazidas pela sociedade industrial ao longo dos séculos XIX e XX, e que, para muitos, a correspondência entre ciência, tecnologia, produção industrial e organização social representaria um avanço rumo à abundância, à liberdade e ao desenvolvimento sustentável. Segundo capítulo, apresentaremos alguns processos e eventos históricos que culminaram em debates sobre Política de Educação Ambiental no mundo e no Brasil. Posteriormente, algumas considerações sobre o processo de incorporação da problemática ambiental na Sociologia, e as correntes político-pedagógicas deste processo. Terceiro capítulo, versa sobre a necessidade de um planejamento bem elaborado de propostas de transposição didática e sequências didáticas concretas para serem desenvolvidas no ensino médio. Para a estruturação da sequência didática utilizou-se a pedagogia Histórico- crítica (SAVIANI, 1999). A pesquisa-ação esteve presente na medida em que os planos de aula eram aplicados. Assim, como resultado, visa-se não esgotar uma lista de conteúdo específicos, mas convidar os estudantes e professores a pensarem sobre a necessidade de uma cidadania socioambiental, tendo em vista ultrapassar a ação individual e o senso comum. 17 2. A (IN) DISCUTÍVEL RELAÇÃO ENTRE HOMEM E MEIO AMBIENTE. De modo preliminar, consideremos que o estudo do meio ambiente como objeto de análise sociológica tem sido cada vez mais evidente, devido à constatação de que os problemas e fenômenos ambientais estão intrinsecamente ligados às relações sociais. Contudo, apenas há algumas décadas surgiu a necessidade da sociologia e dos sociólogos dialogarem e dedicarem- se às questões relativas ao meio ambiente. Logo, a crescente complexidade dos problemas socioambientais tem levado à implementação de um campo específico de estudos. Na Sociologia, essa área tem se tornado um campo de estudo de problematização conhecido como Sociologia Ambiental. Os debates em torno da mercantilização, das dinâmicas de produção, das novas e recentes relações de trabalho, o incentivo desenfreado ao consumismo, entre outros temas, exige que façamos conexões entre o que está posto e a realidade vista pelos olhos dos estudantes e professores. Certamente, as conexões são muitas, com os atuais eventos de “revolta da natureza”, com as infinidades de conceitos e partir de várias definições possíveis. Acreditamos que o meio ambiente é um tema central na Sociologia, abrangendo as conexões e relações entre as sociedades e seu entorno natural, ou seja, é composto por elementos da natureza (terra, água, ar e a vida selvagem), bem como por elementos humanos, como as infraestruturas, as instituições, as políticas públicas, os sistemas econômicos, os padrões culturais, e assim por diante. O ser humano, especialidade zoológica da sociologia, é singular em todo mundo animal, tanto quanto o é sua capacidade de criar uma cultura e comunicação simbólica [...]. Mas o ser humano também é uma espécie entre muitas, e é uma parte integral da biosfera. (BUTTEL, 1992, p. 70). Embora os três fundadores da sociologia clássica, Durkheim, Marx e Weber, incluíssem implicitamente o meio ambiente natural em suas obras, isso não era refletido nas traduções, devido a sua ênfase exclusivamente nas explicações de ordem social. Desse modo, pode-se dizer “[...] que a força dos sistemas de pensamento dos teóricos clássicos residia no fato de os seus trabalhos refletirem as potentes ondas de simplificação biológicas típicas da época” . (BUTTEL, 1992, p. 72). Seria equivocado afirmar que os teóricos clássicos ignoraram os aspectos ambientais. Marx, por exemplo, não desconsiderou inteiramente a validade do meio ambiente natural na teoria sociológica. Para Foster (2011) e Saito (2021), Marx nutria grande respeito por Charles Darwin e considerou dedicar-lhe “Das Kapital”. No entanto, ele rejeitou a analogia de que todos os componentes do organismo social têm funções equivalentes ou fundamentalmente significativas para a sobrevivência e evolução da sociedade. 18 Marx (apud SAITO, 2021, p. 320) “[...] mostra que o valor como mediador do metabolismo transitório entre homem e natureza não pode gerar as condições materiais para a produção sustentável”. O que sugere que a lógica capitalista de produção pode resultar em impactos ambientais negativos. Desde “Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira”, Marx (2017) utiliza o exemplo dos lenhadores e da coleta da lenha para ilustrar como o valor de uso é apenas um meio subordinado ao valor de troca, à rentabilidade e ao Estado (isso demonstra o porquê da venda de produtos e mercadorias sem nenhuma utilidade na nossa sociedade). Evidenciando o problema da mercantilização da natureza. Em outras palavras, em nossa sociedade, as coisas sofrem um empuxo à mercantilização e a reprodução repetida, o que termina gerando uma pressão sobre os recursos naturais. Naturalmente algumas interferências são bem-vindas, por exemplo, nas linhas de raciocínio de John Bellamy Foster, com sua visão sistemática sobre as transformações sociais e a natureza, reveladas numa espécie de “falha metabólica”. Em destaque, a obra "A ecologia de Marx: materialismo e natureza”, o autor expõe a constituição do materialismo prático e histórico em resposta a um antigo materialismo abstrato e estático. Não houve nenhum lugar na análise de Marx em que o domínio da natureza exterior tenha sido simplesmente ignorado. Porém, ao desenvolver o materialismo histórico, ele tendeu a mencionar a natureza apenas no limite em que ela era incorporada à história humana, pois era cada vez mais difícil encontrar uma natureza intocada [...]. (FOSTER, 2011, p. 164). Nesta parte em particular, a força da análise marxista é definida pela qualidade de interação – através da produção - entre homem e natureza, ou como dito anteriormente, “interação metabólica”. Portanto, a análise que segue é construída numa ontologia materialista ou concreta da realidade. No tocante aos aspectos da crise socioambiental, Löwy (2014), estimula e concebe que há uma saída razoável a essa falta de interação metabólica entre homem e natureza, desde que o povo tenha uma consciência socialista e ecológica. Em sua obra “O que é o ecossocialismo?”, coloca em xeque a representação positiva de modernidade e progresso. O socialismo e a ecologia partilham, portanto, dos valores sociais qualitativos, irredutíveis ao mercado. Partilham, igualmente, de uma revolta contra A Grande Transformação, contra a autonomização reificada da economia em relação às sociedades, e de um desejo de re-inserir a economia num meio ambiente social e natural [...]. (LÖWY, 2014, p. 65). A generalização da produção ecológica sob condições socialistas pode fornecer a base para a superação das crises atuais e para a desconstrução dessa “economia de mercado limpa” e a superação do “capitalismo verde” – do ponto de vista do autor, o problema dessas propostas 19 ecológicas é que elas ignoram as conexões necessárias entre a produção e capital, o que leva à ilusão de um capitalismo limpo. Logo, apenas ter conhecimento sobre os desastres ambientais é insuficiente, é preciso conceber relações causais entre os fenômenos. Ficando patente a importância e a necessidade de uma proposta pedagógica crítica, atuante e historicizada. Em defesa de tal raciocínio, Mészáros (2008)2, esclarece em sua obra "A educação para além do capital" que, em sociedades capitalistas avançadas, muito se fala em uma "agenda do respeito" e apelo às consciências individuais. Segundo o autor, isso seria uma ilusão, pois a retórica dominante exclui a possibilidade de mudar as determinações estruturais da ordem social estabelecida que produzem e reproduzem os efeitos e consequências destrutivas3. De modo complementar Foster (2011), destaca o seguinte: O marxismo tem uma enorme vantagem potencial para lidar com todas estas questões precisamente por repousar sobre uma teoria da sociedade que é materialista não só por enfatizar as prévias condições material-produtivas da sociedade, e como elas serviram para delimitar a liberdade e as possibilidades humanas [...]. (FOSTER, 2011, p. 36). Em resumo, há uma dialética, uma contradição entre diferentes dinâmicas de interesses e a contribuição marxista para o entendimento da temática socioambiental revela que as propostas do “capitalismo verde” (tecnologias limpas) seriam mais um engodo do ponto de vista prático. De qualquer modo, ao analisar o contexto histórico, a tradição clássica da sociologia pode ser interpretada como um passo à frente na recusa das noções simplistas das relações entre homem e meio ambiente e na construção de quadros comparativos que permitam uma análise mais significativa dessa dualidade (BUTTEL, 1992). Por isso, consideramos que compreender completamente o desenvolvimento histórico e o futuro das sociedades humanas é difícil sem considerar o meio ambiente e as condições materiais da existência humana. Mas afinal, o que é meio ambiente por uma perspectiva sociológica? 2.1 O que é meio ambiente? É fundamental estabelecermos uma compreensão do conceito de meio ambiente, tendo em vista sua presença constante em diversas esferas sociais, como os meios de comunicação de massa, discursos políticos, materiais didáticos etc. Buscar uma definição deste termo é crucial 2 MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2° ed. São Paulo: Boitempo, 2008. 3 Ibidem., p. 93. 20 para a compreensão da sua relevância e importância. Contudo, as definições podem ser as mais variadas, dependendo das nossas referências de consulta. As primeiras formulações que se encontram relacionadas ao meio ambiente surgiram no período compreendido entre os anos de 1970 e 1980, sendo a seguinte: É um sistema de relações onde a existência e a conservação de uma espécie são subordinados aos equilíbrios entre processos destrutores e regeneradores e seu meio – [...] é o conjunto de dados fixos e de equilíbrios de forças concorrentes que condicionam a vida de um grupo biológico. (PIERRE JORGE apud REIGOTA, 2009, p. 34). De acordo com o Dicionário Aurélio4, a expressão é composta por tudo o que faz parte da natureza, incluindo as condições ambientais, físicas, químicas e biológicas. Usado para descrever algo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas por todos os lados – no caso do “meio ambiente”. Em outras palavras, é o conjunto de elementos naturais e antrópicos, que compõem o lugar e interagem entre si. Segundo o que está previsto no Art. 3°, inciso I, da Lei n° 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA): “I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Apesar de que a definição não conter a relação com a questão social e cultural. Para Meadows (1978), é um conjunto de alterações da biosfera suscetíveis de influenciar as condições de sobrevivência humana em relação interdependente com as outras espécies vivas. E antes de prosseguirmos, cabe mais uma referência: [...] o meio ambiente é um espaço comum, e sobretudo um espaço público, onde habitamos com os outros. Por isso exige de nós outro tipo de conduta, e outra lógica para a ação, diferente da lógica da privacidade e da intimidade. (CARVALHO, 1992, p. 38). Num processo pedagógico, é crucial analisar que as concepções de meio ambiente são amplas e muitas vezes divergentes. Conforme aponta Reigota (2009, p. 35), “[...] será que há diferença nas definições de meio ambiente dadas por pessoas de grupos culturais e étnicos vivendo por exemplo em Hiroshima ou no interior da floresta Amazônica?”. Provavelmente, os estudantes do Ensino Médio devem ter suas próprias definições, e cujas certezas estão influenciadas por suas condições socioeconômicas. Do ponto de vista histórico, ainda devemos considerar que as atividades produtivas únicas do ser humano, assumiram formatos de desenvolvimento variados - dependendo dos 4 Foi consultado o Dicionário Aurélio Online - uma versão eletrônica do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, que é considerado um dos mais completos e atualizados dicionários da língua portuguesa. Disponível em: www.dicio.com.br/meio-ambiente/. Acessado em: 25 jan. 2023. http://www.dicio.com.br/meio-ambiente/ 21 estágios econômicos ao longo de cada período. Ou seja, a forma como as atividades produtivas, vista como alienante na atualidade afeta a relação dos indivíduos com seu meio ambiente é diferente da observada em períodos anteriores ao capitalismo (SAITO, 2021). Essa mediação permitiu um intercâmbio consciente e intencional com o mundo externo, possibilitando às sociedades em diferentes tempos e contextos econômicos transformar de modo “livre” o meio ambiente. De ponta a ponta, o intercâmbio entre sociedade e meio ambiente inicia-se pela busca da sobrevivência, e termina no desenvolvimento do conhecimento simbólico (LEONTIEV, 1978). Na pré-história, o homem5 desenvolveu a linguagem como meio de comunicação e posteriormente, inventou a escrita, resultado da relação histórica e dialética com a natureza e da sua atividade prática. O indivíduo é colocado diante de uma imensidade de riquezas acumuladas ao longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens, os únicos seres, no nosso planeta, que são criadores. As gerações humanas morrem e sucedem- se, mas aquilo que criaram passa às gerações seguintes que multiplicam e aperfeiçoam pelo trabalho [...]. (LEONTIEV, 1978, p. 285). Como investigação sociológica, podemos ainda definir meio ambiente por uma linha de inspiração hermenêutica, pressupondo que toda a realidade conhecida sobre o meio ambiente parte de uma dimensão simbólica. A “[...] realidade humana só se faz conhecer na trama da cultura, malha simbólica responsável pela especificidade do existir dos homens, tanto individual quanto coletivamente”. (SEVERINO, 2007, p. 115). E, na dimensão cultural, o meio ambiente ocupa um lugar de destaque ao longo da história. Todavia, os humanos têm, também, necessidades relacionadas à sua subsistência. Nesse sentido, exercem atividades que implicam relações com a natureza, agindo sobre ela de maneira deliberada e consciente, transformando- a. Esse processo contribui para que o indivíduo se produza como ser social. (BRASIL, 2018, p. 565). Na Idade Média, o meio ambiente natural era visto como sagrado e os homens proibidos de interferir em seu curso. No decorrer dos séculos XV a XVII, as atividades humanas tornam- se predominantemente extrativistas, agrícolas, manuais e baseadas em manufaturas pela prática da experimentação do processo: ensaio-erro (REIGOTA, 2009). A “[...] terra é ainda reconhecida aqui como uma existência natural independente do homem, e não como capital, isto é, como um momento do próprio trabalho.” (MARX, 2017, p. 227). E apesar de tentativas 5 O substantivo “homem” é entendido aqui como um ser social, criador de cultura e história, cuja definição biológica da espécie Homo sapiens. 22 de desvinculação entre humanos e meio ambiente natural, as atividades humanas ainda seguem os ritmos impostos pelo curso natural, queremos ou não. 2.2 O drama da industrialização A sociedade contemporânea, que iniciou no século XVIII, foi caracterizada por avanços importantes, além do surgimento da filosofia iluminista. Como resultado, tivemos a primeira Revolução Industrial – tendo grande impacto na produção e no uso dos recursos naturais. Para Williams (2015, p. 308): [...] a Revolução Industrial dramatizou os efeitos da intervenção humana no mundo natural de uma maneira que – embora inicialmente seus efeitos fossem um tanto dispersos, um tanto limitados – estava destinada a despertar a atenção de todo observador sério. (WILLIAMS, 2015, p. 308). Representando um momento crucial, marcado pela mecanização dos processos de fabricação, pela produção em larga escala, pelo crescente domínio do capital sobre o meio ambiente, e gerando problemas como a exploração laboral e a alienação daí decorrente. De acordo com Lenzi (2019), da Revolução Industrial para cá, existem duas considerações a serem feitas em relação à nova realidade: a) a primeira está em considerar que as ações individuais darão resultados positivos ou negativos em nível coletivo. b) a segunda está na tendência de acreditar no crescimento econômico infinito, num planeta com recursos naturais finitos. Portanto, a cena é a seguinte: de um lado temos os defensores do crescimento econômico, e do outro lado, os detratores do crescimento econômico. Enquanto a ideia de crescimento econômico sintetiza um projeto de civilização e domínio do meio ambiente natural, representado pelos centros urbanos e pelas indústrias. Os críticos dessa nova realidade, são acusados de serem contra o progresso, de estarem olhando para o passado e fazerem conotações esquizofrênicas e alarmistas (HERCULANO, 2000). Essas considerações são importantes para compreender os desafios e os impactos que a primeira Revolução Industrial provocou na relação homem e meio ambiente. No entanto, durante a pesquisa bibliográfica e as leituras do presente trabalho, as supostas discordâncias entre as partes A e B sobre os impactos da Revolução Industrial no meio ambiente não são o real ponto de discussão. Mas sim, sob quais condições a relação entre homem e meio ambiente pode ser benigna ou perigosa? Quem deve definir a gravidade e responsabilidade num quadro em que todos parecem estar envolvidos em riscos? Como as vítimas serão compensadas? Que métodos a humanidade possui para resolver os problemas de ordem socioambiental? Obviamente que as respostas são pouco conhecidas, uma vez que, cada perspectiva da realidade, de tempo-espaço de cada pessoa dependem de sua experiência vivida, 23 de sua cultura e da imagem imediata dos problemas que enfrenta em nível local (MEADOWS, 1978). Entretanto: É certo que os riscos não são uma invenção moderna. Quem - como Colombo - saiu em busca de novas terras e continentes por descobrir assumiu riscos. Estes eram, porém, riscos pessoais, e não situações de ameaça global, como as que surgem para toda a humanidade com a fissão nuclear ou com o acúmulo de lixo nuclear. (BECK, 2011, p. 25). Dentro do arcabouço da Sociologia, trata-se de uma explosão de perguntas, e consideramos que tal complexidade se torna uma característica e uma qualidade da disciplina. Nesse contexto, é importante destacar que a relação entre homem e meio ambiente não é algo que ocorre de forma isolada, mas sim em um contexto social, político e econômico mais amplo. As transformações que ocorreram na sociedade durante a Revolução Industrial foram acompanhadas por mudanças nas relações sociais e políticas, bem como na forma como o conhecimento e a tecnologia foram produzidos e disseminados. Uma das principais questões que surgem nesse contexto é a da distribuição dos custos e benefícios associados ao desenvolvimento econômico. Enquanto os defensores do crescimento econômico argumentam que esse desenvolvimento traz benefícios para toda a sociedade, os críticos apontam que esses benefícios são frequentemente distribuídos de forma desigual, com alguns grupos sociais se beneficiando mais do que outros. Além disso, os custos ambientais muitas vezes recaem sobre comunidades mais pobres e vulneráveis, que têm menos recursos para se proteger e se adaptar aos impactos ambientais. Essa discussão também está ligada à questão da responsabilidade e da capacidade de resposta diante dos problemas ambientais. Como aponta Beck (2011), as ameaças ambientais globais representam um desafio para as estruturas políticas e jurídicas existentes, que muitas vezes não são capazes de lidar com esses problemas de forma efetiva. Nesse sentido, é importante pensar em novas formas de governança ambiental que possam envolver diferentes atores sociais e que sejam capazes de promover uma gestão mais sustentável dos recursos naturais. Em resumo, a relação entre homem e meio ambiente é complexa e multifacetada, envolvendo questões sociais, políticas e econômicas mais amplas. Ainda existem muitas perguntas sem resposta sobre como podemos lidar com os desafios ambientais que enfrentamos atualmente, mas é importante continuar explorando essas questões e buscando soluções mais justas e sustentáveis para a gestão dos recursos naturais. A sociologia, com sua capacidade de analisar as relações sociais e as estruturas institucionais, pode desempenhar um papel fundamental nesse processo. 24 2.3 Interação metabólica O uso do conceito de “metabolismo” (Stoffwechsel) na relação homem-natureza constitui um elo vital entre exploração ecológica e capitalismo. De modo direto, Foster (2011), nos esclarece que: A partir da década de 1840, e até os dias de hoje, o conceito de metabolismo tem sido usado como uma categoria-chave na abordagem da teoria dos sistemas à interação dos organismos com o seu meio ambiente. Ele capta o complexo processo bioquímico da troca metabólica, através do qual um organismo (ou determinada célula) se serve dos materiais e da energia do seu meio ambiente e os converte por meio de várias reações metabólicas nas unidades constituintes do crescimento. (FOSTER, 2011, p. 226). O entendimento é que, o uso do termo “metabolismo” foi tomado pelos fisiologistas alemães na década 1840 para se referir às trocas materiais dentro dos organismos. O uso difundido do conceito de metabolismo nesse período, não pode ser atribuído a uma única pessoa, mas foi com Liebig6 o papel mais importante. “O termo recebeu uma aplicação um tanto mais amplo (e portanto mais corrente) ao ser usado por Liebig em 1842 na Animal chemistry [...]” (FOSTER, 2011, p. 224). O estudo aborda uma teoria do esgotamento do solo e o problema da perda de nutrientes por uma falência de nitrogênio, potássio e fósforo do solo. Assim, o uso de fertilizantes acabaria contribuindo para a poluição urbana. “Sob a influência de Liebig, o conceito de metabolismo logo foi além da nutrição individual de plantas, animais e humanos. Isto é, passou a ser usado para analisar as interações no interior de um ambiente determinado [...]”. (SAITO, 2021, p. 94). Segundo o mesmo autor, o famoso químico alemão investigou a relação recíproca de plantas, animais e humanos como interações químicas de substâncias orgânicas e inorgânicas. Diante desse novo conceito químico e fisiológico, não é surpreendente descobrir que Marx estava ciente dos debates científicos de sua época, dando a eles um papel central em seus estudos, usando-o para compreender a relação entre homens e natureza intercedida pelo trabalho. Na conceituação de metabolismo com a natureza, ou também processo de interação e troca material, assim diz Marx (2013, p. 255): A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeças e mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem 6 Segundo Saito (2021), o famoso químico agrícola alemão Justus von Liebig desempenha papel importante, conhecido como o pai da química orgânica; junto com Friedrich Wöhler. Liebig investigou a relação recíproca de plantas, animais e humanos como interações químicas de substâncias orgânicas e inorgânicas. 25 latentes e submete o jogo de suas forças ao seu próprio domínio. (MARX, 2013, p. 255). Foster (2011, p. 227, grifo do autor), reforça, “[...] além do mais, ao usar o conceito no Capital, Marx sempre se manteve próximo do argumento de Liebig, e geralmente o fez dentro de um contexto que incluía alusões diretas à obra de Liebig”. Encontramos no tópico “Grande indústria e agricultura” de O Capital, em Marx (2013), referências às falhas metabólicas e à própria teoria de Liebig. Com a predominância sempre crescente da população urbana, amontoada em grandes centros pela produção capitalista, esta, por um lado, acumula a força motriz histórica da sociedade e, por outro lado, desvirtua o metabolismo entre o homem e a terra, isto é, o retorno ao solo daqueles elementos que lhe são constitutivos e foram consumidos pelo homem sob forma de alimentos e vestimentas, retorno que é a eterna condição natural da fertilidade permanente do solo. Com isso, ela destrói tanto a saúde física dos trabalhadores urbanos como a vida espiritual dos trabalhadores rurais. (MARX, 2013, p. 379-380). O autor explica que o advento da industrialização provocou a aglomeração dos trabalhadores em grandes centros urbanos, apontando para a perturbação entre o equilíbrio natural da fertilidade do solo e do esgotamento dos próprios trabalhadores. Antecipando as bases para as teorias ecológicas na atualidade. Quanto à discussão, Saito (2021, p. 214) ressalta que: Devido à ruptura do ciclo natural dos nutrientes das plantas, o “aumento relativo do preço” dos produtos agrícolas torna-se cada vez mais provável porque a produção não pode se efetivar pela apropriação de “uma força natural gratuita, mas somente pelo exercício do trabalho humano (SAITO, 2021, p. 214). Nesse sentido, o conceito de “metabolismo” ou ele vale para “interação metabólica”, constitui a base que escora uma complexa teia de interações indispensáveis à vida. “Além do mais, o conceito de metabolismo é frequentemente empregado num contexto mais global para analisar a troca material entre cidade e campo [...]”. (FOSTER, 2011, p. 228). Em resumo, tudo aquilo que os seres humanos produzem é fruto do trabalho e precisa voltar para a natureza, de modo a nutrir e realimentar (mesmo que modificada), de maneira que o meio natural possa continuar tendo a capacidade de fornecer aquilo que a humanidade precisa - contrariando assim os liberais, que concebem a natureza como fonte gratuita e ilimitada de matérias-primas. Para Saito (2021, p. 85), “[...] a totalidade desses processos incessantes cria não um processo estático, mas um processo dinâmico e aberto da natureza”. Uma reflexão importante (embora não seja o objetivo primário do presente trabalho), qual seria o interesse de Marx pelas ciências naturais? Sabemos que parte das teorias sociológicas foram estabelecidas usando analogias extraídas das ciências naturais, e estamos 26 longe de esgotar tal questão. Uma pista a essa pergunta pode ser dada por Löwy (2018, p. 172, grifo do autor), em: Mensagem ecológica ao camarada Marx. “Em vários momentos de sua obra, sobretudo em O Capital, o senhor aparece como um autêntico precursor do eco- socialismo, insistindo que a conservação do ambiente natural é uma tarefa fundamental do socialismo [...]”. Ou ainda, o primeiro ensaio político-econômico, escrito em 1842 por Marx, “Debates acerca da lei do furto de madeira” - parte expressiva dos aprisionados na Prússia era de camponeses condenados por recolher madeira morta nas florestas. Os debates se referiam ao conflito entre os direitos dos donos da terra e o direito consuetudinário dos camponeses de recolher madeira de lenha para aquecer suas casas, cozinhar e construir utensílios para o trabalho. Os direitos dos camponeses pobres eram ignorados e vistos como “inimigos da madeira”. O que nos permite entender porque a interação metabólica tomada a partir de então se desenvolveu esgotando e assolando simultaneamente as fontes originais da natureza e do trabalhador (FOSTER, 2011). Junto com isso, uma tendência a fazer disto um dos principais vetores do “progresso”. Marx utiliza a teoria valor-trabalho para explicar a origem do valor de troca, no âmbito do sistema capitalista. A natureza por outro lado, participa da formação das verdadeiras riquezas, que não são valores de troca, mas valores de uso. (LÖWY, 2014, p. 24). Não é surpreendente que a noção de progresso linear se volte para dominar a natureza, provocando uma “falha” na relação metabólica, cooptando para si a alienação material do homem, por exemplo, “[...] esta questão da destruição das florestas é muitíssimo atual aqui no Brasil!”. (LÖWY, 2018, p. 170). Nos colocando assim diante de uma contradição, em situações como catástrofes naturais, (furacões, terremotos, enchentes etc.) ou provocadas por ações antrópicas, (por exemplo, o rompimento da barragem do Fundão da mineradora Samarco no município de Mariana-MG em 2015, a natureza sempre impõe um aspecto amedrontador perante a humanidade. Concordamos que, essa interação, e todo seu processo histórico-humano, é simultaneamente de aprendizado, de descoberta, de modificação e de readequação, uma vez que, o meio natural não é permanente, não é fixo, ele próprio tem sua dinâmica de modificação e de troca com a ação voluntária do animal homem. Não obstante, surgem nesse processo histórico-humano, rupturas e falhas consideradas irreparáveis. Da mesma forma que a Revolução Industrial trouxe a promessa da modernidade, na qual todas as pessoas são iguais por princípio. A realização desta promessa é questionável (ZIONI, 27 2005) se a referência de estilo de vida para alcançar essa igualdade é o “american way of life”. A (in)discutível relação entre homem e meio ambiente - da Revolução Industrial para cá – tem aspectos coloniais, já que incentiva a americanização ou europeização dos recursos naturais. No entanto, esse estilo de vida é acessível apenas para uma pequena parcela da população, o que o torna, injusto. Contudo, a criação do valor de troca, engendrado pelo consumismo desenfreado, ou para Beck (2011) pelo processo de modernização, inverte essa relação, ficando muito difícil que a natureza coloque medo para o conjunto da humanidade, uma vez que, “[...] no sistema capitalista o valor de uso é apenas um meio – e frequentemente uma astúcia – subordinado ao valor de troca e à rentabilidade” (LÖWY, 2014, p. 81). De acordo com a compreensão de Andrioli (2009, p. 2): Não é o valor de uso ou a utilidade de um produto ou serviço que tem prioridade e sim seu valor de troca, como aspecto formal e quantitativo. A mercadoria precisa ser comercializada o mais rápido possível para concretizar o processo de geração da mais-valia e lucro nela existente. Não são as necessidades, mas a capacidade de pagamento que decide sobre o acesso a produtos, serviços e meios de produção. (ANDRIOLI, 2009, p. 2). Exemplificando, em 2016, quase 500 bilhões de garrafas PET (polietileno tereftalato) foram produzidas no mundo todo, sendo a Coca-Cola responsável por um quinto deles (MARQUES, 2018). O mesmo autor lembra que, em 2004 a produção era em torno de 200 bilhões de garrafas a menos. Assim, o século XX revelou-se como a Idade do Plástico, sinônimo de lixo. Em resumo, a “falha metabólica” se fortaleceu porque paramos de pensar na relação metabólica entre homem e natureza, cedemos à pressão do mercado, ao aumento da produção de mercadorias, e principalmente, reduzimos a relação do dinheiro. Ademais, outra consideração importante, ao lado do que foi discutido até aqui, são os problemas e riscos herdados em favor da exploração intensiva e extensiva da natureza e sua monetização. Na Rio+20, José Mujica, ex-presidente do Uruguai, discursou em tom de provocação aos líderes mundiais: “A grande crise não é ecológica; é política [...]”. (MARQUES, 2018, p. 31). Embora a frase seja aparentemente autoexplicativa, o fato é que presenciamos novos colapsos e riscos que perpassam a esfera ambiental, exigindo olharmos para a questão ambiental com reconhecimento de seu caráter político. O processo de desenvolvimento econômico é, na realidade, o processo da utilização de mais energia para aumentar a produtividade e a eficiência do trabalho humano. De fato, um dos melhores indícios da riqueza de uma população humana é a quantidade de energia que ela consome por pessoa. (MEADOWS, 1978, p. 69). 28 O calcanhar de Aquiles está na iminência do momento, por exemplo; a agenda política de governo do presidente Jair Bolsonaro referente às questões ambientais. Cabe destacar, que tal decadência e enfraquecimento não é exclusividade do atual governo, ações danosas ao equilíbrio natural do meio ambiente estiveram presentes em outros governos. Por exemplo, entre os anos de 2011 e 2014, durante o primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff, foram criados apenas quatro unidades de conservação na Amazônia Legal7, além da extinção de alguns e redução de outras reservas naturais, entre as quais a Chapada dos Veadeiros, Serra da Canastra, entre outros (MARQUES, 2018). Posteriormente, uma redução ainda maior nas áreas protegidas da Amazônia é efetivada pelas mãos do presidente Michel Temer (2016 a 2018); a lei 13.465, que introduziu flexibilizações e isenções nas licenças ambientais para grileiros e para qualquer propriedade rural que, em via de regra estivesse em processo de “regularização ambiental”. Para os ambientalistas, a lei foi entendida como um convite às novas invasões de terra, e o principal motor do aumento do desmatamento e da produtividade. (ANGELO, 2017). Contudo, a diferença entre os governos anteriores e o atual são os discursos desenvolvimentistas e as claras intenções de exploração da natureza a qualquer custo. “A questão ambiental só importa aos veganos que comem só vegetais”8, a frase foi proferida pelo atual presidente da república Jair Bolsonaro (PL), retratando de forma sucinta a ideia de falha metabólica e o colapso socioambiental de seu desastroso governo. Ou ainda, quando propôs transformar e alterar uma estação de preservação de espécies em extinção, localizada na Baía de Angra dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro, numa espécie de “Cancún brasileira”9. Nota- se o descompasso entre a realidade com o setor turístico e a ideia de progresso. Vale destacar que em 2012, o presidente Jair Bolsonaro foi multado por um agente do Ibama por pescar na mesma estação de preservação. Em 2018, a multa foi anulada pelo próprio IBAMA10. Consequentemente, em 2019, por publicação no Diário Oficial (portaria n°1.006, de 7 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corresponde à área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM delimitada em consonância ao Art. 2o da Lei Complementar n. 124, de 03.01.2007. A Amazônia Legal foi instituída com o objetivo de definir a delimitação geográfica da região política de atuação da SUDAM como finalidade promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional. 8 GARCIA, D. Questão ambiental é para veganos que só comem vegetais, diz Bolsonaro. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27, Julho, 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/questao- ambiental-e-para-veganos-que-so-comem-vegetais-diz-bolsonaro.shtml. Acesso em: 28 ago. 2022. 9 SENRA, R. Bolsonaro quer revogar decreto ambiental e usar dinheiro saudita para criar “Cancun brasileira” em Angra. BBC News Brasil, 29, Outubro, 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50229887. Acesso em: 28 ago. 2022. 10PARECER da AGU obriga IBAMA a anular multa contra Bolsonaro, Estadão, 09, Janeiro, 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,parecer-da-agu-obriga-ibama-a-anular-multa-contra- bolsonaro,70002673402. Acesso em: 16 set. 2022. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/questao-ambiental-e-para-veganos-que-so-comem-vegetais-diz-bolsonaro.shtml https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/questao-ambiental-e-para-veganos-que-so-comem-vegetais-diz-bolsonaro.shtml https://www.bbc.com/portuguese/geral-50229887 https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,parecer-da-agu-obriga-ibama-a-anular-multa-contra-bolsonaro,70002673402 https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,parecer-da-agu-obriga-ibama-a-anular-multa-contra-bolsonaro,70002673402 29 27 de março), o Ibama exonera o servidor do cargo. Poderíamos expor outros exemplos, mas não se trata do objetivo primário do trabalho. Não rejeitamos a suposição de que o governo brasileiro e as empresas interessadas na exploração turística do local possam compensar a destruição ambiental ou buscar uma espécie de equidade na distribuição dos benefícios e custos da preservação, uso dos recursos naturais, ao violento quadro de injustiça causado pela distribuição elitista do território e pela maior exposição das classes pobres às regiões ambientalmente degradadas. Tomando como exemplo, a situação pode ser observada no município de Santana de Parnaíba. No entanto, se isso for mediado por mecanismos do capital de mercado e pela transformação dos recursos naturais em mercadorias, os consumidores finais serão sempre tributados e a compensação ambiental será insignificante e pequena, pois “[...] o valor como mediador do metabolismo transitório entre homem e natureza não pode gerar as condições materiais para a produção sustentável”. (SAITO, 2021, p. 320). Em suma, as taxações monetárias não podem resultar em soluções para as comunidades pobres, porque são justamente os mais pobres que estão expostos aos riscos ambientais, detém de menor poder político, e tal desigualdade de poderes se fortalece pela própria lógica do capital, que é quem mais se favorece. A despeito, das convergências de interesses do capital, podemos constatar pelo tipo de razão instrumental implementada pelo neoliberalismo e que vem acompanhada pelo “marketing verde”. Ou seja, na prática o objetivo será sempre vincular a imagem de um produto a ações de redução de impactos ambientais, a sustentabilidade etc., para vender o produto e multiplicar as vendas. (LÖWY, 2014; MARQUES, 2018). Os defensores dessa prática têm predileção no seguinte argumento: Adotar soluções inovadoras para aumentar a eficiência da relação insumo/produto ou produto/lixo, e a segurança ambiental (e outras) nos processos produtivos, bem como ao contrário de diminuir a competitividade da empresa, aumenta-a, pois é um processo gerador de valor, seja em termos de gestão de risco, seja em termos de imagem da marca [...] (MARQUES, 2018, p. 560). Marques (2018)11, ressalta dois aspectos da incoerência de um capitalismo ambientalmente sustentável: Primeira, é o “efeito rebote”, o aumento da demanda por energia sustentável para produção de uma mercadoria, tende a ser anulado pela expansão da produção desta mesma mercadoria. Segunda, a impossibilidade das empresas de absorver no preço final 11 MARQUES, L. C. Capitalismo e colapso ambiental. 3° ed. Revista. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2018. 30 do produto o custo pelos danos ambientais. A incoerência do modus operandi do capitalismo sustentável, ele vale para a contabilidade ambiental dos Estados nacionais. E como se não bastasse esse círculo vicioso, parte da arrecadação do Estado é orientada para subsidiar ou financiar – através do erário público, de bancos públicos de “desenvolvimento” e de isenções fiscais – o agronegócio, a indústria automobilística, os grandes projetos de mineração e de energia, o complexo militar-industrial e outros ramos de alta concentração de capital corporativo e de mortífero impacto ambiental. 12 A longa data, assistimos regularmente políticas de austeridade socioambientais, na forma de investidas políticas e de desmantelamento da educação pública, impossibilitando a nossa própria capacidade de internalizar os custos e desenvolver uma crítica. Sem dúvida, a lógica capitalista se preocupa com as dimensões materiais do mundo, mas, economizar, reciclar e reduzir, só ocorre à medida que reduz os custos de produção. A produção sustentável não é um objetivo dessas economias no emprego do capital. (SAITO, 2021). Os indivíduos que seguem o "capitalismo verde" acreditam que a implementação de tecnologias sustentáveis, originadas da modernidade, possibilitará aumentar a cadeia produtiva e, consequentemente, o consumo, sem causar um impacto significativo nas questões ambientais. Entretanto, eles ignoram que, na história do capitalismo, os investimentos são direcionados para obtenção de lucro a curto prazo e são baseados no tempo do dinheiro e na concorrência entre empresas, ou seja, em uma racionalidade crescente (ANDRIOLI, 2009). Adotar essa concepção pode ser eficaz para os resultados imediatos da industrialização, mas extremamente prejudicial para os resultados a longo prazo. Dado que capitalistas engajam-se na produção e no comércio em busca de lucro imediato, apenas o mais imediato resultado deve ser levado em consideração. Enquanto um industrial ou um comerciante obtiver o lucro usual ambicionado ao vender ou comprar uma mercadoria, ele se sentirá satisfeito e não se preocupará com o que vier sucessivamente [...] (ENGELS, 1876 apud MARQUES, 2018, p. 557). O contrassenso está em negar que, o aumento por energia ou por recursos naturais tende a anular a pretensa sustentabilidade tecnológica. Isso significa que, as questões econômicas e tecnológicas provenientes da modernidade, devem ser tratadas em igual peso com as questões socioambientais. Caso contrário, assistiremos o ciclo consumista crescer na mesma velocidade da degradação do meio ambiente. Na era atual, a proposição que é ocultada é que, o consumismo e a sustentabilidade são desconformes e são díspares em lógica de funcionamento. Uma vez que, “[...] todos os dias ou quase todos os dias, novos relatórios aterradores, provenientes dos mais diversos horizontes, confirmam esse diagnóstico de bom senso”. (LATOUCHE, 2009, p. 12 Ibidem., p. 569. 31 12). A princípio, o conhecido relatório do Clube de Roma, “Os limites do crescimento”, já nos advertiu a quatro décadas atrás da incompatibilidade entre, crescimento econômico infinito num planeta com recursos naturais finitos. (MEADOWS, 1978). Além disso, os programas de endividamentos dos Estados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, buscavam um regime de acumulação e lucro indiscriminado, em livres mercados e produção de necessidades sob a égide do capitalismo verde e eficiente. “Das 153 nações arroladas pelo FMI [...], 106 têm hoje dívidas públicas superiores a 50% de seu PIB, [...] inclusive o Brasil [...]” (MARQUES, 2018, p. 567). Transformando os Estados e Secretarias mestres da arte gesticuladora de conferências internacionais e menos capazes de praticar políticas públicas socioambientais eficazes. Latouche (2009, p. 96), explicita: No melhor dos casos, os governos só conseguem frear, desacelerar, suavizar processos que lhes escapam, se quiserem ir contra a corrente. Existe uma “cosmocracia” mundial que, sem decisão explicita, esvazia o político de sua substância e impõe “suas” vontades através da “ditadura dos mercados financeiros”. Todos os governos são, queiram eles ou não, “funcionários” do capital. (LATOUCHE, 2009, p. 96). No Brasil, podemos referenciar o modelo de agronegócio e a sua imagem produtivista e de riqueza aliada ao uso das tecnologias nos campos para o cultivo de monoculturas. De acordo com Marques (2018), toda essa modernização vem acompanhada como uma tentativa de amenizar o coronelismo e o clientelismo, transformar a agricultura em sistemas agroindustriais e, principalmente, anular a possibilidade da reforma agrária. Em função disto, as áreas dos monocultivos têm apresentado sinais de contaminação do lençol freático por agrotóxicos. De acordo com o Censo Agropecuário de 201713, das 5.073.324 propriedades rurais do território brasileiro, 77% são classificadas como unidades de agricultura familiar, embora a soma dos valores de produção corresponda a apenas 23% de toda a produção agropecuária brasileira (IBGE, 2017). Tem-se observado um aumento do desmatamento, liberação indiscriminada de agrotóxicos, ameaças às áreas de conservação, flexibilização das leis ambientais, e invasão de reservas indígenas. (MARQUES, 2018). O Brasil tem experimentado um retrocesso em relação à problemática socioambiental. Nos últimos anos, tem-se presenciado o retorno de uma visão que entende as críticas no uso dos bens e recursos naturais como um entrave para o crescimento econômico. 13 IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário 2017: resultados definitivos, Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Disponível em: https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/pdf/agricultura_familiar.pdf. Acesso em: 01 abr. 2022. https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/pdf/agricultura_familiar.pdf 32 Essa realidade política mostra o quanto o conceito de falha metabólica e ausência de uma reflexão pedagógica crítica é ainda mais urgente. Acrescenta Ferreira (2004), que apesar do atual recuo das políticas públicas de proteção ambiental, as pesquisas e estudos acadêmicos que abrangem as relações entre sociedade e meio ambiente, bem como as questões socioambientais, encontram-se num estágio intermediário em comparação com as experiências internacionais. Isso se deve menos ao impacto da produção cientifica e acadêmica e mais à resistência que ainda enfrenta por parte de setores das ciências sociais. No entanto, essa resistência não é automática, acreditamos que ela aponta para a necessidade de uma práxis educativa concreta, inserida num movimento dialético, cujos resultados não poderemos aferir de imediato, mas que se fará presente durante a sequência didática. No capítulo a seguir, perceberemos que a incorporação dos problemas ambientais na Sociologia não obedeceu a um processo linear e uniforme, pois a temática nem sempre foi objeto de interesse dentro dos estudos sociológicos. Contudo, a Sociologia Ambiental vem se desenvolvendo como um campo de estudo fértil sobre a maneira como percebemos o meio ambiente. Somado a isto, a exploração dos limites extremos do capital (MÉSZÁROS, 2011) tem gerado uma demanda urgente por estratégias de preservação, as quais podem ser desenvolvidas através da compreensão da "cultura ambiental". A sobrevivência humana em escala planetária representa um grande desafio que requer reflexão sobre as relações de produção e a reestruturação de modelos que permitam a construção de uma nova realidade societária. Neste sentido, temas relacionados à Sociologia, ecologia, meio ambiente e outras áreas do conhecimento tornam-se essenciais para o desenvolvimento de estratégias de resistência e preservação. É preciso estabelecer um diálogo interdisciplinar que promova a conscientização sobre a importância da cultura ambiental e a adoção de medidas de proteção ao meio ambiente. Diversos pesquisadores têm desenvolvido o conceito de "cultura ambiental" desde o final do século XX até o limiar do século XXI, conforme apontado por Villela (2018). [...] a “cultura ambiental” faz parte da cultura geral integral da população, seu objetivo é alcançar a harmonia nas relações homem-sociedade-natureza e contribuir para o desenvolvimento pleno das potencialidades do homem e o seu enriquecimento como ser social consequentemente da elevação da sua qualidade de vida. O conceito de “cultura ambiental” tem uma enorme importância já que contribui para a formação de uma concepção de mundo na qual o indivíduo analisa de modo profundo, real e na sua integralidade, os complexos processos, os acontecimentos e fenômenos que têm lugar no infinito mundo material e a interação entre eles. Consequentemente, o ser 33 humano consegue avaliar o alcance e as consequências da sua atividade transformadora sobre o ambiente, não só para a presente geração, mas também para as futuras. (BERY, 2009, n.p apud VILLELA, 2018, p. 112). A partir da compreensão de que a preservação do meio ambiente é essencial para a sobrevivência humana, a "cultura ambiental" surge como um conceito capaz de promover a harmonia entre homem, sociedade e natureza. Além disso, a "cultura ambiental" é vista como uma ferramenta para a formação de uma concepção de mundo mais ampla e integrada, na qual o ser humano pode compreender a complexidade dos processos e fenômenos que ocorrem no mundo material e avaliar as consequências de suas ações. Assim, o texto destaca a importância da "cultura ambiental" como um instrumento fundamental para o desenvolvimento humano sustentável e para a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade. 34 3 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O ENCONTRO COM A SOCIOLOGIA O presente capítulo não procura uma formalização sistemática de ideias e práticas sociológicas, mas uma tentativa de explorar alguns processos históricos e eventos que contribuíram para a implementação, ora conservadora, ora crítica, ora desenvolvimentista, ora pragmática, das questões socioambientais e que, posteriormente, entrou em rota de colisão com a Sociologia. Em virtude disto, os parágrafos seguintes estarão em constante conversação com eventos internacionais e nacionais e a institucionalização do debate sociológico. É fato que desde o surgimento das formas mais primitivas de vida na Terra, o planeta vem sofrendo interferências e modificações. Tal processo é resultado de alterações graduais ao longo de 3 bilhões de anos. Contudo, para Meksenas (2010), o surgimento dos animais mais complexos é recente: datam de setenta milhões de anos. E como todos seres vivos, os humanos estão dependentes por leis naturais e condicionados a uma série de ciclos fisiológicos de consumo, produção e residuais à medida que vivem. Mas em que medida, nós humanos nos diferenciamos? “Os seres humanos são diferentes dos outros animais devido à sua atividade produtiva única, ou seja, o trabalho [...]”. (SAITO, 2021, p. 86). E nessa correlação com seu meio ambiente, mediada pelo verbo “trabalhar”, surgem as ações voluntárias e conscientes de troca com a natureza e, sobretudo, não relacionada ao domínio de ordem biológica, o que torna importante objeto de estudo da Sociologia. Manacorda (1991), reforça que: Sobre essa base, os homens podem distinguir-se dos animais pela consciência, pela religião, por tudo o que se queira, mas, na realidade, eles começaram a distinguir-se dos animais quando começaram a produzir os seus meios de subsistência; e só depois de terem constatado o multiplicar-se das necessidades sobre aquela primeira base produtiva, e o reproduzir-se dos homens e seu organizar-se socialmente na produção, descobrem que o homem também tem uma consciência, que é desde o início um produto social. (MANACORDA, 1991, p. 48). Em poucas palavras, os seres humanos se diferenciam dos outros animais devido à atividade produtiva intencional e consciente com o mundo externo, “[...] a atividade dos animais, em relação a natureza, é biologicamente determinada. A sobrevivência da espécie se dá com base em suas adaptações ao meio. O animal limita-se à imediaticidade” (ANDERY, et al., 2004, p. 9). O homem é o único animal que age sem a exclusividade dos limites determinados pela genética. Essa relação particular com o meio natural tem sido uma forma histórica de desenvolvimento da sua atividade vital, da sua relação – domínio sobre a natureza 35 (MANACORDA, 1991), das formas mais simples, às mais complexas, dos caçadores-coletores aos astronautas, a partir da qual podemos compreendê-las em cada período. Portanto, um ser à parte, qualitativamente diferente dos animais, porque é o único que adapta e modifica a natureza às suas necessidades (SAITO, 2021). O que nos leva a crer que o desenvolvimento humano ocorreu num ritmo mais rápido, sustentando a ideia de que o percurso do estado primitivo/animal para o estado sócio/histórico - saímos do balizamento imposto pela biologia e pela natureza e desenvolvemos um novo estágio de desenvolvimento social. Daí que, a força mediadora entre homem-natureza - o trabalho levou o ser humano para o caminho da civilização (MEKSENAS, 2010). No contexto da sociedade capitalista, entender essa premissa é fundamental para compreender as crises e problemas que somos acometidos. Neste sentido, argumenta Marques (2018): Em toda a sua história, o homem fiara e tecera fibras animais e vegetais para se abrigar do frio. [...]. O homem podia reconhecer em sua habitação, em seus utensílios e em sua arte a madeira, a pedra, a argila, o ferro, assim como reconhecia nas plantas e nos animais as fibras, a lã ou o pelo de suas vestes. A partir da segunda metade do século XX, o mundo que cerca os sentidos do homem urbano industrial se apresenta como produto de uma síntese artificial da matéria, que se substitui ao mundo. (MARQUES, 2018, p. 206). Mas então, como ocorreu essa mudança? Quais elementos novos surgiram? Em que momento os homens passaram a produzir seus meios de existência? Enfim, surgem mais questões do que respostas quando começamos a “escavar” o assunto sob a ótica da Sociologia. À luz dos estágios propostos Leontiev (1978), faremos brevemente algumas considerações, em que: O primeiro estágio é o da preparação biológica do homem. Os órgãos se adaptaram às condições impostas pela natureza, o bipedismo e a posição vertical passaram em determinado momento a servir como ferramentas rudimentares de sobrevivência. O corpo se torna um utensílio de comunicação rudimentar em si. As leis biológicas passam a reger o comportamento gregário. O segundo estágio é marcado pelo início da fabricação de instrumentos e consequentemente pelo início de uma organização embrionária do trabalho, atividade que exigiu o uso constante das capacidades mentais e físicas. Nesse estágio, a utilização das mãos foi decisiva na construção dos meios que possibilitaram aos humanos transformar a natureza “livremente”, mesmo que o arrimo das leis da natureza permaneça. Notamos que esse processo, não atingiu isoladamente um indivíduo, mas todos – produzindo assim certas regras de ordem social, as regras biológicas não eram mais suficientes. Isso significa que novas formas de expressão e comunicação surgem sob a influência de um processo coletivo de convivência. 36 Assim se desenvolvia o homem, tornado sujeito do processo biológico e agora social. (LEONTIEV, 1978; SAITO, 2021). No tocante, Foster (2011), argumenta: A compreensão da evolução dos seres humanos a partir dos ancestrais primatas poderia ser explicada como decorrente do trabalho, ou seja, das condições de subsistência humana, e da sua transformação por meio de artefatos, simplesmente porque era neste nível que os seres humanos interagiam com a natureza, como seres reais, materiais, ativos, que precisam comer, respirar e lutar pela sobrevivência. (FOSTER, 2011, p. 322). Podemos compreender o trecho acima na medida que o processo material do trabalho, pelo qual a raça humana busca satisfação e sobrevivência, se dá pela relação dialética com a natureza através da produção de artefatos. Ainda temos o terceiro estágio, é o momento da maturação dos estágios biológicos e sociais para um novo tipo do homem – o Homo sapiens, “[...] é o momento com efeito que a evolução do homem se liberta totalmente da sua dependência inicial para com as mudanças biológicas inevitavelmente lentas, que se transmite por hereditariedade. (LEONTIEV, 1978, p. 281). Em resumo, grande parte do comportamento humano não é transmitido aos seus descendentes pelos genes, mas pela cultura, elevada agora a uma condição determinante no desenvolvimento humano, não exigindo mais mudanças biológicas hereditárias, libertando o gênero humano do “[...] despotismo da hereditariedade”. (VANDEL, [s.d] apud LEONTIEV, 1978, p. 282). Para Foster (2011), o aparecimento de atividades criadoras e produtivas que foram transmitidas intencionalmente por indivíduos do mesmo grupo, foram essenciais na evolução do animal chamado “homem”. E esta forma particular de transmissão às gerações seguintes, levou este animal a transformar o meio ao seu redor, imprimindo o selo da sua vontade sobre a terra. Assim, dia após dia, a humanidade se contextualizou nas especificidades relativas a cada época, lugar e condições concretas. “A existência dos homens se inscreve, assim, em sua realidade natural, social e histórica [...]”. (CORAZZA, 1991, p. 21). Esse desenvolvimento consequentemente, resulta na atual base sócio-histórica de trocas entre, homens em sociedade. A relação entre humanos e meio ambiente assumiu várias formas, e consequentemente, não podemos pensar, nem o homem, nem o meio de modo isolado. (SAITO, 2021). Por um lado, toda ação humana sobre esse meio ambiente é uma ação coletiva resultante da cultura material e imaterial, e por outro, essa ação coletiva sobre a natureza transforma os próprios homens. E aliás, essa ação humana Marx (2013) denomina de práxis. O homem, por sua própria ação, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Esse se confronta com a matéria natural como potência natural. Afim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele 37 põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça mãos. Agindo sobre a natureza externa e modificando- a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 2013, p. 255). Como se houvesse uma espécie de contrato social, onde ambos não existem separadamente, e historicamente passam a trazer as marcas dessa relação mediada fundamentalmente pelo trabalho. Dito de outro modo, a natureza adquire sentido à medida que o homem a modifica para satisfazer suas necessidades. Considerando o arcabouço sociológico, podemos questionar o seguinte - em que dado momento dessa relação mediada pelo trabalho, o tiro saiu pela culatra? Em um contundente texto de Engels publicado em 1876 no livro “O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, nos serve de balizamento. Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança. Cada uma delas, na verdade, produz, em primeiro lugar, certas consequências com que podemos contar; mas, em segundo e terceiro lugares, produz outras muito diferentes, não previstas, que quase sempre anulam essas primeiras consequências. Os homens que na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e noutras partes destruíram os bosques, para obter terra arável, não podiam imaginar que, dessa forma, estavam dando origem à atual desolação dessas terras [...]. E assim, somos a cada passo advertidos de que não podemos dominar a Natureza como um conquistador que domina um povo estrangeiro, como alguém situado fora da Natureza. (ENGELS, 1979, p. 223-224). Tal passagem documenta as metáforas de conquista e domínio que formam a base material de uma realidade social e toda sua “[...] ética interna de um capitalismo em expansão: domar a natureza, conquistá-la, modificá-la para fazer o que quiser com ela”. (WILLIAMS, 2015, p. 313). Em termos sociais, a natureza deixou de ser uma variável estranha ao homem, agora é ela que se torna efeito do humano. Daí a história humana depara-se continuamente com contradições. Por exemplo, na medida que o valor se torna o elemento dominante da produção social como capital, graças aos dotes mentais do homem e a habilidade de adaptar o habitat às suas próprias necessidades, geramos uma afronta ao nosso próprio habitat. Doravante, a reflexão é que as sociedades serão cada vez mais conduzidas por efeitos de bumerangue. Outros exemplos desse efeito, quanto mais plástico o homem industrial lança no oceano, maior a probabilidade de que partículas desses polímeros se acumulem na cadeia alimentar e acabam em seu próprio estômago. (MARQUES, 2018). É importante pontuar que, há variadas reflexões quanto a tendência de aceitar ou rejeitar esse “novo mundo” pós-Revolução Industrial. Embora houvesse transformações em termos de 38 ordem natural, social e econômica, a intervenção humana ao longo dos séculos anteriores também se mostrou desastrosa. Na realidade, certamente – e isso provavelmente retrocede aos tempos neolíticos – alguns métodos de cultivo, sobre pastoreio, destruição de florestas, produziram desastres físicos naturais em uma escala enorme. Muitos grandes desertos foram criados ou ampliados nesses períodos [...]. (MARQUES, 2018, p. 310). Aqui é colocado uma crítica importante sobre o argumento ambientalista, o qual os danos ambientais da era pré-industrial eram menos danosos. Ainda, de acordo com o autor citado, a Revolução Industrial apenas dramatizou os efeitos da ação humana no mundo natural. A discussão geral apoia-se numa reestruturação do modo de intercâmbio entre homem- natureza. Justamente porque a maioria dos grandes eventos históricos dos últimos cem anos, não foram previstos pela humanidade: o morticínio da Primeira Guerra Mundial, as armas químicas e nucleares, a crise de 1929, a implosão da União Soviética, o impacto das redes de informática com seus algoritmos replicantes, as ondas migratórias provenientes dos países árabes semeadas por invasões ocidentais, a ascensão dos partidos de extrema-direita no Brasil, o uso das realidades virtuais e fake news, a nova (a)normalidade da pandemia, com seus impactos ainda em curso, entre outros. Outrora, um evento se mostrou mais previsível: os impactos das sociedades industriais sobre o meio ambiente. O que nos interessa ainda, é acrescentar as várias tentativas de fugirmos completamente da questão, pois o que está em jogo não é o crescimento econômico controlado, mas sim, sob quais condições produzimos e consumimos? (MÉSZÁROS, 2008). Ou ainda, qual o papel da educação neste processo? Seria ingênuo acreditar que apenas a ciência e a tecnologia podem solucionar os nossos problemas, é muito pior do que acreditar em bruxas” (Idem, p.989). Logo, como resultado, há uma disposição de ficarmos girando em círculos, de modo que nossa interpretação do problema não seja real. Tampouco podemos compreender a realidade, sem analisar o modo pelo qual as questões ambientais e sociais surgiram durante os processos históricos compreendido desde os séculos XV até a atualidade. Desde os anos 1960, o fluxo de investimentos em educação estava ligado diretamente ao desenvolvimento tecnológico pelas nações centrais. Aliás, Williams (2015), adverte para um problema maior. A manutenção dos padrões existentes de consumo desproporcional aos recursos da Terra conduzirá inevitavelmente a vários tipos de guerra, em diferentes escalas e de diferentes extensões. E, consequentemente, deve-se defender a causa da mudança de nosso modo de vida atual, não apenas em termos de dano local, ou desperdício, ou poluição, mas em termos de uma opção pela possibilidade de relações pacíficas e amigáveis, ou pela quase 39 certeza de guerras destrutivas, porque não queremos mudar as desigualdades da economia mundial existente. (WILLIAMS, 2015, p. 327-328). Nessas condições, as Nações mais ricas poderiam atribuir um valor de troca aos recursos naturais em detrimento do valor de uso. Desde modo, “[...] se as fontes de água, que anteriormente eram livremente disponíveis, fossem monopolizadas e houvesse uma taxa nos poços, a medida de riqueza da nação seria aumentada graças ao gasto de riqueza pública” (FOSTER, 2012, p. 89). A ideia que a modernidade é um imperativo de nossos tempos pode incomodar alguns interlocutores, isto porque sempre se imaginou que o processo de modernização eliminaria, por si só, tanto o subdesenvolvimento como as injustiças sociais. Essa visão um tanto ingênua do processo histórico, nos levou a sobrevalorizar a busca de uma identidade moderna sem que tivéssemos uma perspectiva crítica do que se desejava construir. (ORTIZ, 1990, p. 22). Para Williams (2015), são as relações sociais entre homens e classes, provenientes dessas decisões, que determinam se mais produção reduzirá a pobreza ou criará novos tipos de dano e destruição socioambiental. Mas como indicado no parágrafo anterior, o objetivo do modo de produção capitalista são os valores de troca, e não os valores de uso. Ou seja, a natureza expressa seu valor na forma de um preço socialmente atribuído materializado numa mercadoria a ser trocada. Neste sentido, “uma reorganização de conjunto do modo de produção e de consumo é necessária, fundada em critérios exteriores ao mercado capitalista; as necessidades reais da população “[...] e a preservação do meio ambiente” (LÖWY, 2014, p. 48)14. Ora, de acordo com o autor, a solução está no reconhecimento radical da possibilidade de uma civilização nova, “[...] para além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade, e da produção ao infinito de mercadorias”15. Em síntese: o atual modelo econômico traz em seu bojo concepções educacionais conservacionistas e economicistas, e que reproduzem uma abordagem fragmentada e parcializada da realidade, o que acaba privilegiando alguns segmentos sociais. No que se refere à escola, temos agravantes, “[...] na sociedade capitalista, tornou-se a instituição dominante no oferecimento de educação formal, tendo como tarefa central a reprodução da divisão social do trabalho e dos valores ideológicos dominantes” (MENDONÇA, 2011, p. 343). Como já expressavam Engels e Marx: A produção das ideias, das representações e da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos 14 LÖWY, M. O que é ecossocialismo? 2° ed. São Paulo: Cortez, 2014. 15 Ibidem., p. 49. 40 homens; ela é a linguagem da vida real [...]. O mesmo acontece com a produção intelectual tal como se apresenta na linguagem da política, na das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. (ENGELS; MARX, 1998, p. 18). Dessa reprodução, a educação poderia ser invocada como forma de explicação da sociedade, emergindo discussões iluministas sobre homem-sociedade, razão-tradição, direito- deveres, mas também sugerindo, uma educação pragmática ou ainda acomodada às estruturas sociais dominantes. Ignorando assim os problemas sociais e ambientais provocados pela lógica do capital. Diante disso, uma reflexão importante quanto a este ponto, é que o pensamento social deve olhar as contradições entre essência/aparência e os processos de alienação diante dos impasses gerados por essa nova conjuntura social. A relação homem-natureza foi configurada por uma nova realidade, que à primeira vista não foram apresentados em suas dimensões reais. Para Kosik (1976), decorre porque o homem diante da realidade age por meio de suas próprias necessidades, criando suas próprias representações da realidade. Aqui é importante lembrar que essa realidade - enraizada num impulso econômico e político - é explicada pela própria atividade do trabalho em reificar e transformar a natureza em mercadorias. Situação descrita por Marx (2013)16, no primeiro capítulo da obra “O capital” alegava que as relações sociais eram determinadas entre os homens por uma forma fantasmagórica entre mercadorias. Por exemplo: nos relacionamos com o padeiro, porque compramos o pão, nos relacionamos com o caixa de supermercado, porque pagamos pelos produtos, e assim por diante. Logo, tudo acaba sendo trocado e transformado em mercadorias. “A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer”.17. Logo, não surpreende que a natureza tenha sido transformada em mercadoria. E para além disto, há também um movimento dialético do próprio homem em busca do controle metabólico com a natureza. Assim, essa dominação da Terra em si, assumiria um significado complexo e dialético, derivando uma relação de estranhamento e distanciamento entre as partes. Esse modelo de relação, coincidiu no campo do conhecimento com o período marcado pela emergência formal das ciências sociais. Como dito anteriormente, num modelo de observação e experimentação que vislumbrava identificar os fenômenos sociais, descobrir suas leis e conhecer suas regularidades. 16 MARX, K. O Capital. Livro I. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. 17 Ibidem., p. 97. 41 Em se tratando do encontro da Sociologia com as questões ambientais, começaram tardiamente. Segundo Lenzi (2019), as dificuldades e discussões sobre questões ambientais começaram a ser seriamente tematizadas apenas no final da década de 1970, quando surgiram as primeiras publicações, incluindo as teorias ambientais às sociais. (veremos mais adiante). Mas como fazer isto? Uma vez que as pessoas são essencialmente diferentes entre si, e parcialmente possuem domínio sobre seus destinos, enquanto o mesmo não ocorre entre os outros animais sobre a terra e muito menos sobre os fenômenos naturais. Logo, uma questão se revelaria: “Como conceber cognitivamente um sistema de coordenadas conceituais que permitisse relacionar fatores sociais e fatores naturais?” (MATTEDI, 2015, p. 148). Transposição de métodos de análise do campo das ciências naturais para o campo das ciências sociais, implicaria assim no reconhecimento que as ações e relações humanas são radicalmente subjetivas, e partir disso, as descrições puramente objetivas não revelavam a realidade em suas especificidades. O comportamento humano, ao contrário dos fenómenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas característica