JOÃO OSVALDO RODRIGUES NUNES PRÁXIS GEOGRÁFICA E SUAS CONJUNÇÕES Presidente Prudente 2014 JOÃO OSVALDO RODRIGUES NUNES PRÁXIS GEOGRÁFICA E SUAS CONJUNÇÕES Tese apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, com vistas à realização de concurso de Livre Docência. Presidente Prudente 2014 FICHA CATALOGRÁFICA Nunes, João Osvaldo Rodrigues. N925p Práxis geográfica e suas conjunções / João Osvaldo Rodrigues Nunes. - Presidente Prudente: [s.n], 2014 xi, 150 f. : il. Tese (livre-docência) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Geografia. 2. Geografia física. 3. Complexidade. 4. Práxis. 5. Dialética materialista. I. Nunes, João Osvaldo Rodrigues. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. CDD (18ª ed.) 910.02 Dedicatória Aos meus filhos Caio e Caike, a minha mãe e a minha esposa Mie, pelo companheirismo, amor, força e união durante todas as trajetórias de minha vida neste plano terrestre. AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho é o resultado de 24 anos de trajetória de vida de modo direto e indireto com a Geografia, especialmente na relação com a Geomorfologia. É o acúmulo de todo um processo de aprendizagem, mesclando o convívio acadêmico com o convívio pessoal e familiar com vários amigos e companheiros de trajetória, envolvendo a graduação, a pós-graduação, o pós-doutorado, até os dias atuais. Ao longo desse caminho, várias pessoas, de modo direto ou indireto, tiveram fundamental importância em meu amadurecimento, tanto como profissional ligado à Geografia, quanto como ser humano e agente social nas diversas práticas do cotidiano do dia a dia. Sem elas, dificilmente conseguiria obter as conquistas pessoais e coletivas que a vida me proporcionou. Em síntese, este trabalho é fruto de um convívio eminentemente coletivo. A estas diversas pessoas, sem as quais não teria sido possível trilhar os passos que culminaram neste trabalho, externo meu fraterno agradecimento: Aos colegas, Raul, como chefe do Departamento de Geografia, que me incentivou a realizar a Tese de Livre Docência; Eliseu e João Lima, que leram as primeiras versões do projeto de tese, apontando alterações e sugestões, e também apoiaram o meu intento. Ao amigo João Vitor, pelas diversas leituras e discussões detalhadas de vários pontos da tese, com especial atenção à parte epistemológica. A Melina, Érika e Jéssica, pelo árduo trabalho de organizar toda a documentação necessária para realização do concurso de Livre Docência. À orientadora, professora Dirce Maria Antunes Suertegaray, que sempre esteve presente em minha formação profissional, por acreditar no “guri” que sempre gostou de discutir Geografia e Geomorfologia, antes, nos corredores do Departamento de Geografia da UFRGS, e agora, nos corredores do Departamento de Geografia da FCT/UNESP. Com ela tive o privilégio de poder conhecer os areais, andar nos areais e estudar os areais. Aprendi, numa relação de ambiências nos estudos dos areais, que a construção do conhecimento geográfico, do espaço geográfico, articula-se na práxis, a qual só se concretiza na articulação entre teoria e prática, em que o método de pensamento é um vetor de condução e de conjunção entre os saberes. Como sempre, aos vários colegas, companheiros e professores da época de graduação da UFRGS, entre eles: Roberto Verdum, Rosa Medeiros, Nina, Álvaro, Nelson Rego, Neiva, Nestor, Jorginho e tantos outros que me mostraram, nas práticas coletivas, a Geografia que hoje tenho a oportunidade de exercer. A todos os colegas professores do Departamento de Geografia, especialmente Tadeu, Margarete, João Lima e Arthur, que têm acompanhado minha trajetória, compartilhando os momentos bons e ruins que muitas vezes passamos na academia. Aos colegas administrativos do Departamento de Geografia, Lúcia, Anderson, Denise Dantas Jerônimo e Victor Emmanuel Albertin Veríssimo. Aos colegas de outros departamentos, Tita, Everaldo, Casé, Ronaldo, Nilton Imai, Julio Hasegawa, Maria de Lourdes, Antonio Tommaselli, Arilda, Divino, Aldo, Carlos Saenz, Neri, José Carlos (Zeca), Cristiane, Piteri, Messias Junior, Cristiane Baron, Fernando Okimoto, Hélio Hirao, Renata, Ruth etc. Aos amigos e colegas da secretaria de Pós-Graduação em Geografia, Ivonete, Cintia, André e Karina, pelo companheirismo e seriedade no trabalho realizado. Aos colegas administrativos de outras seções de graduação, Flávia, Roberto, Denise, Valmir, Carmem, Adriana, Heraldo, Paulo Tomiasi, Antônia Escaioni, Flora, Maria, Luciano, Ademir, Jamil, Ângela, Nice, Ítalo, Emerson etc. Aos alunos da Pós-Graduação, principalmente do Grupo do GAIA, Junior, Vinicius, Paulo, Núbia, Camila, Renata, Tainá, Lucinete, Eduardo, Larissa, Renatinha, Gislene, Lais, Leandro, Afonso, Janaina etc. À gurizada da graduação, especialmente dos cursos de Geografia e de Engenharia Ambiental, pela oportunidade de ensinar e aprender os conhecimentos acadêmicos nas diversas práticas dentro e fora da sala de aula, com destaque para os trabalhos de campo. Ao Leandro e ao Rodrigo, pela oportunidade de conhecer e trabalhar com o Sr. Mario Ogassawara, a quem tenho tomado, com respeito e admiração pela pessoa simples que é, como mais um exemplo na minha vida profissional e pessoal. Aos caríssimos amigos, Maria Cristina Perusi e Edson Luís Piroli, pelo exemplo de garra e profissionalismo ético, e pelo privilégio de conviver, especialmente nestes três últimos anos de FCT/UNESP, junto ao projeto de recuperação de áreas degradadas no Assentamento Rural Nova Esperança. Com vocês reforcei o aprendizado da amizade e do coleguismo, em que é possível construirmos um ambiente de vida mais humano e menos egoísta. O mesmo sentimento de agradecimento tenho também pelos amigos Lucas Vituri Santarosa, Eduardo Martins Vallim, Wellington Leandro do Nascimento, Angélica Scheffer da Motta Abrantes, Fátima Aparecida Costa, Pedro Amadeu Antonio da Silva, Bruna Cristina dos Santos, Lucas Júnior Pereira da Silva, Camila Al Zaher, Juliana Marina Zanata, Caio Augusto Marques dos Santos e Jacson José Ferreira, por tudo que realizamos juntos durante os dois anos de trabalhos realizados no Assentamento Rural Nova Esperança. Ao Sr. Adão, Dona Amélia, Sr. Pedro, Dona Maria, Dona Lurdes e às demais 98 famílias de assentados do Assentamento Rural Nova Esperança e de outros assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema, que lutam cotidianamente pela sua manutenção na terra conquistada com o sacrifício de vários trabalhadores rurais, que produzem os alimentos que chegam às nossas mesas, e que têm me proporcionado a oportunidade do aprendizado de uma práxis integradora, entre dinâmicas da natureza e da sociedade, na Geografia. Aos amigos, colegas e companheiros do Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos, o qual tenho tido a responsabilidade de coordenar desde junho de 2002, e no qual nada teria sido possível sem a presença de vocês ao longo desses anos. Muito obrigado a Eliete Gomes da Silva, Tiago Matsuo Samizava, Caio Augusto Marques dos Santos, Rosane Freire, Inayê Uliana Perez, Bruno Alberto dos Santos Cyriaco, Vanessa de Souza Palomo, Tiago Médici Vinha, Alyson Bueno Francisco, Marcos Vinicius Zecchini, Melina Fushimi, Érika Cristina Nesta Silva, Isabela Saldella Hatum, João Vitor Gobis Verges, Lucas Jr. Pereira da Silva, Nivea Massaretto, Renata Menezes Severiano, Leda Correia Pedro, Aline Naokazu, Élida Drongek, Ely Lima, Fernanda Naressi, André Luiz Martins Alamino, Thiago Morais de Castro, Daniela Patrícia Monarin de Oliveira, Felipe F. Martins, José S. Charpeleti, Renan A. M. Pinto, Andréa Campaz Bombonato, Carla de Souza Camarneiro, Mariana Dantas Lopes, Renata Pereira de Souza, Paulo Roberto Vagula, Alessandro Donaire de Santana, Marilucia Akiko Tokuyochi, Fernando Rettore da Silva Paranhos, Leandro Tetsuo Ogassawara Takata, Rodrigo Yuite Nakamura, Carla Kayuri da Silva Okimoto, Mayara Maezano Faita, Jéssica de Sousa Baldassarini, Karen Yumi Yoshimoto, Suelen Fontana, Omar Jorge Sabbag, Luís Eduardo Bovolato, Marquiana de Freitas Vilas Boas Gomes, Jeani Delgado Paschoal Moura, Adriana Olivia Sposito Alves Oliveira, Tulio Barbosa, Quesia Duarte da Silva, João Cândido André da Silva Neto, Ribas Dantas do Nascimento, Ana Paula da Silva Moraes, Ana Mitiko Anunciação, Marina Mello Vasconcellos, Andressa Bigoni Perozzi, Alessandra de Lima Simioni, Mayara Cristina de Paula, Luis Henrique Bezerra de Souza da Silva, Flavia Fushimi, Estefania Borgo, Willian Giranda Marques, Jefferson Hiroshi Hanhu, Douglas Mamoru Nomura, Marina Mika Takano Masunari, Audrey Ferreira Rosa, Thais Buch Pastoriza, Nathalia Martins, Maicon Alan Major Ferreira, Leandro Emanuel Borges, Alex Henrique Jacinto, Tiago Marques Figueira, Klenia Manuela Duarte da Silva, Ricardo Gregori Milani, Kleber Leandro Nascimento Pires, Robson Toma, Hiuri Marcel Di Baco, Roberison Wittgenstein Dias da Silveira, Leonardo Rodrigues Trindade, Érica dos Santos Pichinin, Reginaldo José de Souza, Beatriz Michele Moço, Gustavo Henrique de Campos Peterlini, Rafael de Oliveira Tiezzi, Maria Angélica, Vivian Patrícia Junqueira, Rodrigo José Pisani, Maria Estélia de Araújo, Juliana Aparecida Rocha Luz, Pedro França Junior, Dener Toledo Mathias, Renato Augusto Damasceno, Giordano Begali Cierute, Pedro Amadeu Antonio da Silva, Bruna Tiago Almeida, Lucas Biguete, Denise Dantas Jerônimo, Rodrigo Hiroshi Kaida e Marcel. Ao meu pai, Timóteo, que faleceu ano passado, e à minha mãe, Tereza, que me ensinaram a trilhar o caminho da honestidade e o respeito ao outro; Aos meus filhos, Caio e Caike, e especialmente à companheira Mie, a pessoa a quem devo todo o meu amor, carinho e gratidão, por tudo que temos percorrido juntos nestes 24 anos. Através de sua sabedoria oriental, consegue transmitir harmonia e serenidade nos momentos difíceis, principalmente nas minhas ausências como pai. A você, Mie, que me acompanha nesta trajetória desde o período de namoro, não somente agradeço, mas dedico, de coração, este trabalho. Em síntese, MUITO OBRIGADO A TODOS E POR TUDO! SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS........................................................................................................... i LISTA DE TABELAS.......................................................................................................... iv RESUMO........................................................................................................................... ix ABSTRACT........................................................................................................................ x 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 20 2 A GEOGRAFIA E SUAS DIFERENTES PERSPECTIVAS HISTÓRICAS..................... 23 2.1 Geografia, método científico, técnica e ambiente........................................ 30 2.2 Geografia, natureza, complexidade e práxis................................................ 41 3 PONTAL DO PARANAPANEMA - SP, AMBIENTE EM TRANSE............................ 51 3.1 Conhecendo o espaço geográfico do Assentamento Rural Nova Esperança e suas transformações socioambientais ao longo da história........ 53 3.1.1 O início da trajetória................................................................................ 53 3.1.2 Conhecendo o espaço geográfico de atuação...................................... 54 3.1.3 Histórico de conflitos sociais, lutas pela terra e apropriação da natureza do Pontal do Paranapanema-SP........................................................... 60 3.1.4 Compreendendo a constituição da natureza alterada do Assentamento Rural Nova Esperança.................................................................. 67 3.1.4.1 Conhecendo a área de trabalho e a fisiologia da natureza alterada.................................................................................................................. 81 3.1.4.2 O uso das técnicas e sua função social na transformação da realidade ambiental do Assentamento Rural Nova Esperança.......................... 87 3.1.4.3 Implantação das técnicas de recuperação da erosão................ 93 3.1.5 Resultados da práxis sobre o ambiente alterado................................................................................................................. 97 3.1.5.1 Resultados das análises físicas da área 2..................................... 99 3.1.5.2 Resultado do monitoramento das erosões................................ 101 3.2 Conhecendo o espaço geográfico do Sítio Ogassawara e suas transformações socioambientais ao longo da história.................................................................................................................. 106 3.2.1 O início da trajetória............................................................................. 106 3.2.2 O histórico de formação do espaço geográfico de vivência.................................................................................................................. 108 3.2.3 Compreendendo a constituição da natureza alterada do Sítio Ogassawara no município de Álvares Machado-SP............................................ 111 3.2.3.1 Conhecendo a fisiologia da natureza alterada........................... 116 3.2.3.2 O uso das técnicas e sua função social na transformação da realidade do Sítio Ogassawara............................................................................. 121 3.2.4 Resultados da práxis sobre o ambiente alterado................................................................................................................. 132 4 REFLEXÕES SOBRE A PRÁXIS GEOGRÁFICA....................................................... 138 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 143 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Representação da trajetória teórica e do método de construção do pensamento geográfico. Fonte: Autor (abril de 2014)........................................ 49 Figura 2. Localização do Assentamento Rural Nova Esperança, município de Euclides da Cunha Paulista - SP. Fonte: Autor (abril de 2014)........................................... 59 Figura 3. Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo. Fonte: Ross e Moroz (1997).. 68 Figura 4. Mapa Geológico do Oeste Paulista (IPT, 1981).................................................... 69 Figura 5. Arenitos de origem eólica da Formação Caiuá. É possível a identificação das estruturas sedimentares do tipo estratificação cruzada, sendo um bom confinador de água subterrânea. Fonte: Autores (dezembro de 2010)............. 70 Figura 6. Os depósitos rudáceos ou cascalheiras situam-se, com maior predominância, nos topos e nas médias vertentes de algumas colinas baixas com declividade acentuada. Fonte: Autores (dezembro de 2010)................................................. 71 Figura 7. A presente erosão (ravina) é o resultado histórico de ocupação da área, primeiro, com a retirada da cobertura vegetal (Mata Atlântica) e, posteriormente, com a introdução de atividades agropecuárias sem manejo adequado, como pode ser visto com a presença do gado na área de Reserva Legal. Fonte: Autores (dezembro de 2010)......................................................... 72 Figura 8. Ao fundo, a montante, observam-se as cabeceiras de drenagem em formato de anfiteatro totalmente desmatadas. No centro da foto, a jusante, o antigo canal de escoamento d’água foi totalmente assoreado. Fonte: Autores (dezembro de 2010).............................................................................................. 73 Figura 9. Vista da planície aluvial assoreada com sedimentos oriundos das vertentes desmatadas. Fonte: Autores (dezembro de 2010).............................................. 74 Figura 10. Voçoroca resultante do uso inadequado da terra, principalmente da atividade pecuária, introduzida antes do processo de reforma agrária realizado no Assentamento Rural Nova Esperança. Fonte: Autores (dezembro de 2010).............................................................................................. 75 Figura 11. Mapa Pedológico do Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1999)............................. 76 Figura 12. Valores médios mensais de temperatura (⁰C) e precipitação (mm) para o município de Euclides da Cunha - SP (1950-2008). Dados extraídos de http://jisao.washington.edu/data_landing. Organizado por Tommaselli (2012)..................................................................................................................... 78 Figura 13. Mapa do Assentamento Rural Nova Esperança, com a localização das áreas 1 (Azul) e 2 (Laranja), Reserva Legal (Amarelo), Área de Preservação Permanente (APP) (Verde) e Reserva Legal com áreas de APP (Vermelho). Elaboração: os autores (2011)............................................................................... 82 Figura 14. Erosões do tipo sulcos e ravinas nas vertentes da área do Assentamento Rural Nova Esperança destinada como Reserva Legal. Fonte: Autores (fevereiro de 2011)................................................................................................. 83 Figura 15. Vista do Córrego da Anta, em avançado processo de assoreamento decorrente do histórico de uso e ocupação da terra. Fonte: Autores (fevereiro de 2011)................................................................................................. 83 http://jisao.washington.edu/data_landing Figura 16. Sulcos formados pela erosão zoógena em área de Reserva Legal. Nesta área, não é permitida, legalmente, a permanência do gado. O gado existente pertence aos assentados rurais. À direita, observa-se parte da ravina B. Fonte: Autores (fevereiro de 2011)....................................................................... 84 Figura 17. Vista do setor a montante da ravina principal, mostrando as cabeceiras de drenagem em forma de anfiteatro muito degradadas, com presença de eucalipto plantado pelos assentados rurais. Fonte: Autores (fevereiro de 2011)....................................................................................................................... 85 Figura 18. Vegetação de porte no interior da calha principal da ravina. Devido à declividade acentuada, o gado não consegue entrar nos setores a montante, permitindo que a cobertura vegetal se desenvolva. Fonte: Autores (fevereiro de 2011)................................................................................................. 85 Figura 19. Localização das ravinas A e B na área piloto e distribuição dos perfis analisados. Elaboração: Autores (junho de 2011)................................................ 89 Figura 20. (a) Perfil 1, ravina A. (b) Perfil 2, ravina A. (c) Perfil 3, ravina A. Fonte: Autores (junho de 2011)........................................................................................ 90 Figura 21. (a) Perfil 1, ravina B. (b) Perfil 2, ravina B. (c) Perfil 3, ravina B. Fonte: Autores (junho de 2011)...................................................................................................... 90 Figura 22. Fixação do anel volumétrico para determinação da densidade do solo. Fonte: Autores (junho de 2011)............................................................................. 90 Figura 23. Localização das ravinas C na área piloto 2 e distribuição dos perfis analisados. Elaboração: Autores (junho de 2011)................................................ 91 Figura 24. (a) Perfil 1 (b) Perfil 2 (c) Perfil 3 (d) Perfil 4. Fonte: Autores (junho de 2011)............................................................................................................. 92 Figura 25. Barreiras feitas com sacos de ráfia (areia e seixos) apoiadas em bambu, a montante da erosão. Fonte: Autores (junho de 2011)......................................... 93 Figura 26. Sequência de montagem das barreiras com o uso de bambus dentro da ravina. Fonte: Autores (junho de 2011)................................................................ 94 Figura 27. Monitoramento da ravina B. Fonte: Autores (abril de 2012).............................. 95 Figura 28. Cerca ao redor da ravina B com as respectivas informações do projeto de pesquisa. Fonte: Autores (abril de 2012).............................................................. 96 Figura 29 . Plantio das mudas com a supervisão do professor Edson Luís Piroli. Fonte: Autores (abril de 2012).......................................................................................... 97 Figura 30. Barreira de bambu, com destaque para o crescimento dos brotos e o acúmulo de sedimento e gramíneas no interior da erosão (ravina B). Fonte: Autores (julho de 2012)......................................................................................... 102 Figura 31. Corte do arame da cerca construída para evitar a entrada do gado na área onde ocorreu o plantio de mudas nativas. Fonte: Autores (maio de 2012)....... 103 Figura 32. Replantio de 300 mudas nativas com a presença de assentados rurais. Fonte: Autores (outubro de 2012)............................................................................................................ 103 Figura 33. Evolução temporal da recuperação do processo erosivo com o uso conjugado de sistemas mecânicos (barramento com bambus) e edáficos (plantio de mudas nativas). Fonte: Autores........................................................ 104 Figura 34. Localização da área de estudo do município de Álvares Machado – SP. Fonte: Autores (abril de 2012).............................................................................. 108 Figura 35. Mapa Geomorfológico do Estado de São Paulo. Fonte: Ross e Moroz (1997).. 111 Figura 36. Localização da área de estudo no Mapa Geológico do Estado de São Paulo (IPT, 1981).............................................................................................................. 112 Figura 37. Localização do município de Álvares Machado no Mapa Pedológico do Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1999)................................................................ 113 Figura 38. Climograma da cidade de Presidente Prudente. Fonte: INMET. Organizado por Tommaselli (2012)........................................................................................... 115 Figura 39. Área com predominância de pastagens e vertentes sem práticas de conservação do solo (terraços), com diversas feições erosivas. Fonte: Autores (dezembro de 2011)................................................................................. 117 Figura 40. Erosão às margens de córrego, promovendo seu assoreamento. Fonte: Autores (dezembro de 2011)..................................................................... 117 Figura 41. Córrego com as margens muito erodidas, sem a presença de matas ciliares. Fonte: Autores (dezembro de 2011)..................................................................... 117 Figura 42. Planície aluvial muito degradada, com avançado processo de erosão linear no seu interior. Fonte: Autores (dezembro de 2011)........................................... 118 Figura 43. Localização da área de estudo dentro do Sítio Ogassawara. As setas em vermelho mostram o sentido das vertentes e os correspondentes fluxos de escoamento de água superficial. Observe-se, na imagem inferior, que a área de estudo apresenta uma superfície aplainada pelos sedimentos vindos das vertentes, a montante, e da Estrada AVM - 030. Elaboração: Autores (2012)..................................................................................................................... 119 Figura 44 A e B. Identificação do foco erosivo do tipo ravina formado pelo escoamento concentrado em solos tecnogênicos (A), e detalhe do degrau formado dentro da erosão (B). Na foto A, observa-se a presença do Sr. Mario, proprietário do Sítio Ogassawara auxiliando no trabalho de campo. Fonte: Autores (fevereiro de 2012).................................................................................. 120 Figura 45 A e B. Área de mata residual preservada na propriedade (A). Detalhe do canal escavado no interior da mata, para captação da água do aquífero freático suspenso (B). Fonte: Autores (fevereiro de 2012)............................................... 120 Figura 46. Corte de colmos de bambus conforme a largura do foco erosivo. Fonte: Autores (março de 2012)....................................................................................... 121 Figura 47. Corte na parede da erosão, utilizando enxadão e cavadeira. Fonte: Autores (março de 2012)..................................................................................................... 121 Figura 48. Detalhe do corte na parede da erosão, para encaixe dos colmos principais de bambu. Fonte: Autores (março de 2012)............................................................. 121 Figura 49. Encaixe dos colmos de bambu na parede da erosão. Fonte: Autores (março de 2012).................................................................................................................. 122 Figura 50. Detalhe do empilhamento dos colmos de bambus na parede da erosão. Fonte: Autores (março de 2012)........................................................................... 122 Figura 51. Amarração dos colmos de bambu com uso de arame liso. Fonte: Autores (março de 2012)..................................................................................................... 122 Figura 52. Detalhe final da montagem das barreiras de contenção a montante dos focos erosivos. Fonte: Autores (março de 2012)................................................. 122 Figura 53. Transporte dos sacos de ráfia com solos da própria área de estudo. Fonte: Autores (março de 2012)....................................................................................... 123 Figura 54. Disposição dos sacos de ráfia à montante da barreira de contenção na erosão 1. Fonte: Autores (março de 2012)........................................................... 123 Figura 55. Disposição dos sacos de ráfia à montante da barreira de contenção na erosão 2. Fonte: Autores (março de 2012).......................................................... 123 Figura 56. Disposição dos sacos de ráfia na alcova de regressão provocada pelo escoamento superficial a montante da barreira de contenção na erosão 2. Fonte: Autores (março de 2012)........................................................................... 123 Figura 57. Vista da disposição final dos sacos de ráfia a montante das barreiras 1 e 2 e na cava erodida. Fonte: Autores (março de 2012)............................................... 123 Figura 58. Trabalho de abertura da trincheira para coleta de amostras de solo tecnogênico. Fonte: Autores (abril de 2012)....................................................... 124 Figura 59. Retirada das amostras de solo tecnogênico para realização de análise física (textura e fracionamento). Fonte: Autores (abril de 2012)................................ 124 Figura 60. Cerca construída com a finalidade de impedir a entrada de gado na área com plantio de mudas nativas. Fonte: Autores (abril de 2012)................................... 125 Figura 61. Junção da antiga cerca com a nova. Fonte: Autores (abril de 2012)................. 125 Figura 62. Área com a presença da gramínea alta. Fonte: Autores (abril de 2012)............ 126 Figura 63. Vista da área após o trabalho de roçagem. Fonte: Autores (maio de 2012)...... 126 Figura 64. Disposição das mudas com as respectivas distâncias de plantio entre as covas. Fonte: Autores. (maio de 2012)................................................................. 127 Figura 65. Abertura da área de coroamento. Fonte: Autores (maio de 2012)..................... 127 Figura 66. Agitação manual para mistura do pó de Hidrogel com água. Fonte: Autores (maio de 2012)....................................................................................................... 128 Figura 67. Muda retirada do tubete. Fonte: Autores (maio de 2012).................................. 129 Figura 68. Inserção da muda na cova, com a participação do proprietário rural. Fonte: Autores (maio de 2012)......................................................................................... 129 Figura 69. Acomodação de adubo e hidrogel na região basal da cova e da muda, com a participação do proprietário rural. Fonte: Autores (maio de 2012).................... 129 Figura 70. Preenchimento da cova com solo local e polvilhamento de adubo inorgânico. Fonte: Autores (maio de 2012).......................................................... 130 Figura 71. Cobertura da cova com grama seca proveniente de roçada. Fonte: Autores (maio de 2012)....................................................................................................... 130 Figura 72. Irrigação realizada com auxílio de tanque de água, com a participação do proprietário rural. Fonte: Autores (junho de 2012)............................................. 131 Figura 73. Presença de outros tipos de vegetais competindo por nutrientes. Fonte: Autores (outubro de 2012).................................................................................... 131 Figura 74. Capinando coroamento com a participação do proprietário rural. Fonte: Autores (outubro de 2012).................................................................................... 131 Figura 75. Muda e coroamento após a capina. Fonte: Autores (Outubro, 2012)................ 132 Figura 76. Gráfico comparativo entre pH ideal (pH = 6,0 adotado) e pH das amostras. Fonte: Laboratório de Análise de Solos e Tecido Vegetal da Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE).................................................................................... 133 Figura 77. Análise temporal da barreira 1. Fonte: Autores................................................... 134 Figura 78. Análise temporal da barreira 2. Fonte: Autores................................................... 134 Figura 79. Mudas que brotaram novamente. Fonte: Autores (outubro de 2012)............... 135 Figura 80. Mudas que vingaram. Fonte: Autores (outubro de 2012)................................... 136 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Identificação das amostras de solo...................................................................... 88 Tabela 2. Classe textural das amostras................................................................................ 133 RESUMO Desde a sua sistematização como ciência, a Geografia, seja através dos diferentes métodos de produção do conhecimento científico, ou das categorias e conceitos delineadores do pensamento geográfico, tem buscado a interdisciplinaridade com as diversas áreas da Geografia Física e da Geografia Humana. Conforme Moreira (2011), essa trajetória de integração foi maior ou menor, de acordo com as fases paradigmáticas que a Geografia tem passado: o paradigma holista da baixa modernidade, o fragmentário da modernidade industrial e o holista da hipermodernidade (ou pós-modernidade). Em todas essas fases, uma das formas de buscar a articulação entre as dinâmicas sociais e a natureza tem sido através do método de pensamento. Desse modo, tomando o método como o vetor de articulação na produção do conhecimento, a presente tese de Livre Docência tem por objetivo refletir sobre as principais referências que tenho utilizado para discutir Geografia, Natureza e Sociedade e suas inter-relações, tomando como base o materialismo histórico e dialético e o pensamento complexo na construção de uma Geografia que caminhe para a conjunção entre os saberes das áreas ambientais (Geografia Física) e das humanidades (Geografia Humana). Como exemplos de articulação entre as dinâmicas da sociedade e da natureza, são apresentados dois estudos de caso, sendo um com os assentados do Assentamento Rural Nova Esperança, localizado no município de Euclides da Cunha - SP, e o outro, com o Sr. Mario Ogassawara, pequeno proprietário rural, cuja propriedade situa-se no município de Álvares Machado - SP. Em ambos, foram implantados projetos de recuperação de áreas degradadas por erosão hídrica mediante o uso de técnicas (mecânicas e edáficas) e matérias de baixo custo (bambus, sacos de ráfia e juta, plantio de espécies nativas etc.), de forma coletiva. As duas experiências de práxis vivenciadas, conjugando teoria e prática, mostram a possibilidade de realização de estudos integrados na Geografia Contemporânea, tendo como vetor principal de condução o método, que neste caso é o materialismo histórico, através da dialética materialista e sua conjunção com a dialógica do pensamento complexo. É pela práxis que tenho realizado um modo de fazer Geografia que permite ao conhecimento ir para além da divisão entre o físico e o humano, no escopo da ciência geográfica. Palavras-chave: Geografia, natureza, sociedade, práxis, dialética materialista, pensamento complexo. ABSTRACT Since its systematization as science Geography has searched interdisciplinary approaches with several areas from Physical and Human Geography by means of the different methods of the scientific knowledge production or by means of categories and concepts that delineate the geographical thought. Moreira (2011) states that this integration trajectory was bigger or lesser accordingly the paradigmatic phases that Geography has passing through: the holistic paradigm of the lower modernity, the fragmentary one of the industrial modernity and the holistic one of the hyper-modernity (or post-modernity). In all of these phases, one way in searching the articulation between the social dynamics and nature has been by the thought method. So, taking the method as the articulation vector in the knowledge production, this thesis intends to meditate about the mainly references I have used to discuss Geography, Nature and Society including its inter- relationships, taking as basis the dialectic and historic materialism and the complexity thought in the construction of a Geography that can walks to merge the knowledges of the environmental areas (Physical Geography) and of the humanities (Human Geography). As examples of articulation between the social dynamics and nature it is presented two case studies: one with with the people from the Nova Esperança Rural Settlement, locate at the county of Euclides da Cunha, SP, Brazil; other with Mr. Mario Ogassawara, owner of a little farm in the county of Álvares Machado, SP, Brazil. In both sites it was established collective projects to recover degraded areas by hydraulic gullying by means of low cost techniques (mechanicals and edaphicals) and materials (bamboos, raffia and jute bags, native species tillage, etc.). The two praxis experiences lived joining theory and practice had shown the possibility of carry out integrated studies in the contemporary Geography, conducted by the method of the historical materialism thought materialist dialectic and its conjunction with the dialogic of the complex thought. It is by the praxis that I had done a way of doing Geography that allows to knowledge going beyond the edge between physical and human in the scope of the geographical science. Keywords: Geography, nature, society, praxis, materialist dialectic, complex thought. 20 1. INTRODUÇÃO O presente texto é o resultado de uma trajetória que se inicia no curso de graduação em Geografia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em especial com o estudo da dinâmica de formação dos areais no município de São Francisco de Assis - RS. Posteriormente, passa pela pós-graduação em Geografia, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, com a tese de doutorado que versou sobre o estudo de áreas adequadas à construção de aterros sanitários, e culmina com a atuação docente no Departamento de Geografia da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Nessa trajetória, o objetivo principal, através da práxis acadêmica realizada nas disciplinas de Geomorfologia e Geomorfologia ambiental, sempre foi mostrar a interdisciplinaridade entre os conhecimentos geomorfológicos e a Geografia, tendo como suporte o método dialético materialista e a sua conjunção com a dialógica do pensamento complexo. O enlace para essa conjunção é a práxis vinculada ao materialismo histórico e dialético, em que a PRÁTICA, através da teoria, guia a ação, e a TEORIA transforma a ação em algo consciente. Ambas se materializam no espaço geográfico, no qual o relevo, através das suas diferentes morfologias e rugosidades, transforma-se ao longo do tempo geológico e histórico, em decorrência das dinâmicas da natureza e da sociedade, sendo a desta última concretizada nos chamados depósitos tecnogênicos. A práxis a partir da perspectiva do materialismo histórico coloca-se aqui como ontológica, porque define os limites da objetividade e da subjetividade, quando o autor do conhecimento, por meio deste, age na natureza e a transforma em produto, transformando-se também em sujeito. É um processo dialético em que a teoria e a ação 21 somente se materializam quando existe a conexão dos fenômenos em sua totalidade. Sem a correlação entre os fatores físicos e humanos não existe a formação do próprio ser humano, fato que só se concretiza quando se aborda a totalidade, pois, sem a ação conjuntiva, não se alcança a própria natureza, que é física e social. Dessa forma, apresento uma reflexão sobre as principais referências que tenho utilizado para discutir Geografia, Natureza e Sociedade e suas inter-relações, tomando como base o materialismo histórico e dialético, bem como, ultimamente, a influência do pensamento complexo, na construção de uma Geografia que caminhe para a conjunção entre os saberes das áreas ambientais (Geografia Física) e das humanidades (Geografia Humana). A união do pensamento complexo à dialética materialista é o eixo principal, associado ao conceito de práxis. É pela práxis que tenho realizado um modo de fazer Geografia que permite ao conhecimento, no escopo da ciência geográfica, ir para além da divisão entre o físico e o humano. A junção do pensamento dialético materialista com o da complexidade permite a transformação da natureza e, com ela, a do sujeito, pela ação que interpreta as interconexões dos fenômenos. Se a modernidade foi o momento da construção disciplinar – divisão entre sujeito e objeto – nela ocorreu o surgimento do materialismo histórico e, posteriormente, do pensamento complexo, que não nega as dimensões “espirituais” do sujeito no conhecimento, ou seja, a atividade subjetiva. Neste aspecto, enquanto a pós-modernidade apresenta-se como a TESE, a dialética materialista e a complexidade configuram a ANTÍTESE, e a práxis marxista, a SÍNTESE. Para demonstrar essa tríade dialética, no sentido da práxis, são apresentados dois exemplos de estudo de caso desenvolvidos em espaços geográficos diferentes, com 22 escalas geográficas diversas, tendo, porém, como ponto comum, a construção de uma Geografia onde se articulam as dinâmicas naturais e sociais. Os dois casos são resultantes de pesquisas realizadas durante aproximadamente dois anos, o primeiro, com os assentados do Assentamento Rural Nova Esperança, localizado no município de Euclides da Cunha - SP, e o outro, com o Sr. Mário Ogassawara, pequeno proprietário rural, cuja propriedade situa-se no município de Álvares Machado - SP. Em ambos os estudos foram desenvolvidas metodologias alternativas para recuperação de área degradada por erosão hídrica, nos quais a conjunção de conhecimentos e saberes acadêmicos e populares foram fundamentais para a transformação da natureza tecnificada dos respectivos espaços geográficos. 23 2. A GEOGRAFIA E SUAS DIFERENTES PERSPECTIVAS HISTÓRICAS Se é verdade que a caminhada da vida é feita de percursos difíceis e incertos, também não é menos verdadeiro que as bússolas de nossa existência têm que redefinir os padrões de orientação e de espacialização perante o mundo. Os mapas descrevem, indicam, orientam, mas só serão verdadeiramente úteis se levarem em consideração os aspectos da subjetividade ou de uma geografia interior e experimentada com o mundo, como diria o poeta Antonin Artaud. (SILVA, et al., 2004, p.7) Historicamente, a compreensão da construção dialética do espaço geográfico e de suas diferenciações espaciais e temporais é papel inerente à Geografia, que procura, por meio de uma perspectiva conjunta, integrar as dinâmicas da natureza e da sociedade. Elegemos o materialismo histórico e dialético como método de produção do conhecimento, porque ele é o que melhor conduz a nossa práxis geográfica. No campo da Geografia Física, observa-se um grande esforço na construção de uma Geografia integrada, por parte de alguns geógrafos, como Suertegaray (1987) e Monteiro (2000). Estes, em suas práxis, procuram romper a tradicional divisão entre a Geografia Física (Climatologia, Geomorfologia, Hidrografia, Pedologia e Biogeografia) e a Geografia Humana (Agrária, Urbana, Política e Econômica) que, por muito tempo e ainda em alguns estudos, ser reflete em descrições explicativas do que é visível no espaço geográfico sem enfocar os processos socioeconômicos e políticos responsáveis pela apropriação dos bens da natureza (NUNES e AMORIN, 2007). Casseti (1991) aponta algumas concepções deterministas e aspectos dicotômicos ainda presentes na Geografia atual, em que as ciências naturais estudam a dinâmica da natureza, independente das atividades humanas, e as ciências sociais estudam a dinâmica da sociedade, analisando a natureza como uma construção social. 24 Historicamente, o fato de as ciências da natureza e as ciências sociais terem sido construídas de modo compartimentado deve-se a que, muito cedo, vários sociólogos conservadores: [...] não quiseram ver ou não se importaram com as ligações existentes entre a sociedade e a natureza, esta última preponderante. Outros, na linha durkheimiana, insistem em considerar que os fatos sociais sempre são explicáveis por outros fatos sociais e nunca por elementos naturais ou ambientais. (SILVA e HAINARD, 2005, p.17) No caso da ciência geográfica, segundo Moreira (2011), o nascimento da Geografia moderna ocorre na segunda metade do século XVIII, alimentada pela filosofia do Iluminismo de Voltaire, Diderot e Barão de Holbach, e pelo Romantismo alemão, principalmente com Goethe, Fichte, Schelling e Hegel. Nesse período, distinguem-se três fases paradigmáticas pelas quais passou a Geografia: [...] o paradigma holista da baixa modernidade, o paradigma fragmentário da modernidade industrial e o paradigma holista da hipermodernidade (ou pós-modernidade), como tendência atual. Há, assim, uma relação entre fundamentos filosóficos e paradigmas, cuja combinação vai dar nessas três fases, nas quais se distinguem os fundamentos (as fontes de referência filosófica) e os formatos (os paradigmas). Se as fontes de referência filosófica são plurais, o formato paradigmático é um em cada fase. (MOREIRA, 2011, p. 13) Compreende-se esse período (século XVIII-XIX) como o do predomínio do paradigma holista da baixa modernidade, em que Humbold e Ritter foram os precursores de uma Geografia científica, enquanto Forster e Kant tiveram o mérito de lançar os primeiros alicerces da Geografia sistematizada. O ponto seminal da geografia moderna é a obra do geógrafo J. R. Forster e do filósofo Immanuel Kant, pontos de convergência do Iluminismo na geografia, antecedidos pelos geógrafos da primeira metade do século XVIII. Forster e Kant são os sistematizadores da geografia moderna, essencialmente iluminista – Forster no plano teórico-metodológico e Kant no plano epistemológico. (MOREIRA, 2011, p. 14) 25 É importante destacar que, na virada do século XVIII para o XIX, o paradigma newtoniano-cartesiano já está consolidado e se impõe com veemência. Na Alemanha, porém, ele é contestado pelo movimento romântico, iniciado com o Sturm und Drang1 (1760 a 1780), um movimento literário que reagiu ao racionalismo iluminista do século XVIII e ao classicismo francês. O objetivo era realizar uma poesia em que a emoção deveria prevalecer sobre a razão. A partir do predomínio do paradigma fragmentário da modernidade industrial, ou seja, desde a metade do século XIX a meados dos anos 60 do século XX, a Geografia foi praticamente trabalhada de forma fragmentada (Geografia Física, Geografia Humana e Geografia Regional), sob forte tradição enciclopédica, tendo como base a filosofia positivista de Auguste Comte. Moreira (2011) destaca que as ideias desse novo paradigma, privilegiando as especialidades técnicas do conhecimento científico, têm como principal rebatimento o desmonte do holismo humboldtiano: Na geografia, assim como no plano geral, a fragmentação do holismo iluminista-romântico não vem de imediato. Começa com uma forte crítica que desmonta o edifício holista antecedente, até que progressivamente o substitui. O ponto do desmonte é o holismo de Humboldt, numa estratégia que dissocia e separa as esferas em mundos paralelos e próprios, isolando-as entre si. Ao mesmo tempo, proclama-se a origem da geografia em Ritter e faz- se um silêncio que leva Humboldt em pouco tempo ao esquecimento. A dissociação que isola as esferas em campos específicos fragmenta cada uma por sua vez em setores dissociados e independentes, consagrando-se como real esse todo fragmentário. (MOREIRA, 2011, p. 24) Como citado anteriormente, é nesse período que se inicia a distinção de dois momentos, o da fragmentação generalizada e o da aglutinação por conteúdos comuns, que culminam no nascimento das Geografias física e humana. 1 Tempestade e Ímpeto. 26 Sobre este aspecto, Romariz (1996, p.25) destaca a importância da obra de Humboldt para a Geografia, como um dos últimos remanescentes dos chamados cientistas universais: Humboldt é considerado o último representante de um dos períodos mais fecundos, tanto da pesquisa científica, quanto do pensamento humano. Nada detinha a sua extraordinária curiosidade, chegando assim, a possuir mais conhecimento direto sobre o globo terrestre do que todos os seus contemporâneos. O ano de sua morte (1859) pode ser tomado como o marco divisório entre duas eras distintas: findou-se com ele a da “ciência universal”, passando a predominar a da “especialização”. A Geografia, nesse contexto, permaneceu numa posição ambígua, uma vez que não se definiu nem como ciência natural, nem como social. Esta indefinição estava centrada numa visão de ciência moderna e totalizadora da ordem da realidade, baseada na filosofia natural de Descartes e Newton (NUNES e AMORIN, 2007), pois a realidade era pautada em movimento e extensão. No período, o que existia era uma Geografia Física que realizava as leituras geográficas das medidas mecânico-matemáticas da Terra, influenciada pela chamada ciência moderna, sobre a qual Paolo Rossi (2001, p.9) afirma: A ciência moderna não nasceu na tranquilidade dos campus ou no clima um tanto artificial dos laboratórios de pesquisa ao redor dos quais, mas não dentro deles (como acontecia desde séculos e ainda acontece nos conventos) parece escorrer o rio ensanguentado e lamacento da história. E isso por uma simples razão: porque aquelas instituições (no que concerne àquele saber que denominamos "científico") não tinham nascido e porque aquelas torres de marfim, utilizadas com tanto proveito e tão injustamente insultadas no decorrer do nosso século, não tinha sido ainda construídas pelo trabalho dos "filósofos naturalistas". Com base na concepção de natureza, muito presente na constituição da Geografia como ciência, o autor compara as tradições científicas medievais com a ciência moderna, a fim de legitimar o uso da expressão “revolução científica”, a partir da seguinte listagem: 27 1) A natureza de que falam os modernos é radicalmente diferente da natureza a que se referem os filósofos da Idade Média. Na natureza dos modernos não há (como na tradição) uma distinção de essência entre corpos naturais e corpos artificiais. 2) A natureza dos modernos é interpelada em condições artificiais: a experiência de que falam os aristotélicos apela para o mundo da cotidianidade a fim de exemplificar ou ilustrar teorias; as "experiências” dos modernos são experimentos construídos artificialmente a fim de confirmar ou desmentir teorias. 3) O saber científico dos modernos se parece com a exploração de um novo continente, ao passo que o saber dos medievais parece voltado ao paciente aprofundamento dos problemas com base em regras codificadas. 4) À luz da crítica dos modernos o saber dos escolásticos pareceu incapaz de interpelar a natureza, mas somente interrogar a si próprio oferecendo sempre respostas satisfatórias. Naquele saber há lugar para as figuras do mestre e do discípulo, mas não para a figura do inventor. 5) Os cientistas modernos - Galilei em primeiro lugar - agem com uma "desenvoltura" e um "oportunismo metodológico" que são totalmente desconhecidos na tradição medieval (Rossi, 1989: ll-13). A pretensão medieval para a exatidão absoluta foi um obstáculo e não uma ajuda para a criação de uma ciência matemática da natureza. (ROSSI, 2001, p. 17 e 18) Nesse aspecto, Leff (2002, p.23) aponta que a fundamentação do racionalismo kantiano, nos juízos sintéticos, [...] transformou o discurso analítico-sintético da lógica formal numa lógica transcendental. A questão tradicional de um acordo entre objeto e sujeito do conhecimento foi postulada então como a adequação entre os conceitos puros do entendimento e a heterogeneidade da realidade empírica. Surgiu assim uma nova divisão do conhecimento: de um lado, as ciências formais e dedutivas, fundadas na lógica e na matemática; de outro, as ciências empíricas, fundadas na indução de princípios e relações gerais a partir da observação. A perspectiva do racionalismo kantiano, de transformação da lógica formal numa lógica transcendental, aparece na primeira crítica (Crítica da razão pura). Posteriormente, Kant reconsidera suas abordagens na terceira crítica (Crítica da 28 faculdade de julgar) e cria a interpretação orgânica da realidade, fato que será apropriado por Humboldt em seu projeto de ciência. Para Kant, o espaço é como uma categoria do conhecimento sensível, ou seja, o espaço é uma forma pura da sensibilidade, enquanto a natureza é todo o mundo da percepção sensível, o mundo objetivo, relacionando a Geografia à percepção espacial dos fenômenos, classificando-a como uma ciência da natureza (MOREIRA, 2011). De acordo com Kant, portanto, o método consistia na descrição da forma através da aparência, em que a forma representava a materialidade espacial, ou seja, o espaço como receptáculo da forma. A Geografia, desde o início de sua sistematização como ciência, sempre esteve vinculada ao grupo das chamadas ciências empíricas. É com o desmonte do holismo Humboldtiano e a ascensão do período da modernidade industrial, que o paradigma positivista passa a imperar na Geografia. Surge então uma Geografia pulverizada e fragmentada em diversas especializações de saberes, refletindo a ascensão do naturalismo mecanicista da filosofia positivista como novo princípio epistêmico da ciência (MOREIRA, 2011). Nesse aspecto, a essência do pensamento positivista é a redução dos fenômenos a um conteúdo físico em que [...] A fonte dessa estrutura ao mesmo tempo integrada e fragmentada é a concepção do conhecimento científico como um processo que se dá indo do mais simples e geral ao mais complexo e específico, princípio que organiza as ciências num sistema piramidal de acumulação, tendo na base a matemática e no topo a sociologia. É a matemática a ciência mais simples e geral. Em contrapartida, a sociologia é a ciência mais complexa e específica. (MOREIRA, 2011, p. 27) A influência do pensamento positivista e, posteriormente, do neopositivismo, transformou a Geografia em vários campos de especialização, de forma que 29 [...] A Geografia reproduz a setorização geral da pirâmide positivista, referenciando sua setorização interna na linha de fronteiras com os grandes campos de ciências, que o positivismo vai autonomizando por seus objetos e método. Assim, na fronteira com a geologia surge a geomorfologia, na fronteira com a meteorologia, a climatologia, e na fronteira com a biologia, a biogeografia (a partir da geografia das plantas), a fragmentação se multiplica a cada novo campo de ciências que surja no plano geral do sistema de ciências. (MOREIRA, 2011, p. 28) Com o enfraquecimento do paradigma fragmentário e físico-matemático, advindo da crise ambiental nos anos 1960-1970, novas linhas teórico-metodológicas passam a emergir, tendo como referências o uso do pensamento marxista, o subjetivismo das Geografias da percepção, humanista, a cultural e a histórica (MOREIRA, 2011). A partir de sua influência, o paradigma holista da hipermodernidade (ou pós-modernidade) torna- se predominante. Começam a ocorrer rupturas epistemológicas em várias ciências e áreas do saber, bem como na Geografia, em que o real [...] aparece como processos materiais diferenciados e não como coisas; ao mesmo tempo, o sujeito da ciência desaparece como princípio produtor do conhecimento desses processos materiais. (LEFF, 2002, p.24) Nesse aspecto, para Leff (2002), o conhecimento científico “[...] é o processo de produção dos conceitos – da concretude do pensamento – que permite a apreensão cognoscitiva do real” (p.26-27). É a partir das articulações mais amplas dos conceitos, tendo como base o método, que ocorrerá a concretude do pensamento e a busca da totalidade unificadora entre as ciências. Concorda-se com Leff (2002), quando afirma que a articulação científica deve ser procedida primeiramente a partir de uma perspectiva teórica e não técnica, e que esta articulação deve ser pensada [...] como uma superdeterminação ou uma indeterminação dos processos materiais dos quais as ciências produzem um efeito de conhecimentos pela articulação de seus conceitos em seus respectivos campos teóricos. (LEFF, 2002, p.31-32) 30 Nesse sentido, uma das possibilidades de articulação científica entre as áreas da Geografia (Física e Humana) é através do método científico, por sinal pouco discutido entre os geógrafos físicos. No que concerne à concepção de método, concorda-se com a afirmação de Sposito (2004, p.23), [...] de que o método não pode ser abordado do ponto de vista disciplinar, mas como instrumento intelectual e racional que possibilite a apreensão da realidade objetiva pelo investigador, quando este pretende fazer uma leitura desta realidade e estabelecer verdades científicas para a sua interpretação. 2.1 Geografia, método científico, técnica e ambiente Conforme Japiassú & Marcondes (2001, p.130), no Dicionário Básico de Filosofia, a palavra método tem origem entre os gregos (methodos), constituída por meta (através de) e hodos (caminho), ou seja, “[...] conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras que visam atingir um objetivo determinado”. Cinco métodos científicos são citados pelos autores, sendo eles: axiomático; hipotético-dedutivo e indutivo; dialético; de análise-síntese e hermenêutico. Destes, destacam-se três, o hipotético-dedutivo e indutivo, o dialético e o hermenêutico, que mais influenciaram os geógrafos na forma de construção e interpretação dos fenômenos socioambientais no espaço geográfico. Parafraseando Sposito (2004), na citação anterior sobre o conceito de método científico, a importância da escolha de um deles está no fato de servir como um instrumento teórico e racional que auxilia na compreensão da realidade que o investigador está vivenciando. No caso da Geografia, o método científico tem a função de servir como condutor que ordena o pensamento para o entendimento da produção do 31 espaço geográfico e a compreensão da geograficidade dos fenômenos e processos socioambientais que o constituem. O ordenamento do pensamento através do método científico não está relacionado a posturas dogmáticas, mas representa um vetor de esclarecimento dos caminhos que devemos percorrer para esclarecer as dúvidas e incertezas das nossas trajetórias na Geografia e na relação com as outras ciências e áreas do conhecimento. Decorrente da falta de clareza e de discussão em relação à escolha do método científico, Martins (2007, p.38) mostra a necessidade que muitos geógrafos têm de obter uma representação da realidade que nos cerca criando termos geográficos (fatores geográficos, fatos geográficos, elementos geográficos, aspectos geográficos, causas geográficas, determinação geográfica etc.), sem fundamentos históricos de método de produção do conhecimento, e consequentemente, também sem fundamento geográfico dessa realidade. Evidentemente, a partir da ciência geográfica obtemos uma determinada representação, em pensamento, da realidade objetiva que nos cerca. Trata-se de um processo de subjetivação que percorre procedimentos metodológicos. Uma representação subjetiva estabelecida mediante uma sistematização lógica, expressa em uma ou mais linguagens. Isso tudo apontando para os aspectos fenomênicos e essenciais da realidade. A ciência, assim, mediante seus procedimentos metodológicos estrutura-se em diferentes teorias interpretativas, construindo um arcabouço conceitual e definindo suas principais categorias. A ciência geográfica, portanto, são atos de teoria na prática, de práticas teóricas e no limite representa até mesmo sua institucionalização. A ciência geográfica, quem a faz e a identifica, em diferentes contextos, são os geógrafos. Mas se o fundamento dessa disciplina não está na prática. A prática pode muitas vezes se distanciar desse fundamento que consagra a disciplina. E esse fundamento está presente na constituição da realidade, e não necessariamente, nas práticas profissionais. É recorrente que no desespero, ou na impotência de identificar o objeto da ciência geográfica, a frase salvadora e revestida de tolerância seja: “a Geografia é o que os geógrafos fazem dela”. Isso abre para o espaço “vale tudo”, e eventualmente se perde com isso o fundamento geográfico que é presente na realidade. Perde-se isso, e o que é pior, perde-se também a importância e o significado do geográfico na constituição da realidade. 32 Retornando à escolha do método de produção do conhecimento, para Marx e Engels (2002), o materialismo histórico considera a história como unidade com a natureza, através de dois momentos: quando o homem dela se apropria e quando a transforma, por meio de sua ação. Ao lado da tese de doutorado de Karl Marx, defendida em 1841, na qual trabalha o materialismo a partir das diferenças filosóficas entre Demócrito e Epicuro, invertendo a dialética hegeliana, um dos marcos de surgimento da concepção materialista da história é a obra “A ideologia alemã”, escrita pelo próprio Marx e Friedrich Engels, entre 1845-1846, em que são expostas as bases do nascimento teórico e metodológico da ciência social. Para Gorender (1988), o materialismo histórico surge da junção, e posterior crítica, de três referências fundamentais: a dimensão ética de Kant; a dialética idealista de Hegel e o humanismo naturalista de Feuerbach. Nesse aspecto, Marx e Engels (2002, p.10) expõem seu pensamento: As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas bases são, pois verificáveis por via puramente empírica. A primeira condição de toda a história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, a constituição corporal desses indivíduos e as relações que ela gera entre eles e o restante da natureza. Não podemos, naturalmente, fazer aqui um estudo mais profundo da própria constituição física do homem, nem das condições naturais, que os homens encontraram já prontas, condições geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda a historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos homens, no curso da história. Sobre a dialética idealista hegeliana, Marx e Engels (2002) criticam fortemente os conceitos de ideologia e consciência na relação sujeito-objeto, tomando como base o 33 materialismo do filósofo grego Epicuro. Marx e Engels (2002, p. 20) destacam a importância do real como existência material, no processo de consciência social: Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na primeira forma de considerar as coisas, partimos da consciência como sendo o indivíduo vivo; na segunda, que corresponde à vida real, partimos dos próprios indivíduos reais e vivos, e consideramos a consciência unicamente como a sua consciência. Conforme Friedrich Engels (1979), no livro “A dialética da natureza”, a abordagem dialética tem três princípios gerais abstratos: - a lei da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa; - a lei da interpenetração dos contrários; - a lei da negação da negação. São estes princípios que regem a concepção materialista histórica que, [...] como um corpo teórico articulado de regiões com uma autonomia relativa abriu uma possibilidade de pensar o todo concreto de pensamento e a realidade como uma articulação dos processos específicos de cada esfera, ou como a resultante da visão do todo a partir da perspectiva de algumas de suas instâncias ou registros. (LEFF, 2002, p.42-43) No caso do materialismo histórico, a relação entre sociedade e natureza é mediada pelo trabalho, considerado o momento em que a sobrevivência e a existência se fundem numa relação entre subjetividade e objetividade (MARTINS, 2007). O autor mostra que o trabalho não deve ser visto somente pelo prisma das relações econômicas, conforme apontava Pierre George, confundindo existência com sobrevivência. Devemos ir além, na direção de ver no Trabalho como o ato de autoprodução do homem, ou seja, da definição de sua humanidade, da definição do seu complexo bio-ontológico, passando a ser a atividade por meio da qual, e na qual, somente o homem se torna aquilo que ele é como homem, segundo sua essência. (MARTINS, 2007. P. 46) 34 Segundo Leff (2002), natureza e sociedade são duas categorias ontológicas, haja vista não serem nem conceitos nem objetos de nenhuma ciência fundada. E para se chegar à articulação conceitual entre as ciências da natureza e as da sociedade, o objeto principal do materialismo histórico “é a produção conceitual que permite explicar os efeitos do modo de produção capitalista sobre suas formações ideológicas e culturais e sobre suas bases ecológicas de sustentabilidade” (LEFF, 2002, p.44-45). Reafirma-se a pertinência de tal afirmação, pois este é um dos caminhos que a ciência geográfica deve percorrer (NUNES e AMORIN, 2007). O citado autor ressalta ainda que, para as ciências que trabalham com a dinâmica da natureza, “[...] o processo evolutivo se produz pela determinação genética das populações biológicas e de seu processo de seleção-adaptação-transformação em sua interação com o meio ambiente” (LEFF, 2002, p.48). Em relação às ciências que trabalham com a dinâmica histórica, “[...] a natureza aparece como os objetos de trabalho e os potenciais da natureza que se integram ao processo global de produção capitalista e, em geral, os processos produtivos de toda formação social, como um efeito do processo de reprodução/transformação social” (LEFF, 2002, p.48). Mesmo que, atualmente, a tendência seja de predomínio de paradigmas mais holísticos entre as áreas de estudo da natureza e da sociedade, e que cada vez mais profissionais passaram a aceitar a ecologia a partir de uma dimensão antropológica nas realidades ambientais, Silva e Hainard (2005, p.21) alertam que os antagonismos entre as ciências permanecem. Basta considerarmos suas histórias respectivas, seus interesses econômicos e simbólicos ligados à posição que elas ocupam na pesquisa e no ensino e onde encontramos a expressão das relações de força até nos primeiros níveis de ensino escolar. 35 Pois, muitas vezes, conforme as especificidades de cada área, a colaboração e a interação entre as ciências dependem dos métodos de investigação. Neste aspecto, Silva e Hainard (2005, p.22) destacam: Além disto, os métodos de investigação também diferem consideravelmente. A compreensão do sistema terrestre e do clima, a avaliação de recursos naturais disponíveis, a observação e a análise das mudanças que os caracterizam são temáticas que dizem respeito às ciências naturais. A avaliação das transformações do ambiente na sociedade, particularmente em certas populações, a implantação de políticas públicas, a formulação de normas reguladoras, a conciliação e a arbitragem tanto local (por exemplo, no bairro), quanto internacional, a análise das práticas de consumo (se possível com suas legitimações), dos modos e dos estilos de vida concernem às ciências sociais. Cabe citar o exemplo fornecido por Silva e Hainard (2005, p.23), que serve perfeitamente para a Geografia: As ciências naturais e as sociais têm também um papel ao mesmo tempo denunciador e retificador a desempenhar: apontar e diminuir as carências das teorias econômicas neoclássicas dominantes, as quais não consideram, tanto na formação dos preços quanto na construção de índices (PIB, taxa de crescimento, etc.), os danos ligados à produção de bens e serviços e ao seu consumo (poluição do ar, da água, dos solos), assim como o desaparecimento de matérias-primas não renováveis. Dada a urgência desses problemas, tais análises simplistas não deveriam mais ter espaço nos dias atuais. Seus modelos já mostraram seus limites. Portanto, a natureza do meio ambiente (meios bióticos e abióticos) e a natureza orgânica dos homens e mulheres são afetadas “[...] pelas relações sociais de produção, pois estes processos biológicos são superdeterminados pelos processos históricos em que o homem ou a natureza se inserem” (LEFF, 2002, p.48). Uma das formas de compreensão dessas articulações está relacionada aos diferentes ritmos e temporalidades entre as dinâmicas da natureza e da sociedade, apresentadas por Suertegaray e Nunes (2001). O ritmo das temporalidades da natureza está vinculado ao tempo geológico, ao tempo que escoa, e o ritmo das 36 temporalidades da sociedade associa-se aos processos históricos, cujas relações estão ligadas à noção de tempo histórico. As novas demandas/consumos exigem sempre inovações, bem como maior quantidade de recurso natural, para se tornarem bens de capital. Mas os bens (natureza) precisam ser transformados, a fim de agregar valor (de uso e principalmente de troca), permeados por relações de poder (LEFF, 2002). A situação de transformação do tempo natural em tempo social é muito bem expressa quando o tempo entre geração, transformação e comercialização, muitas vezes, ao não acompanhar o tempo do capital, precisa ser acelerado, modificado, tecnificado geneticamente por meio das combinações de DNA. Sobre esta nova natureza da força produtiva, que resulta em uma nova financeirização e acumulação de capital, Moreira (2005, p.101) afirma: O ponto dinâmico é a nova natureza das forças produtivas, a tecnologia da engenharia genética, que está vindo por conta da sua centração na técnica do DNA recombinante, fazendo da engenharia genética, a espinha dorsal da nova era técnica e levando a terceira revolução industrial a entrar em cada vez maior número de novos ramos e revolucionando o papel da natureza e das relações societárias nos processamentos produtivos. Com isso caduca o modelo fabril de produção da primeira e segunda revolução industrial como matrizes da acumulação, introduzindo uma matriz nova que combina indústria e agricultura, e canaliza e aglutina os setores primário, secundário, terciário e quaternário num único complexo (de que os complexos agro-industriais seriam já uma demonstração-efeito) e sob o comando deste último. Muda, assim, o caráter das relações do homem com o meio, confere-se ao trabalho uma nova forma de metabolismo e introduz-se um sentido novo num naipe de temas essenciais do capitalismo que vai do modo de inserção do valor de uso no processo geral do valor, até as formas novas de organização do espaço que lhe vêm em correspondência, reinventando-os. Neste momento entra a técnica, como intermediadora entre espaço geográfico e natureza. A técnica, compreendida como as alterações que, ao longo da 37 história, a ação humana causa à natureza, incorporando capitais, gerando inovações e, consequentemente, criando o que Santos (1996) denominou de meio técnico, científico e informacional. Assim, empiricizamos o tempo, tornando-o material, e desse modo o assimilamos ao espaço, que não existe sem a materialidade. A técnica entra aqui como um traço de união, historicamente e epistemologicamente. As técnicas, de um lado, dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham. Então, essa empiricização pode ser a base de uma sistematização, solidária com as características de cada época. Ao longo da história, as técnicas se dão como sistemas, diferentemente caracterizadas. (SANTOS, 1996, p.54) Em outro momento, Santos (1996, p.55) vincula a produção histórica das técnicas à percepção do espaço enquanto existência física. As técnicas participam na produção da percepção do espaço, e também da percepção do tempo, tanto por sua existência física, que marca as sensações diante da velocidade, como pelo seu imaginário. Esse imaginário tem uma forte base empírica. O espaço se impõe através das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das crenças, para o lazer e como condição de "viver bem". Como meio operacional, presta- se a uma avaliação objetiva, e como meio percebido está subordinado a uma avaliação subjetiva. Mas o mesmo espaço pode ser visto como o terreno das operações individuais e coletivas, ou como realidade percebida. Na realidade, o que há são invasões recíprocas entre o operacional e o percebido. Ambos têm a técnica como origem e por essa via nossa avaliação acaba por ser uma síntese entre o objetivo e o subjetivo. Fazendo uma analogia com as ideias expostas por Santos (1996), é possível correlacionar o fato de que o tempo da lógica de produção capitalista é incompatível com o tempo da lógica da sustentabilidade dos ambientes, entendendo ambiente nas suas múltiplas facetas, ou seja, por inteiro resultado das relações sociais que mantemos com os bens da natureza. 38 Todavia, conforme Suertegaray (2000, p.28), nem todos os geógrafos compartilham das mesmas concepções do conceito de ambiente: Resta, no entanto, observar que na atualidade geógrafos compartilham de conceitos diferentes. A ótica ambiental, na perspectiva naturalista/naturalizante, ainda se auxilia de conceitos que não dimensionam a tensão sob a qual se originam os impactos, mas esta não tem sido a regra. Por conseguinte, podemos afirmar que a Geografia tem pensado o ambiente diferentemente da Ecologia, nele o homem se inclui não como ser naturalizante, mas como um ser social produto e produtor de várias tensões ambientais. Discutindo a diferença entre os custos ambientais e o valor da natureza, Leff (2002, p.65), por sua vez, destaca que A valorização dos recursos naturais está sujeita a temporalidades ecológicas de regeneração e produtividade que não correspondem aos ciclos econômicos; da mesma maneira os valores e interesses sociais que definem o significado cultural, as formas de acesso e os ritmos de extração e transformação dos recursos naturais constituem processos simbólicos e sociais, de caráter extraeconômico, que não se traduzem nem se reduzem a valores e preços do mercado. O autor apresenta o conceito de sustentabilidade relacionado ao de ambiente, em que valoriza o tempo ecológico e não o tempo econômico, partindo de uma nova visão de reapropriação social da natureza, potencializando para um desenvolvimento alternativo (potencial ecotecnológico), do qual surja um novo paradigma produtivo, integrando de modo sinergético natureza, cultura e técnica (LEFF, 2002). A sustentabilidade, fundada em princípios de equidade, diversidade e democracia, abre perspectivas sociais mais amplas que o simples reverdecimento da economia através do cálculo dos custos da preservação e da restauração ambiental. Desta forma, o ambientalismo gera novas teorias e valores que questionam a racionalidade econômica dominante, orientando a ação social para a construção de outra racionalidade produtiva, fundada nos potenciais da natureza e da cultura. (LEFF, 2002, p. 66-67) 39 No caso da Geografia, Moreira (2005), mesmo não abordando diretamente o conceito de ambiente, ao discutir os conceitos de gênero de vida (Vidal de Lablache), meio técnico (Milton Santos) e sociabilidade (Georg Lukács), aponta que os conceitos aproximam-se, particularmente, por intermédio de três componentes essenciais: o meio, a cultura técnica e a regulação institucional. O autor destaca a importância do aprofundamento da obra deixada por Georg Lukács, em que o conceito de sociabilidade observa a sociedade como um contexto relacional global, integrando as esferas inorgânicas, orgânicas e sociais, articuladas pelo trabalho. Ainda segundo Moreira (2005, p.96), a articulação entre as esferas ocorre através de duas mediações: orgânico- inorgânicos e o social: Duas formas essenciais de mediação amarram essa integração e o sentido ontológico do seu rumo. A primeira é a que se passa entre as esferas inorgânica e orgânica, conduzida e realizada pela esfera da vida (orgânica), consistente na incorporação do inorgânico pelo orgânico e sob o comando deste. A segunda é a que se passa entre as esferas inorgânica-orgânica, vistas unidas no conceito de natureza-sem-o-homem, e, a esfera social, conduzida e realizada pelo processo do trabalho visto como pré-ideação, isto é, um ato consciente do homem no sentido da metáfora da abelha e do arquiteto de Marx, consistente na incorporação agora daquelas esferas pela socialização do homem e, sob o comando deste. A primeira é realizada pelo processo metabólico da fotossíntese, uma espécie de realização não-social do trabalho. A segunda, pelo processo metabólico do trabalho humano. O produto final é o homem genérico, o homem-espécie pleno, auto-realizado no mundo do inorgânico-orgânico-humano integralizado. Complementando, Moreira (2005, p.98) destaca que as “duas formas de mediação atuam de forma combinada e repetitiva, fazendo do processo da integração um movimento contínuo de reprodução” em que, de um lado, surge como uma forma geral de mediação, como categoria reguladora, e de outro, como resultado, ou seja, a própria sociedade em seu contínuo estado de permanência. 40 A partir da compreensão de que tanto a área das humanidades (Geografia Humana) quanto a área ambiental (Geografia Física) da Geografia trabalham com noções de temporalidades diferenciadas, o conceito de ambiente deve ser entendido como o espaço em que a natureza humana vive e interage em sociedade, de modo harmônico ou conflituoso com a natureza naturata (biótica e abiótica) ou com a natureza tecnificada. Neste sentido, como já destacado em outros trabalhos (NUNES et al., 2007 e AMORIM e NUNES, 2006), Whitehead (1993, p. 38-39) distingue a natureza apreendida pela percepção e a natureza que é a causa da percepção. A natureza enquanto fato apreendido pela percepção traz dentro de si o verdor das árvores, o gorjeio dos pássaros, a calidez do sol, a rigidez das cadeiras e a sensação do veludo ao tato. A natureza enquanto causa da apreensão é o sistema hipotético de moléculas e elétrons que afeta a mente de modo a produzir a apreensão da natureza aparente. O ponto de convergência dessas duas naturezas é a mente, sendo a natureza causal influente e a natureza aparente efluente. A percepção sensível refere-se à materialidade, ou seja, ao ar que respiramos, às diferentes temperaturas que sentimos ao longo do dia, ao sabor da água que bebemos, ao frescor do solo em que pisamos e de onde extraímos os alimentos, bem como às rugosidades têmporo-espaciais (SANTOS, 1996). Significa dizer que a construção de percepções que temos sobre os diferentes aspectos da natureza, seja ela externa à sociedade ou entendida como relacional à sociedade, está diretamente vinculada ao sistema de informações culturais, religiosas, econômicas e políticas. De acordo com Carvalho (2004), Bachelard e Whitehead criticavam, já no início do século XX, os modelos analítico-funcionalistas que queriam reduzir as ciências sociais a unidades simples e funcionais, iguais a um conjunto de eventos e coisas de naturezas bifurcadas, separando as dimensões tempo e espaço. 41 [...] Ao afirmar que espaço e tempo são abstrações, não quero dizer que não expressam a nós fatos reais acerca da natureza. Quero dizer, isso sim, que não existem fatos espaciais ou fatos temporais dissociados da natureza física, isto é, que espaço e tempo são simples maneiras de se expressar determinadas verdades acerca das relações entre os eventos. (Whitehead, 1994, p.198) Dessa forma, a crítica apresentada por Bachelard e Whitehead aos cientistas sociais é muito bem endossada por Carvalho (2004, p.104). Crítica, por sinal, adequada aos geógrafos que continuam insistindo em suas práxis separativas: [...] Assim, não teríamos por que restringir as observações desenvolvidas por esses autores apenas ao universo das chamadas ciências físicas ou naturais, deixando de estendê-las também às inúmeras bifurcações adotadas pelos diversos procedimentos disciplinares das chamadas humanidades, em suas definições de ciências sociais para o tempo, para o espaço, para as paisagens, para a cultura, para as relações homem-meio, para a natureza etc. A fragilidade dos fundamentos “bifurcativos” é a mesma para ambos os conjuntos de ciências – naturais ou humanas. 2.2 Geografia, natureza, complexidade e práxis As diversas abordagens de natureza, dentro da Geografia, estão diretamente relacionadas à influência dos métodos de produção do conhecimento. A predominância de um ou outro método associa-se ao momento histórico em que as sociedades estruturam suas bases econômicas, políticas, culturais e ambientais. No período da modernidade industrial, o positivismo predominou na Geografia (MOREIRA, 2011), apoiado por uma interpretação de espaço geográfico em que se descreviam as paisagens, sem considerar a inter-relação das dinâmicas sociais com as potencialidades do ambiente físico, nem os resultados ou impactos por ela gerados. A natureza mecanicista era compreendida a partir de uma visão de mundo newtoniana, em 42 que tudo era governado por leis mecânicas externas, determinadas pela providência divina. Os geógrafos físicos estudavam a dinâmica da natureza sem conexão com a sociedade. Predominava o método hipotético-dedutivo e indutivo, através da observação e experimentação dos elementos da natureza (SPOSITO, 2004). As heranças filosóficas, cartesiana e baconiana, eram seguidas à risca. Com a influência do neopositivismo, a natureza é tratada a partir de suas estruturas e funcionalidades, tendo como princípios termodinâmicos os fluxos de matéria e energia. Em muitos casos, a natureza era fragmentada em subunidades (água, solo, ar, rocha etc.), sendo que cada uma conectava-se a um sistema maior. Nessa perspectiva, a natureza é tratada como um espaço receptáculo, pois com a influência dos modelos cibernéticos, o tempo é dissociado do espaço. A natureza continua sendo descrita e estudada através de mecanismo de medições, de ferramentais tecnológicos (sensores remotos, cartas topográficas etc.), sem a necessidade de observação em campo, nem de vinculação com a história de ocupação e formação dos espaços geográficos. Com os modelos quantitativos, passa-se a trabalhar com a previsibilidade do que ocorrerá com a natureza. Novamente, como no positivismo, o neopositivismo tratará a natureza como algo externo e dissociado da natureza humana. A partir do avanço dos estudos dos sistemas complexos e auto-organizativos, a lógica de pensamento sistêmico mecanicista passa a ser questionada. Para Vitte (2007), a introdução da complexidade na funcionalidade dos sistemas, considerando a interdefinibilidade permite ver os sistemas sob outra ótica: 43 A interdefinibilidade, diferentemente da interação que é coisificação, é caracterizada pelo funcionamento de processos e sistemas em que confluem múltiplos fatores que não podem ser considerados só como dependentes ou como interdependentes, pois uns definem os outros, ou influenciam na reestruturação dos outros. (VITTE, p.6) Dessa forma: Os sistemas complexos não podem ser entendidos apenas por suas complicações e por fluxos de suas funções dinâmicas originais, pois um sistema complexo não é apenas um problema de ação e reação como nos modelos mecânicos, pois implicam antes, reestruturações e rupturas que se integram na totalidade. (VITTE, p.7.) Assim, quando o sistema passa a incorporar elementos de ruptura, também está incorporando elementos da história, tornando-se, portanto, dialético, um sistema complexo e interativo. De acordo com Almeida (2004), é com Edgar Morin que o pensamento complexo passa a ser estruturado como método, destacando também, entre outros, Ilya Prigogine, Humberto Maturana, Rupert Sheldrake, Bruno Latour, Isabelle Stengers, David Bohm e Michel Serres. Conforme a autora, à medida que a emergência do pensamento complexo de Edgar Morin vai se estruturando, vão sendo também corroídos os quatro pilares da ciência clássica: o princípio da ordem, regido por leis deterministas newtonianas; o princípio da separabilidade; o princípio da redução; e o princípio da indutiva-dedutiva-identitária, baseado na razão. Contra esses princípios, e baseado nas ideias de Ilya Prigogine e de outros autores, Almeida (2004) enumera os diferentes significados a que o termo complexo pode estar relacionado: incerteza, imprevisibilidade, não determinista, não linear e instável, auto-organizativo, inacabado em constante evolução, dependente e autônomo, emergente, longe de equilíbrio e tensão entre determinismo e liberdade. 44 Mas qual seria o método de construção do pensamento complexo, que tem permitido a vários pensadores que rompam com os quatro pilares da ciência clássica a fim de buscar uma nova episteme? No livro “Ciência com consciência”, Morin (2013, p.192) afirma: A complexidade não tem metodologias, mas pode ter seu método. O que chamamos de método é um memento, um “lembrete”. Enfim, qual era o método de Marx? Seu método era incitar a percepção dos antagonismos da classe dissimulados sob a aparência de uma sociedade homogênea. Qual era o método de Freud? Era incitar a ver o inconsciente escondido sob o consciente e ver o conflito no interior do ego. O método da complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para restabelecermos as articulações entre o que foi separado, para tentarmos compreender a multidimensionalidade, para pensarmos na singularidade com a localidade, com a temporalidade, para nunca esquecermos as totalidades integradoras. É a concentração na direção do saber total, e, ao mesmo tempo, é a consciência antagonista e, como disse Adorno, “a totalidade é não-verdade”. A totalidade é, ao mesmo tempo, verdade e não-verdade, e a complexidade é isso: a junção de conceitos que lutam entre si. Todos esses princípios que embasam o pensamento complexo têm por base a construção de racionalidades abertas que, no dizer de Suertegaray (2004, p.193-194), [...] implicam em reconhecer a dialética, a contradição, as oposições que fazem progredir o pensamento, mas também as ações. Constrói-se incorporando ideias sistêmicas que superam, a partir da cibernética, o princípio da causalidade linear, indicando a necessidade de entender os processos recursivamente (o efeito pode também ser causa). E indicam que o sistema é constituído, simultaneamente, das partes e do todo, sendo que o todo sempre será maior que a soma das partes. Implica o pensamento complexo, também na concepção que ultrapassa ao sistemismo clássico, na medida em que entende o sistema como algo que tem uma dinâmica auto-organizativa, que provém de uma dinâmica contraditória entre ordem e caos, comunicação e ruído, onde pesquisador e pesquisado estão envolvidos, ou seja, aquilo que se conhece não se separa do ato de conhecer. No caso da abordagem materialista histórica, que trata a relação sujeito (sociedade) e objeto (natureza) de modo dialético, o trabalho está na base do processo 45 de desenvolvimento e transformação das sociedades humanas, atuando como intermédio dessa relação complexa e conjuntiva. Ao atuar sobre a natureza, o trabalho produz não apenas uma simples mudança na forma da matéria, mas, também, um efeito simultâneo sobre o trabalhador. Na concepção marxista, a relação do homem com a natureza é sempre dialética: o homem enforma a natureza ao mesmo tempo em que esta o enforma. Com o conceito de intercâmbio orgânico, Marx introduz uma concepção nova da relação do homem com a natureza. O homem socialmente ativo. (BERNARDES e FERREIRA, 2003, p.19) Todavia, mesmo que a abordagem materialista dialética trate a natureza de modo orgânico e interativo na relação com a sociedade, ela tem sido vista como mercadoria/recurso, com valor de troca e de uso. O importante é a inter-relação do elemento natureza-recurso com o modo de produção capitalista, em que o sistema econômico dominante discute reservas, localizações, potencialidade econômica, utilidades e usos, e não a natureza (água, solo, clima, relevo, cobertura vegetal) em sua dinâmica de formação. Para Foster (2005, p.21), os marxistas economicistas, ao negarem a dinamicidade da natureza, pois rejeitavam o biologismo mecanisista positivista, [...] rejeitaram progressivamente o realismo e o materialismo, adotando a visão de que o mundo social construía-se, na integralidade das suas relações, pela prática humana-inclusive, destacadamente, esses aspectos da natureza que invadiam o mundo social, negando pois, simplesmente os objetos de conhecimento intransitivos (objetos de conhecimento que são naturais e existem independentemente de seres humanos e construções sociais). Infelizmente essa visão distorcida das obras de Marx e Engels (1991) fez com que muitos profissionais utilizassem de modo equivocado o conceito de materialismo, tornando-o inseparável da metáfora base-superestruturada, que os teóricos marxistas buscavam em vão dispensar (FOSTER, 2005). 46 O materialismo histórico torna-se forte somente quando não nega os aspectos físico-naturais da existência material. Assim, esta visão materialista [...] mais profunda só é possível conectando o materialismo na sua relação com a existência produtiva às condições físicas/naturais da realidade-inclusive o terreno dos sentidos – e a rigor ao mundo natural mais amplo. Só desta maneira torna-se possível tratar de questões tão fundamentais como vida e morte, reprodução, dependência da biosfera e assim por adiante. (FOSTER, 2005, p.22) Foster (2005, p.60) demonstra, na elaboração do pensamento materialista de Marx, a importância do pensamento do filósofo grego Epicuro, para quem o importante “[...] era a contemplação do que podia materializar-se na existência humana e não num eterno além”. Epicuro compreendia que a natureza humana é em si transformada com a evolução da sociedade humana, e que amizade e sociabilidade são produto de pactos sociais que emergem no processo da satisfação dos meios materiais de subsistência. Na fundamentação de sua filosofia, valorizava a percepção dos sentidos, assim descrita por Foster (2005, p.83): A mera percepção através dos sentidos só é possível porque ela expressa uma relação ativa com a natureza – e a rigor da natureza consigo mesma. “Ao ouvir, a natureza ouve a si mesma; ao cheirar, ela cheira a si mesma, ao ver, ela vê a si mesma” ... Com base nisto, Marx argumentaria que “Epicuro foi o primeiro a captar a aparência como aparência, isto é, como alienação da essência, ativando-se a si na sua realidade como tal alienação”. Para Marx, a materialidade do processo dialético entre teoria e prática dava-se através da práxis, na qual a prática ocorre na medida em que a teoria guia a ação, e a teoria, na medida em que essa relação torna-se consciente. Em contraposição à filosofia idealista de Hegel, segundo Vazquez (2007), as bases da filosofia da práxis do pensamento de Marx e Engels são lançadas no Manifesto do Partido Comunista de 1848, sobre a qual o autor assim se refere: 47 A práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, corresponde a necessidades radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático. Ao chegar a este ponto, e antes de passar à determinação do tipo de homens que servem de mediadores entre a crítica teórica e prática, devemos resumir o que Marx disse até agora sobre as relações entre a teoria e a prática: a) por si própria, a teoria é inoperante, ou seja, não se realiza; b) sua eficácia é condicionada pela existência de uma necessidade radical que se expressa como crítica radical e que, por sua vez, torna possível sua aceitação. (VAZQUEZ, 2007, p. 117) São várias, pois, as perspectivas de práxis existentes que têm influenciado os geógrafos nos estudos em que as dinâmicas da natureza e da sociedade se relacionam. As matrizes do positivismo e do neopositivismo que, na maior parte dos trabalhos realizados, desconsideram a relação sociedade-natureza, dando mais ênfase aos estudos da dinâmica da natureza dissociada da dinâmica da sociedade e vice-versa, têm sido superadas por matrizes teóricas de cunho dialético, humanista, complexo e conjuntivo, as quais passaram a questionar a fragmentação e a disjunção entre ambiente e sociedade, em parte devido à crescente deterioração dos ambientes físicos, e consequentemente da qualidade de vida, provocada pela ação da sociedade sobre os mais diferentes ecossistemas. Dessa forma, ampliaram-se, na Geografia, os estudos com ênfase na importância da conservação e da manutenção dos bens naturais, privilegiando temas relativos aos impactos ambientais. Os efeitos desses impactos na e para a sociedade têm ocasionado uma preocupação maior, não só técnico-metodológica, no aspecto da recuperação do ambiente alterado, mas também no que tange à necessidade, por parte dos geógrafos que trabalham com a dinâmica da natureza, de realizar um esforço de reflexão teórica e epistemológica. Tal empenho tem gerado uma maior aproximação entre a Geografia Física e a Geografia Humana, e um dos elos que as une é, sem dúvida, a 48 problemática ambiental, em que a concepção de estudo da natureza na sua inter-relação com a sociedade é cada vez mais adotada pelos estudiosos da área ambiental. As perspectivas de estudo da relação sociedade-natureza devem ser pensadas de modo plural e dialético, conforme o momento atual da Geografia. No dizer de Suertegaray (2004, p.187-188), as Geografias pós-modernas [...] são a expressão desse movimento, fundamentam-se numa filosofia plurifacetada, contraditória e dialógica. Compreendem o mundo como expressão do movimento, onde é retomada a discussão sempre latente entre metafísica e dialética, ordem/manutenção e movimento/criação. Abre a possibilidade de múltiplas interpretações. Por essa razão convivemos com perspectivas analíticas neomarxistas, com perspectivas neopositivistas e com perspectivas Fenomenológicas hermenêuticas, agora, não se apresentando como únicas e verdadeiras, mas como visões que permitem, através de uma atitude dialógica, contribuir para a explicação/compreensão do mundo contemporâneo. As geografias atuais são múltiplas, adotam múltiplos métodos, constroem múltiplas visões/leituras, valorizam as singularidades, as identidades. Porém, a geografia não se limita ao único, pois ao indicar a necessidade de uma análise em múltiplas escalas, concebe o local no global, o lugar no mundo, a parte no todo, o singular no plural, o diverso no múltiplo. Devemos, no debate acadêmico amplo e democrático, aceitar as diferenças de pensamento e postura. Pensando em Geografia, estaremos, assim, enfocando as dinâmicas da natureza e da sociedade de modo integrado. Esta visão, que procura elaborar um pensamento amplo e plural, em que tomamos o método dialético do materialismo histórico como vetor condutor, relacionado à dialógica do pensamento complexo, é a que se tem procurado aplicar nos estudos geográficos e geomorfológicos, inter-relacionando dinâmica da natureza e dinâmica da sociedade. A profusão de interações na busca dessa conjunção está expressa na Figura 1, onde se apresentam as referências históricas que influenciaram a construção de um 49 pensar dialético que, ao conjugar teoria e prática, materializa-se numa práxis diferenciada. Figura 1. Representação da trajetória teórica e do método de construção do pensamento geográfico. Fonte: Autor (abril de 2014). 50 Como materializações da práxis geográfica, integrando teoria e prática através do método dialético materialista, serão apresentados, no próximo tópico, dois estudos realizados na região do Pontal do Paranapanema: um, com os assentados do Assentamento Rural Nova Esperança - SP, localizado no município de Euclides da Cunha Paulista - SP, e o outro, com um pequeno proprietário rural do município de Álvares Machado - SP. Em ambos, as relações da sociedade e da natureza são articuladas, por meio do trabalho, mostrando como ocorreu, ao longo da história, a apropriação da natureza, expressa nas diferentes formas de manejo da terra e nos conflitos relacionados ao seu uso, bem como as derivações desse processo. O que se quer demonstrar, enfim, é a materialização de um pensar geográfico construído na busca pela articulação entre as dinâmicas da natureza e da sociedade. 51 3. PONTAL DO PARANAPANEMA, AMBIENTE EM TRANSE Poesia concreta “Terra”, de Décio Pignatari (1956) Inicio este capítulo relacionando a poesia concreta TERRA, do poeta Décio Pignatari, com a luta pela terra e pela sobrevivência dos assentados do Assentamento Rural Nova Esperança, localizado no município de Euclides da Cunha - SP, sob a tutela do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), bem como dos pequenos produtores rurais, instalados na região administrativa de Presidente Prudente - SP, com os quais foi possível traçar um caminho metodológico para revelar uma práxis unificadora entre teoria e prática, em que a construção científica de uma Geografia integrada desencadeou uma prática transformadora do modo de ver e identificar uma realidade e de se integrar como agente social, a partir da perspectiva do materialismo histórico e do pensamento complexo. O corte mostrado na figura do poema, da parte superior para a inferior, expressa a terra sendo tombada para o plantio da semente, que brotará e tornar-se-á alimento para a sociedade. Esta terra precisa ser cuidada, tratada com respeito pelo que representa, como um bem da natureza, do qual provém o sustento do dia a dia. Todavia, caso a terra seja apropriada de modo inadequado, tendo como objetivo a obtenção do lucro, e não respeitando a sua dinâmica de constituição, o 52 resultado será a formação das erosões (sulcos, ravinas e voçorocas), representada como a materialização da exploração e da degradação, não somente da natureza naturata transformada pelos diversos atores sociais, mas também do próprio ser humano, que se torna alienado da sua própria consciência de ser também natureza. Neste caso, em especial, os pequenos produtores rurais que dependem da terra não só para o processo de construção de identidades e afetividades pessoais e familiares, mas também para a garantia da produção de alimentos que sustentará a sociedade e sua própria sobrevivência como ser humano. Para entender como a práxis foi se concretizando durante a pesquisa,