UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC MESTRADO PROFISSIONAL EM SOCIOLOGIA (PROFSOCIO) KARIN SANTANA DOS SANTOS Conceito trabalho nos livros didáticos de Sociologia (PNLD/2015) Marília 2021 KARIN SANTANA DOS SANTOS Conceito trabalho nos livros didáticos de Sociologia. (PNLD/ 2015) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação Profissional em Rede Nacional – Sociologia (PROFSOCIO) – da Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília – para a obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Ensino de Sociologia Orientador: Prof. Dr. Fábio Kazuo Ocada Bolsa: CAPES Marília 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Santos, Karin Santana S237c Conceito trabalho nos livros didáticos de Sociologia (PNLD/2015) / Karin Santana Santos. -- Marília, 2021 154 p. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp) Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Orientador: Fábio Kazuo Ocada 1. Sociologia. 2. Ensino de Sociologia. 3. Plano Nacional do Livro Didático. 4. Conceito trabalho. Karin Santana dos Santos Conceito trabalho nos livros didáticos de Sociologia. (PNLD/2015) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Profissional em Rede Nacional – Sociologia (PROFSOCIO) – da Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e Ciências – Câmpus de Marília – para a obtenção do título de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Ensino de Sociologia. Linha de Pesquisa: Banca Examinadora: Prof. Dr.Fábio Kazuo Ocada Orientador UNESP- Marília Prof.ª Dr.ª Sueli Guadalupe de Lima Mendonça Avaliadora Interna- UNESP Marília Prof. Dr. Vítor Machado Avaliador Externo- UNESP- Araraquara Prof. Dr. Marcelo Augusto Totti 1º suplente- UNESP- Marília Prof. Dr. Stela Cristina de Godoi 2º suplente- Puc - Campinas Marília 2021 AGRADECIMENTOS À CAPES, pois o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço ao programa de Mestrado ProfSocio – Câmpus de Marília pela oportunidade única de aprimorar meus conhecimentos, vivenciar novas experiências, conhecer amigos sensacionais, e assim poder melhorar como ser humano e evoluir como estudante-trabalhadora. Aos professores que desde minha primeira graduação na UNESP iluminam meu caminho e, dia a dia, me mostram como são belas as possibilidades de novas vivências. Ao professor doutor Marcelo Augusto Totti, agradeço por me mostrar, no primeiro ano de graduação no curso de Pedagogia, o primeiro amor pela Sociologia. Meu caro, se não fosse por ti eu não teria me embrenhado pelos caminhos e sabores que só as Ciências Sociais podem nos ofertar. Creio que não saiba o tamanho e a dimensão da admiração de seus alunos por ti. Como diria o pequeno príncipe de Saint Exupéry- “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”- Obrigada por me cativar! Sua presença e orientação são motivos de inspiração. Ao professor doutor Fábio Kazuo Ocada, meu orientador. Eu, nessa demanda, deixo registrada minha imensa admiração por sua pessoa, foi você que me mostrou o amor à segunda vista pelo campo das Ciências Sociais, saiba que quando eu estava a ponto de desistir do curso, você veio e mudou tudo, me deu fôlego e um novo ânimo para voltar a pesquisar. Meu obrigado ao universo por colocá-lo em meu caminho. Gratidão por sua existência! À Professora Sueli Guadelupe de Lima Mendonça, que veio já quase no final do curso e nos deu uma luz, suas aulas e considerações são a base e a estrutura desta dissertação, registro aqui minha admiração por sua postura ética e profissional. À professora Rubim, que se tornou mais que professora, se tornou uma amiga, me cedendo seu tempo, sua casa, seus ouvidos, me ajudando sempre. Você sem sombra dúvidas é muito especial! Obrigada por deixar fazer parte de sua vida, amo você! Aos professores citados, estar próximo a vocês é um privilégio e um grande orgulho! Espero algum dia, poder representar para algum aluno ao menos um pouquinho do que vocês representam para mim. Aos amigos da segunda turma do ProfSocio: Rayanne, Marleide, Iara, Jabis, Crisliane e Dominique vocês me mostraram novos caminhos, compartilhamos experiências, e esse pequeno grupo se fortaleceu dando vida a lindas amizades. À minha mãe, que mesmo sem ser formada, sempre me incentivou a estudar e a buscar sempre mais e mais, nunca me deixando desistir ou desanimar. Todo conhecimento é inacabado, isto é um processo que se desenvolve continuamente, incorporando novos elementos e jamais deixando de questionar a si mesmo. (FREIRE, Paulo, Patrono da Educação Brasileira). Logo: Se existe esse despudor de reivindicar menos textos nos livros que serão produzidos, logo teremos fogo nos livros já existentes. [Dedico o dia dos leitores a cada garoto ou garota desse país que não tem senão um livro didático em casa para ler]. (MEUCCI, Simone). RESUMO: A Sociologia por intermédio da lei 11.684, torna-se disciplina obrigatória no ano de 2008, e, a partir de sua obrigatoriedade, é inserida no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que é distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em parceria com Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a todas as escolas públicas e unidades filantrópicas do Brasil. O PNLD faz parte de uma teia de relações, atuando nas dimensões pedagógicas, políticas e sociais. Tomando como ponto de partida tais dimensões, a presente pesquisa, considerando a função social do livro didático, que consiste na disseminação dos saberes historicamente acumulados e sistematizados, enseja analisar o conceito de trabalho nos livros de Sociologia aprovados pelo programa no triênio (2015-2017). O conceito de trabalho foi eleito como objeto de pesquisa por ser uma atividade que atende à premissa de ser um elemento que voga uma ação criativa, transformadora e humanizadora, que dá vida a todas às demais atividades. No entanto, mesmo sendo uma categoria ontológica, no sistema capitalista o trabalho assume uma forma alienada, é frente a este cenário que o Ensino de Sociologia surge como uma condição sui generis, no processo de desnaturalização e estranhamento dos fenômenos sociais. Para verificar de que forma se desenvolve o conceito, tomar-se-á como metodologia a análise de conteúdo desenvolvida por Laurence Bardin por ser a que mais se aproxima das necessidades pleiteadas, contando ainda, com um levantamento de dados no portal FNDE e, subsequentemente, averiguação de editais e guias didáticos que compõem o material. Palavras chave: Ensino de Sociologia, Conceito Trabalho, Livro didático e PNLD/Sociologia. ABSTRACT Sociology, through law 11,684, becomes a compulsory subject in 2008, and, as of its obligation, it is included in the National Textbook Plan (PNLD), which is distributed by the Ministry of Education and Culture (MEC) in partnership with the National Education Development Fund (FNDE) to all public schools and philanthropic units in Brazil. The PNLD is part of a web of relationships, acting in the pedagogical, political and social dimensions. Taking such dimensions as a starting point, this research, considering the social function of the textbook, which consists of the dissemination of historically accumulated and systematized knowledge, aims to analyze the concept of work in Sociology books approved by the program in the triennium (2015-2017 ). The concept of work was chosen as the object of research because it is an activity that meets the premise of being an element that pursues a creative, transforming and humanizing action, which gives life to all other activities. However, despite being an ontological category, in the capitalist system, work takes an alienated form, it is against this scenario that the Teaching of Sociology emerges as a sui generis condition, in the process of denaturalization and estrangement of social phenomena. To verify how the concept is developed, the content analysis developed by Laurence Bardin will be taken as a methodology, as it is the closest to the claimed needs, also counting on a survey of data on the FNDE portal and, subsequently , investigation of notices and didactic guides that make up the material. Keywords: Teaching Sociology, Concept of Work, Textbook and PNLD/S LISTA DE QUADROS E TABELAS. Quadro 1. Síntese do processo de institucionalização da Sociologia ............................ 19 Tabela 1. Quesitos para autorização- aprovação do Livro Didático ............................. 30 Tabela 2. Síntese histórica do PNLD ........................................................................... 37 Tabela 3. Vendas do PNLD 2015- Valores investidos ................................................. 42 Tabela 4. Vendas do PNLD 2016- Valores investidos ................................................. 43 Quadro 2. Síntese sobre a formação do conceito ......................................................... 56 Tabela 5. Livros Didáticos aprovados pelo PNLD 2015 .............................................. 80 Tabela 6. Pontos de atuação da Análise de conteúdo ................................................... 81 Tabela 8. Síntese do livro Tempos Modernos .............................................................. 85 Tabela 9. Sistematização Sociologia em Movimento ................................................... 98 Tabela 10. Sistematização do livro Sociologia para Jovens do Século XXI ............... 107 Tabela11. Sistematização do livro Sociologia para o Ensino Médio ..........................115 Tabela 12. Sistematização do livro Sociologia Hoje ................................................. 122 Tabela 13. Sistematização do livro Sociologia .......................................................... 127 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 1. O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: DOS PRIMEIROS MANUAIS AOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA APROVADOS PELO PNLD 1.1. O Ensino de Sociologia no Brasil: entre dilemas, ausências e intermitências ......... 18 1.2. A trajetória do PNLD ........................................................................................... 31 Diretrizes, Objetivos e Abrangência do PNLD .............................................................. 40 1.3. O Livro Didático de Sociologia e sua importância no contexto escolar ............... 48 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO TRABALHO E A TEORIA DA ATIVIDADE. 2.1. Construção e consolidação do cenceito trabalho .....................................................52 2.2.Teoria da Atividade e o conceito de trabalho ......................................................... 60 2.3.Conceito trabalho, Ensino de Sociologia e Procedimento de ensino na escola.........66 2.4.Procedimentos metodológicos e a essência do conceito.......................................... 74 3. O CONCEITO TRABALHO NOS LIVROS DE SOCIOLOGIA APROVADOS PELO PNLD (2015-2017). ..........................................................................................79 3.1 Delimitando os caminhos e a metodologia empregada ........................................... 80 3.2.Considerações acerca da metodologia empregada .................................................. 82 3.3.Análise do conceito trabalho no livro Tempos Modernos ....................................... 84 3.4.Análise do conceito trabalho no livro Sociologia em Movimento ........................... 96 3.5.Análise do conceito trabalho no livro Sociologia pra jovens do século XXI ......... 105 3.6.Análise do conceito trabalho no livro Sociologia para o Ensino Médio ................ 114 3.7Análise do conceito trabalho no livro Sociologia Hoje .......................................... 121 3.8.Análise do conceito trabalho no livro Sociologia ................................................. 126 3.9.Algumas Conclusões .......................................................................................... 133 Considerações Finais ............................................................................................... 139 Referências ............................................................................................................... 145 12 INTRODUÇÃO Por intermédio da lei 11.684/2008, após episódios de ausência, Sociologia se torna componente curricular obrigatório na Educação Básica, e assim, passa a fazer parte do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Este é um programa que, em parceria com Ministério da Educação e Cultura (MEC) e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), distribui às escolas brasileiras os livros didáticos que deverão ser utilizados como fonte de pesquisa, análise e instrumento didático-pedagógico, instrumento este que corresponde à materialização e a consolidação dos saberes historicamente construídos. Dentre estes saberes, o que interessa a esta dissertação é a sistematização dos conhecimentos sociológicos, veiculados nas escolas por meio da distribuição de materiais e livros didáticos, estando a produção destes livros didáticos ligada diretamente à presença da disciplina nos currículos. O Ensino de Sociologia desponta no cenário acadêmico brasileiro nos primeiros cursos de direito, sendo os conhecimentos sociológicos disseminados por meio de manuais didáticos permeados por uma percepção de ensino elitista, com um caráter conteudista, livresco e enciclopédico. Esta é uma realidade que começa ser redesenhada somente em 2008, já que, com a inserção e retorno da Sociologia à Educação Básica ela se torna um componente incluso no Plano Nacional do Livro Didático, sendo este um marco que contribui no processo de legitimação da Sociologia. É importante ressaltar, ainda, que a produção e a circulação de livros didáticos não é algo novo, ou recente. Sua gênese se firma com os processos de rotinização da Sociologia no Brasil, tendo no ano de 1929 a constituição do Instituto Nacional do Livro, seguindo até o presente ano com inovações em sua construção e distribuição, atendendo ainda aos alunos especiais, fornecendo recursos variados a fim de promover um ensino de qualidade. A Sociologia no cenário brasileiro foi inicialmente implementada, como disciplina no Ensino Médio, com o advento da República no governo de Floriano Peixoto, Benjamim Constant apresentou o Plano Nacional de Educação, prevendo que a disciplina seria ofertada em todas as escolas. (SOUZA, 2017, p.36) Como disciplina a Sociologia teve um longo caminho até chegar de fato à sua consolidação, sua seara inicial foi no Ensino Médio, que propendia, de acordo com 13 Meucci (2015), a uma formação para as etapas posteriores, no caso, etapas que correspondem a formação superior. O fato é que para autores como Jinkimgs (2004), a realidade da Sociologia ainda é pouco explorada, apesar de sua constituição como disciplina científica e sua institucionalização datarem de meados da década de 20, o Ensino de Sociologia é marcado por períodos de intermitência. Por volta de 1954 o debate sobre Sociologia ganha maior notoriedade, sendo amparada pelo Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS), no qual, a figura ilustre de Florestan Fernandes problematiza as funções do Ensino de Sociologia, definindo as concepções de aprendizagem, as condições de formação, funções do ensino e como estas podem contribuir para alteração da estrutura vigente. De fato, a trajetória do Ensino de Sociologia é assinalada por embates e lutas constantes, principalmente embates políticos, que ditam sua inclusão ou exclusão na Educação Básica. Durante o período marcado pelo retorno da disciplina e sua pós- obrigatoriedade é que se concentram os esforços de análise do presente trabalho, já que com retorno da Sociologia em 2008, surge a necessidade de produzir materiais que atendam as peculiaridades da dinâmica escolar e social. Por meio do FNDE o Plano Nacional do Livro Didático ganha espaço e passa a ser considerado do ponto de vista das políticas públicas. Handfas sobre PNLD esclarece que: Do ponto de vista das políticas públicas, várias pesquisas têm investigado os impactos dos programas de distribuição do livro didático, em particular, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, que foi criado em 1985 no Brasil. De lá para cá, tem se expandido de forma considerável, chegando hoje à distribuição de livros didáticos de todas as disciplinas aos estudantes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas de 99% dos municípios brasileiros que já aderiram ao programa. Só para se ter uma ideia da magnitude do PNLD, levando-se em conta apenas o Ensino Médio, estamos falando de um investimento da ordem de R$ 364.162.178,57, da distribuição de 40.884.935 livros, atendendo a um universo de 8.780.436 alunos, segundo dados de 2013 (HANDFAS: 2013 s/p.). No decurso histórico os livros didáticos alcançam um espaço importante e significativo de fomento às políticas públicas educacionais, tornando-se elemento de investigação interdisciplinar, em que os conteúdos, concepções teóricas, metodológicas e epistemológicas abarcam uma enorme gama de apreciações. Trata-se de um veículo de comunicação, uma forma de difundir o conhecimento produzido historicamente. Para Mannheim (1982), esse conhecimento deve partir da ação coletiva, sendo algo dinâmico, dotado de significado, sendo percebido como fruto de uma determinada cultura, que evolui a cada geração. 14 Os livros didáticos são fonte de disseminação de informações, resultado de uma construção histórica, dotada de materialidade. Eles contêm uma função social específica, que consiste na busca de democratizar o acesso à informação, conceitos e conteúdos, possibilitando aos alunos terem uma dimensão da magnitude e da complexidade dos objetos da cultura, sendo um aporte, por meio do qual, coletivamente e ativamente os sujeitos do processo educacional vão transformando, ressignificando e assimilando os conhecimentos, ao mesmo passo, que vão, por meio deste conhecimento, humanizando-se e emancipando-se. É justamente nesse processo de produção e de transformação do conhecimento, que o Ensino de Sociologia se torna essencial para compreender, analisar, desvendar, desnaturalizar e estranhar os fenômenos sociais. É por meio do Ensino de Sociologia, que os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem constroem os mecanismos precisos para realizar o exercício da Imaginação Sociológica proposta por Charles Wright Mills. É ao lançar mão de temas, conceitos e teorias que o Ensino Sociologia torna-se um elemento promotor de uma reflexão acerca da forma como os fenômenos se apresentam, avivando e vigorando discussões, propiciando desta forma o estranhamento da realidade social em um sentido filosófico e antropológico. O Ensino de Sociologia é fundamental nesse processo de desnaturalizar e estranhar a realidade social. Sendo composto por temas, teoria e conceitos, um dos conceitos de apreço da Sociologia é o conceito trabalho, um elemento transformador que funda a sociabilidade humana, e que por vezes é confundido com sua condição sinonímica de emprego, uma condição naturalizada no sistema capitalista que encobre e escamoteia a real face do significado deste conceito. Partindo desta problemática a presente pesquisa visa compreender de que forma o conceito trabalho está presente nos livros didáticos de Sociologia, considerando o papel do Ensino de Sociologia na compreensão dos dilemas, manifestações e transformações sócio-históricas do trabalho, fornecendo aos envolvidos no processo educacional os meios para desnaturalizar e estranhar a realidade, já que, para transformar determinada realidade, é preciso compreendê-la, para que seja possível desnudar as determinações e relações sociais existentes, tendo uma visão ampla, racional sobre determinado cenário. Logo, a necessidade de uma análise com olhar sociológico dos textos e materiais que compõem os livros didáticos de Sociologia aprovados pelo PNLD se torna um 15 imperativo, sendo a real compreensão do conceito um salto qualitativo na transformação e no reconhecimento das relações de dominação e exploração presentes no sistema. Feitas as devidas considerações, o primeiro capítulo desta dissertação versará sobre o Ensino de Sociologia, sua trajetória histórica, indo da produção dos primeiros manuais didáticos de Sociologia, marcados pela disseminação, importação de ideias e ideais elitistas à inserção da Sociologia no PNLD. Após será indicado o que é o PNLD, sua contribuição e atuação, os objetivos do programa, forma de adesão e a quem o programa é destinado, as áreas de atuação (dimensão social, política e pedagógica). Ainda, serão apontados os dados e elementos presentes no edital do programa e o guia do PNLD, para que, seja possível esclarecer quais são os quesitos de aprovação e reprovação do material. Por último, considerar-se-á a importância dos livros didáticos e sua função social, sendo um meio de propagar os conhecimentos sistematizados e acumulados historicamente, sendo a mensagem escrita uma síntese composta por uma abordagem teórica, metodológica e epistemológica. Já no segundo capítulo será apontado de que forma ocorre a construção e consolidação de um conceito, seus elementos e condicionantes, a forma como ele se faz presente nos livros didáticos, e o porquê de escolher o conceito de trabalho veiculado no PNLD como objeto de pesquisa, indicando em que consiste este conceito, sua importância no campo das Ciências Sociais e a relação direta com Teoria da Atividade, que presume que por meio do trabalho ocorre a transformação da realidade, avaliando a forma como o conceito trabalho é apresentado nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio e nas Orientações Curriculares Nacionais, trazendo ao fim do capítulo alguns apontamentos norteadores no trato metodológico com a constituição do conceito. No terceiro capítulo será concretizada a análise do conceito trabalho nos 6 livros aprovados (2015- 2017). Para realizar a análise a metodologia adotada é a análise de conteúdo, desenvolvida por Laurence Bardin. No tópico inicial deste terceiro capítulo serão evidenciadas as etapas da metodologia, os caminhos e os principais elementos compositivos da abordagem das técnicas de análise de conteúdo. E para fechar será realizada a análise do conceito nos livros, buscando compreender se a linguagem presente facilita a apreensão conceitual, se os clássicos da Sociologia estão presentes, se o trabalho aparece como categoria ontológica, ou se apenas os desdobramentos do trabalho na sociedade capitalista são considerados, se o conceito trabalho aparece nas mais diversificadas formações sociais, se os elementos como reestruturação produtiva, ontologia e teologia são discutidos. 16 Por fim, após análise dos livros didáticos, será efetivado um apanhado geral dos pontos principais, a ligação do conceito trabalho a outros elementos, as temáticas que se fazem presentes. Nas considerações finais todo o trabalho, serão expostos os dados verificados nas análises, assim como possíveis indicações de temáticas que podem ser melhor abordadas, o que buscamos é levantar possíveis reflexões que podem ser ou não abarcadas e incorporada nas futuras edições do material, a fim de contribuir para com o debate de uma questão tão importante como é a do conceito trabalho. 17 CAPÍTULO I O ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: DOS PRIMEIROS MANUAIS AOS LIVROS DIDÁTICOS DE SOCIOLOGIA APROVADOS PELO PNLD 18 1. 1.ENSINO DE SOCIOLOGIA NO BRASIL: ENTRE DILEMAS, AUSÊNCIAS E INTERMITÊNCIAS. Neste capítulo, por meio de revisão bibliográfica, serão levantadas as bases históricas da Sociologia no Brasil, indicando as principais reformas ocorridas, para deste modo delimitar os períodos de ausência da disciplina nos currículos da educação básica, a fim de evidenciar os principais impactos na produção de livros didáticos e na própria formação do pensamento social brasileiro. A Sociologia surge como ciência em um momento histórico, no qual inúmeras transformações ocorriam, dentre elas a efervescência ditada pela Revolução Francesa, Revolução Industrial, momentos históricos em que a visão de mundo dominante, distancia-se dos dilemas, morais e éticos, e das explicações de ordem religiosas, esquematizando um quadro em que abrolha a racionalidade e cientificidade. Ela surge de acordo com Dias (2020, p.39) no decorrer do século XIX, sendo este marcado “pela influência do embate intelectual entre as três principais correntes de pensamento dominantes da época, a saber: o Iluminismo, o Positivismo e o Evolucionismo”. As correntes citadas conjugaram a busca por uma postura política e científica, para refletir os dilemas da formação e das novas condições de desenvolvimento dos fenômenos daquela sociedade que se redesenhava. Para Florestan Fernandes, o nascimento da Sociologia foi um evento que atuou como uma espécie de Revolução Copérnica, “O ponto de vista científico foi estendido à observação e à explicação de fenômenos cuja ordem interna só podia ser abstraída, caracterizada e interpretada mediante a construção de sistemas lógicos de referência de tipo “aberto” (FERNANDES, 2005, p. 128-129). A construção de sistemas lógicos demarcou a inserção da aplicação e ditando os limites dos processos investigativos, um avanço, já que as significações precisas, o uso de conceitos, e os conhecimentos teóricos passaram a ser condição natural na identificação, análise e produção de um determinado fenômeno. Mesmo com suas origens ligadas ao positivismo, houve por meio da Sociologia e das Ciências Sociais uma rebelião defendida por Florestan (2005) como positiva, e o pólo positivo estaria atrelado à revisão da ética científica, o que estimula uma postura crítica do sujeito, que deve rever constantemente a sua própria condição enquanto cientista- pesquisador, reconsiderando a todo o momento em que consiste a ciência e o que é a ciência, seus limites e possibilidades. Para o mesmo, a Sociologia é parte 19 constituinte da ciência, do progresso técnico e científico, que se desenrola na segunda Revolução Industrial, ela apresenta os alcances e a amplitude de análise dos fenômenos sociológicos, sendo o progresso científico contado pela capacidade das “nações em mobilizar, organizadamente, seus recursos em benefício da posição delas na estrutura internacional de poder, e assim, o hiato entre o saber científico e o proceder prático tende a desaparecer” (FERNANDES, 2005, p. 130). O pensamento de Florestan descreve o que é a ciência e (1976, p. 269) atrelando tal concepção à esfera teórico-prática, ela atua como o instrumento que permite a invenção de “novas técnicas e instituições sociais, que facilitem e simplifiquem o uso das descobertas da Sociologia de um modo correto, positivo e construtivo”, no “desenvolvimento de uma ciência social e de uma tecnologia científica na esfera do controle racional e construtivo dos problemas sociais e das mudanças sociais. Logo, A Sociologia se apresenta como uma ferramenta valiosa. Pedagógica porque também o processo de socialização do conhecimento escolar se reveste dos elementos históricos globais das relações sociais, trazendo para esse espaço a concretização de conflitos, crises e disputas concomitantes no cenário social maior, mas guardando sua especificidade (MENDONÇA, 2011, p. 342-343). Sendo este instrumento que busca compreender a realidade social, os principais conflitos, a trajetória da Sociologia expressa que esta é uma ciência que, nas palavras de Bourdieu (2000), se pensa e se questiona como ciência. Por estar ligada a diferentes momentos, contextos e sofrer influência de diversas correntes, realizar uma cronologia, uma interpretação, não é uma tarefa simples, pois: As cronologias encerram certo paradoxo. Apresentam-se fundamentadas numa objetividade de datas que, no entanto, estão marcadas pela escolha que o autor da cronologia exerce e, mais do que isso, ou por isso, tal escolha já é índice de interpretação, ou seja, está sujeita a uma subjetividade. Isso para dizer que as datas estão longe de serem dados indiscutíveis e inolvidáveis – são construídas, também, tal e qual os fatos históricos: fazem parte de uma versão”. (MORAES, 2011, p. 360). Concebendo que a construção de uma ordem cronológica, não é uma verdade absoluta, mas, um caminho subjetivo de análise e interpretação, nesta dissertação, os passos definidos por Silva (2011) refletem as principais reformas e marcos constitutivos do processo de institucionalização da Sociologia no contexto social brasileiro. 20 QUADRO-RESUMO – INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO A Sociologia no contexto das reformas educacionais. 1891 – A Reforma Benjamin Constant propõe, pela primeira vez no Brasil, a Sociologia como disciplina do ensino secundário. 1901 – A Reforma Epitácio Pessoa retira oficialmente a Sociologia do currículo, disciplina que nunca chegou a ser ofertada. 1925 – A Reforma Rocha Vaz coloca novamente a Sociologia como disciplina obrigatória do curso secundário, no 6º ano. Como decorrência dessa Reforma, ainda em 1925, a Sociologia é ofertada aos alunos do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, tendo como professor Delgado Carvalho 1928 – A Sociologia passa a constar dos currículos dos cursos normais de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, onde foi ministrada por Gilberto Freyre, no Ginásio Pernambucano de Recife. 1931 – A Reforma Francisco Campos organiza o ensino secundário num ciclo fundamental de cinco anos e num ciclo complementar dividido em três opções destinadas à preparação para o ingresso nas faculdades de Direito, de Ciências Médicas e de Engenharia e Arquitetura. A Sociologia foi incluída como disciplina obrigatória no 2º ano dos três cursos complementares. 1933 – Criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. 1934 – Fundação da Universidade de São Paulo, que conta com Fernando de Azevedo como o primeiro diretor de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e como catedrático de Sociologia. 1935 - Introdução da disciplina Sociologia no curso normal do Instituto Estadual de Educação de Florianópolis com o apoio de Roger Bastide, Donald Pierson e Fernando de Azevedo. 1942 – A Reforma Capanema retira a obrigatoriedade da Sociologia dos cursos secundários, com exceção do curso normal. Quadro elaborado a partir de Silva (2008) Meucci (2000) aponta que a primeira proposta de implantação da Sociologia no ensino brasileiro ocorre com o movimento organizado por Rui Barbosa, ainda no século XIX. De acordo com a referida autora houve um verdadeiro movimento de transformação do ideário intelectual do país, sendo notável a importância do pensamento científico, e do conhecimento sociológico. Meucci (2000) constata que: Esboça-se, nesta época, pela primeira vez, a tentativa de discutir, de modo mais ou menos sistemático, o desenvolvimento da sociologia entre nós. Com efeito, nesta década, fora apresentada, por Ruy Barbosa, a primeira proposta formal de institucionalização da sociologia no meio acadêmico brasileiro. (MEUCCI, 2000, p.21). A sugestão de Rui Barbosa, que era deputado naquele dado momento, foi inédita no Brasil, pois propunha uma reforma do sistema de ensino, inserindo as seguintes disciplinas no currículo: "Elementos de sociologia e direito constitucional", na escola 21 secundária, "Instrução moral e cívica” e “Sociologia” abrangendo noções como direito pátrio e economia política, para as escolas normais, e, "Sociologia" nas Faculdades de Direito. Percebe-se que a disciplina para Rui Barbosa deveria estar presente nas três modalidades de ensino, compostas pelo Ensino Normal, Secundário e Superior, representado pelas Faculdades de Direito (MACHADO, 1987, p. 117). Entretanto, mesmo com o empenho e a tentativa de Rui Barbosa de implantar a Sociologia nos cursos citados acima, seus pareceres não foram aprovados, não obtendo êxito em discussões de ordem parlamentar, já que, as propostas de implantação da disciplina formalizadas pelo mesmo, não encontraram base de apoio para se desenvolver. Mesmo com um cenário nada propício, a semente estava lançada, e o interesse em torno da implementação e instauração desta disciplina na Educação Básica retorna com a Reforma Benjamin Constant, que em 1890, instituído “Ministro da Guerra, restabelece o Ensino de Sociologia e Moral nas Escolas do Exército conforme Decreto n. 330, de 12 de abril de 1890”. (MACHADO, 1987, p. 117). Logo após, assumindo o cargo de Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant empenhou seus esforços em uma reforma que incluía a Sociologia no ensino secundário1. A reforma estabelecia, como necessário, um curso de sete anos, para a formação ginasial, realizada no Colégio Pedro II, que era padrão, modelo de excelência para os demais ginásios do país. Além dessa formação, por meio do decreto (Dec. n. 981, de 08 de novembro de 1890), incluía no segundo semestre do sétimo ano a disciplina de Sociologia e Moral. Já em se tratando da escola normal, a Sociologia passou a constar na quinta série. Em relação ao ensino superior, ela surge como disciplina atrelada as Noções de Moral Teórica e Prática, presente no currículo da Escola Politécnica e no da Escola de Minas, de Ouro Preto. No entanto, a disciplina não esteve presente no currículo das Faculdades de Direito e nem no currículo das Faculdades de Medicina. Entretanto, “apesar do ensino da disciplina ser obrigatório no período que vai até 1897, a reforma não se efetivou sendo modificada a partir daquele ano. Nessa nova regulamentação a 1 (constituído então, do curso ginasial) 22 Sociologia desaparece dos currículos do Ginásio e do Ensino Secundário”. (MEUCCI, 2000, p. 10). Embora os Pareceres de Rui Barbosa e a Reforma de Benjamim Constant não obtiveram êxito, no que diz respeito à inserção da disciplina na educação brasileira, é possível considerar que elas demarcaram a indigência precípua de refletir e considerar a Sociologia como elemento e componente necessário na educação. Seguindo, com a “Reforma Rocha Vaz”, a Sociologia volta a fazer parte dos currículos de algumas modalidades do considerado Ensino Médio da época, sendo de acordo com Meucci (2000) inserida no “currículo da 6ª série ginasial, cursada por aqueles interessados em obter o diploma de “Bacharel em Ciências e Letras” [e] alguns anos depois, em 1928, nos Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, tornara-se disciplina obrigatória nos programas dos cursos de magistério” (MEUCCI, 2000, p. 10). Para a autora (2007, p.32) esta foi uma etapa importante, pois era o reflexo do encerramento de uma proposta de pensamento no qual o ensaísmo jurídico e literário cedia espaço ao realismo científico. Entretanto, é de se notar que, na transição dos anos de 1920 para 1930 desenvolve-se um cenário promissor para institucionalização da Sociologia no Brasil, isso porque ocorreram a introdução da cadeira de Sociologia nas escolas normais de Pernambuco e Rio de Janeiro (1928) e São Paulo (1933), havendo ainda, a criação dos cursos de Ciências Sociais nas escolas Livres de Sociologia da USP. Com todo esse movimento na década de 1930, com a Reforma Francisco Campos, a Sociologia tornou-se elemento compositivo do quadro de materiais dos complementares, sendo aplicada em um período adicional destinada aos alunos que visavam ingressar no ensino superior. A Reforma Francisco Campos2 propiciou as bases para a criação de universidades pelo país, além de oficializar o Colégio Pedro II como referência aos colégios secundários – fomentando, assim as condições necessárias à construção de uma cultura escolar do Ensino Secundário, estabelecendo segundo Dias (2000) procedimentos administrativos, didático-pedagógicos e uniformes para todos os ginásios brasileiros. 2 Foi a primeira reforma educacional de caráter nacional, desenvolvida em 1931 pelo então ministro da educação e saúde Francisco Campos. A reforma foi marcada pela articulação conjunta aos ideários do governo Vargas e seu projeto político ideológico. Dentre as principais medidas adotada estava a criação do conselho nacional de educação e organização do ensino secundário e comercial. 23 Como afirma Meucci (2015) tal reforma forneceu elementos para a centralização burocrática da organização da educação brasileira sob um forte controle federal. Em 1931, com o conjunto de mudanças estabelecidas pela “Reforma Francisco Campos”, a Sociologia se confirma nos currículos em escala nacional. Mesmo sendo a década de 30 efervescente em termos políticos, é notório uma lacuna no que diz respeito à formação, não havia cursos de formação de professores de Sociologia, sendo então, a disciplina ministrada por médicos, advogados, engenheiros. Naquele dado momento, a Sociologia para elite que compunha as bases societais de nosso país era um conhecimento necessário para manter ávido o seu monopólio. Logo, a Sociologia cumpria: Uma função para além da cientifização de um currículo voltado à formação das elites; cumpria, também, a função de ser uma disciplina normativa das relações sociais, prescrevendo as noções de civismo, moralidade e higienismo, que ganhavam força nesse período da história brasileira, de maneira que, Mais do que isso, ofereceu uma metáfora da sociedade: a metáfora orgânica, na qual se ocultaram desigualdades sociais sob os argumentos da diferença, da funcionalidade, solidariedade e autoridade. (DIAS, 2020, p.39) De fato, a Sociologia para as elites cumpria o papel de manter o status quo, desconsiderando as desigualdades sociais e os próprios elementos que compõem a estrutura social brasileira, nesse sentido a sociologia escolar, os materiais e conteúdos encontrados na forma de livros estavam sob o controle direto da Comissão Nacional do Livro Didático corroboravam com a manutenção dos ideais de uma minoria abastada. É em meio a este processo de inclusão que se torna preciso pensar na composição de materiais de ordem didática, desde meados da década de 20 já se iniciam os primeiros apontamentos na confecção de materiais, guias escolares. Pioneira, Simone Meucci em sua dissertação de mestrado A institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos) marca que no primeiro período em que há a obrigatoriedade do Ensino de Sociologia nas escolas brasileiras (1925-1942), dezenas de obras didáticas foram produzidas para servirem de subsídio ao trabalho educacional. É preciso registrar que nesses manuais veiculavam, de modo predominante, conteúdos elitistas, com caráter enciclopédico com uma expectativa civilizatória, religiosa, patriótica e moralizante. De acordo com Ciagles (2014), com o processo de institucionalização da Sociologia vieram os primeiros manuais nacionais destinados ao Ensino da Sociologia na escola. Os primeiros manuais, segundo Meucci (2000, p.127-128), eram fortemente influenciados pela corrente positivista, estando presente nos cursos de direito, dentre 24 livros e manuais contam na historiografia “Sociologia Criminal” (1915) de Paulo Egydio Carvalho, Preparação à Sociologia (1931) Alceu Amoroso Lima “Princípios de Sociologia” (1935) de Fernando de Azevedo, “O que é sociologia” (1935) de Rodrigues Merèje, e “Sociologia Educacional” (1940) de Fernando de Azevedo são importantes veículos divulgadores das ideias de Durkheim, além destes o Manual de Sociologia educacional de Amaral Fontoura, Manual de Delgado de Carvalho3 publicado em (1931), sendo este o primeiro catedrático de sociologia do colégio Pedro II, Fundamentos de Sociologia (1940) de Carneiro Leão e Princípios de Sociologia (1945) de Gilberto Freyre. Os primeiros manuais didáticos de Sociologia produzidos no Brasil datam de 1931 a 1948, como fontes originais – “e enquanto fenômenos sociológicos – de produtos e produtores de formas de representação da vida social singular do período. [...] a composição desse conjunto de livros didáticos de Sociologia relaciona-se ao processo de institucionalização das Ciências Sociais” (MEUCCI, 2001, p.121). Totti e Santos (2013, p. 4) acrescentam que a Sociologia, aplicada nos anos iniciais de sua introdução, tinha como foco e função principal a manutenção da ordem social, cunhando um desacerto que o definia como sendo “um ensino médio sem possibilidade de tornar-se um ‘instrumento consciente do progresso social’, isto é, incapaz de proporcionar uma ‘educação dinâmica” (FERNANDES, 1955, p. 98). O fato é que os manuais, os livros didáticos e programas de acesso, estão relacionados com o processo de institucionalização da disciplina. Segundo Meucci (1999, p. 123) “as influências teóricas dos primeiros manuais de Sociologia estavam relacionadas com o país onde foram elaborados. A maioria dos autores, porém, acreditando que essa perspectiva criaria impasses para a legitimação científica da Sociologia” (cujas teorias e leis deveriam ser, a rigor, universalmente aplicáveis), “adotaram a seguinte denominação: a ―Sociologia na França, a ―Sociologia na Alemanha‖, a ―Sociologia nos Estados Unidos” (Azevedo, 1939, Leão, 1940, Freyre, 1945). Para esse grupo de autores a Sociologia e as teorias sociais não possuíam uma nacionalidade fixa, por isso o seu desenvolvimento estava ligado ao campo de conhecimento proeminente de cada país. Em termos de Brasil, sob forte influência 3 Além de ser catedrático no colégio Pedro II, publicou uma série de manuais, entre eles contam: Sociologia em (1931), Sociologia Educacional (1933), Sociologia e Educação (1934), Sociologia Experimental (1934), Práticas de Sociologia (1937), Didática das Ciências Sociais (1949), Textos de Sociologia Educacional(1951), Introdução Metodológica aos Estudos Sociais (1957). 25 estrangeira, os primeiros manuais vieram imbuídos de ares e de autores franceses e norte-americanos. Mesmo com o predomínio de autores estrangeiros, o pensamento social brasileiro também foi de extrema importância, embora na maioria dos livros inexistam “discussões profundas do pensamento social no Brasil, devemos destacar os primeiros sintetizadores do conhecimento sociológico aqui no Brasil, teve boas influências, podendo tomar como exemplo, Alberto Torres e Oliveira Vianna”. Meucci (2011, p. 169). Mas, como a Sociologia, conforme indicado, é marcada por períodos de ausência/intermitência, com todo o movimento de operacionalização do ensino da disciplina, no ano de 1942, com a Reforma Capanema, a disciplina mergulha em um cenário nebuloso sendo reinserida novamente nos currículos após mais de 40 anos de ausência. A Reforma Capanema possuía um caráter centralista, extremamente burocrático e dualista, já que “separava o ensino secundário, voltado para as elites, do ensino profissional”. Além disso, foi responsável por extinguir cursos complementares que preparavam os alunos para os exames superiores admissionais (SAVIANI, 2009 apud OLIVEIRA, 2013, p. 183). Mesmo com um quadro desfavorável é preciso ressaltar que houve momentos auspiciosos à reinserção da Sociologia nos currículos, irrompendo em 1949, no Simpósio “O Ensino de Sociologia e Etnologia”, quando Antonio Cândido defendeu o retorno da Sociologia aos currículos da escola secundária, no Congresso Brasileiro de Sociologia, tendo em Florestan um dos principais expoentes e precursores na luta em defesa da Educação Pública, discutindo os limites e possibilidades do ensino de Sociologia. Para Meucci (2015, p. 129) a função que as disciplinas Organização Social e Política do Brasil e Educação Moral e Cívica tiveram entre os anos de 1960 e 1970, a função de tomarem para si as preocupações que englobam o civismo e a moralidade. Logo, “cumpriam uma função normativa que antes fora cumprida pelo próprio Ensino de Sociologia”. Em 1961, ocorre a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para a educação, dando margem à criação da disciplina de Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e em 1969, a criação da disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC) como obrigatória em todos os níveis de ensino e em todas as escolas do país. 26 Em 1971, com a promulgação da Lei n.º 5692/1971 o ensino de oito anos passa a ser obrigatório em toda extensão brasileira, o norte deste ensino era voltado à profissionalização, o que levou a exclusão da obrigatoriedade da disciplina, passando ela a figurar como elemento optativo. A Sociologia só passará novamente a ser objeto e ponto de discussão, ocupando posição relevante, na década de 1980 - mais especificamente em 1982 –, ano em que foram realizadas alterações substanciais na legislação de 1971, deixando de ser obrigatória a profissionalização no segundo grau. E é com o fim da obrigatoriedade que a Sociologia retorna aos currículos. Santos (2004) denominam esse novo contexto como o período de “Reinserção Gradativa da Sociologia no Ensino Médio” (1981-2001). Nas décadas de 90, com discussões sobre cidadania e alterações na LDB, evidenciou de acordo com (OLIVEIRA, 2013, p. 184) que a Sociologia possui um conjunto de paradigmas e problemáticas, que são específicas de seu campo do saber, sendo preciso ter um trato específico. Porém, o que se esboça era um trato “interdisciplinar que, aplicado a ela deixa de garantir a efetividade de sua orientação por meio de seus estatutos epistemológicos específicos – o que seria de eminente relevância para o trato da questão”. Os debates em torno do trato interdisciplinar que a LDB atribuía à Sociologia no Ensino Médio culminaram no Projeto de Lei nº 3.178/97, de autoria do Deputado Federal Padre Roque, a fim de que fosse atendida a iniciativa de alterar o artigo 36 da LDB de modo a garantir efetivamente a presença da Sociologia e da Filosofia enquanto disciplinas obrigatórias nos currículos do Ensino Médio. No entanto, em 2001, após aprovado na Câmara, houve o veto do então Presidente da República do Brasil, Fernando Henrique Cardoso (FHC). Somente no ano 2006, com a publicação de um parecer emitido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, 2006) houve a publicação de parecer favorável à “reintrodução” das disciplinas de (Filosofia e Sociologia) nos currículos escolares, voltando desta forma ao centro de do debate educacional. Todo este movimento nos trás aos anos de 2008, que representam um dos marcos mais importantes, pois com a provação da Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008, obrigatoriamente, a Sociologia e a Filosofia são incluídas como disciplinas integrantes dos currículos de Ensino Médio. A retomada da Sociologia no currículo, não foi fácil, como a disciplina é fruto de muita luta, obviamente novos desafios foram postos, desafios tais como a 27 implementação de um currículo mínimo, com os conteúdos e procedimentos que são característicos do campo das Ciências Sociais. Dentre esses desafios após a ocorrência do golpe de governo ocorrido em 2016, culminando no impeachment da então presidente Dilma Roussef e a entrada de Michel Temer para a presidência, em meio a uma crise financeira, o país avançou na implementação das pautas de políticas neoliberais, ampliando o desmantelamento dos setores públicos. No âmbito da Educação Básica, o maior golpe se deu ao Ensino Médio com a aprovação da Lei nº 13.415/2017, delimitando-se a Reforma do Ensino Médio. A lei alterou por completo o currículo do Ensino Médio, a estrutura curricular, carga horária, sendo novamente fonte de instabilidade à Sociologia, apresentando apenas as disciplinas de Português e Matemática como obrigatórias. Para Mendonça (2017, p.74) esta é uma grande problemática, pois subentende-se que os demais conteúdos curriculares não terão o mesmo trato disciplinar que os demais. No que compete especificamente à Sociologia, a Reforma define que conforme “A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia” (BRASIL, 2017a, p. 2). É possível notar a diferença entre os termos “obrigatoriedade do ensino de” e “estudo e prática de”, para Sousa (2020) Enquanto o primeiro termo afirma que o ensino é obrigatório, o segundo deixa indefinido a ação da disciplina, podendo sugerir a incorporação dos conteúdos de Sociologia em outras disciplinas. Estes pontos apresentados podem ser prejudiciais para a formação dos jovens estudantes, que poderão deixar de ter acesso aos conhecimentos científicos produzido nas diferentes áreas de conhecimento. Bem como traz novas incertezas as licenciaturas de Ciências Sociais, que formarão profissionais para um campo educacional inexistente (SOUSA, 2020, p. 35-36 ). No que se refere à Sociologia, a formação e o trato pedagógico entre os anos de as OCNEM auxiliaram o desenvolvimento da disciplina, definindo sua funcionalidade e raio de atuação, delimitando os aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos, dentre os aspectos epistemológicos, sua função no Ensino Médio. Cabia a Sociologia: “desnaturalizar [as] concepções e fenômenos sociais”; b) realizar o “estranhamento. (...) observar que os fenômenos sociais que rodeiam todos não são de imediato conhecidos” (BRASIL, 2006, p. 105-106). Para Sousa (2020, p.34) Os conceitos de desnaturalização e estranhamento tornaram-se os pilares da Sociologia no ensino básico. Outro ponto fundamental do documento são os pressupostos metodológicos que propõem a exposição dos conteúdos 28 segundo três tipos de recortes: teorias, temas e conceitos. As OCNEM se mantém como principal documento orientador do ensino de Sociologia. Seus princípios norteiam, a avaliação dos livros didáticos de Sociologia inscritos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Cigales (2014) reforça que não é possível ter uma compreensão real da história de uma disciplina sem conhecer os materiais que compuseram, portanto, para considerar a importância e relevância do Ensino de Sociologia, sua trajetória histórica, os elementos teóricos, metodológicos e epistemológicos, que compõem a disciplina, devem ser considerados como fundamentais. A análise dos conteúdos presentes — seja nos livros, ou nos primeiros manuais de sociologia — expressa o pensamento vigente de um determinado período, seus agentes, fontes utilizadas, limites e possibilidades. Ao abordar o ensino e, respectivamente, os materiais que lhe dão subsídio, Júlia (2001, p. 12-13) metaforicamente indica que se tem em mão a “caixa preta” da escola, pois se tenta identificar, tanto através das “práticas de ensino utilizadas em sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição as disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história renovada da educação”. Em se tratando do ensino de Sociologia, a história da disciplina é marcada por períodos de ausência, o que em tese dificulta a formação e a produção de materiais didáticos. Desde as primeiras propostas de implementação, datadas no final século XIX, a disciplina fica em grandes períodos fora do currículo escolar, fato este que engendra debates e discussões sobre a qualificação dos profissionais, materiais didáticos e a legitimidade desta como disciplina escolar. Para Cigales (2013), mesmo com o fracasso em incluir a Sociologia no currículo escolar, inicia-se “um processo de escrita sociológica por parte de alguns intelectuais brasileiros, em que retratam questões pertinentes a um país jovem e repleto de temas e problemas a serem investigados” (CIGALES; ARRIADA, 2013, p. 102). O Ensino de Sociologia de acordo com Daros et al (2000, p.24) no cenário brasileiro se desdobra de forma atípica, isso porque nos demais países da América latina a disciplina surgiu ligada de forma direta aos cursos jurídicos, já em nosso país, desde o início ela se encontra associada as escolas normais, que até então, eram responsáveis pela formação de professores para o ensino primário. A formação de professores sempre foi uma problemática e um campo de discussão, visto que inicialmente uma boa formação era reservada apenas às camadas mais abastadas, a uma elite, que enviava seus filhos para estudarem fora do país, e estes 29 ao regressarem consagravam um ciclo, em que se a produção de conhecimentos e o processo de ensino e aprendizagem ocorriam de forma livresca, enciclopédica, transplantando ideais e bases teóricas e metodológicas que correspondiam a uma dinâmica exterior, distanciada da realidade social de um país tão plural quanto o Brasil. Florestan Fernandes (1980) em seu livro A Sociologia no Brasil enfatiza a interdependência do pensamento brasileiro com o europeu. Deste modo, Florestan verifica que além dos ideais europeus a Sociologia foi recebida, no Brasil, como “novidade” intelectual, simultaneamente à sua criação na sociedade Européia. Segundo Florestan ela: Faz parte do processo da vida literária de povos culturalmente muito dependentes manter um intercâmbio com os centros estrangeiros de produção intelectual. As “novidades” assinaláveis tornam-se rapidamente conhecidas, ainda que não fossem reelaboradas de uma forma autônoma. O destino do saber acumulado, desse modo, se regulava pelos padrões de vida literária que faziam dele, estritamente, uma forma de ilustração e um meio de alcançar notoriedade em círculos letrados. (FERNANDES, 1980, p.26). Logo, é concluso que os intelectuais brasileiros preocupavam-se e ocupavam-se das teorias Européias e Norte-Americanas, deixando a tarefa de elaborar uma corrente teórica própria, que desse conta de interpretar a realidade social brasileira e seus dilemas. Essa é uma problemática levantada por Alberto Guerreiro Ramos, que representa, por meio do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), suas preocupações e inquietações. Para o autor, a Sociologia deveria abandonar o caráter tradicionalista de uma disciplina transplantada, que refletia tão somente a realidade externa. Em oposição aos pensadores da época que viam que a sociologia era aplicada como forma de garantir a ordem social, tornando-se um instrumento consciente necessário para o progresso social. Guerreiro Ramos (1995) reitera que ao tomar os princípios e bases metodológicas que não se aplicam a pluralidade da realidade brasileira, todos os esforços empreendidos se tornam estranhos e inférteis. Este é apenas o princípio de um problema bem maior, ao tomar como base uma Sociologia “enlatada” se ocasiona uma formação livresca, informativa, nas palavras de Fernando de Azevedo (1973) uma formação “carente de conteúdo científico”. Sendo assim, a Sociologia deveria buscar compreender os problemas sociais inerente a própria realidade, resgatando os laços com as raízes nacionais. Para Guerreiro Ramos: O que se pede ao ensino de sociologia é que desenvolva no educando a capacidade de autonomia e de assenhoramento das forças particulares da 30 sociedade em que vive. O ensino da sociologia não deve distrair o educando da tarefa essencial de promoção da autarquia social do seu país (RAMOS, 1995, p. 128). O que o autor pleiteia é que a Sociologia, assim como seu ensino, deve ter como objetivo central a emancipação, fornecendo as ferramentas intelectuais necessárias para que seja possível interpretar, considerar e analisar os problemas referentes à formação nacional do país, experienciando uma realidade conjuntural própria. Nas proposições de Guerreiro Ramos é explícito que o ensino de Sociologia deve romper com o adestramento, indo além do implementado, porém, para que isso seja possível, uma formação emancipadora e crítica torna-se imprescindível, já que naquele dado momento os profissionais ao se confrontarem com os problemas da realidade brasileira, busca nos livros, nas teorias e nos compêndios receitas prontas, formulas únicas e universais para ultrapassar os problemas. Indo na contramão dessa Sociologia enlatada, o que é proposto por Guerreiro Ramos é a necessidade de um ensino e de uma Sociologia que questione as bases sociais vigentes, assim como o emprego teórico (transplantado), a fim de produzir novas formas e novas interpretações da vida social. A Sociologia como uma ciência em construção deve ser um constante movimento de observação, reflexão, para tal, a realidade, assim como os condicionantes sociais devem ser considerados à luz de uma qualificação teórica e metodológica que, vise “a formação do indivíduo cidadão, capaz de compreender e atuar criticamente diante dos dilemas da moderna sociedade urbano industrial” (COSTA, 2013, p. 41), sendo que: […] a transmissão de “conhecimentos sociológicos se liga à necessidade de ampliar a esfera dos ajustamentos e controles sociais conscientes na presente fase de transição das sociedades ocidentais para novas técnicas de organização do comportamento humano”. (FERNANDES, 1954, p. 106 apud COSTA, 2013, p. 58). Tendo descrito a complexidade que permeia a Sociologia, e o ensino de Sociologia, cabe ressaltar que ela é um instrumento privilegiado para compreender a realidade social, as principais transformações ocorridas historicamente, além disso, versa sobre os dilemas da contemporaneidade, considerando os condicionantes e os elementos necessários à vida em sociedade. Inúmeros são os desafios presentes no ensino de Sociologia, desde a luta pela legitimidade deste ensino nos currículos, as próprias bases de formação de professores, que lidam cotidianamente com os dilemas da educação pública, que passa por um 31 processo de desmonte e precarização, isso em “um ambiente cultural que é social, histórico e intelectual” compondo um conjunto de relações sociais que estão em um ciclo constante de transformação. (IANNI, 2011, p. 330). Indo além, por intermédio da Sociologia, os instrumentos, as relações e as estruturas historicamente construídas e consolidadas pela humanidade passam a ser questionadas de forma crítica, consciente, com respaldo teórico, metodológico e epistemológico, possibilitando aos sujeitos desnaturalizar e estranhar os fenômenos. Nas palavras de Dias (2020, p.29) este é o objetivo do Ensino de Sociologia oferecer “a imaginação sociológica como contraponto à pseudoconcreticidade das concepções de senso comum”. Tendo descrito a trajetória de luta pela implementação da Sociologia no cenário educacional brasileiro, assim como os desafios e especificidades no que tange a produção de materiais, manuais, e livros distribuídos, cabe agora explicitar a necessidade de promover uma reflexão acerca dos livros de Sociologia atuais, distribuídos pelo Plano Nacional do Livro Didático, que passaram a ser amplamente distribuídos às escolas. Cabe ressaltar que, nesta dissertação têm-se a necessidade de desenvolver uma reflexão com base na imaginação sociológica, sendo os temas, teorias e aspectos conceituais centrais na compreensão das transformações histórico-sociais, fornecendo aos alunos mecanismos para desnaturalizar e estranhar os fenômenos. Seguindo o próximo tópico a ser discutido se volta para a consolidação histórica do Plano Nacional do Livro Didático, tomando como parâmetro os livros de Sociologia aprovados por este programa, indicando distribuição, vendagem, e volumes aprovados. O caminho escolhido foi interessante, cotejar a sociologia com a discussão do Livro didático, mas faltou chegar à exclusão da Sociologia pela Reforma do Ensino Médio. 1.2. A TRAJETÓRIA DO PLANO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO: Neste item será realizado um resgate histórico sobre a composição e a trajetória do PNLD, indicando as principais transformações e a abrangência do programa, assim como os critérios de aprovação e/ou reprovação dos livros didáticos disponibilizados por meio do programa. Foi considerado e analisado o edital de 2015, já que os livros didáticos seguem um ciclo trienal. O edital em questão considera oito itens que deveriam ser 32 desenvolvidos nos livros didáticos, sendo eles: 1) “a imagem positiva da mulher na sociedade”; 2) “temática de gênero” e “combate a homo e transfobia”; 3) ”superação de toda forma de violência”; 4) “educação e cultura em direitos humanos”; 5) ”respeito a valorização da diversidade”; 6) “imagens positivas de afrodescendentes e da população do campo”; 7) “cultura e história afro-brasileira e dos povos. Para Mendonça (2012), estes novos princípios adotados colaboraram com o ensino de Sociologia, já que refletem diretamente sobre os temas e teorias discutidos no campo da disciplina. Deste modo, pode-se considerar que as DCNEM favoreceram a consolidação da disciplina através do livro didático. A produção de manuais, de livros didáticos e a criação de órgão de regulamentação, como o PNLD, de acordo com Eras (2014) estão relacionados com o processo de institucionalização da disciplina de Sociologia. Nota-se que a confecção de materiais esteve e está diretamente ligada à presença da disciplina no currículo. Dessa forma, Meucci nota que o processo de institucionalização da ciência sociológica está condicionado à produção e a difusão do conhecimento da sociologia, isso ocorre com apoio nos primeiros manuais didáticos que eram usados nos cursos normais, secundários e preparatórios para o ensino superior. “Pois, sua sistematização encontrava-se inserido na preocupação e interesse dos autores em difundir a nova área de conhecimento no sistema regular de ensino”. (MEUCCI, 2000, p.123) Entretanto, é preciso pontuar que, a presença dos livros didáticos, a confecção e materiais não é algo recente, já que em 1929 é criado o INL (Instituto Nacional do Livro Didático). Já no ano de 1938, por meio do Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/384, o Estado consolida a instituição e a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), estabelecendo as condições de produção e circulação dos livros didáticos. Dentre as competências da Comissão Nacional do Livro Didático conta o estímulo à produção, importação de livros didáticos, além de notar e indicar os livros didáticos estrangeiros de notável valor, que mereçam ser traduzidos e editados pelos poderes públicos. O decreto ainda acresce a possível sugestão à abertura de concurso para a produção de determinadas espécies de livros didáticos de sensível necessidade e ainda não circulam pelo país, o que deixa explícita a valorização de autores e materiais 4 O decreto pode ser encontrado emhttps://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1006- 30-dezembro-1938-350741-publicacaooriginal-1-pe.html. acesso em 14 de fevereiro de 2020. 33 externos. A aprovação estava condicionada aos seguintes critérios: Tabela1. Quesitos para aprovação do Livro Didático a) Que não atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a honra nacional; b) Que contenha, de modo explícito ou implícito, pregação ideológica ou indicação da violência contra o regime político adotado pela Nação: c) Que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas, ao Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais; d) Que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras dos que se bateram ou se sacrificaram pela pátria; e) Que encerre qualquer afirmação ou sugestão, que induza o pessimismo quanto ao poder e ao destino da raça brasileira; f) Que inspire o sentimento da superioridade ou inferioridade do homem de uma região do país com relação ao das demais regiões; g) Que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras; h) Que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais; i) Que procure negar ou destruir o sentimento religioso ou envolva combate a qualquer confissão religiosa; j) Que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos vínculos conjugais; k) Que inspire o desamor à virtude, induza o sentimento da inutilidade ou desnecessidade do esforço individual, ou combata as legítimas prerrogativas da personalidade humana. Fonte:https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1006-30- dezembro-1938-350741-publicacaooriginal-1-pe.html. Além dos quesitos descritos, de acordo com o decreto, era vedado o uso da linguagem informal, emprego de gírias, quadrinhas, sendo obrigatório o indicativo dos preções de venda na capa do material. No entanto, deve-se frisar que o decreto dá abertura às escolas e aos professores no que concerne à escolha dos livros a serem usados, sendo que estes primeiro passariam pela triagem do MEC. O Estado brasileiro desde o ano de 1937 comandou com mãos de ferro e passou a regular e regulamentar o uso dos manuais didáticos, institucionalizando a apreensão com o material utilizado na escola. “Percebe-se, assim, a preocupação do Estado com o material a ser distribuído, reconhecendo que se trata de um meio de disseminação da política adotada” (GALUCHI; TSUKUDA, 2017, p. 2). Com as vias de um regime autoritário, sob domínio de Vargas, o livro que era entendido como um meio de disseminação de ideias e, possivelmente, seria um 34 corruptor da inocência juvenil, passa a ser objeto de preocupação, análise e “controle político ideológico da produção e distribuição” (CAVALCANTE, 2015). Todo esse movimento embrionário do decreto Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38, foi refreado no ano de 1942 com a reforma Capanema. O lugar das Ciências Sociais, no campo educacional, cumpria o papel de demanda social específica e considerada sucinta para formação dos quadros profissionais para o ensino secundário. Miceli (1989) afirma que a Reforma Gustavo Capanema além de fomentar o esvaziamento do interesse dos intelectuais, por militares em pesquisar as interpretações do país, ainda segmentou o currículo em dois módulos – ginasial e secundário – “instituindo um ensino de cunho patriótico e humanista, momento em que atuava um Governo da tríade de intervenção militar – Augusto Fragoso, Isaías Noronha e João Mena Barreto”. (ERAS, 2014, p. 30). Pouco após a Reforma Capanema, em 1945, é impetrado o decreto Lei nº 8.460, de 26/12/45, que consolida a legislação sobre as condições de produção, importação e utilização do livro didático, restringindo ao professor a escolha do livro que será de uso em sala de aula, indicando a parceria e a relação com Ministério da Educação e Saúde. Krafzik (2006, p.23) analisa que a partir da década de 1940, “o Brasil foi contemplado com a ajuda externa, por meio de programas de assistência técnica e transferência educacional, mas essa ajuda não consistiu apenas de uma ação norte- americana na América Latina”. Na década de 60, mais especificamente no ano de 1966, é firmado um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), este acordo permitiu a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (COLTED), instituída pelo Decreto n° 59.355, em 4 de outubro de 1966, com o objetivo central de coordenar ações referentes à produção, edição editoração e respectivamente a distribuição do livro didático. O acordo assegurou ao MEC recursos suficientes para que fosse feita a distribuição gratuita de 51 milhões de livros no período de três anos. É relevante postular que o programa com o financiamento do governo, recebendo verbas e auxílio público, revestiu-se do caráter de continuidade. O programa da COLTED passa então a distribuir livros às bibliotecas escolares do primário, secundário e o superior. Sobre os acordos entre MEC e a USAID, Romanelli (2003) argumenta que a partir de junho de 1964, já se tem registro de acordo entre o Ministério de Educação e 35 Cultura (MEC) e a Agency for Internation Development (AID) de acordo com Krafzik (2006, p.19), ela tem as seguintes funções: A AID tem por função não a concepção de uma estratégia da educação, mas sim a de influenciar e facilitar esta estratégia nos setores nos quais seus conhecimentos, sua experiência e seus recursos financeiros pode ser uma força construtiva que ajudará a atingir os objetivos visados. Tal estratégia deve ser concebida essencialmente por aqueles que têm o poder de tomar decisões e disponha dos recursos necessários. É então aos dirigentes dos países em vias de desenvolvimento que cabe decidir sobre a estratégia da educação. A autora sopesa que essa foi a forma pela qual a AID atuou no país, por meio de programas que incluíam assistência técnica, financeira e jurídica junto as unidades e instituições escolares. “Embora, essa estratégia das agências internacionais não explicitassem uma ação direta, no planejamento e na organização, a ação estava implícita nos programas de treinamento de pessoas e outras atividades que implicava doutrinação”. Krafzik (2006, p.29) Tendo mencionado o duplo caráter, primeiro de fomento e financiamento e segundo de treinamento e nas palavras de Krafzik (2006) de “doutrinação”, mesmo assim, é preciso considerar que a COLTED impulsionou o mercado editorial brasileiro. Santos (2005, p.54) apura que para que o acordo fosse firmado e houvesse concessões e a associação, o aparato ideológico estatal, em consonância com os interesses capitalistas, usaria como justificativa a crise e o dilema educacional brasileiro para reiterar a necessidade do intervencionismo norte-americano. Na década de 1970, por meio da Portaria nº 35, de 11/3/1970, o Ministério da Educação implementa o sistema de coedição de livros com as editoras nacionais, valendo-se do uso de recursos disponibilizados pelo Instituto Nacional do Livro (INL). Esta parceria só foi possível por causa do baixo valor dos recursos investidos, e, por conta disso, ocorre a Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) por intermédio do Decreto nº 77.107, de 04/02/76, nesses meandros o governo se responsabiliza pela compra de boa parcela dos livros para distribuí-los, a parte das escolas e das unidades federadas. Ocorre, ainda, a extinção do INL, dando à Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) a responsabilidade magna de executar e levar à frente o programa do livro didático. Com a criação da Fename os recursos ficam agora a critério do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no entanto existia uma insuficiência de recursos e proventos, o que tornava inviável atender a todos os alunos do ensino 36 fundamental da rede pública, o que levava automaticamente a exclusão das unidades municipais do programa. Embora em 1970 tenha havido essa ampla participação das editoras, estas só ganham notabilidade e um mercado seguro em 1976. Com a extinção do INL, a Fename torna-se responsável por essa distribuição e coordenação dos livros didáticos, de acordo com o histórico do PNLD5. A partir daí, os recursos proviam do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e das contribuições estaduais. Contudo, os investimentos não eram suficientes para atender toda a demanda dos discentes da rede pública. Sendo assim, parte das escolas municipais é excluída desse programa. Em 1983, a Fename deu lugar a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) incorporando o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIFED). Pouco tempo depois, o decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, instituiu o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). De acordo com esse decreto, todas as modificações concernentes à escolha do livro didático deveriam contar com Indicação prévia dos professores, o decreto estabeleceu que: Art. 1º. Fica instituído o Programa Nacional do Livro Didático, com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes matriculados nas escolas públicas de 1º Grau. Art. 2º. O Programa Nacional do Livro Didático será desenvolvido com a participação dos professores do ensino de 1º Grau, mediante análise e indicação dos títulos dos livros a serem adotados. [...] Art. 4º. A execução do Programa Nacional do Livro Didático competirá ao Ministério da Educação, através da Fundação de Assistência ao Estudante - FAE, que deverá atuar em articulação com as Secretarias de Educação dos Estados, Distrito Federal e Territórios, e com órgãos municipais de ensino, além de associações comunitárias. (BRASIL, 1985, s\p.) Além da participação dos professores, o decreto define as formas de reutilização e conservação dos livros, o que implicou o aperfeiçoamento das especificações técnicas para sua produção, visando, assim, o que seria um avanço e uma possibilidade de implantação, formando um banco didático de livros. Os livros aprovados pelo programa fazem parte de uma enorme teia de relações, atuando nos âmbitos políticos, sociais e pedagógicos, além de transitar pela esfera econômica, já que a aprovação e respectiva distribuição movimentam um verdadeiro império econômico editorial. O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é descrito no portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) como um 5 Uma síntese histórica contendo os principais momentos do PNLD, e do livro didático foi desenvolvida pela USP. Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2019/08/23/dez-etapas-pnld/ 37 elemento que congrega um conjunto de ações voltadas para a distribuição de obras “didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, destinados aos alunos e professores das escolas públicas de educação básica do país”. O PNLD também contempla, ainda, as instituições comunitárias, confessionais e instituições de ordem filantrópica, isso sem fins lucrativos devendo estas estar conveniadas com o Poder Público. As escolas que aderem ao programa recebem, após análise das resenhas e solicitação conjunta do corpo gestor, os materiais de forma sistemática, regular e gratuita. Trata-se, portanto, de um programa de grande amplitude e abrangência, sendo um dos principais pilares e instrumento de apoio no processo de ensino-aprendizagem, estando nas escolas que se beneficiam do programa, além dos livros, recursos como mídia digital, manuais e guias são parte componente do material. O PNLD de fato é a expressão e o reflexo de um ciclo de mudanças e de transformações que são extremamente significativas para a educação básica brasileira. Por sua interlocução, os professores assumem um papel mais ativo frente à escolha do material, além de poder contar com usos e recursos diferenciados, tais como: dicionários, materiais em braile. Além disso, a oferta é expandida também às escolas públicas e comunitárias. O início dos anos 1990 é penoso para os sistemas de educação, pois há uma brusca redução no repasse de verbas orçamentárias, a principal consequência deste desfalque se revela em 1992, quando a distribuição dos livros didáticos é restrita apenas até a antiga 4ª série do ensino fundamental. Em 1996, “[...] a FAE é extinta, ficando a cargo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – autarquia federal, vinculada ao MEC, criada em 1968 – a execução do PNLD, com recursos oriundos principalmente do Salário-Educação” (HÖFLING, 1998, p. 6). Somente no ano de 1995 o processo de universalização e acesso aos livros didático retoma seu ciclo, e os componentes de Língua Portuguesa e Matemática começam a chegar às escolas. Em 1996, as áreas de Ciências e, em 1997, Geografia e História vão estar de fato nas escolas. É preciso considerar que os recursos e os investimentos destinados para a aquisição de livros didáticos não eram baixos, mas o problema é que grande parte da arrecadação das verbas era destinada para algum grupo editorial. Segundo Höfling (1998, p. 45) os gastos chegavam a R$118.704.786,54 no total “da FAE, sendo que, em 38 1996, o investimento foi R$109.361.922,85 direcionados apenas a seis editoras das 35 que concorreram naquele momento, entre essas editoras estavam a FTD, Ática, Scipione, Saraiva, Brasil e Nacional”. Algumas variações no PNLD são notórias, isso merece destaque, principalmente após o ano de 2005, quando ocorre a disponibilização gradativa de dicionários, e a Educação Especial se torna motivo de preocupação, reiterando a necessidade de materiais adequados e adaptados as peculiaridades desses alunos. Com essa ampliação e a distribuição para alunos especiais, cumprindo a função política de acesso aos bens culturais, o que é apenas o princípio, os investimentos em material didático de 2003 a 2010 cresceram expressivamente. Para Souza (2006), “[as] políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí porque qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade” (SOUZA, 2006, p. 25). Aspecto este que reforça a indigência de um processo transparente para não determinar posições ideológicas. A rigorosidade na escolha dos livros, que compõem o PNLD, toma como parâmetro a exatidão teórica e ética, visando garantir os meios para que seja possível obter êxito no processo de ensino-aprendizagem. Todas as editoras devem seguir alguns passos na inscrição e respectivamente na confecção de suas obras, levando em conta a forma de exposição do conteúdo, diagramação, gramatura, recursos visuais. O decreto-lei 7.084/2010 estabelece que o PNLD deva visar à melhoria do ensino e aprendizagem através da boa escolha e avaliação do material didático. Além disso, ratifica que por meio do “financiamento do Estado em relação à distribuição do material didático deve-se ter uma ampla democratização do conhecimento, pois mais escolas e pessoas acabam tendo acesso devido à distribuição gratuita por meio dos fundos do FNDE”. (BRASIL, 2010.) O PNLD, nos moldes que encontramos na atualidade, viabilizou alterações na confecção do livro didático, uma vez que tentou romper com a “cristalização de uma concepção”, haja vista essa ferramenta estruturar “[...] o trabalho na sala de aula, motivando muito pouco a iniciativa e a autonomia do professor” (FREITAS; OLIVEIRA, 2014, p.17). Cabe ao professor, então, a tarefa de mediar o processo e produzir coletivamente novas formas de pensar, cujo objeto tem a ver “com as concepções e as práticas 39 pedagógicas presentes nas relações sociais e produtivas com seus respectivos fundamentos” (KUENZER, 1998, p.6). Seguindo história adentro, em outubro de 2003, o PNLD foi instituído como parte componente de políticas educacionais, o que tornou possível a ampliação e distribuição de materiais, atendendo assim ao disposto na Constituição Federal de 1988, que no artigo 208 (Inciso VII) determina que se torna obrigação do Estado atender as demandas educacionais com programas suplementares de material didático-escolar, transporte e alimentação. Reiterando a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (93.94/96), no artigo 4º, também determina atendimento ao educando, por meio de programas suplementares como o material didático- escolar. Somente com a Lei Federal 11.684 de 2 de junho de 2008, alterando o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias no currículo do Ensino Médio que, a Sociologia passou a ser parte do PNLD. Fechando as considerações sobre bases históricas, a síntese elaborada, que segue abaixo, demonstra os principais momentos históricos na consolidação do PNLD. Sequenciado, serão elencados dos objetivos, diretrizes e abrangência do PNLD. Tabela 2. Síntese histórica dos Manuais ao PNLD 1929 Criação do Instituto Nacional do Livro (INL). 1938 Com Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38, o Estado institui a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), 1945 Lei nº 8.460, de 26/12/45, consolida a legislação sobre as condições de produção, importação e utilização do livro didático. 1966 É firmado o acordo MEC- Usaid, favorecendo a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (Colted). A Portaria nº 35, de 11/3/1970, implementa o sistema de coedição de livros com as editoras nacionais, com recursos do Instituto Nacional do Livro (INL). 1970 1971 INL passa a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (Plidef), assumindo as atribuições administrativas 1976 Decreto nº 77.107, de 4/2/76, extingue o INL. A Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) torna-se responsável pela execução do programa do livro didático, é criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que incorpora o Plidef. 40 1983 Extinção da Fename, criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que incorpora o Plidef, atuando junto à professores. 1985 Decreto nº 91.542, de 19/8/85, o Plidef dá lugar ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 1992 A distribuição dos livros é comprometida pelas limitações orçamentárias- 4 s. 1995 Retomada a distribuição dos livros didáticos- incluindo Matemática, Língua Portuguesa, 1997- Ciências, História e Geografia. 1996 Inicia-se o processo de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o PNLD 1997 1997 Extinção da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), e o FNDE assume as responsabilidades cabíveis. 2000- 2001- Entrega de dicionários e os livros passam a ser entregues no ano anterior ao ano letivo de sua utilização, 2001- Material em Braile é disponibilizado. 2004 Distribuição dos LD, com todos os componentes curriculares. 2005- 2006 Entrega de dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue – em LIBRAS. 2007- 2008 O FNDE adquire 110,2 milhões de livros para reposição, distribuição em toda educação Básica. Fonte: elaborado pela autoria com base nos dados disponibilizados pela USP, portal Histórico do PNLD. 1.3. DIRETRIZES, OBJETIVOS E ABRANGÊNCIA DO PNLD. Tendo em vista que, por intermédio da lei 11.684/2008, a Sociologia torna-se disciplina obrigatória no ano de 2008, e a partir de sua obrigatoriedade ela é inserida no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), distribuído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em parceria com Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a todas as escolas brasileiras, cabe considerar nesta seção as diretrizes legais, objetivos e a abrangência do programa. O FNDE é o órgão responsável pela execução da maioria das ações e programas da Educação Básica do país. De acordo com os dados contidos na plataforma do Programa Nacional do Livro Didático, seu objetivo tem relação direta com a operacionalização dos Programas do Livro. Na fase que corresponde à execução tem-se os seguintes objetivos: Organizar e apoiar a inscrição de obras e dos titulares de direito autoral ou de edição; II- Analisar a documentação e proceder à habilitação dos titulares de direito autoral ou de edição; III- Realizar a triagem das obras, diretamente ou por meio de instituição conveniada ou contratada para este fim; IV- Apoiar o processo de escolha ou montagem dos acervos e compilar seus resultados, a fim de subsidiar as fases de negociação, aquisição, produção e distribuição; 41 V- Realizar a negociação de preços e formalizar os contratos de aquisição; e VI- Acompanhar e realizar o controle de qualidade da produção e distribuição das obras, de acordo com as especificações contratadas. (BRASIL, 2000, p. 12 ). Os Livros Didáticos aprovados pelo PNLD objetivamente podem auxiliar professor e aluno no processo de construção do conhecimento, sendo uma ferramenta didática que possui uma função social específica que se empenha em disseminar os saberes historicamente acumulados e sistematizados. Com exceção dos livros consumíveis, os demais livros, distribuídos pelo programa, são usados por um triênio, deste modo devem ser conservados, para que possam ser reutilizados por outros alunos. Todos os títulos destinados à publicação, inscritos pelas editoras, passam pelo cotejamento e avaliação do MEC, que elabora o guia didático com as resenhas dos livros que foram selecionados e aprovados, em seguida, ele é disponibilizado às escolas participantes pelo FNDE. Cabe a cada escola escolher os livros que atendam às necessidades e as particularidades da unidade. Os livros após serem escolhidos chegam às escolas, e devem conter obrigatoriamente na capa o selo do PNLD para evitar falsificações. Todas as medidas apresentadas deixam em evidência a rigorosidade à qual o material é submetido, já que ele irá atender a inúmeras demandas, sendo fio condutor, elemento que subsidiará o processo de ensino e aprendizagem. É justamente por compreender a relevância e o alcance do PNLD e dos livros aprovados que esta pesquisa visa analisar de que forma a produção de conceitos, que permeiam os livros didáticos, chegam à rotina escolar, se a linguagem empregada facilita a compreensão, os tipos de mediações e possibilidades, que o material oferece para efetivar o processo ensino- aprendizagem de forma qualitativa e significativa. De acordo com Schnrkenberg (2017, p.21) as funções que os livros didáticos desempenham e o seu alcance podem ser sistematizadas da seguinte maneira: a) Constituem uma fonte de leitura (muitas vezes única), estudo e pesquisa primordial para alunos e alunas da Educação Básica; b) No cotidiano da prática docente, fornecem aos e às professoras recortes de conteúdo, perspectivas e ferramentas metodológicas de ensino; c) Em sua forma de produção atual, contêm indicações de leitura, de filmes e outras produções culturais e científicas, não apenas aos alunos e alunas, mas também aos professores e professoras; d) No processo de divulgação do conhecimento científico, mediam o contato entre o saber científico produzido pela humanidade, e um público que, neste nível da educação, não irá se profissionalizar em alguma das disciplinas que são referência aos componentes curriculares. 42 Sendo os livros didáticos elementos que possibilitam a difusão dos saberes das diversas áreas de conhecimento, eles possuem características específicas e, com estas, funções igualmente vastas, especialmente no contexto de consolidação dos componentes curriculares da educação básica, mediando o contato entre o saber científico produzido pela humanidade e o conhecimento escolar. Atendendo não só as necessidades dos alunos, os livros didáticos adquirem importância na rotina dos educadores, pois são como ferramentas didáticas, ponte entre o conhecimento científico e o escolar, expondo dados, estimulando a pesquisa, apresentando sugestões e orientações didáticas. “Essa atuação é importante para o entendimento das políticas públicas educacionais e, nesse caso, das políticas públicas educacionais voltadas para o livro didático de Sociologia”. (MEUCCI, 2015) Mas, nem tudo são flores, o material é revisado constantemente, e o Guia do PNLD destaca que existem algumas lacunas no material, dentre as principais o tipo de linguagem, a predominância de uma área de conhecimento, no caso da sociologia, as três áreas não são distribuídas de forma uniforme, havendo um sobressalto da sociologia em detrimento da Antropologia e da Ciência Política, acrescentando ainda, problemas no que concerne adaptação do conhecimento acadêmico para o didático, carga horária baixa, a definição de um currículo mínimo. Essas questões parecem ser comuns à maioria das escolas brasileiras. Nesse contexto de institucionalização, na educação básica no Brasil, a sociologia permanece buscando legitimação. Trata-se de um histórico intermitente, no qual a Sociologia esteve presente “ou ausente, enquanto disciplina no ensino médio, de acordo com o contexto político do país e com as reformas educacionais que dele decorriam. O livro didático, por sua vez, tem grande importância nessa conjuntura” (SANTOS, 2004, p. 104). Com as condições apresentadas, é imperioso que o material sofra ajustes, reformulações, por esse motivo ele é executado em ciclos trienais, às escolas chegam primeiramente os editais contendo as normas e regulamentações, para adesão ao programa. Para participar, aderir ao PNLD as redes de ensino (Municipal, Estadual, Filantrópicas) e instituições federais contam com o secretário da educação que realiza o cadastro no sistema PDDE Interativo/SIMEC. 43 Com as inovações trazidas pelo Decreto nº 9.099, de 18/07/20176, as entidades deverão selecionar as etapas de ensino e o tipo de material que desejam receber. Os materiais disponíveis para a adesão são os seguintes: obras didáticas, obras pedagógicas e obras literárias. Este decreto tem importância magna, pois versa sobre os objetivos do PNLD, os princípios que o regulamenta, dentre os objetivos o decreto expõe: I - Aprimorar o processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas de educação básica, com a consequente melhoria da qualidade da educação; II - Garantir o padrão de qualidade do material de apoio à prática educativa utilizado nas escolas públicas de educação básica; III - Democratizar o acesso às fontes de informação e cultura; IV - Fomentar a leitura e o estímulo à atitude investigativa dos estudantes; V - apoiar a atualização, a autonomia e o desenvolvimento profissional do professor; e VI - apoiar a implementação da Base Nacional Comum Curricular. Como o primeiro apontamento, aprimorar o processo de ensino e aprendizagem e, consequentemente, a melhoria da qualidade da educação, o livro didático nesse sentido atua como política pública com a função precípua de garantir o acesso ao conhecimento. Mas, o aprimoramento do conhecimento envolve uma multiplicidade de quesitos dentre eles: o respeito às diferenças, as variantes regionais, construção didática de um projeto no qual o aluno edifique suas apreensões coletivamente e, por meio da atividade da ação, constitua novos elementos, assimilando conteúdos, conceitos e teorias. Com o Plano Nacional do Livro Didático ganhando espaço e passando a ser considerado do ponto de vista das políticas públicas, na atualidade ele se tornou um veículo de informação e de disseminação de ideias, o que incide diretamente no processo ensino-aprendizagem, abarcando a dimensão: didático- pedagógica; dimensão social e política, o que deixa clara a complexidade de um material tão recente. O material conta com O Guia do Livro Didático, que possibilita um melhor contato com livros a serem adotados, dando uma dimensão por meio das resenhas apresentadas. De acordo com o Guia existem ainda algumas dificuldades a serem enfrentadas, já que como disciplina obrigatória, a Sociologia passou por períodos de ausência/intermitência. 6 Dispõe sobre o Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Esclarecendo quais são os objetivos do PNLD, a quem o material é destinado, relação com o FNDE, forma de adesão, avaliação e distribuição. As informações podem ser encontradas em: https://www.fnde.gov.br/index.php/legislacoes/decretos/item/10941-decreto-n%C2%BA-9099,-de-18-de- julho-de-2017 44 Por essa razão, o artigo 3º do Decreto nº 9.099, de 18/07/2017 ao sinalizar as diretrizes do PNLD apresenta que o material deve responder as seguintes particularidades, garantindo: I- o respeito ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas; II - o respeito às diversidades sociais, culturais e regionais; III - o respeito à autonomia pedagógica das instituições de ensino; IV - o respeito à liberdade e o apreço à tolerância; e V - a garantia de isonomia, transparência e publicidade nos processos de aquisição das obras didáticas, pedagógicas e literárias. O livro didático, ao tomar essas dimensões como aporte, suscita que deve haver unidade para que o processo de ensino e aprendizagem seja aprimorado levando o aluno às máximas de suas potencialidades. Ao tomar como parâmetro o respeito ao pluralismo de ideias, o respeito às diversidades sociais, a liberdade e o apreço a tolerância, o que se busca é chegar ao maior número de pessoas possível, com o fim de abarcar a diversidade, acolhendo as múltiplas manifestações. Além de atuar como política pública, sendo um bem cultural que visa à melhoria da qualidade do ensino, garantindo o respeito às diferenças, ele se encontra no embate direto com a esfera econômica, movimentando uma verdadeira fortuna. Para Meucci (2014, p. 211) “ele é um produto ordinário da indústria cultural. Seu formato, ilustrações, exercícios, recursos, boxes e colunas o aproximam da estética das revistas semanais”. A autora ainda acrescenta que os livros didáticos se distinguem dos convencionais, principalmente, no tocante as condições de sua produção, as editoras contam uma divisão de trabalho sofisticada, com redatores, pareceristas, pedagogos, ilustradores, a síntese final corresponde a um esforço coletivo. Meucci nos lembra que todo esse processo, exige a prudência das editoras, que devem atentar-se ao fato de que a confecção dos livros didáticos deve proporcionar um espaço dialógico entre professores e estudantes. Assim, Podemos, nesse sentido, ao menos sugerir a hipótese de que um dos efeitos do PNLD é a imposição de um modelo de livro didático disseminado entre todas as disciplinas e por todo o país, repercutindo também nos livros comercializados no mercado, se constituindo como um padrão e, possivelmente, como um selo de qualidade para as editoras que os têm aprovado. Nessa perspectiva, os livros aprecem como alvo importante de regulamentação por intermédio da ação do poder público (MEUCCI, 2014, p. 214). Com efeito, o PNLD acaba impondo novos padrões de produção, os livros comercializados passam por uma seleção e avaliação minuciosa, cabendo as editoras se adequarem às exigências, notificações e indicações dos avaliadores, para que assim 45 possam entrar na disputa pela comercialização e distribuição do material, no caso do PNLD, o governo federal é um dos maiores compradores do material. A título de demonstração, a tabela que segue abaixo, elaborada com base nos dados disponibilizados pelo FNDE, traz uma dimensão das vendas e dos valores investidos pelo governo. Tabela 3. Vendas do PNLD 2015- Valores investidos. Título – PNLD 2015 Livro Manual do professor Total7 Sociologia em movimento 2.387.750 32.746 2.420.496 Sociologia hoje – Volume único 1.639.710 22.935 1.662.645 Tempos modernos, tempos de sociologia 1.029.308 14.368 1.043.676 Sociologia – Volume único 904.224 13.208 917.432 Sociologia para jovens do século XXI 255.231 3.876 259.107 Sociologia para o Ensino Médio 1.232.574 18.144 1.250.718 Total 7.448.797 105.277 7.554.074 Fonte: Elaborado de acordo com os dados disponibilizados pelo portal FNDE. Com o quadro é possível verificar que no PNLD de 2015 foram vendidos 7.448.797 livros de Sociologia ao todo, sendo que os maiores números de adesões foram aos livros Sociologia em movimento (2.387.750), Sociologia hoje (1.639.710), Tempos modernos, tempos de sociologia (1.029.308) e Sociologia para o Ensino Médio (1.232.574), o investimento total foi $ 7.554.074. Tabela 2. Vendas do PNLD 2016- Valores investidos. Título – PNLD 2016 Livro Manual do professor Total Sociologia em movimento 9.583.52 11.975 11.371.140, 61 Sociologia hoje – 654.196 8.195 6.188.694,16 Tempos modernos, tempos de sociologia 404.922 5.054 4.033.106.699 Sociologia – Volume único 397.905 5.080 4.356.471,90 Sociologia para jovens do 1.219 7 O total corresponde à soma do valor unitário e o valor total da aquisição de cada título. 46 século XXI 100.587 1.606.927, 02 Sociologia para o Ensino Médio 490.939 9.086 5.676.051 Total 11.631.601 35.555 4.062.305.983,69 Fonte: elaborado de acordo com os dados disponibilizados pelo portal FNDE. Já no ano de 2016, o título Sociologia em movimento teve assegurada a distribuição de 9.583.52 exemplares do aluno e 11.975 exemplares para professores, um investimento de $11.371.140, 61. Sociologia hoje teve uma tiragem de 654.196 exemplares do aluno e 8.195, exemplares do professor, foram investidos ao todo 6.188.694,16. Tempos modernos, tempos de sociologia teve a segunda maior vendagem, sendo 404.922 destinado aos alunos e 5.054 a educadores. Sociologia distribui 397.905 exemplares (aluno) e 5.080 (professor), no título Sociologia para jovens do século XXI a tiragem foi menor, destinando 100.587 à alunos e 1.219 à professores e, por último, Sociologia para o Ensino Médio dispôs 490.939 exemplares a alunos, 9.086 a professores. Totalizando os exemplares dos alunos, houve uma tiragem de 11.631.601, já os exemplares dos professores correspondem ao total de 35. 555 livros, um investimento que resulta em $ 4.062.305.983,69. No ano de 2017, o portal FNDE disponibilizou apenas uma tabela contendo apenas os dados por Estado8. No Estado de São Paulo 4. 148 unidades escolares foram beneficiadas pelo programa, 6.266.8