UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA CÁSSIA APARECIDA MAGNA OLIVEIRA ALUNO COM DEFICIÊNCIA EM GRÊMIO ESTUDANTIL: UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO VISANDO A SUA PARTICIPAÇÃO Bauru 2019 CÁSSIA APARECIDA MAGNA OLIVEIRA ALUNO COM DEFICIÊNCIA EM GRÊMIO ESTUDANTIL: UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO VISANDO A SUA PARTICIPAÇÃO Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”–Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós- Graduação em Docência para a Educação Básica, sob a orientação da profª. Drª. Vera Lucia Messias Fialho Capellini e co-orientação da profª. Drª. Flávia da Silva Ferreira Asbahr. Bauru 2019 Oliveira, Cássia Aparecida Magna. Aluno com deficiência em grêmio estudantil: um programa de formação visando a sua participação / Cássia Aparecida Magna Oliveira, 2019 148 f. : il. Orientadora: Vera Lucia Messias Fialho Capellini Coorientadora: Flávia da Silva Ferreira Asbahr Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências, Bauru, 2019 1. Deficiência. 2. TEA. 3. Grêmio Estudantil. 4. Participação. 5. Ensino. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho De forma especial ao meu marido, Robson, que representa muito em minha vida e à minha filha, Victória, que é um ser único na sua forma tão justa de ver o mundo. Eles foram as pérolas de que eu precisava. Aos meus pais (em memória), pois sei do orgulho que teriam em viver este momento junto comigo. A vida não lhes proporcionou prosseguir na escola e no sonho de ser médico e professora de música, ainda assim, a educação foi para eles a bandeira na criação dos seus 3 filhos. Eterna gratidão! À minha sobrinha Lorena (em memória), que sempre partilhava sobre pesquisas comigo. Com seu sorriso delicado e jeito leve de ver a vida, sempre me dizia, toda vez que conversávamos sobre alguma dificuldade: “ -Vai dar tudo certo tia!” AGRADECIMENTOS Sem palavras para agradecer...Ainda assim, é preciso! Primeiramente agradeço a Deus, que me permitiu trilhar o caminho de um sonho: o mestrado. Agradeço também do fundo do meu coração a duas pessoas que no dia a dia foram meus maiores alicerces: meu marido, Robson, que a todo momento me incentivou com palavras sábias, amorosas e incentivadoras. Só eu sei o quanto foram valiosas suas palavras. Em meio à toda correria, lá estava ele sempre junto e compreendendo a minha falta de atenção, o meu silêncio, pois precisava organizar meu pensamento. E à minha filha, Victória, que não deixou faltarem abraços em minha cadeira de trabalho, sendo minha companheira em muitas madrugadas. A cada palavra e abraço dos dois, uma dose de ânimo. Obrigada, meus queridos! Aos meus irmãos, duas pessoas incríveis, que constantemente me apoiaram nesta jornada junto com suas famílias. À minha grande amiga Paula Gladenucci, companheira de trabalho e do mestrado. Nossos momentos de trocas de angústias e de felicidades foram intensos e aqui chegamos. Aos bibliotecários Breno Otoni (UNESP/Bauru) e Daniele Silva Pinheiro Wellichan, pelas orientações sobre as plataformas. Ambos mostraram que o papel deste profissional está muito além das fronteiras de uma biblioteca. À minha coordenadora, Maria Luiza (Malu), que também me incentivou a buscar o mestrado. À Kátia Fonseca e Gislaine Menino-Mencia, o meu carinho, pois deram o seu tempo para me ouvir e sanar minhas dúvidas. Às minhas queridas amigas Jéssica Sena e Luziene Ferreira, que sempre me enviaram mensagens de força e carinho. Ao laboratório de desenvolvimento de pesquisas e produtos educacionais (LADEPPE), da Unesp/ Bauru, por seus responsáveis e colaboradores graduandos dos cursos de Design, bacharelado em Ciência da Computação e outros correlatos, em especial à Karina, o meu muito obrigada pela elaboração de toda a diagramação do material didático, produzido a partir desta dissertação. Com certeza, essa foi uma inovação para contribuir na Pós-graduação da Docência para Educação Básica a partir de 2018. Um muito obrigada também à equipe da Secretaria Municipal de Educação, em especial aos profissionais das duas escolas (diretores, tutores, professores, cuidadores) em que minha pesquisa foi realizada. Sem dizer nomes, digo que sem eles não seria possível realizar esta pesquisa. E, sem jamais esquecer, agradeço aos alunos. Em particular aos alunos com deficiência que foram o motivo desta pesquisa. Estes me fizeram aprender algo muito importante: “Se quiser minhas respostas, faça as perguntas de um jeito que eu possa te responder, tenha as ferramentas que possibilitem as minhas respostas. Com eles aprendi a acreditar ainda mais na capacidade de toda pessoa em mudar o mundo que a rodeia”. De forma singular e com imensa gratidão, também deixo meus agradecimentos à minha orientadora, Drª Vera Lucia Messias Fialho Capellini (Verinha Capellini), que me impulsionou com suas palavras e orientações. Ensinando e acreditando muito, me fez olhar para frente e prosseguir, oportunizando novos horizontes que extrapolaram o fazer da dissertação, contribuindo de forma ímpar para meus conhecimentos na área da Educação inclusiva e Educação especial. Obrigada por acreditar e compartilhar comigo tanto saber. E à minha co-orientadora, Drª Flávia da Silva Ferreira Asbahr, que me mostrou um caminho em que a democracia é possível e necessária, ao oportunizar minha participação nos grêmios estudantis. A cada fala, um ensinamento; a cada reflexão, um crescimento. Sua leveza ao tratar projetos tão intensos me ensinou a ter um olhar para além das aparências, mergulhando na essência de todo conhecimento. Com vocês duas aprendi a aprimorar meu olhar para todos e a construir com todos! Ainda, os meus agradecimentos às professoras Drª Eliana Marques Zanata e Drª Ivete Baraldi, que aceitaram gentilmente ser suplentes da banca do meu mestrado. E, por fim, com muito respeito e honra, deixo um profundo agradecimento à professora Drª Rosângela Gavioli Prieto e a professora Drª Neusa Maria Dal Ri, por terem sido os membros titulares em minha banca de mestrado, contribuindo de forma ímpar para meu crescimento e para a qualidade da minha dissertação. Obrigada por doarem o seu tempo e dividirem comigo seu precioso conhecimento. “Tudo o que acontece no mundo, seja no meu país, na minha cidade ou no meu bairro, acontece comigo. Então, eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida.” Herbert de Souza (Betinho) OLIVEIRA, Cássia Aparecida Magna. Aluno com deficiência em grêmio estudantil: um programa de formação visando sua participação. 2019.148 f. Dissertação (Mestrado em Docência na Educação Básica), Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru - SP, 2019. RESUMO O presente estudo refere-se à formação do aluno com deficiência visando à sua participação no grêmio estudantil, o que representa um desafio à escola, quando se pensa uma educação na perspectiva Inclusiva e de Gestão Democrática. Nesse sentido os objetivos deste estudo foram: analisar o efeito de um programa de formação com atividades didático-pedagógicas no desenvolvimento da autonomia e da participação no grêmio estudantil e, de forma específica, mapear a participação de alunos com deficiência nos grêmios estudantis das escolas de uma Secretaria Municipal de Educação, em uma cidade do interior de São Paulo; identificar esses alunos em turmas de quarto ano do ensino fundamental I; analisar a participação deles nas atividades didático-pedagógicas sobre grêmios; descrever sua participação no grêmio estudantil, verificar os indicativos de participação nas atividades, na concepção dos alunos com deficiência; e elaborar uma cartilha digital com atividades didático-pedagógicas para estimular a participação desses alunos no grêmio estudantil. O percurso metodológico foi realizado por meio de uma pesquisa de cunho qualitativo e delineamento a partir da pesquisa-intervenção, que contou com seis fases para sua construção. A primeira fase caracterizou-se pelo mapeamento nas escolas, por meio de análise de materiais e com questionários sobre a existência de alunos público-alvo da educação especial (PAEE) no grêmio estudantil, entre 2013 e 2017. A segunda pautou-se em identificar em quais escolas estavam os alunos com deficiência, especificamente em salas de 4º ano. A terceira foi caracterizada pelo programa de formação de alunos do 4º ano, a partir de atividades didático-pedagógicas. A quarta pautou-se na participação do aluno no grêmio estudantil eleito em uma das escolas pesquisadas. A quinta centrou-se no levantamento da concepção do aluno com deficiência, em relação à sua participação tanto no programa de formação quanto no grupo do grêmio. E por fim, na sexta fase foi elaborada uma cartilha com atividades didático-pedagógicas para a sala de aula e nos grêmios. Os principais resultados demonstraram que, no período entre 2013 e 2017, ocorreram grêmios nas escolas da Secretaria Municipal de Educação, porém, sem a participação do aluno PAEE. O programa de formação possibilitou evidenciar vários episódios de participação dos alunos tanto em sala de aula, quanto no grêmio em escolas, em que alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) fizeram parte. Ainda foi possível verificar, na concepção dos alunos, o reconhecimento da sua própria participação. As conclusões deste estudo apontam que a escola ainda precisa avançar muito na democratização das relações escolares, transcendendo a ideia de concessão para uma prática democrática, em que se legitima o direito de participação de todos, incluindo o aluno PAEE. Outra constatação foi que o programa de formação com atividades didático-pedagógicas contribui para a participação dos alunos e possibilita a eles maior autonomia. Visto que há escassez na literatura sobre a temática e que este estudo é um dos primeiros a ser realizados e outras pesquisas seriam necessárias a fim de aprofundar o tema e ainda pensar em novas questões a partir do seu desdobramento. Palavras-chave: Deficiência. TEA. Grêmio estudantil. Participação. Ensino. OLIVEIRA, Cássia Aparecida Magna. Disabled student in student council: a training program aiming their participation. 2019. 148 f. Dissertation (Master's in Teaching Basic Education), Faculty of Sciences, UNESP, Bauru - SP, 2019. ABSTRACT The present study refers to deals with the education of students with disabilities, aiming at their participation in the student council, which represents a challenge to the school, when one thinks an education in a perspective of Inclusive Education and Democratic management. In this sense the objectives of this study were: analyze the effect of a training program with didactic- pedagogical activities in the development of autonomy and participation in the student council and in a specific; to map the participation of students with disabilities in the school student council of a Municipal Education System in a country town of São Paulo; to identify these students in fourth year classes of elementary school I; to analyze their participation in didactic- pedagogical activities; to describe their participation in the student council; to verify the indicatives of participation in the activities, in the conception of students with disabilities and to elaborate a digital booklet with didactic-pedagogical activities to stimulate the participation of these students in the student council.The methodological course was carried out through a qualitative research and design from the intervention research, which had 6 phases for its construction. The first phase was characterized by mapping in schools, through material analysis and questionnaires on the existence of target public students of special education (PAEE) in the student council, between 2013 and 2017. The second phase was to identify in which are schools were students with disabilities, specifically in fourth grade rooms. The third was characterized by the 4th year student training program, based on didactic-pedagogical activities. The fourth one was based on student participation in the elected student council at one of the schools surveyed. The fifth focused on the conception of the student with disabilities, in relation to their participation in both training program and student council group. Finally, in the sixth phase, a booklet was developed with didactic-pedagogical activities for the classroom and in the school council. The main results demonstrated that in the period of 2013 and 2017, there were student councils, however, without the participation of the student PAEE. The training program made it possible to highlight several episodes of student participation both in the classroom and in of the schools where students with autism spectrum disorder (ASD) took part of it. Besides, it was possible to verify in the students' conception, the recognition of their own participation. The conclusions of this study indicated that the school still needs to advance much in the democratization of school relations, transcending the idea of granting a democratic practice in which legitimises the right to participate of all, including the student PAEE. Another observation is that a training program with didactic-pedagogical activities, contributes to the participation of the students and allows a greater autonomy. Due to the scarcity in the literature on the subject and since this study is one of the first to be carried out and further research would be required to deepen the theme and certainly think about new issues from its outcome. Keywords: Disability. ASD. Student council. Participation. Education. LISTA DE SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado APM Associação de pais e mestres Anped Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BNCC Base Nacional Comum Curricular CA Comunicação Alternativa CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética Capes Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPS-AD Centro de Atenção Psicossocial Adulto CAPS-I Centro de Atenção Psicossocial Infantil CCE Centro Cívico Escolar CMDCA Conselhos Municipais das Crianças e Adolescentes e pelo setores CNE Conselho Nacional de Educação CNB Câmara de Educação Básica CP Curso de Pedagogia CRAS Centro de Referência da Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social DB Decibéis DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ECA Estatuto da Criança e do Adolescente Emef Escola Municipal de Ensino Fundamental EX Extensionista ES Estagiário EP Episódio FC Faculdade de Ciências Feneis Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos GT Grupo de Trabalho HQs Histórias em quadrinhos HZ Hertz IES Instituição de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de estudos e Pesquisas Educacionais JEC Juventude Estudantil Católica LBI Lei Brasileira de Inclusão LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Libras Língua Brasileira de Sinais PAEE Público-Alvo da Educação Especial PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNEE-EI Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva QI Quociente Intelectual PESF Projeto Educação sem Fronteiras PNE Plano Nacional de Educação PR Paraná RJ Rio de Janeiro RS Rio Grande do Sul SEE Secretaria Estadual de Educação Sorri Sociedade de Reabilitação e Reintegração do Incapacitado TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEA Transtorno do Espectro Autista TGD Transtorno Global do Desenvolvimento UE Unidade Escolar UBES União Brasileira dos Estudantes Secundaristas UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFSM Universidade Federal de Santa Maria UJE União dos jovens Estudantes do Brasil UNE União Nacional dos Estudantes USP Universidade de São Paulo LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Levantamento de periódicos na Capes ................................................................... 40 Quadro 2 - Levantamento de trabalhos no Google Scholar ..................................................... 41 Quadro 3 - Síntese anual do projeto “Formação de grêmios estudantis nas escolas municipais” .............................................................................................................................. 52 Quadro 4 - Caracterização dos alunos da pesquisa em 2017 .................................................... 54 Quadro 5 - Percurso metodológico .......................................................................................... 56 Quadro 6 - Materiais na plataforma Google - SEM atividades didático-pedagógicas. ............ 61 Quadro 7 - Materiais na plataforma Google - COM atividades didático-pedagógicas ............ 63 Quadro 8 - Material didático encontrado na plataforma Google entre fim de 2017 e 2018 .... 67 Quadro 9 - Levantamento de descritores nos Projetos Político-Pedagógicos- PPPs das 16 unidades escolares .................................................................................................................... 72 Quadro 10 - Levantamento dos descritores no regimento escolar ............................................ 76 Quadro 11 - Síntese do programa de formação em módulos. .................................................. 84 Quadro 12 - 1º Roteiro de atividades do programa de formação. ............................................ 87 Quadro 13 - 2º Roteiro de atividades do programa de formação ............................................. 91 Quadro 14 - 3º Roteiro de atividades do programa de formação ............................................. 93 Quadro 15 - 4º Roteiro de atividades do programa de formação ............................................. 97 Quadro 16 - Frases escritas pelos alunos da UE-I .................................................................... 98 Quadro 17 - Frases escritas pelos alunos da UE-II ................................................................. 100 Quadro 18 - 5º Roteiro de atividades do programa de formação ........................................... 101 Quadro 19 - 6º Roteiro de atividades do programa de formação ........................................... 103 Quadro 20 - 7º Roteiro de atividades do programa de formação ........................................... 105 Quadro 21 - Propostas do grupo do grêmio estudantil da UE-I ............................................. 110 Quadro 22 - Indicativos da participação do aluno1 no programa de formação ...................... 113 Quadro 23 - Indicativos da participação do aluno 2 no programa de formação ..................... 115 Quadro 24 - Questionário respondido pelo aluno 1 sobre indicativos de sua participação .... 118 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Início de trabalho dos profissionais na unidades escolares...................................79 Tabela 2 - Existência de grêmio estudantil nas escolas com participação do aluno PAEE...80 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Trabalho do grupo do aluno 2 no encontro 3 ........................................................... 96 Figura 2 - Trabalho do grupo do aluno 2 no encontro 7 ......................................................... 107 Figura 3 - Retorno do banco no pátio pela escola ................................................................. 116 Figura 4 - Tríade no programa de formação .......................................................................... 117 LISTA DE APÊNDICES Apêndice A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE ..................................... 141 Apêndice B - Termo de Assentimento Livre e Esclarecido - TALE ..................................... 142 Apêndice C - Questionário para direção escolar ................................................................... 144 Apêndice D - Questionário para Tutor .................................................................................. 145 Apêndice E - Questionário para Professor do AEE ............................................................... 146 Apêndice F - Questionário para aluno com deficiência ........................................................ 147 SUMÁRIO Introdução .............................................................................................................................. 16 Capítulo 1 Educação inclusiva e a gestão democrática ...................................................... 24 1.1 A perspectiva da Educação Inclusiva ................................................................................ 24 1.2 Gestão Democrática na escola ........................................................................................... 29 1.3 Educação inclusiva e a gestão democrática no espaço escolar: uma interface para a participação de todos ..................................................................................................... 33 Capítulo 2 A participação do aluno com deficiência no grêmio estudantil ....................... 36 2.1 Caracterizando o grêmio estudantil .................................................................................... 36 2.2 A participação das pessoas com deficiência no âmbito social e político ........................... 42 2.3 Ensinar e garantir a participação: um papel da escola ....................................................... 44 Capítulo 3 Percurso metodológico da pesquisa ................................................................... 49 3.1 Tipo da pesquisa ................................................................................................................. 49 3.2 Caracterização do ambiente escolar ................................................................................... 49 3.3 Caracterização do público pesquisado ................................................................................ 53 3.4 Materiais e documentos ...................................................................................................... 55 3.5 Procedimentos de coleta de dados ...................................................................................... 56 3.6 Procedimentos de análise de dados .................................................................................... 68 3.7 Procedimentos éticos .......................................................................................................... 69 Capítulo 4 Compartilhando e discutindo a experiência vivida em busca de evidências da participação do aluno com deficiência ................................................................................. 70 4.1 Mapeamento das escolas .................................................................................................... 70 4.1.1 Análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) ......................................................... 70 4.1.2 Análise do regimento escolar .......................................................................................... 76 4.1.3 Descrição das respostas dos questionários das escolas ................................................... 79 4.2 Programa de Formação em sala de aula ............................................................................. 81 4.2.1 Planejamento das atividades didático-pedagógicas ......................................................... 81 4.2.2 Observações e contato inicial com os alunos .................................................................. 85 4.2.3 Intervenção em sala de aula com atividades didático-pedagógicas ................................. 86 4.2.4 Avaliação do programa de formação com atividades didático-pedagógicas ................. 107 4.3 Intervenção com o aluno da UE-I no grêmio estudantil ................................................... 108 4.4 A concepção sobre a própria participação pelos alunos com deficiência ......................... 118 4.5 A cartilha como material didático e instrucional .............................................................. 119 Conclusões ............................................................................................................................. 122 Referências. ........................................................................................................................... 127 Apêndices...............................................................................................................................142 16 INTRODUÇÃO Inspiração para o estudo... Olhar para o outro e contribuir com ele sempre foram eixos desafiadores no meu caminho. Antes de escrever a apresentação do presente estudo, muitas formas de iniciar já haviam me passado pela cabeça. Resolvi começar pelo que sinto agora. Sinto que sou um ser que veio se constituindo a cada vivência na vida, desde muito pequena, e que chega hoje com o amadurecimento de uma educadora que tem como essência olhar para o outro. Desde pequena, sempre me preocupei muito com o próximo. Olhava as crianças, os idosos e as pessoas com deficiência e pensava em que poderia ajudar. Simplesmente gostava de ser útil. Lembro-me de duas situações ocorridas durante a minha infância que me marcaram muito. Primeiro, por volta dos meus oito anos, morando na cidade de Osvaldo Cruz, observava nas ruas um jovem com deficiência física se arrastando pela cidade, por muitos quarteirões. Recordo-me de sempre ficar olhando para ver aonde ele ia e se conseguiria chegar. E quando eu via que ele chegava ao seu destino ou pelo menos a algum lugar, sentia uma alegria no coração. Ainda que, enquanto criança, não soubesse traduzir meus sentimentos, me sentia feliz. Já na juventude, fui trabalhar em uma agência bancária e, após um tempo de trabalho, me deparei com um senhor que tinha deficiência física e que todos os meses vinha até a agência para sacar o valor de sua aposentadoria. Porém, eu sempre percebia sua dificuldade em ter acesso a seu direito, conquistado depois de tantos anos de trabalho. Ele ficava na frente do estabelecimento, enquanto aguardava que alguém fizesse toda a burocracia para retirar o seu dinheiro. Naquele momento a percepção das pessoas era que ele não conseguia entrar no prédio, portanto, precisava dos outros. O meu sentimento, diferente dos outros, era sempre de angústia. Em um determinado mês, pedi aos meus chefes permissão para ir até o senhor, levando a carimbeira para sua assinatura (com o dedo) e, assim, facilitar um pouco sua situação. Esse episódio me fez pensar na minha profissão, pois sentia que pela educação eu poderia mudar a concepção das pessoas. Na sequência, me desliguei do banco e fui fazer o curso de Pedagogia na Unesp de Marília. Uma das colegas de sala apresentava deficiência visual e me ensinou muito. Ela era vendedora de roupas e, a cada vez que mostrava as peças descrevendo-as e explicando como sabia identificar as cores, eu tinha mais certeza do que queria como profissão: ser educadora e trabalhar na área de pessoas com deficiência. 17 Como o curso de Pedagogia naquela época (década de 90) ofertava a parte geral e uma específica na formação, fiz a opção por Habilitação em deficiência da audiocomunicação. Formei-me em 1995, quando também iniciei um trabalho em uma escola que tinha um projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) junto à empresa Nestlé daquela cidade. Nessa escola havia um aluno surdo, que sinalizava e ao mesmo tempo emitia alguns sons. E eu havia terminado a graduação com uma abordagem totalmente oralista. Fui então procurar outras formas de comunicação para que pudesse ajudá-lo. Naquele momento somente foi possível a comunicação total, utilizando-se mímica, sinais, oralidade, apontamentos e outras formas de comunicação. Em 1997, vim para Bauru, onde assumi uma sala de Educação Especial na área da deficiência Auditiva; logo a mesma situação de Marília se repetiria. Os alunos não utilizavam somente a comunicação oral, conforme abordagem oralista, na qual me formei. Apresentavam toda forma de comunicação, mas com predominância de sinais. Então, junto a algumas profissionais, fui à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde conheci melhor a língua de sinais e seus benefícios, tendo tido contato com pessoas surdas que já dominavam os sinais. Um deles foi o professor e contador de histórias Nelson Pimenta, que ministrou um curso. Voltando a Bauru, comecei o primeiro curso de Libras no Centrinho, com o professor Ricardo Nakasato. Depois estudei em Campinas com a professora Regiane e, por fim, com a professora Priscila Gaspar, na Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – Feneis, em São Paulo. A partir desse momento, passei a trabalhar com a língua de sinais, que anos depois em, 2002, foi oficializada no Brasil, como a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). De 2001 a 2006, trabalhei na indústria como intérprete de Libras para funcionários surdos. De 2007 a 2010, atuei no centro de reabilitação da Sorri/Bauru, junto a pessoas com deficiência, na área de aprendizagem e encaminhamento ao mercado de trabalho, o que ampliou muito meus conhecimentos. No período de 2008 a 2010, iniciei alguns cursos de especialização com o objetivo de otimizar meu trabalho de reabilitação/clínica. Nesses dois anos passei por dois impactos indescritíveis: partiram desta vida aqueles que eu tanto amava: minha linda e querida mãe, que me acompanhava em tudo, e meu querido pai. Tal momento difícil me fez caminhar num outro ritmo. Ainda em 2009, concomitantemente à reabilitação, iniciei um novo trabalho - o ensino de Libras no Ensino Superior, na Faculdade Anhanguera, na qual estou até hoje. Em 2011, comecei o curso de especialização em Metodologia do Ensino Superior, e projetos de extensão no ensino fundamental 1. Em 2013, passei a fazer parte do Projeto 18 Educação sem Fronteiras (PESF), fruto de uma parceria entre Instituições de ensino superior (IES) e Secretaria Municipal de Educação (SME) de Bauru, tendo como uma das linhas de ações o “projeto dos grêmios”, coordenado pela professora Drª Flávia Asbahr. Nesse contexto, eu sempre me perguntava o motivo de não haver nos grêmios alunos com deficiência. Em 2014, resolvi fazer o mestrado, mas naquele ano, durante o processo seletivo para o mestrado, perdi a minha sobrinha/filha de 24 anos. Fiquei sem condição de me dedicar a uma nova empreitada. Somente em 2016 voltei a pensar no processo seletivo para o mestrado e tive o apoio de várias pessoas queridas. No caminho percorrido, meu interesse foi sempre por um estudo que pudesse me mover a trabalhar de forma a contribuir para a participação dos alunos com deficiência nas situações da escola. Com a aprovação, tive o prazer de ter a professora Drª Verinha Capellini como minha orientadora, que, com sua experiência ímpar na inclusão educacional, ajudou-me a preparar um projeto que envolvesse a Educação inclusiva e a Gestão Democrática com foco no aluno público-alvo da educação especial. E ainda convidou a professora Flávia Asbahr, já que eu fazia parte do “projeto dos grêmios”, sob sua coordenação, para que contribuísse na dissertação, na articulação da temática, como co-orientadora. E, assim, nessa seara de experiências pessoais e profissionais, dei início ao mestrado, buscando minimizar minhas inquietações sobre como olhar para o outro na sua essência e ao mesmo tempo para os seus direitos, em uma perspectiva científica. Contextualizando o estudo Nas últimas décadas, no Brasil, muito se tem discutido acerca de políticas públicas que envolvem a escola, sendo aqui destacadas a educação inclusiva e a gestão democrática. A primeira defende que a educação deve atender a todos os alunos indiscriminadamente, e a segunda prima por uma organização escolar que promova a participação de todos os integrantes na construção democrática da escola. As duas têm como premissa comum a ideia de que todos os envolvidos na escola e com a escola sejam sujeitos de direitos e partícipes do processo escolar. Nesse contexto, apontam-se, como grandes desafios da educação brasileira, uma organização do projeto pedagógico escolar, sobretudo no que tange à concepção sobre os diversos alunos, e práticas da gestão no processo educativo democrático. Para Omote (2008, p.27), “[...] a construção da educação inclusiva implica uma revisão radical de dogmas e reorganização das práticas educativas”. 19 No que se refere à Educação Inclusiva, o ambiente escolar, ainda que timidamente, tem buscado transformações, privilegiando um projeto educativo que promova o reconhecimento dos alunos como pessoas em desenvolvimento e que torne evidente por suas práticas o respeito às diferenças, levando em conta as singularidades humanas (PUJOLÁS, 2004), como características de representatividade da e na escola (SALAMANCA,1994; BRASIL, 2008a; BRASIL, 2015a). Assim, igualmente a Gestão Democrática no ambiente escolar tem sido defendida como forma de todos - gestores, professores, funcionários não docentes, pais, alunos e comunidade - atuarem com representatividade por meio dos colegiados, com o propósito de se alcançar um espaço mais democrático (ABDIAN et al., 2013; PARO, 2002; PUIG et al., 2000). Nessa perspectiva, um dos mecanismos para a representatividade direta dos alunos são os grêmios estudantis, previstos na Lei nº 7.398 (BRASIL, 1985), os quais fazem parte do tema deste trabalho (DAL RI, 2011; ZONTA et al., 2016). Frise-se que no grupo dos alunos incluem-se aqueles caracterizados como público-alvo da educação especial (PAEE) (BRASIL,2008a), que apresentam altas habilidades/superdotação (AH/SD), transtornos globais do desenvolvimento (TGD)1 e deficiência. Pela carência de identificação de altas habilidades/superdotação (AH/SD), alunos com tais características não foram contemplados, fazendo parte como sujeitos desta pesquisa somente os dois últimos. Neste estudo, optou-se pela expressão aluno com deficiência, que engloba Transtorno do Espectro Autista (TEA) e deficiência. De acordo com Bendinelli, Andrade, Prieto (2012), apesar de haver o reconhecimento do direito desses alunos à educação, ocorre uma grande distância entre a realidade escolar e as diretrizes da educação inclusiva. Defendemos uma escola inclusiva e mais acessível às suas necessidades educacionais, expressa nas dimensões arquitetônicas, atitudinais, administrativas e pedagógicas. Assim, são necessárias intervenções nas práticas escolares. Além disso, é preciso pensar na melhor forma de participação desses alunos, disponibilizando-lhes as condições necessárias, diferentemente do que a história da exclusão aponta: poucos participam das decisões da escola, inclusive no que tange às suas próprias necessidades (CAPELLINI, 2009; 2017). 1 Na categoria de Transtornos globais do desenvolvimento (TGD) (BRASIL, 2008ª ), a pesquisa refere-se às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), que passaram a ser consideradas pessoas com deficiência para aspectos legais a partir da aprovação da lei nº 12.764 (BRASIL, 2012), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 20 Essa situação foi por mim vivenciada nos últimos quatro anos. Via de regra, o aluno com deficiência não integra os grêmios estudantis. Ainda que ele possa contribuir nessas entidades, apenas os grupos escolhidos nas eleições decidem situações que lhe interessam diretamente, por exemplo a acessibilidade. Percebe-se que não há estímulo à sua participação, como ocorre com os demais. Talvez os motivos para isso estejam na herança histórica de exclusão, em que se prioriza, para representar o grupo, um padrão de indivíduo. Assim, não se promovem as ideias democráticas e cidadãs, e, por consequência, não se estimulam habilidades para o exercício da democracia e da cidadania. Nesse sentido, foi privilegiada, no presente estudo, a articulação entre a gestão democrática e a educação inclusiva, com a participação de todos os alunos, sendo o foco o grêmio estudantil, como um dos “instrumentos de articulação” no âmbito da gestão educacional. Para embasar o universo temático, o arcabouço teórico se compôs a partir dos marcos legais que tratam do direito à educação para todos, como a Constituição Federal (BRASIL,1988), a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional- LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL,1998), a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006b), a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015a) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2016). Em relação à educação inclusiva, foram referenciados Mendes (2006), Carneiro (2011), Omote (2012); Capellini (2009; 2017) e Martínez e Porter (2018). No que tange às políticas públicas voltadas para a inclusão educacional e às mudanças na realidade a partir delas, embasamo-nos em Prieto (2002). Já sobre os aspectos conceituais da gestão democrática e sua interface com a educação inclusiva, Tezani (2009) e Abdian e Oliveira (2014) foram os teóricos estudados. Este trabalho baseou-se também, no que remete à gestão democrática de forma mais crítica, em Paro (2011). Sobre a necessidade da participação para o desenvolvimento inclusivo da escola, foram utilizadas obras de Bordenave (1994), Benevides (1996), Puig (2000), Booth e Ainscow (2012) e Araújo (2015). Pistrak (2011) nos ajudou a pensar a auto-organização dos alunos e o sentido social a ser articulado pela escola. Para tratar do grêmio estudantil e do protagonismo dos alunos, foram pesquisados Poerner (1979), Dal Ri (2011) e Asbahr (2017). De forma mais específica, Suplino (2013) e Deliberato (2015) contribuíram no que pertine aos aspectos conceituais e de comunicação em relação aos alunos que apresentam o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ainda que não apareçam nessa síntese, outros teóricos também fizeram parte do universo de obras estudadas. Com efeito, o tema deste trabalho ganha relevância, pois na escola deveria ocorrer um movimento diferente daquele que vige na comunidade extraescolar, já que os parâmetros a ser 21 seguidos por aquela constam em diversos documentos, como a Declaração de Salamanca (UNESCO,1994), que preconiza a educação para todos. No Brasil, os documentos educacionais norteadores são a Constituição Federal (BRASIL,1988), a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional - LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL,1998), a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006b), a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015a) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2016), que defendem a participação no ambiente escolar como uma premissa da democracia, uma vez que os conceitos, no contexto democrático, são aprendidos e, para que isso aconteça, faz-se necessária a participação constante de todos. Sendo assim, a realidade da escola é uma base para o desenvolvimento de diversas atividades participativas, sendo o professor um mediador do processo. Nesse contexto, o presente trabalho parte da premissa de que participar da vida escolar é um direito de todos, cabendo à escola ensinar formas de participação. Nesse sentido surgem duas questões: Um programa de formação por meio de atividades didático-pedagógicas sobre o grêmio estudantil pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia e participação dos alunos com deficiência? Ocorre a participação desses alunos nesse processo? A hipótese aqui aventada é a de que a formação por meio das atividades didático- pedagógicas pode possibilitar vivências que contribuem para a participação dos alunos, incluindo aqueles que apresentam deficiência. Ademais, o exercício de participar da realidade escolar de forma mais crítica pode garantir a eles maior autonomia. Diante desses questionamentos e afirmações sobre a participação, este trabalho tem como objetivo geral analisar o efeito de um programa de formação com atividades didático- pedagógicas no desenvolvimento da autonomia e da participação no grêmio estudantil, para alunos que apresentam deficiência, em turmas do 4º ano do ensino fundamental 1. Os objetivos específicos são: mapear a participação de alunos com deficiência nos grêmios estudantis das escolas de uma Secretaria Municipal de Ensino de uma cidade do interior de São Paulo, por meio dos documentos escolares, entre 2013 e 2017; identificar alunos com deficiências em turmas de quarto ano do ensino fundamental I, junto à secretaria municipal de educação; analisar a participação de alunos com deficiência nas atividades didático- pedagógicas sobre grêmios, em turma do 4º ano do ensino fundamental 1; descrever a participação de alunos com deficiência na chapa do grêmio estudantil formado na escola; verificar os indicativos de participação nas atividades, na concepção dos alunos com deficiência e elaborar uma cartilha digital com atividades didático-pedagógicas para estimular a participação destes alunos no grêmio estudantil. 22 Neste estudo foi realizada pesquisa de cunho qualitativo, com método descritivo. Com caráter prático, tal pesquisa foi desenvolvida em seis fases, sendo a primeira nas dezesseis escolas do ensino fundamental, numa Secretaria Municipal de Educação de uma cidade do interior de São Paulo, com mapeamento das escolas e análise dos documentos escolares quanto à participação de alunos com deficiência nos grêmios estudantis entre 2013 e 2017. Após, na segunda fase, foram levantadas junto à mesma secretaria, no departamento de educação especial, por opção da pesquisadora, todas as salas de 4º ano em que houvesse alunos com deficiência. Em seguida, foram sorteadas duas escolas para a intervenção, usando-se o programa de formação. Tais escolas foram nomeadas unidade escolar I e unidade escolar II(UE-I e UE-II). Em ambas, foi escolhida a sala na qual a pesquisa seria desenvolvida, já que mais de uma sala contava com o público-alvo de nossa pesquisa. Na UE-I, a escolha foi randômica, na UE-II, a indicação foi feita pelos gestores da escola. Em ambas as salas, havia um aluno com deficiência, coincidentemente com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A partir da definição das salas do 4º ano, na terceira fase foi desenvolvido um programa de formação com todos os alunos, tendo como foco o aluno com deficiência, em que foram desenvolvidas atividades didático-pedagógicas sobre temas voltados para o grêmio estudantil. Com o término do programa de formação, na quarta fase foi proposta uma intervenção junto ao aluno com deficiência, sendo este um convidado, desde a formação das chapas às eleições até nos encontros do grupo do grêmio estudantil eleito. Somente o aluno da UE-I participou dessa fase. Por escolha da família, o aluno da UE-II não participou. Durante a intervenção com os alunos com deficiência, na quinta fase fez-se necessário um levantamento, junto aos alunos com deficiência, sobre sua percepção de participação nas atividades propostas nas fases anteriores. Por fim, na sexta fase, com base nos resultados de todo o percurso, foi elaborado material didático e instrucional2: uma cartilha que objetiva inspirar outras escolas a desenvolverem o 2 O material didático e instrucional elaborado é parte da exigência do programa de pós-graduação, conforme segue: De acordo com o Regulamento do Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica da UNESP (Resolução UNESP nº 37 de 29/5/2015) - válido para ingressantes até o ano de 2017.TÍTULO VIII -Da Dissertação e Produto: Artigo 19 – Para obtenção do título de Mestre, além das outras exigências estabelecidas neste Regulamento e no RGPG da UNESP, é obrigatória a apresentação de trabalho de conclusão final do curso, que deverá ser composto por duas produções. A primeira refere-se a uma discussão teórica sobre o produto desenvolvido pelo discente sob a forma de dissertação. A segunda refere-se ao produto desenvolvido e avaliado, o qual pode, entre outros, ter formatos tais como: produção de materiais didáticos e instrucionais (por exemplo: livros paradidáticos, softwares educacionais, produção e/ou avaliação de objetos de aprendizagem, e outros desde que não sejam apostilas), processos e técnicas de ensino; produção de programas de mídia, projeto de aplicação ou adequação tecnológica de protótipos para desenvolvimento ou produção de instrumentos, equipamentos e kits utilizados nos processos de ensino." https://www.fc.unesp.br/Home/ensino/pos-graduacao/programas/mestradoprofissionalemdocenciaparaaeducacaobasica/regulamento.pdf https://www.fc.unesp.br/Home/ensino/pos-graduacao/programas/mestradoprofissionalemdocenciaparaaeducacaobasica/regulamento.pdf 23 trabalho e a elaboração de materiais semelhantes. O material está organizado em duas partes: orientações sobre a formação do grêmio e atividades didático-pedagógicas com ênfase na participação do aluno público-alvo da educação especial (PAEE), no grêmio estudantil. A fim de mostrar todo o percurso, segmentou-se o presente trabalho como segue. Na introdução, foi contextualizado o tema, anunciado o referencial teórico, os objetivos e o percurso da pesquisa. Em seguida, no primeiro capítulo, trouxemos os conceitos de Educação Inclusiva e Gestão Democrática e a interface entre as duas perspectivas, nas quais a escola está embasada. No segundo capítulo, foi apresentado o grêmio estudantil, com base no percurso histórico e sua expressão por meio da lei, e uma revisão da literatura sobre a participação do aluno com deficiência no grêmio estudantil, bem como o retrato da participação das pessoas com deficiência no âmbito social e, ainda, o papel da escola frente ao ensino e garantia do exercício da participação. No terceiro, foi apresentado o percurso metodológico e, dentro dele, na sexta fase, foi apresentado um levantamento, realizado no início da pesquisa, de materiais didático-pedagógicos, como cartilhas e guias, que foram utilizados no programa de formação e na elaboração do material didático-instrucional. Já no quarto capítulo, foram compartilhadas as vivências de coleta da pesquisa e as discussões à luz da literatura em cada fase, a fim de evidenciar a participação do aluno PAEE. Depois, foi caracterizado o formato do material didático (a cartilha) e, por fim, surgem as conclusões sobre a realidade da participação dos alunos PAEE, demonstrando em que medida os objetivos foram atingidos, as possibilidades de participação frente às condições promovidas pela pesquisa e as proposições para novas questões de pesquisas. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2018. https://www.fc.unesp.br/Home/ensino/posgraduacao/programas/mestradoprofissionalemdocenciaparaaeducacaobasica/regulamento.pdf https://www.fc.unesp.br/Home/ensino/posgraduacao/programas/mestradoprofissionalemdocenciaparaaeducacaobasica/regulamento.pdf 24 CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA A educação escolar brasileira, nas últimas décadas, vem apresentando mudanças no que tange à ampliação e ao acesso, deixando de ser de alguns e tornando-se para todos os alunos. De acordo com Capellini (2009, 2017), nessa perspectiva, ela passa a atender estudantes com características heterogêneas, buscando respostas educacionais diferenciadas, a fim de contemplar a diversidade de seu público. Porém, ainda que a perspectiva seja de uma “educação para todos”, é preciso reconhecer as contradições quanto aos “[...] limites impostos aos sistemas educacionais para a constituição de uma escola aberta para todos [...]” (OLIVEIRA; PAPIM; PAIXÃO, 2018, p.13). Ainda nesse contexto, Oliveira, Papim e Paixão (2018) enfatizam que a escola tem o desafio de atingir a gestão democrática, a qual propõe a democratização das relações e a participação. Nesse contexto, neste capítulo, são tratados os conceitos de Educação Inclusiva e Gestão Democrática naquilo em que se diferenciam e no que têm em comum, culminando com a sua interface. 1.1 A perspectiva da Educação Inclusiva A Educação Inclusiva apresenta-se como uma perspectiva que reafirma o direito à aprendizagem para todos, sugerindo uma prática pedagógica que atenda as necessidades educacionais especiais de todos os alunos, conforme apontado na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). No Brasil, o direito à educação para todos tem amparo em diversos documentos legais. Na Constituição Federal (BRASIL,1988), artigo 206, inciso I, encontra-se um dos primeiros indícios da tentativa de garantir uma educação para todos. Tal inciso prevê a igualdade de condições no acesso e na permanência na escola, o que é reiterado na Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) (BRASIL,1996), na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2006b) e também na Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015a). 25 Ainda que o direito em tela seja reconhecido pelas normas citadas, as contradições sociais afetam sua garantia. Nesse sentido, buscamos verificar se essa perspectiva inclusiva de uma educação para todos tem se constituído. Ao se pensar na totalidade dos alunos, faz-se importante compreender que na escola estão postos o universo individual e o coletivo, o que exige práticas educativas que possibilitem a aprendizagem de forma equitativa (CARNEIRO, 2011; CAPELLINI, 2017). Em relação à participação de todos na escola, a educação inclusiva e a gestão democrática estão fortemente imbricadas e embasadas nas dimensões conceituais e de direitos, como pode ser visto na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-PEI) (BRASIL, 2008a, p. 1): A educação inclusiva constitui um paradigma fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis e supera o modelo de equidade formal, passando a incidir para eliminar as circunstâncias históricas da produção e exclusão dentro e fora da escola. Dessa forma, torna-se necessário construir um ambiente com todos os integrantes, como dissertam Leite e Martins (2012), ao mencionarem que a transformação da escola em um ambiente que favoreça um processo educacional inclusivo exigirá esforços de todos os profissionais que nela atuam. Assim, a educação inclusiva sobressai como uma política de educação para todos, reforçando uma visão heterogênea da escola atual (BRASIL, 2008a; PRIETO et al., 2013). O conceito aprofunda-se quando a educação inclusiva é vista não apenas como um movimento de acolhimento, mas também como atendimento aos direitos de todos, como escreve Dutra (2008, p.22): A educação como um direito de todos é o princípio constitucional que fundamenta [...] a implantação de políticas públicas que conduzam à superação dos valores educacionais subjacentes à estrutura excludente da escola tradicional, constituindo ações direcionadas às condições de acesso, participação e aprendizagem de todos os alunos nas escolas de ensino regular. Pujolás (2004) enfatiza que a escola inclusiva vem ao encontro do princípio de educação para todos, uma vez que o principal objetivo da escola é o desenvolvimento da potencialidade de cada um e de todos os alunos. Ainda sobre o conceito de Educação Inclusiva, Carvalho (2014, p. 99) aponta que a proposta inclusiva diz respeito a todos os alunos, acrescentando que: 26 Ao pensar na proposta de educação inclusiva, além de estendê-los a todos, sem exceções, cumpre lembrar que o processo educacional não se limita ao espaço escolar. Na escola ele se sistematiza no projeto curricular que inspira as práticas pedagógicas, com ênfase a ser desenvolvida em sala de aula. Dizendo de outra maneira, a proposta inclusiva diz respeito a famílias inclusivas, a escolas inclusivas e a uma sociedade inclusiva, capazes de acolher e reconhecer as diferenças individuais e oferecer respostas educativas que atendam aos interesses e necessidades de todos. Esse pensamento é parte de um movimento maior retratado na inclusão social, que busca, conforme esplicam Capellini e Rodrigues (2009, p.55), a “[...] construção de um processo bidirecional no qual as pessoas excluídas e a sociedade caminham em busca da equidade de oportunidades [...]”. Ainda sobre conceito em pauta , Oliveira, Papim e Paixão (2018, p.29) enfatizam que: Assim, uma educação inclusiva parte do pressuposto de que todos podem aprender em colaboração, visto que há uma valorização da diversidade, nesse processo, o qual não precisa ser normatizado para caber em um funil educacional, mas constituído de indivíduos de determinação múltipla e marcados pela história. Nesse sentido, a educação, na perspectiva Inclusiva de uma educação para todos, está longe de se consolidar. Corrobora isso Omote (2008) ao afirmar que “[...] a escola pública tem tido dificuldades crônicas para prover ensino de qualidade para todos os seus alunos”(p. 25). Carneiro (2011) da mesma forma reconhece que a escola brasileira vem massificando os alunos ao ignorar sua individualidade e o contexto social no qual estão inseridos. O desafio é imenso, já que se trata de uma transformação na concepção de cultura e reestruturação da escola que hoje está posta, na qual se homogeneízam os alunos e se promovem respostas ainda pouco efetivas às suas necessidades educativas, havendo distanciamento entre as políticas públicas e as práticas escolares (PRIETO, 2006; CAPELLINI, 2017; OLIVEIRA; PAPIM; PAIXÃO, 2018). Os antagonismos conceituais devem ser minimizados, o que pode começar pelo amplo debate sobre a importância da Educação Inclusiva, incluindo-se nele alunos, famílias e comunidades. O alcance do princípio de inclusão escolar não se efetivará sem se considerarem as reais condições para a inserção gradativa, contínua, sistemática e planejada do aluno nesse contexto (CAPELLINI; RODRIGUES, 2009). Acrescenta Mészáros (2008, p. 11) que “[...] o deslocamento do processo de exclusão educacional não se dá mais principalmente na questão do acesso à escola, mas sim dentro dela [...]”, uma vez que a democratização da escola evidencia também o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino ampliam o acesso, no sentido de universalizar, mas continuam excluindo aqueles considerados fora dos padrões homogeneizadores 27 da escola. Ainda acerca deste paradoxo, Oliveira, Papim e Paixão (2018, p. 21) afirmam que “[...] o mecanismo de seleção e exclusão social praticado dentro da escola enseja a discriminação”. Na visão de Booth e Ainscow (2002), urge criar uma cultura escolar inclusiva preocupada em minimizar as barreiras à participação, começando-se por ações colaborativas, que precisam ser incentivadas pelos líderes educativos, ainda que, de acordo com Oliveira, Papim e Paixão (2018, p.14), não haja como tratar de educação inclusiva, nem da escola, sem se “remeter às contradições da política nacional”, à qual ambas estão submetidas, mas afirma também que “[...] com modificações no funcionamento interno da cultura escolar, a educação inclusiva de qualidade, se torna possível”. Considerando-se que a educação inclusiva é a efetivação do direito à educação para todos os alunos sem distinção, visando reverter o percurso da exclusão ao propor a criação de condições, é preciso reconhecer as diferenças no ambiente escolar. Nessa perspectiva inclusiva, é urgente reconhecer dentre os alunos aqueles que, por suas necessidades educacionais especiais, são caracterizados como público-alvo da educação especial (PAEE): os com transtornos globais do desenvolvimento (TGD), altas habilidades/Superdotação e deficiência. O documento orientador mais atual que defende o direito desses alunos, considerando a igualdade e a diferença como valores indissociáveis (PRIETO, 2006), é a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva-PNEE-PEI (BRASIL, 2008a). Prieto (2006) ressalva que somente é possível pensar os conceitos de igualdade e diferença levando-se em conta a concepção de direitos e desigualdades sociais postas em nossa sociedade, ou seja, não se deve naturalizá-los, vendo-os apenas como condições inerentes aos sujeitos, descontextualizados do meio social. Para Mendes (2006), a inclusão escolar deve ser vista como um processo e não como algo estagnado, compreendendo-se sua essência a partir das mudanças advindas da educação especial no processo histórico (PRIETO, 2006; CAPELLINI, 2009; OMOTE, 2012). Nesse sentido, sintetizamos as dimensões da educação inclusiva e da educação especial existentes na escola. Enquanto a educação inclusiva considera o direito à educação de todos os alunos, sem distinção; a educação especial é uma modalidade de ensino, que na perspectiva da educação inclusiva atende o aluno público-alvo da educação especial (PAEE), caracterizado como aquele com transtornos globais do desenvolvimento (TGD), altas habilidades/superdotação e deficiência, em classes comuns nas escolas regulares (PRIETO, 2006). Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, a educação especial: 28 Realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008a, p. 16). Esse marco político também orienta os sistemas quanto à: Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; Atendimento educacional especializado; Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; Participação da família e da comunidade; Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008a, p.10) A fim de atender o aluno público-alvo da educação especial (PAEE), a Educação Especial sofreu modificações ao longo dos anos e a partir dela organizou-se o serviço intitulado Atendimento Educacional Especializado (AEE)3, em que especialistas buscam, junto às escolas, articular planos de acordo com as especificidades dos estudantes. O serviço está amparado pela resolução nº 4/2009 do CNE/CEB (BRASIL,2009, p. 1-2), que institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial e que prevê: Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. Art. 9º A elaboração e a execução do plano de AEE são de competência dos professores que atuam na sala de recursos multifuncionais ou centros de AEE, em articulação com os demais professores do ensino regular, com a participação das famílias e em interface com os demais serviços setoriais da saúde, da assistência social, entre outros necessários ao atendimento. Contudo, ainda é necessário que um projeto escolar brasileiro seja construído, pois, passados diversos anos dos marcos legais, a inclusão educacional nas escolas ainda caminha para se efetivar (MENDES, 2006; MENDES; CIA, 2012; CAPELLINI, 2009; 2017). Nesse sentido, Prieto et al. (2013) enfatizam que o caminho da inclusão escolar é um dos objetivos educacionais que ainda necessitam de mudanças de ordem social, econômica e 3 O profissional do Atendimento Educacional especializado (AEE) é, preferencialmente, especialista em Educação Especial, porém alguns que já estão na escola são os que possuem formação em Pedagogia com habilitação, a qual foi extinta na formação a partir da resolução CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL,2006a). De acordo com o Decreto nº 6.571, de 18 de setembro de 2008 (BRASIL,2008b) e Resolução nº 4/2009 (BRASIL,2009), o profissional especialista deve ter formação inicial que o habilite para a prática docente e formação específica na educação especial. A formação inicial não precisa mais ser a Pedagogia. 29 cultural, para que tanto as políticas públicas quanto as práticas na escola se tornem menos contraditórias. 1.2 Gestão Democrática na escola Por volta de 1990, no Brasil, de acordo com Abdian et al.(2013), a ideia de gestão democrática se fortalece paralelamente ao início da afirmação dos princípios neoliberais, como qualidade total, informatização, investimento em pesquisas práticas e abertura aos financiamentos nas universidades. Com isso, os conceitos atribuídos à gestão democrática eclodem a fim de se criarem sentidos e um referencial teórico que expusessem a especificidade da gestão na escola em detrimento da gestão empresarial, que também tem seu ápice naquele momento (ABDIAN et al., 2013). Acerca dos sentidos, tomamos as palavras de Libâneo (2004), que retrata a gestão democrática como uma atividade coletiva que agrega pessoas, implica a participação e objetivos comuns e depende de capacidades e responsabilidades individuais e coletivas. Paro (2006) defende que, no contexto da gestão democrática, a escola precisa ser gerida sem os constrangimentos da gerência capitalista, articulando-se em decorrência do trabalho cooperativo e democrático com todos os envolvidos no processo escolar, em direção ao alcance de seus objetivos educacionais. Nas palavras de Luck (2009), o conceito de gestão já pressupõe, em si, a ideia de participação. E o princípio da gestão democrática inclui todos os professores e a comunidade escolar, de forma a garantir qualidade para todos os alunos um projeto compromissado com os princípios da democracia, quanto à participação, ao compartilhamento e à tomada de decisões coletivas. Nesse sentido, contribuem Abdian et al. (2013), ao afirmarem que na gestão democrática tudo deve ser compartilhado, inclusive a responsabilização deve ser coletiva e ter como essência o envolvimento de todos, como forma de democratizar as relações. É importante ressaltar que a promoção da democracia nas relações escolares está prescrita na Constituição Federal (BRASIL,1988), em seu artigo 206, que apresenta o conjunto de princípios que solidificam a educação nacional. No inciso VI desse artigo, lê-se “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. A sua oficialização enquanto um bem público na educação está ratificada, de forma mais específica, na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional- LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996), in verbis: 30 Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996). Em outras palavras, o artigo 14 explicita que, apesar de a LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996) tratar da matéria, os sistemas estaduais e municipais de ensino poderão/deverão regulamentá-la também nas suas próprias esferas, desde que estejam garantidos os dois tópicos indicados nos incisos I e II, os quais se referem à participação como elemento no exercício da democratização das relações escolares. No inciso I, trata de ações de cunho interno, como a elaboração do projeto da escola; no inciso II, aborda ações no âmbito externo, envolvendo a comunidade por meio dos conselhos escolares e outros colegiados. Após quase duas décadas de vigência dos dispositivos oficiais supra, em 2014 foi aprovado o novo Plano Nacional de Educação (PNE) por meio da Lei Federal nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014), abordando a mesma matéria, porém de forma mais ampla do que a legislação anterior, e prevendo metas, das quais merece destaque a de número 19, que dialoga com a LDBEN 9.394/96 (BRASIL, 1996), conforme segue: 19.4) Estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações; 19.6) Estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares. Com efeito, ainda que participação, autonomia e descentralização sejam palavras-chave em boa parte dos documentos legais mencionados, a autonomia explicitada principalmente na LDB, também atrelada aos incisos I e II, remete provavelmente ao fato de que a aplicação da matéria tornou-se distinta no Brasil em projetos das esferas estaduais e municipais, pela liberdade de aplicação. Com isso, possivelmente, um dos conceitos-chave ora tratados com imenso interesse neste estudo - a participação - se mostra com sentidos e peculiaridades diferentes nos diversos contextos. Com o propósito de relacionar a participação à democratização das relações escolares, apresentamos aqui discussões da literatura. Luck (2009) ensina que essa perspectiva deve proporcionar, de forma ampla e articulada, a participação de todos na gestão escolar, desde o 31 planejamento até a execução das atividades, objetivando organizar a proposta educacional, em vista da realidade escolar interna e do seu entorno. Destaca-se aqui que a participação é uma forma de descentralização pela gestão democrática da escola, pois possibilita, além de um envolvimento de todos, tomadas de decisões em conjunto, primando por um caminho coletivo e facilitando uma visão comum sobre os objetivos, estrutura e organização de sua dinâmica e relações da escola com a comunidade (BORDENAVE, 1994; BENEVIDES,1996; LIBÂNEO et al.; DAL RI, 2012; ASBAHR et al., 2017; MARTÍNEZ; PORTER, 2018). Sobre a autonomia, que precisa ser construída no processo escolar, escreve Paro (2011, p.199): Certamente, uma das questões mais espinhosas com que se defronta quando se trata de conceber uma educação escolar verdadeiramente democrática diz respeito à autonomia que deve caber aos educandos na escola. No ensino tradicional, em que o aluno é tido como mero receptor de conhecimentos e informações, o assunto é facilmente resolvido com a aceitação de que às crianças cabe apenas obedecer aquilo que é estabelecido pelos adultos, estruturando-se a escola de modo a atender esse mandamento. Por isso, a organização para a obediência prevalece não apenas nas atividades-meio, mas também nas atividades-fim. Quando, porém, se toma como pressuposto a liberdade dos educandos para se fazerem sujeitos do ensino, o processo se torna bastante complexo, porque não se trata tão somente de dar ou negar autonomia. Autonomia, a exemplo do que acontece com a educação, é algo que deve ser desenvolvido com a autoria do próprio sujeito que se faz autônomo. Isso acarreta implicações imediatas para a forma de realizar-se o processo ensino-aprendizagem. Para Pistrak4 (2011), para se transformar a escola e consequentemente a sociedade, não bastam mudanças no conteúdo a ser ensinado. São necessárias mudanças maiores no que tange às práticas, e mais, à própria organização e funcionamento escolar, tornando a escola um espaço de coerência entre o seu papel de ensinar e os novos objetivos que uma sociedade em mudanças demanda. Só assim a escola torna-se capaz de ser parte dessa sociedade, minimizando as dicotomias. Mas há que se destacar que, apesar de previstas na LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996), a participação e a autonomia raramente fazem parte da realidade das escolas brasileiras. Nesse sentido, vale mencionar Paro (2006), para quem é preciso muito cuidado na análise dessa questão da descentralização, uma vez que muitos gestores têm um discurso democrático, 4 Moisey Mikhaylovich Pistrak foi um dos líderes ativos das duas primeiras décadas de construção da escola soviética. Seu legado contribuiu para a construção de uma Pedagogia socialista: uma pedagogia centrada na ideia do coletivo e vinculada ao movimento mais amplo da transformação social (PISTRAK, 2011 p.8). 32 alegando dar algumas aberturas à comunidade5 escolar, o que não configura a escola como democrática, já que a participação, nesse caso, depende da autorização de alguém, de concessões do outro. Benevides (1994) também discute, nesse contexto da participação, a questão do direito legítimo depender de concessões, quando se pensa em avanços num cenário do liberalismo. Para a autora, aparece aí a contradição entre a teoria e a prática, uma vez que o direito legítimo passa a ser concedido como “[...] benesses para protegidos, tutelados, clientelas. Deixa de ser direitos, para ser alternativas de direitos” (p.7). Assim também Dal Ri e Vietez (2010) consideram que a forma como a escola está organizada e a atuação da gestão são pilares do sistema de ensino e das escolas enquanto unidades, porém tais fatores interferem diretamente na realidade escolar, porque, dependendo da vivência e das condições proporcionadas, promovem um ambiente democrático ou não. Nesse sentido, Pistrak (2011, p.10) problematiza os desafios atuais: [...] como vincular a vida escolar, e, não apenas seu discurso, com um processo de transformação social, fazendo dela um lugar de educação do povo para que se assuma como sujeito da construção da nova sociedade. Há questão mais atual do que esta para todos que estamos discutindo um projeto popular para o Brasil? Todavia, não é só a ação voluntária do aluno e da comunidade que precisa ocorrer. É necessária uma aproximação diária entre todos que pertencem à escola, de forma partilhada. Para isso, condições objetivas para a participação necessitam ser articuladas pela gestão, possibilitando um encontro com caráter político, no sentido amplo, para além de questões partidárias, visando a uma prática compartilhada, principalmente em relação aos alunos, que estão em momento de aprendizagem e desenvolvimento (BRASIL, 2004b; ARAÚJO, 2007; 2015). Paro (2002) chama a atenção para os diversos fatores implicados em tal processo, explicando que a participação da comunidade na gestão democrática submete-se a algumas condições, entre as quais se destacam aqui as internas, que se configuram em quatro tipos: o primeiro são os condicionantes materiais de uma gestão participativa, que se referem às condições objetivas encontradas no interior da escola; o segundo, de ordem institucional, destaca o caráter das relações hierárquicas e o desequilíbrio da autoridade nas relações de ordem horizontal e vertical; o terceiro são os condicionantes político-sociais: os interesses dos 5 Nos termos de Paro (2006) "comunidade" aqui empregado refere-se ao conjunto de pais/famílias que, ou por residirem no âmbito regional servido por determinada escola, ou por terem fácil acesso físico a ela, são usuários, efetivos ou potenciais de seus serviços. 33 grupos dentro da escola, os quais se referem à diversidade de interesses dos grupos em relação ao âmbito escolar, sendo muitas vezes imediatos e conflituosos; e por fim, os condicionantes ideológicos da participação referem-se ao modo de pensar e agir das pessoas, os quais interferem em seu comportamento. Por isso, tendo em vista que profissionais da escola, alunos e seus familiares estão submetidos às forças de campos condicionantes no contexto da escola, a mudança da realidade pode depender de novas concepções do projeto político-pedagógico, o qual poderá alcançar a prática democrática, para além do âmbito conceitual imputado pela lei. Sobre isso, escreve Werle (2003, p.24): Só se pode aprender a democracia por meio do fazer e da vivência de processos e espaços participativos avaliados, constantemente, em sua qualidade democrática: a aprendizagem conceitual e teórica da democracia tem, na verdade, menor relevância nesse processo. A participação adulta pode ser prognosticada pela participação como estudante, daí a importância de a escola dedicar tempo para fazer democracia e promover a participação. Vale ressaltar que a gestão democrática traz em seu bojo conceitual formas de articulação, como conselho de escola e grêmio estudantil - instrumentos articuladores para participação e representatividade. 1.3 Educação inclusiva e a Gestão Democrática no espaço escolar: uma interface para a participação de todos Após apontamentos sobre Educação Inclusiva e Gestão Democrática, é possível aventar perspectivas para se estabelecerem vínculos e relações no ambiente escolar, conforme ressalta Tezani (2009, p.2): Uma das possibilidades de construção da escola inclusiva é a aproximação dos sujeitos (comunidade interna e externa), diante da descentralização do poder [...]. A gestão escolar democrática e participativa proporciona à escola se tornar mais ativa e suas práticas devem ser refletidas na e pela comunidade. Portanto, é necessária a participação de todos para que a educação seja realmente para todos, conforme pregam as declarações de Jontiem (UNESCO,1990) e Salamanca (UNESCO, 1994). Isso só será possível com a educação inclusiva, em que se preza o atendimento às singularidades e respostas às diferentes necessidades dos alunos (MENDES, 2006; OLIVEIRA; LEITE, 2007; CAPELLINI, 2009; 2017). 34 Nesse sentido, a construção da escola democrática deve começar pela “criação de estruturas participativas”, isto é, de formas de participação que proporcionem a organização de todos, a fim de a escola constituir-se um espaço mais aberto, formando cidadãos que tenham posicionamentos democráticos em suas ações nos diversos espaços sociais (BORDENAVE, 1994; WERLE, 2003, p. 20). Vale ressaltar que, embora a gestão não seja a única responsável em instituir as formas de participação da comunidade escolar, muitas vezes estabelece relações hierárquicas muito centralizadoras e, por conseguinte, torna frágil o ambiente democrático, o que pode dificultar a formação de cidadãos, uma vez que os mecanismos centralizados de participação na escola não permitem a participação de todos os alunos. Segundo Zonta et al. (2016, p. 264), poucas são as escolas com relações democráticas. Paro (2002) ressalta que a participação é parte da coletividade, não se restringindo ao individual. Nesse cenário, a autonomia dos alunos não está vinculada aos interesses de ordem pessoal, mas sim de ordem coletiva (CARNEIRO; CAPELLINI; ZANATA, 2012; BULHÕES et al., 2018). Tezani (2009) alerta para o fato de que a gestão escolar democrática requer um envolvimento de todos no processo educacional, de forma direta e indireta. Ainda que muitas vezes surjam conflitos quando da colaboração dos atores do ambiente escolar, esse movimento aprimora as relações, no que o gestor tem um papel primordial. Abdian et al. (2013), com o propósito de analisar a função do diretor de escola estadual no Estado de São Paulo, confrontou os conteúdos de documentos da área, diretrizes e concepção dos profissionais da educação, por meio de entrevista. Suas considerações apontam que o discurso sobre o papel da gestão, especificamente do diretor, ainda é incoerente, e que a existência da participação, que interessa a este trabalho, ainda é vista na dimensão do “poder falar e ser ouvido” e não no sentido de participar das decisões. Complementam Abdian e Oliveira (2014) que a gestão escolar deveria promover uma esfera democrática, contribuindo, assim, para novas formas de organização escolar. Paro (2006), tratando da natureza da participação, estabelece dois tipos: a execução e a tomada de decisões. Segundo o autor, os dois são vinculados; porém, nas relações de poder na escola, a participação pode ser restringida à execução, mesmo que no discurso ambos apareçam como sendo princípios da gestão. Prieto (2002) afirma que os gestores escolares devem concentrar suas ações de forma que efetivem a proposta de educação inclusiva, unindo os discursos de democratização do ensino aos princípios da gestão. Nesse sentido, Abdian e Oliveira (2014) destacam que o 35 exercício democrático e emancipatório da vida entre as pessoas, como uma constituição social futura, pode começar no âmbito da escola, no decorrer do dia a dia. Não se pretende aqui criar pontos de responsabilização sobre a gestão escolar, mas sim sublinhar a sua importância na consolidação articulada das duas perspectivas, educação inclusiva e gestão democrática, conforme Sant'Ana (2005, p.2): Na inclusão educacional, torna-se necessário o envolvimento de todos os membros da equipe escolar no planejamento de ações e programas voltados à temática. Docentes, diretores e funcionários apresentam papéis específicos, mas precisam agir coletivamente para que a inclusão escolar seja efetivada nas escolas. Assim, é fundamental uma avaliação da própria escola sobre suas práticas. Nesse sentido, Booth e Ainscow (2012) propõem materiais para a autorrevisão de todos os aspectos da escola e afirmam que a “inclusão tem a ver com a ampliação da participação para todas as crianças e adultos” (p. 9). Ainda que os desafios sejam imensos, Abdian e Oliveira (2014, p.20) reconhecem as possibilidades de uma nova organização no espaço escolar: [...] temos consciência das contradições da realidade que estão presentes na escola e das dificuldades de diferentes naturezas a serem enfrentadas, mas reiteramos as possibilidades de a escola contribuir com a formação de novos sujeitos, que possam interferir na busca de uma nova lógica social. Isso posto, emerge uma questão: Como, em um cenário de condições objetivas nem sempre favoráveis, é possível promover a democratização escolar com a participação de todos os alunos? Para discutirmos a participação discente, aqui é retomada uma das entidades de representatividade do aluno: os grêmios estudantis. O foco é a participação dos alunos com deficiência nessa entidade. 36 CAPÍTULO 2 A PARTICIPAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA NO GRÊMIO ESTUDANTIL 2.1 Caracterizando o grêmio estudantil Sabe-se que os grêmios já são uma realidade em muitas escolas brasileiras. De acordo com levantamento divulgado no site do governo do Estado de São Paulo: Secretaria da Educação, atualizado em julho de 2017, eles estão presentes em 4.713 das quase 5.000 escolas estaduais, o que representa 92% do total de escolas do Estado. Porém, vale questionar se em tais grêmios estudantis ocorre a participação dos alunos com deficiência. Com o propósito de contextualizar os grêmios estudantis, destaca-se que os primórdios do movimento estudantil no Brasil ocorreram em 1710, quando vários estudantes, que faziam parte de conventos religiosos, se juntaram para expulsar invasores franceses dos colégios e das moradias que abrigavam os religiosos no Rio de Janeiro (CARLOS, 2006). Depois dessa ocorrência, houve outras manifestações estudantis, porém transitórias e de caráter regional. De acordo com Poerner (1979), a atual participação política dos estudantes pode ser entendida com base na fundação, em 22 de dezembro de 1938, em pleno Estado Novo, da União Nacional dos Estudantes (UNE), que apresentava forte papel político. Em 1948, foi criada entidade nacional secundarista, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), abarcando os estudantes do ensino fundamental e médio. Com isso, os estudantes passaram a ter sua representação própria. Os secundaristas envolveram-se em diversos movimentos populares, culturais, musicais, festivais de cultura, entre outros (CARLOS, 2006). Em 1964, com o golpe militar, inicia-se uma implacável perseguição aos movimentos sociais, incluindo-se o movimento estudantil. A Juventude Estudantil Católica (JEC), voltada para alunos entre 12 e 16 anos, mais presentes em colégios religiosos, também sofreu repressão. O governo assinou um decreto junto com o AI-5 (Ato Institucional número cinco - que deu superpoderes ao Presidente da República e vetou a participação política da população e manifestação contrária ao regime), criando novas entidades de representação dos estudantes. Assim, os grêmios estudantis foram substituídos pelos centros cívicos; e , nas Faculdades e Universidades, os centros acadêmicos foram substituídos pelos diretórios acadêmicos (POERNER, 1979; DAL RI, 2011). 37 A UNE, embora na ilegalidade, continuou a funcionar por muitos anos, inclusive fez o famoso trigésimo congresso clandestino de Ibiúna, São Paulo, em 12 de outubro de 1968, o qual teve a participação de cerca de mil estudantes, que foram presos por protestar contra a ditadura. Aqui, merecem destaque as lutas dos movimentos estudantis, principalmente contra a repressão policial, em que muitos morreram, como o secundarista Edson Luiz de Lima Souto, que foi assassinado em 1968, no restaurante Calabouço do Rio de Janeiro, local de encontro de estudantes. A morte do estudante desencadeou várias passeatas denunciando a injustiça e a opressão em meio à ditadura (POERNER, 1979; CARLOS, 2006). Em meados de 1977, a UNE realiza o Congresso de Refundação do Movimento, em Salvador, Bahia, a partir do qual foi legalizada (POERNER, 1979; DAL RI, 2011). Já em 11 de novembro de 1984, surge a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), de São Paulo, entidade que representa estudantes do ensino fundamental e médio, cursos supletivos, pré-vestibulares e cursos de educação profissional, níveis básico e técnico, e que continua atuante até hoje. O Grêmio Estudantil, enquanto entidade representativa dos alunos, ressurge na história do Brasil após a redemocratização, quando foi sancionada a Lei 7.398/85 (BRASIL, 1985), que dispõe sobre a organização de entidades representativas dos estudantes de 1º e 2º grau, assegurando, no seu art. 1º, “a organização de estudantes como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas com finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais”. O referido dispositivo legal dispõe sobre a organização de entidades representativas dos estudantes de 1° e 2° graus nos seguintes termos: Artigo 1º - Aos estudantes dos estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus fica assegurada a organização de grêmios estudantis como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas, com finalidades educacionais, culturais, cívicas, desportivas e sociais. § 2° - A organização, o funcionamento e as atividades dos Grêmios serão estabelecidos nos seus estatutos, aprovados em Assembleia Geral do Corpo discente de cada estabelecimento de ensino convocada para este fim. § 3° - A aprovação dos estatutos, e a escolha dos dirigentes e dos representantes do Grêmio Estudantil serão realizados pelo voto direto e secreto de cada estudante observando- se no que couber, as normas da legislação eleitoral (BRASIL, 1985). Posteriormente, em 1990, foi sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 (BRASIL,1990)6, que, em seu artigo 53º, estabelece que a criança e o adolescente 6 A Lei nº 8.069 (BRASIL,1990), no seu Art. 2º, considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7398.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7398.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm 38 têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, e assegura-lhes, no inciso IV, o direito de se organizarem e participarem de entidades estudantis. Ainda reiterando o direito à organização dos grêmios estudantis, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 80, de 2014, de autoria do Senador Pedro Taques, que propõe alterar a lei nº 7.398, de 4 de novembro de 1985, para fomentar a criação de entidades representativas dos estudantes: “Art. 1º - O caput do art. 1º, da Lei nº 7.398, de 4 de novembro de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação: Aos estudantes da educação básica é garantida sua livre associação voltada para atividades educacionais, culturais, cívicas, esportivas, sociais, assuntos da sua comunidade e monitoramento da gestão educacional e financeira da sua instituição”. Ainda de acordo com o Projeto, o Art. 2º da referida lei passará a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos: “As instituições de ensino incentivarão a criação de organizações de estudantes, assegurando-lhes autonomia de atuação.” Em relação ao papel da escola, aponta em seu no parágrafo único: “Sempre que necessário, as instituições de ensino colaborarão com os estudantes na formação de suas organizações, apoiando a constituição, a divulgação e a realização das eleições pelos estudantes.” Diante do exposto, vê-se que os grêmios estudantis são resultado de muita luta, que continua, objetivando sua ampliação e/ou mudanças. Em relação aos níveis educacionais, a Lei nº 7.398 (BRASIL,1985) refere-se aos secundaristas; a Lei nº 8.069 (BRASIL,1990) não menciona o nível de ensino, porém, pelo recorte de idade, pressupõe toda a educação básica, o que é reiterado, de forma mais explícita, no Projeto de Lei nº 80, de 2014. Ressalta-se que a lei e o projeto de lei mencionados abarcam a faixa etária dos sujeitos desta pesquisa. Vale lembrar ainda que a existência dos grêmios é garantida também pela LDBEN 9.394/96 (BRASIL,1996). Como vimos, os documentos legais são necessários para se instituir o estado de direito. A partir deles, o grêmio, como entidade discente, passa a fazer parte da escola. Sem dúvida, tal previsão legal é um ganho democrático. Todavia, a existência dos grêmios no ambiente escolar ainda é tema complexo, pois ora eles são vistos como entidade autônoma dos alunos, ora são organizados e controlados pelos gestores da instituição e não pelos alunos. O grêmio estudantil existe em função dos alunos e para eles, proporcionando-lhes oportunidade de contribuir na construção de relações democráticas no âmbito escolar, por meio de ações coletivas de natureza social, cultural, recreativa e informativa, em resposta às problemáticas levantadas pelos próprios discentes (DAL RI, 2011; ABDIAN; OLIVEIRA, 2014). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm 39 Na mesma linha de pensamento, Zonta et al. (2016, p.271) afirmam que “o grêmio representa a organização dos alunos e têm um grande potencial transformador”. Já Bulhões et al. (2018, p.100) escrevem que “entende-se por grêmio estudantil uma instituição que representa o interesse dos estudantes de uma escola, independente da secretaria da unidade escolar, de sua direção e de qualquer outro órgão privado ou governamental”. Ainda quanto à independência e à dimensão política do grêmio, Valente et al. (2015, p.2) defendem que: O grêmio desponta como um espaço que contribui para gerar um sentido de pertencimento ao espaço escolar nos alunos, uma vez que estes passam a se sentir responsáveis pelo cuidado com este espaço. Isto produz uma mudança na relação destes alunos com a escola. Dessa forma, o grêmio estudantil se coloca uma entidade política que traz a possibilidade de constituir espaços de educação que contribuam para a formação de estudantes autônomos e críticos na sociedade capitalista. A partir da participação no grêmio, muitos estudantes passam a se envolver mais com questões da realidade de sua escola, da sua comunidade e da sociedade como um todo. Assim, o grêmio deve ser considerado uma instância da gestão democrática, não somente como possibilidade de tomada de decisões, mas como processo emancipatório, em que os alunos possam desenvolver seu senso crítico, vivenciando práticas de autonomia e cidadania. Dessa forma, ao se tornarem adultos, terão maiores condições e conhecimentos para participar ativamente onde quer que estejam (ARAÚJO, 2007; LIMA; DAL RI, 2010; DAL RI, 2011; ZONTA et al., 2016, ASBAHR et al., 2017). Nesse contexto, tomamos o grêmio como referência para uma educação que compreende o aluno em formação rumo às transformações para a democratização das relações escolares, a partir da ação dos próprios alunos. Diante disso, como parte deste trabalho, foi realizada, entre 2013 e 2017, uma revisão bibliográfica sobre a participação dos alunos com deficiência nos grêmios estudantis. Foram elencados os periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), plataforma SCIELO, no site da Unesp, pelo sistema Parthenon (busca integrada), e na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), em outubro e novembro de 2017. A fim de verificar novas pesquisas sobre o tema, em julho de 2018 foram feitas novas buscas no site da USP, por meio da Plataforma integrada pelo site da USP e pelos Repositórios Institucionais. O levantamento foi feito a partir da análise do resumo e palavras- chave de artigos, dissertações e teses. Os descritores utilizados - “Gestão Democrática e Participativa”, “Grêmio Estudantil”, “Protagonismo infantil”, “Participação infantil”, “Movimento estudantil” - foram combinados 40 com os que se referem aos sujeitos “aluno com deficiência” e “aluno público-alvo da educação especial (PAEE)”. O termo PAEE foi utilizado a fim de ampliar a busca, caso aparecesse como sinônimo de aluno com deficiência. No que tange aos periódicos da Capes, foram levantados dez artigos sobre o grêmio estudantil, enquanto entidade, sem identificação do aluno com deficiência. Selecionou-se um para descrição, o qual, ainda que não trate diretamente da temática da participação do aluno com deficiência no grêmio, traz o termo escola inclusiva, colocando como sujeitos “todos e todas”, o que está mais próximo da temática desta pesquisa. Tal artigo consta do Quadro 1. Quadro 1- Levantamento de periódicos na Capes Categoria Ano Titulo Instituição Autores Artigo 2008 Gestão democrática e participação na escola pública popular -Universidade Federal de Uberlândia, Campus do Pontal, Minas Gerais, Brasil - Revista Iberoamericana de Educación Maria Célia Borges Dalberio Fonte: Elaborado pela autora (2018). O artigo apresentado no Quadro 1 parte de um capítulo de tese de doutorado da PUC/SP e problematiza a efetivação da democracia no ambiente escolar. Apresenta uma reflexão sobre os conceitos de democracia e os desafios e possibilidades de uma escola mais democrática e inclusiva. Por meio de pesquisa bibliográfica, Dalberio cita autores que tratam do grêmio estudantil, organização colegiada a ser incentivada na escola para garantir a participação no processo de construção do Projeto Político-Pedagógico, despertando os sujeitos históricos e ativos que se encontram adormecidos em cada cidadão. Frise-se que o texto aborda os conceitos de democracia e grêmio estudantil de forma superficial, enfatizando outros assuntos, como educação popular e papel da escola. Chama a atenção para a importância dos grêmios no processo de democratização da escola; porém, não o articula com os demais pontos da discussão. Em relação à base SCIELO, foram levantados seis artigos, descartados após a leitura do resumo e palavras-chave, uma vez que apresentam o termo deficiência como sinônimo de problemas na escola, sejam de ordem estrutural, sejam no currículo. Nas buscas realizadas pelo sistema Parthenon, por meio do site eletrônico da biblioteca da Universidade Estadual (UNESP), foram encontrados, sobre o termo isolado grêmio 41 estudantil, nove materiais, os quais foram também descartados por não tratarem da temática de interesse desta pesquisa. No site da Anped, com o recorte em produção das Reuniões Nacionais, buscamos o grupo de trabalho Educação Especial (GT-15). Nos anos de 2013 e 2017, foram encontrados oito trabalhos, todos descartados, pois, ainda que tratem da inclusão escolar e da Gestão democrática, não abordam a temática em questão. Na retomada, em 2018, a partir da plataforma de pesquisa integrada da USP, foram vistos os repositórios institucionais, nos quais não foram encontrados trabalhos abordando o assunto desta pesquisa. Ainda nesse site, agora, por meio da plataforma do Google Scholar, foi encontrado um artigo que retrata a participação no grêmio estudantil de aluno com deficiência, conforme descrito no Quadro 2: Quadro 2- Levantamento no Google Scholar Categoria Ano Titulo Instituição Autores Artigo 2014 Quando não se falava em inclusão: a história de vida do primeiro advogado cego formado no Brasil Revista de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) -Bento Selau e Magda Floriana Damiani Fonte: Elaborado pela autora (2018). O trabalho apontado no Quadro 2 buscou reconstruir, por meio do método biográfico, a história de vida de Walkírio Ughini Bertoldo, considerado o primeiro cego brasileiro a concluir o ensino superior no país, no ano de 1957. É destacada sua atuação como presidente do Grêmio Estudantil do Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, por várias gestões, tendo sido ele responsável pela edição da revista A Rio Grandense, editada em braille e remetida para diversos países. Há relatos sobre sua trajetória no ensino superior e seu enfrentamento às resistências em aceitá-lo. O trabalho ainda enfatiza a contribuição de sua luta para o desenvolvimento social e para a inclusão dos cegos. O texto não discute sua participação no grêmio, porém evidencia ações reais do estudante com deficiência na entidade de representação discente. A revisão de literatura ilustra a escassez de pesquisas abordando a temática aqui abordada, ressaltando a relevância da proposição deste estudo. 42 Ressalte-se ainda os alunos com deficiência têm o mesmo direito que os demais de participar nos grêmios estudantis. Como o grêmio requer a atuação dos alunos e possibilita o desenvolvimento da sua autonomia (ASBAHR et al., 2017), a fim de avançar em propostas e decisões, torna-se necessário olhar para as especificidades educacionais de cada um e proporcionar as flexibilizações7 necessárias, com vistas ao seu desenvolvimento e participação (VYGOTSKI, 1997). Isto é, além de adquirir conhecimentos, os alunos devem poder utilizá- los em todos os espaços em que convivem. Oliveira, Papim e Paixão (2018, p.29) corroboram esse entendimento: Por conseguinte, questão nevrálgica para aprendizagem na perspectiva inclusiva encontra-se no oferecimento de práticas pedagógicas intencionadas e flexíveis, a fim de atender às necessidades individuais sem abandonar a dimensão do coletivo. Para avançar nessa discussão sobre a participação dos alunos com deficiência, urge lembrar que sua participação política já ocorre por meio de órgãos públicos, o que retrata uma representatividade política a ser considerada na escola e na organização discente para o grêmio estudantil. 2.2 A participação das pessoas com deficiência no âmbito social e político Sob a ótica da historicidade, o passado é imprescindível para se entender o presente. No âmbito deste trabalho, o passado, segundo Lobo (2008), traz à tona resquícios que permitem compreender a participação ou a ausência de participação, em todos os contextos sociais, do sujeito com deficiência. Assim, é possível concluir que, via de regra, a não participação se dá apenas pelo fato de o sujeito ter deficiência. Lobo (2008) destaca ainda sobre a importância d