1 EDSON ROBERTO BOGAS GARCIA HOMEM QUE É HOMEM COMPRA: PROTÓTIPO DE DICIONÁRIO PARA REDATORES PUBLICITÁRIOS SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP 2012 2 EDSON ROBERTO BOGAS GARCIA HOMEM QUE É HOMEM COMPRA: PROTÓTIPO DE DICIONÁRIO PARA REDATORES PUBLICITÁRIOS Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de São José do Rio Preto, para obtenção do título de Doutor em Estudos Linguísticos (Área de Concentração: Análise Linguística). Orientador: Profa. Dra. Claudia Zavaglia. SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP 2012 3 Garcia, Edson Roberto Bogas. Homem que é homem compra: protótipo de dicionário para redatores publicitários / Edson Roberto Bogas Garcia. - São José do Rio Preto : [s.n.], 2012. 260 f. : 30 cm. Orientador: Claudia Zavaglia Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Lexicologia. 2. Publicidade. 3. Redação publicitária. 4. Gênero masculino. I. Zavaglia, Claudia. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. Título. CDU – 81´374 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE Campus de São José do Rio Preto - UNESP 4 EDSON ROBERTO BOGAS GARCIA HOMEM QUE É HOMEM COMPRA: PROTÓTIPO DE DICIONÁRIO PARA REDATORES PUBLICITÁRIOS Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de São José do Rio Preto, para obtenção do título de Doutor em Estudos Linguísticos (Área de Concentração: Análise Linguística). BANCA EXAMINADORA TITULARES Profa. Dra. Claudia Zavaglia - Orientadora Professora Livre Docente IBILCE–UNESP–Câmpus de São José do Rio Preto–SP. Profa. Angélica Karim Garcia Simão Professora Assistente Doutora IBILCE–UNESP–Câmpus de São José do Rio Preto–SP. Profa. Fátima Aparecida dos Santos Professora Doutora UnB - Universidade de Brasília. Profa. Paola Giustina Baccin Professora Livre Docente USP - Universidade de São Paulo. Profa. Vivian Regina Orsi Galdino de Souza Professora Assistente Doutora IBILCE–UNESP–Câmpus de São José do Rio Preto–SP. SUPLENTES Profa. Adriane Orenha Ottaiano Professora Assistente Doutora IBILCE – UNESP – Câmpus de São José do Rio Preto – SP. Prof. Evandro Silva Martins Professor Doutor UFU – Universidade Federal de Uberlândia Prof. Odair Luis da Silva Professor Assistente Doutor FCLAR – UNESP – Câmpus de Araraquara – SP. 5 Aos cinco, que construíram, comigo, uma história familiar única: minha mãe, meu pai, Sônia, Ângela e João. 6 AGRADECIMENTOS Não tenho recordações, quando me lembro de minha época de infância, de ter tido algum amigo invisível com quem tivesse desenvolvido uma grande amizade. Se o tive, os diálogos ficaram esquecidos em alguma parte de meu cérebro (esse misterioso cérebro!) e de meu coração. Agora, adulto, aprendi que, por onde ando, vários deles me acompanham, protegendo-me dos infortúnios da vida e dando-me forças nos momentos em que preciso de apoio e de equilíbrio. Não os vejo e não dialogo com eles, mas os sinto perto. Admiro-os fortemente pelo trabalho que realizam. Obrigado, amigos! Essa mesma admiração tenho por minha orientadora, Claudia Zavaglia. Nesse meu percurso pelo léxico, por meio dela, aprendi a valorizar a importância das palavras (carinhosamente complexas!). Comecei a cultuar o item “aceitação”. Sem a Zavaglia, como todos a conhecem e como todos não a confundem, esta tese não existiria. O meu feliz encontro com o mundo da Lexicografia e o meu feliz reencontro com essa pessoa maravilhosa só foi possível porque, em nenhum momento, ela hesitou em acreditar que tudo seria possível. Obrigado por me aceitar! Ao Antonio, pela disposição em me acompanhar nas viagens (às vezes longas e às vezes curtas) em que participei de Congressos para apresentação de artigos científicos e pela compreensão quando me isolava do mundo porque sonhava com o meu dicionário. Ao Rodrigo e à Lorena (ambos Guaitulini) pelo tempo dedicado à leitura da pesquisa e à impressão das cópias. A todos os integrantes das bancas de qualificação e de defesa, que, gentilmente, aceitaram o convite para avaliar esta tese. E aos professores, que, por motivos alheios à minha vontade, não puderam participar dela. A todos os professores, colegas e funcionários do IBILCE que acompanharam o meu percurso durante esses anos. À UNIFEV – Centro Universitário de Votuporanga e ao IMES – Instituto Municipal de Ensino Superior de Catanduva pelo incentivo profissional e financeiro. A alguns poucos e queridos amigos que, talvez, mesmo sem saberem, foram peças fundamentais para que eu nunca pensasse em desistir. À Cris Bauab, ao Raphael e ao Luis Antonio pela parte gráfica. 7 “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.” (Caetano Veloso) 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15 1 LÉXICO: DEFINIÇÕES, VERTENTES E CONVERGÊNCIAS..................................22 1.1 No princípio era a palavra...................................................................................................23 1.2 O funcionamento do léxico nas teorias linguísticas............................................................25 1.3 Léxico e Linguística de Corpus..........................................................................................32 1.4 Léxico e cultura...................................................................................................................36 1.5 Léxico e gênero masculino.................................................................................................40 2 VERTENTES DA PUBLICIDADE: CULTURA, LÉXICO E GÊNERO......................54 2.1 A comunicação teórica e ideológica da publicidade...........................................................55 2.2 Publicidade e cultura...........................................................................................................63 2.3 A seleção lexical na publicidade brasileira.........................................................................67 2.4 O gênero social na publicidade brasileira...........................................................................73 3 A LEXICOGRAFIA: TÉCNICA, ARTE E CIÊNCIA....................................................83 3.1 Lexicografia e metalexicografia..........................................................................................84 3.2 O dicionário.........................................................................................................................86 3.3 As entradas no dicionário: definições prévias sobre a semasiologia e a onomasiologia....92 3.4 A onomasiologia.................................................................................................................93 3.5 A interdependência entre a semasiologia e a onomasiologia..............................................94 4 MATERIAIS E MÉTODOS.............................................................................................100 4.1 O suporte midiático: a revista Veja...................................................................................101 4.2 O corpus: a escolha pelo gênero masculino......................................................................103 4.3 Lista de frequência, a lista de frequência do WordSmith Tools e os itens lexicais para a composição do DRP................................................................................................................105 9 4.4 A ferramenta Concord do WordSmith Tools e sua importância para a macro e microestrutura do dicionário...................................................................................................113 4.5 Microestrutura...................................................................................................................120 5 O PROTÓTIPO DO DICIONÁRIO PARA REDATORES PUBLICITÁRIOS.........126 6 AS POSSÍVEIS RELAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE LÉXICO, PUBLICIDADE E GÊNERO SOCIAL...............................................................................................................201 6.1 As relações semânticas dos adjetivos, substantivos e verbos...........................................202 6.1.1 Adjetivos........................................................................................................................205 6.1.2 Substantivos...................................................................................................................206 6.1.3 Verbos............................................................................................................................210 CONCLUSÃO.......................................................................................................................214 REFERÊNCIAS....................................................................................................................220 APÊNDICES..........................................................................................................................231 APÊNDICE A: RELAÇÃO DE ITENS LEXICAIS NÃO LEMATIZADOS......................232 APÊNDICE B: RELAÇÃO SEMÂNTICA ESTABELECIDA ENTRE OS SUBSTANTIVOS...................................................................................................................237 APÊNDICE C: RELAÇÃO SEMÂNTICA ESTABELECIDA ENTRE OS VERBOS.................................................................................................................................253 10 LISTA DE TABELAS, QUADROS, FIGURAS E IMAGENS Tabela 1: classificação da extensão de um corpus...................................................................34 Tabela 2: adjetivos neutros e adjetivos específicos para mulheres..........................................51 Tabela 3: distribuição dos léxicos-marketing em gêneros (e percentuais correspondentes)...76 Tabela 4: total de publicidades do corpus selecionado..........................................................105 Tabela 5: número de itens lexicais encontrados no corpus....................................................107 Tabela 6: itens lexicais, frequência e porcentagem levantados para a confecção do dicionário.. .................................................................................................................................................109 Tabela 7: as lexias complexas do DRP..................................................................................116 Tabela 8: léxicos-marketing e os assuntos aos quais se referem...........................................117 Tabela 9: presença dos adjetivos nas estruturas categoriais dos léxicos-marketing..............206 Tabela 10: presença dos substantivos nas estruturas categoriais dos léxicos-marketing.......208 Tabela 11: presença dos verbos nas estruturas categoriais dos léxicos-marketing................210 Quadro 1: elementos do processo de comunicação (JAKOBSON, 1991)...............................55 Quadro 2: elementos do processo de comunicação publicitária..............................................59 Quadro 3: oposição tradicional entre os gêneros masculino e feminino.................................78 Quadro 4: esquema demonstrativo das especificidades referentes à Lexicografia e à Metalexi- cografia......................................................................................................................................85 Quadro 5: estrutura categorial dos léxicos-marketing...........................................................204 Figura 1: triângulo de Ullmann (1951) apud Baldinger (1966, p. 28).....................................97 Figura 2: triângulo de Ullmann (1951) apud Baldinger (1966, p. 28).....................................97 Figura 3: triângulo de Ullmann (1951) apud Baldinger (1966, p. 28).....................................97 11 Figura 4: triângulo de Ullmann (1951) apud Baldinger (1966, p. 29).....................................98 Figura 5: triângulo de Heger (1964) apud Baldinger (1966, p. 29).........................................98 Imagem 1: publicidade dos xampus Clear Men, extraído da revista Veja, 2008.....................52 Imagem 2: publicidade voltada ao público masculino (Veja, 2008)......................................104 Imagem 3: publicidade utilizando o homem como protagonista (Veja, 2008)......................104 Imagem 4: exemplo das words-list retiradas do corpus da presente pesquisa.......................107 Imagem 5: ferramenta Concord com o cotexto do verbo “ser”, linha a linha........................114 Imagem 6: ferramenta Concord com o contexto (por meio da opção “grow”) do verbo ser.114 12 LISTA DE ABREVIATURAS LC: Linguística de Corpus. DRP: Dicionário para redatores publicitários AU: Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa HO: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa cf.: conforme Adj.: adjetivo. Adj.2g.: adjetivo comum de dois gêneros S.2g.: substantivo comum de dois gêneros. S.f.: substantivo feminino S.m.: substantivo masculino. V.aux.: verbo auxiliar. V.i.: verbo intransitivo. V. imp.: verbo impessoal V.pred.: verbo predicativo. V.t.: verbo transitivo 13 RESUMO A presente tese tem como objetivo a elaboração de um protótipo de dicionário para redatores publicitários, constituído de unidades lexicais voltadas ao público masculino. A produção dessa obra fundamenta-se no fato de que as pesquisas em Lexicografia que relacionam aspectos culturais ao léxico têm demonstrado a importância que esse tipo de unidade desempenha na transmissão e na recepção de conhecimentos a respeito das características de uma sociedade. Essa constatação permite ponderar que os itens lexicais pertencentes a uma determinada língua determinam aspectos ligados às crenças, aos costumes e, de forma específica neste estudo, às características sexuais de seus indivíduos. Dessa maneira, realizamos uma investigação para verificar e comprovar a existência de um léxico capaz de revelar as possíveis diferenças de gênero no Brasil. Selecionamos, a seguir, para compor nosso corpus, publicidades impressas voltadas ao sexo masculino ou nas quais ele é o protagonista, extraídas da revista Veja, versão impressa e/ou online, entre os anos de 2006 e de 2011. Essa escolha partiu do pressuposto de que os publicitários responsáveis pela construção dos textos escritos direcionam-nos a um público-alvo cada vez mais específico nas campanhas publicitárias de seus clientes, pois, assim, podem conduzir, com mais acuidade, os potenciais consumidores à decisão de compra. Com essas publicidades, também pudemos constituir os conceitos que fariam parte de nosso produto, os quais denominamos de léxicos- marketing, ou seja, unidades-conceito representativas de um segmento de mercado. Para a composição e análise do repertório lexical da nossa proposta lexicográfica, utilizamos a metodologia veiculada pela Linguística de Corpus, por meio do programa Wordsmith Tools, principalmente, as ferramentas WordList, com o objetivo de fornecer as listas de itens lexicais da nomenclatura e a Concord, para extrair seus contextos. Baseados nessas conjecturas, constituímos uma proposta de dicionário onomasiológico especial monolíngue, com o intuito de colocar à disposição dos profissionais publicitários um instrumento didático de consulta, bem como de produção textual capaz de fornecer subsídios para que os textos produzidos possam atingir, com êxito, o que se pretende alcançar em uma campanha publicitária. Palavras-chave: Léxico. cultura. gênero. publicidade. lexicografia. dicionário. 14 ABSTRACT The main objective of this dissertation is the development of a prototype dictionary for advertising copywriters, consisting of lexicon targeted at males. The production of this work is based on the fact that research in lexicography that relates cultural aspects to the lexicon have demonstrated the importance that lexical units play in the transmission and reception of knowledge about the characteristics of a society. This observation allows considering that the lexical items belonging to a certain language determine the aspects related to beliefs, customs and, specifically in this study, the sexual characteristics of its individuals. Thus, we conducted an investigation to verify and prove the existence of a lexicon capable of revealing the possible gender differences in Brazil. For this, theoretical studies in the areas of Lexicology, Sociology and Sociolinguistics confirmed our propositions. We chose then, for the selection of our corpus, print advertisements targeted at males or in which they are the protagonists, extracted from Veja magazine, print and/or online, between the years of 2006 and 2011. This choice was made based on the hypothesis that advertising writers’ goal is to appeal with their campaigns to an audience that’s increasingly more specific and be able to lead, these potential consumers more accurately to a purchase. With these advertisements, we also compose the concepts that would be part of our product that we call Marketing Lexicon, which are lexical units representing a market segment. For the description and analysis of lexicon of our prototype, we use the methodology applied by Corpus Linguistics, through the program Wordsmith Tools. Within this perspective, we employ the WordList’s tools, with the goal of providing lists of lexical items that would be used in the product and the Concord, to understand the context in which they appear. Based on these assumptions, we constituted a proposal of a particular monolingual onomasiological dictionary in order to provide professional advertisers with an educational tool for consultation, as well as textual production capable of providing subsidies so that the texts produced can successfully reach the target of an advertising campaign. Keywords: Lexicon. culture. gender. advertising. lexicography. dictionary. 15 16 Podemos compreender melhor as relações sociais, culturais, econômicas e políticas que se estabelecem nacional e internacionalmente quando conseguimos ler, de maneira eficaz, por meio das várias possibilidades de linguagens existentes, as mensagens que nos afetam diariamente. Isso nos impulsiona a exercer nosso papel de cidadãos que possuem direitos e deveres, no que tange à manifestação de pensamentos, desejos e anseios. A linguagem escrita, especificamente, considerada como nossa capacidade exclusiva de manifestar ideologias, é, acreditamos, uma aliada, no sentido de planejar nossa vida e de entender a importância de sua construção. Dessa maneira, o léxico, fundamental para se conhecer uma comunidade e, consequentemente, tomar contato com as necessidades dos membros de uma sociedade, torna possível a criação e o desenvolvimento de uma rede de relações que determina nossas escolhas nas situações em que a seleção de um repertório lexical resultará no sucesso ou no fracasso de nossa comunicação. O interesse em investigar, com maior aprofundamento, esse mundo lexical, despertou nosso fascínio pelo curso de Letras e, de maneira mais intensa, nossa preferência por disciplinas ligadas diretamente ao estudo da Língua Portuguesa e, como idioma estrangeiro, ao da Língua Italiana. Na presente tese, agora como professor de Língua Portuguesa no curso de Comunicação Social e de Redação Publicitária no curso de Publicidade e Propaganda, resolvemos, em um primeiro momento, em nosso projeto de pesquisa, organizar, descrever e analisar as unidades lexicais das publicidades voltadas ao público masculino da revista Veja (2006-2011) em campos léxico-semânticos, tentando, assim, verificar a importância desse repertório lexical como elemento fundamental para identificação do contexto sociocultural atual do homem brasileiro. 17 Essa primeira proposta nos pareceu viável, pois consideramos que conceber o léxico de forma geral e, em particular, o léxico publicitário sob a ótica da Lexicologia é pensar a língua como um elemento em constante transformação e, a partir disso, perceber essas mudanças no meio social. É avançar, também, em relação aos estudos que, tradicionalmente, pensam a tecnologia voltada à comunicação como um simples meio de transmissão destinado a levar as mensagens produzidas pelos órgãos de comunicação à sociedade. Além disso, buscar a significação dos processos lexicais elaborados em anúncios de revistas voltados para o público masculino é pensar a publicidade como produtora de aspectos linguísticos que podem nortear um determinado contexto em um grupo social ao qual ela se dirige em uma dada época. Ao analisar o uso do léxico por meio da mídia e do público-alvo selecionados, é possível justificar não só os fatores linguísticos contidos nos anúncios publicitários, mas também contextualizar o homem dentro da sociedade à qual ele pertence. Consideramos essas premissas válidas, pois acreditamos que as novas tecnologias possuem papel fundamental no processo de globalização. Elas possibilitam a criação de meios de comunicação que se desenvolvem e se aprimoram com uma rapidez inimaginável. Com eles e por meio deles, o homem constrói concepções que interferem nos conceitos pessoais e se misturam com o comportamento do outro, onde quer que ele esteja. A publicidade deste século tem-se mostrado eficaz nesse processo: marcas e produtos são conhecidos e reconhecidos por falantes de várias nacionalidades. Ela está presente nos canais de televisão a cabo e nas páginas da Internet (e entre outras mídias, tais como o rádio, o jornal e a revista). No entanto, essa proposta sofreu alterações após termos cursado a disciplina de Lexicografia, em que refletimos acerca dos aspectos teóricos e práticos dos estudos sobre obras lexicográficas e a disciplina de Tradução e Linguística de Corpus, na qual conhecemos o programa o WordSmith Tools e aprendemos a utilizar suas ferramentas, pudemos perceber 18 que sua operacionalização e os estudos lexicográficos no contexto de nossa proposta inicial poderiam proporcionar uma pesquisa com um caráter teórico-prático que nos pareceu de relevante importância acadêmica. Assim, após essa reflexão e concernente à questão teórica, mantivemos o foco em estudar o léxico e sua indissociável relação com os aspectos culturais e, posteriormente, em verificar a importância das unidades lexicais como aferidoras de comportamentos de gêneros sociais e a consequência delas na publicidade voltada ao público masculino, numa perspectiva contemporânea (2006-2011), usando, ainda, como suporte midiático, a revista Veja. A partir disso, sustentamos pensar a Lexicografia como ciência capaz de organizar, metodologicamente, esse conjunto de elementos. A parte prática, a partir das constatações advindas das pesquisas teórico- metodológicas, objetivou a apresentação de uma proposta de dicionário onomasiológico especial, para servir como material de consulta para profissionais responsáveis pela tessitura de textos em anúncios publicitários. Foi-nos, portanto, de suma importância essa bipartição inicial para que pudéssemos organizar nosso corpus com maior acuidade, já que pudemos estabelecer o público-alvo a quem dirigiríamos nosso produto. Nesse sentido, consideramos: →Publicitários que têm a função de trabalhar com textos (redatores publicitários e revisores, mais especificamente); →Agências de Publicidade, como fonte de consulta; →Universidades, Centros Universitários e Faculdades que possuem o curso de Publicidade e Propaganda; →Graduandos de Publicidade e Propaganda. Essa proposição vem ao encontro de uma das questões que sempre levantamos em nossas aulas específicas de Redação Publicitária, quando tratamos dos meios impressos. 19 Apesar de existirem bons livros didáticos sobre a disciplina,1 que apregoam a importância do arranjo lexical em produções publicitárias, há uma falácia em relação a materiais lexicográficos de consulta que poderiam auxiliar, de maneira didática e específica, as dificuldades que porventura possam existir no momento em que se começa a criar e a desenvolver o texto escrito. Consideramos, por isso, que a existência de uma obra lexicográfica que possa cooperar com a publicidade, não no sentido de orientar sobre seus tecnicismos, mas para auxiliar a produção textual e compreender algumas construções próprias dessa matéria a partir de um léxico mais selecionado e repertoriado para essas questões, seja de grande valor, tanto acadêmica como comercialmente. Com o fito de alcançar os objetivos a que nos propomos, além deste capítulo introdutório, a tese compõe-se de seis outros, da conclusão e das referências utilizadas ao longo da pesquisa. Pormenorizadamente, descrevemos essa estrutura: No primeiro capítulo, discorremos sobre a concepção de léxico, desde sua diferença com relação ao item lexical “palavra”, bem como sua concepção nas diferentes teorias linguísticas. Em seguida, relacionamos léxico com cultura e a indissociação entre esses dois conceitos, ambos, entidades dinâmicas que possibilitam entendermos a variação de hábitos, ideias e crenças. Por fim, defendemos a relação que se estabelece entre léxico e gênero, mais evidentemente, entre léxico e o gênero social masculino. No segundo capítulo, discutimos a importância dos meios de comunicação contemporaneamente. Descrevemos, mais especificamente, de acordo com nosso interesse de pesquisa, a maneira como essa comunicação é processada e como ela se concretiza quando nos referimos à Publicidade. Tendo em vista sua complexa disposição comunicativa, pensar nessa área como uma matéria que se restringe somente ao ato de vender, tornou-se pífio 1 Citamos alguns com os quais trabalhamos: MARTINS, Zeca. Redação publicitária: a prática na prática; FIGUEIREDO, Celso. Redação Publicitária: sedução pela palavra; HOFF, Tânia;GABRIELLI, Lourdes. Redação Publicitária; CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário. 20 diante da gama de possibilidades que ela oferece em suas composições quando envolve tanto discursos culturais quanto sociais. Com o intuito de produzir no ser humano o desejo de satisfação, os redatores publicitários buscam, no léxico, expressões ideais para exacerbar no indivíduo a sua vontade de comprar e se sentir feliz com isso. Aliás, é se espelhando nesse consumidor que selecionam as unidades lexicais para tomarem formas a serem dispostas nos anúncios. Já não se trata, portanto, de um todo, mas de homens e de mulheres com suas peculiares características e diferenças. O terceiro capítulo aborda a Metalexicografia e a Lexicografia. Delimitamos, por conseguinte, seus campos de atuação. A partir disso, estudamos desde o surgimento dos compêndios lexicográficos até sua existência atualmente, sua constituição, bem como a sua definição por parte de alguns estudiosos. Tendo em vista nossa opção pela estrutura do dicionário onomasiológico, procuramos também realizar um estudo pormenorizado de sua história, concepção e constituição, traçando a interdependência existente entre a semasiologia e a onomasiologia. Estabelecidos os critérios a serem adotados nessa perspectiva, esclarecemos, ainda, o porquê da escolha por um dicionário de caráter especial, ou seja, daquele em que se faz a seleção de itens lexicais específicos dentro da categoria pretendida - a do gênero masculino - de um léxico geral. No quarto capítulo, realizamos uma explanação dos materiais e métodos utilizados para a composição de nosso protótipo: a justificativa do suporte midiático, a revista Veja, de onde extraímos o nosso corpus, composto de publicidades voltadas ao público masculino ou em que ele aparece como protagonista; a importância dos estudos baseados nesses corpora, a partir do programa WordSmith Tools, mais especificamente, da ferramenta WordList para capturar os itens mais frequentes que compuseram nosso protótipo, e da ferramenta Concord, para visualizar o contexto em que esses itens aparecem e, por fim, o detalhamento da macro e da microestrutura do dicionário. 21 O quinto capítulo é composto pelos conceitos (os léxicos-marketing) e pelos verbetes destinados a eles na apresentação do produto final: o protótipo de dicionário para redatores publicitários. No sexto capítulo, discutimos a relação que se pode estabelecer entre os itens lexicais levantados com o gênero masculino, bem como sua utilização nos textos confeccionados pelos redatores publicitários. Essa discussão tenta esclarecer que, dependendo da delimitação de um determinado estudo acerca do léxico, é possível dizer que unidades léxicas podem representar um gênero sexual. 22 23 No presente capítulo, realizamos, em 1.1, algumas considerações acerca da relação entre os itens palavra e léxico, servindo-nos de alguns pesquisadores que estudaram o tema para tentar traçar definições e limites para o assunto. Em 1.2, procedemos a um estudo sobre o léxico nas teorias linguísticas e sua inegável natureza transdisciplinar, bem como suas possibilidades de aplicação nas várias correntes. Em 1.3, pontuamos a Linguística de Corpus como ciência capaz de fornecer subsídios para estudos lexicais. Em 1.4, justificamos a indissociabilidade entre léxico e cultura, ambos entidades dinâmicas que variam de acordo com os hábitos, ideias e crenças sociais e individuais. Por fim, em 1.5, defendemos a relação que se estabelece entre léxico e gênero, mais evidentemente, o gênero social masculino. 1.1 No princípio era a palavra Para evitarmos contradições ao longo de nossa investigação, nesta seção, parece- nos interessante, preliminarmente, pontuar algumas considerações acerca da concepção de palavra e de léxico, servindo-nos de algumas proposições estudadas por pesquisadores que se debruçaram em tentar traçar definições e limites para o assunto. Os primeiros povos a definir a palavra foram os gregos, para os quais se tratava de uma unidade significativa de articulação do discurso. No decorrer dos estudos linguísticos, no entanto, muitos estudiosos discordaram dessa definição, propondo novas maneiras de concebê-la. Até hoje, a noção de palavra ainda não está totalmente convencionalizada e, dessa maneira, existem muitas terminologias utilizadas para tentar defini-la. Vilela (1979, p. 15) cita uma ampla relação delas, tais como “palavra léxica, palavra semântica, palavra derivada, palavra composta, sintagmema, sintagma, sintagma fixo, expressão idiomática, morfema livre, morfema preso, entrada lexical, item lexical, lexema, monema, semema, arquilexema e arquissemema” e acrescenta: 24 O reconhecimento da palavra como unidade da língua traz consigo uma série de dificuldades, quer quanto à sua caracterização, quer quanto à sua definição: dificuldades encontráveis na delimitação da palavra relativamente a outras unidades (morfema, grupo de palavras, etc.), ou dificuldades provenientes do ponto de vista em que se considera a palavra, ou ainda as dificuldades das especificidades da palavra nas diferentes línguas. (VILELA, 1979, p. 16). No tocante à última consideração do autor, Biderman (2001, p. 13) pontua que a criação lexical se processa por meio de “atos sucessivos de cognição da realidade e de categorização da experiência, cristalizada em signos lingüísticos: os lexemas.” Por isso, diz que é impossível definir palavra de maneira universal, tendo em vista sua materialidade no discurso e, como tal, sua identificação, delimitação e conceituação dar-se-ão somente dentro de um determinado idioma. E, mesmo no interior de cada sistema, três critérios deverão ser isolados: o fonológico, o gramatical (morfossintático) e o semântico. Galves e Fernandes (2006, p. 100), em dissonância com a noção de palavra das gramáticas tradicionais, propõem a seguinte definição: [...] as palavras carregam significação própria dentro do enunciado. Por esta definição, isoladamente no interior de um enunciado como Lhe deram o livro apresentado acima, livro é uma palavra porque carrega o significado ‘obra literária científica ou artística que compõe em regra, um volume’, o é uma palavra porque carrega o sentido de ‘definitude’ e gênero masculino que será atribuído a algum nome, lhe é uma palavra porque carrega o sentido de ‘a ele’, deram é uma palavra porque carrega o sentido de ‘eles exerceram o ato de dar (doar, conceber)’. Da mesma forma, em um enunciado em português como Amaremos nossos filhos, amaremos é uma palavra porque carrega o significado ‘nos exercemos o ato de amar (desejar o bem)’. Porém, ‘-re’ e ‘-mos’ só podem expressar, respectivamente, o significado de ‘tempo futuro’ e não isoladamente no enunciado mencionado. Segundo Pontes (2008, p. 34): O estudo lexicológico moderno parte da noção de palavra definida como unidade de significação formada por elementos foneticamente articulados e inseparáveis, com possibilidades de comutação em níveis hierárquicos, em que se tem, por exemplo, o sintagma ou a frase. Para evitar essas imprecisões conceituais, em seus estudos, Biderman (2001) toma, como ponto de partida, o termo lexia, empregado, pela primeira vez, por Pottier (1992). Para o autor, é uma unidade memorizada pelos indivíduos, que apresenta uma definição 25 componencial em cada idioma e, assim, possibilita uma hierarquia semântica em seu interior. Além disso, veicula o seu estudo às possibilidades que as línguas admitem de se expandirem em suas relações sintagmáticas e paradigmáticas. No entanto, se considerarmos a distinção dos três tipos de lexias apresentadas por Pottier (1992) apud Biderman (2001): a simples, a composta e a complexa, também entraremos em um terreno movediço. Segundo Bizzocchi (2010, p. 53): O problema é que, com o tempo, alguns sintagmas vão se petrificando, tornando-se pouco a pouco lexias complexas, a seguir lexias compostas (quando perdem a capacidade de flexão interna e de inserção de elementos) e, finalmente, lexias simples (quando se perde a consciência da composição: filho de algo > “fidalgo” Até alguns anos atrás, “aquecimento” e “global” eram duas lexias simples que poderiam entrar em qualquer frase, mas dificilmente apareciam juntas. De repente, a sequência “aquecimento global” se tornou – infelizmente – comum em nossos diálogos e já é uma unidade estocada em nossa memória, isto é, uma lexia complexa. Borba (2003), por sua vez, considera que a lexia simples é formada por uma única forma livre como flor, chuva, paz; a lexia complexa combina mais de uma forma livre, como beija-flor, ou, ainda, uma forma livre e uma ou mais formas presas, como floricultura, apaziguar e chuvisco. Tendo em vista essa complexidade acerca do assunto e conscientes disso, adotaremos, no decorrer desta tese, “léxico” como conjunto de todas as “lexias”, ou “unidades lexicais” ou “itens lexicais” de uma língua e “lexia”, “unidade lexical/léxica”, “item lexical” e “lexia complexa” como representantes de “palavra”. 1.2 O funcionamento do léxico nas teorias linguísticas O léxico, tomado aqui como “conjunto das palavras duma língua” (REY- DEBOVE, 1985, p. 50), não é um objeto de estudo recente na linguística. Panini, que viveu no V ou IV séculos a.C., realizou uma análise completa do Sânscrito e, nela, apresentou uma 26 distinção entre forma e conteúdo, entre língua objeto e metalinguagem, no nível lexical. Seus estudos, dessa forma, contribuíram para traçar um caminho histórico para a evolução científica da compreensão das unidades lexicais. A Grécia, no Ocidente, por sua vez, pode ser considerada o berço das reflexões sobre a linguagem, apesar de “imaginarem que se pudesse falar e pensar somente em grego” (REY, 1970, p. 7). O interesse de Aristóteles pela palavra ainda recaía menos no aspecto de fenômeno de observação, mas como instrumento conceitual. O filósofo a considerava uma convenção social que possibilitava as operações da lógica. Para Platão, ela era possível reflexo do mundo das ideias. Assim, era notória a importância entre as palavras e as coisas. Dessa concepção, podemos notar que este admitia também a convencionalidade do léxico para explicar que “a unidade lexical não pode conduzir ao conhecimento da ‘coisa em si’” (REY, 1970, p. 10). No entanto, foi a partir do século XIX, que o léxico começou a ser observado em sua natureza fonética e morfológica. Os neogramáticos desenvolveram um método comparativo, que culminou num “conjunto de princípios pelos quais as línguas poderiam ser sistematicamente comparadas, no tocante a seus sistemas fonéticos, estrutura gramatical e vocabulário, de modo a demonstrar que eram ‘genealogicamente’ aparentadas.” (WEEDWOOD, 2002, p. 105). Nessa escola, alguns aspectos pareciam ser levados em consideração em relação ao léxico. O primeiro, relacionado ao papel da analogia. Segundo Weedwood (2002, p. 107): Quando uma criança aprende a falar, tende a regularizar as formas anômalas, ou irregulares, por analogia com os padrões mais regulares e produtivos de formação na língua. Por exemplo, a criança tende a dizer “eu fazi” em vez de “fiz”, tal como diz “comi”, “abri”, “vendi” etc. O fato de a criança proceder assim é uma prova de que ela aprendeu ou está aprendendo as regularidades ou regras de sua língua. Ela prosseguirá seu aprendizado “desaprendendo” algumas das formas analógicas e substituindo-as pelas formas irregulares correntes na fala da geração anterior. 27 O segundo, sem dúvida, é a presença dos estudos de Humboldt (1767) apud Coseriu (1977), no tocante à ideia de que a língua é algo dinâmico. Para tanto, lançou os conceitos de enérgeia: “Entender a linguagem como enérgeia significa [...] considerá-la como atividade criadora em todas as suas formas. Enérgeia é tanto a linguagem em geral como a linguagem enquanto fala. [...] são também as línguas [...] enquanto determinado historicamente.2” (COSERIU, 1977, p. 21). Para Weedwood (2002, p. 109), Humboldt acreditava que “uma língua não é um conjunto de enunciados prontos produzidos pelos faltantes, mas os princípios ou regras subjacentes que possibilitam aos falantes produzir tais enunciados e, mais que isso, um número ilimitado de enunciados”. Para romper com a tradição comparatista e histórica, Saussure fundou o que conhecemos hoje como a linguística moderna. O autor postula considerações acerca do que considera o signo linguístico, uma entidade dicotômica e psicológica. O estruturalista ponderou que a relação dicotômica entre significado e significante devesse ser tratada dentro do sistema linguístico em que o signo está inserido, ou seja, é essa relação arbitrária que possibilita o estabelecimento do valor, já que, se essas duas entidades psíquicas estivessem separadas, em nada consistiriam. “O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras” (SAUSSURE, 2006, p. 137). De acordo com Nascimento (2009, p. 2641): O interessante da língua é o jogo de oposições e combinações de signos, de letras, de palavras, de frases, de enunciados, de proposições, de discursos, no seu funcionamento, na produção dos sentidos. Diria, sobretudo, que nesse jogo o léxico oposto ou combinado significa em uma ciência dos signos. Não só os grafemas e os fonemas formam a unidade léxica, mas não nos esqueçamos de que a imagem compõe uma região que instaura a necessidade de um léxico e de um campo totalmente gramatical (morfológico, sintático, semântico etc.). 2 Entender el lenguaje como “enérgeia” significa [...] considerarlo como actividad creadora en todas sus formas. “Enérgeia” es tanto el lenguaje en general como el lenguaje en cuanto habla. [...] son también las lenguas [...] en cuanto determinado históricamente. (As traduções, no presente trabalho, são de nossa autoria). 28 Sendo assim, de acordo com Nunes (2006, p. 153), “para o estudo do léxico, entendemos que as sistematicidades linguísticas se estabelecem no espaço diferencial e relacional entre os elementos lexicais”. O linguista ainda acrescenta que “o conjunto de relações que os elementos lexicais entretêm na língua é extremamente diversificado.” A distinção que se tem, por conseguinte, do léxico é dada a partir do que o constitui: a característica, o valor e a unidade (NASCIMENTO, 2009, p. 2649). Ressaltando a natureza opositiva do signo, evidenciamos o caráter de “valor” estudado por Saussure. Ilari (2004, p. 63) aponta que “toda teoria científica inovadora se caracteriza por propor um novo enfoque sobre o objeto estudado e que, no caso do saussurianismo, esse novo enfoque é dado pela noção de valor”. Além disso, a ideia de valor, assim determinada, nos mostra que é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e construir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra. (SAUSSURE, 2006, p. 132) Dessa forma, a própria ideia de valor reflete a necessidade de se iniciar uma análise do complexo ao mais simples: primeiro o conjunto do léxico, para chegar gradativamente às unidades lexicais isoladas, tendo em vista que eles só têm valor por meio das relações que mantêm entre si, ou seja, sua totalidade. Percebemos, dessa maneira, que o valor determina a existência dos itens lexicais da língua, ou seja, são as relações que os signos entretêm entre si que fazem que existam. Outras linhas de pesquisa linguística foram desenvolvidas dentro da concepção saussuriana (estruturais), porém, com diferentes enfoques. A escola linguística denominada de Glossemática, desenvolvida na Universidade de Copenhague e cujos nomes mais importantes são Luis Hjelmslev e Viggo Bröndal, foi a que aplicou a tese de Saussure de que as línguas se constituem como sistemas de oposição. Àquele deu-se o estatuto das primeiras tentativas 29 estruturalistas na Europa de explicar a significação do léxico por meio de traços semânticos. De acordo com Fiorin (2007, p. 69), No entanto, há um certo ceticismo em relação à estruturalidade do vocabulário e, por conseguinte, à possibilidade de estudá-lo de um ponto de vista estrutural, pois, em oposição aos fonemas e morfemas, os vocábulos são, de um lado, numerosos (talvez em número ilimitado e incalculável) e, de outro, instáveis, dado que, a todo o momento, palavras novas são criadas, enquanto outras se tornam velhas e caem em desuso. Entretanto, a teoria dos campos lexicais, como metodologia de sistematização, explicação e descrição das estruturas semânticas, teve um grande número de adeptos e recebeu várias designações ao longo do tempo: campo semântico, utilizada por Ipsen (1924), Jolles (1934) e Porzig (1934). Weisgerber fala dos campos léxicos. Trier (1976) evita o termo campo semântico, estabelecendo a diferença entre campo lexical e campo nocional. Bally (1977) trabalha com a denominação campo associativo. Guiraud (1972) introduz campos morfossemânticos e Matoré (1953) propõe os campos nocionais. Ainda segundo Fiorin (2007, p. 71), “a semântica estrutural não visa propriamente ao sentido, mas a sua arquitetura, não tem por objetivo estudar o conteúdo, mas a forma do conteúdo”. Ela teria, por conseguinte, um ponto de vista imanente de categorias semânticas responsáveis, numa língua ou num estado de língua, pela criação de significados. Vilela (1979, p. 24), com relação a essa análise componencial dirá que: A teoria dos campos lexicais primordialmente apresentada por J. Trier com base nas idéias de articulação (W.V. Humboldt) e de sistema (F. Saussure), continuada nas idéias de figuras (ou não signos), de redução das classes abertas do léxico a classes fechadas de comutação (como processo metodológico) com L. Hjelmslev, desenvolvida com a aplicação dos métodos da fonologia ao plano do conteúdo com Coseriu e Pottier e aplicada por alguns lingüistas a domínios mais ou menos bem delimitados do léxico, constitui a base teórico-prática da análise componencial do estruturalismo europeu no domínio do léxico. O autor, em sua obra, estuda a análise que fazem de campos lexicais alguns autores, tais como B. Pottier (campos lexical de “assento”), G. Wotjak e E. Nida (verbos de movimento), A. J. Greimas (sistema sémico da espacialidade), G. Mounin (o léxico da 30 habitação), Geckeler (o campo lexical de “adjetivos de idade”), Coseriu (o campo lexical de “som”), entre outros. Para Vilela (1979, p. 47), em suma: “É a partir da teoria dos campos lexicais e com um tratamento estrutural que se constrói uma teoria apropriada para análise paradigmática do léxico”. A partir de 1960, instaurou-se, em meio aos estudos dos campos, um novo paradigma linguístico liderado por Noam Chomsky, o qual postulava um novo objeto de estudo, a competência sintática determinada por estados de mente/cérebro que, por sua vez, podem ser manipulados por sistemas computacionais. Segundo Borges Neto (2004, p. 93), [...] a teoria lingüística conhecida genericamente como gramática gerativa (a par com vários outros nomes que recebe em diferentes momentos) é um Programa de Investigação Científica, extremamente coerente, que começa a ser construído em meados do século XX e que se torna, já nos primeiros anos de existência, um modo de entender a estrutura da linguagem humana que pode ser contestado – o que é próprio das teorias científicas – mas que não pode ser ignorado. Nessa época, Chomsky também se preocupava com o léxico. De acordo com Lorente (2004), em seus estudos, tendo em vista as operações de estruturas sintagmáticas e transformacionais, constatou que: O léxico inclui somente informações imprevisíveis (mínima informação) e caracteriza simplesmente as entradas do componente lexical com traços funcionais e semânticos, para estabelecer as restrições que devem ser impostas às regras de subcategorização sensíveis ao contexto (LORENTE, 2004, p. 25). Seguindo o ritmo das diferentes reformulações do modelo proposto pelo pesquisador, o léxico foi tomando uma posição cada vez mais central. Em sua relação com a sintaxe, a centralidade do léxico está marcada ao enunciar-se o Princípio de Projeção como um princípio da gramática de caráter universal, a qual postula que a sintaxe se constitui como uma projeção do léxico. O estudo das categorias léxicas e suas projeções, consideradas primordialmente enquanto a sua configuração sintática, na qual se incorporam as relações semânticas, marca outro estágio do avanço nas pesquisas a esse respeito. Além disso, por meio da organização em sintagmas próprios da estrutura sintática, podemos considerar que os 31 itens verbais, por exemplo, são analisáveis em uma estrutura interna e que os níveis de representação devem incluir, além da representação da sintaxe, uma representação própria do léxico. Com relação a essa independência da unidade lexical, Galves e Fernandes (2006, 101), descrevem que: O léxico é constituído de substratos onde os morfemas são adicionados uns aos outros na formação das palavras e onde as regras fonológicas são aplicadas depois da adição de cada morfema. [...]. No primeiro substrato estão as representações lexicais subjacentes, como lista de morfemas, condições de estrutura morfológica e formas irregulares. O segundo substrato lexical [...] é responsável pela aplicação de regras de formação de palavras por derivação, pela adição dos morfemas derivacionais. Os morfemas derivacionais possuem a característica de alterar a categoria gramatical de uma palavra, não são produtivos, ou seja, não é qualquer morfema derivacional que pode ser adicionado a qualquer raiz e há muitas restrições de co-ocorrência operando sobre eles. [...] Já o terceiro substrato também é responsável pela aplicação de regras de formação de palavras, porém, não por derivação [...], mas por flexão, através do acréscimo dos morfemas flexionais. [...]. Lorente (2004, p. 25) diz que “os interesses lexicológicos se concentram, por um lado, no desenvolvimento de mecanismos descritivos da criatividade lexical [...] e, por outro, no estabelecimento de modelos de estruturação do componente lexical”. As perspectivas trazidas pelo avanço das tecnologias também possibilitaram estudos na tentativa de prosseguir os estudos em relação ao léxico. Zavaglia (2006, p. 248) argumenta que: O processamento de uma língua natural bem como a compreensão do fenômeno da linguagem natural são temas de maior interesse, nos dias de hoje, para ciências como a Inteligência Artificial, a Lingüística Computacional, a Tradução Automática, entre outras. A introdução do computador no quotidiano das pessoas afetou a sua maneira de enxergar o mundo, transformando-as em seres mais conscientes e exigentes não somente com o mundo a seu redor mas também com o mundo além- mar, sem fronteiras, atingível e acessível, em segundos, por meio da Internet, a rede mundial de computadores. O processo, porém, foi demorado se levarmos em conta, atualmente, a evolução desses aparelhos computacionais. No entanto, já na década de 60, com relação ao estudo 32 lexical, Biderman (2001) aponta alguns trabalhos de análise estatística, literária e sintática dessa época. Apenas para informar, interessante nos parecem os estudos para estabelecer listas hierárquicas de fonemas, ou de letras realizados por O. Sangiorgi, pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos e por John C. Duncan. Além disso, foram criados bancos de informações linguísticas e, a partir deles, vários tipos de dicionários que permitiram avançar nos estudos de Lexicografia. Esses aparatos tecnológicos, cada vez mais potentes, propiciaram o armazenamento, o processamento e a recuperação quantitava de grandes dados linguísticos, permitindo que os estudiosos da linguagem dessem novos direcionamentos às pesquisas em diferentes campos de investigação. Assim, por exemplo, os trabalhos baseados em corpus deixaram de ser morosos e pouco confiáveis (como apregoavam os gerativistas) e passaram a contar com ferramentas que fornecem meios para avaliar as problemáticas a serem investigadas, principalmente sobre o léxico. 1.3 O léxico e a Linguística de Corpus Dentro das novas perspectivas de análise evidenciadas pelos computadores, a Linguística de Corpus (doravante LC) tem tido, ultimamente, um papel importante nos estudos linguísticos. No Brasil, mais especificamente, muitos deles têm servido para aprimorar alguns tipos de pesquisa sobre o léxico, motivo pelo qual vale a pena nos determos sobre o que é a LC, sua finalidade e sua importância nos estudos lexicais. Na parte dedicada aos materiais e métodos desta pesquisa, vamos nos ater às ferramentas empregadas por essa disciplina, tendo em vista a sua aplicação em nosso trabalho na construção de um dicionário onomasiológico voltado à publicidade. 33 A LC, área do conhecimento que se ocupa “da coleta e exploração de corpora, ou conjuntos de dados linguísticos textuais [...] com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística”. (BERBER SARDINHA, 2000, p. 325), começou a se despontar no cenário da Linguística graças a Sinclair (1991), conhecido como o maior linguista de corpus da história, tendo em vista o seu trabalho pioneiro na área de léxico, responsável pela elaboração do COBUILD, Collins Birmingham University International Language Database, o primeiro dicionário compilado a partir de um corpus computadorizado. Se tomamos a definição acima e se consideramos os breves aspectos pertinentes ao estudos saussuriano e chomskiano discutidos neste mesmo capítulo, podemos notar claramente que a LC passa a questionar, do primeiro, os conceitos de langue/parole e, do segundo, a dicotomia competência/desempenho, pois prescindem das evidências coletadas por meio de pesquisa em corpus. Essa abordagem, portanto, não considera a língua como um sistema de normas e regras, mas como um fenômeno social; portanto, acredita que seu uso é heterogêneo e pode ser empiricamente estudado com corpora. Além disso, dentro de sua proposta empírica, tenta estabelecer, por meio da observação e de estatísticas, que a variação de uma língua não é aleatória e que existem conjuntos de traços linguísticos variáveis sistematicamente nos vários tipos de contextos comunicativos. Berber Sardinha (2000, p. 339) pressupõe quatro pré-requisitos para a formação de um corpus computadorizado. De acordo com o autor, resumidamente, ele: (a) deve ser composto de textos autênticos, em linguagem natural; (b) Com relação à autenticidade, deve tratar textos escritos por falantes nativos (quando não, deve-se deixar bem claro no trabalho); (c) o conteúdo deve ser escolhido com critério (com atenção à naturalidade e à autenticidade) e ter como objetivo sanar as dúvidas que se pretende observar e (d) tem de ter representatividade. 34 Stubbs (1996) acrescenta também a esses pré-requisitos que a LC é, essencialmente, uma ciência social e uma ciência aplicada, já que estuda o significado: forma e significado são inseparáveis e, portanto, não há fronteira entre léxico e gramática. Eles são, assim, interdependentes. Ainda em relação à representatividade, podemos considerar, à primeira vista, que todo corpus é representativo de uma língua, de um idioma ou de uma variedade dele. Uma das características associadas a sua representatividade é a extensão. Berber Sardinha (2000, p. 346) sugere a seguinte classificação: Tamanho em palavras Classificação Menos de 80 mil palavras Pequeno 80 a 250 mil palavras Pequeno-médio 250 mil a 1 milhão Médio 1 milhão a 10 milhões Médio-grande 10 milhões ou mais Grande Tabela 1: classificação da extensão de um corpus Por conseguinte, quanto maior um corpus, mais representativo será. Além disso, se consideramos que a língua tem um caráter probabilístico, a representatividade está também associada à probabilidade. Se atentamos para as palavras raramente usadas no português, por exemplo, quanto maior o corpus, maior será a probabilidade de elas aparecerem. Outro fator de grande importância para a LC é como medir a probabilidade. A lista de frequência, para isso, pode ser considerada o instrumento inicial para fazê-lo, pois consegue registrar cada item lexical e sua ocorrência no corpus que se pretende estudar, além 35 de listar todas as palavras que o compõem. Valendo-se desses dados, determinam-se quais são as mais frequentes nesse corpus. Com relação aos recursos para trabalhar com a Língua Portuguesa, Berber Sardinha (2004b, p. 3) relata que: Já contamos com muitos recursos para a pesquisa, a começar com corpora eletrônicos disponíveis à comunidade em geral. O Banco de Português tem parte de seu acervo na Web. O Lácio Web já se encontra na Web e tende a crescer. O Tycho- Brahe, de português histórico, também está na Web há muitos anos. Fora do Brasil, a Linguateca já disponibiliza vários corpora em português, inclusive o do NILC, de português brasileiro, há um certo tempo. Temos software para análise de corpus em português, como etiquetadores. Temos também literatura sobre corpora em português, artigos, dissertações, um livro, muitas apresentações nos mais variados encontros científicos relacionados à linguagem, como os Encontros de Corpora (www.nilc.icmc.usp.br/iiiencontro), o GEL (www.gel.org.br), o InPLA (lael.pucsp.br/inpla), o CIATI (www.unibero.br), o CBLA (lael.pucsp.br/cbla), entre outros. Há também vários grupos de pesquisa cadastrados no CNPq que utilizam corpora. O que notamos, afinal, em nossa investigação, é que, apesar dos diferentes enfoques, não há que se negar a natureza interdisciplinar do léxico e sua possibilidade de aplicação. Tomemos a declaração de Xatara (2006, p. 97): Se investigar a aquisição e memorização do léxico, seja da língua materna, seja da língua estrangeira, o lexicólogo estará fazendo uma interface com a Linguística Aplicada ao Ensino e com a Neurolinguística. Se observar os registros e níveis de linguagem, este pesquisador buscará subsídios na Sociolinguística. Se tratar das redes de significação (a sinonímia, a polissemia e homonímia, a metaforização), a interface será com a Semântica Lexical. A origem e a evolução semântica das palavras, por sua vez, levam o lexicólogo à Etimologia. Já no emprego das palavras nos enunciados, irá fatalmente recorrer à Sintaxe e à Análise do Discurso. Também para estudar as características principais de uma unidade lexical especial, a Lexicologia pode se entrelaçar com a Fraseologia ou a Terminologia. Dessa maneira, e no que tange à nossa pesquisa, também consideramos possível estabelecer relações entre léxico e dados culturais, entendidos como um “conjunto das criações humanas de qualquer natureza – material (objetos, lendas) ou não material (hábitos, idéias, ideologias – transmitidas de geração em geração” (BORBA, 2006, p. 81). Essa possibilidade, assim, se dará, especificamente, no percurso ideológico que as escolhas lexicais 36 de um determinado gênero sexual – no caso, aqui, o masculino – podem transmitir a partir de sua materialidade nos meios de comunicação, por meio de trabalhos publicitários. Na próxima seção, para evidenciarmos essa questão, traçaremos um estudo sobre a relação entre léxico, cultura e comportamento social. 1.4 Léxico e cultura No presente estudo, entenderemos cultura como as diversas formas de vida dos membros de uma sociedade, ou de um grupo. Nesse estilo de vida, podemos incluir desde a maneira como se vestir, a vida familiar, as relações trabalhistas, até os conhecimentos sobre o mundo e suas atividades. Há também os aspectos menos tangíveis desse fenômeno: as crenças, as ideias coletivas, os valores e as atitudes grupais. A cultura, nesse sentido, é uma entidade dinâmica e, por isso, variam-se os hábitos, os costumes, as ideias e as crenças compartilhadas (BORBA, 2006). Essa vida social é permeada por um sistema de signos linguísticos e, por meio de seu funcionamento, também se verifica a transmissão de uma cultura de uma geração a outra, o patrimônio de uma comunidade, a aprendizagem de seus valores, criados e aprovados pelos seus membros. Para Carvalho (2009, p. 74), “O conceito de identidade cultural diz respeito à conexão entre indivíduos e estrutura social”. Mesmo possuindo uma parte intangível, uma estrutura (formal) que não depende dos indivíduos, esses signos são suscetíveis de variações que ocorrem de acordo com as necessidades dos próprios falantes que os utilizam, captando o universo cultural em que desenvolvem suas atividades. Ainda, de acordo com a autora, “Nestas representações é que surgem os conceitos de visão do mundo, concepções, mentalidade, presentes na forma de comunicação” (CARVALHO, 2009, p. 74). Isso se deve ao fato de que, para Coseriu (1977, p. 69), “A 37 língua muda porque não está realizada, mas se realiza continuamente pela atividade humana. Em outros termos: muda porque se fala” A partir disso, notamos que uma reflexão sobre o léxico deve incluir, necessariamente, uma reflexão sobre a cultura, porque é precisamente esse nível – o cultural – que nos possibilita a comunicação com usuários de sistemas linguísticos. Por outro lado, o contrário também pode acontecer: o impedimento da realização dessa comunicação. Assim, se há uma constituição incessante do léxico em todo estado de língua por necessidade comunicativa de nomear objetos e atitudes, essa formação lexical parte do pressuposto cultural. Nesse processo, podemos admitir que os componentes fonológicos, sintáticos e semântico-lexicais vão fornecer subsídios para essas possíveis transformações. Segundo Carvalho (2010, p. 420): “Todos estes sofrem diferenciações quando submetidos a influências diversas e são observadas na pronúncia, nas escolhas sintáticas, nas alterações de sentido, nas escolhas do termo, em vertentes diferentes de uma mesma língua”. Não há de se negar, no entanto, que o léxico é o componente em que podemos verificar, com maior clareza, por exemplo, os diferentes usos sociais. Com relação, especificamente, ao estudo do léxico social, as primeiras reflexões sistematizadas foram desenvolvidas por Matoré (1953). O autor, por meio dos campos nocionais, tentou explicar uma determinada sociedade partindo do estudo de unidades lexicais. O pesquisador considerava que a lexicologia social era uma disciplina que não continha somente um interesse pragmático, mas propunha um método eficaz, num setor ainda mal delimitado e mal explorado até então. [...] a lexicologia se baseará não em formas isoladas, mas sobre conjuntos de noções, a estrutura e as relações serão explicadas pelos fatos sociais, cujos fatos de vocabulário são ao mesmo tempo o reflexo e a condição. Para realizar o que propõe, a lexicologia social deverá adotar não somente um método adequado, mas 38 procedimentos racionais de trabalho que lhe permitirão levar a efeito a sua tarefa de maneira rápida e eficaz. (MATORÉ, 1953, p. 94).3 O conceito em questão parte do pressuposto de que a linguagem possuía uma função simbólica. Somente a vida em sociedade possibilita ao indivíduo atribuir um valor representativo aos seus sentimentos. É somente pelo viés social que a linguagem se torna um instrumento de comunicação entre as pessoas. Significa, portanto, aferir que as unidades lexicais não exprimem as coisas, mas a consciência de que nós temos delas. Em sua obra, o autor designa de “palavras-testemunhas” as unidades lexicais que podem simbolizar materialmente “[...] uma realização espiritual importante; é o elemento, ao mesmo tempo, expressivo e tangível que concretiza um feito da civilização” (MATORÉ, 1953, p. 664). Ela tem, em si, um dinamismo, pois é o símbolo de mudanças e é considerada como um neologismo, fruto de uma nova situação social, econômica, etc. Dessa maneira, é inegável que léxico e cultura e léxico e comportamento social são pares que se nutrem reciprocamente. Segundo Mondin (2001, p. 148): O homem, ao contrário das coisas que são fechadas em e sobre si mesmas, é aberto, se quer dar aos outros e dos outros quer receber, se quer tornar presente. A palavra transforma a nossa presença puramente física e passiva – simples justaposição no espaço – em presença ativa que nos empenha reciprocamente. Nessa perspectiva, com relação ao léxico, Vilela (1995, p. 25) acrescenta a consideração de que “numa perspectiva comunicativa, é o conjunto das palavras por meio das quais os membros de uma comunidade linguística comunicam entre si”. O autor ainda pondera que “tanto na perspectiva da cognição como na perspectiva comunicativa, trata-se sempre da codificação de um saber partilhado [...]”. 3 [...] la lexicologie se fondera non pas sur des formes isolées, mais sur de ensembles de notions, la structure et les relations étant expliquées par les faits sociaux, dont les faits de vocabulaires sont à la fois le reflet et la condition. Pour réaliser l’objectif qu’elle s’est fixé, la lexicologie sociale devra adopter non seulement une méthode adequate, mais des procédés rationnels de travail qui lui permettront de mener à bien as tâche de manière rapide et efficace. 4 [...] un fait spirituel important; c’est elément à la fois expressif et tangibles qui concrétise un fait de civilisation. 39 Gallison (1987), por exemplo, a respeito da polissemia lexical, propõe o termo lexicultura para o estudo das unidades lexicais que são culturalmente marcadas, referindo-as como palavras com carga cultural partilhadas (CCP). Dessa forma, segundo o autor, não há como ter contato com determinada cultura sem o uso da linguagem verbal. Barbosa (2008/2009, p. 35), a respeito da definição de Gallison (aliás, a autora, na tradução, opta por carga cultural compartilhada), pondera que se pode reconhecer essa carga cultural partilhada tomando como base os seguintes critérios: •ela é um conteúdo que tem por forma o significante do signo; • é obrigatoriamente partilhada (pelo conjunto do grupo social); • é produto da relação entre o signo e os seus utilizadores; • procede da subjetividade dos locutores coletivos, os quais interpretam um elemento a partir da sua visão de mundo; • pertence ao domínio da pragmática, pois está vinculada ao uso que se faz dela; • fornece um complemento, um conteúdo, um significado ao signo com o qual mantém uma relação estrutural de solidariedade; • resulta de uma associação automática entre o signo e sua C.C.P., bastando uma simples evocação desse signo. Biderman (2001, p. 115), por sua vez, diz que o sistema léxico é o conjunto de toda a experiência vivida em sociedade. Os membros que fazem parte dela têm o poder de fazê-lo perpetuar ou de fazê-lo desaparecer do repertório da comunidade. E acrescenta: [...] todo sistema linguístico manifesta, tanto no léxico como na sua gramática, uma classificação e uma ordenação dos dados da realidade que são típicas dessa língua e dessa cultura com que ela conjuga. Ou ainda: cada língua traduz o mundo e a realidade social segundo o seu próprio modelo, refletindo uma cosmovisão que lhe é própria, expressa nas suas categorias gramaticais e léxicas (BIDERMAN, 2001, p. 115). Carvalho (2001, p. 98) também sustenta a ideia do saber partilhado e diz que: O jogo é sempre o mesmo: no momento da comunicação, entender um signo é construir uma linha de demarcação entre os que compartilham o sentido evocado e os que ficam excluídos. O implícito (cultural) desempenha um papel decisivo, impondo uma fronteira eficaz e discreta entre os que compreendem e os que não compreendem o sentido total da mensagem. Decorrente dessa confluência do que entendemos por léxico e por cultura, na próxima seção, estabeleceremos a relação entre léxico e gênero sexual masculino. Para tanto, será necessário definir o conceito de gênero no contexto em que pretendemos tratá-lo para, 40 posteriormente, traçar questões que envolvem características da linguagem que marcam a diferença entre homem e mulher na sociedade, principalmente, a brasileira. 1.5 Léxico e gênero masculino A presente seção tem como objetivo discorrer sobre os aspectos sexuais, culturais e linguísticos que envolvem as diferenças acerca dos gêneros homem e mulher. A partir de estudos teóricos sobre o assunto, pretendemos, ao final, perceber a existência de um conjunto lexical que visa a caracterizar o universo masculino e o feminino, bem como a distinguir um do outro. Esses pressupostos nos servirão como embasamento para podermos desenvolver a proposta de confeccionar nosso produto: o dicionário para redatores publicitários. A diferença entre homem e mulher remonta, segundo Castañeda (2006, p. 46) “desde os primórdios da espécie”, representada na divisão de trabalho que existia na pré- história, em que, com seu instrumento de caça, o homem caçava “tigres, bisontes e mastodontes” (CASTAÑEDA, 2006, p. 46), enquanto a mulher cuidava da casa e da amamentação de seus filhos. Bleichmar (2009, p. 75) admite que “A masculinidade é um complexo encaminhamento que atravessa o umbral crítico que se realiza, em muitas sociedades, sob a forma de provas que instituem não somente a comprovação, mas também fundamentalmente a aquisição da virilidade”.5 Com o passar do tempo, essa condição passou por múltiplos planos da existência humana. Saffioti (1987, p. 47) comenta que: “Um nível extremamente significativo deste fenômeno diz respeito ao poder político. Em termos muito simples, isto quer dizer que os homens tomam as grandes decisões que afetam a vida de um povo”. 5 La masculinidad es un complejo encaminamiento que atraviesa un umbral crítico que se realiza, em muchas sociedades, bajo la forma de pruebas que instituyen no solo la comprobación sino fundamentalmente la adquisición de la virilidad. 41 Aristóteles, com sua teoria hierárquica da diferença sexual natural (biológica e política), pleiteava o lugar que cabia aos homens e às mulheres nas cidades. Tomando como base a procriação, para o filósofo, “apenas o macho desempenha um papel ativo na geração, porque só ele fornece a semente, isto é, o princípio gerador, enquanto que a mulher fornece apenas a matéria do futuro embrião.” (AGACINSKI, 1999, p. 38). Com relação ao plano político, sua ideia não é muito diferente, pois a instituição familiar é baseada no homem como elemento dominante. Apesar da marca radical de seu pensamento, notamos o mérito de Aristóteles, pois começou a pensar que o lugar e o papel do homem e da mulher não eram categorizados naturalmente, mas institucionalmente, conforme as atribuições de cada um na subsistência e na descendência da família. Martins (2004), por sua vez, diz que, antes do século XVIII, a noção da perfeição entre homens e mulheres estava relacionada ao calor. No ápice, estava o homem e sua característica era a natureza quente e seca. Abaixo, a mulher, com sua natureza fria e úmida. O autor diz que, em meados do século XVIII, houve uma preocupação em definir especificamente qual era o sexo verdadeiro de cada pessoa e a diferença dos corpos determinavam o ser homem e o ser mulher. Esta passou a ter o conceito de feminilidade, já que era considerada de fragilidade física, beleza e delicadeza nos esqueletos com crânios pequenos, ossos mais finos e pélvis bem largas com referência à maternidade. Essa última constatação corrobora com Castañeda (2006, p. 153), a qual considera que, “desde os primórdios do século XIX, os homens têm considerado que as mulheres são sensíveis e frágeis demais para aguentar, e muito menos para resolver, os problemas da vida”. Um marco na concepção de se pensar a diferença entre homem e mulher foi o estudo de Simone de Beauvoir no início do século XX. A publicação de suas ideias evidenciou que masculinidade e feminilidade não tinham um caráter de natureza autoevidente (CHÁNETON, 2009). A autora representou uma real perspectiva de libertação da mulher, 42 principalmente no que diz respeito ao plano econômico. Sua obra apresentava “uma maneira franca e crua de falar da vida sexual e de suas relações com a vida social” (AGACINSKI, 1999, p. 56) e sua visão libertou gerações de mulheres. No entanto, Agacinski (1999) assume uma posição que considera importante tomar com relação à teoria da filósofa e propõe um rompimento com sua interpretação, pois Beauvoir considerava que a mulher somente se desvencilharia de seu destino subalterno assumindo, da mesma forma que o homem, sua liberdade. Isso significava pretender a atenuação das diferenças de condição com o fim das diferenças da natureza. O ciclo, entretanto, continuava o mesmo, já que, para ela, “o corpo feminino é constantemente descrito como um fardo de carne que aprisiona a mulher na passividade erótica ou na gestação e que faz dela um objeto, instrumento do desejo e da atividade masculinos”. (AGACINSKI, 1999, p. 57). Anos mais tarde, nas décadas de 1960 e 1970, a cultura ocidental deu mostras do desconforto causado pelo autoritarismo e procurou buscar caminhos para formas de relação mais igualitárias. Mudou, dessa forma, a definição mesma da feminilidade, assim como os papéis tradicionais associados a ela. Desde essa época, as questões relacionadas aos estudos sobre a mulher tentaram explicar por que e como as mulheres aprendem a expressar sua feminilidade de diferentes maneiras. Nessa dimensão, os trabalhos desenvolvidos sobre o gênero, como categoria de análise, trouxeram uma contribuição significativa para o conhecimento humano, pois começou a considerar que a ênfase não deveria ser mais aplicada ao determinismo biológico, mas à importância da perspectiva de relação entre os sexos, destacando o caráter social e cultural das diferenciações presentes na divisão sexual. Korin (2001) acrescenta que a questão da definição de gênero é influenciada por vários motivos, tais como raça, etnia, classe social, preferência sexual, momentos históricos e a qual região se pertence. Gomes R. (2008), com 43 relação à definição de gênero, refere-se a papéis socialmente construídos e a definições e expectativas – consideradas apropriadas por uma sociedade – para o ser homem e o ser mulher. Dessa forma, o que nos parece é que os postulados dos estudos de gênero estabelecem que a diferença entre homens e mulheres marca uma bipartição por signos culturais que articulam uma diversidade que não atravessa, necessariamente, o campo da diferença anatômica, mas incide no modo como cada ser estabelecerá sua permanência em um ou outro gênero (BLEICHMAR, 2009, p. 95). O ato de escolher ser homem ou mulher é algo difícil se considerarmos que a divisão de sexos é sempre “simultaneamente natural e cultural, real e simbólica, biológica e psíquica. Para cada existência singular ela permite que se esbocem figuras complexas e contradições. No entanto, não se pode sair da dicotomia primeira e das dualidades que ela engendra” (AGACINSKI, 1999, p. 24). Por fim, existe uma tendência em considerar que “a associação Homem-masculino e Mulher-feminino, entretanto, se faz, quase diretamente, por questões biológicas e culturais, compondo o imaginário coletivo” (GHILARDI-LUCENA, 2008, p. 20). Castañeda (2006, p. 69) acrescenta que: O significado de ser homem, o significado de ser mulher, a masculinidade e a feminilidade constituem o gênero: algo que acrescenta ao sexo. Sexo e gênero nem sempre coincidem completamente: Pode haver muitas mulheres com traços considerados “masculinos” e homens com traços considerados “femininos”. Consequentemente há uma distinção entre ser homem e ser masculino. O primeiro é o sexo, proporcionado pela biologia; o segundo é o gênero, apreendido e transmitido de geração a geração dentro de um contexto familiar e social. Garboggini (2005) considera que, a partir de então, o homem deixou sua posição de macho dominante e começou a acompanhar a luta de alguns movimentos interessados em mudar conceitos arraigados na sociedade. No caso das características de gênero, muitas razões nos levam a supor que as novas formas de representação do homem no final do século XX e no início deste estão sendo decorrentes de variáveis importantes na sociedade, não apenas devidas às 44 lutas femininas pela igualdade de direitos, mas também por movimentos em prol dos direitos das minorias excluídas por questões de raça, credo ou preferência sexual ao longo das últimas décadas. A conscientização foi aumentando e, hoje, a sociedade ocidental começa a ser mais acessível a novas propostas em relação às apresentações de pessoas nas mais diversas formas de comportamento. (GARBOGGINI, 2005, p. 100) Assim, podemos perceber que nenhuma origem social dominante e, consequentemente, nenhuma cultura dominante pode incluir totalmente ou esgotar toda a prática humana. Isso implica considerarmos também que cada sociedade, em épocas distintas, também pode dar sua versão sobre a diferença universal entre os sexos. A única constante é o princípio da própria diferenciação que, com o tempo, vem sendo questionada sobre sua imutabilidade. Consideramos, dessa forma, que nem os homens e nem as mulheres são homogêneos, mas socialmente construídos e construtores. Por isso, o que os estudiosos estabelecem são algumas diferenças que acreditam ser evidentes em suas pesquisas para traçar um tipo de comportamento mais generalizado desses vários tipos de masculinidades e feminilidades. Partimos, pois, das constatações de Agacinski (1990, p. 20) de que “a diferença entre os sexos, sempre e em toda parte, adquiriu o sentido de uma hierarquia: o masculino é sempre superior ao feminino, quaisquer que sejam as aplicações dessas categorias”. Todavia, no que concerne à mulher e ao gênero, as imagens e os discursos produzidos em torno da feminilidade e da masculinidade ainda reforçam os estereótipos a respeito dos gêneros, estabelecendo lugares definidos para pessoas de ambos os sexos e dicotomizando o homem e a mulher. Trata-se, portanto, de reconhecer que o pensamento feminista lida com expressões científicas e ideológicas, marcadas pela historicidade e pelo conteúdo de representações discursivas, que se mostram difíceis de ser decodificadas e reelaboradas. (PRÁ, 2000, p. 151). Do mais, essas considerações são importantes para percebermos que “criar novos mitos é certamente importante, porém sabendo que estão destinados a ter vida curta e a ser suplantados mais adiante por outros mais, e assim sucessivamente” (ARRUDA, 1996, p. 210). 45 Castañeda (2006, p. 84), por exemplo, apresenta algumas considerações acerca dessa diferença e cita que os homens, geralmente, procuram conquistar para si mesmos uma posição dominante em qualquer interação, inclusive nas situações mais amistosas. Os temas a serem tratados e em quais contextos, inclusive, são ditados por eles. Nas relações amorosas, esse poder, até pouco tempo atrás, era incontestado. Acrescenta ainda que: “Atualmente, o discurso mudou, mas a realidade permanece mais ou menos a mesma. Os modelos de relação interpessoais não mudam por decreto, e em todas as interações humanas continua a existir uma dinâmica de poder, muitas vezes encoberta” (CASTAÑEDA, 2006, p. 85). Ainda considera que tanto no mundo industrializado como na maior parte do mundo em desenvolvimento, os homens continuam a ser os principais provedores da renda familiar, o que corrobora com Saffiotti (1987). A base do machismo nas finanças familiares, segundo Castañeda (2006), continua a ser o fato de que os homens ganham para trabalhar fora de casa, mas as mulheres não ganham para trabalhar dentro dela e que “a responsabilidade última pela casa e pelos filhos é imputada ao elemento feminino. Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço doméstico à mulher” (SAFFIOTTI, p. 9). Lipovetski (2000, p. 100) comenta que: “O feminino permanece ancorado, principalmente, na valorização estética do corpo. O masculino apoia-se na posição social, no dinheiro, na notoriedade, etc.” De acordo com Gomes R. (2008, p. 77), “em algumas sociedades, sucesso, poder e força costumam ser tidos como características específicas da masculinidade” e “o poder é um dos núcleos centrais dessa masculinidade que, por conseguinte, estrutura a ideia de que o masculino é superior ao feminino” (GOMES R., 2008, p. 82). O programa de Síntese de Indicadores Sociais (SIS), 2010, que procura fazer uma análise das condições de vida no país, tendo como principal fonte de informações a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 2009, produziu um relatório em que se conclui 46 que, mesmo mais escolarizadas que os homens, as mulheres têm um rendimento salarial médio inferior. Agrava-se ainda mais a situação quando os dois têm 12 anos ou mais de estudo (nesse caso, o rendimento delas é 58% do deles). As mulheres trabalham em média menos horas semanais (36,5) que os homens (43,9), mas, em compensação, mesmo ocupadas fora de casa, ainda são as principais responsáveis pelos afazeres domésticos, dedicando em média 22 horas por semana a essas atividades contra 9,5 horas dos homens ocupados. Bruschini (2007) também realizou uma pesquisa importante sobre o trabalho feminino no período que vai desde a última década do século XX até 2005. Destacamos algumas análises feitas pela pesquisadora a qual partiu de dados censitários da época. Dos investigados, 68% responderam afirmativamente à pergunta sobre o cuidado com os afazeres domésticos. No entanto, ao desagregar as informações por sexo, ficaram evidentes as desigualdades de gênero, pois, enquanto quase 90% das mulheres responderam “sim” à pergunta, pouco menos de 45% dos homens deram resposta semelhante. O diferencial de gênero se apresentou também com clareza quando se examinou o tempo de dedicação aos afazeres domésticos, segundo o número médio de horas semanais. Pois, enquanto na população total este número foi de 21,9 horas, o das mulheres foi de cerca de 27 horas e o dos homens pouco mais de 10 horas. (BRUSCHINI, 2007, p. 544). Essas condições de diferença, no entanto, criaram a necessidade de se pensar também no gênero masculino e em suas debilidades. Dois aspectos são bastante significativos quando pensamos na sobrecarga de responsabilidades imputadas ao homem: a saúde e a educação. Com relação à primeira, para Saffiotti (1987), do ponto de vista biológico, o organismo feminino é muito mais diferenciado que o masculino, estando já provada sua maior resistência. Tanto assim é que as mulheres, estatisticamente falando, vivem mais que os homens. Em 2001, a expectativa de vida do homem era oito vezes menor em relação à mulher. “A esperança de vida feminina era de 73 e a masculina, de 65 anos”. (GOMES R., 2008, p. 35). Tomando como base a educação e sua relação com a mulher, “a expansão da escolaridade e o ingresso nas universidades viabilizaram o acesso delas a novas oportunidades 47 de trabalho.” (BRUSCHINI, 2007, p. 541). De fato, “Visíveis diferenças já notamos nos cargos de diretoria de empresas de serviço de saúde, educação, nos quais as mulheres ocupam significativos 75%.” (BRUSCHINI, 2007, p. 553). Se tomarmos como verdadeiro que o sistema linguístico de cada comunidade tem uma grande influência na vida social, pois é por meio dele que comunicamos nossas vontades e que o gênero é uma produção social (conforme verificamos acima), podemos inferir que os dois fenômenos são inseparáveis. Com relação à dimensão política desse processo, basta pensarmos que é o estatuto da linguagem concebido em termos de práticas sociais que permite pensar na questão histórica do poder e, assim, confirmar a tese a respeito do caráter constitutivo das diferenças de gênero. Isso significa pensar a concepção de gênero em que estão necessariamente incluídos os discursos e a cultura como bens simbólicos produzidos socialmente. Abstrair gênero e linguagem das práticas sociais, que produzem suas formas particulares em determinadas comunidades, obscurece e, às vezes, distorce os modos pelos quais se conectam e o modo como essas conexões estão implicadas em relações de poder, em conflitos sociais e na produção e reprodução de valores e projetos. (ECKERT; MCCONNELL-GINET, 2010, p. 94) Segundo Ostermann e Fontana (2010), Language and woman’s Place (1975), de Robin Lakoff, do ponto de vista histórico, representa o marco inicial dos estudos sobre linguagem e gênero social. As pesquisas produzidas pela sociolinguista, ainda hoje, são mencionadas em muitas obras que se detêm em tratar de análise dos estilos conversacionais de mulheres e homens interagindo. Consoante esse prenúncio, podemos então constatar que a linguagem também será um instrumento de diferença entre homens e mulheres. Jaggar e Bordo (1997, p. 47) dizem que: [...] o gênero é o modo pelo qual a consciência do ser e do conseqüente senso do próprio poder são mais imediatamente vivenciados. Ou, pelo menos, é o modo pelo qual muitas mulheres se tornam intuitivamernte conscientes de si mesmas. Se isso não ocorre no mesmo grau com os homens, é porque a experiência humana é 48 construída linguística, ideológica e socialmente, como masculina; ou seja, o sexo masculino, sem mencionar o pronome ele, é tomado como o representativo da “humanidade” e, portanto, a experiência de ser dos homens talvez seja simplesmente indissociável daquela do ser humano. Dessa forma, notamos, primeiramente, que os indivíduos que têm o sistema de gênero gramatical em sua língua podem utilizá-lo como recurso para construir, tanto sua identidade social como a de seus pares em uma comunicação. Gomes R. (2008) comenta que a própria expressão gênero (social) foi apropriada do campo de linguística. Coates (2009) argumenta que os gramáticos, no século XVIII, com suas obras prescritivas, priorizavam, como uso correto, o masculino sobre o feminino. Se tomarmos como dado histórico pertinente, podemos, então, perceber que essa ideia parece ser a precursora da norma que determina, em Português, por exemplo, o uso do pronome pessoal de terceira pessoa do plural “eles” como gênero gramatical neutro. Podemos, também, atentar para o fato de que essa escolha não tenha sido desinteressada: “aqueles que estabeleceram as regras, inevitavelmente, determinaram que o uso de sua preferência (independentemente dos motivos da escolha) fosse o ‘correto’”6 (COATES, 2009, p. 43). Retomando as considerações de Castañeda (2009) sobre as interações conversacionais, podemos aprofundar a questão dos atos de fala a partir do exemplo de Coulthard (2001, p. 13) o qual diz que: “A primeira ministra inglesa, Mrs. Thatcher, por exemplo, teve aulas para abaixar o tom de sua voz e para diminuir o ritmo de suas falas a fim de estar mais masculina e assim adquirir uma imagem mais positiva quando falando em público”. Coates (2009) admite, pautando-se em estudos sociolinguistas, que uma parte considerável das mulheres não tem o menor direito ao uso da palavra (seja qual for o tipo de conversa que se estabeleça). Quando o contrário acontece: As mulheres que obtêm sucesso em controlar as interações são ridicularizadas, e são levantadas dúvidas sobre o seu status de mulher. Elas são frequentemente 6 quienes establecieron las reglas, inevitablemente determinaron que el uso de su preferencia (independientemente de los motivos de su elección) fuera el “correcto”. 49 consideradas “anormais” – termos como (...)“dominadora”, “agressiva” e “bruxa” podem ser usados para identificá-las. Quando tentam controlar as situações temporariamente, as mulheres, muitas vezes “iniciam” uma briga. Livro de etiqueta contém instruções para as mulheres sobre como se fazer disponível.As mulheres que não se comportam bem são punidas por não gozarem de status feminino completo. A identidade masculina ou feminina é a identidade mais crucial: é a característica diferenciadora mais “natural” que existe. (FISHMAN, 2010, 46) Notamos, também, quando se produzem essas interações entre o mesmo sexo, que os estudos sugerem que as falas das mulheres tendem a ter um conteúdo mais cooperativo e entre os homens volta a questão da competitividade (COATES, 2009). Coulthard (2001), no capítulo destinado às formas de tratamento, estabelece três fatos interessantes com relação à hierarquia que se estabelece, no Brasil: uma no tocante à transmissão de nomes de geração a geração – “apesar de as mulheres brasileiras transmitirem a seus filhos um de seus sobrenomes, é o sobrenome do seu pai, no entanto, e não o de sua mãe, que é transmitido” COULTHARD (2001, p. 35); outra, quando faz referência ao pronome de tratamento “senhor”, o qual é geral para todos os homens e não indica estado civil, enquanto há a necessidade, para as mulheres, de separar com o estado civil em “senhora” ou “senhorita” e a terceira, relacionada à constância maior em que os homens são chamados pelos cargos que ocupam, tais como “chefe”, “diretor”, enquanto que, para o outro sexo, pelas suas relações, como “filha de”, “esposa de” ou “mãe de” (LEITÃO, 1981 apud COULTHARD, 2001, p. 34). Gomes R. (2008), em suas pesquisas, comenta que as oposições entre masculino e feminino, independente do nível de escolaridade, ficavam bem evidentes quando aquele utilizava um léxico oposto ao que julgava pertencer às mulheres para se autodefinir. Em entrevistas que realizou, a autora diz que foram recorrentes as expressões “bruto”, “forte”, “agressivo, “tem iniciativa sexual, “vive mais na rua” e “gosta de pular a cerca”. Em contrapartida, às mulheres foi atribuído um grupo de léxico, tais como “suave”, “sensível”, “doce”, sexualmente mais “passiva”, “fica mais em casa” e “se segura mais”. 50 A mulher promíscua, no inglês, por exemplo, tem um lugar de destaque no léxico. São 220 lexias para elas. Para os homens promíscuos, no entanto, o léxico não é tão vasto. Coulthard (2001) cita, no caso da Língua Portuguesa, os pares “falador/faladeira”, “vagabundo/vagabunda” e até “puto/puta. E acrescenta: “Obviamente há palavras derrogatórias para homens, mas geralmente se referem a homens homossexuais, ou homens que são “diminuídos socialmente por estarem ligados a mulheres infiéis e promíscuas.” (COULTHARD, 2001, p. 32). Dessa forma, observamos que: as mulheres experimentam a discriminação lingüística de duas maneiras: no modo como elas são ensinadas a usar a linguagem e no modo como o uso geral da linguagem as trata. Ambas tendem [...] a relegar as mulheres a certas funções subservientes: aquelas de objeto sexual, ou serviçal, e , portanto, certos itens lexicais têm um significado quando aplicados aos homens e outro às mulheres, constituindo uma diferença que não pode ser prevista, exceto com referência aos diferentes papéis que os sexos desempenham na sociedade. (LAKOFF, 2010, p. 14). Reproduzimos aqui a interessante proposição de Lakoff (2010) com relação ao uso do léxico das cores entre os dois sexos. A autora nos dá um exemplo de como um homem e uma mulher, observando uma mesma parede pintada de matiz rosado-púrpura, reagiriam. A mulher, por exemplo, se nomeasse a cor “malva” não causaria nenhuma estranheza às pessoas a sua volta. O homem, no entanto, nomeando-a dessa maneira, poderia nos dar dois tipos de interpretação: ou estaria ironizando o conceito feminino para a cor, ou seria considerado um homossexual ou decorador de interiores. No Brasil, por exemplo, existe uma concepção tradicional – e por que não cultural - de que o azul é uma cor característica do masculino, e o rosa, do feminino. É tradição, nos enxovais de recém-nascidos, que se utilizem cores de vestimentas específicas dependendo do sexo da criança. Apesar de a moda, com sua frequente exposição na mídia, estar mais acessível à população, e os homens, por influência das tendências, estarem adotando mais 51 cores em suas roupas, ainda está arraigado o costume de considerar que quem usa rosa é homossexual. Com relação aos adjetivos, Ghilardi (2006) afirma que existem alguns deles, em seu uso figurativo, específico do sexo feminino. Adjetivos neutros Adjetivos específicos para mulheres Legal Adorável Fantástico Encantador Joia Doce Bacana Lindo Divino Tabela 2: adjetivos neutros e adjetivos específicos para mulheres Podemos considerar, partindo desses pressupostos, que os redatores publicitários, em sua seleção léxica para compor seus textos, também se atentam para essas diferenças, tendo em vista o público-alvo que querem alcançar. É possível que a escolha do léxico ideal para suas construções determine o sucesso da campanha publicitária que estão desenvolvendo. Tomemos como base o seguinte anúncio: 52 Imagem 1: publicidade do xampu Clear Men, extraído da revista Veja, 2008 O jogador Cristiano Ronaldo é o protagonista de Clear, marca que desenvolveu um xampu especial para homens – Clear Men. O que notamos é que há dois itens lexicais relacionados ao poder geralmente dado ao homem, tais como “poder” e “fortificantes”. É o que, no segundo capítulo, veremos com maior profundidade. Ao analisarmos os aspectos concernentes à convergência entre léxico e gêneros sociais, pudemos constatar que a diferença sexual, sempre inscrita em uma cultura, só terá um significado completo quando inserida também nas relações efetivas entre homens e mulheres. É a capacidade que temos de aceitá-la como parte de nossa sociedade que, aliás, nos faz ousar pensá-la cientificamente. Agacinski (1999, p. 31) observa que: “Felizmente, sob o efeito da natureza e da arte, a diferença sempre retorna, de modo que no interior de comunidades que procuram realizar uma espécie de homogeneidade, a dualidade de traços, de caracteres, de comportamento reconstitui-se”. Foram os estudos dos grupos feministas da década de 60 que propiciaram um avanço nessas questões sexuais, históricas e sociais. Atualmente, podemos ver o reflexo dos 53 pensamentos dessas pesquisadoras redesenhando o modo de vida da mulher na sociedade e, como vimos, consequentemente, a do homem. A constatação disso é que não existe um ideal ou movimentos (a não ser dos mais radicais) que pregam a necessidade do desaparecimento da diferença de gêneros, com o intuito de uniformizar os indivíduos, pois somos conscientes de que seria uma “fantasia totalitária”. (AGANCINSKI, 1999, p. 31). O que parece, sim, é que há uma necessidade de que as tarefas possam ser compartilhadas igualmente por homens e mulheres. Do mais, consideramos adequada a consideração de Arruda (1996, p. 209), no tocante à contribuição que o movimento feminista trouxe à construção científica, afirmando que ela, nos nossos dias, “merece ser acompanhada pela prudência e pelo debate com outras experiências”, já que, se, por um lado notamos conquistas do gênero feminino em várias áreas do conhecimento, como, por exemplo, no campo da saúde e do judiciário (WERBA, 2000), por outro, verificamos que as relações de dominação do gênero masculino ainda é uma constante em nossa sociedade. Acreditamos, por conseguinte, que o léxico acompanhará essa tendência, pois, como já afirmamos, ele tende a refletir os comportamentos sociais. Essa constatação, assim, norteará o desenvolvimento de nosso trabalho. 54 55 Pretendemos, neste capítulo, realizar um estudo sobre a importância da publicidade como produtora de significados, especialmente aqueles relacionados aos aspectos linguísticos e, em consequência, à seleção lexical para representar um determinado público- alvo. Para tanto, em 2.1 consideramos pertinente apontar a complexidade dos elementos comunicacionais que constituem o fazer publicitário para demonstrar que ele objetiva muito mais do que vender marcas, produtos e serviços. Sua produção, portanto, está carregada de significações sociais e culturais. A partir disso, em 2.2 estabelecemos a relação entre publicidade, léxico e cultura. Em 2.3, estudamos, historicamente, a construção dos textos publicitários escritos nas publicidades brasileiras. Em 2.4, tendo em vista nosso entendimento de que os aspectos culturais revelam crenças e identidades por meio das unidades lexicais, procuramos demonstrar como as produções escritas na publicidade representam as relações entre os gêneros masculino e feminino, com ênfase no primeiro. 2.1 A comunicação teórica e ideológica da publicidade A necessidade de viver em grupo possibilitou o desenvolvimento da comunicação do ser humano. Na medida em que o homem começou a expressar suas ideias e sentimentos por meio de linguagens, iniciou um processo de aprimoramento na maneira de transmitir, registrar e acumular as informações que lhe permitiam fazer parte de uma sociedade e, em parceria com seus semelhantes, produzir conhecimento. Dessa forma, vimos passar (e ainda presenciamos) períodos de efervescente produção de diversas linguagens, que fazem a comunicação alcançar, constantemente, expressiva mudança nos hábitos e costumes sociais. A construção de mecanismos econômicos que tornou possível a globalização também foi um marco na história da humanidade. Do isolamento inicial das comunidades internacionais, que provocou em nós a curiosidade de saber o que outras pessoas pensavam, 56 produziam e comunicavam, passamos a interagir, concomitantemente, com o outro. Em frações de segundos, podemos conhecer países, culturas e mercados. Nesse processo de estreitamento de relações, os canais de comunicação têm um papel decisivo. Desde a criação e circulação do jornal, como veículo de comunicação de massa, passamos a viver na esteira do desenvolvimento tecnológico: do rádio AM ao digital, da televisão branco e preto à digital e todos esses aparatos, inclusive os telefones móveis, convergindo na Internet. Constatamos, assim, que a comunicação é composta, portanto, de uma troca de informações constantes entre os indivíduos. Segundo Jakobson (1991, p. 20): “[...] vemos quantas coisas novas podemos descobrir ao analisar esse problema fundamental do emissor e do receptor.” Para o linguista, para que seja efetivamente realizado: Um processo de comunicação normal opera com um codificador e um decodificador. O decodificador recebe uma mensagem. Conhece o código. A mensagem é nova para ele e, por via do código, ele a interpreta. No compreender essa operação, a Psicologia nos pode dar um grande auxílio. (JAKOBSON, 1991, p. 23). Teríamos, dessa forma, o seguinte esquema: CONTEXTO MENSAGEM REMETENTE ........................ DESTINATÁRIO CONTATO CÓDIGO Quadro 1: elementos do processo de comuni