RESSALVA Alertamos para ausência das paginas pré- textuais não incluídas pelo(a) autor(a) no arquivo original. 8 JULIANA COLUSSI RIBEIRO JORNALISMO REGIONAL E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA: O CASO DA FOLHA DA REGIÃO DE ARAÇATUBA Bauru / SP 2004 9 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO JORNALISMO REGIONAL E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA: O CASO DA FOLHA DA REGIÃO DE ARAÇATUBA Dissertação apresentada por JULIANA COLUSSI RIBEIRO ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação - Área de Concentração: Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Bauru, para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação, sob a orientação do Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente. Bauru / SP Março/2005 10 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO A dissertação JORNALISMO REGIONAL E CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA: OCASO DA FOLHA DA REGIÃO DE ARAÇATUBA , desenvolvida por JULIANA COLUSSI RIBEIRO, foi submetida à Banca Examinadora como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação, junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração Comunicação Midiática, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - Universidade Estadual Paulista, Campus de Bauru - São Paulo. Banca Examinadora Presidente: Prof. Dr. Maximiliano Martín Vicente FAAC / UNESP Prof. Dr Murilo César Soares FAAC / UNESP Prof. Dr. José Luiz Proença ECA/USP Bauru, 23 março de 2005 11 1. INTRODUÇÃO Os estudos sobre imprensa regional ainda são restritos no Brasil, mesmo sabendo-se da importância deste meio de comunicação nos municípios distantes do círculo de cobertura das grandes empresas de comunicação. Países, como Portugal, Espanha e EUA, estão mais adiantados no que diz respeito às pesquisas envolvendo jornais regionais. Em função da escassez de trabalhos científicos abrangendo imprensas locais e da representação que estas têm diante de seus públicos, optou-se por pesquisar a contribuição do jornalismo regional na construção da cidadania, a partir de análises de conteúdo de reportagens da Folha da Região de Araçatuba – noroeste do Estado de São Paulo. 12 A proximidade com o público, o espaço disponibilizado para abordar questões locais e regionais e o papel de fiscalizador da coisa pública atribuem ao jornal regional relevância suficiente para ser objeto de estudo científico. Pesquisar este tema significa também esmiuçar as teorias da notícia e práticas jornalísticas, que se relacionam direta e indiretamente com os elementos de verificação presentes na reportagem e com a representação política dos meios de comunicação. O interesse de pesquisar o tema imprensa regional e construção da cidadania parte do envolvimento com a função social do jornalismo, responsável por debater temas de interesse público local, ser “vigilante” do poder público, alertar e orientar as comunidades que constituem uma determinada região, conforme sustenta Camponez (2002) ao delegar ao jornal local um “olhar” peculiar sobre problemas e questões relacionadas à proximidade. Além disso, verifica-se a evolução gráfica e técnica de grande parte dos jornais regionais paulistas. Com o objetivo principal de aferir o papel da Folha da Região na construção da cidadania em Araçatuba e municípios da região, propõe-se a comparação analítica entre a série de reportagens “Meninos e Meninas”, publicada em 2002, e matérias veiculadas durante 1990 – ano de criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Ambos blocos de reportagens tematizam problemas referentes à infância e juventude. Entre os objetivos específicos, estão verificar: se o jornal regional representa politicamente classes trabalhadoras; se a imprensa regional aborda temas de interesse público local; e se o jornal local evoluiu técnica e graficamente nos últimos 15 anos. Diante da discussão proposta nesta dissertação sobre jornalismo regional impresso, relacionam-se teorias da notícia, como agenda-setting e framing, os 13 conceitos de representação social, representação política e representação política dos meios de comunicação, bem como uma reflexão sobre jornalismo e espaço público na contemporaneidade. No primeiro capítulo “Jornalismo, representação e construção da realidade”, apresentam-se os conceitos de representação e as teorias do jornalismo – parte relevante para o embasamento teórico desta pesquisa. Em “Jornalismo regional e espaço público” (segundo capítulo), discute-se a evolução da imprensa local, os estudos sobre as práticas jornalísticas regionais nos EUA e Portugal – incluindo os conceitos de jornalismo cívico e de jornalismo de proximidade, além de um breve histórico dos impressos em Araçatuba e da trajetória de 32 anos da Folha da Região. “Jornalismo regional e participação?”, o terceiro capítulo desta dissertação, aborda elementos da apuração jornalística, alguns pontos significativos sobre público e privado, bem como a participação da comunidade na definição da agenda pública constituindo ou não um alicerce para o exercício da cidadania. O quarto capítulo corresponde à análise de conteúdo de dois blocos de reportagens: o primeiro é composto por publicações da série “Meninos e Meninas”, de 2002, e o segundo, por matérias veiculadas em 1990. A comparação entre ambos momentos propicia argumentos suficientes para justificar os resultados constatados por este trabalho, expostos no último item – “Considerações finais”. 14 2. JORNALISMO, REPRESENTAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA REALIDADE Os fatos noticiados diariamente na imprensa são representações de uma realidade acontecida. Uma matéria jornalística traz informações e ângulos que remetem a uma realidade, mas não a reproduz na íntegra. Por isso, trabalhar com o jornalismo significa estudar a construção da realidade social, ou seja, a forma da representação de uma determinada realidade. Portanto, torna-se pertinente discorrer sobre a representação, assim como abordar dimensões envolvidas nesse conceito. A preocupação em detalhar a definição e relacioná-la com as teorias da notícia permanece em função dos diferentes enfoques de representação encontrados atualmente, que também servirão como base para a análise de conteúdo realizada nesta dissertação. 15 O conceito de representação política terá enfoque na nossa abordagem, uma vez que se tem o objetivo de verificar a forma como a Folha da Região de Araçatuba representa politicamente as classes sociais no sentido da construção da cidadania. Quer dizer, o foco principal é analisar se o meio de comunicação, no caso o jornal regional1, ao colocar determinado tema na agenda exerce a função mediadora entre a população mais carente e o poder público, incentivando a cidadania. Torna-se importante também estudar as vertentes sobre representação social devido ao processo jornalístico – responsável por publicar periodicamente representações da realidade social, incluindo representações de grupos, acontecimentos e classes trabalhadoras. 1.1. Componentes da representação social A origem do termo “representação social”, conceituado por Sergi Moscovici, designa um campo de estudos psicossociológicos, que explora a relação entre indivíduo e sociedade. Nesse estudo, o autor aborda a divulgação da psicanálise na França dos anos 50, fazendo investigações em diferentes segmentos da população parisiense. Classificada como uma forma sociológica de Psicologia Social, a idéia de Moscovici partiu do pensamento de representação coletiva de Durkheim2. Moscovici 1 As expressões jornal (imprensa) local, jornal do interior e jornal regional estão sendo utilizadas neste trabalho como sinônimos. 2 Esta teoria tem como pontos centrais a atividade do sujeito e a realidade do mundo. Segundo Durkheim, a vida coletiva e mental dos indivíduos é feita de representações. Uma vez constituídas, as representações tornam-se realidades parcialmente autônomas, com vida própria, isto é, mesmo mantendo íntimas relações com seus respectivos substratos, as representações individuais e coletivas são, até certo ponto, independentes. Tendo origem nas relações que se estabelecem entre o conjunto 16 atribui à Psicologia Social a responsabilidade por essa temática e que ela deve se preocupar com a ideologia e com a comunicação – há a necessidade de analisar a forma com que a realidade é retratada pelos processos de significação. A definição de representação social serve de objeto de estudo mais apropriado às sociedades contemporâneas, caracterizadas por seu pluralismo econômico, político e cultural. Constitui um fenômeno que abrange também as experiências, informações e modelos transmitidos, por exemplo, pela educação e pelos meios de comunicação (PAVARINO, 2003). Isso significa que Moscovici conseguiu modernizar a ciência social, ao substituir representações coletivas por representações sociais. Entre as considerações de Moscovici, sobressaem: uma representação é tanto uma representação de alguém, como de alguma coisa; representar significa edificar uma "doutrina" que facilite a tarefa de decifrar, predizer ou antecipar atos individuais e coletivos; e a absorção da ciência pelo senso comum não corresponde a uma vulgarização das partes de uma dada ciência, mas sim à formação de um outro tipo de conhecimento, adaptado a outras necessidades e obedecendo a outros critérios, num determinado contexto. Para os meios de comunicação, Moscovici traz contribuições significativas “como seus processos formadores (ancoragem e objetivação), o princípio da transformação do não-familiar em familiar, os sistemas de comunicação”. (SÁ, 1998: 68- 72 apud PAVARINO, 2003:9) dos indivíduos associados, as representações coletivas são independentes e exteriores às consciências individuais, isto é, existem no conjunto e são exteriores ao particular, como fatos sociais. Assim como a vida representativa não está repartida de maneira definida entre os diversos elementos nervosos, pois ela é formada pela reunião e colaboração de vários desses elementos, o mesmo acontece com a vida coletiva, que existe no todo formado pela reunião de indivíduos. Ver FILHO (2004). 17 A ancoragem e a objetivação também tiveram influências de pesquisas mais recentes, como a do psicólogo francês Jean-Claude Abric – que na década de 70 do século passado desenvolveu a Teoria do Núcleo Central3. Na ancoragem, há a interpretação e assimilação dos elementos familiares simbólicos da representação, classificando-os e nomeando-os. A objetivação, considerada a fase figurativa, significa a materialização do abstrato por parte do pensamento e da linguagem, “elaborando um novo conceito a partir dos registros individuais existentes”. Em relação à objetivação, Sá afirma que: em vez de buscar pesquisá-la junto a sujeitos específicos do grupo estudado, talvez seja mais viável tentar evidenciá-la nos meios de comunicação de massa. Além de constituírem importantes fontes de formação das representações no mundo contemporâneo, é neles – na televisão em especial, que melhor se configura a tendência à concretização das idéias em imagens. (SÁ, 1998: 71 apud PAVARINO, 2003:10) Os meios de comunicação, sendo uma das instituições de relevante ação junto à realidade, em função da produção de fragmentos do real, as notícias, contribuem para este processo. Por isso, a mídia em geral pode ser considerada participante ativa do processo de socialização. 3 A essência da Teoria do Núcleo Central, desenvolvida por Jean-Claude Abric, “Consiste na elaboração de uma estrutura para a representação social formada por um núcleo central e elementos periféricos onde sua organização estrutural, e não seu conteúdo, é o diferencial entre uma representação e outra. A diferença entre os dois é que, enquanto o núcleo central, estável e resistente a mudanças, está relacionado à memória coletiva dando significação, consistência e permanência a representação, os elementos periféricos permitem a adaptação à realidade e proteção ao núcleo central.” (PAVARINO, 2003: 10) 18 Para Minayo (2000: 108), “as representações sociais se manifestam em palavras, sentimentos e condutas e se institucionalizam, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais”. Elas surgem das contradições do dia-a-dia dos grupos sociais e de suas relações com as instituições. Com isso, entende-se que as representações sociais são conceitos e explicações que têm origem na vida cotidiana, no curso de comunicações interpessoais. Nesse sentido, Berger e Luckmann (2001) desenvolveram uma teoria sobre a construção social da realidade. Encontram-se, na sociedade, múltiplas realidades, sendo a realidade da vida cotidiana a predominante. A realidade da vida cotidiana surge objetivada, de forma ordenada mesmo antes de o agente estar em cena. É na vida cotidiana que o indivíduo atua com a finalidade de modificar sua própria realidade, tal como salientam: A realidade social da vida cotidiana é, portanto, apreendida num contínuo de tipificações [características pessoais e culturais], que se vão tornando progressivamente anônimas à medida que se distanciam do ‘aqui e agora’ da situação face a face... A estrutura social é a soma dessas tipificações e dos padrões recorrentes de interação estabelecidos por meio delas. Assim sendo, a estrutura social é um elemento essencial da realidade da vida cotidiana. (BERGER e LUCKMANN, 2001: 52) Com base nas idéias dos autores, podemos dizer que os meios de comunicação estão incluídos na estrutura social e contribuem para a formação de tipificações, no momento em que publicam seus produtos – notícias, publicidades, propagandas – e influenciam de alguma forma a cultura, o costume e o conhecimento. O caráter 19 intencional da sociedade tende para determinados objetos. Os objetos diferentes, não comuns a todas as consciências, chegam ao indivíduo como diferentes esferas da realidade. Conseqüentemente, esses objetos despertam diferentes tipos de atenção. Os objetos que estão próximos, “aqui e agora”, chamam a atenção da consciência. É na vida cotidiana que o indivíduo atua com a finalidade de modificar sua própria realidade. Um exemplo: um vendedor de veículos tem conhecimento do estado dos automóveis que comercializa bem como seus valores de mercado, por exigência de seu trabalho diário. Concomitantemente, o vendedor aprecia jogar futebol – mas isso é secundário, mais distante. Ao trabalhar com os meios de comunicação, instituições de ação junto à realidade, destaca-se a abordagem de Berger e Luckman sobre a linguagem. Definida como um sistema de sinais vocais, a linguagem origina-se na situação face a face, tem capacidade de transmitir significados que não são expressões da subjetividade e encontra sua referência na vida cotidiana. Com a capacidade de transcender as dimensões espacial, temporal e social do ‘aqui e agora’, a linguagem estabelece pontes entre diferentes zonas de dentro da realidade da vida cotidiana e as integra numa totalidade dotada de sentido. Em função de sua capacidade de transcendência, a linguagem constrói representações simbólicas sobre a realidade da vida. Ela pode construir símbolos abstraídos da realidade e também outros símbolos como elementos objetivamente reais. Então, a linguagem utilizada nas notícias publicadas pelos meios de comunicação pode ser considerada uma linguagem simbólica. Como lembra Souza (1999), as notícias são definidas como “artefatos lingüísticos”, que representam aspectos da realidade resultados de um processo de 20 construção, envolvendo fatores sociais, ideológicos, culturais e tecnológicos. Por sua mera existência, a notícia contribui para a construção social de novas realidades e novos referentes. Ao mostrar a sistematização das teorias da notícia, Sousa afirma que a inter- relação entre a ação pessoal, a ação social e a ação cultural, incluindo o papel da história e das tecnologias, é a explicação “para que as notícias sejam como são”. Considera-se o conteúdo das notícias uma fonte de cultura, que “exerce um determinado papel na construção cultural, um processo activo e contínuo”. Para o autor, os meios de comunicação apropriam-se de elementos culturais, reenquadram-nos, revelam-nos e remetem-nos para o público alvo “após este processo de mediação, impondo assim a sua própria lógica na criação de um ecossistema simbólico”4. Pode-se considerar, na criação de um sistema simbólico, a existência de um poder também simbólico, caracterizado por Bourdieu (1989:8) como um poder de construção da realidade que tem por objetivo estabelecer o sentido imediato do mundo social: “o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeito ou mesmo que o exercem”. O poder simbólico constrói a realidade e estabelece uma ordem relativa ao conhecimento. Bourdieu acredita que a função social do simbolismo é política, não se realizando a função de comunicação. As relações de comunicação são, para Bourdieu, relações de poder determinadas pelo poder material ou simbólico acumulado pelos agentes envolvidos nas relações. Os “sistemas simbólicos” atuam como instrumentos 4 Sousa (1999) está disponível no seguinte endereço eletrônico: . (Acesso em 17/08/2002). 21 estruturados e estruturantes de comunicação e conhecimento e asseguram a dominação de uma classe sobre outra a partir de objetos de imposição da legitimação, “domesticando” os dominados. Portanto, os símbolos seriam produzidos para servir a classe dominante, como mostra o autor: “O campo de produção simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre as classes: é ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção que os produtores servem aos interesses dos grupos exteriores do campo de produção”. A luta de classes fica retratada na teoria de Bourdieu como uma luta pelo domínio do poder simbólico, travada nos conflitos simbólicos cotidianos. Esta luta se dá também a partir do embate entre os especialistas da produção simbólica legítima. Os sistemas simbólicos são produzidos e apropriados pelo próprio grupo, ou por um corpo de especialistas que conduz à retirada dos instrumentos de produção simbólica dos membros do grupo. A realidade é, em primeiro lugar, representação e depende do conhecimento e também do reconhecimento. O poder simbólico capaz de fazer crer ou até transformar visões de mundo “só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário”. Esse reconhecimento ocorre na condição de transformação das “diferentes espécies de capital em capital simbólico”, de forma a garantir “uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia”. (BOURDIEU, 1989: 14) Segundo Bourdieu, língua, sotaque e dialeto são objetos de representações mentais – atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e reconhecimento. Isso 22 significa luta pela definição da identidade regional ou étnica, que rompe com as noções entre representação e realidade. Enquanto instituições sociais, os meios de comunicação exercem o poder simbólico e, por meio dele, participam do processo de socialização ao contribuir com a aquisição de cultura, informação e conhecimento. O resultado produzido pela mídia: o estabelecimento de um sentido social imediato. Dessa forma, entende-se que a notícia contribui para a construção de novas realidades. No caso da imprensa regional, esta colabora para a representação de realidades locais, da comunidade. Os novos referentes, portanto, podem estar relacionados à cultura, à sociedade e à política. Quanto ao último aspecto, cabe-nos aqui aprofundar a representação no campo da política para se chegar à discussão sobre a representação política dos meios de comunicação. Esse tema torna-se relevante porque permite um estudo mais específico para entender o papel da imprensa regional como mediadora dentro do processo de representação política de classes sociais, sobretudo as classes trabalhadoras. 1.2. A representação política Dentro da perspectiva proposta nesta dissertação, estudar-se-á a representação política em conjunto com o processo de produção de notícias, com o objetivo de aferir especificamente o papel da Folha da Região enquanto representante política de classes de baixa renda podendo apontar-se como importante instituição de incentivo à participação e ao exercício da cidadania na região de Araçatuba. Para tanto, esta discussão se inicia na tentativa da compreensão do conceito de representação política. 23 O termo representação política nos remete à democracia representativa, na qual o processo eleitoral ocupa lugar central. As relações existentes entre candidatos e eleitores, conseqüentemente, recebem destaque nesse sistema. Aborda-se essa definição em um sentido mais abrangente, relacionando-a aos meios de comunicação. Por isso, em função da importância do conceito de representação política para esta dissertação, optou-se por trabalhar com várias vertentes até chegar a uma discussão sobre representação política da mídia. Vale lembrar que o termo é “carregado” pelas interpretações que o verbo “representar” tem em várias áreas, seja na literatura, nas artes cênicas ou no direito. Um dos autores preocupados com a representação política é Campilongo (1988). Esse autor aborda as principais correntes teóricas da ciência política sobre o tema – define o que pode ser incluído ao processo representativo. Além das atitudes e expectativas dos eleitores, outros fatores influenciam na conduta dos representantes. Isso significa que a relação de representação não se esgota no processo eleitoral e também não pode se restringir ao exame da identidade entre eleitos e eleitores. Durante sua abordagem sobre representação política, Campilongo apresenta duas correntes: a “relação interindividual”, existente entre o representante e o representado, na qual o primeiro procura atender as necessidades do segundo; e a “relação intergrupal”, correspondente ao momento em que os representantes são vistos como uma assembléia que representa a comunidade – elabora projetos e leis em nome da coletividade. A relação de representação desenvolve-se dentro de um esquema pré- concebido: introduzem-se as exigências dos cidadãos no sistema político (input of demand), processa-as e depois se repassa a resposta do sistema (output). 24 A eleição de representantes seria a oportunidade de comunicação das demandas. O autor acredita que grande parte dos cidadãos demonstra interesse em contribuir com as demandas políticas. Campilongo afirma que a “apatia das massas” em relação à política ocorre em função da ausência de responsabilidade dos representantes para com os representados. Esse pode ser considerado um dos motivos da redução drástica da adesão popular às instituições representativas, embora haja registros de expansão da democracia eleitoral nos últimos anos. O primeiro ponto de identificação dessa crise de representação política é a porcentagem de abstenção de votos numa eleição presidencial na maioria dos países. Campilongo cita a história da Venezuela (onde o voto não é obrigatório) como exemplo. Desde os anos 1980, o índice de abstenção nas eleições venezuelanas tem permanecido na casa dos 30%. Há relação da crise da representação política com a crise dos partidos, em função da burocratização interna, sucateamento dos serviços público, desemprego e pobreza:5 Torna-se difícil examinar a representação política exclusivamente no âmbito das relações entre eleitores e eleitos. O processo possui dimensões que ultrapassam o circuito demanda-resposta. Isso porque – externamente à estrutura decisória da representação política – há elementos que predefinem o que pode ser considerado “demanda” (Luhmann) e – internamente aos mecanismos das instituições representativas – regras que facilitam o fluxo umas e interrompem o de outras demandas. (CAMPILONGO, 1988: 26) 5 Sobre o assunto, Miguel (2003) enfatiza que “é possível detectar uma crise do sentimento de estar representado que compromete os laços que idealmente deveriam ligar os eleitores aos parlamentares, candidatos, partidos e, de forma mais genérica, aos poderes constitucionais”. 25 De acordo com a afirmação de Campilongo, entende-se que o processo decisório depende mais da economia, cultura, estrutura social e personalidades de uma sociedade do que das práticas políticas do sistema representativo. Ele acredita que esses fatores influenciam nas decisões políticas. A função da mídia, de modo geral, pode ser incluída aqui, uma vez que participa da, ou influencia a, construção da realidade econômica, política e cultural de uma sociedade. Sendo assim, os meios de comunicação têm função mediadora ao levar os problemas dos representados até os representantes e cobrar alguma posição, ou decisão, do poder público. O papel da mídia torna-se ainda mais importante no sistema representativo, pois a partir do momento em que o representante assume o poder ele não tem obrigação de realizar a vontade dos eleitores. O sistema representativo, segundo Manin (1995: 8), é superior por permitir um distanciamento entre as decisões do governo e o desejo popular. O autor reforça a idéia de que os representantes não atendem a vontade do povo com um exemplo: os deputados não estão na Assembléia para atender as vontades dos representados, e sim para votarem livremente, “de acordo com o juízo que façam no momento esclarecidos por todas as luzes que a Assembléia possa lhes proporcionar”. Embora não haja obrigatoriedade por parte do governante em seguir a vontade dos governados, a opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar independentemente do controle do governo. Para isso, no entanto, necessita-se ter acesso à informação política e liberdade para expressar opiniões políticas. O caráter coletivo de uma manifestação caracteriza um ato político. Manin sugere que um governo pode ignorar opiniões individuais ou de pequenos grupos, no entanto, não 26 pode fingir que não está ocorrendo uma manifestação com milhares de pessoas nas ruas. Manin ainda coloca que o representado pode se expressar através de meios de comunicação, individualmente com cada representante ou por petições. Na maioria das vezes, não se ignora a opinião coletiva porque o governante pensa em reeleição e precisa do apoio popular. Vale lembrar que a única vontade impositiva do cidadão é o voto. Independente da ação governamental, o povo tem condições de se manifestar. No momento em que um grupo se reúne para pressionar o governo ou uma multidão faz uma passeata nas ruas, os indivíduos estão se manifestando como “uma entidade política capaz de falar e agir”. E, nesse caso, provavelmente o fato estará incluído na agenda pública dos meios de comunicação. Ao determinar os temas que serão tornados públicos, a mídia pode ser considerada um representante político. Para se interpretar melhor essa questão, tomarão-se como referência as colocações de Miguel (2003). O conceito de representação política, complexo devido também à polissemia da palavra representação, é abordado por Miguel sob três dimensões: a primeira é a relação estabelecida entre representantes e representados no processo eleitoral, que coincide com uma das correntes apresentadas por Campilongo. Pode-se considerar a presença dos diferentes grupos na formação da agenda e no debate público (como por exemplo, os meios de comunicação) como a segunda dimensão. E, por último, está a representação política no campo da sociedade civil – do exercício ativo da cidadania. Privilegiaremos aqui os dois últimos aspectos em função da sua importância para esta pesquisa. 27 Delega-se ao controle sobre a agenda política a segunda face do poder (face oculta); a primeira face do poder é a tomada de decisões. À terceira face, apresentada pelo autor, cabe a capacidade de influenciar as vontades de grupos e indivíduos, de forma que eles tenham desejos contrários aos seus reais interesses, para impedir conflitos na arena pública. Os cidadãos comuns não escolhem um representante, mas sim reagem a uma oferta apresentada pelo mercado político. Nesse contexto, Miguel argumenta que os políticos dão satisfações de suas decisões mais ao partido do que propriamente ao eleitorado – o chamado fenômeno de duplo mandato. É mais um motivo que justifica a importância da função dos meios de comunicação enquanto “vigilantes” das decisões governamentais. Está incluído no papel da mídia publicar os fatos e discuti-lo com seu público. Salienta-se, de forma pertinente, que a relação entre representantes e representados depende também dos assuntos tematizados pela mídia. Ao apresentar as três dimensões da representação política, o autor destaca que o conceito torna-se complexo por não se adequar aos modelos ideais das correntes teóricas. Dentro da primeira definição do conceito, encontram-se duas correntes: “representação descritiva” e “visão formalista”. Miguel explica basicamente a diferença entre as vertentes: a primeira corresponde à formação de um microcosmo da sociedade representada, que reproduz suas características principais; já a segunda vertente “enfatiza a relação entre representante e representado destacando ou a autorização que os cidadãos dão para que alguns ajam em seu lugar ou a prestação de contas que o representante deve fazer de seus atos”.6 6 Na ciência política, a prestação de contas por parte dos representantes é designada pelo termo inglês accontability. 28 Conforme Miguel, as visões da representação política, no senso comum, tanto na ciência política quanto no direito, estão centradas no voto e na primeira dimensão do exercício do poder: trata-se do processo de escolha de delegados para que tomem as decisões em nosso nome. A função da representação política significa, além de participar de processos de tomada de decisão em nome de outros, também contribuir para a formulação da agenda pública. No caso da imprensa regional, a função política local assume papel relevante ao lançar temas que podem ser selecionados durante o processo jornalístico e expostos à discussão da comunidade, bem como à participação dos cidadãos no debate dos problemas ou na solução dos mesmos. As outras duas dimensões apresentadas na teoria de Miguel permitem fazer a ligação entre representação política e a mídia, no sentido de que o papel representativo desempenhado pelos meios de comunicação existe diariamente com a publicação de notícias. Maximizar essa problemática contribuirá para entender teoricamente como se pode classificar o jornal regional como representante político das comunidades mais carentes. 1.3. A representação política dos meios de comunicação Os meios de comunicação colocam-se como controladores, de certa forma, dos temas incluídos na agenda pública, onde acontecem os debates políticos. No momento em que os grupos de interesse ou os representantes pretendem inserir um tema na agenda, precisam recorrer à mídia. Nesse sentido, estudar-se-á a representação política da mídia. Um exemplo utilizado por Miguel ilustra bem a relação entre 29 representantes e agenda. Os projetos de parlamentares normalmente estão ligados aos temas abordados pelos meios de comunicação com o objetivo de alcançar maior visibilidade – o parlamentar mostra-se mais atuante e tem maior possibilidade de receber destaque da mídia. Pode-se considerar que nem sempre os parlamentares aceitam a imposição da agenda midiática e procuram modificá-la. Tanto a inclusão ou exclusão de temas da agenda quanto a hierarquização dos mesmos nos meios de comunicação são disputados por vários grupos de interesse. No entanto, os meios de comunicação ocupam a posição central e determinam os assuntos que serão publicados. A imprensa, a televisão, o rádio e a internet formulam as preocupações públicas, por isso os grupos que desejam incluir alguma questão na agenda precisam sensibilizá-los, como reforça Miguel: A mídia é, de longe, o principal mecanismo de difusão de conteúdos simbólicos nas sociedades contemporâneas e, uma vez que inclui o jornalismo, cumpre o papel de reunir e difundir as informações consideradas realmente relevantes. Todos os outros ficam reduzidos a consumidores da informação. Não é difícil perceber que a pauta de questões relevantes, postas para a deliberação pública, deve ser em grande parte condicionada pela visibilidade de cada questão nos meios de comunicação. (MIGUEL, 2003:132) Vale ressaltar que os meios de comunicação exercem uma função representativa na sociedade através do jornalismo, uma vez que a mídia publica diariamente o que é o mundo com a produção de notícias. Mesmo que existam outras fontes de informação, Miguel afirma que elas são secundárias, pois “os meios de comunicação detêm o 30 quase-monopólio da difusão de informações, de discursos e de representações simbólicas do mundo social”. O debate público não se limita ao parlamento, como defendem os teóricos da democracia deliberativa, e deve alcançar a sociedade como um todo. Em sociedades populosas e complexas, essa dimensão da representação política torna-se necessária, pois sem ela a participação na formação da agenda e do debate público seria inviável. Necessita-se também que os meios de comunicação representem, de maneira adequada, as diferentes posições presentes na sociedade, incluindo assim o pluralismo político e social. O que seria, na prática diária do jornalismo, trabalhar com o pluralismo político e social? Pode-se começar pelas pautas das reportagens, que normalmente incluem assuntos em várias editorias: cidades, política, economia, cultura, infantil, turismo, entre outras. Dentro das editorias, abordam-se temas de interesse público envolvendo informações institucionais, empresariais, de organizações, trabalhadores, desempregados, estudantes etc. Os espaços destinados para cada categoria são proporcionais aos assuntos colocados na agenda. E, a partir do momento em que encontramos várias vozes publicadas num produto jornalístico, tem-se o pluralismo político e social. Para classificar os meios de comunicação como uma esfera de representação política, Miguel explica a necessidade de vê-los como espaço privilegiado de disseminação de diferentes perspectivas e projetos dos grupos em conflito na sociedade. Quando a mídia apresenta a opinião de vários agrupamentos políticos, permitindo que o cidadão tenha acesso a informações e argumentos diversificados para 31 a formação de sua própria opinião política, pode-se considerar a existência de bom funcionamento das instituições representativas. O resultado da representação política, e social, da mídia depende de alguns fatores, como os interesses dos proprietários dos veículos de comunicação, dos grandes anunciantes e da posição dos profissionais. Apesar desse aspecto ser bastante questionado na imprensa regional, a Folha da Região especificamente mantém uma política editorial na qual a redação tem total autonomia para selecionar os temas publicados. Com relação a essa discussão, o editor chefe do jornal, Wilson Marini, afirma que “a direção, por meio da diretora-administrativa, orienta a opinião editorial, que é a opinião do jornal, mas a execução cabe à redação”. Vale lembrar que o conceito de empresa jornalística passou por alterações significativas nos últimos 30 anos, o que conseqüentemente acarretou em algumas mudanças na prática jornalística. Além disso, há também a adesão inconsciente por parte dos jornalistas a uma visão de mundo específica, que hierarquiza temas, valores e enfoques, como acreditam Berger e Luckman ao pesquisar sobre o inconsciente individual. Em relação às diferentes formas de participação no debate público, Miguel salienta: “Cumpre observar que a desigualdade do acesso à discussão pública não é efeito apenas do controle da mídia, mas também da deslegitimação da expressão dos dominados no campo político”. A idéia de que uma boa representação política é a representação de preferências formuladas autonomamente, ou seja, sem autoritarismo, está relacionada à última dimensão da representação política definida por Miguel referente ao campo da sociedade civil - do exercício ativo da cidadania. Para existir essa representação, necessita-se a presença de esferas públicas concorrentes (espaços em que os grupos possam definir seus interesses). Depois, representam-se os interesses do grupo nos 32 fóruns políticos gerais. Tem-se a sociedade civil como base para a prática da cidadania, por isso não há possibilidade de uma representação política mais adequada sem a presença da sociedade civil desenvolvida e plural. Costa (1997) destaca dois aspectos referentes à esfera pública nas sociedades contemporâneas. O primeiro caracteriza-se pela centralidade dos meios de comunicação, isto é, corresponde à disputa pelo controle dos recursos simbólicos disponíveis na esfera pública, uma vez que os resultados positivos surgem da eficácia na manipulação dos recursos, que podem influenciar desejos de consumo, político ou cultural. Já o segundo atende outras instâncias da esfera pública, como organizações de sociedade civil e espaços de comunicação interpessoal e se diferencia por relativizar a ação manipuladora da mídia. Nesse contexto, classifica-se a esfera pública7 como um sistema de comunicação especializado na reunião (input), processamento (throughput) e na transmissão de temas e opiniões (output). A opinião pública se diferencia da opinião da população porque corresponde à opinião dominante entre aqueles que têm voz ativa na esfera pública; já a opinião da população é aquela que circula entre o público. Costa explica que hoje se produz a esfera pública primeiramente por estratégias políticas persuasivas e de imagens e, em segundo plano, por estratégias políticas verbais e argumentativas: “Entende-se que a qualidade do espetáculo produzido pelos media torna-se critério norteador fundamental das preferências populares, o que faz da política, simulacro e ‘comércio de imagens’”. (COSTA, 1997: 122) O fato de os meios de comunicação criarem uma realidade social despolitizada ou estimularem técnicas de pesquisa de opinião pública acaba por esvaziar a política 7 O termo esfera pública será discutido de forma mais abrangente no terceiro capítulo desta dissertação. 33 representativa, concentrada em suas bases. Isso significa que existe a substituição do papel do cidadão pelo papel do consumidor, pois é o consumidor quem boicota ou organiza protestos, como se observa na seguinte afirmação: Persistem, para além do espaço público transformado em mercado, um leque diversificado de estruturas comunicativas, e uma gama correspondente de processos sociais (de recepção e reelaboração das mensagens recebidas e de interpenetração entre os diferentes micro-campos da esfera pública), cuja existência confere, precisamente, consistência, ressonância e sentido ao espetáculo, ancorando-o, novamente, no cotidiano dos atores. (COSTA, 1997:124) A mercantilização da comunicação, conforme o autor, não destruiu as interfaces entre a sociedade civil e o Estado. Ao mesmo tempo em que há expansão da mídia comercial, ocorre também a criação de novas formas críticas de comunicação, como movimentos sociais, microespaços alternativos e fusão de microculturas. As fontes da legitimação política são a conseqüência do processo de formação de opinião pública realizado pelos meios de comunicação. Ou seja, a realidade construída por um jornal diário contribui para formar a opinião pública e pode resultar na legitimação e manutenção da estrutura política em vigor. No caso do jornal regional, por estar próximo das problemáticas de sua comunidade, pode exercer atividades no sentido de investigar as irregularidades políticas e administrativas locais, bem como inibi-las. As pesquisas mais atuais que relacionam a transformação da mídia e da esfera pública, de acordo com Costa, referem-se à segunda como simulacro e campo da disputa pelas atenções públicas, além de ser alvo dos manipuladores da esfera política e econômica. Mesmo assim, o autor afirma que a mídia não perde suas principais 34 funções, como “a difusão de um jornalismo investigativo que faz da mídia ator importante da construção e vitalização do espaço público” e também não se descaracteriza em relação à “heterogeneidade dos conteúdos difundidos pelos meios de comunicação, assegurada pela relativa independência dos “produtores simbólicos” ocupados na mídia”. (COSTA, 1997:132) Quanto à mídia, com mais ênfase para a televisão, Lima trabalha o CR-P (Conceito de Representação da Política), que identifica as formas de construção pública de significações da política na sociedade contemporânea. Aborda o conceito perante duas hipóteses: a primeira está diretamente ligada ao processo político; e a segunda, relacionada com os processos eleitorais, de âmbito nacional ou internacional: São elas: (1º) o CR-P dominante, embora não prescreva os conteúdos da prática política, demarca os limites dentro dos quais as idéias e os conflitos políticos se desenrolam e são resolvidos, podendo neutralizar, modificar ou incorporar iniciativas opostas ou alternativas; e (2º) um candidato em eleições nacionais e majoritárias, dificilmente vencerá as eleições se não ajustar a sua imagem pública ao CR-P dominante. A alternativa é a construção de um CR-P contra-hegemônico ou alternativo.8 (LIMA, 1996: 254) Podemos observar que Lima designa parte do poder político à função da televisão, que transmite imagens de realidades construídas de maneira determinada. Um político de reconhecimento nacional dificilmente obteria êxito numa campanha eleitoral caso descuidasse de sua imagem e seu discurso na mídia. Outro ponto de importante destaque é o alcance de público de uma rede de televisão, como a Rede 8 Este estudo de CR-P é muito utilizado para a realização de análise de caso de notícias televisivas, principalmente quando o tema é política. 35 Globo. As reportagens, os comentários e os “editoriais” veiculados chegam à casa de um grande número de pessoas – eleitores que fazem uma escolha de candidato no dia da eleição. Lima (2001: 182) aprimora o conceito de representação, que pode se referir à existência de uma realidade externa (uma realidade refletida) e à constituição desta mesma realidade. Para ele, representação significa representar a realidade e também constitui-la. Lima explica que as significações relativas aos gêneros, à violência, às etnias e à modernidade, por exemplo, constroem-se publicamente pelos cenários de representação. O paradigma sobre a representação política dos meios de comunicação norteia esta pesquisa, na medida em que aborda o papel da mídia no debate público, ou seja, a contribuição especificamente do jornalismo regional na arena pública ao controlar os temas da agenda. Para melhor compreensão da discussão entre jornalismo e debate público, verificar-se-á no item seguinte a relação da mídia com o exercício da política. 1.4. Mídia e Política Considerando que a imprensa, a televisão, o rádio e a internet são difusores de visões de mundo e de projetos políticos, podem ser apontados como instrumentos de representação. Por isso, vale ressaltar a relação direta entre mídia e política na produção do jornalismo. Para Miguel (2003a), as publicações da mídia são a representação das vozes da sociedade. No entanto, a conseqüência é que “os meios 36 de comunicação reproduzem mal a diversidade social” – o que interfere no exercício da democracia. O autor menciona a exclusão política como forma de silêncio. Segundo ele, esse silêncio representa a falta de voz “na disputa pelas representações do mundo social, que se trava nos meios de comunicação”. E o problema agrava-se porque a democracia tende a desconsiderar a importância da função da mídia: “As teorias hegemônicas da democracia trabalham com a idéia de que os interesses já estão dados, o problema constituindo na maneira de agregá-los. Essa perspectiva reduz a importância da comunicação política”.9 Tanto os interesses quanto as preferências individuais definem-se por meio da luta política, que vai construir certas identidades coletivas em detrimento de outras, universalizar projetos e visões de futuro. “A democratização da esfera política implica, portanto, tornar mais equânime o acesso aos meios de difusão das representações do mundo social.” (MIGUEL, 2003) A proposta apresentada por Miguel mostra a necessidade dos meios de comunicação abrirem espaço à diversidade de vozes existente na sociedade, a fim de que o público participe do debate político. Além disso, os grupos sociais têm de encontrar a possibilidade de formular suas próprias necessidades e seus interesses. Com base no conceito de campo definido por Bourdieu, Miguel compreende a interação entre mídia e política, “duas esferas que se guiam por lógicas diferentes, mas que interferem uma na outra”. A influência dos meios de comunicação ocorre durante a 9 O texto “Os meios de comunicação e a prática política” de Luís Felipe Miguel está disponível em Lua Nova – revista de cultura e política, n. 55, no endereço 63 Nesse contexto, segundo Rosen25, surge o jornalismo cívico – em meio à discussão pública realizada pelos candidatos à Casa Branca nas campanhas eleitorais e pela cobertura jornalística, bastante influenciada pelas estratégias de marketing político. Nesse período, o diretor do “Wichita Eagle”26, Davis Merritt, falou publicamente sobre a necessidade de uma reformulação do contrato entre candidatos e jornalistas. As campanhas eleitorais de 1990 e 1992 tornaram-se essenciais, na opinião de Merritt, para o rompimento com as práticas tradicionais: Ao notar que se repetia a mesma prática de 1988 – uma campanha de acusações e contra-acusações falsas, que prestava a mínima atenção às questões importantes – Merritt anunciou um rompimento com a tradição em um artigo dominical titulado “De frente, este é nosso preconceito eleitoral”. (ROSEN) Nesse artigo, Merritt apresenta uma abordagem crítica relacionando o direito dos eleitores conhecerem em detalhe os temas propostos pelos candidatos ao governo do Kansas27. Considerando esse pensamento, encontram-se duas maneiras diferentes para a publicação de informações sobre a eleição. Na primeira, os jornalistas devem traduzir as campanhas eleitorais para o público, uma vez que elas têm sua própria realidade. Já a segunda pressupõe que as campanhas se tornam indecifráveis para a sociedade, quando dizem respeito a realidades enfrentadas pela população. 25 Essas informações estão no artigo “Perspectiva sobre las notícias”, de Jay Rosen. O artigo está disponível no endereço eletrônico http://civnet.org/civitas/panam/rosen1/rosen1c.htm 26 Refere-se a um jornal do Estado do Kansas, nos Estados Unidos, que faz parte do grupo de jornais que tiveram a iniciativa de implantar as práticas do jornalismo público. 27 A eleição para o governo do Kansas a que se refere o texto foi realizada em 1990. 64 Ao invés de buscar frases marcantes dos candidatos e apresentar as campanhas eleitorais de forma instantânea, o diretor defende o direito dos cidadãos verem os temas de interesse público sendo debatidos. Com base em resultados de pesquisas, o “Wichita Eagle” realizou a cobertura das campanhas eleitorais em cima de dez temas de interesse público: educação, desenvolvimento econômico, meio ambiente, agricultura, serviços sociais, aborto, delinqüência, atenção à saúde, impostos e gastos do estado. Cada candidato tecia suas opiniões sobre as problemáticas abordadas em um artigo publicado na edição de domingo e analisado na coluna semanal “Suas posições”. Um exemplo citado por Rosen ilustra a abordagem utilizada pelo jornal norte- americano: a temática sobre o meio ambiente. A questão era pertinente porque o Kansas enfrentava novas demandas de abastecimento de água, uma vez que as fontes locais estavam se acabando. Então, por ser um assunto de grande interesse público, o periódico discutiu novas sugestões para o problema junto com dois candidatos – o democrata Joan Finney e o republicano, em exercício na época, Mike Hayden. Para Rosen, a coluna serviu como um guia para os eleitores. “Fundamentalmente, foi um argumento em favor do que se supõe o que deve ser a política: interesses públicos e debates públicos”. Posteriormente, uma pesquisa realizada pelo Instituto KnightRidder revelou que os leitores preferiram, durante as campanhas eleitorais, a coluna “Suas posições” e a exploração detalhada dos temas em detrimento de qualquer outro tipo de artigo. O objetivo de Merritt era ir além do respeito de uma “agenda do cidadão”, por isso o “Wichita Eagle” associou-se com uma emissora de rádio e uma televisão regional para integrarem o “Projeto do Povo” – mais arrojado. Segundo Rosen, o projeto “tratou 65 de responder mediante uma ressurreição da política como um drama participativo”. A implantação do projeto começou com a realização de 192 entrevistas de duas horas com moradores da área de Wichita. Os entrevistados abordaram aspectos de suas vidas e problemas, em meio às suas percepções do processo político. Três pontos foram destacados pelos pesquisados: perceberam que o processo político, o sistema educativo e a justiça eram incapazes de resolver problemas; acreditavam que essas questões estavam relacionadas; e se sentiram frustrados e com isso se afastaram dos processos decisórios, ao invés de buscarem soluções. A partir desses resultados, Merritt pensou que os jornalistas tinham razões para despertar a atuação dos cidadãos, “de levar a sério a noção de ‘governo próprio’ como a raiz da democracia". Com um subtítulo centrado nas práticas jornalísticas, “Solucioná- lo-emos nós”, o projeto surgiu como um programa de ação no qual divulgavam-se as propostas dos cidadãos para a resolução de problemas. Nesse contexto, houve ampla cobertura às iniciativas realizadas e os casos bem sucedidos foram publicados. O “Projeto do Povo” era um programa com artigos, notas de serviço, eventos comunitários e fóruns de debates elaborados pelo “Wichita Eagle” e seus associados. Para cada tema discutido, o jornal publicou uma lista chamada “Lugares para começar”, com nomes e números de telefone de organizações preocupadas com o problema. “Os leitores foram convidados a telefonar, escrever ou a entregar pessoalmente seus comentários e sugestões”, afirma Rosen. A proposta: conectar as pessoas com a vida pública e com as organizações voluntárias. A chance para relançar o projeto apareceu durante as eleições presidenciais de 1992, mas agora com a participação de vários meios de comunicação. Um exemplo é o “Charlotte Observer”, na Carolina do Norte, integrante do mesmo